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CUBA: os desafios de um grande

povo “ilhado”
Chico Buarque, cronista das esperanças políticas do seu tempo, ao falar sobre as
suas viagens a Cuba, registrado no terceiro DVD da série retrospectiva de sua obra,
ironiza: “antigamente, o passaporte brasileiro dizia: válido para todos os países com
exceção de Cuba. Dá vontade de ir, né? ”

Por Frei Gilvander Moreira


Chico Buarque, cronista das esperanças políticas do seu tempo, ao falar sobre
as suas viagens a Cuba, registrado no terceiro DVD da série retrospectiva de
sua obra, ironiza: “antigamente, o passaporte brasileiro dizia: válido para todos
os países com exceção de Cuba. Dá vontade de ir, né? ”
Até bem pouco tempo, voltar ao Brasil após uma visita a Cuba podia custar
alguns aborrecimentos. O próprio Chico Buarque foi protagonista de um fato
que acabou virando manchete nos jornais. O jornal “Folha de São Paulo”, no
dia 21 de fevereiro de 1978, trouxe a seguinte notícia: “CHICO VOLTA DE
HAVANA E É DETIDO. Chico Buarque, sua mulher Marieta Severo, o escritor
Antonio Callado e sua mulher Ana Arruda foram detidos ao chegar, na manhã
de ontem, em aviões diferentes, no aeroporto do Galeão. Como foi divulgado
pela imprensa, Chico Buarque e Callado integraram o júri de um prêmio
literário em Havana, Cuba, na semana passada. Como eles, fizeram parte
desse júri o jornalista Fernando Morais, também brevemente detido ao chegar
em Congonhas, sábado, e o escritor Inácio de Loyola, que presumivelmente
ainda não regressou ao País. O Brasil não tem relações diplomáticas com
Cuba, mas um advogado ouvido ontem no Rio opinou "não haver nenhum
crime em se visitar um país”. A Polícia carioca apreendeu a bagagem dos
detidos, e ambos foram avisados de que serão convocados para novos
depoimentos.”
Afora os constrangimentos, nem mesmo na época da ditadura militar era crime
visitar Cuba. No entanto, falar de Cuba, do socialismo e do grande líder
revolucionário Fidel Castro ainda causa muito constrangimento e indignação. A
mídia, geralmente, desfila um rosário de preconceitos acerca do regime político
cubano e da história da Revolução. Todavia, mesmo correndo o risco de causar
constrangimentos e indignação, retornando agora ao Brasil, após passar nove
dias em Havana, quero assumir o compromisso e a responsabilidade de
compartilhar a experiência de conhecer de perto a resistência e a determinação
desse povo que luta contra o capitalismo e contra o imperialismo criminoso dos
Estados Unidos da América.
Abaixo destaco alguns aspectos presentes no modo de vida em Cuba e que,
no meu entendimento, são relevantes para pensarmos no socialismo hoje para
uma vida melhor em sociedade. Eis, abaixo, dez pontos que dão um panorama
de nove dias em Cuba: primeiras impressões; o impacto já ocorre na chegada;
a relação de Cuba com os demais países da América Latina; contra o bloqueio,
muita criatividade; exercício do poder em Cuba; sistema de Saúde socialista;
telenovelas brasileiras em Cuba; cristãos em Cuba; produção de alimentos e
economia cubana.
1) Primeiras impressões
De 19 a 28 de dezembro (de 2006) realizei um sonho de mais de 20 anos: pisar
no solo sagrado de Cuba e conviver alguns dias com os cubanos, esse povo
heróico que defende ainda nos dias atuais o socialismo, mesmo quando para
muitos a única resposta possível para a humanidade é a chamada democracia
burguesa e o capitalismo.
Antes de emitir qualquer opinião sobre Cuba acredito ser relevante ter em
mente dois aspectos fundamentais: o primeiro, a localização estratégica da ilha
que fica a apenas 150 km do maior império da atualidade. Esta é a distância
que separa Cuba do estado da Flórida nos Estados Unidos. O segundo
aspecto é o fato de o país ter sofrido, e continuar sofrendo, ao longo de sua
história, permanentes tentativas de invasão , exatamente em vista de sua
posição estratégica na entrada do golfo do México.
