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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Letras
Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos
Bakhtin e Análise do Discurso – Prof.ª Ida Lucia Machado

Leonardo Coelho Corrêa-Rosado


Doutorando POSLIN/UFMG
 Professora do Departamento de Antropologia Social da Universidade de
Estocolmo na Suécia.

 É de naturalidade sueco-brasileira.

 Desenvolveu uma tese de doutorado sobre recepção de telenovelas em uma


abordagem interdisciplinar, valendo-se dos conceitos de dialogismo e
polifonia de Bakhtin.
 Only for you! Brazilians and the telenovela flow → tese de
doutorado defendida no Departamento de Antropologia
Social (Departament of Social Anthropology) da
Universidade de Estocolmo (Stockholm University), Suécia.

 O trabalho de Machado-Borges (2003) insere-se em uma


perspectiva de estudos de recepção, dentro do campo da
Antropologia Social e dos Estudos de Mídia.
 Segundo Machado-Borges (2003, p. 67), os estudos de recepção de programas
televisivos começaram investigando o contexto dentro do qual a recepção
ocorre.

 Como as pessoas assistem televisão? Qual o lugar (físico e cultural) que a televisão
ocupa na vida s pessoas? Como se estabelecem as interações entre as pessoas e o
conteúdo das mensagens midiáticas? Em que local situa-se estas práticas? ..entre
outras, foram algumas das questões que alguns antropólogos de mídia tentaram
responder com os seus trabalhos.

 Numa tentativa de ampliar a perspectiva destes estudos de recepção, o trabalho


de Machado-Borges (2003) procura extrapolar o contexto imediato de recepção
(sem, no entanto, desconsiderá-lo). De acordo com a pesquisadora:
“O trabalho de campo etnográfico fez-me compreender
que fora do contexto da recepção imediata da telenovela,
as pessoas não somente falavam sobre as tramas destes
programas, seus conteúdos e personagens; elas também
falavam extensivamente sobre matérias e produtos
derivadas dela ou, de algum modo, entrelaçadas às
tramas da telenovela.
[...]
[Assim,] [u]ma completa análise da recepção do
telespectador* de telenovelas brasileiras leva em conta a
maneira como as telenovelas estão integradas e
implicadas dentro de outras mídias e dentro dos eventos
da vida cotidiana. Deve-se abordar a telenovela não como
histórias ininterruptas e delimitadas sobre o destino da
vida de uma coleção de personagens, mas sobretudo
como produtos culturais dinâmicos, cuja
‘retriavibilidade’ vai além da mídia televisiva.
(MACHADO-BORGES, 2003, p. 70, tradução nossa)
[grifos nossos].
 Dentro deste contexto, a pesquisadora adota um ponto de vista interdisciplinar
para realizar a sua pesquisa de campo sobre a recepção de telenovelas
brasileiras, integrando, a esta abordagem antropológica da mídia, os
conceitos de dialogismo – proposto por Bakhtin (1970, 1973, 1986) – e de
interpelação – proposto por Althusser (1971) e revisto por Butler (1997).

 Estes conceitos serviram como ferramentas teóricas de análise do material


empírico coletado pela pesquisadora por meio dos métodos da pesquisa
etnográfica (entrevista e observação participante) no interior de seu campo de
trabalho, constituído no âmbito da pesquisa.

 Nas palavras de Lima (2006, p. ):


