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Margareth Rago

 A complexidade do universo social brasileiro aparece quando se tenta mapear a


produção cultural brasileira e quando se procura visualizar as tendências ideológicas,
políticas e intelectuais que têm marcado o pensamento social do País.

 Em relação à produção historiográfica mais recente, vale considerar que, a despeito da


violenta repressão cultural imposta pela ditadura militar ao longo dos anos 60 e,
especialmente, durante a primeira metade dos anos 70, esta década irrompeu trazendo
uma grande expansão dos estudos históricos, das pesquisas e publicações de livros,
artigos e revistas impulsionada pela criação de inúmeros cursos de pós-graduação no
País, pelo próprio crescimento do mercado editorial e, não menos, pela intensa pressão
da resistência política organizada, formal ou informalmente.
 Novos grupos sociais, étnicos e sexuais passaram a participar da vida pública, trazendo
suas questões e reivindicações e, ao mesmo tempo, ampliando as formas culturais e
estéticas de consumo. As mulheres entraram agressivamente no mercado, participando
de cursos nas universidades, nas escolas e em outras instituições, enquanto o
movimento feminista levou grande número às praças públicas, exigindo novos direitos
sociais e sexuais.

 Os negros também colocaram suas demandas na agência pública, enquanto o


movimento operário se reorganizava nos grandes centros industriais e propunha a
criação de um importante partido político de massas; os jovens, entre os quais muitos
estudantes, passaram a compor um continente político expressivo.
 De modo geral, a produção acadêmica procura acompanhar e atualizar-se com os

desenvolvimentos teóricos e temáticos que se produzem no exterior, em especial,


na França, Inglaterra, Itália e nos Estados Unidos, de onde vêm nossas principais
referências teóricas, metodológicas e temáticas. Contudo, também fica clara a
importância de trabalhar as especificidades locais das experiências históricas tal
qual se constituem o País.
 A explosão de uma expressiva produção historiográfica brasileira ocorre,

ainda num momento em que se tornam visíveis os sinais de esgotamento


do marxismo como modelo privilegiado de interpretação do passado. Das
primeiras análises marxistas que procuram definir, inicialmente de maneira
bastante mecanicista, posteriormente de modo mais sofisticado, as
estruturas socioeconômicas e os modos de produção existentes no País
passou-se, nos anos 70, a discutir o universo mental e as ideologias
presentes nas análises históricas da “realidade brasileira”.
 Este ensaio expõe os fundamentos ideológicos em que se apoia
boa parte das interpretações do Brasil, identificando como um de
seus alicerces a visão senhorial da sociedade, que celebra a
conciliação, a "cordialidade" e o caráter pretensamente incruento
de nossa história. Enquanto desvela o ideário conservador, à
direita e à esquerda, o autor analisa as vertentes de constituição
de um pensamento verdadeiramente crítico, partindo de Mário de
Andrade e Caio Prado Jr. até chegar a textos exemplares de
Florestan Fernandes, Antônio Candido, Raymundo Faoro, Ferreira
Gullar e Roberto Schwarz. Assim, oferece ao mesmo tempo uma
excelente introdução à história do pensamento brasileiro no
século XX e uma visão contundente das ideologias que encobrem
as lutas sociais e têm contribuído para perpetuar as enormes
desigualdades do país.
 Novais é declarado discípulo de Caio Prado Júnior, e
como este, segue o modelo de historiografia marxista.
Em sua pesquisa de doutorado publicada em 1978,
considera que o que justifica o nascimento e o
funcionamento do sistema colonial é o acúmulo
primitivo de capital através do comércio dos produtos
agrícolas coloniais e da venda para as Colônias dos
produtos manufaturados da Metrópole, sendo que este
sistema entre em crise com o surgimento de novas
tecnologias da Revolução Industrial, passando do que
Marx chama de Capitalismo Comercial para o
Capitalismo Industrial.
 Essa obra questiona a historiografia sobre a
Revolução de 1930. Resgata a memória dos
vencidos, do proletariado brasileiro, das
propostas revolucionárias esquecidas dos anos
1920. Mesmo que localizado num campo
historiográfico de inspiração gramsciana, o
estudo aponta para os posteriores
desdobramentos conceituais realizados em
nossa historiografia, a partir da incorporação da
análise arqueo-genealógica do discurso
proposto por Foucault e Walter Benjamin.
