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Leontina Maria Jacob Agostinho

Aluna Nº 66014
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

I. ESTUDAR OS PROBLEMAS SOCIAIS


1.1 - Dos Problemas sociais aos problemas sociológicos:
O que são problemas sociais
1. Rubington e Weinberg – um problema social é uma alegada situação incompatível com os
valores de um significativo número de pessoas, que concordam ser necessário agir para a alterar.
2. Spector e Kitsuse – um problema social é constituído pelo conjunto das acções que indivíduos ou
grupos levam a cabo ao prosseguirem reivindicações relativamente a determinadas condições
putativas.
A primeira definição centra-se na situação que é considerada problema, a segunda definição privilegia
o processo pelo qual uma situação é considerada como problema.
A definição consensual é difícil porque depende da perspectiva (dos sociólogos) que se adopta.
Os problemas sociais, imbuídos de um significado social (porque se definem em função de um
conjunto de valores sociais), ao passarem pelo crivo do método científico, adquirem um significado
sociológico, isto é, reflectem valores sociológicos relativos às perspectivas teóricas e metodológicas
seguidas (Pais). Para que um problema social possa ser considerado problema sociológico deve
possuir as condições de regularidade, uniformidade, impessoalidade e repetição.
A problematização sociológica dos problemas sociais implica mesmo a des-construção destes, o
desmantelar do significado social de maneira a criar um significado de acordo com o discurso
científico (Quivy, Campenhoudt 1992). Os investigadores sociais debruçam-se sobre uma realidade
autoconstruída e encontram representações sociais que moldam a realidade e condicionam os próprios
investigadores.
Transformação de problema social em problema sociológico aludindo aos fenómenos da juventude
(Pais) e da velhice (Fernandes).
A juventude – É problematizada relativamente a aspectos variados como a inserção profissional, a
emancipação adulta, a toxicodependência, a crise dos valores tradicionais. Mas, problematizar
sociologicamente a juventude será questionar se os jovens sentem estes problemas. Será questionar a
definição de jovem, quais as soluções que a sociedade preconiza para os problemas da juventude e
quais as suas consequências.
A velhice – Constitui um problema para algumas sociedades e não para outras. Foi com a
industrialização, a urbanização e o envelhecimento demográfico que começaram a criar-se as
condições para a definição da velhice enquanto problema social a ser solucionado. Problematizar a
velhice enquanto problema social será questionar “que transformações ocorreram nas famílias e na
sociedade portuguesa que possam explicar a emergência do problema social quais os efeitos sociais da
institucionalização de espaços e práticas especificamente orientados para as gerações mais velhas.
1.1.1 – A questão do positivismo versus relativismo:
O conhecimento sociológico pode ser situado num contínuo epistemológico que vai do Positivismo ao
Relativismo.

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A sociologia positivista
• Defende a procura de leis sociais (à semelhança das leis do mundo natural) a partir de um
método indutivo-quantitativo, e advoga uma separação absoluta entre a Ciência e a Moral, isto é,
entre os factos e os valores (Lapassade, Lourau, 1973).
• Para a ciência positivista é possível conhecer objectivamente a realidade social, uma vez que
existem critérios universais do conhecimento e da verdade. Estuda situações objectivas, que são
definidas como problemas em razão de características que lhe são próprias. Daí a necessidade de
se conhecerem as suas causas e de se chegar à elaboração das leis que regem o fenómeno.
Posição relativista
• Não existe nenhum critério universal para o conhecimento e para a verdade. Todos os critérios
utilizados serão sempre internos ao sistema cogniscente e, como tal, serão relativos e não
universais.
• A definição é sempre relativa, será antes de mais um rótulo colocado a determinadas situações, e
não uma característica inerente à situação em si mesma.
Assim, o que importa estudar é a definição subjectiva dos problemas sociais.

1.1.2 -A aplicabilidade da ciência e o desenvolvimento teórico:


Um problema pressupõe uma solução. Os problemas sociais, que têm um significado social, requerem
uma solução social. Durante o século XIX o desenvolvimento das ciências sociais, sociologia, esteve
intimamente ligado ao estudo das preocupações humanas para as quais os actores sociais pensaram e
desenvolveram soluções humanas, isto é, sociais.
A percepção dos fenómenos ligados à industrialização, à urbanização e ao desenvolvimento
tecnológico proporcionaram o nascimento de um novo tipo de cientistas, que deviam aplicar à
realidade social o método científico, que tanto sucesso demonstrava no mundo natural.
Desde o início, os sociólogos tentam equacionar o que Rubington e Weinberg denominam de mandato
duplo:
1. Por um lado, dar atenção aos problemas existentes na sociedade, numa perspectiva de correcção
da realidade social, através de conhecimento empíricos adquiridos (estudam os “problemas
sociais”.);
2. Por outro lado, desenvolver teórica e metodologicamente a sociologia enquanto ciência (estudam
“problemas sociológicos”).
A ênfase que cada sociólogo coloca num prato ou noutro da balança condiciona o modo como
problematiza a sociedade e o seu trabalho como investigador.
Hester e Eglin, consideram que o primeiro tipo de perspectiva pode ser denominado de sociologia
correctiva que parte dos seguintes pressupostos:
 Equivalência de problema social a problema sociológico;
 As questões sociológicas derivam das preocupações sociais;
 O grande objectivo do estudo sociológico é a melhoria dos problemas sociais;
 Preocupação central com as causas ou etiologia dos problemas;
 Compromisso com os princípios positivistas da ciência;
Para estes autores, a sociologia correctiva falha nos seus propósitos precisamente porque não separa a
aplicabilidade da ciência do seu corpus teórico-metodológico, e não reconhece os viezes que tal
situação origina. Ao concentrar-se em responder à questão porque é que os comportamentos
acontecem, não questiona porque é que as situações são definidas como problema, aceitando as

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definições socialmente estabelecidas. Encara as pessoas como objectos e não como sujeitos que
constroem a realidade social.
Kurt Lewin defendia que uma boa teoria é sempre prática, e a prática empírica é sempre indispensável
ao desenvolvimento teórico. A separação entre os dois domínios é um falso problema.
Sociologia de Intervenção – é a questão da aplicabilidade da sociologia e doutras ciências sociais.
A Sociologia de Intervenção não é uma especialidade ou ramo sociológico, mas sim um modo de ver o
trabalho do cientista social que, em vez de isolar assepticamente o investigador do seu objecto de
estudo, o desafia a ser “contaminado” por este, o leva intervir activamente na realidade que estuda e a
não separar os papéis de investigador e de cidadão. A investigação social deve ser utilizada para
melhorar a sociedade, segundo princípios humanista de solidariedade de libertação.

1.2 – As perspectivas de estudo dos problemas sociais


1.2.1 – As perspectivas da sociologia Positivista
1.2.1.1 – Patologia Social
No século XIX as disciplinas como a biologia e a medicina influenciaram os sociólogos a adoptarem a
analogia do organismo ao seu objecto de estudo: a sociedade.
Adoptaram igualmente um modelo médico de diagnóstico e de tratamento. Os problemas sociais são
entendidos como doenças ou patologias sociais.
O pensamento organicista do britânico Herbert Spencer – defende que a sociedade e os seus elementos
podem sofrer malformações, desajustamentos e doenças, à semelhança dos organismos vivos.
Pressupõe um estado de saúde ou de normalidade do organismo, sendo que as pessoas e as situações
interfiram com este estado de normal funcionamento do organismo social são assim considerados
problemas sociais.
Para a corrente da Patologia Social, um problema social é uma violação de expectativas morais. A
condição de saúde ou normalidade do organismo é definida por valorações do Bem do Mal.
A patologia pode ser encontrada no indivíduo ou no mau funcionamento institucional. Os primeiros
autores desta corrente, meados do século XIX até cerca da I Guerra Mundial enfatizaram as más
formações dos indivíduos. Foi a perspectiva do Homem Delinquente, da escola positiva italiana de
criminologia, donde se destacaram Cesare Lombroso, Ferri e Garófalo.
Para Cesare Lombroso, era claro que a explicação do comportamento criminal dos indivíduos estava
em características fisiológicas particulares dos indivíduos, tamanho de maxilares, assimetria facial,
orelhas grandes ou a existência de um número anormal de dedos. No século XX avançaram-se outras
explicações de base psicológica ou biológica, ao nível de anormalidade cromossomática (um duplo
cromossoma Y) ou predisposição genética para a extroversão ligada a comportamentos de violação de
normas.
Na década de 1960 entram-se nas deficiências na socialização – Aqui os problemas sociais seriam o
resultado da incorporação de valores “errados” pelos indivíduos, fruto de uma “sociedade doente”.
Neste sentido, a solução para os problemas sociais passaria pela educação moral da sociedade e pela
incorporação de valores moralmente correctos.
Vytautos Kavolis – propôs a conceptualização de patologia como sendo um comportamento destrutivo
ou auto-destrutivo. Para Kavolis a definição de comportamento destrutivo seria possível em termos
absolutos, isto é, igual em todas as sociedades humanas. A patologia social estudaria os
comportamentos destrutivos, como patologias sociais, e igualmente as condições que causassem ou
contribuíssem para a existência desse comportamento.

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Rosenquist defende que é impossível chegar a uma definição objectiva do que é patológico a única
forma de se estudarem os problemas sociais é passando ao lado do que constitui a sua condição
problemática e aceitar o julgamento social como um dado.

1.2.1.2 - Desorganização Social


Com a década de 1920, a perspectiva da desorganização social ganha claramente terreno na sociologia
norte-americana. Esta nova abordagem iniciou um pensamento sociológico mais voltado para o
amadurecimento e para o desenvolvimento teórico e metodológico da sociologia enquanto ciência.
Rubington e Weinberg, autores da patologia social trabalharam com conceptualizações e termos
emprestados de outras ciências e consideraram sobretudo a aplicabilidade prática dos conhecimentos
sociológicos na resolução de problemas sociais.
Em contraste, os autores da perspectiva da desorganização social (teóricos desta teoria foram: Charles
Cooley, Thomas, Znainiecki e William Ogburn) utilizam um conceito claramente sociológico e que
apresenta um maior potencial de operacionalização do que o conceito de patologia social.
Cooley fez a distinção entre:
 Grupos primários, em que os indivíduos vivem relacionamentos face a face, mais intensos e
duradouros;
 Grupos secundários, onde as relações sociais são mais impessoais e menos frequentes.
Este autor definiu a desorganização social como sendo a desintegração das tradições. As regras sociais
deixam de funcionar.
Thomas e Znaniecki (no seu estudo sobre os imigrantes polacos) concepctualizaram a desorganização
social como a quebra de influência das regras sociais sobre os indivíduos.
Ogburn centrou-se no conceito de desfasamento cultural. Para a perspectiva da desorganização
social a sociedade não é um organismo mas sim um sistema composto por várias partes
interdependentes. As partes do sistema cultural podem modificar-se a ritmos diferentes, produzindo
um desfasamento no sistema que origina a desorganização social.
Robert Park, Ernest Burgess e Rodrick McKenzie, estudaram a organização espacial da cidade, o
fenómeno da urbanização é central para a perspectiva da desorganização social ao estar relacionado
com o enfraquecimento das relações face a face e das tradições sociais.
Park afirmou que a organização social se baseia nas tradições e nos costumes e que tudo o que
perturba os hábitos sociais, ou seja, a mudança social, tem potenciais efeitos desorganizadores.
A desorganização social e por conseguinte os problemas sociais, têm uma distribuição desigual pelas
zonas da cidade, apresentando maior intensidade numa zona de transição, onde se concentram os
migrantes recentes (imigrantes e população vinda das zonas rurais) e onde é maior a quebra do peso
das tradições.
Apesar do conceito de desorganização social se tenha revelado de grande utilidade para a compreensão
de um mundo onde a mudança começava a ser mais rápida, começaram também a ser postas em
evidência as fraquezas desta perspectiva.

Críticas de Marshal Clinard ao conceito de desorganização social:


O seu poder explicativo para a sociedade em geral é reduzido, por ser um conceito demasiado
vago e subjectivo. Será mais adequado para a análise de grupos mais específicos e não para toda a
sociedade.

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Confundiu-se desorganização social com mudança social, o que desde já deixa por explicar porque
é que nem todas as mudanças originam desorganização, e implica que se prove que a situação
anterior era de desorganização.
É um conceito fortemente sujeito aos julgamentos de valor do investigador, tal como o conceito de
patologia. Por um lado, tende-se a considerar desorganização numa perspectiva negativa, como se
todas as situações de desorganização sejam por essência “más”.
Aplicou-se o conceito de desorganização social a situações que não são de desorganização, mas
que, pelo contrário, traduzem outros tipos de organização, de que é um exemplo típico do que se
passa nos bairros de lata.
O sistema social pode acolher em si focos de desorganização ou a existência de comportamentos
desviados sem que tal comprometa o seu funcionamento, desde que outros objectivos do sistema
estejam a ser alcançados, contrabalançando as influências destabilizadoras que possam existir.
No seguimento da crítica anterior, ao constatarmos a existência de diferentes formas de
organização social, não podemos inferir que tal situação seja desastrosa para a sociedade, podendo
pelo contrário ser indispensável para a manutenção da coesão social.
Outra crítica também importante é que a perspectiva da desorganização social utiliza frequentemente
explicações circulares para os problemas de desorganização (Aggleton 1991) ou seja o mesmo facto é
considerado indicador e causa de desorganização social (exp. desemprego).

1.2.1.3 - Conflito de Valores:


Outro modo de ver os problemas sociais é considerá-los como o reflexo de um conflito de valores na
sociedade relativamente a uma dada situação. Ou seja, confrontos de grupos sociais com interesses
diferentes, em que o conflito é a dinâmica central da vida social.
A patologia social e a desorganização social equacionaram os problemas sociais como condições
objectivas menosprezando a definição subjectiva que os indivíduos pudessem fazer da situação em
causa. Assim o conflito de valores evidência a importância da definição subjectiva sem a qual a
condição objectiva de base não seria só por si um problema social.
Os teóricos desta corrente (com especial impacto nos ano 30 e anos 50 grande Depressão e II guerra
mundial) foram Richard Fuller e Richard Myers e distinguiram três tipos de problemas que afectam
as sociedades:
1. Problemas físicos
2. Problemas remediáveis
3. Problemas morais
Problemas físicos – que não são causados pela acção humana (sismos) existe um consenso geral de
que a condição objectiva é indesejável e nada se pode fazer para controlar as causas do problema. Mas
podem surgir conflitos quanto ao que fazer para tratar as suas consequências.
Problemas remediáveis – (delinquência juvenil), apresentam consenso quanto à indesejabilidade da
situação e quanto à necessidade de agir para a corrigir, mas criam-se conflitos no que diz respeito ao
conteúdo da acção, ou seja, o que fazer.
Problemas morais – (consumo de marijuana, eutanásia) são os mais complexos, pois não existe
consenso quanto à própria indesejabilidade da situação.
Os problemas podem passar de um tipo para outro, acompanhando as mudanças nos valores sociais.

Segundo Fuller e Myers, os problemas sociais evoluem segundo três fases:


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1. A tomada de consciência do problema – quando os grupos sociais começam a encarar uma dada
situação incompatível com os seus valores, reconhecendo a necessidade de agir.
2. Fase de determinação política – um processo de clarificação dos valores e das posições em
presença e definição de propostas de acção.
3. Fase das reformas – na qual são postas em prática determinadas soluções para o problema, que
podem ser levadas a cabo por agentes públicos ou por organizações privadas.

1.2.1.4 – Comportamento Desviado:


Em meados do século XX havia cada vez maior disposição para a integração entre teoria, pesquisa
empírica e aplicação prática. Esta intenção de integrar campos está na base da perspectiva de
comportamento desviado. Observou-se uma clara tentativa de conciliar as duas grandes escolas que
dominavam o pensamento académico da sociologia norte-americana:
1. A Escola de Harvard, de ênfase teórica,
2. A Escola de Chicago, empírica e descritiva.
Durkheim – o conceito de anomia significava uma ausência de normas para quebrar as regras. Em
períodos de mudança rápida, as regras que normalmente limitam os indivíduos perdiam essa
influencia, deixando-os à deriva e sujeitos à frustração o que podia levar ao suicídio.
Merton – Conceito de anomia refere-se ao desfasamento entre metas culturais a atingir e os meios que
a sociedade proporciona para o efeito. A estrutura cultural de uma dada sociedade coloca uma série de
metas a atingir pelos seus membros, numa certa hierarquia de importância. Para o prosseguimento das
metas culturais, a estrutura social proporciona os meios considerados aceitáveis. Se determinadas
metas culturais forem enfatizadas mas os indivíduos não dispuserem dos meios sancionados pela
estrutura social, estaremos perante uma situação de anomalia. Merton referiu que a sociedade norte-
americana que sobrevaloriza o valor do sucesso, deixa de lado largos segmentos da população sem os
meios para o alcançar.
Daqui resulta que o comportamento desviado é entendido como normal em relação a situação
anormais. O comportamento desviado dependerá da assimilação das metas culturais e das normas
institucionais, e da acessibilidade dos meios legitimados pela sociedade.
Segundo Merton, o desfasamento entre meios e metas dá origem a quatro tipos de adaptação
individual:
1. Inovação – na qual as metas são mantidas mas são utilizados novos meios para as alcançar
(roubar, ou subornar);
2. Ritualismo – pelo qual se renuncia às metas, mas se sobrevaloriza os meios;
3. Evasão – na qual tanto os meios como as metas são renunciados (alcoolismo);
4. Rebelião – quando se pretende instaurar novas estruturas de metas e de meios.
Podemos analisar diversos tipos de problemas sociais com este modelo de análise, desde os que
envolvem comportamentos delinquentes ou criminosos, à burocracia, movimentos ecologistas e
fundamentalismos vários, entre outros.
Edwin Sutherland – desenvolveu a teoria da associação diferencial, centrando-se no processo pelo
qual se dá o comportamento desviado.
Mais tarde, Edwin Sutherland em conjunto com Donald Cressey, apresenta em nove pontos este
processo de génese do comportamento criminoso:
1. O comportamento criminoso é aprendido, não é inato;

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2. É aprendido pela interacção com outros indivíduos num processo de comunicação;
3. A aprendizagem mais importante é feita em grupos primários;
4. A aprendizagem envolve, por um lado, as técnicas necessárias ao crime e, por outro lado, os
motivos, as racionalizações e as atitudes a ele ligadas;
5. Os motivos e os impulsos são aprendidos segundo a definição favorável ou desfavorável aos
códigos legais;
6. Um indivíduo torna-se delinquente pela razão de encontrar um excesso de definições favoráveis
à violação da lei em detrimento das definições desfavoráveis à violação da lei;
7. A associação diferencial varia em termos de frequência, duração, proximidade e intensidade;
8. O processo de aprendizagem dos comportamentos criminosos e não criminosos integra todos os
aspectos normalmente envolvidos em qualquer tipo de aprendizagem;
9. As necessidades e os valores gerais (segurança, riqueza material) que são reflectidos pelo
comportamento criminoso não explicam este mesmo comportamento, uma vez que outros
comportamentos não criminosos também os reflectem.
Os sociólogos da corrente do comportamento desviado consideraram que as teorias da anomia e da
associação diferencial se completavam, e desenvolveram tentativas de síntese das duas teorias.
Albert Cohen (1968) – na sua teoria da sub cultura delinquente – sustentou que os jovens da classe
trabalhadora enfrentavam uma situação de anomia no sistema escolar, pensado segundo os valores da
classe média. Na a escola eram ensinados os valores mas eram vedados os meios legítimos para os
poderem atingir. Em resultado, os jovens uniam-se e formavam uma cultura própria que violava os
códigos legais. As novas normas eram socializadas através do processo da associação diferencial.
Richard Cloward e Lloyd Ohlin (1966) – teoria da oportunidade – sustentam que não basta
considerarmos a estrutura de oportunidades legítimas na génese do comportamento delinquente; é
igualmente essencial ter em conta a estrutura de oportunidades ilegítimas. Não é só uma questão de
ausência de oportunidades legais, mas também da presença de oportunidades ilegais.
A perspectiva do comportamento desviado entende que os problemas sociais reflectem, de forma mais
ou menos directa, violações das expectativas normativas da sociedade, sendo que todo o
comportamento que viola essas expectativas é um comportamento desviado. A solução para os
problemas de comportamento desviado deverá passar pela ressocialização dos indivíduos e pela
mudança da estrutura social de oportunidades, para que sejam aumentadas as oportunidades legítimas e
diminuídas as oportunidade ilegítimas.

1.2.2 – As perspectivas da Sociologia Relativista:


Três perspectivas que seguem uma visão relativista da ciência, de base interaccionista (o labeling e o
construtivismo social) e estruturalista (a perspectiva crítica). Nelas se defende, em oposição ao
positivismo, que o conhecimento é socialmente construído. Se assim é, a questão é saber como é que a
realidade faz sentido para as pessoas e através de que processos estas dão e partilham significados
sociais.

1.2.2.1 – Labeling:
Na descrição da teoria de labeling ou teoria da rotulagem os nomes importantes foram Georg Herbert
Mead, Blumer e Goffman.

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Mead – (concebeu a formação do Ego como o resultado das interacções sociais com Outros
Significativos) Os indivíduos aprendem a ver-se como objectos sociais e comportam-se de acordo com
esta percepção. As pessoas interagem fundamentalmente através de símbolos (sons, imagens) e os seus
significados emergem da interacção social. O comportamento irá depender do entendimento que
fizerem desses símbolos, num processo de reajustamento continuado.
Herbert Blumer – desenvolveu a ideia de que os significados não são dados, mas requerem uma
interpretação activa por parte dos actores sociais envolvidos.
Erving Goffman – introduziu o conceito de identidade social, para se referir às qualidades pessoais
que permanecem constantes em diferentes situações. Defendeu ainda que a identidade social pode ser
consolidada pelas reacções dos outros ao comportamento dos indivíduos. Se as reacções forem
negativas, as pessoas podem ser forçadas a aceitar uma spoiled identity, processo que Goffman define
como de estigmatização.
Embora os autores acima referidos terem sido fundamentais para a teoria do labeling, os nomes
pioneiros da perspectiva propriamente dita são Edwin Lemert e Howard Becker.
Edwin Lemert – defendeu a teoria de que o desvio é definido pelas reacções sociais e introduziu os
conceitos de desvio primário e desvio secundário. Esta distinção de conceitos baseia-se noutra
distinção que Lemert estabeleceu entre comportamento desviado e papel social desviado. O desvio
primário comporta causas biológicas e sociais.
Mas a causalidade dos papéis sociais desviados, ou desvio secundário, reside na interacção social entre
o indivíduo que é definido como desviado e a sociedade onde se insere. A reacção social ao desvio
primário está assim na origem do desvio secundário.
Segundo Lemert a Sequência de interacção que leva ao desvio secundário pode esquematizada da
seguinte forma:
1. Ocorrência do desvio primário;
2. Sanções Sociais;
3. Recorrência do desvio primário;
4. Sanções sociais mais pesadas e maior rejeição social;
5. Continuação do desvio, agora com possível hostilidade e ressentimento por parte do indivíduo
desviado para com aqueles que o sancionam;
6. O coeficiente de tolerância chega a um ponto crítico, que se reflecte nas acções formais de
estigmatização do indivíduo levadas a cabo pela comunidade;
7. Fortalecimento do comportamento desviado como reacção à estigmatização e às sanções;
8. Aceitação do estatuto de desviado por parte do indivíduo estigmatizado e consequentes
ajustamentos com base no novo papel social.
Esta perspectiva é reforçada por Howard Becker ao introduzir o conceito de labeling, que deu o nome
a esta corrente, e o conceito de carreira desviante.
Becker defendeu que o comportamento desviado é aquele que a sociedade define como desviado.
Para que alguém seja rotulado de desviado é necessário percorrer uma série de fases sequenciais, num
processo de interacção dinâmico, a que Becker apelidou de carreira desviante.
O que a perspectiva do labeling constatou é que nem todos os que violam as normas são rotulados de
desviados, o que nos leva a considerar que, em última instância, todo este processo traduz uma certa
equação do poder na sociedade: quem define as regras, que aplica os rótulos, quem é rotulado.

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A crítica à corrente labeling é que por um lado, afirmar que o desvio é originado antes de mais pela
formulação das regras que são violadas e pelas reacções a esta violação das normas, soa como uma
desculpabilização e desresponsabilização dos comportamentos em vez de uma explicação dos mesmos.
Por outro lado, para posições politicas mais à esquerda, a corrente do labeling ficou aquém do que
podia ter ido na critica social ao concentrar-se unicamente no processo de criação e imposição dos
rótulos sociais, sem ter ligado este processo com as desigualdades na estrutura social.