Cuba é uma ilha de 110.000 Km2, 20% do estado de Minas Gerais, estreita e
comprida, assemelhando-se a um jacaré. Com 11 milhões de habitantes é uma
ilha encantada por sua beleza natural e encantadora pelo seu povo. Cristóvão
Colombo, ao chegar em Cuba, em 1492, já afirmara: “Esta é a terra mais bela
que olhos humanos viram.”
Nos dias atuais, pode-se afirmar que em Cuba, além de vermos coisas que
nossos olhos nunca tinham visto antes, vamos sentir uma grande nostalgia
diante de tantos objetos antigos que fizeram parte do nosso cotidiano em um
tempo em que nossas vidas eram bem mais simples e livres do atual estresse
em que vivemos nos dias atuais. Vamos nos deparar com coisas totalmente
inusitadas e criativas: táxis em bicicletas, carros remendados com madeira e
plásticos, ônibus construídos sobre antigas carretas, chamadas “camelos”.
Tudo isso permite àquele povo resistir, com intrepidez e dignidade ao criminoso
e diabólico bloqueio estadunidense. Convivem, no mesmo cenário, recursos
materiais limitados, tão abundantes nos paises ocidentais, com o que há de
mais moderno e avançado na criação humana. Seja nas ciências, nas artes,
nos esportes, os cubanos destacam-se sempre.
Ouvi relatos e reflexões que meus ouvidos nunca tinham ouvido. Procurei ouvir
mais do que emitir qualquer parecer acerca do modo de vida que surge e que
se atualiza desde o triunfo da Revolução em 1959. Aliás, este um fato que gera
tanta especulação: as possibilidades de sobrevivência do regime socialista
cubano diante da globalização, da pressão capitalista em todos os moldes e,
principalmente, após a morte de Fidel.
Com ouvido atento procurei descobrir a beleza daquela grande nação. O tempo
todo tinha a sensação de estar na ilha imaginária de Thomas Morus , UTOPIA,
na qual o autor, inspirado na República de Platão, pensa uma sociedade ideal
em todos os sentidos, solidária, sem propriedade privada, sem violência e com
dignidade para todas as pessoas. No entanto, não tenho a pretensão de
defender a existência de uma sociedade perfeita. O meu propósito neste
ensaio é mostrar que, somando o que há de bom em Cuba, fica um grande
saldo em vista das limitações existentes, sobretudo se levarmos em conta que
a maioria das carências, impostas ao povo, advém não do regime político
socialista e sim do bloqueio da política imperialista dos Estados Unidos, que
causa enormes danos à economia cubana.
2) O impacto já ocorre na chegada
Na chegada a Havana, capital de Cuba, já é possível sentir a diferença de se
estar em um Estado socialista. Do aeroporto José Marti ao centro da capital há
um percurso de aproximadamente 30 quilômetros. Neste trajeto somos
presenteados com uma delicada e bem cuidada paisagem, onde não há sequer
uma propaganda comercial. Nas ruas de Havana, ocorre o mesmo, nenhum
outdoor que estimule o consumo. Só podem ser vistas, e poucas, as
propagandas do regime socialista. Lembro-me de algumas: “Neste momento
mais de 2 milhões de crianças estão passando fome nas ruas do mundo,
nenhuma delas é cubana.” “Pela vida. Não ao bloqueio econômico dos Estados
Unidos.” “Che Guevara, teu exemplo é uma luz na nossa marcha socialista.”
“Em Cuba, 100% das crianças estão na escola. ”
Em 1961, após uma intensa campanha de alfabetização, Cuba foi declarada
território livre do analfabetismo. Vimos pelas ruas pessoas simples e
trabalhadoras que nos dão a certeza da existência, naquele território, de um
povo educado e saudável. Também chama a atenção a enorme diversidade,
nas pessoas, nas cores dos carros, no modo de vestir. Pessoas alegres e que
falam com muito orgulho do seu país. Determinados mesmo quanto à
independência e da opção e luta obstinada pelo socialismo e pela soberania.
Nos quatro canais de TV abertos, todos estatais - há vários outros canais regionais –,
não há também propaganda comercial. Só há programas culturais, informativos e
esportivos. Poucos são os programas de entretenimento, dentre eles uma novela
brasileira, atualmente, “Senhora do Destino”, à qual os cubanos se referem com
grande entusiasmo. Gostam muito de telenovelas e radionovelas . Vale até lembrar
que se orgulham de terem criado as radionovelas , a primeira que se tornou famosa no
Brasil, “O direito de nascer”.

