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“As imagens são feitas para comunicar, mas são

irremediavelmente mudas”

“Uma imagem vale mais do que mil palavras”, Kurt


Tucholsky.
Qualquer imagem pode servir como evidência histórica e não só
as artísticas.
Como fazer história com imagens?

Como interrogar as imagens a partir dos interesses e


questionamentos típicos do trabalho do historiador?

Quais as maiores armadilhas no trabalho com imagens, entendidas


como fonte histórica?
Desafios:
São cópia do real? Espelho do real?

Como o texto de Antonio Prata nos ajuda a formular questões para o


trabalho com imagens (fotografias)?
Imagens como fonte e seus desafios:
• Níveis profundos da experiência.

• Evidência de práticas sociais

• Imagens são ambíguas, podem ser lidas de muitas maneiras.

• Podem ser “traduzidas” – ou seja, adaptadas para uso em


ambiente diferente do que foi inicialmente idealizada. “Tradução
cultural” – Traduzir, copiar, adaptar.
1ª aula: Crítica das fontes. Saber interrogar as
imagens

Livro sobre: uso de imagens como evidência história – como usar e


quais os perigos. Livro investigará o uso de diferentes tipos de imagem
em diferentes tipos de história.

Objetivo do livro: apresentar conclusões gerais (provisórias que sejam)


sobre importância das imagens para historiadores
Burckhardt: imagens são testemunhas de etapas do
desenvolvimento do espírito humano, objetos através dos
quais é possível ler as estruturas de pensamento e
representação de uma determinada época”. 13

Perigo: Zeitgeist
Imagens:
Fontes/Evidências ou indícios?
“O uso de imagens por historiadores não pode e não deve ser
limitado à “evidência” no sentido estrito do termo. Deve-se
deixar espaço para “impacto da imagem na imaginação
histórica”. Burke
Armadilha:
Imagens registram “atos de testemunho ocular” (17) – “estilo
testemunha ocular” – ideia de que se fornecerá testemunho preciso–
“registro de incidente verdadeiro”. IMPRESSÃO DO EXATO, DO
VERDADEIRO.

Imagens compartilham “experiências não verbais”

Imagens são “testemunhas mudas”, podem ter sido criadas para


transmitir mensagem própria.
Então, como historiador deve proceder
diante dessas dificuldades?
Como fazer: estar ciente das fragilidades na leitura de
imagens + “desenvolver crítica da fonte” específica para
caso das imagens.

Contexto + função + estilo + recordação, propósito,


público e etc. – constituem sentido.
"Johannes de Eyck fuit hic. 1434" ( Jan van Eyck esteve aqui.
1434)

“Casal Arnolfini”, Jan Van Eyck, 1434.


Galeria Nacional de Londres

Testemunha ocular?
Les femmes d’Alger - 1834

Delacroix, Esboço para Les Femmes d’Alger


Deux femmes Assises (duas mulheres sentadas)
Burke: Esboços são mais confiáveis como testemunho do
que são pinturas trabalhadas. Por que?

Obra: Estilo, mais teatral, referências a outras imagens


(repertório)
Deve-se estudar primeiro os diferentes propósitos dos
realizadores das imagens, antes mesmo da análise da
imagem. [24]

“Mais confiáveis”: registros, documentando algo,


costumes de culturas exóticas, acompanhantes de
viagens, etc. CUIDADO: não há olhar inocente, livre de
expectativas ou preconceitos.
JOHN WHITE: Em seus esboços sobre os índios da
Virgínia, século XVI, pode ter omitido cenas de
nudez, sacrifício humano, ou outro aspecto que
pudesse chocar colonizadores em potencial. [24]
Ingres, Grande Odalisque
Impossibilidade do ESPELHO DO REAL – REFLEXO IDÊNTICO. TODO E
QUALQUER REFLEXO É SEMPRE DISTORCIDO, RECORTADO,
INTERPRETADO, ESTEREÓTIPOS, CONVENÇÕES VISUAIS. “PONTO DE
VISTA”

Pergunta primordial: O QUE SE QUER RETRATAR?