1.2.2.2 – Perspectiva Crítica:


A perspectiva crítica é também denominada de perspectiva radical e centrou-se na questão da
influência do poder na definição dos comportamentos desviados e dos problemas sociais, e numa
concepção alargada da contextualização social do desvio.
A fundamentação desta corrente está no pensamento marxista. Tem assim uma postura de conflito na
génese dos problemas sociais. Segundo a tradição marxista, os modos de produção da infra-estrutura
económica determinam relações sociais distintas. No estádio capitalista de desenvolvimento, a divisão
social mais importante é a que separa os que possuem os meios de produção, a classe capitalista, dos
que têm unicamente a sua força de trabalho para vender, e que constituem a classe trabalhadora.
Para a perspectiva crítica os problemas sociais advêm das relações sociais impostas pelo modo de
produção, e traduzem a necessidade de controlo da classe capitalista e a necessidade de resistência e
acomodação das classes exploradas. O tipo e a gravidade dos problemas sociais ficam particularmente
dependentes das condições económicas conjunturais e da consciência de classe que os trabalhadores
possam ter.
A solução para os problemas sociais reside na mudança (revolucionária) do sistema social de classes
para uma sociedade sem classes, ou seja, sem exploração humana, sem injustiças e sem desigualdades.
Os anos 70 são uma década de crise de profunda crítica social e foi um período de renascimento das
grandes discussões teóricas.
Os autores mais significativos são Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young que deu o nome à corrente
da nova criminologia ou criminologia radical. Segundo eles, o desvio deve ser analisado de forma
materialista e histórica:
Materialista porque deve ser analisado o contexto material e Histórica porque se deve relacionar o
desvio com a evolução histórica dos modos de produção.
Esta perspectiva tem sido fortemente criticada por autores positivistas que argumentam ser este tipo de
abordagem mais uma ideologia do que uma teoria científica. Ou seja a perspectiva crítica centrou-se na
explicação da génese das leis e no funcionamento das instituições de controlo e negligenciou a
explicação dos comportamentos desviados.
Outra critica é relativa à ênfase dada por esta corrente às questões de classe e de poder económico,
esquecendo-se de outras fontes de conflito social como o género, a idade ou diferenças raciais.

1.2.2.3 – Construtivismo Social:


Refere-se a correntes teóricas cuja ideia central e geradora é a de que as pessoas criam activamente a
sociedade.
Os autores Peter Berger e Thomas Luckmann defendem que a sociedade é uma produção humana e o
Homem é uma produção social. A sociedade é ao mesmo tempo uma realidade objectiva e subjectiva.
È objectiva porque é exteriorizada, relativamente aos actores sociais que a produzem, e é objectivada,
sendo constituída por objectos autónomos dos sujeitos sociais. É uma realidade subjectiva porque é
interiorizada através da socialização.

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Para John Kitsuse e Malcolm Spector a questão deverá ser colocada antes de mais, saber porque é que
algumas situações são consideradas problemas sociais e outras não, tentando explicar o surgimento do
próprio rótulo de problema social. Só através da problematização sociológica será possível chegar a
uma teoria social dos problemas sociais.
A condição objectiva do problema social é, portanto, posta de lado pela perspectiva construtivista pois
esta não é essencial para a existência de um problema social.
É a definição subjectiva do problema social que se revela essencial para a existência do mesmo e como
tal só esta deve ser investigada pelos sociólogos. (violência conjugal, trabalho infantil) situações que
só se converteram em problemas sociais quando se estabeleceu com sucesso um movimento de
reivindicação que definia estas situações como problemas e onde os mass media tiveram uma enorme
importância.
Um problema social só se constitui em razão de todo um processo de reivindicação e reacção social.
Importa identificar quem define uma dada situação, real ou virtual, como problema social; quais as
razões que apresenta, quem reage a esta pretensão e que tipo de dinâmica se estabelece entre as duas
partes.
Somente após o estudo empírico do processo de definição de cada problema social é que podem ser
elaboradas possíveis soluções para o mesmo. Ao contrário das correntes que abordámos anteriormente,
a perspectiva construtivista não apresenta soluções a priori para os problemas sociais.
Ou estudamos a delinquência juvenil, investigando aspectos como as causas do comportamento
desviado pelos jovens, a evolução dos casos de delinquência;
Ou a sua distribuição pelos estratos socio-económicos;
Ou então estudamos o problema social da delinquência juvenil, ou seja, como é que a sociedade veio a
reconhecer este fenómeno como problema social, e neste caso não é essencial que se saibam as causas
do comportamento desviado em questão.
SÍNTESE: Sumário das sete perspectivas de abordagem dos problemas sociais. Aspectos chave:
Perspectiva Definição de Problema Social Elemento Central
Patologia Social Violação de expectativas morais Pessoas
Falha no funcionamento das regras
Desorganização Social Regras sociais
sociais
Situação incompatível com os valores de
Conflito de Valores Valores e Interesses
um grupo social
Comportamento Desviado Violação de expectativas normativas Papéis sociais
Resultado da reacção social a alegada
Labeling Reacções sociais
violação de normas ou expectativas
Resultado da exploração da classe
Perspectiva Radical Relações de classes sociais
trabalhadora
Processo pelo qual grupos sociais
Construtivismo Social reivindicam que uma dada situação é um Processo de reivindicação
problema social

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II. PERSPECTIVAS POLÍTICO-DOUTRINÁRIAS SOBRE OS


PROBLEMAS SOCIAIS
2.1 – Os problemas sociais e a alteração do papel do Estado:
Os modos como os problemas sociais têm sido encarados pela sociedade, bem como foram concebidos
e implementados os sistemas para lhes dar resposta, evoluíram significativamente ao longo da história
humana. Principalmente nas sociedades pré-industriais.
2.1.1 – O Estado Protector:
Estado protector é o modelo, que segundo alguns autores, surgiu com a desagregação da sociedade do
Ocidente medieval que se encontrava no poder do soberano.
O poder não uma simples capacidade de obrigar, mas que traduz a resultante da tensão entre tal
capacidade e a vontade de obedecer. A centralização registada resultou de duas tendências
Um processo de concentração da capacidade de obrigar por parte do poder político, de que foram
expressão entre outras, a criação dos exércitos nacionais e a concentração progressiva do poder
tributário;
A emergência de um consenso crescente sobre a vontade de obedecer, do sector que mais tarde se
viria a chamar sociedade civil.
O modelo de Estado que daqui resultou, privilegiou os fins de segurança e de justiça em detrimento do
fim de bem estar social que, por regra, foi remetido para a sociedade civil, ainda que por vezes se
tenham observado incursões orientadoras dessa actividade por parte de acções das casas reais e
aristocracia. Um modelo de intervenção claramente assistencial como é o caso Das Misericórdias.

Estado Protector
Desagregação da sociedade feudal

Concentração da capacidade de obrigar pelo poder Maior consenso na vontade de obedecer por parte da
político sociedade civil

Estado Protector
Objectivos:
• Produzir segurança
• Reduzir a incerteza
Fins dominantes do Estado:
• Segurança
• Justiça
Características dominantes do aparelho de Estado:
• Pequena dimensão
• Organização relativamente difusa
• Pilotagem centralizada

Para garantir a eficiência do Estado Protector, o príncipe recorreu a dois tipos de pessoas:
 Políticos profissionais e semi-profissionais que pertenciam a grupo de clérigos, literatos
humanistas, nobreza cristã, gentries inglesa e os juristas.

12
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
 Aos funcionários profissionais que pouco a pouco foram aumentando na Europa em função da
progressivamente maior complexidade dos problemas que ao Estado competia resolver. A
Administração financeira, da técnica guerreira e da actividade jurídica com um
profissionalismo especializado, deu origem ao predomínio do absolutismo do príncipe em que
os funcionários profissionais auxiliaram e foram indispensáveis para vencer o poder feudal.

2.1.2 – O Estado Providência:


Com a revolução industrial e a emergência de problemas económicos e sociais que daí resultaram, o
Estado foi chamado a assumir funções de regulação e de orientação cada vez maiores tendo emergido a
consciência de que o Bem-Estar constituía um fim do Estado. As tendências foram para um papel cada
vez mais intervencionista da Administração Pública.
Estado Providência
Revolução Industrial

Problemas económicos Problemas sociais

Crescimento e radicalização das funções do Estado

Estado Providência
Objectivos:
• Produzir segurança
• Reduzir a incerteza
• Promover a regulação e a orientação socio-económica
Fins dominantes do Estado:
• Segurança
• Justiça
• Bem-estar
Características dominantes do aparelho de Estado:
• Dimensão progressivamente maior
• Organização progressivamente mais complexa
• Pilotagem progressivamente mais profissionalizada

2.2 – As perspectivas liberais:


A perspectiva liberal foi resultado de uma lenta sedimentação de natureza económica, doutrinária e
política que ocorreu na Europa a partir do século XV.

2.2.1 – Génese:
Com a expansão europeia e a consequente diversificação de mercados e acumulação de capitais, a
burguesia consolidou-se como classe social e intensificou-se com a Revolução Industrial emergindo
uma nova ordem económica internacional.
A ordem política foi alterada, apresentando traços com a centralização do Poder real e o consequente
enfraquecimento da velha aristocracia apoiada na ascensão da burguesia.

13
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Surgiram diversas doutrinas económicas e sociais, como o mercantilismo, a fisiocracia e todo um
corpo filosófico que procurou limitar o despotismo do príncipe que criou condições para a revolução
francesa.
Para os adeptos da perspectiva liberal, os problemas sociais e económicos resultam de uma acção
desastrada do Estado que, na mira de os resolver, intervém em demasia nos mecanismo de regulação
do mercado.
O liberalismo deve ser compreendido no seu sentido mais global (como uma) doutrina baseada na
denúncia de um papel demasiado activo do Estado e na valorização das virtudes reguladoras do
mercado (Rosanvallon).

Génese Movimentos de Génese política


económica legitimação
doutrinária

Expansão Centralização do
(séculos XV e XVI)
(implica diversificação •Mercantilismo poder real
de mercados;
acumulação de capital)
•Fisiocracia

• Movimentos de
Industrialização reacção aos excessos Guerras religiosas
(séculos XVII)
do Príncipe que
culminam na
Revolução francesa
Nova ordem Consolidação da
económica nova ordem política
(consolidação da (o Estado-Nação ao serviço
burguesia) da economia subsidiada)

Liberalismo
2.2.2 – As Teses:
Defensores do liberalismo positivista clássico – Adam Smith, Jeremias Bentham, Burke, Humbold
Defensores do liberalismo utópico – Paine e Godwin
Defensores do neoliberalismo – Robert Nozick ou John Rawls.
Em todos estes autores encontramos uma forte crítica à excessiva dimensão do Estado, variando, no
entanto, nos critérios definidores das suas funções e na definição do seu campo de actuação. É o caso
mais recente, da corrente neoliberal, que deve ser entendida como um crítica, da crítica à economia de
mercado.
14
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

De acordo com a teoria das internalidades de Rosanvallon a acção do Estado tem efeitos imprevistos
(internalidades) que pervertem as intenções de justiça e de promoção do Bem-Estar das suas políticas.
Por exemplo o ciclo vicioso das despesas públicas apresentado por Rosanvallon:
• O crescimento das necessidades dos cidadãos (económicas, sociais, de segurança, etc.) implica
uma pressão sobre o Estado no sentido de as colmatar (aumento da procura de Estado).
• O aumento da procura de Estado, obriga este a concentrar recursos e articulá-los para dar
resposta às necessidades (aumento da oferta de Estado).
• Para que a oferta de Estado cresça, este é obrigado a fazer mais despesas públicas.
• O aumento das despesas públicas determina um aumento dos impostos para lhes fazer face.
• O aumento da carga fiscal sobrecarrega os cidadãos o que, naturalmente, lhes aumenta as
necessidades e a procura de Estado, e assim sucessivamente.
No que respeita aos problemas sociais e económicos, o pensamento liberal tem evoluído, ainda que
partilhe de uma ideia comum: o mercado é melhor regulador que o Estado e, por consequência, os
problemas socio-económicos devem ser atacados predominantemente pela sociedade civil.
A posição liberal face aos problemas socio-económicos pode resumir-se em dois aspectos:
• A maior parte dos problemas sociais e económicos resultam de uma excessiva intervenção do
Estado.
• A resolução dos problemas sociais e económicos deveria ser deixada aos mecanismos (naturais)
de auto-regulação do mercado.

2.2.3 – As limitações:
Os críticos à perspectiva liberal apontam-lhes as seguintes limitações:
• Os limites da acção do Estado são em regra insuficientemente operacionalizados
• Os efeitos imprevistos do funcionamento do mercado que condicionam fortemente a emergência
e o agravamento dos problemas socio-económicos não são convenientemente equacionados.
Suzanne de Brunhoff faz referência à contradição entre a apregoada liberalização de pessoas, bens,
serviços e capitais – tese central da corrente liberal – e a realidade observada no terreno muitas vezes
proteccionistas.
Segundo esta autora um cenário de guerra económica implica, por parte dos decisores políticos, uma
atitude de nacionalismo económico. As funções económicas e sociais do Estado procuram atingir dois
objectivos:
• Reforçar a frente de combate económica, apostando em políticas de obtenção de encomendas no
estrangeiro e em estratégias de financiamento e de proteccionismo dos sectores sociais mais
fortes, como os segmentos que apostam no desenvolvimento tecnológico e nas exportações;
• Ajudar a tratar dos feridos da guerra económica (pobres e novos pobres, jovens, mulheres,
idosos, imigrantes e desempregados de regiões industriais sinistradas).
Neste cenário, o reforço da frente de combate é normalmente mais forte que a ajuda ao tratamento dos
feridos da guerra económica, criando-se um ambiente tendente a retirar os direitos sociais e
económicos aos cidadãos.

15
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

2.3 – As perspectivas marxistas (1813-1883):


2.3.1 – Génese:
O pensamento marxista enquadra-se historicamente na Europa do século XIX, revolução industrial.
A sua teoria deve ser entendida como uma teoria em permanente evolução, por vezes contraditória.
Escreveu o Manifesto com Engels.
Os seus comentadores apontam três tipos de correntes que lhe serviram de referência: a filosofia alemã
(Hegel e Feurbach) o socialismo francês (Proudhon e Saint Simon) e a economia política inglesa
(Ricardo e Adam Smith).

2.3.2 – As teses:
O pensamento de Marx relativamente ao papel do Estado não é idêntico ao longo da sua obra:
Desde uma posição idealista defendida na Gazeta Renana, em 1843, em que descrevia a
possibilidade da existência de uma associação de homens verdadeiramente livre num estado
idealizado, concebido, com base no modelo hegeliano, como uma incarnação da razão.
Passando pela afirmação de que o Estado era uma expressão da alienação humana semelhante à
religião, ao direito e à moralidade, um biombo que esconde as verdadeiras lutas inter-classes,
assumindo-se como instrumento da classe dominante (ideologia alemã) uma mera comissão de
gestão dos assuntos da burguesia (Manifesto).
Até à afirmação de que poderia desempenhar, apesar de todas as críticas, algum papel positivo em
favor das classes oprimidas (A guerra civil em França), ou mesmo que poderia ser, quando em
situação de ditadura do proletariado, instrumento de mudança para a sociedade comunista. (Crítica
do Programa de Gotha).
Apesar da aparente ambivalência, parece ser constante o reconhecimento do importante papel que cabe
ao Estado como instrumento da classe dominante (burguesia ou proletariado) nas funções de regulação
e orientação da sociedade global.
Na perspectiva marxista os problemas económicos e sociais são resultantes da situação de exploração
de uma classe em benefício de outro, de uma permanente luta de classes, poderemos entender as duas
estratégias defendidas por esta corrente, consoante detenha ou não o controle do Estado:
Quando o Estado não é controlado pela classe trabalhadora
Às organizações desta classe cabe fazer pressão, para que o poder político lhe faça concessões, no
sentido de prevenir e atenuar os problemas sociais; assim deve ter atenção a conquista do poder pela
classe trabalhadora.
Quando o Estado é controlado pela classe trabalhadora,
Deve centralizar a definição de rumos e a articulação de meios para fazer face aos problemas sociais
e económicos; neste sentido, deve-lhe competir um papel dominante no planeamento e organização
da economia e da protecção social.

2.3.3 – As limitações:
Críticas à perspectiva marxista
• Do ponto de vista doutrinário, ao privilegiar a luta de classes como instrumento de intervenção, o
marxismo provocou danos elevados na coesão social, lançando as classes sociais umas contra as
outras, gastando consideráveis energias sociais necessárias ao crescimento económico e ao
desenvolvimento social, em nome da igualdade e em detrimento da liberdade.

16
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
• Do ponto de vista político, as que o acusam de falta de eficácia e de eficiência uma vez que, nos
países em que foram aplicadas as concepções marxistas os resultados obtidos foram muito
inferiores aos previstos (ineficácia), e os avanços conseguidos foram-no frequentemente a custos
económicos e sociais muito elevados (ineficiência), uma vez que exigiram uma máquina estatal
excessivamente pesada.

2.4 – As perspectivas conciliatória:


Se nos reportarmos a três valores centrais de Revolução Francesa, a Liberdade, a Igualdade e a
Fraternidade, os dois primeiros são de cariz liberal (liberdade) e marxista (igualdade), um em
detrimento do outro. O elemento Fraternidade foi remetido para a esfera da sociedade civil, pois não é
politicamente tão relevante como o da Liberdade e Igualdade.
Procurando conciliar as doutrinas liberal e marxista, emergiu uma terceira tendência no século XIX
que veio dar origem ao que se convencionou chamar Estado-Providência.

2.4.1 – Os fundamentos:
Os fundamentos da intervenção do Estado relativamente aos problemas sociais e económicos podem
encontrar-se na constatação de efeitos imprevistos (positivos ou negativos) do funcionamento do
mercado a que Pigou chamou externalidades.
Esta teoria servia de suporte para legitimar a intervenção do Estado no próprio interior da lógica
liberal, criando paradoxalmente uma fonte inesgotável de motivos de extensão do estado-regulador.

2.4.2 – Os pilares do Estado Intervencionista:


A expressão Estado-Providência surge na França no segundo império, criada por pensadores liberais
hostis ao aumento das atribuições do Estado, mas igualmente críticos em relação a uma filosofia
individualista demasiado radical.
Procurava fazer referência a um modelo de Estado intervencionista, que na Alemanha da década de
1880 era apelidado de Estado Social e no Reino Unido nos anos 40 do século XX de Estado de Bem-
Estar.
Este modelo de Estado integrou três tipos de contribuições principais:
1. O primeiro pilar: o seguro obrigatório de Bismark
Bismark (1879/1880) em resposta à pressão conjugada, do movimento trabalhista alemão devida
à situação de alto risco em que se encontravam os trabalhadores da indústria e da acção de
grupos de académicos e políticos que se juntaram, para denunciar os malefícios das opções
liberais e para defender uma intervenção do Estado no combate aos problemas sociais.
A resposta política a tal conjuntura foi um conjunto de leis que procuraram melhorar a protecção
social dos trabalhadores através de mecanismos de seguro obrigatório, numa altura em que os
sistemas de protecção eram meramente mutualistas. As leis estruturantes de tal sistema foram as
seguintes:
 Lei da responsabilidade limitada dos industriais em caso de acidentes de trabalho (1871);
 Lei do seguro obrigatório (1881);
 Leis do seguro-doença, dos acidentes de trabalho e do seguro velhice-invalidez que aplicaram a lei
de 1881 a essas três áreas de risco social.
2. O segundo pilar: a teoria intervencionista de Keynes
Economista John Maynard Keynes – este autor mostrou a forma como o capitalismo de
mercado podia ser estabilizado através da gestão da procura e da adopção de um sistema de
economia mista.
17
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

Os princípios defendidos por este autor, aplicados para combater a crise de 1929 pelo presidente
Roosevelt na política do New Deal, basearam-se numa vigorosa intervenção estatal através de
investimentos públicos que criaram muitos empregos. Ao fazê-lo aumentaram o poder de compra
provocando um acréscimo na procura, revitalizou a economia e consequentemente reduziu os
problemas sociais e económicos.
3. O terceiro pilar: o relatório Beveridge
No Reino Unido o intervencionismo estatal pode-se situar no reinado de Isabel I, século XVI,
com a Lei dos pobres, obrigava as paróquias a dar trabalho como medida de protecção.
É em plena segunda guerra mundial com o relatório Beveridge lançam-se as bases recentes dos
sistemas de segurança social de acordo com quatro princípios:
 O princípio da universalidade (de população-alvo) segundo o qual a protecção social seria devida
a toda a população, qualquer que fosse a sua situação face ao emprego ou ao rendimento;
 O princípio da unicidade (de inputs do sistema), pelo qual uma única quotização cobriria todos os
riscos de privação de rendimentos;
 O princípio da uniformidade (de outputs do sistema), que preconizava a uniformidade das
prestações, independentemente do rendimento dos beneficiários;
 O princípio da centralização (organizacional), que obrigava à criação de um sistema único de
protecção social (saúde e segurança social) para todo o país.
O relatório Beveridge constituiu um avanço pois contemplara as mulheres domésticas, crianças e
outros inactivos relativamente às medidas de Bismarck.

2.4.3 – A situação actual:


Após a segunda guerra mundial, o modelo intervencionista (baseado no modelo Beverage) foi aplicado
nos países mais industrializados auxiliado pela conjuntura propícia à conjugação de reconstrução e de
expansão económica.
Os ingredientes básicos que proporcionaram consistência politica a este modelo de Estado
intervencionista foram três:
1. O pleno emprego como objectivo estratégico;
2. Sistema de serviços universais ou quase universais para satisfação das necessidades básicas;
3. Manter um nível nacional mínimo de condições de vida.
Com as duas crises do petróleo na década de 70 a situação económica mundial alterou-se iniciando-se
um período de recessão que teve dois efeitos conjugados nos sistemas de protecção social:
1. Por um lado, aumentou a procura de Estado, devido ao crescimento do desemprego provocado
pela recessão económica;
2. Por outro lado, a diminuição das contribuições para o sistema de segurança social, em função da
crise e do envelhecimento demográfico dos países industrializados, condicionou a redução da
oferta de Estado, para fazer face às necessidades.
Esta situação fez perder a confiança no modelo Estado-providência tendo sido estabelecidas políticas
neoconservadores em vários países Ronal Regan nos EUA e Margaret Tatcher no Reino Unido,
alicerçadas nas doutrinas neoliberais.
Do ponto de vista do modelo neoconservador, sendo que grande parte dos problemas sociais
decorrentes de uma excessiva despesa pública, a sua solução passava pela redução da oferta do Estado,
operacionalizada numa política de privatizações, tanto da economia como dos serviços sociais.

18
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
O excessivo custo social das medidas implementadas, e a sua ineficácia conduziram a uma reacção por
parte dos sociais-democracias no sentido de adaptar o modelo de Estado Providência aos novos
desafios, pelo que surgiram novas proposta políticas.

2.5 – Em Portugal:
2.5.1 – A perspectiva intervencionista na evolução constitucional:
Evolução doutrinária quanto ao entendimento das funções económicas e sociais do Estado.
Constituição Características
Constituição de 1822 • Pretende criar instituições liberais e democráticas.
• Não passou de um projecto pois o seu suporte social era débil
(burguesia mercantil), os inimigos, muitos e, a secessão do
Brasil, uma questão urgente, que remeteu a organização das
FESE para segundo plano
Carta Constitucional de 1826 • Sendo conservadora mantém as FESE numa perspectiva
liberal
Constituição de 1838 • Mantém a concepção de uma monarquia liberal assente na
aliança do Rei com a burguesia (Jorge Miranda)
Constituição de 1911 • Não altera a perspectiva liberal das funções do Estado,
condimentando-as de laicismo, anti-clericalismo e
municipalismo.
• Dá grande realce à política de Educação.
Constituição de 1933 • Corporativista, apresenta uma cariz muito mais
intervencionista, pretendendo ser a pedra de toque em que as
FESE são sensivelmente maiores e mais complexas.
• Explicita princípios de protecção à família, incumbências
económicas do Estado, organização de interesses sociais, da
empresa e do direito do trabalho
Constituição de 1976 • É influenciada pelas doutrinas marxistas e do Estado-
Providência.
• Consolida medidas socializantes das FESE
• Identifica três sectores de propriedade (público, cooperativo e
privado)
• Consagra direitos liberdades e garantias democráticos
• Explicita princípios de protecção aos cidadãos e aos
trabalhadores em particular, em diversos domínios das FESE:
Educação, Saúde, Segurança Social, Habitação, Trabalho, etc.

