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GAMOS
HIEROSGAMOS diário de uma sedução
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Hierosgamos
Diário de uma sedução
Todos os direitos desta edição reservados à autora.
Site: www.noga.blog.br
ISBN 978-85-99822-60-9
07-5000 CDD-869.93
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo trans-
mitida por meios eletrônicos ou gravações, assim como traduzida, sem a permissão, por
escrito, do autor. Os infratores serão punidos pela Lei nº 9.610/98
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Se eu não for por mim, quem será?
Se sou só por mim, o que é que eu sou?
E se não for agora, quando?
Estou aqui, viva. Sou amor, sou energia, sou eu, sou você. Somos parte de
um todo único, mergulhados no oceano coletivo das mentes humanas.
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minha fé nos encontros virtuais: um jeito de conhecer alguém sem sair
de casa, e por email, modéstia à parte, eu me garanto. Escrevo bem.
Me divirto demais com um papo de sedução, não tenho problema pra
me deixar levar. Faço poesia, faço mistério, envolvo. Pena que eu rara-
mente encontre alguém que me interesse, que me inspire, desperte esta
dama da noite que se cansou de espalhar perfume à toa e foi dormir...
em cama de solteiro, na casa da mamãe. Me conformei com a solidão,
verdade, pelo menos enquanto ela estiver viva. Por mais que eu pense
não vejo outra saída, até parece que desisti precocemente de viver...
Mas esta tarde, afogada no spam do JDate, resolvi dar uma circulada
por lá. Injetei o marketing agressivo deles na veia do meu desânimo,
só pra arejar... e dei de cara com um candidato bem bonitinho, aqui
do Leblon mesmo. Dei um alô pra ele online — sem me associar — e
desliguei. Será que vai ser amanhã? Meu dia de Meg Ryan? Boa-noite,
mãe. Boa-noite, Noga.
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1. Encontro
Segunda-feira, 15 de novembro
Apesar do feriado, acordei cedo. Antes de sair pra correr ligo o com-
putador, só pra baixar emails. Opa! Tenho mensagem do JDate! Mas
não custo a descobrir que pra ler preciso gastar 35 dólares, pagar pelo
mês inteiro de uso. Hesito... meio cética meio seduzida pela esperança
— fraquinha — de melhorar o futuro... Gasto? ou não? Decido arriscar:
digito os dados do cartão de crédito e... estou dentro! A ilusão, porém,
dura menos de cinco minutos: o email é de outro cara, um americano...
achando graça no meu perfil insignificante, eu hein?... Além do mais,
fui clara: NÃO QUERO ME MUDAR. Em todo o caso, já que estou
aqui, não custa dar uma olhada no tal de Isaac, com seu nome judeu e
um olhar estranho, meio de banda. Mas de imbecil ele não tem nada:
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40 antes de ter meus filhos... que conferem à minha existência um signi-
ficado profundo: um norte, o centro da alegria interior. As mulheres que
tive foram pintoras, artistas, inteligentes... criativas e brilhantes. Ennui...
o tédio chegando... Tempo de levantar âncora, cruzar o horizonte.
Dou meu email. Não falo quase nada, mas ele se anima:
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— no laboratório de neurofisiologia — dissecando invertebrados, tudo
tão sem sentido... A poesia, a filosofia, a literatura... é que despertavam
meu interesse. Um existencialista: somos o que fazemos... E depois Paris...
Amsterdã... Jerusalém... a vida para se viver, o amor... Conhecer o amor
para conhecer Deus...
Terça-feira, 16 de novembro
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menos sonhadora... a sensibilidade, no entanto, começa a reclamar.
Vou de email mesmo: ontem à noite sonhei que corria, sem parar, no
meio de uma multidão. De repente, todo mundo sumiu, levando junto
a inesgotável energia que eu sentia... Acordei muito bem disposta. Me
conta mais... Je t’embrasse.
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se está nem vivo nem morto, só vagando na névoa... esperando alguma
porta se abrir. E por falar nisso, busquei Katherine Miller no google:
belo trabalho, bela mulher. E daí? De minha parte, mesmo meio quie-
ta, continuo procurando o meu amante tântrico...
Quarta-feira, 17 de novembro
“Oi, Alan”: benditas palavras! Faço uma idéia de como era bom,
morar na Califórnia nos anos 1960, 70. Nossa base cultural estava lá, e
até mesmo a magia oriental chegava a nós através do filtro da cultura
americana. O Brasil penava sob a ditadura, e o descompasso era gran-
de... Pra assistir a bons filmes, ou peças, ou ir a concertos... só viajando.
Tudo era censurado aqui! Pra classe artística, pior ainda. Enquanto a
América cantava nas ruas a liberdade de Hair, a gente mal podia se
expressar, sem internet nem nada... você sabe (risos). Bem mais tarde,
em 1994, me envolvi aqui no Rio com um “xamã urbano” do Novo
México. Comecei como intérprete nos workshops dele, trabalhei com
ele em Santa Fé. Influenciada pela estética indígena americana, criei
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jóias usando couro, dentes, chifres — símbolos animais. Quis me mu-
dar para os Estados Unidos... mas não tive uma oportunidade boa. Eu
diria até que as minhas memórias mais fortes, emocionais e espirituais,
estão em inglês... É por isso que a língua sai fácil, ainda mais pra expres-
sar sentimentos, impressões. Ouvi-lo falar, direto da fonte... nossa! Curti
demais. Os anos 1960 foram de enlouquecer, ele conta: mind-blowing
magic. Por 40 anos tentou entendê-los... do Taiti, do Pacifico Sul... até
o meio do mato. Trabalhou com grupos de terapia, foi ator... Aprendeu
a ler a mente... sentir o que não era dito... Viveu nas entrelinhas, evitou
a loucura. Adora os filhos: São minhas obras primas... Me dei ao luxo de
passar o tempo inteiro, todo dia, nutrindo a existência deles... A primeira
palavra do meu mais velho, em Waikiki Beach, foi: uau! Conta que en-
sinou a eles fidelidade a si próprios, a nunca ceder... nunca fazer nada
que os obrigue a mentir. Tanta gente não vive a própria vida... passa
pelo mundo sonhando... separada de si pela ilusão da existência. E meu
retrato no JDate, ele quer saber: é recente?