3) A relação de Cuba com os demais países da América Latina


A eleição de Hugo Chaves, na Venezuela, criou novos laços entre os países da
América Afrolatíndia e desenvolveu uma outra forma de solidariedade entre as
nações do continente. Cuba recebe o petróleo venezuelano em troca do apoio
na área da saúde. São milhares de médicos e outros profissionais trabalhando
na Venezuela. Milhares de venezuelanos estão indo a Cuba para fazer
tratamento de saúde. A excelência cubana na área da saúde também tem
ajudado muitos outros países como o Brasil e a Bolívia.
Ao visitar o Museu da Revolução, antiga sede presidencial do ditador Fulgêncio
Batista, encontramos um grupo de jovens bolivianos, orgulhosos do governo
Evo Morales. Aqueles jovens informaram que, logo após assumir a presidência,
Morales enviou 400 jovens para cursar medicina em Cuba. Formados, serão
missionários de uma revolução no sistema de saúde boliviano e poderão
trabalhar também em outros países, voluntariamente.
Na ELAN – Escola Latina Americana –, criada em 1999, há 4 mil jovens latino-
americanos cursando medicina. O estado cubano custeia tudo: além dos
professores e da manutenção da universidade, oferece hospedagem,
alimentação, livros, cadernos e ainda dá uma ajuda de custo mensal. Os livros
usados são devolvidos ao final de cada ano para que outros estudantes
possam estudar neles. É interessante registrar: enquanto nos Estados Unidos
gastam-se 350 mil dólares para formar um médico, em Cuba 120 mil dólares
são suficientes.
Há milhares de estudantes estrangeiros em Cuba, na graduação e na pós-
graduação. Só do Brasil são 700 jovens, 70 dos quais são enviados pelo MST
para fazer medicina e outros cursos.
4) Contra o bloqueio, muita criatividade
Cuba foi inicialmente uma colônia espanhola. Em 1898 foi ocupada
militarmente pelos Estados Unidos. A partir de então, cresceram os negócios
dos norte-americanos na ilha que somente em 1902 tornou-se um país
independente. O destino de Cuba foi profundamente marcado pela influência
norte-americana tanto no plano político, mediante o apoio a partidos ou grupos,
quanto no econômico. A beleza caribenha e a localização estratégica atraíram
também para o local o lazer e a orgia dos ianques. Também uma chaga que
gera um grande incômodo: uma base militar dos Estados Unidos em território
cubano, a base de Guantánamo . Essa base militar resultou das negociações
para a retirada das tropas americanas na independência.
Após a Revolução em 1959, muitos cubanos migraram para os EUA e por
discordar do regime são, ainda nos dias atuais, manipulados e financiados pelo
governo estadunidense com o intuito de derrubar o regime liderado por Fidel
Castro. Hoje, incluindo os descendentes, há mais de um milhão de cubanos
que vivem naquele país. A grande maioria colabora efetivamente para a
economia cubana enviando dólares para os parentes que moram na ilha. Uma
minoria, conhecida como a máfia cubana de Miami, que perdeu dinheiro e
poder após a Revolução de 1959, conspira o tempo inteiro contra a política
socialista. Essa pressão de uma minoria cubana interessa à política imperialista
dos Estados Unidos que usa de artifícios para isolar o último país de
resistência socialista existente no planeta.
Basta ver que quando um estrangeiro chega clandestinamente aos Estados
Unidos é imediatamente mandado de volta ao seu país. Os cubanos são a
exceção . Para incentivar a saída de Cuba, o governo dos Estados Unidos
acolhe como cidadãos os cubanos que chegam ao seu território. Ou seja, os
únicos estrangeiros que têm visto de permanência incondicionado nos Estados
Unidos são os originários de Cuba.
O bloqueio dos Estado Unidos a Cuba consiste na proibição do comércio dos
produtos cubanos nos Estados Unidos e a venda de qualquer produto norte-
americano a Cuba. Além é claro da proibição do uso de tecnologia
desenvolvida nos Estados Unidos. Não existe relação diplomática e comercial
entre os dois países. Isso gera enormes dificuldades à economia cubana
devido ao custo do transporte que é acrescido a todos os produtos que vêm de
países bem mais distantes, como os países europeus, o Canadá ou China.