As constituições do período monárquico foram marcadas por concepções liberais, os problemas


económicos e sociais não era um dever do Estado intervir na sua resolução;
A constituição republicana de 1911, mantém a tradição liberal. No entanto, o laicismo e o anti-
clericalismo dominante tiveram como consequência a assunção da educação como dever do
Estado;
A constituição de 1933 é intervencionista num quadro doutrinário corporativista. Política de
protecção à família e de conciliação dos interesses laborais. Era permitido e incentivado o papel da
Igreja Católica na política nacional. O modelo de intervenção social preconizado foi marcado pela
visão de Bismarck, separando claramente os subsistemas de previdência (de seguro obrigatório) e

19
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
de assistência (em que ao Estado competia uma função supletiva em relação à intervenção da
sociedade civil);
A constituição de 1976 foi também intervencionista, mas fortemente influenciada pela perspectiva
marxista quanto ao controlo da economia, social e política. O modelo beveridgeano foi consagrado
através da criação de um sistema de segurança social, serviço nacional de saúde, sistema educativo,
e ainda em cooperação com a sociedade civil e foi perdendo o cunho marxista, nas sucessivas
revisões constitucionais, aproximando-se de outros países da Europa ocidental

2.5.2 – A perspectiva intervencionista na evolução do planeamento


A função planeamento está presente em todos os sistemas políticos contemporâneos, expressando um
quadro normativo que pretende traduzir o querer comum dos respectivos povos.
Assim, pela análise dos sucessivos planos, é possível inferir as representações dos decisores políticos
sobre o modo como concebem as funções económicas e sociais do Estado e, em particular, o seu papel
relativamente à resolução de problemas sociais e económicos.
Em Portugal, o primeiro planeamento foi em 1935 tendo como base a Lei de 1914 que ficou conhecida
por Lei da Reconstituição Económica e que serviu de base para os planos seguintes.
 Primeiro Plano de Fomento (1953-58) intervencionismo económico destinados ao Ultramar
correspondendo a 2% do PNB.
 Segundo Plano de Fomento (1959-64) conceito de pólos de desenvolvimento, regiões onde se iriam
concentrar recursos para promover a modernização do país. (Criação do Banco de Fomento
Nacional)
 Plano Intercalar (1965-67) calcular se o acréscimo de despesas com a defesa obrigaria a recorrer a
empréstimos externos. Observa-se uma preocupação de natureza social, desequilíbrios regionais.
 Terceiro Plano de Fomento (1968-73) medidas de Planeamento Regional.
 Quarto Plano de Fomento (1973-79) suspenso pela revolução de 1974.
 Plano Económico-social (1975) – não entrou em vigor devido aos acontecimentos de 11 de Março.
Constituição de 1976 – perspectiva marxista valorizou o Plano como instrumento básico para construir
a sociedade socialista.
De referir que as preocupações de intervencionismo económico foram anteriores às sociais.

III. GRANDES PROBLEMAS AMBIENTAIS


Gestão da Água:
Introdução:
A água é um bem essencial.
Cobre dois terços da superfície terrestre, mas é escasso devido à desigual distribuição geográfica e
relativa escassez de água doce 3% do total necessário ao consumo do homem. Uma grande parte está
solidificada nos calotes polares, nos glaciares, no subsolo. Só 0,03% está facilmente acessível ao
consumo humano. Os resíduos resultantes das diferentes actividades do homem, ou seja, os efluentes
de origem antropogénica, são descarregados nos diferentes meios receptores, em especial no meio
aquático.
O impacte da descarga destes efluentes são diversos de acordo com a morfologia, hidrodinamismo, o
grau de contaminação e poluição, o nível de eutrofização (nutrientes com fosfatos e nitratos que em
exagero desenvolvem fito plâncton) e a existência de captação de água a jusante do ponto de descarga.
Diferenças entre Conceito de contaminação e Conceito de poluição:

20
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
 Contaminação – presença de concentrações elevadas de uma dada substância no ambiente, que
se situam acima dos níveis de fundo. Originados por causas naturais (erupções vulcânicas);
 Poluição – é de introdução antropogénica directa ou indirecta de substâncias ou energia que
prejudicam os organismos vivos. Descargas residuais que podem ser físicos (sólidos
suspensos), químicos (metais pesados) biológicos (micro organismos patogénicos).

Disponibilidade de água:
Na Europa o consumo irá manter-se mas prevê-se um aumento nos outros países nomeadamente
devido ao aumento do desenvolvimento económico e crescimento da população (Africa, América
Latina, China Sul e Sudoeste da Ásia).
O aumento do consumo da água de 1990 para 2050 é projectado por um factor de 2,12 relativamente
ao uso doméstico e 2,37 para uso industrial, 1,06 para uso agrícola. Estes valores resultam da
combinação do aumento da pressão demográfica com a melhoria na eficácia no consumo.
A quantidade de água disponível tem tendência a aumentar de 6 a 12% devido ao aumento de
temperatura terrestre que ocasiona a fusão da água nas calotes polares. No entanto, existem problemas
graves de escassez nalguma zonas que podem ter implicações na saúde e no bem-estar populacional,
desenvolvimento da agricultura e protecção dos ecossistemas dependentes de recursos aquáticos.
A disponibilidade de água poderá ainda ocasionar conflitos entre países onde rios e outros cursos de
água atravessam fronteiras de diferentes países. Esses conflitos poderão ser evitados se a distribuição
da água for discutida em conjunto. Este facto requer uma metodologia integrada por um conjunto de
factores como, análise por bacia hidrográfica, regulamentação legal, regras administrativas,
mecanismos financeiros, monitorização e controle (exp Portugal e Espanha).
A pressão que homem exerce pode conduzir à redução da quantidade. Podendo ser afectada pela sobre-
exploração de aquíferos e/ou pelo desvio de cursos de água originando a diminuição do seu caudal.
Uma das soluções passa pela dessalinização e pela reutilização da água.

Qualidade da água:
Põe-se em causa a qualidade quando ocorrem fenómenos de eutrofização, ou seja, quando há descargas
pontuais ou difusas de elevadas concentrações de contaminantes e quando ocorre intrusão salina. Deste
modo os impactes negativos na qualidade da água, originam problemas de saúde pública e prejudicam
os ecossistemas, podendo pôr em causa a capacidade de auto-regeneração dos sistemas aquáticos.
Na Europa a implementação de normas regulamentadoras nos sistemas de tratamento de águas
residuais reduziram substancialmente as descargas de nutrientes e matéria orgânica. É previsível que a
quantidade de esgotos contaminados aumente e que as práticas de agricultura intensiva continuem com
a consequente utilização excessiva de fertilizantes, originando a eutrofização das zonas costeiras e
contaminação de aquíferos. Os aquíferos podem ser igualmente contaminados por intrusão salina
devido à exploração de águas subterrâneas ao longo da costa devido a exploração industrial, áreas
urbanas e turismo.
Torna-se necessário tomar uma série de medidas de modo a evitar problemas ambientais mais graves.
Essas medidas passam por aumentar o número de sistemas de tratamento de águas residuais e melhorar
os actualmente existentes e estabelecer redes de protecção das águas interiores superficiais, águas
costeiras e subterrâneas.
Efeito de estufa e alterações climáticas:
O balanço térmico ideal para a manutenção da vida na Terra é proporcionado principalmente pela
presença de vapor de água e dióxido de carbono (CO2) existente na atmosfera. Estes gases absorvem a
21
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
radiação solar infravermelha, emitida pela superfície terrestre impedindo assim que a radiação seja
perdida para o espaço. Este fenómeno natural denomina-se efeito de estufa uma vez que permite
aquecer a superfície terrestre e promove a subida da temperatura da troposfera com consequente
aumento da evaporação e precipitação.
A libertação de CO2 resultante da conversão dos combustíveis fósseis tem sido responsável pela
amplificação do fenómeno nos últimos séculos, em conjunto com outros gases como o metano, os
óxidos de azoto, Cloro-Fluor Carbonetos e ozono troposférico.
Outras actividades humanas como a agricultura, a desflorestação, processos industriais e a deposição
de resíduos em aterros sanitários também contribuem para o efeito de estufa.

Alterações climáticas:
Embora exista uma relação clara entre o aumento da temperatura e emissão de alguns gases que
contribuem para o efeito de estufa, não é possível afirmar com certeza que se trata de uma relação
causa-efeito. No entanto, as mudanças climáticas globais que alguns modelos sugerem, provocarão
alterações no ciclo hidrológico, traduzindo-se por exemplo na fusão das calotes polares, com elevação
do nível dos oceanos e consequente submersão das zonas costeiras, ou modificação dos padrões de
precipitação, provocando inundações ou secas e consequentemente perturbações nos ecossistemas.
Dado que é previsível o crescimento económico estima-se que as concentrações médias globais dos
três gases que mais contribuem para o efeito de estufa se alterem.

Protocolo de Quioto:
O encontro mundial onde pela primeira vez se regulamentaram as emissões de gases com efeito de
estufa foi a III Conferência das Partes da Convenção – Quadro das Alterações Climáticas ocorrida em
Quioto em 1997. Onde vários países assinaram um protocolo no sentido da redução global de 5,2% em
relação aos níveis de 1990.
Permitiu ainda a implementação de mecanismos de mercado denominados “mecanismo de Quioto”, ou
seja o comércio de emissões entre países industrializados e cooperação para o desenvolvimento para a
implementação de mecanismo de tecnologias limpas. Estes mecanismos permitem o comércio de
emissões entre países industrializados. Esta medida permite, por exemplo, a possibilidade de um país
cumprir parte dos seus compromissos, financiando projectos de eficiência energética e / ou retenção de
gases que contribuem para o efeito estufa num outro país, podendo esse primeiro país não necessitar de
reduzir as suas emissões.
No entanto, este protocolo tem algumas limitações, como o facto de não incluir os países em
desenvolvimento que para já estão sem obrigações de redução ou limitação de crescimento de
emissões e de não terem sido criados mecanismos de punição para quem não cumprir o acordo.
O encontro em Buenos Aires 1998:
Plano de acção para 2000 dos quais se destacam (EEA, 1999)
• Os mecanismos de financiamento para apoiar os países em desenvolvimento relativamente aos
efeitos adversos das alterações climáticas, nomeadamente através de medidas de adaptação;
• O desenvolvimento e transferência de tecnologias para os países em desenvolvimento;
• As actividades implementadas conjuntamente;
• O programa de trabalhos dos Mecanismos de Quioto, com prioridade no desenvolvimento de
mecanismos de tecnologias limpas;

Outros encontros se tem seguido, mas os acordos deles resultantes, dado o seu cariz político não se têm
revelado muito eficientes.
22
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
A estratégia eficiente para a minimização deste problema passa pela modificação da quantidade e tipo
de combustíveis fósseis.
Existem várias formas para modificar a utilização de combustíveis fósseis e que se baseiam em três
metodologias:
 Substituição por um combustível fóssil com maior capacidade de retenção de calor e com baixos
teores de carbono e enxofre, reduzindo assim as emissões de gases que contribuem para o efeito de
estufa e para a acidificação (chuva ácida)
 Utilização de energias alternativas (eólica, solar, geotérmica);
 Melhorias na eficiência/conservação de energia, levando a reduções significativas no combustível
gasto.
A redução dos gases que mais contribuem para o efeito de estufa como o dióxido de carbono e o
metano vai igualmente contribuir para a redução de poluentes que ocasionam outros problemas
ambientais como a acidificação, a rarefacção da camada de ozono, bem como a contribuição de forma
generalizada para a melhoria da qualidade de ar.
Torna-se urgente tomar medidas minimizadoras dos impactes, nomeadamente:
Desenvolvimento de culturas resistentes à secura;
Aumento da eficiência dos usos da água;
Evitar a perda e/ou fragmentação de habitats, evitando assim a extinção de espécies;
Efectuar uma reflorestação.

Rarefacção da Camada de Ozono:


O ozono é um gás cuja molécula contém 3 átomos de oxigénio, formada por acção da luz a partir do
oxigénio molecular (O2). As maiores concentrações são na estratosfera formando o que se designa de
camada de ozono. Esta camada funciona como filtro às radiações solares ultra-violeta B prejudiciais à
fauna, flora e saúde humana, sendo responsável pelo desenvolvimento precoce do cancro de pele,
aparecimento de cataratas e diminuição do sistema imunitário.
A libertação destes compostos encontra-se relacionada com diversas actividades do homem como a
desflorestação, o aumento da queima de combustíveis fósseis e a libertação para a atmosfera de CFCs
(aerossóis, espumas, solventes, extintores de incêndio, sistemas de refrigeração dos frigoríficos e
aparelhos de ar condicionado).
A acção antropogénica tem destruído a molécula do ozona originando o composto que lhe deu origem,
oxigénio molecular.
O buraco de ozono é o nome que se dá à rarefacção da camada de ozono observada na Antártida
através do satélite Nimbux 7.

O protocolo de Montreal (1988):


Objectivo alcançar uma redução de 50% na utilização de CFCs (queima de combustíveis fosseis) até
1999. Halons até 1994, tetracloreto de carbono e o metil-clorofórmio até 1996.

Biodiversidade:
A tendência para a diversificação, é uma propriedade inerente à progressão ecológica e à evolução
biológica em geral.

A destruição massiva de espécies ao longo de milhões de anos foram resultado de fenómenos naturais.
No entanto, hoje o ritmo de desaparecimento de espécies é assustador e cuja responsabilidade se
atribui ao homem.
23
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
O uso do fogo, da agricultura, da indústria aliado aos incêndios e chuvas ácidas conduziu ao
desaparecimento de muitas espécies florestais. Assim, cada alteração num ecossistema pode ter
repercussões mais ou menos directas sobre os vários ecossistemas com os quais se relaciona.

Diminuição da biodiversidade
Para além da destruição de habitats, a introdução de espécies exóticas vegetal ou animal podem
provocar desequilíbrio, a contaminação e a exploração excessiva de recursos podem conduzir ao
desaparecimento de espécies.
A contaminação mais frequente é a contaminação de origem química. Produtos como metais pesados,
fertilizantes ou pesticidas, pela sua toxicidade e bio acumulação, tornam-se letais para diversas
espécies de animais e plantas.
A colheita excessiva de plantas endémicas (farmacêuticas ou culinárias), recolha de corais, pesca de
arrasto etc. que muitas vezes fazem parte da economia dos países.
Existe legislação que regulamenta para cada época do ano, as espécies e o número de indivíduos de
cada espécie é legal capturar e comercializar. No entanto os interesses económicos das empresas
multinacionais que dominam este mercado são demasiados grandes para que estas se preocupem em
respeitá-la.
Para lutar contra esta situação, foi assinado em Washington (1973) o Convénio Internacional de
Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestre 8CITES) que incita a cada um dos 23 países a criar
legislação que proteja os seus recursos selvagens.

Biodiversidade aplicada:
A diversidade genética dos seres vivos, deve ser guardada, constituindo-se bancos de genes para
utilização futura. A biotecnologia e a engenharia genética podem contribuir para a criação de novos
organismos transgénicos, com capacidades até então inexistentes. Assim, poder-se-á aumentar a
eficiência de medicamentos naturais e descobrir novas substâncias terapêuticas, criar diferentes modos
de controlo biológico de pragas agrícolas e inventar novos produtos de interesse industrial, mais
baratos e menos tóxicos.

Protecção da biodiversidade:
A preservação da biodiversidade tem um grande impacte social.
Na Conferência do Rio em 1992, saíram resoluções importantes, entre elas, o Acordo Internacional
sobre a Biodiversidade em que os países envolvidos se comprometeram a realizar um inventário sobre
as espécies existentes nos seus territórios.
Sendo os países mais pobres aqueles que dispõe de uma maior diversidade ecológica, têm direito a
benefícios económicos pela transacção dos seus recursos biológicos com terceiros, no entanto os países
compradores, com poder económico, são os que têm em regra geral grandes empresas multinacionais
farmacêuticas, químicas ou agro-alimentares, preferindo tirar partido de um recurso de outrem do que
pagar direitos sobre eles. Neste caso, há que actuar, sendo obrigação da sociedade civil ou das ONGs
fazer valer os direitos e proteger este património genético.

Desertificação e desflorestação:
Introdução:
O homem como Ser racional que é, procura solucionar com proveito próprio os entraves que se
colocam à colonização da terra.
24
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
A instalação de povoações obrigou ao derrube de árvores. A agricultura e o pastoreio exigiram novos e
mais férteis campos para cultivo e pastagens, que se roubaram à floresta.
Como consequência de tudo isto as áreas florestais foram diminuindo, os solos perdendo fertilidade, e
o homem teve de avançar floresta dentro procurando meios de subsistência.
Ainda hoje se verifica em muitos países do hemisfério Sul, onde a necessidade de encontrar meios de
sobrevivência leva as populações que lutam contra a fome à destruição maciça de árvores e países que
pactuam com esta destruição em busca de madeiras exóticas. Segundo a FAO (Food and Agriculture
Organization) das Nações Unidas na década de 80 foram destruídas 155 milhões de hectares de
floresta tropical o que é preocupante.

Floresta e protecção ambiental:


Na América Central e do Sul, Indonésia e Ásia encontram-se florestas luxuriantes que são os pulmões
do planeta e sustento de uma imensa variedade biológica. Absorvem muita quantidade de CO2
contribuindo assim para atenuar a importância das emissões deste gás e equilibrar os teores existentes
na atmosfera.
A queima da floresta deixa o solo desprotegido. A falta de protecção por uma camada de folhagem e
exposição aos raios solares, o solo sofre a erosão e sob influência dos factores climáticos lentamente
transforma-se em deserto. A este processo regressivo em que os ecossistemas tendem para situação de
deserto dá-se o nome de desertificação.

Floresta e biodiversidade:
Madagascar é um caso emblemático, onde a desflroestação tem assumido proporções devastadoras.
Onde outrora se viam encostas verdejantes com uma vegetação luxuriante, vemos hoje colinas
avermelhadas com solos frágeis, expostos à erosão.
Nesta ilha do Pacífico existiam há anos insectos, mamíferos e plantas únicos no mundo. A imensa
riqueza biológica estava outrora protegida por uma floresta tropical. Mas o estabelecimento de colonos
e a colonização francesa até à independência foi desastrosa, trazendo milhares de habitantes que nela
sobreviveram e se instalaram, tendo de cortar e queimar florestas.
Hoje os solos encontram-se esgotados e deixados à mercê de agentes climáticos e existe um deserto.
A autor regulação do planeta proposto nos anos 70, por Lovelock na Teoria Gaia, “até há pouco tempo,
as actividades humanas eram assimiladas pela bio esfera no entanto hoje já não se consegue fazer
frente ao CO2 existente na atmosfera, notando-se o seu aquecimento global”.
Medidas futuras:
Os impactes antropogénicos sobre a floresta são demasiado alarmantes para que não se tome qualquer
atitude. Muitas das soluções que se propõem são político-económicas, mas o problema tem
importância social e ética. Propor que os países do Norte, que têm climas temperados e solos de
melhor qualidade, produzam bens para vender aos países do Sul, a preços baixos, é uma hipótese que
não é fácil de aceitar por uns nem por outros.

Resíduos:
Introdução:
O aumento de resíduos nos últimos 50 anos tomou proporções alarmantes obrigando os indivíduos e os
governos a uma mudança de atitude para além de uma maior responsabilização na sua eliminação e
valorização.

25
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Na Conferência do Rio, 1992, os países desenvolvidos afirmaram ter intenção de reduzir a sua
produção de resíduos assim como o consumo de produtos com componentes tóxicos. Apostando na
redução, reutilização e reciclagem e verificou-se uma maior preocupação em legislar quanto à
qualidade como quantidade.

(RSU) Resíduos Sólidos Urbanos:


Os indicadores financeiros de que dispomos para avaliar o crescimento económico de uma sociedade é
o rendimento disponível das famílias. Assim quanto maior é o rendimento per capita mais se considera
o desenvolvimento de uma determinada sociedade. Aliado ao poder de compra há sempre um
crescimento de consumo e que é uma característica das sociedades modernas.
Em aditamento o marketing publicitário leva as famílias a adquirem produtos que não consomem e que
deitam fora com facilidade e que faz que haja um crescimento dos resíduos urbanos. Em Portugal
231/kg ano em 1991 a mais baixa capitação de RSU da União Europeia.
Nessa altura a eliminação de resíduos e tratamento era em Portugal a mais baixa da Europa sendo a os
resíduos depositados em lixeiras preferencialmente à compostagem (produto final para aproveitamento
agrícola), incineração ou à deposição em aterro sanitário (deposição para degradação natural e lenta
por via biológica até à mineralização). Presentemente verifica-se uma maior preocupação em erradicar
as lixeiras procedendo de forma tão controlada quanto possível ao tratamento dos resíduos urbanos.
As autarquias procedem à recolha selectiva, no sentido de valorizar os resíduos através dos eco-pontos
que posteriormente são tratados em indústrias de reprocessamento dos materiais aí depositados.

Resíduos Industriais:
Distinguem-se dos domésticos pela maior variação na sua composição e pelas quantidades produzidas.
Também pela a variação no seu carácter tóxico dependendo do ramo da indústria e existem alguns que
são classificados de perigosos com características de perigosidade para a saúde e/ou ambiente.
Verifica-se em Portugal uma distribuição heterogénea por distrito sendo a maior incidência no distrito
de Setúbal, devido à elevada concentração de indústrias químicas e à presença de centrais térmicas,
seguido de Aveiro com as indústrias químicas e pasta de papel e Castelo Branco com indústrias
extractivas.
O mais alarmante é o facto dos resíduos serem eliminados por descarga no solo e no subsolo
registando-se uma pequena percentagem de tratamento por incineração.
As indústrias são responsáveis pela produção de resíduos perigosos e emissão de produtos tóxicos
ocasionando contaminações de lençóis freáticos, águas superficiais, atmosfera e cadeiras tróficas,
emissão de gases tóxicos ou pela deposição no solo e no subsolo conducentes à destruição de muitos
ecossistemas.
Ao longo de anos, a eliminação de resíduos perigosos industriais transformou-se numa actividade
altamente técnica, controlada pelos poderes públicos.
O tratamento é feito por dois tipos físico-químicos e incineração. O primeiro é utilizado no tratamento
de resíduos constituídos por metais pesados e ácidos e o segundo destina-se a matérias orgânicas não
bio degradáveis.
Nas incineradoras é possível recuperar energia da combustão para produção de electricidade, mas a
emissão de dioxinas para a atmosfera leva as populações a contestarem a instalação de incineradoras
nos seus perímetros urbanos.
Algumas indústrias têm desenvolvido grandes esforços para a diminuição dos resíduos que produzem,
há alguns resíduos que não podem ser resolvidos no seu interior, sendo muitos destes produtos
recolhidos, armazenados e tratados por indústrias de recuperação. Assim os resíduos de uns podem
transformar-se na matéria-prima de outros.
26
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

Apesar da valorização dos resíduos conduzir a um menor consumo de matérias-primas virgens, os


custos de valorização tornam por vezes os produtos obtidos mais caros que as matérias-primas
provenientes da extracção.

Medidas futuras:
É fundamental dar conhecimentos aos cidadãos, aos industriais, aos políticos sobre as consequências
ambientais das atitudes menos reflectidas ou mais oportunistas que cada um toma. É urgente informar
para que cada um seja responsabilizado preocupando-se em reduzir a quantidade de resíduos que
produz, reutilizar tanto quanto puder os “desperdícios” que causa e por último reciclar e valorizar os
bens que possui.