Sexta-feira, 19 de novembro
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às vezes, atualmente sans barb. Fala do trabalho e do padrasto dos filhos,
um cientista de foguetes de Michigan que leva os meninos pra caçar.
Prefiro homem sem barba, detesto caçadas e militares. Tu me plaît, ele
me escreve, mas não gosta da jóia que mostrei, mais parece um sino
de vaca: não deu pra ver as pedras... e o peso? 25 gramas, só para vacas
bem ricas, e nem barulho faz... gostei do fio de couro... e as pedras, são
móveis? cravadas num chatão? ou num pedaço de charneira? é, pesada
demais, com imãs e uma placa inoxidável dentro. Fiz a peça — me jus-
tifico — antes de descobrir que o melhor jeito de usar imãs é explorar
a atração entre os pólos... a vida é pesquisa, descoberta, evolução. As
pedras que escolhi – há quem afirme – atraem o amor, a alma gêmea.
Quanto ao serviço militar, ele explica que o filho tem uma bolsa
de estudos de 40 mil dólares na marinha, e pela frente uma carreira de
engenheiro hidráulico de aeronaves. Comenta que os jovens america-
nos costumam dar trabalho, arriscam a vida; a marinha oferece prote-
ção. Se o Daniel resolveu ser piloto, que Deus o proteja, tomara que ele
se dê bem... na verdade não prestei muita atenção... Não é piloto, ele me
corrige: é aviação naval. O ambiente da caça é essencialmente masculino,
eles comem a presa... não era minha intenção te causar repulsa... Lembra
que sou vegetariana, e diz que gostou da foto. Pede pra eu baixar o MSN,
fica poético. Fala do sol, da brisa fresca e de promessas, de Aquário... É
o signo dele, e eu fazendo o maior esforço pra evitar o assunto! Alan!
Cadê a foto? Quantos anos você tem? Sou xamã, meu querido, entendo
o aspecto sagrado da caça. É mitzvá aproveitar todas as partes do animal,
mas se for pra comer, prefiro ser vegetariana. Quer provar o meu cardá-
pio? Ah! Mitzvá. Ele fica contente com o termo judaico.
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rubasse com um raio... mas sobrevivi, e mudei de opinião a respeito
(de Deus). Não curto religião, mas aceito acender uma vela de vez em
quando, tomar um banho de imersão bem quente com você... celebrar
o sagrado, santa vibração amorosa. Sim, temos muito em comum. Não
é que eu confie em astrologia, é mais como diversão... uma boa e bela
fonte de pensamento simbólico, Alan: me manda logo os teus dados.
Como nunca tive filhos, arrisco dizer que minha obra-prima sou eu
mesma. Sendo uma mulher passional, vivi intensamente; estou equi-
librada agora, levando uma vida simples, mas com princípios firmes.
Acredito, como ele, que só pode ter sucesso um relacionamento entre
pessoas fortes, independentes, querendo compartilhar tudo. Sou cora-
josa, muito transparente (uma opção difícil, às vezes). Em janeiro faço
53, e apesar de nunca sair bem na foto, pareço mais jovem do que
realmente sou. Muito ativa e saudável, flexível, sem botox nem silico-
ne, e muito menos chumbo na cabeça (por causa da tintura, entende?
— afirmo, meio séria meio de brincadeira — deve ser por isso que os
homens são mais inteligentes...). Tenho um corpo agradável, quente,
tratado com carinho, e planejo viver até os 150. Não consigo que ele
fale de si próprio: não do Alan-de-Waikiki, nem do Alan-pai-de-dois-
garotos, Alan-ex-pintorafamosakatherine, mas do Alan hoje, Alan fora
do limbo, se permitindo ser feliz: segundo capítulo de Alan. Procurá-
vamos um relacionamento, mas nem tanto... Acreditamos ser possível
encontrar alguém, mas será que existe? Apesar de hesitante, feliz ao me
descobrir assim, pronta pra sonhar, recomeçar, me animar: disposta a
amar de novo, a ser intensa e inteira de novo, outra vez me sentir muito
viva. Te amo, Alan. Ok. Pronta pra teclar.
Sábado, 20 de novembro
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nada saudável. Quer mesmo saber? Sim, continuo casada. Judeu prati-
cante é meio chauvinista, não? Mulher não vale grande coisa... o divór-
cio é até permitido, mas é tão doloroso, complicado e caro... e ainda por
cima, não tenho a menor idéia do paradeiro de ex-marido, pra pedir que
assine o (des)compromisso. Olha aí um bom motivo pra ser contrária
à fé, às tradições... Como a cerimônia não teve efeito civil, sou legal-
mente solteira, ou melhor: divorciada do primeiro marido, uma vida
muita longa pra contar em meia dúzia de palavras. Ele me conta que é
místico, na tradição dos essênios... peregrinação a Israel? Só em último
recurso... o ritual resulta em consciência — é ele quem diz — e os to-
tens judaicos são tão bons quanto quaisquer outros, olha o exemplo da
estrela-de-davi, essencialmente o yin e o yang na solução dos opostos...
E por aí vai.
Sinto muito que ele não esteja online agora, querido Alan...
Concordo com ele em tudo... nada a acrescentar. Acabei de assistir
ao “Antes do Pôr-do-Sol” e chorei um bocado... Me identifiquei um
pouco com o moço, um pouco com a moça — totalmente dona de seu
tempo — moradora, como eu mesma fui, de uma casa très charmant...
A diferença é que, pensando bem, no meu passado não existe ninguém
assim, que eu sonhe em reencontrar, ou que tenha significado tanto
a ponto de eu sentir que a vida pra mim parou ali. Tudo o que quero
são momentos inesquecíveis num futuro próximo, hoje, agora... E acho
isso muito bom. Meu jeito de ser mística é ter deixado pra trás muitas
linguagens: uma opção espiritual meio hesitante no momento... Não
sei bem o quê, ou onde procurar... Então o encontro par hazard, e co-
meçamos esta troca... estou contente, e por enquanto basta. Espero te
encontrar online nas próximas horas, meu amor...