 Grandes mudanças ocorreram na produção historiográfica brasileira a partir dos
anos de 1980, quando Thompson publicou obras que traziam não só um novo
conceito de classes sociais, mas toda uma ênfase nos aspectos culturais e
subjetivos antes ignorados. Ao lado de outros conhecidos historiadores marxistas
reunidos em torno das propostas da Social History anglo-americana, o historiador
inglês reforça a ruptura com a produção marxista anterior e realiza uma instigante
renovação conceitual no interior deste campo epistemológico: num primeiro
momento, ao denunciar o estruturalismo da produção marxista anterior,
predominante nos anos 60 e 70, em que os sujeitos quase não aparecem, ou
aparecem apenas determinados, sem ação, inertes e sem rosto, definidos por sua
inserção na infraestrutura socioeconômica. Reivindicando a presença ativa dos
sujeitos políticos, a ação social e a interferência criativa dos agentes históricos, o
historiador inglês afirma que “as classes se fazem tanto quanto são feitas” e, por
seu lado, contribui para a crítica do sujeito universal, tal qual é construída pela
produção historiográfica.
 A obra foi publicada inicialmente na década de
60 e foi traduzido na década de 80 para o
público brasileiro, logrando um grande
sucesso na academia.
 A revolução thompsoniana se faz sentir na
maneira pela qual o historiador inglês propõe
uma inversão na leitura dos processos
históricos, a exemplo da Revolução Industrial,
vista com efeito mas do que um ponto de
partida.
 Cornelius Castoriádisfoi um filósofo, economista e
psicanalista francês, de origem grega, defensor do
conceito de autonomia política, fazendo crítica da
burocracia de Estado, aponta para os limites do conceito
de ideologia e propõe o de imaginário social. Em 1949,
fundou, com Claude Lefort, o grupo Socialismo ou
Barbárie, que deu origem à revista homônima, que
circulou 1967.
 Outras obras: Encruzilhadas do Labirinto, Socialismo ou
Barbárie.
 De modo geral, esses trabalhos analisam a condição operária no cotidiano da vida
social, dentro e fora dos muros da fábrica, percebendo os mecanismos de controle
e disciplinarização dos trabalhadores, que se difundem nas primeiras décadas do
século, num momento de intensa industrialização e urbanização das cidades.
Contudo, enquanto os estudos de Boris Fausto (Trabalho urbano e conflito
industrial) e Francisco Hardman (Nem pátria, nem patrão), atentam para as
tendências políticas que dominam o movimento operário, como os anarquistas,
socialistas e posteriormente os comunistas, destacando sua importância na
formação da classe operária no país, os estudos de Chalhoub e Decca buscam os
trabalhadores fora do campo da militância, dando maior ênfase às formas
cotidianas da vida social.
 Desafiando a tradição de uma história do movimento operário
escrita por intelectuais e lideranças ligadas ao Partido
Comunista, Margareth Rago traz à cena a militância anarquista,
que até então havia sido desqualificada, atirada para o lugar de
momento romântico, inconsciente e inconsequente. Apoiado em
rigorosa pesquisa e em fontes, em grande medida ainda
inéditas, o livro esclarece que o anarquismo foi fundamental
para a formação da classe operária brasileira e para a
elaboração de uma cultura operária, própria e distinta daquela
encarnada por seus patrões. Além disso, a autora rompe com a
versão masculina e masculinizante da história da classe e do
movimento operário. Ressalta a importância da presença
feminina na nascente classe operária brasileira, dos fins do
século XIX aos anos trinta do século XX, e o papel que o
discurso anarquista exerceu ao instaurar os primeiros
questionamentos das hierarquias entre os gêneros, e ao afirmar
o direito feminino ao trabalho fora do lar.