Cuba tem de pagar sobretaxas para importar produtos norte-americanos de
outros países.
Deste modo, a única forma de o governo cubano sobreviver ao bloqueio, é usar
de muita criatividade e contar irrestritamente com o apoio de um povo educado
e que conhece muito bem a sua história.
Vimos muita criatividade no sistema de transporte cubano: táxis em triciclos,
uns motorizados, como os cocotáxis para os turistas, outros movidos somente
com a força do pedal por valentes condutores, que levam passageiros a
pequenas distâncias. Automóveis que foram sofisticados na década de 1950 e
que continuam rodando suntuosos pelas avenidas de Havana. Pequenos
automóveis Fiat , parecendo miniaturas dos antigos 147. Carros russos, como
o Lada – das décadas de 1970 e 1980. Alguns seminovos em uma grande
variedade de tipos e cores. Micro pick-ups com apenas 03 rodas, ônibus
antigos tipo jardineira e os “ camellos ”, carretas com a carroceria transformada
em “ super-ônibus ”, como base para o transporte coletivo dos trabalhadores,
quase de graça. Incrível a diversidade de tipos e cores dos meios de transporte
em Cuba.
Vimos um grande número de pessoas pegando carona e muitos motoristas
oferecendo carona, especialmente nos horários de pico. Depois ficamos
sabendo que cerca de 80% dos automóveis são estatais e são orientados a dar
carona. Os carros particulares, que são poucos, também cultivam essa prática
de dar carona. É muito difícil ver uma pessoa sozinha no veículo. Normalmente
andam duas, três ou quatro pessoas no mesmo automóvel, inclusive nos táxis.
Percebemos que dar e receber carona é um valor socialista e faz parte da
cultura, é o normal. Muita gente vai trabalhar e volta sem ter que pagar pelo
transporte. Não existe o menor receio de violência como seria de se esperar no
Brasil. Também uma forma bastante inteligente de economizar energia. O
petróleo é muito oneroso para o governo cubano.
E desta e de outras maneiras Cuba vai driblando o bloqueio norte-americano.
5) Exercício do poder em Cuba
Conversamos com taxistas, médicos, lixeiros, comerciantes, professoras,
psicólogas, agrônomos, advogados. Não vimos nem uma pessoa reclamar de
Fidel Castro, nem do socialismo, nem da Revolução cubana. Pelo contrário,
ouvimos o reconhecimento e a constatação de que a Revolução deu dignidade
para milhares de pessoas em Cuba. Conforme já afirmamos acima, o diabólico
bloqueio econômico que o ( des )governo dos Estados Unidos impôs a Cuba
desde 1961 é identificado pelo povo cubano como o responsável pelas
dificuldades enfrentadas em todos os níveis.
Em Havana as praças públicas são realmente públicas. O povo circula à
vontade. Não vimos ninguém alertando sobre riscos de roubo e assalto. A
população está desarmada. Afirmam que existem armas guardadas em vários
locais e que podem ser disponibilizadas à população em caso de invasão dos
Estados Unidos. “Aqui não há delinqüentes e nem delinqüência. Aqui temos
paz social, fruto da justiça social existente. É muito raro acontecer um
assassinato ou um assalto”, diz uma criminóloga cubana. E acrescenta: “Em
caso de invasão, cada um dos cubanos sabe onde deve estar imediatamente. ”
Perguntamos a várias pessoas: “Como é exercido o poder em Cuba? Fidel
manda muito?” Explicaram-me: “A base do exercício do poder em Cuba está
nos CDRs – Comitês de Defesa da Revolução. Esses comitês que surgiram
para proteger a população das tentativas de golpe, existem em todas as
quadras das cidades e também na zona rural. No CDR todas as pessoas da
quadra estão cadastradas. Fazem assim um retrato de toda a população.
Sabem quantas crianças, quantos idosos e gestantes existem no país, com
uma margem de erro insignificante. Há em cada comitê um/a presidente/a, um
secretário/a e um vigilante que é o responsável pela saúde, educação das
pessoas que moram naquele local. Além do CDR, há o delegado de
circunscrição que exerce a função como voluntário, isto é, não recebe salário
para desempenhar a função. De três em três meses esse delegado presta
contas ao povo. Vinte delegados escolhem um delegado de território.