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Segunda-feira, 22 de novembro
Cara Noga: espero que esteja bem, soou meio triste neste último...
chorosa... solitária. Sei bem do que está falando... Li o artigo que você
me mandou sobre Deus, genética e crença... Deixar o intelecto de lado
— através de meditação e disciplina — é, como tudo o mais, um aprendi-
zado... A tendência a se preocupar com isso, sim, é certamente genética...
como a inteligência... Cada um experimenta a consciência de Deus do
jeito que pode, do jeito que dá. A vivência mística... como parte da para-
fernália humana é rara, e por isso o xamã, o tzadik... o assombrar-se... o
suspender-se a mente... o despertar-se o ser. Ansioso por teclar com você
no chat, como é que se faz?
— oi!
— meu Deus, Noga, as maravilhas da comunidade intelectual no
Vale do Silício!
— incrível...
— no fim de semana senti sua falta, Alan.
— fiquei fora do ar... trabalho e tudo mais... mas aqui estou, nesta
brilhante segunda... comparecendo de manhã cedo.
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— tem algum tema em especial ou é só o relacionamento? no
gênero filme noir, meio depressivo, mais para o bermaniano?
— não, depressivo não... é forte, romântico, cheio de luz. com
um final profundo, mas feliz.
— bergman, não berman, desculpe... não sei se vou ver, mas mes-
mo assistindo (a não ser que seja um suspense ou um policial) quero
saber o fim agora... profundo... sempre gosto do profundo... a vida é, na
maior parte do tempo, como um inseto esmagado: sem profundidade
nenhuma.
— há certamente um tema, Alan, e você? gosta de cinema? além
de policial? ou de suspense? eu adoro, mas já vi todo o Bergman que
merecia... e desisti de Fassbinder pouco antes dele morrer.
— sim, sou grande fã, voraz... gosto de bom cinema... por volta
de 68 escrevi o roteiro de alguns filmes, até me ofereceram emprego na
escola de cinema da UCLA... mas eram os anos 1960, e por isso... em
vez de aceitar, fiquei morando num barco em Sausalito.
— e curtiu muito? filmou a experiência?
— qual? SF? só na memória... a vida em si já era um filme...
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ca... parece tão estranho, Noga, trocar o espaço virtual da mente pela
realidade da carne...
— e você prefere o quê? tela ou carne? de qualquer jeito pretendo
viajar, alugar um carro, sei lá... os vôos já quase lotados e eu adoraria...
te encontrar.
— vou ter que desligar daqui a pouco... mas sim, prefiro a reali-
dade à ilusão.
Terça-feira, 23 de novembro
Minha querida Noga, não quero nunca te fazer sofrer... É fácil para
mim te amar... mas ao fazer amor... quem é que vou tocar, vou beijar? A
tua carne eu já não sei... que corpo é este teu? Será como a figura leve
e magra que imagino, ao olhar tua foto no site? Me lembrou tanto essa
pintora marroquina que amei, em Israel, 1/3 de século atrás... Ou bem di-
ferente? (a Katherine é corredora, uma esportista) Posso me comprometer
conversando, amar tua consciência, a velocidade da tua mente... Mas se
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eu não for capaz em pessoa, devido ao meu agudo senso estético crítico...
arrisco a síndrome de “menos que uma mosca que eu não pude amar”...
E não, não quero me responsabilizar por isto.
Como é que ele sabe que não sou magra nem leve? Engraçado é
que eu já disse que corro, tudo bem: uma atleta da terceira idade, não
mais que dez ou 12 km por dia, nem tanto uma velocista (risos). E sobre
fazer amor... já não falamos disto? Do amante tântrico? (no perfil dele,
foi o termo tantra que me atraiu) Talvez a gente acabe nem se topando
— eu disse topando, não tocando, mas claro que quis dizer trepando
— embora os corpos, isso eu garanto: vão se amar tanto quanto as men-
tes. Mesmo que eu só tenha visto dele uma foto mínima, e ainda por
cima de barba. Quanto a mim, com certeza, sou melhor in vivo do que
in vitro, e uma amante fogosa. E ele? Como é que poderia se compro-
meter (ou não), sem sequer se arriscar? Se enlevar? Ou se decepcionar?
Sei como ele se sente. Para amantes virtuais, tais obstáculos são mais
do que normais, quer dizer, nem tenho tanta experiência assim: troquei
emails poéticos certa vez por mais de um mês; quando finalmente en-
contrei o cara... chegamos a ir pro motel, mas fiquei com vontade de
vomitar e tive que ir embora. Apesar dele mal ter me tocado, me senti
suja por vários dias. Um outro rapaz que conheci online me pareceu
interessante; marcamos encontro num restaurante... mas ao vê-lo de
longe eu já quis sumir, bem. Foi um papo rápido, doloroso... e tchau.
Acabei desistindo, apagando os perfis todos (mas como boa capricornia-
na... insisti nunzinho só...). Por outro lado, com meu ex-marido Marcos
a história foi outra. Voei duas horas, muito nervosa, para conhecê-lo, e
quando pus os olhos nele... foi amor à primeira vista (depois do amor
ao primeiro email). Na verdade, nunca acreditei que fosse possível en-
contrar alguém legal nesses sites de namoro, um lugar pra gente chata
e cafona, não pra mulheres de grife como eu (risos). Mas se acabei aqui,
por que não ele? E como o Alan nunca... nunca encontrei ninguém tão
similar a mim...
— Alan, te amo... Com mais tesão ainda do que antes (risos). An-
dei fazendo as contas... quantos anos você tem? 57 não fecha mesmo,
confessa, anda!
— tenho 60.