 Este e um estudo sobre o cotidiano operário fora dos locais de
trabalho na cidade de São Paulo, que, nas décadas de vinte e trinta
um dos centros industriais mais importantes do pais, torna-se um
dos centros industriais mais importantes do país. Pretende
contribuir para o conhecimento das condições concretas de
existência dos trabalhadores fora da esfera da produção num
período e local determinados. Por outro lado, busca apreender
como a vida operária em vários de seus aspectos se constituiu a
partir da pratica de diferentes agentes históricos e grupos sociais,s
na capital do Estado. Desde o aparecimento do operariado como
força social importante em são Paulo, nos findo século XIX, sua
presença fora dos ambientes de trabalho foi objeto de preocupação
crescente no interior de uma sociedade onde a ordem urbano
industrial se acentuava. Empenhos repressivos ou mais persuasivos
dos setores dominantes em relação ao viver operário sempre se
alternaram desde as primeiras décadas do crescimento industrial. e
urbano da cidade.
 Trabalho, Lar e Botequim tenta reconstruir o cotidiano da classe
trabalhadora carioca, no início do século XX. Uma época em que o Rio de
Janeiro passava por um período de transformação econômica, pois saía do
sistema escravocrata e entrava na ordem capitalista; mas foi uma época em
que também passava por mudanças estruturais, como a reforma urbana
instaurada pelo governo de Pereira Passos. Através de 140 processos
criminais de homicídios, jornais da época, livros de literatura e outros
trabalhos já realizados sobre este assunto, Chalhoub mergulha nos
aspectos mais íntimos da vida desses indivíduos. O livro retrata as camadas
populares e o seu cotidiano. Eles são nomeados, não são considerados
apenas como um massa de manobra. Cada um tem sua história que vai
sendo recriada por Chalhoub. A Era Pereira Passos que serve de pano de
fundo para a história, é de uma contradição imensa. Tentava-se de diversas
maneiras transformar o Rio de Janeiro em uma cidade moderna, um
exemplo para todo o país de civilização e progresso. Mas, ao mesmo tempo
em que essas mudanças trouxeram euforia para uns, trouxeram enormes
tristezas para outros, principalmente, a classe mais humilde da sociedade.
 Tomando como ponto de partida a cidade
do Rio de Janeiro e a demolição de seus
cortiços, passando pelas polêmicas entre
infeccionistas e contagionistas em torno da
transmissão da febre amarela e pela
resistência das comunidades negras à
vacina antivariólica, Sidney Chaloub
escreveu uma "história na encruzilhada de
muitas histórias".De forma apaixonante e
extremamente bem-humorada, Cidade febril
reinterpreta esses e outros conflitos à luz da
história social. O resultado é uma obra
riquíssima, que mapeia a formação das
políticas de saúde pública no Brasil, as
quais, longe de se limitarem ao século XIX,
até hoje influem em nosso cotidiano com
força assustadora.
históricos,
 Progressivamente, outros sujeitos sociais foram incluídos nos estudos
eliminando-se a hierarquia dos temas e as problematizações privilegiadas.
Mulheres, negros, escravos, homossexuais, prisioneiros, loucos e crianças
constituíram uma ampla gama de excluídos, que reclamaram seu lugar na história.
 Nesse contexto, outra importante fonte de renovação veio da redescoberta da
Escola dos Annales, obscurecida pela produção marxista desde o final dos anos 60,
e da Nova História, que encanta com seus novos temas e abordagens, sobretudo ao
longo dos anos 80. Dos instintos aos sentimentos, do medo ao amor, do cheiro às
lágrimas, entre a mentalidade e a sensibilidade, pensadas nas múltiplas
temporalidades existentes na “longa duração”, os novos temas revelam um vasto
campo de pesquisas inexploradas. Ao contrário das mudanças revolucionárias, da
ansiosa busca marxista da luta de classes e da Revolução, passa-se paulatinamente
a olhar para as permanências estruturais, para as continuidades existentes ao
longo dos processos temporais, o que ajuda, em certa medida, a explicar as
falências das propostas formadoras. Duvida-se crescentemente da possibilidade
de um conhecimento objetivo, enquanto a dimensão subjetiva e o campo simbólico
passam a ser avidamente interrogados.