A organização política cubana inclui também uma Assembléia municipal
(poder executivo + legislativo) que cuida de finanças, esporte, educação,
saúde, moradia, comércio, transporte, ruas e estradas, comunidades. Existem
ainda as Assembléias provinciais (14 províncias).
Da Assembléia Nacional fazem parte 601 deputados. Vale destacar que
recebem apenas o necessário para viver. Exercem o mandato de deputado e
continuam trabalhando na sua profissão e por isso recebem salário, não pelo
fato de serem deputados, mas como padeiros, professores, médicos, ou
qualquer outra profissão que exerçam. Em Cuba uma pessoa é reconhecida na
sociedade pelo que faz em prol da coletividade e não pelo que consegue
angariar para si mesma, como pela capacidade de ganhar dinheiro ou ter sinais
externos de riqueza.
Há um Conselho de Ministros com um presidente, que agora é Ricardo Alareni
. As grandes decisões nacionais são tomadas na Assembléia Nacional. Fidel
Castro é, desde o triunfo da Revolução em 1959, reeleito como deputado. É o
primeiro secretário do PCC e comandante das Forças Armadas. Ilude-se quem
pensa que Fidel decide tudo sozinho. É claro que ele tem muita influência nas
decisões por razões históricas e pela idoneidade moral que adquiriu e
conserva.
Conforme vemos, há uma rede de participação que vai dos CDRs até ao
Comitê Central da Revolução. Essas pessoas são integrantes do Partido
Comunista de Cuba, mas só se ingressa no Partido após verificar com rigor a
idoneidade e o interesse da pessoa pelo bem comum.
6) Sistema de Saúde socialista
“Cuba é uma fábrica de médicos”, exclama Mongui , um cubano que se sente
embaixador do Brasil em Havana. Na medicina a excelência cubana tem o
seguinte objetivo: conquistar os melhores remédios para todos com o custo
mais econômico possível e de forma sustentável. O Ministério da saúde, as
faculdades de medicina e os médicos incentivam e incluem cada vez mais
todos os tipos de medicina alternativos e naturistas – homeopatia, geoterapia,
ervas medicinais, massagem. Prioriza-se muito a medicina preventiva que
passa necessariamente por uma boa alimentação.
Há 60 mil médicos cubanos trabalhando voluntariamente em missões
internacionalistas, em 69 países, contribuindo com o resgate da saúde de
milhares de pessoas. Só na Venezuela estão mais de 15 mil.
Na Venezuela, atualmente, existem cerca de 20 mil médicos cubanos
alavancando uma revolução no sistema público de saúde. São responsáveis
pelo atendimento primário da população, algo parecido com o médico de
família. Estão nas favelas e bairros pobres; lá vivem e atendem com
competência e dedicação os pobres. Recordo-me de ter ouvido em Caracas,
no 6o Fórum Social Mundial, três jovens camelôs dizendo com veemência: "Por
mais de 50 anos, os médicos venezuelanos recém formados se recusaram a ir
para interior, para os bairros, para a periferia. Só queriam ficar na capital,
ganhar dinheiro às custas da dor. Agora, com Hugo Chávez, eles tiveram sua
chance de ajudar o povo. Não quiseram. Então foi preciso apelar para a
solidariedade. Vieram os médicos de Cuba e estamos tendo acesso à saúde
nos lugares mais distantes e pobres". Ainda, em Caracas, em conversa com
duas médicas e um médico, ouvimos, entre tantas coisas, o seguinte: “Não
viemos aqui para ganhar dinheiro, mas por amor ao próximo. Estudamos
medicina para cuidar das pessoas, nunca para ganhar dinheiro. Quando
terminamos o curso de medicina em Cuba, fazemos um juramento de cuidar
sempre da vida ameaçada em Cuba e em qualquer país do mundo. Quando se
é de esquerda, socialista, somos mais cristãos, pensamos mais no próximo.
Todo o povo do mundo é meu próximo, é minha família. Somos e devemos nos
comportar todos como irmãos. Vivo para servir a sociedade. Aqui na
Venezuela, recebemos apenas uma ajuda de custo para pagar metrô, ônibus
coletivo e comprar alimentos e alguma coisa mais necessária.” O estipêndio
recebido pelos médicos cubanos não chega a um salário mínimo da Venezuela,
que é cerca de R$405,00.