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Todo mundo tem segredos, não? Quanto ao encontro, não quero
que ele se preocupe: vou ficar no hotel, e ele aparece se quiser. Ou
posso visitá-lo em St. Augustine... praquele almoço tranqüilo com jazz
que ele sugere no perfil. Assumo a responsabilidade por tudo, até por
nós dois; quanto a não gostar dele... bem, querido, vou te dizer: duvido.
Considerando, é claro, quem me escreve... TENHO que arriscar, ou
nunca mais vou dormir em paz.
Minha cara Noga, que segredos você tem? Pensei que não tínha-
mos escondido nada... Sim, despertamos um ao outro... mas vontade de
vomitar... tenho que rezar pra isso não acontecer. Posso te amar, fazer
amor com você em prosa e verso... mas ao vivo, qui est toi? “Tenho um
corpo quente”, quer dizer o quê?
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pra mim? mas se eu levanto peso todo dia, meu amor... sou forte à beça,
e ando louca pra sentir teu braço em volta de mim. sai tão natural o
amor em inglês... como se eu tivesse nascido pra isso.
— sim. é de paixão que falo, e de mente. morar no Rio não, não
moro: é aí que bate o ponto.
Sei tudo sobre a paixão: “Nancy costumava estar bem viva, cultiva-
va a paixão como um poço entre os seios”, então como e quando, Noga?
É o encanto do virtual, e eu não faço idéia... Muito pouco, frente às pos-
sibilidades do universo... Quanto à relação entre o descrito e o físico, a
passagem do ideal (a palavra) à sua manifestação: é o que se chama vida,
pelo menos deixa eu ver uma boa foto.
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estrangeira... improvisando numa língua estranha. Sem poesia, a vida
é nada... ars poetica — ele diz — e quanto aos perfis cretinos, foi num
deles que te descobri, e ao teu sabor erótico. Só mesmo você, Alan, pra
adivinhar a essência num texto daqueles, impaciente, totalmente sem
fé... mas sutilmente revelador.
— e expresso ali para quem lê, qual asa em cor de rara flor...
— oh, Alan, me ouves rir, de puro prazer? mas diga... você real-
meeeeente viu tudo isso assim, logo de cara?
— é claro... ou por que me incomodaria? agora tenho que ir,
querida, me digas tu adeus... pra que não me julgues rude...
— tá certo, meu bem. uma bela, maravilhosa noite pra você.
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— é querido, mas em linguagem simbólica, e ainda por cima
com metáforas... não é nada fácil. o português é uma língua rica, como
o francês, mas brincar com palavras, em múltiplos sentidos... é outra
coisa. além do mais, não escrevo poesia há tempos... só mesmo apaixo-
nada.
— é este justamente o ponto: simbolismo e metáfora excedem a
gramática. se a linguagem do corpo é bem mais simples, a mente no
entanto inclui tudo, e evolui sempre como um ser em si, não mero
pensamento... o ser intrínseco é conectado ao eterno, e o instinto, mul-
tidimensional... a arte em si contém os significados todos, planejados ou
não... fazer arte é ser capaz de perceber a arte... é no espontâneo que
repousa a perfeição da existência. esqueça então a mente, que percebe
e pensa... e deixe a emoção falar. encontrar o ritmo pode ser duro, pra
não mencionar um significado simbólico, que faça justiça ao original.
— sim, motek, com certeza tua percepção não é rasa. falávamos
de traduzir poemas, lembra? ritmo é básico sim, serás capaz de acom-
panhar o meu?
— sim, te acompanho e você a mim... sou rápido. não creio que
rima ou métrica resistam à tradução do portugês... conserva-se no máxi-
mo o sentido original. verbalize então o ímpeto, e evite o pensar... deixa
o eu falar sem censura, e veja onde vai dar... em poesia, eis onde! o sen-
tir tem um ritmo próprio, imposto à linguagem propriamente dita.
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será que eu consigo adormecer? Nas três primeiras noites não deu, de
jeito nenhum. Pra dormir, digo, e eu nem sabia bem porquê, já que mal
o conhecia... A intimidade tem disso, uma energia especial, a mente
aberta que é do tantra... o universo fluindo através de nós... Ai, pára,
por favor — ele pede — não vá perder o fôlego. E ele, será que se sente
assim, cheio de energia? Mesmo praticamente insone, nunca corri tão
bem... nas primeiras noites, quero dizer... como no sonho, correndo
sem parar e não me cansando nunca.
— sim, querido... pode vir, nunca transei online antes, e você? faz
sempre sexo pela internet? pelo menos dispensa a camisinha...
— que lindo... uma adulta... eu não, na internet nunca... só estive
com Katherine, e mesmo assim por alto... não, mas se me sinto íntimo
de alguém, em qualquer mídia continuo me sentindo íntimo. sou capaz
de intimidade e pronto. manejo bem a língua, o toque, e você tão próxi-
ma, desejando tanto, sem medo nenhum de se relacionar...
— é... a intimidade é rara... passei por dois maridos e nunca tive...
sou temida, geralmente incompreendida, mas com você, tão parecido
comigo... não tenho medo de soar estranha. quem mais perderia tem-
po, trocando poesia na internet? voltemos aos lábios... quase sinto no
arrepio do braço o teu impulso elétrico...
— já faz tempo que não faço amor assim, tão completamente...
quem me dera beijar-te, pressionar o corpo contra o teu, escorregar por
entre as tuas coxas corpo adentro enquanto me agarras com força... mo-
lhada, apaixonada... beijar-te os seios, teus mamilos duros... que cheiro!
que braços! que pernas! trançadas nas minhas, que gosto o teu, a tua
língua úmida...
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— emocionada demais, Alan, e como te toco... com que doçu-
ra, te amando lentamente... rompendo o silêncio, somente os sons do
amor... horas, querido, te adorando, tua pele colada na minha, brincan-
do com teus pêlos, os de cima, os de baixo... úmida só de te ouvir.
— sim... horas... lindas palavras... respirando juntos, a carne mo-
lhada e quente, meu pau crescendo quando penso em ti... e se eu en-
trasse agora? ahhh... darling Noga... eu gozo em ti. a gente escreve bem
o amor.