 Embora os próprios temas e conceitos com que operavam os
pesquisadores de filiação marxista tenham sofrido uma grande
renovação, a abertura dos historiadores para os novos temas, objetos
e atores que pressionam pelo “direito à história”, resulta em
importantes deslocamentos teóricos e impõe a busca de novos
conceitos e formas de pensamento que deem conta de pensar
diferentemente o campo histórico. Nesse movimento, percebe-se que
vários temas pesquisados – como a história do cotidiano, dos
sentimentos e dos afetos, da criança e da família, da prisão e de
outras instituições, do corpo e da sexualidade – não são totalmente
novos, no entanto, passam a ser renovados através das questões
colocadas e das novas interpretações a que são submetidos.
 Nesse momento, nos damos conta de que o historiador trabalha
primeiramente com a produção dos discursos, com interpretações, com
máscaras sobre máscaras e que a busca da objetividade e de uma suposta
essência natural é mais uma ilusão antropológica. Não mais fatos, não mais
os objetos e os sujeitos no ponto de partida, mas os discursos e as práticas
instituintes produtoras de real, como afirma Paul Veyne. Não apenas a
história da razão, mas a da loucura, não apenas a história social dos
prisioneiros, mas as formas pelas quais a prisão emerge como forma
punitiva considerada verdadeira, necessárias e universal; não a história da
sexualidade ao longo da história, mas a de uma problemática relação com o
sexo, marcada pela emergência de um “dispositivo da sexualidade” no
mundo vitoriano, regulando e normatizando os indivíduos e seus
comportamentos: não objetos prontos e acabados evoluindo ao longo da
história do progresso e da razão nas práticas discursivas e não-discursivas
constituidoras e instituístes.
 Esta obra é um estudo sobre o hospício Juquery e a
psiquiatria paulista do final do século XIX até a década
de 1930. A autora estabelece as relações com a
problemática urbana, percebendo as práticas
psiquiátricas concretas e cotidianas no âmago da
relação asilar, enquanto instrumento disciplinante.
 Possuí doutorado em História Social pela Universidade
de São Paulo (1986). Atualmente é professora associada
(aposentada) da Universidade Estadual de Campinas,
onde mantém atividades de Pesquisa em História Social
da Cultura. Sua área de pesquisa abrange temas
relacionados à história social da cultura, especialmente
manifestações coletivas como o carnaval ou as rodas de
samba no Rio de Janeiro no início do século XX. Sua
experiência inclui ainda um amplo elenco de temas
relativos ao período, particularmente aqueles
relacionados com a emergência de saberes e práticas
disciplinares no início da República.
 A imprensa diária, o relato de viajantes e memorialistas,
a literatura e os registros policiais são as principais
fontes pesquisadas por Maria Clementina Pereira Cunha
para mostrar como era o Carnaval do Rio de Janeiro no
final do século XIX e nas primeiras décadas do século
XX. Com o auxílio de um rico conjunto de ilustrações, a
autora apresenta todos os que brincavam nas ruas
daquele tempo - agremiações como os Tenentes do
Diabo e os Pés Espalhados, grupos de mascarados e zé-
pereiras, foliões de primeira classe e intelectuais
patriotas, o zé-povinho, os negros dos bairros populares
da cidade. A autora fala também das lutas pela abolição,
dos sonhos de monarquistas e republicanos, das
expectativas dos negros da Cidade Nova, do racismo e
das propostas para civilizar o país. Revelando o que
havia de sério no riso, 'Ecos da folia' permite
compreender melhor o longo processo de exclusão
social que formou o Brasil.
 No final do século XIX e início do XX, cabia à
medicina social um lugar de destaque na tarefa de
organizar o “caos urbano”, do qual a prostituição
fazia parte. Meretrizes e doutores é um estudo
sobre os textos médicos produzidos no Rio de
Janeiro entre 1840 e 1980, revelando a implícita
necessidade de se enquadrar em padrões
burgueses os comportamentos sociais, afetivos e
sexuais dos indivíduos que habitavam a cidade. Esta
transformação do corpo, do desejo e do prazer em
objetivos, marcou o início da constituição de uma
ciência sexual, que hoje se encarrega de impor os
controvertidos limites da sexualidade sadia.
 Para além da medicalização das
sexualidades insubmissas e do controle
sobre o corpo feminino, trata-se, nesta
perspectiva, de explorar as formas
alternativas de sociabilidade e de
subjetivação vivenciadas na experiência
do desejo, num momento de intensa
modernização da cidade.