“Enquanto a maioria dos trabalhos sobre as reações e as interpretações
dos espectadores às telenovelas brasileiras elaboram suas questões a partir
do acompanhamento de uma trama em um ambiente de audiência bem
definido, normalmente formado por mulheres de camadas populares,
Thais Machado-Borges inova em vários sentidos.
Depois de muitos anos de residência e estudos na Suécia, Thais retorna à
sua Belo Horizonte natal com a memória sobre os tempos em que as
novelas faziam parte de sua vida e uma pergunta simples: como os
espectadores se colocam diante das representações da sociedade brasileira
veiculadas nas telenovelas? Na dupla condição de antropóloga e "nativa",
ela se instala em uma área abastada da cidade e, reflexivamente ancorada,
aproveita antigas referências para realizar seu trabalho de campo. Ao
contrário de sua expectativa, porém, ao mesmo tempo em que constata a
quase onipresença da televisão na agenda brasileira, logo fica claro para
ela que, se deixadas à espontaneidade, embora assistam a novelas, em seu
dia-a-dia as pessoas pouco falam diretamente sobre os conteúdos ou sobre
os produtos que elas mostram. Assim, a pesquisa que deu origem ao livro
Only for You. Brazilians and the Telenovela Flow aposta na ampliação de
seu plano inaugural de observação e entrevista com o "nativo" no
instante da exibição, e adentra por um caminho ousado através das ruas
e das festas, para apreender as alusões reticuladas em conversas
corriqueiras entre mulheres com maiores possibilidades aquisitivas.”
(LIMA, 2006, p. 536-537)
 De acordo com Machado-Borges (2003, p. 71) a metáfora do flow (fluxo) é
uma sugestão do crítico de mídia britânico Raymond Wiliams para se
compreender a programação televisivia.

 Para este autor, o que é convencionalmente conhecido como programação televisiva


é, de fato, mais que uma sucessão de diferentes itens ou programas. Ele observou
que o que é mostrado na televisão é um flow de programas diversos e
interconectados e entrelaçados uns aos outros.
 Adotando essa metáfora (e a perspectiva que a engendra), Machado-
Borges (2003) propõe a expressão Telenovela flow para estudar a recepção
delas. Nas suas palavras:
“Inspirada nesta metáfora, eu achei mais
acurado propor uma nova delimitação do que
estava sendo recebido pelos meus informantes, e
eu a chamei de telenovela flow. Neste estudo,
telenovela flow designa todos os comentários da
mídia de massa (programas de televisão,
anúncios publicitários, artigos de jornais) e os
produtos resultantes que interveem nas tramas,
personagens e atores de telenovela. O termo
telenovela flow é um modo de descrever e
visualizar uma parte crucial da experiência
receptiva dos meus informantes.” (MACHADO-
BORGES, 2003, p. 72, tradução nossa) [grifos
da autora]
“[...] eu compreendi que quando os
telespectadores*/informantes mencionavam novelas
nas suas atividades e conversas cotidianas, eles não
somente se referiam às tramas desses programas, mas
também às imagens, aos anúncios publicitários, às
revistas e a todos os bens de consumo que
intervinham nas tramas das telenovelas.
(MACHADO-BORGES, 2003, p. 9, tradução nossa).
 Machado-Borges (2003) encontrou nos trabalhos de Mikhail Bakhtin uma
fonte inspiradora para a sua pesquisa exatamente pelo fato de o estudioso
russo se preocupar, entre outras coisas, com a prática da língua e com a
comunicação.

 A razão pela qual, segundo a autora, os trabalhos de Bakhtin são aplicados


aos estudos de mídia está parcialmente no fato deles providenciaram um
“[...] elaborado enquadramento para o que depois passou a ser chamado de
estudo de recepção” (MACHADO-BORGES, 2003, p. 72).
“Ele [Bakhtin] argumentou que os mecanismos de
comunicação ocorrem não somente entre um falante e
um endereçado, mas também entre sujeitos e
elocuções/textos/romances.
[...]
A posição de Bakhtin a respeito da linguagem e
significado foi, de muitos modos, uma resposta ao Cours
de Linguistique Générale de Ferdinand de Saussure
(Saussure 1960[1916]). [...] Bakhtin apontou para a
importância do estudo da totalidade língua-discurso. Ou
seja, ele acenou para a necessidade de uma investigação
de como a linguagem é praticada. Em resposta à proposta
de uma ‘semiótica’, ciência dos signos, de Saussure,
Bakhtin sugere o que ele chama de ‘metalinguística’ ou
‘translinguística’ (Bakhtin 1970:13).”
” (MACHADO-BORGES, 2003, p. 72-73, tradução
nossa) [grifos da autora]
 Para discutir e apresentar os conceitos de dialogismo e heteroglossia de Bakhtin,
Machado-Borges (2003) parte da definição da translinguística proposta por
Bakhtin em La Poétique de Dostoïesvki., trazendo à baila vários conceitos do
pesquisador russo.