— nossa, Alan! e como foi que isso aconteceu? me explique, tão
de repente!
— achei que estava ali pra mim desde o começo... ou não? quan-
do li teu texto e era poético... sobre a pele e tudo o mais... me conectei
contigo intimamente... você nunca falou de amor? poética assim com
outro?
— ora, meu amor, só rindo bem alto agora, e de puro gozo, você
quer dizer o quê? ali pra você? se até hoje eu era virgem... virtual, digo,
até você me deflorar na tela! poética sim, raramente... já imaginei um
encontro de almas antes, mas explícita assim nunca...
— pouco se fala do ato de amor, de comunicar o amor... claro e
sem pudor... a inteligência... como eu amo a inteligência, estou indo,
falamos amanhã... te amo.
Quarta-feira, 24 de novembro
29
coberta por ti) é como encontrar um brilhantinho mínimo nas areias do
Saara. Estou deslumbrada com a minha sorte.
e eis me aqui/ ao fim da longa espera/ em cada par uma sombra/
mero ensaio, pálida cópia de ti. e agora aqui, a fonte/ pródiga fonte dos
teus sumos doces/ onde mergulho, brinco, me deleito/ inundando o
peito do prazer de ti/ vasta terra prometida.../ tão ternamente almeja-
da.../ já não sonho mais, amor/ não desejo nada mais...
Contigo, minha vida é música: eis aí outra boa razão pra que eu
te ame tanto.”
30
— sim, seis. talvez tenha sido às sete e pouco, me parece bom.
me conta logo o que você descobriu, de quais estrelas descendo eu?
desembucha, mulher: com que linhas marca o céu deste mortal na
terra a rota?
— o teu mapa, deixa eu te falar, querido: é chocante. não sou
astróloga, nem dou bola para análises. como designer, gosto de observar
o padrão do desenho, e o teu é raro: uma pipa, uma não, duas, uma em
cima da outra, quer ver?
— parece interessante... vou ter que sair daqui a pouco.
— e volta ainda hoje? interessante não, meu filho: chocante, ma-
ravilhoso, só pra confirmar o que eu já sei. marquei o vôo.
— em duas horas, mais ou menos... ainda tenho email, sabia?
— certo, querido, você me ouviu? no dia 28 te encontro em Or-
lando... ou posso dirigir até chez toi...
— acho melhor não, no lobby do hotel está bom... moi, toi, nous.
ando cheio de sumos, com um tesão estranho por tua mente, por sim-
ples palavras... e o corpo, como é que fica? tanto pra fazer, tão pouco
tempo... a gente se fala.
— vai com Deus, meu amor, au revoir.
Caro Alan, você desligou meu senso de tempo: eis aí outra boa ra-
zão pra que eu te ame tanto. Não deu duas horas e ele já de volta, nem
tive tempo de sentir saudade. Me pede desculpas, não quis atrapalhar...
Mandou uma foto, e sem barba, como eu pedi... peraí, abri o arquivo
de cabeça pra baixo, não consigo virar... vou ter que imprimir, mas já
vou dizendo que gostei, é recente? Muito cabelo, e esse aí do teu lado,
quem é? Daniel? Bem mais alto que você, não? Um metro e 67 e eu,
um e 54... acho que combina. Parece bronzeado, vai sempre à praia?
Taí uma diferença, sou bem branca e não gosto de sol. Pergunto se ele
é sempre assim tããão sério. Noto que o olho direito parece estrábico,
esquisito... Será que ele enxerga bem? Vai me ver com clareza?
31
— tenho uma diferença de visão entre o direito e o esquerdo, este
sendo o preferido do cérebro enquanto aquele se satisfaz em ser indife-
rente a tudo, ambos com visão razoável 20/20, 20/30 corrigida... já que
levam vida independente. as imagens são essencialmente as mesmas,
a profundidade de foco é que varia... vou te ver muito bem, tão nítida
como uma pedra, St. Augustine é sim, na praia, o tempo todo no sol...
dirijo com o teto aberto... ah, a gravidade na face... geralmente acho ser
fotografado um desafio sem sentido...
32
— seria bom, costumo sorrir ao fazer amor... a beleza sempre me
faz sorrir.
33
Quinta-feira, 25 de novembro
Sexta-feira, 26 de novembro
34
destilo o mel em teu ouvido...
enquanto me arrisco, a unha pelo peito
vela fria que aporta emoldurando
em tua ilha: eróticas promessas
Sábado, 27 de novembro
Domingo, 28 de novembro
35
GADA a me tocar (lamentando o vazio da ausência dele), ou não con-
seguiria nem adormecer. Depois do orgasmo, dormi calmamente um
par de horas, como é possível! Esse tal Alan é o melhor amante que já
tive, apesar de jamais ter me tocado... Eis aí outra boa razão pra que eu
o ame tanto. Finalmente, mandei mais fotos. Fiquei ansiosa pra falar
com ele, que sumiu por mais de quatro dias: só recebi alguns emails,
e mesmo assim, bem breves. Fiquei desapontada, depois triste, depois
com raiva, até desistir de vez... da raça humana masculina.
Segunda-feira, 29 de novembro
36
— muito rápido e muito discreto, ninguém vê... sou ascético. te-
nho um arquivo no hotmail, acredito que é seguro... rezo para que seja.
agora estou numa biblioteca rural, usando uma máquina de última ge-
ração. posso falar por horas, sem ser interrompido.
— bem, deixa eu me preparar pra horas, estando em casa tenho
mais conforto...
— o que foi que você disse? nunca fez isso antes? corresponder-se
com um amante virtual, manter um relacionamento à distancia? des-
culpe, Noga... sinal de nossas habilidades literárias e mentais... tradu-
zindo assim pensamento em texto, você tão honesta na emoção... de-
monstra sanidade, sim, te amo. soa absurdo, mas é o que você desperta
ao interagir comigo. no ritmo que a gente está indo... quero te despir,
me deitar contigo... bonita em palavras, evocando paixão... adoro a tua
boca, gostaria de abri-la e mordiscar teu lábio...