Instrumentos de Política de Ambiente:


Enquadramento:
Em 1984 foi constituída pela Assembleia-geral das Nações Unidas, a Comissão Mundial para o
Ambiente e o Desenvolvimento (CMAD), como um órgão independente e integrado por 21 países.
Esta Comissão foi criada com o objectivo de:
Reexaminar os problemas vitais do ambiente e do desenvolvimento, e formular propostas de acção
inovadoras, concretas e realistas para tentar “remediá-los”;
Reforçar a cooperação internacional nos domínios do ambiente e do desenvolvimento, bem como
estudar e propor novas formas de cooperação, que possam surgir a partir dos padrões existentes e
influenciar as políticas e os acontecimentos no sentido da mudança necessário;
Aumentar o nível de compreensão e de compromisso dos cidadãos, organizações voluntárias,
empresas, instituições e governos;
A CMAD publicou um relatório em 1987, denominado “O Nosso Futuro Comum”, também conhecido
como “relatório Bruntland”, que introduziu o conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja
satisfazer as necessidades das gerações actuais, sem comprometer as gerações futuras envolvendo a
integração das políticas socio-económicas e ambientais.
O desafio consiste em atribuir aos Organismos da Administração Central, Sectorial e Local a
responsabilidade pelos efeitos das suas decisões, na qualidade do ambiente humano.
Na Conferência das Nações Unidas de 1992 conhecida por Eco’92 teve como objectivos predefinidos a
elaboração de Documentos como a Carta da Terra (princípios de respeito pela Terra), as Convenções
sobre Alterações Climáticas, Biodiversidade e Florestas.
Das três convenções apenas a do Clima e da Biodiversidade foram concretizadas. Na Conferência do
Rio de Janeiro surgiu um documento denominado Agenda 21 com o objecto de preparar para os
desafios do século XXI, e que levou à criação em 1993 da Comissão de Desenvolvimento Sustentável
das Nações Unidas (CDS).
Em 1997 teve lugar a Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas (UNGASS)
denominada “Cimeira Rio + 5” que deveria ser entendida como factor decisivo para a efectiva
implementação da Agenda 21, enquanto Plano Global de Acção para o desenvolvimento sustentável do
Planeta., concluiu-se que os EUA e Alemanha não tinham vontade política para incrementar medidas
de combate à população e por falta de recursos financeiros, o Programa de Cooperação Ambiental das
Nações Unidas ficou praticamente parado.

Estratégias para a implementação da Agenda 21:


De uma maneira geral a integração de políticas ambientais com as económicas e as sociais é
fundamental para a implementação da Agenda 21.
27
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

Assim é necessário modificar as acções do homem que passam pelo seguinte:


Alterar os sistemas intensivos de produção de alimentos para sistemas sustentáveis, que reduzam a
degradação do solo e que preservem os recursos naturais (como água, e a biodiversidade),
garantindo assim o seu uso pelas gerações futuras;
Promover uma gestão integrada da água que balance os consumos da sociedade humana com os
dos ecossistemas e que salvaguarde o abastecimento de água a longo prazo através, i.e., da
minimização do gasto de recursos fósseis de águas subterrâneas e utilizando a água de uma forma
mais eficiente;
Aumentar a eficiência na conversão, utilização e produção de energia assim como na transição da
utilização de combustíveis fósseis para energias alternativas;
Reduzir a utilização intensiva de materiais na produção e consumo, i.e., evitar o esgotamento dos
recursos mantendo o consumo abaixo dos níveis que requerem substituição a longo prazo, no caso
dos recursos não renováveis ou dentro da capacidade de regeneração, no caso dos recursos
renováveis. Estas medidas incluem a redução da produção de resíduos e de emissões de poluentes,
que podem ser efectuadas através da modificação de tecnologias, incentivo à reciclagem ou
substituição de produtos ou processos por outros menos poluentes.

Principais instrumentos de política ambiental para se efectuar a transição ambiental que integre o
ambiente e os processos de decisão económica:
Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) – Procedimento administrativo que garante que, antes da
autorização de um projecto, os seus potenciais impactes significativos sobre o ambiente sejam
satisfatoriamente avaliados e tidos em consideração;
Avaliação Ambiental Estratégica – Procedimento que visa a aplicação da Avaliação de Impacte
Ambiental a politicas, planos e programas. Colmatar lacunas dos AIA evitando que as medidas de
protecção ambiental sejam sugeridas já numa fase tardia de planeamento;
Legislação Ambiental – Regulamentar e proteger por lei o ambiente. A eficiência depende da sua
implementação e fiscalização;
Gestão Ambiental e Auditorias Ambientais – Avaliação da qualidade ambiental de uma empresa
em todos os níveis da sua actividade, por exemplo, consumo de matérias primas, energéticos,
produção de resíduos e emissão de efluentes, qualidade do ambiente de trabalho, iniciativas para a
promoção da qualidade do ambiente. As Normas Internacionais ISSO 14000 visam a aplicação de
sistemas de gestão ambiental e de outros instrumentos relacionados. O regulamento europeu é o
EMAS incide sobre o sector industrial;
Análise do Ciclo de Vida de Produtos (ACV) – técnica de avaliação dos impactes ambientais
associados a um produto ou serviço (desde a extracção de matérias primas ou transformação de
recursos naturais, até à deposição final do produto);
Rótulos Ecológicos – atribuição de rótulos ecológicos a equipamentos que são submetidos a um
licenciamento perante a análise do ciclo de vida do produto, sendo necessário que as empresas
comprovem que na sua composição e fabrico foram seguidos determinados critérios tendo em
conta a preservação do ambiente;
Acordos voluntários – acordos com os governos de cada país no sentido de motivar o tecido
industrial a considerar critérios de natureza ambiental nos seus processos produtivos conduzindo à
implementação de medidas, tanto externas como internas às instalações, considerando a integração
de práticas ou equipamentos de redução da poluição;

28
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Tecnologias limpas – processo de implementação de tecnologias menos poluidoras nas industrias
que tenham em conta a prevenção da poluição e não a utilização de técnicas de despoluição no
final da linha do processo produtivo convencional;
Subsídios – apoios para ajudar a incrementar àqueles que beneficiam as condições ambientais;
Taxas Ambientais – Processo que consiste na incorporação dos custos da poluição e outros custos
ambientais nos preços. Princípio do Poluidor Pagador. Existem três tipos de taxas: taxa por serviço
prestado, taxas de incentivo (redução nos impostos), taxas fiscais ambientais (geram receitas);
Comércio ambiental e implementação conjunta – Fixação total de uma quantidade de poluição
permitida sendo permitido o comércio de emissões entre diferentes países desde que o balanço total
seja mantido.
Saliente-se por último que a globalização do mercado económico coloca em particular um sério
desafio ao desenvolvimento sustentável, dado que privilegia as desigualdades nos níveis de
desenvolvimento e a falta de estruturas efectivas para a governação internacional.

IV. PROBLEMAS DEMOGRÁFICOS


4.1 – Evolução da população mundial:
O primeiro bilião da população humana foi atingido apenas em 1801. Nestes últimos 40 anos a
população do planeta triplicou.

4.1.1 – Evolução da população mundial:


Até ao século XVIII, o crescimento da população foi lento, ainda que a taxa da natalidade fosse
alta, a taxa da mortalidade era também muito alta (derivado à falta de higiene, contracção de
doenças).
De 1750 a 1950 – a melhoria das condições sanitárias, os progressos da medicina, a higiene
contribuíram para a baixa da taxa da mortalidade e o aumento da esperança média de vida.
Consequentemente o aumento populacional incidiu sobretudo na Europa e América do Norte.
1950 Até 1999 – a partir da II Guerra Mundial, nos países menos desenvolvidos verificou-se uma
acentuada melhoria das condições de vida, cuidados médicos e água potável permitindo um
decréscimo de mortalidade e uma elevada taxa da natalidade.
1999 – Foi o ano dos seis biliões com um quantitativo de uma população muito jovem.
De 1999 até 2050 – continuar-se-á a verificar um crescimento da população mundial de acordo
com as projecções da Divisão de População do Departamento de Assuntos Económicos e sociais
das Nações Unidas.

– Causas principais do crescimento demográfico:


1. Estatuto e papel da Mulher centrados na maternidade – A progenitora é considerada como o
meio de se alcançar muitos objectivos da vida quotidiana;
2. Valor da Criança – As crianças são vistas como garante do futuro dos mais velhos, devido à
inexistência de segurança social;
3. Mortalidade infantil elevada – o número de crianças que conseguem sobreviver é reduzido, o que
origina a necessidade de famílias numerosas;
4. Baixo nível educacional da mulher – tende a reduzir a idade média do primeiro casamento;
5. Planeamento familiar reduzido e baixo uso de contraceptivos.

29
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

4.1.1.3 – Consequências principais do acelerado crescimento demográfico


Consequências socio-económicas:
• Maior pressão demográfica;
• Maior urbanização;
• Aumento do desemprego e sub emprego;
• Maior número de pobres;
• Fome e Subnutrição;
• Maiores tensões sociais;
• Recurso à emigração;
Consequências políticas:
• Mudança na composição do eleitorado;
• Surgimento de novas ideologias e de novos partidos;
• Instabilidade política;
• Corrupção;
• Tendência para a formação de governos autocráticos;
• Intervenção das forças militares e de segurança, na governação;
Consequências ambientais:
• Escassez de água potável ou útil em determinadas regiões (provoca desertificação, menor
produção agrícola e maior salinação das terras);
• Redução das florestas;
• Decréscimo da terra de cultivo per capita;
• Aquecimento gradual da atmosfera;
• Mudanças climáticas mundiais em grande escala (subida do nível do mar, aumento de
pluviosidade e aumento das temperaturas).
Face a esta situação que medidas tomar:
• Acelerar o desenvolvimento social e económico;
• Aumentar o controlo das mulheres e dos homens sobre a sua vida, nomeadamente sobre a sua
vida reprodutiva e permitir que gozem os seus direitos humanos fundamentais.

4.2 – Envelhecimento demográfico ou populacional


Assiste-se hoje nas sociedades mais desenvolvidas o fenómeno do envelhecimento demográfico ou
seja aumento da percentagem relativa de indivíduos com 65 e mais anos de idade no conjunto da
população total.
O fenómeno do envelhecimento populacional nos países industrializados começou a acentuar-se na
segunda metade do século XX. Os reflexos nos sistemas sociais e de segurança social dos países mais
ricos do planeta tem justificado que o envelhecimento mereça hoje mais atenção até do que a explosão
demográfica nos países em vias de desenvolvimento.

4.2.2 – Evolução da população por grupos etários nas grandes Regiões:


4.2.2.1 – Mundo:
A proporção dos jovens desde a década de 50 baixou de 34% para 30% enquanto a população com
mais de 60 anos aumento de 8% para 10%.

4.2.2.2 – Regiões mais desenvolvidas:

30
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Em 2050 a população com mais de 60 anos representará 33%, mais do dobro, da proporção de jovens
com menos de 15 anos 15%.

4.2.2.3 – Regiões menos desenvolvidas:


Processo de envelhecimento da população tem sido mais lento. Em 2050 irá assistir-se a um aumento
significativo quase o triplo da população com 60 e mais anos que atingirá 21% enquanto que os jovens
com menos de 15 anos baixarão para 20%.

4.2.2.4 – Evolução do número de indivíduos com 65 e mais anos no total da população mundial:
Existe uma tendência para o envelhecimento da população no Mundo. Sendo mais acentuada nos
países mais desenvolvidos no período entre 1950-2020.

4.2.3 – Causas do envelhecimento demográfico:


O envelhecimento demográfico ou populacional deriva de uma das três razões principais:
1. Envelhecimento natural do topo, resultante do acréscimo da percentagem da população idosa, em
consequência de tendências demográficas endógenas normais. O acréscimo do número de
indivíduos com 65 e mais anos resulta, da baixa da taxa de mortalidade e da mortalidade infantil
com consequente aumento da esperança média de vida, resultado do avanço da medicina e de
melhores condições de vida;
2. Envelhecimento artificial do topo, que acrescenta à primeira, a concentração de idosos em
regiões particularmente atraentes, devido, entre outras causas, às boas condições climáticas e
existência de serviços especializados. A presença e intensidade destes e outros factores exógenos
às normais tendências demográficas, tem por paradigma o caso da Florida – que, por isso mesmo,
tem constituído um verdadeiro laboratório de pesquisa, como antevisão do que virá a ser, a curto
prazo, a estrutura das idades da população dos E.U.A. e as de outros países desenvolvidos, ou
ainda devido ás migrações, quer internas quer internacionais, dado serem os jovens que maior
tendência têm para migrar.
3. Envelhecimento natural na base, resultante da quebra da natalidade característica de sociedades
urbanas e industriais, com a consequente redução progressiva da camada mais jovem, no total da
população.
A baixa da taxa da natalidade resultou de múltiplos factores, como o avanço da medicina, melhores
condições de vida, baixa da mortalidade infantil, maiores habilitações literárias da mulher, maior
participação da mulher na vida activa, ao aumento da idade média à data do primeiro casamento e uso
de métodos de contracepção.

4.2.4 – Consequências do envelhecimento populacional ou demográfico:


4.2.4.1 – Consequências económicas:
O aumento de populações envelhecidas traz consequências a nível económico, político, social e
também a nível individual, quer físico, psíquico e psicossocial.
A nível económico, o aumento da população idosa acarreta maiores custos com a segurança social
(pensões e reformas) com a saúde (hospitais e medicamentos) com a criação de infra-estruturas (lares,
centros de dia). Todos estes encargos financeiros para com o Estado serão suportados por uma
população activa, cada vez mais reduzida, o que implicará uma diminuição na qualidade de vida.

4.2.4.2 - Consequências políticas:


Os idosos terão maior poder eleitoral podendo alterar indirectamente o funcionamento da sociedade e
da economia.
31
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Uma sociedade com menor percentagem de população activa, poderá apresentar certas características:
 Inflação baixa (os eleitores idosos não querem ver as suas poupanças diminuídas pela inflação);
 Taxa de desemprego baixa (devido á queda na proporção de pessoas no activo;
 Criminalidade baixa (os mais velhos não têm tendência a tolerar o crime);
 Baixa tolerância da desordem e do comportamento anti-social;
 Maior aceitação da autoridade no controlo deste tipo de comportamento.

4.2.4.3 - Consequências individuais do envelhecimento:


Quer a nível físico quer a nível individual e social os mais idosos têm maior tendência para se sentirem
mais isolados e excluídos da sociedade.
Consequências físicas:
Com a idade o organismo fica mais debilitado, com menor resistência às doenças e com menor
capacidade para realizar determinadas actividades;
Consequências económicas e sociais
A entrada para a reforma ou dependência de pensões ou subsídios estatais significa para a maioria da
população idosa uma redução dos seus rendimentos. A perda de contacto com a vida activa e produtiva
leva a que muitos se sintam excluídos da sociedade.
Existe por parte dos mais jovens a criação de estereótipos contra os mais idosos, considerando-os
política e economicamente mais conservadores, mais intolerantes, socialmente inúteis e fisicamente
incapazes.

4.2.5 – Tendências do envelhecimento populacional:


• A maioria da população com 60 ou mais viverá em países mais desenvolvidos;
• O maior acréscimo da população com 60 e mais anos dar-se-á nos países menos desenvolvidos;
• Feminização da população envelhecida;
• Aumento do número de pessoas com 80, 90 e 100 anos;
• Redução do número de activos por cada idoso;

4.2.6 – Possíveis estratégias de intervenção:


• Fomentar a natalidade com recurso a políticas natalistas;
• Aumentar a idade da reforma;
• Redefinir o papel e imagem do idoso;
• Educar para a vida na terceira idade;
• Criar medidas para apoio de idosos na vida activa;
• Promover acções de formação para os idosos;
• Reintegrar os idosos na vida activa;
• Fomentar a participação de idosos em regime de cooperação com países em desenvolvimento.

4.3 – Migrações:
Desde sempre que o homem se tem movimentado de um local para o outro na busca de melhores
condições para a sua sobrevivência (melhores terras, melhor clima, melhores acessibilidades, etc…
Contudo foi a partir do século XVI que se deram os maiores movimentos.

4.3.1 - Classificação das migrações:


Por migração, entende-se o movimento de uma população, temporário ou permanente, de um local
físico para outro.
32
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

4.3.1.1 – Migrações internas


Entendem-se os movimentos definitivos ou sazonais das populações dentro de um país, território ou
área restrita.
Classificações das migrações internas:
Definitivas, como o êxodo rural (saída dos campos para as cidades);
Sazonais, constituídas por grupos organizados de pessoas em resposta a ofertas de trabalho fora
das suas regiões habituais de residência durante determinados períodos do ano.
Causas das migrações internas:
Ordem económica – de natureza laboral (desemprego, sub emprego, baixos salários).
Ordem não económica – podem ser de vária natureza:
Ecológica (escassez de água potável, maior rigor do clima, infertilidade
das terras);
Sociais (conflitos, dificuldades de comunicação; inexistência de infra-
estruturas tais como centros de saúde, escolas etc.)

Consequências das migrações internas:


A crescente urbanização que trará sérios e vários níveis de problemas:
1. Ao nível demográfico – desertificação do interior e zonas rurais contribuindo para o
envelhecimento dessas regiões e consequentemente um aumento da densidade populacional nas
áreas urbanas;
2. Ao nível familiar – abandono de mulheres, crianças e idosos, enquanto os homens vão para as
cidades;
3. Ao nível social – desemprego ou sub emprego, baixos salários, bairros com precárias condições
de vida, tensões sociais e pressão sobre os sistemas de prestação de serviços.

4.3.1.2 - Migrações Internacionais:


São movimentos populacionais que ocorrem entre países.
Emigrante é o indivíduo que sai do seu país para ir trabalhar noutro, chegado ao destino chama-se
imigrante.

Migrações internacionais. Alguns factores:


Natureza das motivações, que podem ser políticas (guerras, revoluções perseguições étnicas ou
religiosas) e migrações económicas (desemprego, salários baixos, más condições de vida);
Distância percorrida, poderá ser transoceânica ou de curtas distâncias;
Duração de permanência – poderá ser definitiva ou temporária (migrações sazonais, anuais ou
plurianuais – contratos por temporada;
Duração do fluxo, que está relacionado com a conjuntura económica e/ou por decisões políticas
dos países de origem e de destino;
A estrutura familiar dos grupos migrantes, tendendo a reflectir-se nos respectivos comportamentos,
consoante a emigração seja de curta ou longa distância;
As qualificações dos migrantes que poderá facilitar a sua entrada e integração socioprofissional nos
países de destino;
Proximidade cultural entre os migrantes e a população anfitriã (língua, etnia, cultura).
Causas das migrações internacionais:
33
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
 Ordem económica – natureza laboral (desemprego, baixos salários, etc);
 Ordem não económica – políticas (guerra, perseguições, revolução,) demográficas (maior
densidade populacional), sociais (falta de infra-estruturas), religiosas/culturais (proibição de
professar outros cultos, existência de certas práticas rituais), familiar (reagrupamento familiar),
pessoal (realização profissional, gosto de viver no estrangeiro)
Consequências das Migrações internacionais:
As desigualdades económicas, cada vez maiores, entre os países mais desenvolvidos e os menos
desenvolvidos, e as pressões politicas, ecológicas e demográficas, levam a que cada vez um maior
número de indivíduos procure outros países.
Consequências para o Pais de destino:
Ordem económica: aumento da população activa e o aumento de população menos qualificada (para
realizar tarefas que os naturais não queiram desempenhar);
Ordem demográfica: rejuvenescimento das suas populações;
Ordem socio-política – surgimento de sentimentos de xenofobia e racismo por parte das populações
anfitriãs.
Consequências para os países de origem:
Ordem económica – contribuição financeira dos seus emigrantes através do envio de remessas,
redução da população activa qualificada;
Ordem demográfica – envelhecimento das suas populações (são os jovens que mais emigram);
Ordem social – abandono de mulheres e crianças, contacto com outras culturas e tradições que poderão
levar à extinção de determinadas práticas tradicionais ou adopção de práticas novas, como por
exemplo, maior recurso às técnicas de planeamento familiar.
Tendências das migrações internacionais para os próximos 20 anos:
Globalização das Migrações – tendência para que um maior número de países seja afectado ao mesmo
tempo por movimentos migratórios (possível implementação de medidas restritivas);
Crescimento das Migrações – tendência para que o volume dos movimentos migratórios se torne cada
vez maior;
Indiferenciação das Migrações – Inicialmente eram só de um tipo trabalhadores sou refugiados. Hoje,
assiste-se a movimentos de vários tipos que se tornam um obstáculo à tomada de medidas restritivas,
por envolverem critérios diferentes;
Feminização das Migrações – hoje assistem-se a movimentos de migração feminina, por exemplo as
mulheres turcas precedem os maridos na emigração para a Alemanha.
Processo migratório internacional: o modelo das 4 fases
Etapa temporária;
Prolongamento da estada;
Reagrupamento familiar;
Fixação permanente.
4.4 – Políticas demográficas ou políticas da população:
“Para além dos números, importa que saibamos ver uma realidade humana em devir. Ao caracterizar
a dinâmica de um grupo, ficamos aptos a discernir as evoluções prováveis. A história do próximo
século vai depender, antes de mais, das inflexões produzidas na fertilidade humana, ou seja, dos
objectivos de todos nós.”
Jacquard, 1994
4.4.1 – Evolução da população mundial:

34
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Enquanto os países mais desenvolvidos, evidenciam uma tendência para um decréscimo do seu
efectivo populacional, nos países menos desenvolvidos verifica-se uma situação inversa, ou seja, as
suas populações terão um peso cada vez maior no total mundial.
O diferente crescimento entre estas duas grandes regiões deve-se, sobretudo, à variação da
fecundidade. Para alterar esta situação, os estados podem servir-se das políticas demográficas ou da
população que melhor se adeqúem às características e necessidades dos seus países.

4.4.2 – Politicas demográficas. O que são?


Entende-se por políticas demográficas, o conjunto de medidas tomadas pelas entidades
governamentais, que de forma directa ou indirecta, visam alterar a evolução da população. Estas
alterações do movimento da população podem ser feitas com base nas áreas do processo populacional,
ou seja:
 Área da natalidade (é nesta área onde as políticas têm mais incidido e onde os governos mais
intervêm);
 Área da mortalidade – políticas de melhores condições de vida, água potável, saneamento básico;
 Área das migrações – variam com as características demográficas dos países, ou seja, em função
do seu grau de desenvolvimento.

4.4.2.1 – Políticas demográficas ou da população na área da natalidade:


As políticas na área da natalidade têm como principal objectivo alterar o volume dos nascimentos, para
o aumentar, manter ou baixar:
Políticas natalistas – aumento da taxa da natalidade (benefícios fiscais, infra-estruturas sociais,
apoio à maternidade, proibição do aborto, área laboral – horários especiais, propaganda
anticoncepcional i.e. França);
Políticas anti-natalistas ou neomalthusianas – diminuição da taxa da natalidade (i.e. china limitou a
idade dos casamentos uma política de filho único);
Políticas de neutralidade – cujos resultados variarão de acordo com as circunstâncias de cada país.
Caso do Canada e Austrália, aumento da população activa e rejuvenescimento demográfico com as
políticas de emigração.

4.4.2.2 – Politicas anti-natalistas ou neumalthusianas:


Estas medidas podem ser directas ou indirectas:

Condições Exemplos de Politicas


prévias para a Directas Indirectas
obtenção dos
efeitos desejados
Escolha  Alargar os direitos das mulheres;  Promover a educação;
35
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

Racional  Aumentar a idade legal à data do  Promover o diálogo entre os


primeiro casamento da mulher. conjugues na tomada de decisões
sobre o número de filhos
pretendidos e o intervalo entre eles.
Promoção das Medidas incentivadoras: Medidas Incentivadoras:
famílias  Subsidiar as famílias para que não  Aumento das oportunidades
tenham filhos; educacionais para as mulheres;
pequenas
 Dar prioridade no emprego, na  Aumento das oportunidades no
habitação e educação às famílias mercado de trabalho para as
pequenas. mulheres.
Medidas Dissuasoras: Medidas Dissuasoras:
 Aumento dos impostos às famílias  Adopção de legislação a proibir
por cada filho adicional; o trabalho infantil;
 Maiores custos com a maternidade e  Educação obrigatória para as
educação por cada filho adicional. crianças;
 Campanhas de estigmatização
social.
Meios  Legalização do aborto;  Realização de campanhas
disponíveis para  Legalização da esterilização públicas para divulgação e
feminina e masculina; promoção do planeamento familiar;
limitar o
 Legalização de outras formas de  Políticos a favor do planeamento
tamanho das controlo da fecundidade; familiar.
famílias  Distribuição gratuita de meios de
contracepção.

4.4.2.3 – Politicas sem intervenção específica na área da natalidade, politicas de


imigração:
Face à baixa taxa de natalidade e ao consequente envelhecimento populacional, alguns países adoptam
medidas populacionistas inserindo-se no âmbito das políticas da imigração; permitindo o aumento do
seu efectivo populacional com o aumento da natalidade, acréscimo da população activa e
rejuvenescimento demográfico, uma vez que quem imigra, maioritariamente são os jovens.
Políticas que podem influenciar as migrações:
• Factores profissionais – limitar ou facilitar a entrada de mão-de-obra qualificada e ao mesmo
tempo, a não qualificada destinados a ocupações que os naturais tendem a rejeitar;
• Factores sanitários – recusando indivíduos pelo seu cadastro criminal, controlos sanitários
impedindo a entrada de indivíduos portadores ou potenciais portadores de determinadas doenças;
• Factores étnicos e raciais – adoptando medidas a beneficiar determinadas etnias em detrimento
de outras.