Mesmo com as dificuldades internas para a produção de alimentos, em Cuba,
todas as crianças de 0 dia a 7 anos de idade e as gestantes têm garantido um
litro de leite por dia.
Cuba é administrada considerando todos os cubanos como sendo uma só
família. Fidel é o pai de todos e os cubanos são todos irmãos e irmãs. Por isso
todos são tratados com igualdade de oportunidades. Há prioridades que devem
ser satisfeitas: alimentação, saúde, educação, transporte público, cultura e
esporte. As reivindicações pessoais são atendidas, desde que sejam viáveis e
no interesse de todos. Por exemplo, só tem computador individual – o que é um
“luxo” em Cuba – quem está desenvolvendo um trabalho social relevante e que
precisa deste instrumento. Só será permitido comprar celular quando se
encontrar um sistema que seja acessível a todos. E estão quase conseguindo.
O povo cubano é um povo sadio. Come-se o necessário para viver, sem
exageros. Não vimos sequer uma pessoa obesa. A alimentação é orientada por
nutricionistas e contém todos os nutrientes necessários para uma boa saúde.
Norma, uma psicóloga cubana, passou três meses no Rio de Janeiro. Contou-
nos que convidada para participar de diversos churrascos e rodízios, estranhou
muito diante de tanta fartura de carne e tão pouca fartura na cultura e nas
artes. Quando quis ir assistir a um show de Gilberto Gil no Canecão avisaram-
lhe que era muito caro. Ela revelou: “Entre comer muito, participar de rodízios,
prefiro alimentar meu espírito. O que mais nos alimenta são os bens
espirituais: cultura, arte, esporte e trabalho voluntário, tudo isso dentro do
espírito revolucionário socialista. A sociedade capitalista enche a barriga das
pessoas, mas deixa o espírito vazio . ”
Vimos que a agricultura está diretamente associada à saúde. Os alimentos são
produzidos de forma orgânica e ecológica. Usa-se muito pouco produtos
químicos na agricultura. Está em curso um grande projeto de reflorestamento
com árvores nativas e exóticas.
7) Telenovelas brasileiras em Cuba
Em Cuba, a TV veicula uma telenovela por noite. Uma noite, uma telenovela
cubana e na noite seguinte, uma telenovela brasileira ou de outro país. Antes
da veiculação, uma comissão do setor de relações internacionais analisa a
telenovela estrangeira, dá um parecer, corta cenas de sexo, de banalização.
Perguntei a várias pessoas cubanas se já tinham pensado sobre os possíveis
efeitos das telenovelas brasileiras sobre o povo cubano. Caridad , psicóloga do
setor de relações internacionais da TV cubana me explicou: “A programação
dos 4 canais cubanos é basicamente cultural. O povo estava pedindo mais
programas de entretenimento. É muito melhor passar uma telenovela latino-
americana do que filmes dos Estados Unidos, filmes que geram uma cultura de
violência e de consumo. A questão central não é veicular ou não uma novela. A
questão é como veicular. Em Cuba as telenovelas são veiculadas sem nenhum
comercial, apenas uma por dia. Assim o/a telespectador/a acompanha
mentalmente o desenrolar da ficção. No Brasil, são muitas novelas por dia e
são envenenadas pela propaganda intermitente, entremeada na novela.
Quando o/a telespectador/a começa a raciocinar, interrompe-se a novela e joga
uma propaganda. A pessoa deixa de pensar na novela e começa a pensar na
propaganda. Esta mistura de novela com propaganda faz um estrago mental
em quem está assistindo. Fica como abelha tonta. É impedida de pensar.
Resultado: a novela vira tranqüilizante. Além disso, em Cuba o povo é culto e
não aceita pacificamente o que é apresentado na telinha. Também não
encontra na realidade o luxo espelhado nas telenovelas. Fica só no ficção.”
8) Cristãos em Cuba
Participamos de uma celebração na Igreja Batista, presidida pelo pastor Raul
Soares, deputado do PCC – Partido Comunista de Cuba. De origem
camponesa, já está no 3o mandato como deputado. É um dos três pastores
deputados em Cuba. Além de Raul, há um outro da igreja episcopal e outro
presbiteriano. Raul Soares nos disse: “Não há contradição entre ser pastor e
ser deputado socialista. Em Cuba 80% das pessoas se declararam religiosas.