 Translinguística → está interessada em compreender a prática da comunicação e


especialmente a prática do diálogo .

 Diálogo → interação verbal/semiótica que ocorre entre sujeitos e/ou entre um


sujeito e suas próprias palavras (Bakhtin, 1970: 240). Um diálogo combina e é
constituído por vozes, elocuções (ou discursos/palavras) e contextos sociais.

 Voz → representa um posição sócio-ideológica distinta.

 Elocução/Discurso/Palavra → é uma unidade discursiva, uma manifestação


contextual da voz.
“Uma elocução singular pode evocar uma
variedade de vozes complementares ou
conflitantes. Para esta combinação e ou
confrontação de vozes dentro de uma elocução
[enunciado], Bakhtin deu o nome de polifonia
ou heteroglossia.” (MACHADO-BORGES,
2003, p. 73) [grifos da autora]
O Exterminador do Futuro 2 (Terminator 2, 1991)
 Dialogismo →de acordo com Machado-Borges (2003, p. 75), deriva da
palavra “diálogo” e objetiva descrever os mecanismos de interação
ocorridas entre e dentre vozes, elocuções/discursos/palavras, pessoas e
contextos.

“Do ponto de vista dos estudos de mídia, o dialogismo


oferece uma contra-resposta para aqueles pesquisadores que
descreveram o processo de recepção de uma mídia como
sendo unilateral e – como Bakhtin diria – monológica, na
qual as mensagens midiáticas eram ditas para exercer uma
influência direta sobre seus receptores, então impondo suas
supostas homogêneas (e homogeneizantes) mensagens sobre
uma massa passiva. Vendo o processo de recepção como
dialógico significa que nós podemos analisar como os
telespectadores se posicionam eles mesmos e como eles
ativamente negociam as mensagens que são elas mesmas
inseridas no significado sócio-cultural, ou como Bakhtin
colocaria, mensagens que carregam entonação e ênfases
sociais.”
(MACHADO-BORGES, 2003, p. 75, tradução nossa) [grifos
da autora]
 Assim, dentro desta perspectiva dialógica dos estudos de recepção, o conteúdo das
mensagens da mídia pode ser visto em termos de “conflitantes e complementares
vozes – como por exemplo, a voz e o perfil político e moral da rede de televisão, a voz
socialmente posicionada do autor que escreve o texto, as vozes dos personagens
dentro do texto”. (MACHADO-BORGES, 2003, p. 75, tradução nossa).

 Machado-Borges (2003) ainda complementa que o dialogismo permite enfatizar a


necessidade de estudar as mídias como entrelaçadas a outras práticas sociais. Em
outras palavras, “[...] os conceitos de dialogismo e heteroglossia podem ser usados
pelos pesquisadores de mídia como um meio de reconhecer o papel ativo
desempenhado pelo telespectador*/receptor no processo de interpretação e uso, ao
mesmo tempo que reconhece que tais interpretações e usos são gerados no interior
de contextos sócio-culturais particulares.” (MACHADO-BORGES, 2003, p. 75,
tradução nossa) [grifos nossos].
“O conceitos de dialogismo e heteroglossia oferecem uma
importante contribuição para o estudo da recepção de mensagens de
mídia uma vez que eles apontam para os processos de circulação,
repetição, apropriação e reiteração de sentido que ocorre na
comunicação humana (conversas, diálogos, romances, textos, etc.). A
teoria de Bakhtin sobre a comunicação e o processo de compreensão
está saturada com conceitos tais como re-acentuação (1986:87),
entonação (1973:103), multi-acentuação (1973: 23), e circulação
(1986: 162). Esses conceitos focam nos pontos de contato entre
vozes, elocuções, pessoas e contextos. Eles destacam como elocuções
podem ser (e são) transpostas de um contexto para outro, em uma
dinâmica mistura, nas quais as partes envolvidas constantemente
mudam.”
(MACHADO-BORGES, 2003, p. 75-76, tradução nossa) [grifos da
autora]
 “Hoje, eu estou vestida como Maria do Bairro:: da cabeça aos pés. Eu sou Maria do
Bairro” (enunciado de Alexia, uma secretária executiva de 31 anos, uma das
informantes da pesquisa de Machado-Borges).