4.4.3 – Conferências mundiais sobre a população:


Foram organizadas pela Organização das Nações Unidas até hoje três conferências mundiais sobre a
população:
1. Conferência Mundial de Bucareste (1974)
2. Conferência Internacional do México sobre a População (1984)
3. Conferência Internacional do Cairo sobre a População e Desenvolvimento (1994)
As três partem da premissa de que o crescimento da população é um potencial obstáculo ao
desenvolvimento económico e que o bem-estar das populações passa por uma estratégia de limitação
36
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
do crescimento populacional. A prioridade em consenso foi a redução da moralidade, ainda que o seu
decréscimo provoque uma maior pressão demográfica. A conferência do Cairo introduziu a
importância social atribuída às mulheres e aos direitos da saúde reprodutiva. A promoção da
participação dos homens como parceiros capazes de dar apoio.

V. GLOBALIZAÇÃO ECONÓMICA:
5.1 - Introdução:
Principais conceitos usados na análise dos determinantes da globalização, moldura básica necessária
para a compreensão das relações entre globalização, desnacionalização e vulnerabilidade externa. O
argumento central é que o processo de globalização económica provoca relações mais complexas e
profundas de interdependência entre economias nacionais e, no caso de alguns países (Brasil, - e
toda a América Latina) essas relações levam à consolidação ou ao agravamento de uma situação de
vulnerabilidade externa.
A entrada “desqualificada” de abertura ao capital estrangeiro provoca uma desnacionalização
agravando a vulnerabilidade externa da economia. A entrada de empresas de capital estrangeiro (ECE),
transnacionais, por virem acompanhadas de extraordinárias fontes internas de poder e principalmente
de fontes externas de poder.
IED - O Investimento Externo Directo refere-se a todo o fluxo de capital estrangeiro destinado a uma
empresa (residente) sobre a qual o estrangeiro (não-residente) exerce controlo sobre a tomada de
decisão.
ECE – Empresas de Capital Estrangeiro – empresa matriz (não residente), da filial ou subsidiária
(residente) no país. É uma empresa internacional, multinacional, transnacional.

5.2 – Da internacionalização á globalização


A globalização pode ser definida como a interacção de três processos distintos que têm ocorrido ao
longo dos últimos vinte anos e afectam as dimensões financeira, produtiva, comercial e tecnológica
das relações económicas internacionais.
1. A expansão extraordinária dos fluxos internacionais de bens, serviços e capitais;
• Refere-se à expansão extraordinária dos fluxos internacionais de bens, serviços e capitais.
Nos fluxos de capitais, os dados mostram que os empréstimos internacionais mais o
investimento de acções em bolsa aumentaram 400 biliões em 1987 para 1,6 triliões de
dólares em 1996. Os fluxos de capitais em todos os mercados compõem o sistema
financeiro internacional (títulos, acções, empréstimos, financiamentos, moedas e
derivados).
• Globalização na esfera produtiva – refere-se sempre que um país que tem acesso a bens e
serviços com origem noutros países, que ocorre por meio do comércio internacional,
investimento externo directo e relações contratuais. Em termos de inserção produtiva dos
países no sistema económico internacional, os mecanismos relevantes são o investimento
externo directo e as relações contratuais. As exportações e as importações são formas de
inserção comercial no sistema económico mundial.
• Investimento externo directo significa que um agente económico estrangeiro actua na
economia nacional por meio de subsidiárias ou filiais, enquanto as relações contratuais
permitem que agentes económicos nacionais produzam bens ou serviços que têm origem
no resto do mundo. Os contratos de transferência de know-how, marcas, patentes,
franquias, parcerias e alianças estratégicas são os exemplos mais comuns.

37
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
2. A concorrência desenfreada nos mercados internacionais;
• Ou seja o acirramento/agitação da concorrência internacional. A competitividade
internacional na agenda da política económica dos países sugere que há uma rivalidade
cada vez maior no sistema económico mundial. Manifesta-se numa maior disputa por
transacções financeiras internacionais envolvendo um maior número de bancos e
instituições financeiras não bancárias. O maior banco de investimentos dos EUA é o
Merrill Lynch que ocupou o primeiro lugar na emissão internacional de títulos.
• Os investimentos em Bolsa com bases geográficas, são efectuados por investidores que
podem actuar por meio de instituições financeiras internacionais ou, então, directamente
nos mercados nos quais têm interesse. Estes centros de investimento, mercados
emergentes, situam-se em Singapura e Hong Kong, S. Paulo e Cidade do México e
Varsóvia e Budapeste na Europa.
3. A maior integração entre os sistemas económicos nacionais ou seja crescente integração dos
sistemas económicos nacionais.
• Este processo manifesta-se quando no caso da globalização financeira, uma proporção
crescente de activos financeiros emitidos por residentes está nas mãos de não-residentes e
vice-versa. Ou seja o indicador é o diferencial entre as taxas de crescimento das
transacções financeiras internacionais e nacionais.
• Participação de títulos estrangeiros na carteira dos fundos de pensões norte-americanas.
Durante o final do século XIX o contra movimento proteccionista atingiu as transacções internacionais
das mercadorias estratégicas, durante este período do nacionalismo liberal transformava-se um
liberalismo nacional, com os seus mercados apoiando-se no proteccionismo e no imperialismo na área
externa e no conservadorismo monopolista na área interna.
A especificidade da globalização económica no final do século XX consistiu na simultaneidade dos
processos de crescimento extraordinário dos fluxos internacionais, “acirramento” da concorrência no
sistema internacional e integração crescente entre os sistemas económicos nacionais.
Contudo, esse processo ocorre sem o contra movimento proteccionista, intervencionista e regulador,
que marcou, por exemplo, o final do século XIX. Essa especificidade é particularmente importante e
merece um nome específico: globalização.

5.3 – Determinantes da globalização:


Os determinantes da globalização podem ser agrupados em três conjuntos de factores:
1. Tecnológicos
• Desenvolvimentos tecnológicos associados à revolução informática e das
telecomunicações. Redução dos custos operacionais e dos custos de transacção numa
escala global.

2. Institucionais
• Envolve factores de ordem política e institucional vinculados à ascensão das ideias liberais
na década de 80, Tatcher e Reagan. O resultado dessa ascensão foi uma onda de
desregulamentação do sistema económico à escala global., no entanto na década de 70 a
pressão para uma maior liberdade forçou a ruptura do sistema de Bretton Woods que foi
acompanhada da instabilidade de taxas de juros e câmbios. Assim, a liberdade de escolha,
diante de opções políticas e ideológicas mais liberalizantes, parece ter desempenhado um
papel coadjuvante no processo de liberalização, tendo em vista a força avassaladora e a

38
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
gravidade da realidade económica, bem como a própria fragilidade e a incapacidade das
elites nacionais de definirem projectos alternativos de ajuste e desenvolvimento.
• Ao longo dos anos 80, os fundos mútuos, as companhias de seguros e os fundos de pensões
dos países desenvolvidos defrontaram-se com a instabilidade das taxas de juros e das taxas
de câmbios o resultado foi uma mudança de orientação na estratégia de diversificação dos
seus recursos, no sentido de uma maior dispersão geográfica.
3. Sistémicos
• Os factores são de ordem sistémica e estrutural. O ponto central reside em ver a
globalização económica como parte integrante de um movimento de acumulação à escala
global caracterizado pelas dificuldades de expansão da esfera produtiva das economias
capitalistas sólidas/maduras. A questão central refere-se ao menor potencial de crescimento
dos mercados domésticos dos países desenvolvidos, ricos em capital, isto é, trata-se do
problema clássico de realização do capital. Como resultado, há um deslocamento de
recursos da esfera produtiva para a esfera financeira e, portanto, um efeito de expansão dos
mercados de capitais domésticos e internacional.
No início dos anos 80, após o período de crise (estagnação e inflação) dos anos 70, a situação das
economias capitalistas “maduras” era particularmente difícil.
As economias capitalistas desenvolvidas defrontavam-se com quatro respostas básicas para sair da
crise de acumulação
1. Saída keynesiana
Com políticas fiscais expansionistas e défices públicos. A expansão dos investimentos públicos é uma
das principais formas de realizar essa saída da crise. Entretanto, essa saída tem retornos decrescentes
na medida em que os défices públicos recorrentes provocam o crescimento da dívida pública interna e
acabam mais tarde por gerar políticas monetárias restritivas.
2. Saída schumpeteriana
De indução do processo de destruição criadora, por meio do qual se promove uma nova onda de
inovações tecnológicas e organizacionais capaz de aumentar os gastos (consumo e investimento). No
entanto, do ponto de vista da procura interna pode ocorrer que esse processo provoque mais destruição
do que criação ou seja as inovações tecnológicas e organizacionais podem poupar a mão-de-obra e
acaba por reduzir a massa de salários na economia. Assim temos o conhecido “mecanismo do
acelerador” por meio do qual o maior crescimento da procura provoca aumento dos investimentos.
3. Distribuição do produto e riqueza
Ainda que essa resposta seja muito mais efectiva em economias atrasadas, com populações pobres e
enormes desigualdades, ela pode ter algum impacto nas economias desenvolvidas. O problema central
é de natureza política.
4. Mercado externo
Tentam transformar as exportações na “locomotiva” da economia nacional. Nesse sentido as
economias avançadas devem alcançar uma trajectória de crescente competitividade internacional, as
restrições pelo lado da procura externa são também cada vez maiores, considerando o lento
crescimento da economia mundial, as suas flutuações cíclicas e as ondas de proteccionismo.
O processo de globalização dos últimos anos tem servido para interromper e, eventualmente, reverter a
tendência da queda das taxas dos lucros nas economias capitalistas desenvolvidas entre o início dos
anos 70 e 80 – período de estagnação. O processo de globalização por meio da abertura e exploração
dos mercados externos – tem permitido uma recuperação das taxas de lucro.

39
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Na realidade, a saída preferencial usada pelas economias capitalistas desenvolvidas desde o início dos
anos 80 tem sido aquela que procura maior acesso aos mercados internacionais de bens, serviços e
capitais. Essa estratégia surge como reacção à insuficiência de procura interna nos países capitalistas
desenvolvidos, sendo activamente promovida por governos e empresas transnacionais. Portanto, a
insuficiência da procura colectiva nos países desenvolvidos constitui-se no mais importante e
determinante fenómeno da globalização económica deste final de século.

5.4 – Capital estrangeiro e poder:


O conhecimento sistemático das fontes ou dos elementos da base de poder de empresas de capital
estrangeiro (ECE) é fundamental não somente para uma melhor compreensão da distribuição dos
benefícios entre as ECE e os países, mas também em ajudar a entender a razão porque as ECE são
capazes de ter determinados efeitos sobre as economias nacionais.
Há três diferentes formas de exercício de poder nas ECE: coacção, autoridade e influência
1. Coacção existe quando o consentimento é baseado na privação física, ou a ameaça de privação
física;
2. Autoridade refere-se a consentimento legitimado;
3. Influência é um termo residual, referindo-se a um consentimento não-legitimado e não coercivo.
O papel das ECE como um agente de “mobilização de viés”, isto é, não se deixa de lado os efeitos das
ECE sobre a tomada de “não-decisão”. A não-decisão é uma decisão que resulta na supressão ou
impedimento de um desafio latente ou manifesto para os valores ou interesses do tomador de decisões.
A tomada de não-decisão pela ECE parece ser significativo quando se considera a capacidade dessas
empresas de influenciar ou moldar percepções e preferências por meio dos tipos de bens e serviços
fornecidos, assim como pelo uso dos meios de comunicação de massa.
As fontes ou elementos da base de poder de ECE são divididas em dois tipos: externas e internas
1. As fontes externas são derivadas de elementos fora do controlo dos países receptores do IED
(investimento externo directo), de modo que o governo tem pouca, se alguma probabilidade de
mudar esses elementos. Assim, estes podem ser vistos como parâmetros na análise do papel
político das ECE.
2. As fontes internas de poder podem, até certo ponto e sob certas circunstâncias, ser colocadas sob
o controlo dos governos dos países receptores e, consequentemente, vistas como variáveis a
serem usadas para reduzir o poder das ECE.
É difícil definir um elemento da base de poder das ECE como externo ou interno. Além disso, esses
elementos nem sempre são independentes uns dos outros, já que a própria existência de um elemento
externo pode criar condições para o aparecimento de um elemento interno.
No que se refere às fontes internas de poder das ECE pode-se mencionar:
• A estrutura do mercado interno
• Controlo de associações patronais
• Liderança de mercado
• Acesso aos decisores governamentais
• Efeito fiscal
• Padrões de associação com grupos industriais e financeiros locais
• Interligação de administrações/direcções
• Conexões políticas locais
• Padrão ideológico hegemónico
• Influência do nacionalismo
40
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
• Conjuntura política
• Disponibilidade de formas alternativas de internacionalização da produção
• Importância estratégica dos bens e serviços produzidos
• Potencialidade do mercado interno
• Controlo e uso dos meios de comunicação
• Controlo e uso dos meios de comunicação
• Níveis de alfabetização/educação/formação profissional do país receptor
• Atitudes culturais
• Coerência da política governamental
• Natureza das políticas públicas (comercial, cambial, financeira)
• Institucionalidade (aparelho repressivo/coercivo do Estado)
• Grau de desnacionalização, e vulnerabilidade externa do país
Uma parte substantiva das fontes internas mencionadas também se aplica ao caso das empresas
privadas nacionais, particularmente aos grandes grupos económicos nacionais.
Quanto mais importantes forem os recursos da propriedade das ECE, maior tende a ser a sua
capacidade de usar diferentes métodos para controlar mercados, criar poder económico e,
consequentemente, poder político.
A especificidade das ECE está de facto nas fontes externas de poder.

5.5 – Fontes externas de poder:


1. Capacidade de mobilização de recursos à escala global
• As ECE deslocam recursos de uma subsidiária para outra, de um país para outro. Podem
realizar uma política de dumping em qualquer mercado específico por um longo período
usando os recursos obtidos noutros mercados e países. Assim, as ECE podem usar
subsídios cruzados como uma táctica para controlar mercados, geram poder económico e
poder político;
2. Grau de integração do sistema matriz-filiais
• É uma maior flexibilidade no uso dos mecanismos dos preços de transferência, realizando
a sua própria vontade apesar da resistência do país receptor. Operam em mercados de
concorrência monopolista, onde as políticas de controlo de preços de transferência têm
uma baixa eficácia.
3. Assimetria da informação
• Possuem informações sobre a situação e perspectivas a respeito de produtos e mercados
que não estão disponíveis.
4. Estrutura do mercado à escala global
• Tendem a aumentar o poder de comercialização menos claro das ECE. A rivalidade entre
os competidores afecta a conduta das ECE que entram como conluios no mercado
internacional ou mesmo num mercado nacional específico.

5. Interdependência à escala global


• A natureza da concorrência oligopolista ou monopolista pode restringir a rivalidade por
meio da moderação ou cooperação, como uma táctica para controlar mercados e também
para criar solidariedade, reciprocidade e, consequentemente, uma comunidade de interesses
no plano internacional.
6. Concentração segundo a origem

41
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
• Deve-se esperar maior probabilidade de acordos formais ou informais quando há um grau
mais elevado de concentração do país de origem das ECE. Semelhantes heranças sócio-
culturais de executivos tendem a aproximá-los, aumentando a probabilidade de acordos e
de acção comum. A existência de Câmaras de Comércio como um espaço de discussão e
instrumento de pressão, mostra a importância da origem comum do capital estrangeiro.
7. Importância relativa do país receptor
• O poder das ECE num determinado país está inversamente relacionado com a importância
relativa do país receptor no cenário internacional. As ECE correm mais riscos quando estão
dispersas entre vários países do que quando se concentram em apenas alguns.
8. Dinâmica da inovação tecnológica
• As ECE caracterizam-se por um dinamismo tecnológico, pois maior tende a ser o poder de
intervenção económica das ECE num pais isoladamente.
9. Concentração do desenvolvimento tecnológico
• A intervenção dos proprietários de tecnologia é uma fonte de pressão, pois pode levar a
uma maior vulnerabilidade externa dos países na sua dimensão tecnológica como nas
relações internacionais. Pode-se chegar mesmo a uma situação de apartheid tecnológico,
eventualmente provocado por governos que fortaleçam o poder de intervenção/ acção das
ECE.
10. Política externa do governo do país de origem
• As ECE tendem a influenciar a política externa dos governos dos seus países de origem
para obter vantagens nos países receptores. Podendo variar da protecção diplomática às
operações militares.
11. Marco jurídico e institucional no sistema internacional
• As ECE podem apelar de forma directa ou indirecta para elementos externos de natureza
institucional podendo ampliar o seu poder. Estes elementos referem-se a princípios,
normas, procedimentos que se encontram nos acordos internacionais, nas organizações
multilaterais e nos procedimentos dos tribunais de arbitragem. É razão porque desde 1995
há uma forte resistência à criação do Acordo Multilateral de Investimentos (AMI) no
âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O
objectivo central do AMI é definir um conjunto de direitos para as ECE e, por outro lado,
restringir o grau de manobra de governos na direcção da regulamentação dessas empresas.

5.6 – Os consumidores e a globalização:


Num tempo em que as campanhas eleitorais se mudam dos comícios para a televisão, das polémicas
doutrinárias para o confronto de imagens e da persuasão ideológica para as pesquisas de marketing,
embora ainda nos interpelem como cidadãos é mais fácil e coerente sentirmo-nos convocados como
consumidores.

5.6.1 – Do Nacional ao global


Pode-se perceber o carácter radical destas mudanças examinando a maneira como o significado de
certas expressões do senso comum foi variando até não terem nenhum sentido.
As lutas de gerações a respeito do necessário e do desejável mostram outro modo de estabelecer as
identidades e construir a nossa diferença.

42
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Vamo-nos afastando da época em que as identidades se definiam por essências a-históricas:
actualmente configuram-se no consumo, dependem daquilo que se possui, ou daquilo que se pode
chegar a possuir.
Nos séculos XIX e XX a formação de nações modernas permitiu transcender as visões “aldeãs” dos
camponeses, e ao mesmo tempo evitou que nos dissolvêssemos na vasta dispersão do mundo.
As culturas nacionais pareciam sistemas razoáveis para preservar, dentro da homogeneidade industrial,
certas diferenças e certo enraizamento territorial, que mais ou menos coincidiam com os espaços de
produção e circulação dos bens.
O valor simbólico de consumir “nosso” era sustentado por uma nacionalidade económica, a procura de
marcas estrangeiras era um recurso de prestígio se bem que por vezes era uma opção por qualidade.
No entanto hoje, os objectos perdem a relação de fidelidade com os territórios de origem. A cultura é
um processo de montagem multinacional, uma articulação flexível de partes, uma colagem de traços
que qualquer cidadão de qualquer país, religião e ideologia pode ler e utilizar.
O que diferencia a internacionalização da globalização é que no tempo de internacionalização das
culturas nacionais era possível não se estar satisfeito com o que se possuía e ir procurá-lo noutro lugar.
A internacionalização foi uma abertura das fronteiras geográficas de cada sociedade para incorporar
bens materiais e simbólicos das outras. A globalização supõe uma interacção funcional de actividades
económicas e culturais dispersas, bens e serviços gerados por um sistema com muitos centros, no qual
é mais importante a velocidade com que se percorres o mundo do que as posições geográficas a partir
das quais se está agir.
As manifestações culturais foram submetidas aos valores que dinamizam o mercado e a moda: o
consumo incessantemente renovado, a surpresa e o divertimento. As decisões políticas e económicas
são tomadas em função das seduções imediatistas do consumo, o livre comércio sem memória dos seus
erros, a importação desenfreada dos últimos modelos que nos faz cair, uma e outra vez, como se cada
uma fosse a primeira, nesse consumismo.
A maneira neoliberal de fazer a globalização consiste em reduzir empregos para reduzir custos,
competindo entre empresas transnacionais, cuja direcção tem origem a partir de um ponto
desconhecido, de modo que os interesses sindicais e nacionais quase não podem ser exercidos. A
consequência é que mais de 40% da população das sociedades em vias de desenvolvimento se encontra
privada de trabalho estável e de condições mínimas de segurança.

5.6.2 – A cidadania numa época de consumo:


Quando admitimos a globalização como uma tendência irreversível, também é necessário ter em
atenção que partilhamos algumas suspeitas quanto ao modelo:
• Primeiro, existem muitas dúvidas fundamentadas que o global se apresente como substituto do
local.
• Segundo, os últimos acontecimentos mundiais, nomeadamente a reunião do OMC, fragilizou
completamente a ideia que o modo neoliberal de nos globalizarmos seja o único possível.
O crescimento vertiginoso das tecnologias audiovisuais de comunicação provocou a mudança do
desenvolvimento do público e o exercício da cidadania. Desiludido com as burocracias estatais,
partidárias e sindicais, o público recorre à rádio e à televisão para conseguir o que as instituições
públicas não proporcionam: serviços, justiça, reparações ou simples atenção.
A aparição destes meios põe em evidência uma reestruturação geral das articulações entre o público e
o privado que pode ser percebida também no reordenamento da vida urbana, no declínio das nações

43
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
como entidades que comportam o social e na reorganização das funções dos actores políticos
tradicionais.

5.7 – O novo cenário sociocultural perante a Globalização:


As mudanças sócio-culturais que estão a ocorrer podem ser sintetizadas em cinco processos:
1. Um redimensionamento das instituições e dos circuitos de exercício do público: perda de peso
dos órgãos locais e nacionais em benefício dos conglomerados empresariais de alcance
transnacional;
2. Reformulação dos padrões de ordenamento e convivência urbanos: do bairro aos condomínios,
das interacções próximas à disseminação policêntrica da mancha urbana, sobretudo nas grandes
cidades, onde as actividades básicas (trabalhar, consumir, estudar) têm lugar, frequentemente,
longe do lugar de residência e onde o tempo empregue para se deslocar por lugares
desconhecidos da cidade reduz o tempo disponível para habitar a própria;
3. A reelaboração do “próprio e do nosso”, devido ao predomínio dos bens e mensagens
provenientes de uma economia e uma cultura globalizadas sobre aqueles gerados na cidade e na
nação a que se pertence.
4. A consequente redefinição do lugar de pertença e identidade, organizado cada vez menos por
lealdades locais ou nacionais e mais pela participação em comunidades transnacionais ou
desterritorializadas de consumidores.
5. A passagem do cidadão como representante de uma opinião pública ao cidadão interessado em
desfrutar de uma certa qualidade de vida.
O que é novidade na segunda metade do século XX é que estas modalidades audiovisuais e massivas
de organização da cultura foram subordinadas a critérios empresariais de lucro, assim como a um
ordenamento global que desterritorializa os seus conteúdos e as suas formas de consumo.
Esta reestruturação das práticas económicas e culturais leva a uma concentração hermética das
decisões nas elites tecnológico-económicas e gera um novo regime de exclusão das maiorias
incorporadas como clientes.
As sociedades reorganizam-se para nos fazerem consumidores do século XXI. O direito de ser
cidadão de decidir como são produzidos, distribuídos e utilizados esses bens, restringe-se novamente
às elites. O público é o marco mediático graças ao qual o dispositivo institucional e tecnológico
próprio das sociedades pós-industriais é capaz de apresentar a um público os múltiplos aspectos da
vida social.

VI. SAÚDE, DOENÇA E SOCIEDADE


6.1 – Saúde e promoção de saúde:
Apesar de ser difícil formular a definição de saúde, foi incluída na definição clássica formulada pela
Organização Mundial de Saúde, segundo a qual a saúde é o bem-estar físico, psíquico e social do
indivíduo.

A partir do século XVII, numa perspectiva funcionalista, o modelo de saúde acentua o aspecto curativo
das ciências da saúde, partindo da ideia que o equilíbrio no indivíduo saudável se pode romper quando
adoece, havendo então que reparar a avaria, papel que é confiado aos profissionais de saúde,
nomeadamente médicos e enfermeiros, cujo número passou a ser um indicador de qualidade de
cuidados de saúde.