Acreditam em Deus. Seguimos o testemunho do Concílio Vaticano II, das
Comunidades Eclesiais de Base e da Teologia da Libertação. Os pobres nos
evangelizam. Em 1959, a Igreja Católica cubana traiu os pobres, a Jesus e a
Deus, porque se colocou contra a Reforma Agrária que Fidel Castro estava
fazendo. Sou um pastor de esquerda. Espero que Lula não traia os pobres e
que faça uma verdadeira reforma agrária no Brasil. Não há saída para a
humanidade fora do socialismo. Precisamos melhorar o socialismo.
Capitalismo é anti-cristão e anti-humano.”
Conhecemos o Centro Martin Luther King, com sede nas dependências da
Igreja Batista. A partir da pedagogia de Paulo Freire, esse centro tem ajudado a
construir cerca de 60 casas populares, por ano, em mutirão com a participação
ativa dos sem-casa . Esse centro participa de brigadas populares de limpeza
de praças públicas em trabalho voluntário.
9) Produção de alimentos
Sentimos como Cuba vive, desde o fim do apoio soviético ao país, um grande
desafio para alimentar o seu povo. Todavia, mesmo diante dessa dificuldade,
em Cuba, os produtos transgênicos são proibidos. Lá, de fato, as sementes são
patrimônio da humanidade. Preserva-se a diversidade das sementes e
espécies.
A produção de alimentos, em Cuba, acontece de forma diversificada. Há
“granjas”, grandes fazendas do Estado, que produzem cana-de-açúcar,
tabaco, arroz e gado. Poucas pessoas, com implementos agrícolas, garantem
uma grande produção para o abastecimento de toda a população ou
industrializa os seus produtos de exportação, como o açúcar e os famosos
charutos e rum cubanos. Há pequenas, médias e grandes CCS – Cooperativas
de Crédito e Serviço – que reúnem muitas famílias de pequenos proprietários;
são empreendimentos mistos: privado e estatal. O cultivo é feito em sistema de
rodízio. Por exemplo, ara-se um pedaço de terra, planta banana (só um pé em
cada cova, 1,5 metro entre as fileiras, pois assim produz mais). Após a colheita,
ara-se novamente a terra e planta-se uma nova cultura que pode ser mandioca,
ou milho, depois feijão, tomate, e assim por diante. Deste modo, é preservada
a fertilidade da terra. Há ainda as “fincas”, que são pequenas chácaras, nas
quais a agricultura familiar é tocada por uma, duas ou três pessoas. Em Cuba a
maior parte da terra rural pertence ao Estado. É muito raro o comércio de
terras. O agricultor possui, geralmente, apenas o usufruto da área em que
trabalha.
Atualmente o Estado cede terra para usufruto por três anos. Se a pessoa
progride, passa a ter direito sobre aquela porção de terra. Se não, a terra é
devolvida para o Estado que a repassa para outro.
Todos os trabalhadores, tanto do campo quanto os da cidade, têm todos os
direitos trabalhistas respeitados. Aposentadoria aos 60 anos para os homens e
55 para as mulheres, férias mesmo para aqueles que trabalham por conta
própria, saúde e educação, licença maternidade de 1 ano para as mães. Em
Cuba há apenas 3% de desempregados.
Após a queda do socialismo real, em novembro de 1989, Cuba entrou em um
Regime Especial. A agricultura urbana é incentivada e está sendo desenvolvida
para melhorar a alimentação do povo da cidade. Lotes vagos, fundo de quintal
e pequenos espaços de terra na cidade estão sendo aproveitados na produção
da horticultura. Há técnicos agrícolas que orientam o plantio. Sementes são
doadas. Fertilizante orgânico e húmus a partir de minhocas chinesas garantem
o êxito da produção de verduras.
10) Economia cubana
Em Cuba a economia é estatal. Cada pessoa só pode ter uma casa e os que
têm, só podem ter um carro. Existem diversos mecanismos para se impedir a
acumulação de riquezas. Com uma economia tão “engessada” diriam os
economistas de plantão, Cuba cresceu mais de 12,5% no ano passado.
Em Cuba é proibido enriquecer-se, pois o enriquecimento de uns gerará o
empobrecimento de outros. Para garantir esse princípio, uma série de medidas
econômica é tomada. Por exemplo, de dois em dois anos, mais ou menos,
muda-se moeda para evitar acumulação. Quem juntar dinheiro em casa, ainda
que pouco-a-pouco, vendendo artesanato, com táxi, turismo, só poderá trocar
pouco dinheiro velho pelo novo. Assim controla e impede a acumulação.