37
meio da aula, me veio à mente o primeiro verso, e em francês. conti-
nuei na esteira, tentando memorizar o resto. foi como se o texto inteiro
já existisse, e eu só tivesse que registrar.
— sério? correndo? e você sonhou que corria... parece ser o tom
da nossa relação, a corrida como metáfora dela. sim, o caminho existe,
e nós chegamos lá.
— você acha que nos precipitamos? que eu deveria ser mais caute-
losa? penso nisso offline às vezes, mas quando se encontra quem professa
os teus valores... passou pelas mesmas experiências, tem um jeito similar
de reagir... uma mente superior, alguém evoluído e desperto... a emo-
ção vai além das palavras. às vezes é melhor que sexo, acredite, apesar
de sexo ser incrível. compartilhamos o espaço, e a geração que quebrou
todas as regras: pesquisou a fundo o eu, despertou para a consciência.
— é, Noga, bravo. parte de nós sobreviveu... é raro pra mim en-
contrar quem me acompanhe, sim... você me envolve... sexo incrível?
em geral ou o quê?
— o nosso, bobo. de volta ao ascetismo: tudo que eu tenho cabe
dentro de uma malinha, com exceção de um computador velho, grande
demais pra carregar. agora que sou simples, me sinto bem mais livre.
— eu também... faz tempo que não me preocupo em possuir
coisas... quando havia casa, família e tudo o mais, eu tinha um piano
enorme... um jipe, um camaro novo... não dou a menor bola agora.
— e você toca piano? mora em frente ao mar?
— não... eu costumava criar música com os meninos, improvisar
um pouco. toco um violão clássico... mas desisti disso também. se de-
cidíssemos morar juntos, precisaria ir às compras... moro num garret...
quarto e sala de frente, todo envidraçado... numa velha construção vi-
toriana de 1912 — como a maioria das casas em St. Augustine — a três
quadras de um antigo castillo espanhol à beira-mar. sim, eu teria que
pensar seriamente em fazer dinheiro, poderia dirigir um táxi... tipo um
sidharta, transportando passageiros de um lado para outro do rio. no
andar de baixo mora o dono do prédio, um velho surdo que conserta
cadeiras de ratan, posso ligar o som sem me preocupar com o volume...
trabalho dois dias por semana na loja, e vendo uns mil dólares por mês
no atacado.
— garret? ah, sim (dicionário rápido), quer dizer sótão, gostei.
não te vejo dirigindo um táxi, Alan. tenho alguma grana, e um bom ne-
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gócio virtual... mas em dólar não dá grande coisa. por que você vendeu
a loja?
— a do Havaí ou a do meu irmão? em princípio ofereci sociedade
a ele, que na verdade não queria fazer nada... mas depois perdi o inte-
resse, era demais pra mim.
— também já fui empresária, tive várias lojas, 50 empregados,
franchise e etc. sofri um bocado pra fechar tudo, mas estou bem melhor
assim.
— uau... os empregados é que te matam... o que aconteceu?
— bem, o Brasil é, ou era... um pouco instável, pra dizer o mí-
nimo. sucumbi a uma dessas crises, política, econômica... fiquei depri-
mida, e não deu pra continuar. o que lamento é não ter tido a força de
vender a empresa inteira, pelo valor da marca... fragmentei, fui venden-
do loja por loja, acabei completamente sem dinheiro.
— é, Noga, eu entendo... faça tudo de novo, merde... é coisa
demais pra você... a vida pode ser bem mais simples, tira a roupa e vem
pra cama.
— quem me dera, amor! você sabe que sinto às vezes teus bra-
ços em volta de mim? não, não quero fazer tudo de novo. você gosta
de dormir junto? de fazer amor de manhã? literalmente dormir, digo,
vamos manter o sótão. deve ser bem charmoso, e sou criativa, ótima
decoradora. já fiz móveis até do lixo e a gente não precisa de muito...
melhor deixar o espaço livre, pra nosso amor preencher.
— gosto sim... de dormir dentro de ti... acordar contigo, respirar
em teu corpo o calor da manhã. St. Augustine é uma comunidade de
artistas bem transada, mas meu garret... eu não diria que é charmoso.
se eu jogar os móveis fora quem sabe... e comprar novos, pintar o apar-
tamento... mas um ex-caso meu mora aqui perto, tem duas casas bem
aqui atrás valendo, provavelmente, 1/2 milhão cada. ela está no Havaí
agora, vai voltar no dia 10... era amiga de Katherine, e compensou o
vazio quando nos separamos. não somos amantes há mais de um ano,
mas Rosemary ainda me vê como propriedade dela... seria estranho... é
uma cidade pequena, todos se conhecem. vamos procurar um lugar na
praia... esperar o encontro, ver se dá tudo certo, se a gente se gosta... se
haverá consistência entre realidade e sonho.
— no seu perfil, você disse que estaria pronto pra se mudar...
então, gostaria?
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— claro... não sou apegado à geografia...
— já me mudei muitas vezes... não que eu seja exatamente nô-
made, mas andei pensando. é claro que, por enquanto, não passa de
teoria: só viajando nessa de planejar casa... brincando com a idéia de
vivermos juntos, além do mais, foi você quem começou.
— não seria bom? Deus, te amar... me virar de manhã na cama,
e te ver nua comigo... rolarmos juntos fazendo amor... não seria o má-
ximo, se fosse real? se a gente realmente combinasse? química é uma
coisa estranha, Noga... mulheres tendem a gostar de um ninho, não é?
é emocional, biologicamente difícil sair dele... tuas frases ficando cur-
tas... estás cansada?
— não, Alan, nem um pouco. ao teclar com você, a emoção me
percorre o corpo o tempo todo... o que é que te preocupa, afinal? minha
pele, deixa eu te explicar, não é seca nem úmida. é no ponto, não sou
grudenta (risos). custei tanto pra te convencer... e você ainda duvida?