Conclusão CENTRAL: Introdução alerta sobre a crítica do olho
inocente, da necessidade do historiador estar atento aos
perigos, às armadilhas da imagem como cópia simples do real,
dos perigos de se tentar ler nas entrelinhas e, principalmente,
na necessidade de desenvolver métodos de crítica (na leitura)
dessas fontes.
Por que Burke decide começar o livro
pelo capítulo de fotografia?
TENTAÇÕES DO REALISMO – tentação de tomar a imagem pela
realidade. Isso é acentuado com fotografias.
Questão: até que ponto historiadores podem confiar nessas imagens?
“A câmera nunca mente”? - “Cultura do instantâneo”. [25]

NARRATIVA SUBJETIVA X FOTOGRAFIA OBJETIVA

Ideia de que os próprios objetos deixam vestígios na chapa fotográfica.


Trabalho não seria resultado das mãos humanas, mas do “lápis da
natureza” – imagem deixada pela luz na chapa.
“As fotografias não mentem, mas mentirosos podem fotografar”
(Lewis Hine).

“Se você deseja compreender cabalmente a história da Itália, analise


cuidadosamente os retratos. Há sempre no rosto das pessoas alguma
coisa da história da sua época a ser lida, se soubermos como ler”.
(Giovanni Morelli)
“Todos os grandes fotógrafos sentem-se livres para selecionar
tema, moldura, lentes, filtro, emulsão e granulação de acordo
com suas sensibilidades”. A realidade era diferente com
Ranke? [27]

Como responderíamos a isso?

Muitas vezes fotógrafos foram além da seleção, compunham


cenas.
A night on the streets of London’, c.1857, Oscar Gustave
Rejlander, Science Museum Group collection
Timothy O’Sullivan e Alexander Gardner – A harvest of death (Uma colheita de morte), 1863.
Pothotographic Sketch Book of the War
Fotografia mais famosa da Guerra Civil: Death of a soldier (Morte de um soldado), Robert Capa,
1936, foi contestada.
Lentes:
A - Referências culturais, estéticas e imagéticas do artista, fotógrafo [Repertório].

B – Tempo, contexto social. Espaço.

C – Lugar social + “Filtro cultural” [Estado de espírito, ideologia,

D – Mercado consumidor.

E – Temática escolhida

F – Interlocutor da foto. Para que e para quem.

G – Aquilo que vê e não entende ao retratar.

H – Aquilo que retrata sem querer – a contrapelo (geralmente a atuação do


fotografado)
Representações ou protagonismo (do fotógrafo, mas
também do fotografado
Imagens como CONSTRUÕES IDEOLÓGICAS subcutâneas às aparências –
“realidades interiores” para carregar imagens de sentidos

Fotografia aparenta “provas de uma realidade”. Armadilha: sempre fruto de


construção e criação do fotógrafo – produto estético-cultural.

Boris Kossoy, “A construção do Nacional na fotografia brasileira


Montagem do cenário e do conjunto para retrato – podia
camuflar diferenças entre as classes sociais. Fotógrafos
ofereciam: “Imunidade temporária em relação à realidade”.

ILUSÕES SOCIAIS – retratos são performances especiais –


oferecem evidências inestimáveis sobre o passado. Mas de que
tipo? Esperanças, valores, mentalidades, mudança desses
comportamentos ao longo do tempo.
Tenta entender o processo de feitura de cada categoria de
retrato, sua circulação, sua finalidade.
Imagem 19 – Retrato de Marcelina. Cartão de visita do estúdio Carneiro &
Tavares, RJ, 1876-1887, p.99.

Ex-escrava, sua história foi contada por Robert Slenes – “Escravos, Cartórios
e desburocratização”. Amante de Antonio, processado pela esposa pedindo
anulação do casamento (1887). Esposa anexou foto.
Elementos: vestido, leque, anel, broche, espartilhada. Ponta do pé para
frente.

Para que servia a foto?


Dar aos parentes – nova condição social?
Roupas são suas?
Foi com quem no elegante estúdio? Amante, amiga? Sozinha? Como se
sentiu no elegante estúdio? Intimidada, altiva?
Vestígios no olhar.

Carta: 101.
Condição da concubina: exploração dupla – sexual e racial. Acesso a alforria.
Leitura de nossa imagem: jeito de nos comunicarmos socialmente através da imagem, da aparência, de elementos
externos. Todos nós. Como era para ex-escravos ou negros livres.

LUTA POR SER ACEITO - liberto negro pobre.


PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IMAGEM

a) Utilização do modelo europeu (roupas, cenário)


b) Sinais de ascensão social (roupa, sapato, anéis,
guarda-chuvas, brincos etc.)
c) Apagar sinais do trabalho (97) Imagem 18. Retrato de homem
idoso, p.98
d) Esconder marcas corporais (estigmas da Casaca, colete, sapatos lustrados,
escravidão) cartola, bengala.
e) Desaparecem sinais de africanidade
Por que o ponto alto da câmera?
Livre ou liberto?
Transparece cansaço, pernas
entreabertas, pés desalinhados,
ombros relaxados;

Não encena uma postura, não olha


para a câmera.
Imagem 33 –
Retrato de
senhora da
família Costa
Carvalho, Bahia,
1860, p110.

Escravos são dela? Cadeirinha de arruar é


dela?
Qual o acordo com escravos?
São modelos do estúdio?
Não podiam encarar a senhora, nem a
máquina
Duas atitudes diferentes
Universo de referência estética (Debret) e
de símbolos de status social
Conclusão: “Fotografias nunca são evidências da história:
”. Fotografia são as duas coisas: evidência da história e
história.

Fotografias: evidência da cultura material do passado,


comportamento, códigos de vestimenta; status;
O retrato, Espelho ou forma simbólica

Impulso de tratar retratos como representações


precisas – instantâneos ou imagens de espelho de um
determinado modelo – “como eles realmente eram”.
Retrato – gênero artístico, composto a partir de certas
convenções (que mudam conforme o tempo)

Posturas, gestos, modelos, acessórios e objetos


representados → escolhidos, pensados, seguindo padrão.
Carregam sentido simbólico
Convenções do gênero: possuem um propósito – apresentar os
modelos de uma forma especial, geralmente favorável –
Escondiam imperfeições, vestiam as melhores roupas (x roupas
cotidianas); expressar melhor comportamento; elaborar
gestos; acessórios – propriedades – no sentido teatral; cenário
(aparência de realeza), representação de papéis sociais
específicos;
La família de Carlos IV (1800), Goya.
Retratos: elaborar gestos, roupas, comportamentos
Thomas Gainsborough – Retrato da Sra. Thicknesse.
Diana, Bryan Organ
Códigos de comportamento, convenções artísticas.
Se mesmo fotografias não são reflexos puros da realidade,
como podem as imagens ser utilizadas como evidência
histórica?
1 – Arte pode fornecer evidencias para aspectos da
realidade social que textos passam por alto.

2 – Mas arte mais distorce a realidade social do que a


reflete.

3 – O processo de distorção é ele próprio evidência


de fenômenos históricos (ideologias, mentalidades,
identidades
Se atentar para:
A – estilo artístico; arte tem suas próprias convenções;

B – Ponto de vista (sentido literal quanto metafórico)

C – Revelam o olhar e não só aquilo que é visto


ALERTA: pode ser profundo equívoco visualizar arte
como uma simples expressão do “espírito de uma
época” (Zeitgeist). – representar um período –
pressupõe HOMOGENEIDADE – diferenças e
conflitos culturais sempre irão existir.
Conclusão de Burke: Historiadores precisam da iconografia, porém
devem ir além dela. É necessário que eles pratiquem a iconologia de
uma forma mais sistemática, o que pode incluir o uso a psicanálise,
estruturalismo, teoria da recepção, etc. [52]

Knauss: Processos de produção de sentido como processos sociais. Os


significados não são tomados como dados, mas como construção
cultural.

Disputas simbólicas como disputas sociais.


Ginzburg: MÉTODO: estudo da imagem junto aos diversos elementos
que estavam em seu entorno. TEIA – fios tecendo uma TEIA DE
SIGNIFICADOS.

TEIA → contexto + artista e seus referências + círculos intelectuais +


processos de circulação e recepção
IDEIA CENTRAL: gestos semelhantes assumem significados diferentes.
MEMÓRIA DOS GESTOS E EMOÇÕES. (Ginzburg)
Coli: “[...] diante de qualquer obra, o olhar que interroga é sempre
mais fecundo do que o conceito que define”.

Colocar de lado as noções (rótulos e conceitos) e interrogar as obras.

Tomar quadros como PROJETOS COMPLEXOS, com exigências


específicas.

Retirar o preconceito do olhar.

Olhar e interrogar as imagens – perceber suas características


essenciais.
O olhar descobre: afastar-se das tiranias classificatórias. Olhar é uma
aventura
Coli
Encontrar os próprios meios mentais da cultura na qual o artista se
encontrava banhado. Alimentar-se dessa cultura: o que liam? Que
contatos intelectuais mantinham? Sua formação? Seu repertório
imagético, tradição artística;

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