 A invenção do Nordeste e outras artes, apresenta o
nascimento dessa importante região brasileira,
como configuração discursiva e política, associada
à questão da seca, tal como foi formulada pelas
elites regionais. Para além dos estudos sobre as
relações de poder constitutivas instauradores dos
parâmetros geográficos, históricos e regionais que
difundem e cristalizam, no País, a imagem do
Nordeste como lugar do atraso rural, do calor
abafado e da violência.
 A entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho e a
crescente pressão do movimento feminista afetam profundamente os
estudos históricos também no Brasil. Contudo, a visibilidade que
ganham as mulheres como agentes históricos, a partir dos anos 70,
com o trabalho de Heleicth Saffioti, Mito e realidade: a mulheres na
sociedade de classes, ocorre inicialmente a partir do padrão
masculino da história social, extremamente preocupada com a
denuncia das formas da exploração capitalista. Em outros termos,
isto significa dizer que houve uma acentuada preocupação em
criticar as formas de opressão patronal sobre os trabalhadores, o que
resultou em grande parte no reforço da vitimização da mulher.
 No livro “Quotidiano e Poder” Maria Odila Leite da Silva Dias,
busca um novo enfoque para entender a sociedade paulista
do século XIX. Demonstrando assim que há muitas histórias
nas entrelinhas da história oficial, a qual tende a revelar e
perpetuar a versão dos vencedores. O seu objeto de estudo
“os papéis sociais das mulheres” revela minúcias muitas
vezes despercebidas pelos historiadores do período, que
aspiram abarcar o todo e tendem inevitavelmente para as
generalizações, repetindo as “verdades prescritas” sem
procurar de fato entender a enorme diversidade dos
acontecimentos. “Quotidiano e poder” faz parte de um grupo
de trabalhos que enxergam a história como uma construção
de vários sujeitos. Ao lê-lo percebemos como essas mulheres
estavam presente ativamente no cotidiano dessa sociedade,
apreendemos suas vidas, suas artimanhas, seu labor, suas
dificuldades diárias, seu respeito ou rechaço as convenções.
 Esse quadro da participação das mulheres ampliou-se consideravelmente
com a explosão dos temas femininos da Nouvelle Histoire, como bruxaria,
prostituição, loucura, aborto parto, maternidade, saúde, sexualidade, a
história das emoções e dos sentimentos.
 Referenciada pela história das mentalidades, Laura de Melo e Souza
escreveu O diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e Religiosidade
popular no Brasil, no qual analisa os casos de feitiçaria condenados pela
Inquisição no Brasil colonial. Ronaldo Vainfas, em Trópicos dos pecados:
Moral, sexualidade e Inquisição no Brasil, tematiza brilhantemente a
história da sexualidade brasileira, mostrando a perseguição da Inquisição
às práticas sexuais consideradas condenáveis, enquanto Lígia Bellini, em A
coisa obscura: Mulher, sodomia e Inquisição no Brasil Colonial, privilegia as
práticas sexuais das mulheres como alvo de investimento do poder
religioso.
 Este é um dos primeiros estudos realizados no
Brasil sobre a feitiçaria nos tempos coloniais. É
também um dos primeiros livros editados no
Brasil que discute a corrente da história das
mentalidades e do imaginário (1986). Uma
verdadeira arqueologia da religiosidade popular,
com base em cronistas da época, devassas
eclesiásticas e processos da Inquisição, em uma
linguagem que mostra rigor literário e científico.
Por meio da nossa herança cultural européia,
indígena e africana, aqui são rastreadas antigas
práticas e personagens que, ainda hoje, integram
nossa crença e frequentam nossos terreiros
 A chegada dos europeus à América no século XV
representou muito mais do que o estabelecimento de
relações econômicas e políticas entre os dois
continentes. Em 'Inferno Atlântico', terceiro livro de
Laura de Mello e Souza, a historiadora paulista faz uma
análise instigante das transformações que os dois
povos sofreram no plano religioso a partir do choque
provocado pelo contato entre aquelas culturas, até
então (e, em muitos aspectos, ainda hoje) tão distintas.