— é comigo que estou preocupado... te sinto na virilha, Noga,
como uma dor... estou levemente úmido... grudento... e você? tua pele
é normalmente úmida, ou só agora? depois de falar contigo, tenho in-
variavelmente a mais leve emissão... só um pouquinho de secreção gru-
denta.
— não é bem a pele que está úmida, Alan... e você? como é que
sai da biblioteca assim?
— não dá pra ver... mas ontem, ao chegar em casa, notei que a
pontinha do meu pênis grudava.
— ai meu Deus, que calor. vou abrir a janela, volto já. não dá pra
ficar mais tempo assim, sem carícias... o corpo, a alma penetrando...
eu falava da sensação primordial de tocar a pele, não dá pra descrever
a que tipo de toque me refiro. de qualquer maneira, é o amor a base da
fórmula, não? eu gostaria de afundar no teu abraço... poder descansar
um instante só.
— suavidade, sim, a maciez da pele... um leve sopro na superfície
elétrica, eriçada. que bom seria conectar-me assim contigo... perdendo
energia?
— não, querido, fui até a cozinha pegar uma noz. escuta, Alan.
mamãe está muito perturbada hoje, entrando e saindo do meu quarto,
falando sem parar. muito preocupada ao me ver ocupada... sentindo
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algo que não consegue entender. me dediquei a ela por seis anos, mas
no momento estou mesmo longe...
— consumindo o eu... que peso deve ser, seis anos! o fim de uma
juventude...
Russos... Odessa e Kiev. Meu avô, pai de minha mãe, fugiu do tzar
aos 17 anos, subornando os guardas na fronteira. O irmão dele morava
em Nova York desde 1910, e ele se estabeleceu em Boston, teve restauran-
tes. Depois da guerra se mudou pra Los Angeles, abriu uma delicatessen
lá. Minha avó e ele eram bons, gerosos... Quero dizer, generosos. A famí-
lia de meu pai também veio da Rússia... No fim do século 19, fugindo
dos pogroms, meu bisavô — um rabino e fabricante de móveis — veio
para Boston.
Se a gastronomia está no sangue dele, por que ele diz que comida
é remédio? Na minha família não há casos de tragédia ou dor, só pobre-
za, eu acho, na Europa e na Palestina. Nenhuma vítima do holocausto.
Não é que seja remédio, ele explica que cresceu com comida, mas de-
sistiu pelo caminho... A gente come pra se alimentar, e sobrevive com
tão pouco, eu me surpreenderia... Gosto de comer, mas não passo do
ponto: nada de açúcar nem de gordura. Meu pai teve loja de móveis, e
antes disso, de discos. Apesar de tão inteligente, não se formou na facul-
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dade e fez dinheiro na bolsa, no boom dos 1970. Vim pro Brasil com 1
ano e 3 meses, pendurada na cestinha de um DC-9, mamãe me con-
tou. Na verdade nasci no kibutz (ele aproveita a deixa, diz que me acha
très inteligente). É, sem dúvida, boa educação eu tive. Me formei em
arquitetura mas jamais projetei uma casa, desde o começo fui designer
gráfica. Desenhei móveis, jóias, objetos: sempre criando algo. Sei que
sou inteligente, tive oportunidades: boa família, todos apreciam cultu-
ra, música, arte, são bons espectadores... nenhum artista, sabe como é.
Fui famosa, chamada pela imprensa de “vanguarda do Brasil” — ele se
impressiona. Mas a fama não me satisfez, não. Morei numa cobertura,
na verdade em duas, a segunda menor e mais simples. E desistiu por
quê? O dinheiro nunca dava, eu sempre à frente do meu tempo: muitos
clientes sonhando na vitrine, e bem poucos realmente comprando...
Decidi vender o apartamento, ficar livre pra fazer o que quisesse e sem
tantas contas pra pagar... Porque de marido não, nunca dependi. Es-
tive só grande parte da minha vida, já que o grande amor estava por
vir... sorriso. Como se estivesse lapidando o ser, me livrando de exces-
sos. Me preparando pra quando ele chegasse. Ele me acha gentil, bem
a seu gosto, um vexame viver sozinha tendo tanto amor. Ex-boêmia:
muita bebida, noitadas, roupas pretas por um bom tempo (do outro
lado da tela ele veste um suéter preto, de gola rulê: você é uma figura).
Abri dois bares e não uso mais preto, raramente um casaco e é só. Ele
quer me ver vestindo rendas, ou de preferência, nada... Rendas pretas,
querido? Você vai se decepcionar, sou bem básica agora, quer que eu
mude? Roupa de baixo só bem simples, acho cafona figurino sexy. Ele
concorda, a pele nua é mais erótica. Com certeza ele me prefere nua...
tão mais forte que a mera fantasia... você vai ver que mesmo sendo
simples, eu tenho estilo. Sou mais pra branco que qualquer outra coisa.
Branca como porcelana? Assim não, não este tipo de branca. Ele capta
o espírito: uma foto bauhausiana, a luz me parece boa. Se despedindo?
Porque eu... posso ficar aqui durante horas. Pensou que estava me en-
tediando mas não, ele não quer ir, só queria me ver nua... Algo pra se
inspirar, claro, querido, mas não em fotos... Quatro semanas, nem um
dia a mais. Prometo. Três segundas a partir de hoje, ele não me ente-
dia nunca, estou amando esta nossa conversa. Apesar de adorar fazer
amor teclando (uma sensação tão forte), quero conhecê-lo melhor, e
estamos fazendo isto: falando de coisas práticas, da família, do dia-a-dia.
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E minha língua nativa? É polonês? Ou portugês? (ele erra sempre esta
grafia) Israeli? Minha língua nativa é o português. Falo um pouco de
hebraico mas fico tímida, porque associo àquele hábito que as famílias
têm de fazer segredo, conversando numa língua que mais ninguém en-
tende. Francês não falo, mas entendo. Entre nós o segredo é inevitável,
ele diz, as línguas que falamos são muitas: a língua das mãos, a do chei-
ro. Do sorriso, a língua do olhar. E a do beijo, não esqueça o beijo. E a
do toque, não esqueça o toque...