Como e quais mensagens são apropriadas, circuladas e reiteradas


pelos telespectadores*?
 Interpelação → designa “[...] o momento quando a voz de fora endereça a
um indivíduo, que, virando-se para ela, torna-se um sujeito (no duplo
sentido de ser tanto um agente quanto um ser subjetivado). O
endereçamento para outro anima o sujeito a ser.” (MACHADO-BORGES,
2003, p. 78, tradução nossa).
 “Althusser argumenta
que é o chamado do
Ei, você aí! policial e o fato de o
indivíduo reconhecer a si
mesmo como sendo o
endereçado que traz o
indivíduo para existência
como um sujeito.”
(MACHADO-BORGES,
2003, p. 78, tradução
nossa).
“O conceito de interpelação é um meio útil de
articular chamados e mensagens veiculadas pela
telenovela flow com os telespectadores (que deve
virar-se, isto é, responder a estas chamadas) ao
mesmo tempo que ele sugere que seus devires
trazem-no à existência como certos tipos de
sujeito.” (MACHADO-BORGES, 2003, p. 78)
[grifos da autora]
“Além do mais, pode-se compreendê-lo [o conceito de
interpelação] como um complemento para o dialogismo
e a heteroglossia de Bakhtin, já que visa a explicar e
desenvolver a relação entre vozes e a formação do
sujeito [...]: elocuções/palavras são heteroglóticas, ou
seja, elas carregam nelas mesmas uma variedade de
vozes e ênfases sociais. Essas elocuções/palavras são
apropriadas pelos e/ou impostas sobre os indivíduos
por meios diversos de interpelação (veiculadas nas
interações cotidianas através de conversações, formas
burocráticas, programas televisivos, ou o que você tiver).
Se os indivíduos endereçados a estas interpelações
‘tornarem-se’ [devir] (e alguns não irão – há aqueles que
não reconhecem eles mesmos como sendo os
endereçados) eles possivelmente irão, então, assimilar
essas elocuções/palavras, ou ainda reacentuá-las,
abrindo, por conseguinte, possibilidades para novidade,
mudança, resistência ou subversão.” (MACHADO-
BORGES, 2003, p. 80, tradução nossa) [grifos da
autora]
 No trabalho de Machado-Borges, os conceitos de dialogismo, heteroglossia e
voz de Bakhtin são ferramentas teóricas úteis para explicar a sua
perspectiva de recepção e para examinar e sistematizar os mecanismos de
circulação e reiteração que jogam na telenovela flow e na recepção dos
informantes deste flow

 No trabalho de Machado-Borges, os conceito de interpelação de Althusser


permitiu a investigação do impacto da telenovela flow sobre as pessoas.
 O enunciado “Vem nhánhá!”, da personagem Scarlet Mackenzie Pitiguary
de A Indomada (Rede Globo, 1997), é um exemplo interessante de como o
telenovela flow é dialógico e polifônico e também de como a interpelação
ocorre.
Planeta Xuxa (19/07/1997)
 MACHADO-BORGES, Thaïs. Only for you! Brazilians and the telenovela
flow. Stockholm: University of Stockholm, 2003.

 MACHADO-BORGES, Thaïs. Only for you! Brazilians and the telenovela


flow. Stockholm: University of Stockholm, 2003. RESENHA DE: LIMA, D.
N. O. Mana, v. 12, n.2, p. 536-539, 2006.

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