A autora divide esta obra em duas partes. A primeira
procura inserir o contraste das crenças religiosas no
quadro do sistema colonial e das mudanças por que
passava a Europa no século XVI. Buscando sempre
focalizar as relações luso-brasileiras entre os séculos
XVI e XVIII, a autora evidencia na segunda parte do
livro a importância cotidiana das concepções
demonológicas.
 Presença constante no Brasil entre os séculos
XVI e XVIII, o Santo Ofício procurou controlar o
cotidiano da Colônia, impondo aos seus
habitantes as normas da vida cristã. É nesse
universo repleto de conflitos e desejos que
Ronaldo Vainfas mergulha à procura das
moralidades coloniais, resgatando histórias de
homens e mulheres, considerados pecadores
desviantes da moral ortodoxa que viveram seu
calvário nas malhas da Inquisição. Temas do
cotidiano de nossos antepassados, como
concubinato, homossexualidade masculina e
feminina, bigamia, são discutidos tanto no
âmbito teológico e jurídico, como em sua prática
dentro das alcovas.
 Ao longo do século XVI os colonizadores europeus
se horrorizaram com um fenômeno religioso entre os
tupis, a que chamaram "santidade". Nela, em meio a
danças, transes, cânticos e à fumaça inebriante do
tabaco, os índios renovavam a peregrinação à Terra
sem Mal - lugar mítico da felicidade eterna que
buscavam no mundo terreno. Vasculhando
documentação inquisitorial inédita sobre o culto
indígena na fazenda de Jaguaripe (Bahia), Ronaldo
Vainfas descobre na santidade uma idolatria
insurgente, culturalmente híbrida, que ao mesmo
tempo negava e incorporava valores da dominação
colonial. Por meio de um texto apaixonado e
instigante, o autor lança luz sobre uma nova e
reveladora faceta da conquista da América
portuguesa.
 A obra é uma analise de documentos e
registros das confissões e denúncias de
casos de mulheres sodomitas e feiticeiras,
feitos pela Inquisição portuguesa por
ocasião das visitações ao Brasil. Ligia
Bellini, foca nos registros de relações
afetivas e sexuais entre mulheres que
viveram no Nordeste brasileiro, no final do
século XVI e procura compreender e
informar sobre as concepções e
conhecimentos existentes, no período em
questão, a respeito da anatomia e
fisiologia e os modos como podiam
transgredir os corpos femininos.
 Maria Izilda Matos e Fernando Faria
estudaram as composições musicais de
Lupicínio Rodrigues a partir da categoria do
gênero, descortinando as formas de
construção cultural das referências
identitárias da feminilidade e da
masculinidade, nas décadas de 1940 e 1950,
dominantes até recentemente. A partir da
análise das letras de músicas produzidas pelo
famoso compositor gaúcho, podem ser
visualizadas não apenas as experiências
femininas, mas também “seu universo de
relações com o mundo masculino”, numa
proposta bastante enriquecedora e
inovadora.
Dos
 Os historiadores abrem, ainda, as portas das cidades para suas pesquisas.
estranhamento provocado pelo surgimento das grandes metrópoles
europeias, representadas a partir da metáfora do monstro, nos inícios do
século XIX, passa-se a discutir os debates em torno das formas de
espacialização e planejamento urbano. Iniciando-se pelos estudos que
problematizam o nascimento da “questão urbana” na Europa, novos
estudos descobrem as cidades brasileiras, seja a partir da noção de
disciplinarização de Foucault, seja a partir da análise da constituição da
sensibilidade moderna, apresentada por Benjamin, ao visitar a Paris de
Baudelaire. A arquitetura física é politizada como “arquitetura da
vigilância”, ao mesmo tempo em que se registra a emergência da
sensibilidade moderna, atenta para os novos códigos de sociabilidade que
se constituem nas grandes cidades.
 Foram vários os estudos que centraram sua atenção nos fenômenos
da urbanização em São Paulo, no Rio de Janeiro e em muitas outras
cidades do País, entre Porto Alegre, Recife e Belém do Pará. Quase
todos esses trabalhos privilegiaram as primeiras décadas do século,
momento de intensa modernização e urbanização das cidades, de
investimento industrial e de fomento da imigração europeia,
especialmente no Centro-Sul e Região Sudeste. Os passeios, as
modas, os novos perfis urbanos, as novas tecnologias, as soluções
urbanísticas, a vida do submundo, a saúde pública e as questões da
higiene compuseram um amplo leque de possibilidades temáticas.
