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Almeida Garrett

1ª estrofe
- vista (sentido menos sensual, porque
pode ser utilizado à distância),
2ª estrofe
- ouvido (embora perceptível à
distância, implica maior
proximidade),
3 ª estrofe
- olfacto (requer quase o contacto
físico),
4 e 5 ª estrofe
- gosto e tacto (ambos só possíveis
através do contacto físico).
Três fermosos outeiros se mostravam,
     Erguidos com soberba graciosa,
     Que de gramíneo esmalte se
adornavam,
     Na fermosa Ilha, alegre e deleitosa.
     Claras fontes e límpidas manavam
     Do cume, que a verdura tem viçosa;
     Por entre pedras alvas se diriva
     A sonorosa linfa fugitiva.
     […]

     Mil árvores estão ao céu subindo,


     Com pomos odoríferos e belos;
     A laranjeira tem no fruito lindo
     A cor que tinha Dafne nos cabelos.
     Encosta-se no chão, está caindo,
     A cidreira cos pesos amarelos;
     Os fermosos limões ali, cheirando,
     Estão virgíneas tetas imitando.

     Os dões que dá Pomona ali Natura O processo gradativo utilizado por Garrett é idêntico
     Produze, diferentes nos sabores, ao que utilizou Camões para a apresentação
     Sem ter necessidade de cultura,
     (...) descritiva da Ínsula Divina (Ilha dos Amores) n' Os
     As cereijas, purpúreas na pintura, Lusíadas: vista (sentido menos sensual, porque
     As amoras, que o nome tem de
amores,
pode ser utilizado à distância), ouvido (embora
     O pomo que da pátria Pérsia veio, perceptível à distância, implica maior proximidade),
     (...)
olfacto (requer quase o contacto físico), gosto e
     Abre a romã, mostrando a rubicunda
     Cor, com que tu, rubi, teu preço tacto (ambos só possíveis através do contacto
perdes; físico)
     Entre os braços do ulmeiro está a
jocunda
     Vide, cos cachos roxos e outros
verdes;
     E vós, se na vossa árvore fecunda,
     Peras piramidais, viver quiserdes,
     Entregai-vos ao dano que cos bicos
     Em vós fazem os pássaros inicos.
Tema: a expressão erótica do amor.

Desenvolvimento do tema: dois


momentos: o primeiro espraia-se pelas cinco
estrofes seguidas e o segundo pela última
estrofe. Primeiramente, o sujeito poético
percorre cada sentido, da visão ao tacto, do
mais distante ao mais próximo, num
crescendo de actividade em direcção ao
culminar da paixão erótica; em seguida e na
sequência lógica, exprime-se
sinestesicamente o clímax erótico
São belas - bem o sei, essas estrelas,
Mil cores - divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza

Senão a ti - a ti! Em cada uma das estrofes, o sujeito


Divina - ai! sim, será a voz que afina
poético enquadra o tu no seio de
Saudosa - na ramagem densa, umbrosa. elementos da natureza, em relação
será; mas eu do rouxinol que trina aos quais percepcionamos uma
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia comparação, com a qual o mesmo tu
Senão a ti - a ti! é sublimado num processo de
Respira - n'aura que entre as flores gira,
exclusividade:
Celeste - incenso de perfume agreste, - estr. I: estrelas, flores;
Sei... não sinto: minha alma não aspira, - estr. II: rouxinol;
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma - estr. III: incenso de perfume agreste;
Que vem de ti - de ti! - estr. IV: pomos saborosos, racimo de
néctar;
pomos saborosos,
Formosos - são os
- estr. V: relva luzidia;
É um mimo - de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... mas é de beijos,

É só de ti - de ti!
Macia - deve a relva
Do leito - ser por certo em que me deito.
luzidia
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias

Senão em ti! - em ti!


Relva – metáfora de corpo
Formosos - são os pomos saborosos,
É um mimo - de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... mas é de beijos,
É só de ti - de ti!

pomos saborosos  metáfora


de seios
ADJECTIVOS
As cinco primeiras estrofes têm uma estrutura bipartida: uma parte
em versos decassílabos e outra em versos hexassilábicos. Entre essas
duas partes, há, globalmente, uma relação antitética, introduzida pela
conjunção adversativa "mas“. Esta construção ajuda a salientar o
papel da mulher.
“Senão a ti - a ti!”
“Senão a ti - a ti!”
“Que vem de ti - de ti!”
“É só de ti - de ti!”
“Senão em ti! - em ti!”
“Será morrer por ti.”
 as preposições:
- Acompanham a aproximação progressiva entre o sujeito poético e a
mulher;
- Seguem a distribuição dos sentidos, desde a visão (a ti) até ao
tacto (em ti);
- A preposição "por" traduz a "a morte de amor", tão cara aos
românticos. (clímax da relação amorosa)
Sinestesia
Figura que resulta da fusão de
A ti! ai, a ti só os meus percepções relativas a dados
sentidos sensoriais de sentidos diferentes.
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;
E quando venha a morte,
Será morrer por ti.

Construção sinestésica da última estrofe: atingido


o clímax erótico, os sentidos agem "Todos num
confundidos" impedida que está a acção da
consciência; esta situação levou à alteração da
estrutura da estrofe. (1º verso decassilábico e os
seguintes mais curtos, sugerindo alteração do ritmo)
O Amor, segundo Herberto
Helder
Havia uma cidade em espanto linear a cavalo noutra cidade em
geometria ambígua, um jardim era metade do outro, em que as
pétalas andavam para trás e para diante, com o perfume trocado e o
silêncio das cores tremendo no seu erro cheio de alvoroço florido, os
arquitectos disseram: é preciso um novo espaço para estas duas
pessoas que estão a pensar tanto com o corpo – e numa casa abria-
se a porta que vigiava os corredores onde o pólen se acendia e
dançava, e de repente a porta descerrava o espectáculo antigo do
nascimento da lua num quarto escuro, via-se o que a lua sempre fez
para trepar do soalho para o tecto pelas paredes docemente
retardadas, era o tempo da seda entre os nossos vinte dedos
embrulhados, e alguém escrevia à máquina num dos planos de
intersecção urbana, e a frase escrita aparecia com o seu rumor
externo noutro sítio, mas agora via-se no meio de uma clareira de
silêncio vivo, e ia-se apreendendo a nossa mútua nudez colocada no
sentido da frase, nós éramos essa cidade tremendamente posta em
uso, em toda a parte estavam mãos em vez de garfos e lâmpadas, e
a frase era assim: o amor, as mãos ininterruptas.

Herberto Hélder
JOGO

Eu, sabendo que te amo


como as coisas do amor são
difíceis
Preparo em silêncio a mesa
Os teus olhos do jogo, estendo as peças
Exigindo sobre o tabuleiro, disponho os
ser bebidos lugares
necessários para que tudo
Os teus ombros comece: as cadeiras
Reclamando uma em frente da outra, embora
saiba
nenhum manto
que as mãos não se podem
tocar,
Os teus seios e que para além das
Pressupondo dificuldades,
tantos pomos hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
O teu ventre transportam, talvez, uma
Recolhendo hipótese
o relâmpago de entendimento. É então que
chegas,
David Mourão-Ferreira e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de
lágrimas,
e empurras-me para dentro,
onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.

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