44
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Segundo o modelo preventivo, prevenção da doença, o importante é evitar que indivíduo adoeça. Aqui
desempenham um papel importante o uso das vacinas, consumo de citrinos para prevenir o escorbuto e
deixar de fumar na prevenção do cancro do pulmão.
Nas últimas décadas do século XX acentuou-se o uso da expressão promoção de saúde, que traduz um
modelo mais alargado de saúde e que abrange atitudes, comportamentos e estilos de vida que se
traduzem no bem estar físico, psíquico e social do indivíduo, contribuindo para evitar a doença ou
outra condição que ponha em risco a vida do individuo.
Nos programas de promoção de saúde destaca-se a necessidade de considerar a população como um
todo. Os indicadores de saúde mais utilizados têm sido o número de médico e enfermeiros por 100.000
habitantes, a taxa de mortalidade geral, a taxa de mortalidade infantil e a esperança de vida.
Os indicadores mostram que o nível de saúde é maior nos países industrializados do que nos países em
vias de desenvolvimento. Uma das tendências que se tem verificado em todos os países é a da
crescente procura de serviços e cuidados de saúde o que faz com que os recursos, mesmo quando
crescem, pareçam sempre insuficientes.

6.2 – Assimetrias no campo da saúde:


6.2.1 – Países desenvolvidos e países menos desenvolvidos:
É nos países menos desenvolvidos que se encontra uma maior percentagem de pessoas atingidas por
doenças infecciosas sendo a SIDA a pior.
A nível geral as principais causas de morte são as doenças cardiovasculares, infecciosas, cancro,
acidentes, respiratórias e do tubo digestivo. Portugal segue a mesma tendência dos países
desenvolvidos.

6.2.2 – Sexo e classe social:


Saúde e doença não se encontram uniformemente distribuídas na sociedade.
Por exemplo a esperança de vida das mulheres em maior do que a dos homens, que têm sido apontadas
causas genéticas, no entanto controversas, mas que tudo indica que a relação tem a ver com o
comportamento da mulher e do homem.
É de notar que existe também um incidência maior nas classes mais baixas causada por um menor
conhecimento de como utilizar os serviços de saúde e como se proteger das doenças mais comuns. O
Inquérito Nacional de Saúde em Portugal mostra que é a classe social com as habilitações literárias
mais baixas. Assim, existe uma relação significativa entre a pobreza e o menor nível de saúde.

6.3 – O problema da SIDA:


SIDA – Síndroma da Imunodeficiência Humana, é uma doença infecciosa causada por um retrovírus o
qual infecta os linfócitos T4, justamente as células que têm por missão conduzir a defesa do organismo
contra as infecções.
Com a debilitação do sistema imunológico, podem surgir diversas doenças, como a tuberculose,
pneumonias, ou o sindroma de Kaposi, tipo de cancro de pele extremamente letal, que dão poucas
hipóteses de sobrevivência ao indivíduo infectado.

Para além do problema da SIDA como doença infecciosa, esta doença tem desencadeado em todo o
mundo reacções de carácter emocional, levando a fenómenos de exclusão social dos indivíduos
infectados, uma verdadeira epidemia social como tem sido designada.

6.4 – As perturbações mentais:


45
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Segundo Gulbinat o aumento de pessoas com perturbações mentais, neurológicas ou de problemas
psicossociais está ligado ao aumento da esperança de vida, crescente número de indivíduos que
atingirá a idade onde o risco é maior
O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, menciona mais de 300 perturbações
especificas, algumas com elevada prevalência, como as fobias, a depressão, as dependências do álcool
e das drogas, as perturbações obsessivo – compulsivas, a esquizofrenia e as psicoses afectivas.
Em Portugal a política no campo da saúde mental está definida na Lei nº36/98 de 24 de Julho, a qual
estabelece que A protecção da saúde mental efectiva-se através de medidas que contribuam para
assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos, para favorecer o desenvolvimento das
capacidade envolvidas na construção da personalidade e para promover a sua integração crítica no
meio social em que vive.
A tendência actual é para evitar internamentos prolongados de doentes mentais. A prestação de
cuidados de saúde mental é promovida prioritariamente a nível da comunidade, de forma a evitar o
afastamento dos doentes do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social.

VII. A EDUCAÇÃO COMO PROBLEMA SOCIAL


7.1 – A nova equação educativa:
Nos primeiros anos do século XX; Durkheim definia educação como uma:
• Acção exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda se não encontram amadurecidas para a
vida social. Ela tem por objectivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de
condições físicas, intelectuais e morais que dela reclamam, seja a sociedade política, no seu
conjunto, seja o meio especial a que ela se destina particularmente.
O fundador da primeira cátedra de Educação e Sociologia da Sorbonne referia a ideia de que a
educação se traduzia num processo unilinear de preparação das novas gerações, pelas mais antigas,
para o exercício de papéis sociais.
Esta convergência de opiniões existia porque até há bem poucos anos, quando se discutia sobre
educação quase todos os interlocutores se referiam ao que hoje se chama formação inicial.
Estava-se numa época em que o ciclo de vida do conhecimento, isto é, o tempo que mediava entre o
momento da sua criação e o da sua morte, era longo, podendo mesmo exceder o ciclo de vida humano.
Assim, considerava-se que os conhecimentos acumulados na primeira parte da vida de um indivíduo
constituíam património cognitivo suficiente para o desempenho dos vários papéis que ele iria ter ao
longo da sua vida.

7.1.1 – A complexificação do conceito de educação:


Hoje, o Futuro entra cada vez mais depressa no Presente sem pedir licença, resultando dai um processo
de mudança acelerada e que segundo Margaret Mead, nos confere o estatuto de migrantes do Tempo
levando outros autores a considerar estarmos a entrar numa espécie de Idade do Ferro Planetária.

Resultante da força conjugada do aumento da esperança média de vida das populações e da redução
drástica do ciclo de vida do Conhecimento, a formação inicial perdeu peso relativo, circunscrevendo-
se à aprendizagem básica de conhecimentos, técnicas e atitudes, susceptíveis de virem alicerçar a
aprendizagem ao longo do resto do ciclo de vida. Em contrapartida regista-se o alargamento da
formação contínua.
Assim, a educação no mundo contemporâneo assume-se como um processo que acompanha o ciclo de
vida humano.
46
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

Existem duas vertentes principais do processo educativo:


1. A educação formal
• É educação que abrange a chamada formação contínua (actualização, reciclagem, extensão
e reconversão) e de formação contínua superior, esta última em contexto académico (pós-
graduação) ou mais direccionada para a investigação e desenvolvimento de unidades
produtivas (formação avançada).
2. A educação não formal
• Existe uma consciência de que a educação institucionalizada, educação formal, não cobre
todas as necessidades educativas assim as necessidades educativas, não formais, foram
agrupadas em dois conjuntos:
1. Uma educação que permita às gerações vivas, não só adaptarem-se à mudança
acelerada da sociedade contemporânea, mas também aprenderem a geri-la em seu
proveito. Educação ambiental, consumidor, media, saúde etc.
2. Educação cívica e comunitária, que apela ao exercício da cidadania e do foro privado
como educação para a democracia e para a solidariedade, educação familiar e educação
intercultural.
O processo de complexificação do conceito de educação que se acabou de esboçar resulta de três
macrotendências da sociedade contemporânea:
1. Tendências para a aceleração da mudança
2. Tendências para assimetrias sociais
3. Tendências para alteração dos sistemas de poder

7.1.2 – Efeitos da mudança na educação:


Numa sociedade de informação, o sistema educativo encontra-se sob o fogo cruzado de variados
críticos.
Os diversos sinais traduzem esse desajustamento:
• No relatório da Comissão Nacional (EUA) para a Qualidade do Ensino (1983),
significativamente intitulado Uma Nação em Risco, refere-se que a presente geração de finalistas
do liceu é a primeira na história da América a concluir o curso com menos conhecimentos do que
os seus pais;
• Em consequência do desajustamento do sistema educativo à mudança, no princípio dos anos
oitenta, os analfabetos funcionais nos EUA variava entre 18 e 64 milhões. Não sabem ler e
escrever suficientemente, nem fazer cálculos simples que lhes sirvam minimamente para a sua
vida quotidiana;
• As taxas de absentismo e de abandono no ensino secundário aumentaram dramaticamente a
partir dos anos 70, tendo como consequência um afluxo crescente de jovens à procura de
primeiro emprego, impreparados para um correcto desempenho de tarefas exigidas na vida
activa;
• Para agudizar a crise, à invasão dos postos de trabalho pelos computadores, obrigando os
titulares a uma familiarização mínima com estas ferramentas da sociedade da informação, o
sistema educativo não conseguiu responder ao mesmo ritmo, correndo-se sérios riscos de estar a
criar uma geração de analfabetos informáticos.
A UNICEF no relatório anual de 1999 refere que 1000 milhões de pessoas vão entrar no século XXI
sem os conhecimentos necessários para ler um livro ou assinar o nome.

47
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Podemos tipificar essas novas necessidades educativas em dois grupos que mutuamente se interligam:
necessidades relacionadas com a adaptação ao processo de mudança e necessidades ligadas à gestão
dos conteúdos dessa mudança (2ª característica do mundo contemporâneo).
1. Aprender adaptar-se à mudança:
O adulto, o jovem e a criança têm necessidade de aprender estratégias adaptativas face ao choque
cultural provocado pelo acelerado ritmo de mudança.
A compressão do Tempo, acelerando o metabolismo social torna imperiosa a aprendizagem da
adaptação aos novos ritmos de vida através da racionalização de processos de decisão cada vez
mais rápidos. Isto implica aprender a dominar o medo ao desconhecido e a assumir o estatuto
de imigrante no tempo interiorizando que o novo, o diverso e o transitório não são maus em si,
são riscos que contêm ameaças mas também oportunidades de melhorar a qualidade de vida,
assim é importante aprender:
• Adaptar-se a novos instrumentos e a novos processos de trabalho para que deles possa
extrair um desempenho qualificado;
• A ser um consumidor crítico e não um mero objecto das estratégias de venda do sistema
massificador da sociedade de consumo;
• A adaptar-se rapidamente a novos lugares e ambientes sabendo deles tirar partido. Terá,
por exemplo, de aprender técnicas de reconhecimento, de observação e de integração a
novos ambientes.
Assim é cada vez mais imperativo que se ganhem novas competências comunicacionais de modo
a poder com maior rapidez e melhor qualidade estabelecer relações sociais nos níveis
interpessoal, grupal organizacional e institucional.
Quanto á relação com o saber o cidadão contemporâneo necessita de ter consciência que há
necessidade de reaprender pois o saber é degradável e a ignorância uma constante. O fenómeno
da planetarização, torna urgente o investimento na aprendizagem sobre a unidade e sobre a
diversidade da espécie humana, combatendo toda a espécie de etnocentrismos.
2. Aprender a gerir a mudança:
Há necessidades educativas às gerações contemporâneas, no sentido de aprenderem a gerir os
conteúdos da mudança como protagonistas activos da sua história e não como meros objectos da
colisão civilizacional em curso. Assim em necessário aprender:
• Tirar partido dos recursos e sistemas energéticos;
• Utilizar as novas tecnologias como instrumentos e não como fins em si, contrapondo à
dominante cultura do individualismo uma cultura da solidariedade;
• Produzir, distribuir e consumir bens e serviços, à escala mundial, tendo em vista a melhoria
da qualidade de vida;
• Lidar com a diversidade de modelos de organização social (família, escola e empresa);
• Orientar e controlar a sua vida de forma autónoma;
• Utilizar de maneira ética e crítica os media
• Aprender novas formas de se relacionar com o tempo e com as culturas vigentes em
presença.

Margaret Mead (1969) chama a atenção para que em virtude da mudança singular a que a sociedade
contemporânea está sujeita, o processo de socialização integrar três diferentes sentidos, por vezes
conflituais e que nos remete para o alargamento das necessidades educativas a todas as gerações tem
vindo a criar uma sobrecarga de exigências aos sistemas educativos contemporâneos:
1. Uma socialização de tipo tradicional, das gerações mais velhas com as mais novas;
48
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
2. Uma socialização semelhante à que os grupos migrantes sofrem.
3. Uma socialização de sentido inverso, das gerações mais novas para as mais velhas;

7.1.3 – A educação e as assimetrias sociais: (segunda característica do mundo


contemporâneo)
O agravamento das desigualdades da qualidade de vida das populações, emerge um conjunto de
necessidades educativas e de formação para toda a população que poderíamos englobar na expressão
educação para o desenvolvimento e para a solidariedade.
A necessidade de educar as gerações contemporâneas para o Desenvolvimento, ou seja ensina-las a:
• Tirar partido, de forma sustentada, do meio ambiente dos recursos que dispõe;
• Evitar mortes desnecessárias e prolongar a vida com qualidade;
• Pôr a render as potencialidades humanas de produção, distribuição e consumo de bens escassos
no quadro de uma efectiva cidadania económica;
• Necessidade de educar para a solidariedade que aqui mais do que um dever moral um imperativa
de sobrevivência da humanidade.
A própria questão ambiental, muitas vezes posta de forma meramente tecnocrática, pode e deve ser
posta em termos de solidariedade inter-geracional, uma vez que as acções das gerações actuais irão
condicionar fortemente a qualidade de vida das gerações futuras.

7.1.4 – A educação e alteração dos sistemas de Poder (terceira característica do


mundo contemporâneo):
Alteração dos sistemas de poder deve-se principalmente a duas características:
1. O avanço das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) e o desenvolvimento da
sociedade de informação fizeram com que a principal fonte de poder deixasse de ser a riqueza e
passasse a ser o conhecimento;
2. Como expressão política do duplo processo de planetarização e de localização registado na
segunda metade do século XX, observou-se um aumento dos protagonistas políticos e uma
diversificação das suas relações, de acordo com uma tendência para complexidade crescente.
Estas alterações em termos mundiais são as três macrotendências políticas:
1. A participação crescente dos cidadãos,
2. O fim do socialismo de economia centralizada
3. A privatização do Estado-providência
Assim, as novas formas de regulação e de orientação da sociedade exigem novas aprendizagens por
parte dos cidadãos:
• Aprender a planear, a definir rumos, adoptando a atitude prospectiva: olhando o presente a partir
de um futuro desejável;
• Aprender a decidir sozinho e em grupo para o que precisa de ganhar competências no domínio
da identificação de problemas;
• Aprender a ser autónomo, sem se insularizar no individualismo;
• Aprender democracia, quer como meta a alcançar quer como método a desenvolver no dia-a-dia.

7.1.5 – Três níveis de análise:


A questão da educação em qualquer sociedade, configura-se como um problema social complexo, com
efeitos imediatos na sua coesão interna e na sua locomoção em direcção a objectivos globais como o
Desenvolvimento e Democracia.

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Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
A variável estratégica, conferida à educação, na sociedade contemporânea foi a escolha de dois
indicadores de educação entre os quatro seleccionado para integrarem o índice de desenvolvimento
humano (IDH) do Plano da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
A análise pode ser efectuada de acordo com três conjuntos:
1. Numa perspectiva macro-sociológica, a questão da educação deve ser concebida como um
problema económico e político, tanto pela amplitude das necessidades e dos recursos envolvidos
como pelos efeitos globais do seu funcionamento;
2. Numa óptica meso-sociológica é indispensável entendê-la como um problema organizacional,
uma vez que a organização dos recursos tem efeitos imediatos na eficácia e na eficiência do
processo educativo;
3. Numa aproximação micro-sociológica interessa equacioná-la como um problema psico-social,
dado o processo educativo resultar fundamentalmente de relações inter-pessoais, estabelecidas
entre os diversos protagonistas envolvidos no processo.

7.2 – A educação como problema económico e político:


A perspectiva do ensino como indústria – Khôi Lê Thành em 1970,
Estamos habituados a tratar a educação como um direito do homem, origem do seu desenvolvimento
moral e intelectual, instrumento de elevação social e condição para a democracia política. Mas os
progressos das ciências e das técnicas, as exigências do crescimento e da pesquisa impõem também
que se peça à educação uma ”produtividade” máxima que corresponda às necessidades da nossa
época.
Nesta perspectiva o ensino constitui também:
A maior indústria da nossa época, tanto pelos recursos humanos e financeiros que absorve
desempenhando nos diversos cargos, administrativos, científicos e técnicos, um papel motor no
desenvolvimento das sociedades actuais.
Edgar Faure – “Aprender a Ser” 1977 partilhava da mesma opinião, afirmando:
A educação tornou-se desde o fim da 2ª Guerra Mundial o maior ramo de actividade do mundo, em
termos globais. Em termos orçamentais e no total das despesas públicas mundiais, vem em segundo
lugar seguido às despesas militares.
A análise incide nos factores de produção e produtos:

7.2.1 – Os factores de produção são:


Os recursos humanos entre os quais se encontram os aprendentes (alunos e formandos) que
aumentaram nos últimos anos devido à crescente consciência da importância que tem a melhoria do
nível de educação; Aumento da população infantil e juvenil e aumento das necessidades de formação
contínua da população adulta;
Outros protagonistas do processo educativo são: os ensinantes (professores e formadores), os recursos
materiais englobam as verbas, instalações, equipamentos e materiais de ensino e ainda os recursos
ambientais que integram as infraestruturas de comunicações e telecomunicação, o ambiente social,
económico e político.
Os sistemas educativos têm-se confrontado com um duplo problema político: os recursos são escassos
e frequentemente são desviados para fins militares. Os recursos encontram-se assimetricamente
distribuidos em detrimento dos países mais pobres conforme revelado pelo Indíce do Desenvolvimento
Humano (IDH).
Os ensinantes perderam o monopólio que detinham na distribuição do saber em detrimento de outros
agentes (rádio, cinema, televisão, etc.), por exemplo sistemas audio-visual e informático.
50
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

7.2.2 – Os produtos:
A diferente situação em que os diversos sistemas de ensino se encontram relativamente aos recursos
disponíveis e às exigências a que têm de fazer face, naturalmente afecta os seus produtos, que se
traduzem na qualidade das qualificações produzidas pelo sistema e no número de pessoas qualificadas
nos vários níveis de ensino.
Qualidade das qualificações produzidas pelo sistema e no número de pessoas qualificadas nos vários
níveis de ensino.
Em termos mundiais, existe um baixo número de anos de estudos na população adulta para a
necessidade da sua formação complementar de forma a fazer face às novas exigências profissionais.
A partir de dados apresentados, pode-se extrair 3 conclusões:
 A qualidade das qualificações produzidas pelos sistemas de ensino contemporâneo é ainda
insuficiente, quer porque a quantidade de conhecimentos passível de transmissão é baixa (dado
o pequeno número de anos de escolaridade), quer pelo número insuficiente de quadros
superiores globalmente produzidos;
 O fosso da qualidade entre os sistemas de ensino dos países em desenvolvimento e dos países
industriais é ainda muito alto, com a agravante dos primeiros terem necessidades educativas
muito superiores às dos segundos;
 O segmento feminino ainda é particularmente discriminado no acesso ao conhecimento.
Em síntese, observando os sistemas de ensino contemporâneo como indústrias, regista-se uma crise
global, resultante de uma insuficiente oferta de ensino perante uma crescente pressão de procura:
As necessidades do mercado aumentaram vertiginosamente tanto pelo aumento numérico dos
aprendentes, como pela diversidade das exigências feitas;
Os recursos materiais, humanos e ambientais, indispensáveis para fazer face ao acréscimo de
necessidades, são claramente insuficientes, sendo muitas vezes desviados para outros fins;
A falta de recursos é mais grave nos países menos desenvolvidos simultaneamente os mais
carecidos de investimentos em educação.
As assimetrias observadas reflectem-se nos produtos dos sistemas educativos, quer no que
respeita à sua qualidade quer no que concerne à quantidade, e são agravadas directamente pela
condição feminina e pelo nível de desenvolvimento.
Registam-se ainda em muitos países, baixos índices de escolaridade, baixo número de quadros
superiores, baixas taxas de alfabetização e baixas taxas de cobertura do ensino secundário e
terciário.
A educação assume-se como um problema sócio-politico por excelência, uma vez que a adequação dos
recursos às necessidades educativas tem efeitos evidentes na sociedade global.
7.3 – A educação como problema organizacional:
A eficácia no processo educativo
• Tem a ver com a convergência entre objectivos (resultados) previstos e alcançados;
A eficiência no processo educativo
• Relaciona os objectivos alcançados com os recursos afectados para os atingir.

Muitas vezes a ineficiência compromete a sustentatiblidade da eficácia.


Encarando a escola como organização, para que se assuma como um instrumento de solução dos
problemas de educação e não um obstáculo adicional, há diversos aspectos que devem ser bem

51
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
geridos. Os que exigem uma relação com o ambiente externo e os que têm a ver com a dinâmica
interna da escola.

7.3.1 – Gestão da dinâmica externa:


Quanto às relações da escola com o exterior, é indispensável garantir um desempenho adequado da
organização em duas principais vertentes:
1) Na relação da escola com a estrutura de tutela, é fundamental identificar os papéis específicos
que cabem às várias agências em presença. A criação de regras de comunicação (padrões,
canais e suportes) é condição indispensável para que o relacionamento se processe com
qualidade e com rapidez;
2) Na relação da escola com a comunidade envolvente é indispensável o mesmo tipo de cuidados,
tanto na definição dos papeis que cabem aos protagonistas como na manutenção de uma rede
de comunicações adquadas.

7.3.2 – Gestão de dinâmica interna:


A organização da escola deve ser posta ao serviço de um projecto educativo comum procurando assim
coordenar diversas áreas-chaves:
1. Circuitos de decisão devem ser bem definidos e garantir a participação de quem deve tomar
parte no processo.
2. Estrutura formal – os diversos orgãos da escola devem exercer o papel atribuído pelo sistema
normativo vigente num quadro de cooperação institucional evitando situações de competição e
conflito.
3. Estrutura informal – A gestão da escola deve estar atenta à estrutura informal, particularmente
aos grupos de pares e aos líderes informais, procurando tirar partido do seu potencial em favor
do projecto educativo.
4. Rede comunicacional – deve funcionar adequadamente quer na vertical como na horizontal.
5. Cultura é o conjunto de assunções básicas (valores, padrões de actuação). Os orgãos gestores da
organização da escola devem ajudar a sedimentar uma cultura orientada para os grandes
objectivos educativos.

7.4 – A educação como problema psicossocial:


Procedendo a uma terceira aproximação, de natureza micro-sociológica, podemos equacionar a
educação como um problema psico-social, dado o processo educativo ocorrer sobretudo numa moldura
de relações interpessoais.
Em qualquer acto educativo formal estão presentes três subsistemas que o condicionam:
1. Um sistema aprendente;
2. Um sistema ensinante;
3. Um sistema de comunicação educacional.
Para que o acto educativo seja eficaz e eficiente é fundamental que os três subsistemas desempenhem o
seu papel adequadamente.

7.4.1 – Condicionadores do aprendente:


Os factores que condicionam o desempenho do aprendente podem agrupar-se em dois conjuntos: os
factores exógenos e os factores endógenos:
1. Factores exógenos:
52
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
• O meio social donde provém o aluno, e o sistema de recursos que ele dispõe, fora do meio
familiar, para poder gerir o seu processo de aprendizagem;
• Entre as variáveis decorrentes do meio social podem referir-se como de grande relevância
a situação sócio-económica da família, o seu grau de instrução, a língua materna e a etnia;
• O sistema de recursos do meio (a existência ou ausência de locais de estudo, bibliotecas,
cantinas,) pode compensar ou agravar as dificuldades do meio familiar.
2. Factores endógenos:
• São aqueles em que o aprendente encontra em si para gerir com êxito o processo de
aprendizagem, como a sua ambição pessoal, a capacidade de se auto-motivar, etc.

7.4.2 – Condicionadores do ensinante:


Os factores que condicionam o desempenho do ensinante podem agrupar-se em duas variáveis: as
exógenas e as endógenas:
1. Variáveis exógenas
• A coerência curricular, os recursos disponíveis na escola e na comunidade envolvente.
2. Variáveis endógenas
• A competência científica e pedagógica adquirida através da formação inicial e contínua, e a
inteligência emocional.

7.4.3 – Condicionadores da comunicação educacional:


Para haver sucesso é necessário que o sistema de comunicação educacional seja adequado assim é
necessário:
• Materiais educativos de qualidade em suporte escrito, audio-visual e informático;
• Espaços específicos como laboratórios, bibliotecas, ginásios, espaços polivalentes onde
estudantes e professores possam trabalhar e conviver em regime de cooperação educativa;
• Estratégias activas para melhorar a comunicação educacional, programas de educação
intercultural, meios para fazer face aos alunos com necessidades educativas especiais, etc.