Em 2005, foi proibido o comércio com dólar em Cuba. Agora o turista é
obrigado a trocar o dólar para “peso convertible ” com uma desvalorização de
20%, isto é, U$1,00 vale 0,80 de peso “ convertible ”. Este vale 24 “pesos
nacionais”, que é a moeda utilizada pelos cubanos. Uma pessoa cubana paga
em peso nacional a maioria dos produtos. Um estrangeiro paga em peso “
convertible ”.
É proibida a existência de classes entre os cubanos. O salário-mínimo está em
225,00 pesos nacionais por mês, piso mínimo para os aposentados. Há
acréscimos como prêmio aos melhores funcionários. Uma pessoa não
consegue ganhar mais do que 900,00 pesos nacionais por mês, incluindo todos
os incentivos e prêmios por mérito. As empresas estatais dão “estímulos”, tais
como cesta-básica, direito de fazer um curso especial em Cuba ou no exterior.
Em Cuba as tarifas por serviços públicos são baixíssimas. A tarifa de energia é
de 9,00 pesos nacionais ( cerca de 35 centavos de real) para 100 quilowatts de
energia. Tanto as famílias quanto as empresas pagam o mesmo valor por 100
quilowatts. Não é como em Minas Gerais, onde as famílias pagam de 6 a 10
vezes mais do que o que pagam as empresas e cujas contas dos serviços
públicos essenciais sugam grande parcela da renda das pessoas. Paga-se
muito pouco também pelo consumo de água e gás de cozinha.
Os cartões de crédito – exceção feita ao American Express e aos emitidos nos
Estados Unidos – são aceitos em Cuba, em muitos lugares.
Muitos se perguntam como pode-se viver com tão pouco em Cuba. O incrível é
que não há violência no país, pelo rosto vê-se que as pessoas gozam de boa
saúde, todos estudam ou só não estuda quem não quer. Quase todos têm
trabalho. Não falta alimento nutritivo para ninguém. Só não há luxo e
desperdício alimentar . Como a educação e a cultura são prioridades do
governo os cubanos pagam muito barato para entrar nos teatros, nos museus,
e em todos os locais que custam mais caro para os turistas. Esse pode ser um
exemplo a ser seguido aqui no Brasil. Para um brasileiro é muito caro pagar
para assistir a um show que os estrangeiros, cheios de dólares acham muito
barato no Rio de Janeiro ou para entrar em uma igreja histórica em Ouro Preto.
Por isso já cantou Elis Regina que “o Brasil não conhece o Brasil”.
Se olharmos bem, após conhecer Cuba, podemos ver que o Brasil é um país
para poucos. Cuba é um país para todos. Uma cubana nos provocou: “O Brasil
é um país lindo, mas me dói o coração e me deixa indignada ver os deputados
brasileiros aumentarem em quase 100% seus próprios salários, já
astronômicos. Isso é uma desumanidade gritante. Não entendo como o povo
brasileiro não se levanta contra essa e tantas outras injustiças. ”
Assim, volto ao Brasil, cheio da energia boa que transcende Havana. Deixamos
em terras cubanas novos amigos, aqueles que tanto como nós admiram
Ronaldinho, o futebol brasileiro, o samba e algumas telenovelas brasileiras
veiculadas em Cuba. A maioria dos cubanos admira a Teologia da Libertação,
frei Betto, Leonardo Boff, as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs -, o MST
e os Movimentos Populares do Brasil. Isso fortalece os nossos laços de
amizade e a vontade de voltar ao país que recebe a todos os brasileiros como
irmãos.
Engana-se, vou arriscar um palpite, quem pensa que Cuba esfacela-se após
Fidel Castro. A admiração e o respeito que os cubanos tem pelo Grande
Comandante, a ponto de o chamarem de “nosso pai”, garantirão a firmeza na
marcha socialista mesmo após sua morte. Fidel está internalizado no povo e
será muito mais vivo e forte após sua morte. Em Cuba pode-se afirmar, sem
sobra de dúvidas, que há 11 milhões de defensores da Revolução. Quem viver
verá!
Frei Gilvander Moreira

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