 Orfeu, herói da mitologia grega, era louvado como o
celebrante da música, da exaltação e do êxtase
coletivo. Neste estudo sobre o impacto das novas
tecnologias nos processos de metropolização, Nicolau
Sevcenko usa as imagens dos rituais órficos como um
emblema. O cenário é a cidade de São Paulo nos anos
20, quando passava pelo boom de crescimento e
urbanização que a transformaria numa metrópole
moderna. O frêmito das tecnologias mecânicas de
aceleração se transpõe para os corpos e as mentes por
meio de celebrações físicas, cívicas e míticas no espaço
público. O pano de fundo: a Primeira Guerra, as tensões
revolucionárias, a explosão da Arte Moderna e o delírio
frenético do jazz. Os personagens: a população de um
experimento social em escala gigantesca, na busca de
uma identidade utópica.
 Euclides da Cunha e Lima Barreto são os escritores que
Nicolau Sevcenko elege como referência para traçar um
panorama dos cruzamentos entre história, ciência e cultura no
Brasil da passagem do século XIX ao XX, momento que
marcou a entrada do país na modernidade, após a Abolição e
o advento da República. Num período - a Belle Époque - de
negação do passado escravista e de forte espírito
cosmopolita, os dois autores vislumbravam na literatura um
projeto de país que levasse em conta as contradições
históricas brasileiras. Sevcenko mostra que a permanência
das obras de Euclides e Lima se deve a esse sentimento de
missão - animado por um impulso utilitário de atuação
pública -, assim como à inventividade da linguagem que
desenvolveram. A reedição atualizada de Literatura como
missão, publicado pela primeira vez em 1983, traz um posfácio
inédito em que o autor aponta para a contribuição decisiva de
escritores, principalmente Machado de Assis, que, ao lado de
Euclides da Cunha e Lima Barreto, também traduziram o
desacordo entre o conservadorismo do pensamento
dominante e a lucidez visionária da literatura.

A amplamente discutida crise dos paradigmas
explicativos da realidade deste fim de século
colocou em evidência a assim chamada "nova
história cultural", que possui um vasto campo de
aplicação nos estudos relacionados às
representações sociais da cidade. Ao se
compreender o fenômeno urbano como uma
acumulação de bens culturais, o livro busca
desenvolver estratégias metodológicas e
teóricas que nos permitam uma "leitura da
cidade" , desse modo alcançando o "real" através
do sistema historicamente construído de idéias e
imagens da representação coletiva que
chamamos "imaginário". A construção de uma
forma de acesso ao urbano através da visão
literária que nos mostra como idéias e imagens
são reapropriadas em tempos e espaços
diferentes. De Paris a Porto Alegre, passando
pelo Rio de Janeiro, as especificidades do local
se articulam com a ressemantização do mito da
modernidade urbana.
 O livro recupera imagens urbanas e
paisagens sonoras, personagens da urbe e
suas experiências cotidianas, a cidade do dia
– do trabalho e as vivências boêmias,
cautelosamente desvendando a teia de
relações, representações, tensões e disputas
envolvidas nestes processos. Assim,
reconstrói rastros deixados pelos imigrantes
e migrantes, recuperando múltiplas
possibilidades, territórios, sonoridades,
entoações, sonhos e sensibilidades ocultados
no passado. Neste desafio, o livro privilegia a
trajetória e as canções de Adoniran Barbosa,
procurando os vínculos do artista com as
transformações e as tensões no cotidiano
urbano, restaurando emoções e
sensibilidades presentes nas letras e nas
entrelinhas das composições deste que é
reconhecido como “a voz da cidade”.
 A determinação cultural dos agentes e
das práticas sociais, para além da
econômica e política, revela-se na
leitura que os historiadores passam a
fazer das subjetividades, do
imaginário e do campo simbólico.