7.5 – Algumas Políticas Relevantes:


7.5.1 – Escala Macro – os sistemas educativos devem procurar responder à sobrecarga da procura
com uma política que privilegie a qualificação e a diversificação da oferta e cujas medidas de
estratégia mais importantes são: (maior procura educativa oferta educativa insuficiente):
 Política de coerência curricular – parece que o sistema educativo se deverá orientar para as seis
necessidades educativas básicas: a adaptação e gestão da mudança, o desenvolvimento, a
solidariedade, a autonomia e a democracia;
 Controlo sistemático da ajuda internacional destinada ao desenvolvimento das populações para
que não seja desviada para fins militares;
 Relativamente aos aprendentes todo o processo educativo deve visar a sua autonomização
progressiva (ensino à distância);
 Uso de recursos exteriores ao sistema educativo tradicional, através de parcerias com os agentes
da comunidade envolvente.

7.5.2 – Escala Meso:


A uma escala organizacional, as políticas educativas têm vindo a direccionar-se em três diferentes
sentidos: (problemas de eficácia e de eficiência)
 Na clarificação dos papéis e das regras de comunicação entre a escola e os organismos de tutela;
53
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
 No estabelecimento de parcerias entre a organização escola e a comunidade envolvente, a fim de
procurar potenciar os recursos mútuos para o desenvolvimento de projectos educativos;
 Na qualificação da gestão interna da escola, registando-se uma consciência crescente de que o
desempenho da função de gestão exige competências específicas.

7.5.3 – Escala Micro:


É uma escala psicossocial, têm vindo a defender-se a implementação de uma gama muito diversificada
de políticas de intervenção: (tem como factores condicionantes do aprendente (classe social, instrução,
língua etnia e da comunicação materiais espaços estratégias):
 Relativamente aos aprendentes, têm vindo a multiplicar-se programas compensatórios, que
procuram criar uma situação de discriminação positiva relativamente aos diversos tipos de
handicaps (sócio-económicos, étnicos, linguísticos, relativos a deficientes, etc.);
 No que respeita aos ensinantes, a formação contínua tem vindo a assumir-se como um direito e
um dever, constituindo uma valorização na carreira docente;
 Os principais protagonistas do processo educativo têm vindo a ser dotados de empowerment para
vencer as dificuldades quotidianas do processo complexo que é ensinar e aprender em
circunstâncias por vezes muito difíceis.

7.6 – Em Síntese:
• A sociedade contemporânea confronta-se com novas necessidades educativas decorrentes de três
processos à escala planetária, que mutuamente se influenciam:
1. A aceleração da mudança;
2. A planetarização dos problemas sociais;
3. A alteração dos sistemas de poder;
• A aceleração da mudança fez emergir dois tipos de necessidades educativas, que reclamam
políticas de adaptação ao choque cultural provocado pela mudança e de condução do processo de
mudança, através da gestão dos seus conteúdos;
• A planetarização dos problemas sociais determinou novas necessidades que apelam para duas
estratégias educativas: educação para o desenvolvimento e educação para a solidariedade;
• A alteração dos sistemas de poder, por seu turno, chama a atenção para a necessidade de duas
outras estratégias educativas: educação para a autonomia e educação para a democracia;
• As novas necessidades educativas, afectam toda a população no seu conjunto, e não só os seus
segmentos infantil e juvenil. A generalização dos públicos-alvo, a universalização das
necessidades de formação inicial e o alargamento das necessidades de formação contínua,
implicaram um aumento de pressão sobre os sistemas educativos tradicionais;
• Os sistemas educativos convencionais, estão longe de conseguir garantir respostas, quantitativa e
qualitativamente adequadas, sendo indispensável introduzir reformas conducentes a criar uma
oferta correspondente à sobrecarga de exigências do lado da procura;
• Tal oferta, deverá obedecer a um perfil de diversidade, quer quanto às agências de educação,
empenhando as organizações públicas (administrações centrais, regionais e locais) e não
governamentais (ONGs), quer quanto às formas de resposta, diversificando as estratégias de
ensino e formação.
Neste contexto, a educação assume-se como um problema social complexo, que deve ser observado a
várias escalas de análise, cada uma das quais exige medidas de intervenção adequadas.

54
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

VIII. PROBLEMAS DE ORIGEM IDEOLÓGICA


Introdução:
Os fenómenos do racismo e do sexismo têm como denominador comum uma visão essencialista dos
seres humanos, que alimenta um projecto de sociedade onde o tratamento desigual entre as pessoas é
justificado pelas diferenças de características físicas. É pela via da exclusão que se assiste
constantemente ao desrespeito dos Direitos Humanos, embora o mundo tenha assumido o
compromisso de instituir a sua universalidade.

8.1 – Racismo:
O conceito de racismo é uma construção recente. Foi com o impulso da ciência nos séculos XVIII e
IXX que se iniciou a discussão política em torno da raça devido ao desenvolvimento de várias teorias
de raça. “As teorias da raça” dividiam a espécie humana em categorias biológicas distintas e atribuíam
a cada uma delas uma posição específica numa hierarquia de capacidades culturais e de estádios de
civilização. Esta diferenciação entre raças superiores e raças inferiores e a legitimação da supremacia
das primeiras face a estas designa-se por racialismo.
A noção de raça servia também para racializar populações que atravessavam um processo de
construção de Estados Nacionais, foi assim que nasceu o projecto ideológico de construção de uma
nação alemã, unificada pela pertença ancestral a uma raça ariana, sustentado pela classificação
convergente de raça e nação, justificando assim a exclusão da raça judia.

8.1.1 – O determinismo biológico


A Europa do século XIX assistia ao estabelecer de laços estreitos entre a ciência e as doutrinas
teóricas, estas alicerçadas nas interpretações que as ciências avançavam sobre a Humanidade. O
pensamento social era, então dominado pelo determinismo biológico, em que se destacavam três
teorias fundamentais para a legitimação científica do racismo:
1. A obra de Gobineau, “Essai sur l’inégalité des races humainres” (1852) que alertava para a
degenerescência das “raças” como resultado da mistura entre si;
2. O darwinismo social, de Spencer (1862) teoria que vai aplicar às sociedades humanas a tese
selectiva que Darwin avançou quanto aos organismos vivos, defendendo a rejeição dos
elementos mais fracos e menos adaptados da sociedade em prol da sobrevivência e evolução
desta;
3. O eugenismo, de Francis Galton (1883), teoria que defendia a melhoria da espécie humana
através de um processo de selecção semelhante àquele que se utilizava no reino animal –
selecção dos progenitores para assegurar uma melhor descendência – e que se propunha
identificar os genes “bons” e os genes “maus” afirmando que para acabar com a criminalidade e
outros vícios bastava eliminar os genes por eles responsáveis.

8.1.2 – A evolução do racismo no século XX:


A passagem para o século XX é feita com a herança do determinismo biológico. Mas é nos finais da
década de 20 que nasce o conceito de racismo, definido como uma ideologia que defende a
superioridade de determinadas raças e legitima a sua supremacia em relação às raças identificadas
como inferiores. A construção sociológica deste conceito tem a sua origem na oposição que cientistas
sociais Europeus e Norte-Americanos faziam ao impulso do nacionalismo e da ideologia nacional-
socialista na Alemanha. As primeiras críticas incidiram sobre o racismo enquanto ideologia, mas não
rejeitavam o princípio da divisão das populações em “raças”.

55
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Foi com o horror nazi que a ideologia que legitimava a desigualdade entre os grupos ganhasse nova
importância após 1945. É só a partir da década de 60 que o conceito raça vai desaparecendo na Europa
e nos EUA. Ou seja a demonstração científica de que o conceito de raça é uma construção social sem
fundamentação biológica. Ao nível político, o conceito de raça tornou-se inaceitável para justificar a
supremacia de um povo face a outro.

8.1.2.1 - A emergência do “novo racismo”:


A classificação das populações em “raças” foi substituída pela definição de grupos étnicos ou
culturais, substituindo-se a ênfase na raça pela ênfase na cultura e económico (o imigrante), ou seja o
novo racismo construído por oposição ao velho racismo biológico.

8.1.2.2 – O racismo institucional:


Defendido pelo movimento “Black Power” nos EUA, anos 60, assenta no pressuposto de que a
sociedade está estruturada de maneira a manter a exclusão de um grupo específico e a evitar a sua
progressão na sociedade. Práticas que tendiam à marginalização dos negros pois estão inscritas no
normal funcionamento das instituições e não têm necessidade de serem legitimadas por uma ideologia.
A adesão ao Acto Único Europeu, em 1993, foi interpretada por várias organizações anti-racistas
europeias como um exemplo de racismo institucional, pois um efeito directo da livre circulação entre
as fronteiras da União Europeia para os seus nacionais era a exclusão do direito a essa liberdade para
os não-nacionais e a instituição de uma estrutura discriminatória no normal funcionamento daqueles
países.

8.1.3 – As facetas da desigualdade e da diferença:


O racismo encerra em si três componentes, para ser racismo tem que incorporar as três componentes
pois se só incorporar i.e. discriminação não é uma expressão de racismo
1. A naturalização de um grupo, que consiste na identificação desse grupo com base em
características físicas naturais;
2. A percepção do “outro” como ameaça;
3. O apelo a medidas de protecção, discriminação ou segregação.
O racismo combina dois princípios de exclusão
1. Desigualdade – até ao século XX as explicações eram científicas, biológicas.
2. Diferença – hoje ocupa o lugar central no discurso de exclusão, por exemplo as culturas ou a
incompatibilidade de modos de vida.
Taguieff defende que as duas dimensões, desigualdade e diferença, estão separadas resultando em dois
tipos de racismo: a desigualdade está relacionada com a naturalização do outro (sobretudo o outro
enquanto colonizado ou sujeito à dominação por parte de outrem) e com a sua inferiorização; a
diferença está ligada à ideia de preservação da especificidade de cada cultura.
Por seu lado, Wieviorka define o racismo pela complementaridade entre as duas dimensões, afirmando
que se o tema da desigualdade está fortemente ligado à dominação colonial, o racismo só existe se a
consciência da inferioridade dos povos colonizados for acompanhada pelo medo de invasão ou de
perda da identidade do colonizador. Por outro lado, a percepção da diferença cultural só produz
racismo se a cultura ou culturas minoritárias forem entendidas como ameaçadoras pela cultura
dominante.
“Para que o racismo se manifeste é necessário que haja o sentimento de que o superior está
ameaçado pelo inferior, a qualidade pela quantidade, a riqueza pela pobreza, numa associação da
diferença e da inferioridade.”

56
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

8.1.4 – O racismo como uma doença da Modernidade:


O esbater das diferenças pelo contacto entre culturas, ao invés de reforçar uma consciência universal e
tender à globalização cultural, reforça o receio da perda das especificidades e faz nascer o racismo ou
outras manifestações e rejeição e discriminação dos outros, razão porque Todorov define o racismo
como uma doenças de passagem para a Modernidade.
Assim faz nascer o ressurgimento de valores holistas sob novas formas (pós renascimento) –
nacionalismo, racismo, totalitarismo.
O novo racismo surge na 2ª metade do século XX numa relação de causa-efeito entre a pertença a
grupos culturais minoritários e um estatuto socioeconómico desfavorecido que frequentemente
empurra imigrantes para a exclusão social e económica e cujo projecto ideológico universalista falha
pois não consegue igualar as relações sociais e o funcionamento da sociedade.
O medo da descaracterização da cultura e identidade nacionais, aliado ao aumento do desemprego, deu
espaço ao surgimento de novos partido de extrema direita, como o Front National em França, e ao
surto de violência racista em Portugal nos anos 90 do século XX os skin-heads etc. estas duas
manifestações são ilustrativas da ideologia racista contemporânea, estes grupos não argumentavam
abertamente em termos rácicos, mas antes exacerbam a diferença cultural, e acusam os estrangeiros de
ocuparem postos de trabalho dos nacionais.
O próprio direito à diferença é absorvido pela ideologia racista contemporânea como forma de
justificar a incompatibilidade das culturas minoritárias com a cultura dominante, facto que colocaria
em risco a homogeneidade cultural da nação (ideia que alicerçou os nacionalismo emergentes nos
finais do século XIX). Nos dias de hoje o racismo manifesta-se de uma forma pluralista, biológico,
cultural, económico, político ao contrário da unidade ideológica a que assistimos nos séculos
anteriores.

8.2 – Xenofobia e fundamentalismos:


O conceito xenofobia tem um leque muito mais abrangente de diferenciações atendendo que diz
respeito a um leque mais abrangente de diferenciações traduzindo toda a rejeição de outrem, significa
medo do estrangeiro. È a conugação de duas caracteristicas – rejeição daquele que identificamos como
diferente e medo face a ele – que fazem associar frequentemente o fenómeno da xenofobia à questão
dos fundamentalismos.
O fundamentalismo reporta-se à crença e à defesa de um conjunto de princípios religiosos (ou
fundamentos), que são entendidos como verdades fundamentais. Nas interpretações fundamentalistas,
defende-se que esses princípios religiosos deverão alicerçar a organização social de toda uma
sociedade. Enquanto que o modernismo teológico propõe a interpretação dos livros sagrados das três
grandes religiões monoteístas – Cristianismo, Judaísmo e Islamismo – o fundamentalismo avança uma
interpretação estrita desses mesmos textos. Assim os fundamentalismos emergentes nas últimas
décadas do século XX são um símbolo ímpar dos paradoxos da Modernidade, onde as sociedades
evoluem no sentido da abertura e da expansão de fronteiras, não só físicas como mentais, e
simultaneamente, desenham novas restrições e limites a essas mesmas fronteiras.

8.2.1 - A origem dos fundamentalismos modernos:


A emergência dos fundamentalismos modernos remonta aos anos 70 do século XX através do
desenvolvimento de movimentos religiosos, tanto no Cristianismo como no Judaísmo e no Islamismo
com a reinterpretação de textos sagrados com o objectivo de mudar a ordem social existente.

57
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
A origem está no objectivo de mudar a ordem social, moral e cultural da sociedade após a época
gloriosa dos anos 30 e o fim da 2ª guerra mundial tinham dado lugar a crescentes desigualdades
sociais. A nova ordem económica influenciou as formas de interacção social e os valores traduzindo-se
no enfraquecimento das solidariedades, no aumento da competição entre os grupos e no reforço de
valores individualistas por oposição ao colectivo.
Assim o religioso tornou-se num refúgio para que as pessoas se sentissem protegidas e à construção de
novos projectos para a sociedade marcados pelo retorno ao religioso dando origem aos movimentos
fundamentalistas nas três religiões monoteístas. No entanto no mundo islâmico existe uma mais forte
base social de apoio ao fundamentalismo religioso.
A Europa Ocidental vê nos finais do século XX no fundamentalismo islâmico a grande ameaça do
futuro, sendo este o motor para sentimentos xenófobos contra as comunidades imigrantes muçulmanas
instaladas na Europa. Muitas vezes o reforço no fundamentalismo islâmico é uma reacção a essas
manifestações de rejeição., por exemplo em França a pertença de jovens aos princípios religiosos é
uma forma de proporcionar segurança e bem-estar.

8.2.2 – A interligação entre xenofobia, fundamentalismos e nacionalismos


A xenofobia e o fundamentalismo têm porém uma estreita ligação com o nacionalismo, uma vez que a
identificação a uma nação, integra uma quota parte de exclusão xenófoba, muitas vezes a identificação
nacionalista levada ao extremo pode resultar em manifestações de fundamentalismo onde o motor
político se confunde com o religioso, assim no século XX as manifestações xenófobas e
fundamentalistas podem ser uma reacção colectiva de medo face ao futuro, provocada pelo
enfraquecimento do poder dos Estados nacionais a favor de formas de organização política e
económica supra-nacionais e pelas fronteiras impostas durante a 2ª guerra mundial.
A instabilidade do presente e a incerteza do futuro vão reforçar o medo do estrangeiro e a
competitividade entre grupos que vivem numa mesma sociedade, mediante a qual cada grupo tenta
assegurar a sua própria segurança e estabilidade.

8.2.3 – A interligação entre xenofobia fundamentalismos e conflitos étnicos.


O enfraquecimento de poder dos Estados e a sua incapacidade em assegurar segurança e bem-estar
para todos os grupos é uma condição directa para a emergência de conflitos de cariz étnico.
A nova ordem mundial com a queda do muro de Berlim veio fragmentar as políticas muitos Estados
multiétnicos da Europa de Leste pois os grupos étnicos passaram a contabilizar os seus recursos não
em termos nacionais mas em termos de grupos étnicos, surge assim a reivindicação do direito a uma
identidade étnica especifica com o desejo de autonomia como forma de apropriação de mais poder,
tanto económico como político, geralmente acompanhado pela reivindicação do direito a uma
identidade étnica especifica.
Encontramos um exemplo dessa situação na guerra que eclodiu em 1991 na Jugosláiva: Eslocénios e
Croatas ressentiram-se com o sistema de redistribuição federal às regiões mais pobres do país, tendo
surgido manifestações de insatisfação por parte da população. Também no Burundi e no Rwanda entre
Tutsis e Hutus tiveram por base um conflito económico provocado pela escassez de recursos, que foi
absorvido pela questão da etnicidade.

Os conflitos que têm vindo a eclodir no fim do século XX revestem-se de um carácter multifacetado,
onde as manifestações de racismo e xenofobia, a intolerância étnica e os fundamentalismos religiosos
se apresentam conjugados com nacionalismos políticos, ou fortemente intrincados nas próprias
mudanças de ordem económica e social que atravessam as sociedades de todo o mundo.

58
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

8.3 – Sexismo:
O sexismo define-se por preconceitos, estereótipos e discriminações baseadas no sexo da pessoa.
Relacionam-se papéis ou funções sociais identificados como específicos de homens e mulheres. Os
homens não choram é uma expressão que ilustra a mentalidade sexista ao negar aos homens
exprimirem emoções. As mulheres são as maiores vitimas pois desses esterótipos resultam
discriminação e uma posição de subordinação face aos homens.
A análise de desigualdade e da discriminação das mulheres face aos homens gira em torno de três
grandes temas: a natureza, a família e o trabalho.

8.3.1 - A questão da natureza feminina:


A discriminação das mulheres reside fundamentalmente nas diferenças físicas e de personalidade
distinguem e opõem a feminilidade da masculanidade, estando associados à primeira a emotividade, a
intuição e a submissão e à segunda a racionalidade, a lógica e a dominação.
A capacidade da mulher gerar seres humanos fez com que a ciência e a medicina remetesse a mulher
devido ao útero para o mundo da natureza e o ciclo menstrual concedia à mulher uma certa
irracionalidade daí a oposição ao mundo da lógica e da racionalidade masculina.

8.3.2 – A Família como fonte de desigualdades:


Autores argumentam que a origem da discriminação da mulher reside na organização das sociedades
patriarcais, assentes na lei paternal e sendo a família a sua célula-base. Neste tipo de sociedade, a lei
concede ao homem, enquanto pai e marido, o direito de propriedade privada, sendo o exercício de
poder sobre a mulher e os filhos.
A análise Marxista dá particular realce à questão da família como fonte de opressão da mulher,
designadamente a família burguesa.

8.3.3 – As desigualdades na esfera do trabalho:


A revolução industrial veio a criar postos de trabalho femininos retirando a exclusividade da mulher ao
espaço do lar questão da compatibilidade ou incompatibilidade da feminilidade com o trabalho
assalariado. A mulher do século XX tornou-se num problema devido às incompatibilidades
lar/trabalho, maternidade/salário, feminilidade/produtividade.
O salário da mulher é visto como um complemento do orçamento familiar por isso as funções que lhe
são destinadas são vistas como compatíveis com a sua natureza feminina., daí resultando o exercício
de funções que podemos designar por maternidade social (profissões de educadora, enfermeiras). A
visão capitalista é essencialmente baseada nas diferenças biológicas entre os sexos para justificar as
diferenças de tratamento entre homens e mulheres, justificando assim a diferença no valor de
remuneração.

8.3.4 – O novo rosto das desigualdades no século XX:


O século XX herda os pressupostos da Economia Política do século anterior e, apesar de se assistir à
entrada maciça das mulheres no mundo da educação e do trabalho, as desiguldades entre sexos
persistem. A Guerra Mundial permitiu a emancipação da mulher uma vez que a mobilização dos
homens exigia a sua participação. No entanto o pós-guerra exigiu o retorno das mulheres ao lar e à
função da maternidade.
8.3.4.1 – Dois exemplos de sistemas político-ideológicos sexistas:
1. A política natalista do regime fascista italiano comandado por Mussolini: A defesa da raça e a
mulher deveria procriar e educar os filhos da pátria contribuindo assim para a aplicação do
programa político.
59
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
2. A política sexual nacional-socialista da Alemanha de Hitler: A pureza da raça e a esterilização de
pessoas consideradas não válidas evitando a degeneração da raça germânica e a proibição de
casamentos com Judeus, Ciganos e outras pessoas de qualidade hereditária inferior.

8.3.4.2 – Os efeitos da democratização:


É com a recuperação económica verificada após a 2ª Guerra Mundial que se assiste a uma cada vez
maior democratização do mercado de trabalho, do acesso das mulheres à educação (não só para a
mulher mas também para as classes mais pobres) e a consequente democratização das relações sociais.
No entanto, muitas vezes a igualização é aparente pois o próprio sistema socioeconómico ao mesmo
tempo que democratiza acentua as desigualdades:
O trabalho a tempo parcial na Escandinávia;
O trabalho domiciliário:
O trabalho a prazo e o trabalho temporário;
A expansão do sector terciário confinou as mulheres a esse sector;
A presença dos filhos tem um efeito positivo para a promoção profissional do homem, sucedendo
um efeito inverso na mulher;
O sexismo contemporâneo, à semelhança do novo racismo, revela-se com um rosto multifacetado
onde os argumentos naturalistas e culturalistas se interpenetram para justificar a manutenção de
uma ordem social alicerçada no poder masculino – ao nível económico, científico, político,
jurídico.

8.3.5 – As análises feministas e o conceito de género:


Enquanto o conceito de sexo analisa ilustra as diferenças físicas entre homens e mulheres, o conceito
de género analisa as razões históricas, culturais, económicas e sociais que num determinado momento
e num determinado espaço moldam as relações entre as pessoas, destacando o carácter relacional e
assimétrico entre os dois sexos.

8.4 – Atentados aos Direitos Humanos:


A Declaração Universal dos Direitos Humanos (assinada a 10 de Dezembro de 1948) nasce no
rescaldo da 2ª Guerra Mundial, simbolizando a vontade dos Estados com assento nas Nações Unidas
de introduzirem um novo quadro legal que regulasse as relações internacionais. Uma nova ordem
mundial assente no repúdio da violência dos conflitos entre os povos e na defesa de uma diplomacia
internacional que assegurasse a manutenção da paz, a declaração realça a unidade da espécie humana,
embora e apesar da sua diversidade cultural, proclamando a universalidade dos direitos.

8.4.1 – A ONU e a nova ordem mundial:


A Declaração Universal surge com um primeiro passo da Organização das Nações Unidas (ONU)
constituída em Maio de 1945, na construção dessa nova ordem mundial. Enquanto que a ONU tem
como principio fundador a busca e a manutenção da paz mundial, a Declaração torna claro que este
objectivo só é alcançado mediante o respeito pelos Direitos Humanos.
O artigo 55º da Carta da ONU proclamava que a ONU deveria promover o respeito dos direitos
humanos e liberdades fundamentais sem distinção de raça, sexo língua ou religião; e no artigo 56º os
Estados membros manifestavam a vontade de desenvolverem acções de cooperação com a ONU, tanto
conjuntas como individuais, tendo em vista a realização daquele objectivo.

A nova ordem mundial assentava na realização dos seguintes objectivos:


• A manutenção da paz internacional,
• O desenvolvimento de relações amigáveis entre as nações;

60
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
• A realização de cooperação internacional na solução de problemas internacionais de carácter
social, económico, cultural, humanitário

8.4.2 – A evolução dos Direitos Humanos:


Os antecedentes históricos da Declaração Universal remontam aos séculos XVII e XVIII.
A Declaração de Independência dos Unidos da América (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão (1789) saída da Revolução Francesa marcam a primeira geração dos Direitos Humanos
caracterizada pela fase da proclamação jurídica que pretendia garantir no plano formal a dignidade dos
cidadãos.
A segunda geração nasce em meados do século XIX constituindo a fase da socialização caracterizada
pelo reconhecimento de que as liberdades não estavam garantidas e corresponde à visão marxista e é
parte integrante das Constituições dos Estados socialistas no século XX.
A terceira geração a Declaração Universal de 1948 que corresponde à internacionalização, que vê
nascer os direitos de solidariedade após a emergência de novos Estados que tinham alcançado a sua
independência.

8.4.3 – O desrespeito pelos Direitos Humanos


O texto da Declaração no artigo 28º refere que os Estados subscritores deverão assegurar o
cumprimento e o reconhecimento efectivo desses direitos mediante medidas progressivas, nacionais e
internacionais. Assim o não desenvolvimento destas medidas conduz à violação do que está
consagrado na Declaração i.e. a incapacidade dos Estados subscritores de assegurarem o cumprimento
dos princípios que aprovaram.
A persistência e a extensão da pobreza devido a guerras (Angola) ou devido ao subdesenvolvimento
(Moçambique). O desrespeito pelos povos autóctones i.e. índios nos EUA que vivem como reféns nas
suas reservas. Constitui um dos mais graves exemplos de não cumprimento dos Direitos Humanos no
final do séc. XX.
A situação de crise da ONU é um dos sinais visíveis da crise da ordem internacional.

8.4.4 – A tendência actual para o reforço dos Direitos Humanos:


Existe uma tendência para a celebração de acordos regionais por exemplo no Conselho Europeu a
Convenção europeia para a salvaguarda dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, a Carta
social Europeia e a Convenção para a prevenção da tortura.

8.5 – Síntese:
Desde o século XVIII, que inaugurou o primado da razão, que o pensamento científico-social tem
influenciado fortemente a doutrina política. É, precisamente, a aplicação das teorias ou opiniões,
sejam elas do foro científico ou público, à vida política que as transforma em ideologias.
Vimos como o racismo se tornou uma ideologia legitimada pelas teses científicas dos teóricos da
raça do século XIX, na mesma medida em que o sexismo se enraizou nas teses essencialistas que
diferenciam os sexos e os aprisionam em atributos imutáveis relativos a uma natureza masculina e
a uma natureza feminina. Por outro lado, se a xenofobia, ao contrário do racismo, não constitui
uma ideologia, também ela é justificada mediante a defesa de um ideal de nações culturalmente
homogéneas, onde a diferença é diluída (quando não esmagada) tendo em vista a construção da
identidade nacional. Vimos como os fundamentalismos religiosos se alimentam das reacções
xenófobas de medo do estranho e se confundem com nacionalismos, onde a questão da etnicidade é
manipulada para mascarar projectos de sociedade discriminatórios.
61
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
A diferença e a desigualdade que separam os seres humanos nas sociedades contemporâneas é o
resultado do projecto inacabado da Modernidade, que falhou na concretização do ideal de
Liberdade, Igualdade, Fraternidade. O grande dilema com que o mundo contemporâneo se defronta
é o da ciência não ter sabido resolver todos os problemas da Humanidade e, paradoxalmente, ter
contribuído para gerar novos problemas. Um exemplo incontestável é a concorrência do
Holocausto, efeito de um projecto político-ideológico legitimado por explicações científicas que
recorreram ao eugenismo e determinismo biológico do século XIX, colocando a ciência como
alicerce da ideologia e prática discriminatória.
Devido precisamente aos horrores do nazismo e para evitar a eclosão de conflitos de tão grande
barbaridade no futuro, desenvolvem-se, a partir de meados do século XX, os esforços da
diplomacia internacional no sentido de assegurar um standard mínimo de direitos, à luz da trilogia
herdada da Revolução Francesa. Tendo em mente este objectivo, os temas do racismo, xenofobia,
fundamentalismos e sexismo vão confluir na elaboração da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
O constante não cumprimento dos Direitos Humanos em muitos países subscritores da Declaração
Universal constitui um reflexo das relações contraditórias da Modernidade, que balança entre
particularismos e universalismo, que atravessam a história dos povos e que nem o progresso
científico nem a evolução do pensamento político souberam, ainda, ultrapassar.

XI. O SUICÍDIO – UM PROBLEMA SOCIAL CONTEMPORÂNEO


9.1 – Generalidades:
O suicídio ou a tentativa de suicídio constituem sempre actos de solidão, angústia, chamada de atenção
radicando no desconforto da vida quotidiana e/ou traços depressivos. O meio cultural e as relações
sociais marcam a forma como o Homem exprime um impulso íntimo.
A posição da sociedade face ao suicídio tem sofrido alterações consoante as épocas em análise. À
neutralidade da Roma Clássica seguiu-se a rejeição com Santo Agostinho a partir do século IV.
O Concílio de Arles em 452 proclamou o suicídio um crime consequência de uma fúria diabólica. Um
século depois, em 563, o Concílio de Praga determinaria sanções penais. O Santo Sacrifício da missa e
o Cântico dos Salmos não acompanhariam o seu corpo na descida ao túmulo.
Na Idade Média foi acentuado o carácter de pecado aliado ao acto suicida. Para São Tomás de Aquino,
no séc. XIII, só Deus tem o direito de dar e tirar a vida. Ao repúdio da igreja e à marginalização dos
suicidas juntava-se a confiscação dos seus bens.
Jean-Jacques Rousseau (século XVIII) modifica a análise do discurso relativo ao suicídio ao
considerar que sendo o Homem naturalmente bom é a sociedade que é responsável pela sua maldade e
crimes, facto que deslocava o cerne da questão do individuo para as condições sociais em que este
vive. Ainda no mesmo séc. David Hume escreve um ensaio sobre o suicídio.
Com a Revolução Francesa é suprimido dos crimes legais. Em 1823 é legalizado o enterro dos que se
suicidavam, ainda que sem cerimónia religiosa.
Emile Durkheim foi o primeiro sociólogo que sistematizou a problemática do suicídio, a que
consagrou uma obra denominada “Le Suicide”.
Freud e Menninger (obra Man against himself) lançaram as bases psicanalíticas sobre o assunto.

62
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

- Suicídio em Durkheim:
Na obra de Durkheim, publicada em 1897, explica o fenómeno com uma perspectiva sociológica
demonstrando que o suicídio ofende a consciência moral e considerando-o um fenómeno de patologia
social.
Durkheim define-o como toda a morte que resulta mediata ou imediatamente de um acto positivo ou
negativo, realizado pela própria vítima.
Com base em vários documentos provou que os católicos suicidam-se menos que os protestantes; estes
mais que os judeus e os casados mais que os celibatários, divorciados ou viúvos.
Há duas ordens de factores que podem explicar o suicídio segundo Darkheim são extra-sociais e
sociais.
Fenómenos extra-sociais, embora considere que estes não são determinantes:
1. Estados psicóticos identificando quatro tipos de suicídios vesânicos. Maníaco, melancólico,
obsessivo, impulsivo ou automático. A neurastenia predispõe ao suicídio.
2. Efeitos de raça e hereditariedade
3. Factores cósmicos: clima e temperatura.
4. Imitação por contágio.
O fenómeno pode ser social quando não se prendem com os factores de constituição organicopsíquica
dos indivíduos nem o meio físico:
1. Egoísta – motivado pelo excessivo isolamento do indivíduo face à sociedade, à família e à
religião;
2. Altruísta – quando a existência do indivíduo vale pouca coisa face à colectividade;
3. Anómico – ocorre por ocasião das grandes transformações sociais e em que há dificuldade de
integração.

9.3 – Causas do suicídio e dados estatísticos:


Os dados estatísticos permitem-nos concluir que o suicídio tem vindo a aumentar de forma mais
acentuada em todos os países atingindo camadas cada vez mais jovens: adolescentes e crianças. E se
entre as últimas as tentativas de suicídio são mais frequentes que o suicídio consumado, os meios de
comunicação vêm fazendo-se eco dos inúmeros casos de suicídio infantil. Como causas relatadas para
a justificação destes actos são referidas entre outras a falta de afecto familiar, maus resultados
escolares e depressões psíquicas.
Entre os potenciais suicidas os pacientes deprimidos têm uma parcela maior. Há também que assinalar
outros factores desencadeantes do acto suicida tais como: alcoolismo, toxicomania, desistência de
viver, existem ainda os para-suicídios como por exemplo a velocidade excessiva em viação pois a
intenção da morte não é aqui assumida de forma consciente.
O gesto suicida positivo ou negativo traduz um comportamento complexo em que simultaneamente se
procura a morte, a comunicação do sofrimento, o evitar as consequências de uma mudança de status, a
mitigação de sofrimento e ainda a procura de vingança.
O perfil do suicida aponta certas circunstâncias tais como pertencer ao sexo masculino, viver só ou não
ter companheiro/a estável, doença psiquiátrica e em certas situações falta de apoio social ou perda do
posto de trabalho.

9.4 – O suicídio em Portugal:


O Prof. Fragoso Mendes diz que o suicídio se manifesta principalmente nos estados de depressão e de
ansiedade e se deve muitas vezes à solidão e isolamento sóciopsicológico. Problemas sociais e
pessoais.
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Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
Para Daniel Sampaio o acto é sempre de desistência.
No nosso país os suicídios correspondem a factores históricos: início da II Grande Guerra, período de
crise económica (1984). O homem comete suicídio três vezes mais frequentemente que a mulher.

9.5 – Em síntese:
A problemática do suicídio tem acompanhado a humanidade ao longo dos tempos desconhecendo-
se qualquer sociedade ou micro-cultura em que o fenómeno não tenha ocorrido.
As explicações encontradas são várias e complexas e a abordagem sociológica foi efectuada pela
primeira vez em 1897 por Durkheim.
As taxas de suicídio são particularmente importantes na velhice e na adolescência e são muito
variáveis de país para país.
No contexto europeu a Hungria apresenta a taxa de suicídio mais elevada e a Grécia a mais baixa.
Em Portugal, o fenómeno é preocupante no Alentejo e no Algarve.

X. O ALCOOLISMO E AS SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS


10.1 – Generalidades:
A utilização das bebidas alcoólicas remonta ao período paleolítico e que no período neolítico já se
fabricava cerveja.
Quer os egipicios, quer os gregos e romanos fabricavam bebidas alcoólicas sendo conhecidos também
desde a antiguidade os efeitos que o seu consumo causava.
A destilação do vinho e maior alcoolização das bebidas generalizou-se na Europa a partir do século XI,
sendo visto como vício (a embriaguez) e só na segunda metade do século XIX o termo passa a ser
utilizado com o significado de alcoolismo crónico e entendido como doença.
O alcoolismo crónico, é uma doença e um problema social. Assim devido às suas repercussões no
tecido social conduziram a uma abordagem do problema em termos científicos devendo-se a Thomas
Sutton a primeira descrição do Delirium Tremens que é um estado de hiperactividade confusa e
desorganizada, que se segue normalmente a um excessivo abuso de bebidas alcoólicas.
No Século XIX vamos encontrar alcoólicos internados nos hospitais psiquiátricos que consideravam o
abuso do álcool uma causa da doença mental. O alcoolismo pode constituir um risco de suicídio pelo
que o internamento em instituições psiquiátricas é justificável e necessário.
Para a O.M.S. os alcoólicos são bebedores excessivos cuja dependência é tal que apresentam
perturbações mentais e com perturbações orgânicas e psíquicas, familiar, profissional e social e com
implicações económicas, legais e morais.
Para Fouquet o alcoólico é todo aquele que perdeu a liberdade de se abster do álcool e por conseguinte
não exerce controlo no seu consumo.
Para Jellinek o alcoolismo é todo o uso de bebidas alcoólicas susceptíveis de causar prejuízo no
indivíduo, na sociedade ou em ambos.
Jellinek foi o criador da fórmula que assenta nas mortes conhecidas por cirrose alcoólica.
A = PD – 100
K
A = número total de alcoólicos
O = percentagem de mortes por cirrose hepática atribuíveis nessa população ao alcoolismo
D = número total de óbitos declarados nesse ano por cirrose hepática

64
Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
K = 0,694 – constante (% de mortes dividas a cirrose hepática, resultado da verificação de centenas de
milhar de autópsias).
A dependência do álcool pressupõe um primeiro contacto inicial entre o tóxico (o álcool da bebida
alcoólica) e o organismo vulnerável. O álcool etílico é o agente da doença, mas os factores são
individuais e do meio que condicionam o consumo excessivo, favorecendo a acção patogénica do
factor tóxico.
As causas são económicas e sócio culturais e a natureza do país viti-vinícola, preceitos religiosos,
hábitos, mitos, razões individuais de ordem fisiológica e psicológica e razões externas decorrentes de
exigências profissionais.
As consequências prendem-se com factores e índole social e económica associadas ao meio familiar,
suicídio, criminalidade, absentismo acidentes de viação e acidentes domésticos.

10.2 – O Consumo do álcool na Comunidade Europeia:


A O.M.S. recomendava a redução do consumo de álcool de 25% para o ano 2000. Uma nova
consciencialização dos perigos do álcool tende a considerá-lo como uma droga dura. Como um
inimigo da saúde pública.

10.3 – A problemática do alcoolismo em Portugal


Em Portugal o consumo do vinho está associado a preconceitos – como o vinho aquece, dá força e em
certas regiões serve como pagamento complementar da jorna e é utilizado como alimentação pobre –
as sopas de cavalo cansado – justifica que sejamos um dos maiores consumidores europeus de álcool
per capita. O âmbito do consumo de álcool alargou-se combinado às bebidas destiladas e à cerveja.
De acordo com o World Drink Tendes (1998) Portugal é indicado como o primeiro consumidor de
álcool com 11,3 per capita.
Verificando-se presentemente um aumento crescente por parte de jovens e mulheres.
O fígado não metaboliza o etanol antes dos 18 anos pelo que consumo de bebidas nos adolescentes é
desaconselhável.
Alcocops (misturas de álcool com aromas naturais), shots.
O enquadramento do fenómeno terá de articular as motivações do consumo do álcool e a
inserção/participação dos jovens na sociedade com estratégias de promoção educacional e campanhas
de informação sobre os malefícios do abuso do álcool. A implicação das famílias e da escola são
também de grande importância.
O aumento dos problemas ligados ao álcool e o acentuado consumo global e entre os grupos etários
mais jovens levou à constituição em 1999 de uma comissão interministerial. A finalidade desta
comissão foi a de analisar e integrar os múltiplos aspectos associados à luta contra o alcoolismo num
plano de acção que reforce e aprofunde a implementação de uma estratégia para a saúde.

XI A REGULAÇÃO SOCIAL DO COMPORTAMENTO SEXUAL


Introdução:
As sociedades têm normas que regulam o comportamento sexual, elas incidem geralmente em quatro
tipos de situações:
1 – Formas de realização do acto sexual, ser aceite pela sociedade e o facto de ser sexo oral ou anal;
2 – Relacionamento sexual entre indivíduos de sexo diferente fora de um contexto socialmente
aprovado (antes do casamento);
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Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
3 – Comércio sexual como no caso da prostituição;
4 – Certas orientações sexuais como o caso da homossexualidade.
A reacção social tem variado entre as culturas, e também ao longo do tempo, e as sanções sociais
assumem várias formas, como o ridículo, a estigmatização ou a exclusão social. Ideias religiosas,
políticas e pseudo-científicas contribuem, por vezes, para manter e reforçar a ideia de desvio relativo a
esses comportamentos, quase sempre relacionados com a ideia de protecção da família e de manter o
comportamento do homem e da mulher segundo o padrão socialmente definido.

11.1 – Diferenças no comportamento sexual do homem e da mulher:


A sociedade cultiva pudor, não aceita falar deste assunto quando presentes dois sexos diferentes.
Era admitido ao homem ter experiências até com prostitutas, devido ás suas necessidades, a mulher
não, e devia ser virgem até casar (para não ser desonrada). Isto até meados Séc XX com a revolução
sexual dos anos 60, (ideias de emancipação da mulher, a invenção da pílula), logo passou a ser aceite
as relações antes do casamento.
Cresceu o número de mulheres a tomar a iniciativa sexual e manifestar o seu interesse por ele contrário
ao passado.

11.2 – Prostituição:
Acto sexual pago, hoje tem mais visibilidade pública do que no passado, mas tende a diminuir,
principalmente devido a uma maior liberdade sexual antes do casamento que faz com que os homens
não as procurem. A sociedade tenta desviar a juventude deste caminho.

O que leva uma mulher a tornar-se prostituta (estudo de Roberta)?


Para ganhar dinheiro 44% | Por estar desempregada 36,7% | Por curiosidade 25,8% | Para dar apoio à
família 18,7% | Poder comprar droga 9,4% | Para ter uma vida mais excitante 5,5% | Para ser livre de
sair de casa 3,9% | Por prazer ou experiência sexual 3,1%

Politica social:
A tendência é para a discriminação da prostituta, condenando os indivíduos que favoreçam ou
explorem a actividade sexual.
Em Portugal, a prostituição foi uma actividade legal até à sua abolição em 1962, devendo ser exercida
em bordéis sujeitos a fiscalização pelas autoridades policiais e sanitárias. As prostitutas deveriam ser
ainda submetidas periodicamente a inspecção médica.
A prostituição veio a ser descriminalizada a partir da entrada em vigor do novo Código Penal aprovado
em 1982.

A prostituição e a SIDA:
A Sida VIH pode ser maior devido a prostitutas toxicodependentes não usarem preservativo (só se
detecta quem tem após 3 a 6 meses após infecção). Havendo mesmo clientes que pagam mais caro para
poderem ter relações sem preservativo.
A prevenção da infecção pelo vírus passa por acções de informação e educação dirigidas a este grupo.
Com vista a prevenir a infecção pelo VIH tem havido quem defenda a necessidade de se voltar ao
estabelecimento de bordéis controlados e fiscalizados sanitariamente pelo Estado. Mas a Comissão de
Luta Contra a SIDA defende uma posição contrária, uma vez que estes lugares poderiam criar uma
segurança falsa, pois o vírus só é detectado após 3 ou 6 meses e uma prostituta já infectada poderia
continuar a sua actividade sem que a infecção fosse detectada pelo teste.

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Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo

11.3 – Homossexualidade:
Aplica-se à uma orientação sexual de um homem ou mulher em relação a outra do mesmo sexo, não é
aceite socialmente e não está fácil ser aceite os direitos pelos quais lutam. O casamento e a adopção é o
mais controverso.
A homossexualidade é vista negativamente, quer como pecado, crime, doença mental levando a uma
forte estigmatização social.
Heterossexual (relações sexos diferentes)
As questões mais controversas dizem respeito ao casamento e à possibilidade de adoptarem crianças.

As causas da homossexualidade:
 Biológicas (funcionamento de hormonas);
 Psicológicas;
 Sociais;
 Culturais;
 Comportamento apreendido

Comunidades e locais de encontro:


Tal como outras minorias, os homossexuais desenvolveram associações, locais de encontro, bares e
restaurantes para proporcionar o encontro e convívio entre eles.
Em Portugal existem duas associações: “Hilga” e a “Opus Gay”, havendo alguns bares e restaurantes
servindo de locais de encontro e convívio.

11.4 – Pornografia:
È todo o tipo de material concebido (fotografias, filmes, textos escritos ou gravados) para provocar
excitação sexual. Esse material pode ser constituído por fotografias, filmes, textos ou gravações áudio.
Diferenças entre:
 Erotismo é uma forma de arte destinada a despertar, os sentimentos estéticos no indivíduo;
 Pornografia se destina a despertar apenas a excitação sexual (é aquilo que é ofensa à moral
publica).
Ciberpornografia, através da Internet, levanta problemas devido ao facto das crianças e jovens terem
facilidade no seu acesso.

XII – CRIME E A VIOLÊNCIA:


12.1 – O crime como comportamento desviante:
Quanto existe o consenso público de que as normas sociais foram violadas.
Ex. Comportamentos desviantes: - homicídio; perturbações mentais
A palavra crime evoca na maioria dos casos actos de violência física sobre indivíduos, cuja explicação
tem sido procurada por teorias de natureza biológica, psicológica, sociológica e cultural.

12.2 – Crime e droga:


O uso de drogas ilícitas nos países industrializados atinge níveis considerados preocupantes, não só em
termos de saúde, mas também pelas relações que tem com o crime.
Os Estados Unidos possuem o maior consumo de droga.
A ideia popular que associa a droga ao crime (não é causa directa mas proporciona o crime), sobretudo
no caso de roubo ou furto encontra apoio nos estudos que têm sido realizados. De facto muitos
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Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
toxicodependentes envolvem-se em actividades criminosas com vista a obterem dinheiro que lhes
permita o consumo. (escravos da droga) Crime é dirigido a indivíduos específicos.

12.3 – Teorias biológicas e psicológicas:


Investigadores mais modernamente explicam o comportamento criminoso na anomalia dos
cromossomas sexuais masculinos, o que não ficou provado.
Teorias psicológicas tentam associar o crime à personalidade anti-social, também não provado.

12.4 - Teorias sociológicas:


12.4.1 - Teorias de aprendizagem social:
12.4.1.1 - Teoria da associação diferencial:
Edwin Sutherland diz existirem sub culturas, dentro da sociedade, que tem normas que transmitem
para cometer actos delinquentes;

12.4.1.2 - Teoria da identificação diferencial:


Daniel Glaser, para este autor o indivíduo só tem esse comportamento depois de se identificar com
quem o tem.

12.4.1.3 - Teoria do reforço diferencial:


Roberto Burgesse e Ronal Akers, defende que o individuo mantém os comportamentos que são mais
reforçados (repetidos), podendo o reforço ser de natureza material ou psicológico.

12.4.2 - Teorias de controlo social:


12.4.2.1 - Teoria auto-controlo e comprometimento-social:
Travis Hirschi explica esse comportamento pela falta de apego às normas aceites, e por deficiente
socialização.

12.4.2.2- Teoria da reprovação reintegrativa:


Brinthwaite, acha que a reprovação social pode levar o indivíduo a ter remorsos e evitar quebrar a lei,
mas pode sentir-se rejeitado, banido e levado a continuar no comportamento desviante. Estas
sociedades apresentam menos taxas de criminalidade.

As teorias atrás referidas têm sido designadas por teorias clássicas do comportamento desviante.
Todas elas são centralizadas sobre o indivíduo, procurando determinar as suas características e
compreender a razão dos seus actos.

12.4.3 - Teoria da rotulação:


Esta teoria surgiu nos anos 60 do séc. XX e vê a delinquência como um processo interactivo entre
quem comete o acto (ou quem se supõe cometer) e a sociedade.
Só existe comportamento desviante quando assim é rotulado pela sociedade, deixando-se influenciar.

12.5 – Terrorismo:
Forma de violência física. O objectivo é combater o poder instituído, atingindo cidadãos inocentes. É
uma forma de luta radical praticada por cidadãos de um país contra o seu Estado ou o dos
Estrangeiros, podendo representar movimentos religiosos ou políticos.
O objectivo procurado pelos terroristas pode ser de dois tipos:

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Problemas Sociais Contemporâneos – Hermano Carmo
 Instrumental – pretende chamar a atenção da opinião pública de um país ou da comunidade
internacional. A violência é menor, procuram tratar o melhores possível, as vítimas da
violência para obter aquilo que pretende e granjear simpatia para a sua causa.
 Expressivo – é mais violento, traduzindo a frustração perante o poder instituído. Tem sido
praticada sobretudo por grupos extremistas religiosos.
Terrorismo é diferente de Guerrilha:
Guerrilha – designa a luta armada de grupos minoritários contra as forças armadas do Estado, com
o objectivo de restabelecer ou instaurar uma nova ordem. (actuam dentro de uma legitimidade)
Exemplo guerrilha comandado por Xanana em Timor que levou à independência…

12.6 - A violência na família:


12.6.1 - Mitos a respeito da violência familiar:
1 – A violência familiar é característica das famílias pobres (nem sempre pois na classe média também
existe);
2 – Violência e amor não podem coexistir na mesma família (pais que gostam dos filhos batem a
pensar que os educam);
3 – As crianças maltratadas transformam-se mais tarde em pais maltratantes. (isso pode não
corresponder à verdade futura);
4 – O álcool e as drogas, estão associadas à violência na família (se calhar é mais uma desculpa para o
mau trato infringido)

12.6.2 - Tipos de violência na família:


A violência doméstica pode assumir várias formas e envolver todos os elementos do agregado familiar,
mas os tipos de violência mais estudados têm sido a violação conjugal, os maus-tratos a crianças e
idosos, a violência física sobre o conjugue.
 Violação conjugal (da mulher pelo marido, ter relações sexuais contra a sua vontade é muito
frequente);
 Esposas batidas (violência física, devido à sua cultura por ter a ideia de posse, por vezes tem a
desculpa do álcool);
 Maus-tratos a crianças (dano físico ou psicológico, espancamento, queimaduras, abuso sexual,
maus tratos psíquicos…);
 Violência sobre pessoas idosas – Mais sobre aqueles que estão dependentes, em casa ou em
instituições. Motivado pelo stress principalmente nos casos em que tem ainda filhos também a
reclamar atenção e cuidados, que leva ao mau trato.

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