Roger Chartier (1988) sistematiza as
inovações trazidas por uma produção
historiográfica que assume sua
ruptura com a crença no real e no
social. Para além da construção
cultural de nossas referências,
enfatiza as práticas de leitura e
apropriação da cultura, desancando
os complexos movimentos da
circularização das ideias.
 Se a História Cultural é chamada de Nova
História Cultural é porque está dando a ver
uma nova forma de a História trabalhar a
cultura. Não se trata de fazer uma História do
Pensamento ou de uma História Intelectual, ou
ainda mesmo de pensar uma História da
Cultura nos velhos moldes, a estudar as
grandes correntes de idéias e seus nomes
mais expressivos. Trata-se, antes de tudo, de
pensar a cultura como um conjunto de
significados partilhados e construídos pelos
homens para explicar o mundo. A cultura é
ainda uma forma de expressão e tradução da
realidade que e faz de forma simbólica, ou
seja, admite-se que os sentidos conferidos às
palavras, às coisas, às ações e aos atores ociais
se apresentam de forma cifrada, portanto, já
um significado e uma apreciação valorativa.
 No Brasil, o “brasilianista” Jeffrey Needell
analisa a vida cultural das elites cariocas em
Belle Époque Tropical: Sociedade e cultura de
elite no Rio de Janeiro na virada do século.
Inovador quanto à temática, o livro desvenda
as formas de sociabilidade, lazer e consumo
de homens e mulheres das classes dominantes
no século passado, dando especial ênfase à
circulação das ideias, às reuniões literárias e a
outras formas de produção e consumo cultural.
 O historiador Alcir Lenharo, por sua
vez, parte, em sua última obra, em
busca das sociabilidades nômades
nas noites boêmias do Rio de Janeiro,
entre os anos 40 e 50, onde se
reuniam cantores, músicos, artistas,
intelectuais e políticos. Cantores do
Rádio: A trajetória de Nora Ney e
Jorge Goulart e o meio artístico de
seu tempo, apresenta a história do
rádio brasileiro a partir da biografia
desses dois grandes cantores,
notáveis não só pelo sucesso de seu
trabalho, mas pela militância política
de esquerda.
 Algumas tendências destacam-se: a busca de uma releitura dos
historiadores clássicos, tendo em vista desconstruir seu discurso, e
não aprender a “realidade” que supostamente descrevem. Hoje
lemos Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda ou
Caio Prado Júnior, considerado os “inventores do Brasil”, nos anos 30,
menos para conhecer o passado do que para entender como foi
interpretado. Como se lia; que verdades foram produzidas a respeito
de nossa identidade; como se escreveu a história da Nação; que
mitos foram engendrados; que atores foram suprimidos; que
verdades foram inventadas, a partir de determinados jogos de poder,
e não revelados como essências são algumas das perguntas
correntes.
 A obra traz à tona a real participação
dos Estados Unidos durante a
ditadura militar no Brasil. Carlos Fico
aponta o general brasileiro que era o
contato entre o então futuro
presidente Castelo Branco e o
governo de Washington para a
entrega de armas, munições e
combustível durante o golpe de 64. O
grande irmão relata episódios
sombrios, lances de suborno e traz
revelações chocantes como a
instalação de equipamento de
detecção de explosões nucleares,
sem o conhecimento do governo
brasileiro, em base militar operada
pelos EUA secretamente no Brasil.
 A incorporação da subjetividade, como dimensão a ser historicizada e
incorporada pelo pesquisador, resulta de uma profunda desconfiança na
existência de uma realidade organizada, exterior, pronta para ser
definitivamente decifrada. Trata-se agora de tematizar a mediação
estabelecida entre o historiador e seu objeto, distinguindo ainda as formas
de representação dos atores sociais e as do próprio estudioso. Nesta
direção, mas do que a inclusão dos oprimidos na grande narrativa,
processa-se um deslocamento epistemológico, a busca de novas
linguagens e figuras que dêem conta de captar as diferenças. Quebra-se a
lógica da identidade, a figura do sujeito universal, as categorias abstratas e
universalizantes que contavam a história dos dominantes como se fora de
todo um povo. Ao mesmo tempo, buscam-se novas formas narrativas, já que
conteúdo e forma passam a adquirir status e relevo do mesmo nível.

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