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semente em ti escorrendo úmida, dá pra sentir? teso e molhado, o peito
acelerado? e tua vulva? rubra? intumescida?
— ai, Deus! caramba, Alan. te amo (em bom português, que
assombro!). quer água? bem que eu ficaria aqui, durante dias no teu
abraço. posso passar uma vida, enroscada em você, escutando o cora-
ção bater, delicioso, em tua virilha, o cheiro de sexo: não há perfume
melhor no mundo.
— não pára agora, Noga, me abraça mais. Noga? você está aí?
pensando em quê?
— estou aqui, sim... sorrindo... e mal posso teclar... se eu tivesse
três mãos, faria melhor... nesta última hora, nem um pensamento se-
quer... detesto te deixar, meu amor, mas preciso mesmo ir... durma com
os anjos, querido... me enrosco do teu lado, te abraço... e adormeço.
Ouvi o dulcit som da tua voz... Obrigado por fazer amor comi-
go, foi tão lindo... Te agradeço o fellatio, também foi lindo... Respondo
positivamente à força... e à sincronicidade entre nós, compartilhando a
mente... Bonne nuit, Noga.
Terça-feira, 30 de novembro
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menor... que você vivesse a sua vida, e se divertisse... Como se estivesse,
mesmo sem saber de nada, dando apoio ao meu mergulho... facilitando
as decisões duras que eu tomarei em breve.
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— velha, Alan? do que é que você está falando? sou adolescente,
não vê? me apaixonando desse jeito... eu andava apagada, adormecida,
a vida sem sentido nenhum...
— impensável, Noga... palavra longa, eu poderia gozar em ti no
tempo que levo ao dizê-la... me deixa aspirar teu hálito... adolescente,
eu não passo de 20 e poucos... esperto e forte e muito vivo fazendo amor
de manhã, te devorando... tanta vitalidade comigo, seis anos, Noga! o
que fez consigo mesma? úmida, gozando sem esforço... e a lentidão
enervante das mensagens? sem falar nos erros de grafia, tornando a lei-
tura impossível... falha minha... ou tua... quem liga? minha paixão é tão
mais rápida que esta coisa!
— que sorte, você morar na Flórida! vai todo mundo pensar que
estou na Disney, mas meu parque de diversões será outro, leva tempo,
pode apostar... tão excitados que é difícil teclar, mas como você diz, que
se dane: a vida não é fácil mesmo. se fosse, não teríamos que esperar
tanto, ou quem sabe é aí que está a graça: em ser diamante em vez de
carvão, melhor descansar um pouco... ontem não comi nada, fui pra
cama sem jantar... e preciso me manter saudável, dormir, respirar direi-
to. fazer o melhor que posso até o embarque...
— foda-se a graça, é bem mais forte que engraçado... tão profun-
do... sim, diamantes claros e a cor, perfeita... dormir? mas é de manhã,
não é? tecla, Noga, tecla... desperta sim, a metapausada adormecida...
a velha de 50, a que esperava... do esforço, a vida se encarrega... quanto
custa existir? melhor ser moderada em tudo.
— Alan! já sei o que você quer! outro boquete como o de ontem...
graças a Deus fazemos amor em inglês, não acredito que eu fosse ca-
PAZ EM PORTUGUÊS, SOU TÍMIDA. desculpe as maiúsculas, foi
sem querer... meu dedo escorregou no teclado.
— sim, experimentar teu dedo... a unha... tocá-lo com a lingau...
te comer, Noga, pôr meu falo dentro, meu pau enorme... lamber teus
mamilos, sentir a forma deles... e se você tivesse leite? e eu pudesse
provar-te a doçura? sois mel, tantas reentrâncias...
— pau enorme, uau, nada de leite, querido, ou quem sabe leite
e mel, eretz zavat halav como Semadar, na cama com Salomão... per-
feitamente bela, quase eterna... graças ao meu amante mágico. dormi
com você no cântico dos cânticos, nosso amor ancestral: antigo como o
tempo, Alan, e ainda fresco como a brisa da manhã...
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— és tão poética, apesar de boêmia e dona de bar... tímida, quase
donzela... boquete, que grossura... abre teus sábios, prova a pontinha de
mim... a promessa viscosa de mim, me molha todo... me põe na boca e
dança comigo.
— personalidade promíscua, não? e olhe que nem bebo mais,
mas dançar sim... eu adoraria, Alan, telefone. espera um instante.
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Paul. em todo lugar com você, sentindo o sopro do teu nariz na nuca,
querido Alan, te amo tanto que até dói: na mente, no peito, na cona,
mas não tenha uma ereção agora, seja discreto em público! (só brincan-
do, aliviando a distância.)
— estou rijo há horas, Noga, tão ereto que até dói, me deixa gozar
em ti: sois cômica.
— quero conhecer contigo a tradição tântrica: nós dois na rua
andando abraçados, totalmente nus, mal protegidos por um cobertor...
amantes devotos, em missão sagrada de fazer amor, a mais santa das
religiões, das devoções a mais doce. gritando meu prazer ao universo
inteiro, enlevando o espírito, sim... energia transmitindo júbilo.
— correr-te as mãos pelo corpo festejando a forma dele: face,
nuca, ombros, mãos (você tem lindas mãos), seios — mamilos tão fir-
mes — vértebras... teu ventre e a curva dos quadris, a cona por dentre
dobras, e te dizer adeus, amor.
— certo, também preciso trabalhar um pouco... e onde é que
você vai agora?
— a lugar nenhum... não preciso ir... façamos amor a tarde intei-
ra, querida, você despida em meu abraço... descreve o teu corpo para
mim, da pele à cona.
— uau, amar por horas... brincando no tempo de Afrodite... eu
topo.
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...é grande e grosso... forte... as veias aparentes... bem limpo, um farol, e
a ponta um capuchinho rosado, oito polegadas pegue ou largue... talvez seis,
não tenho régua aqui... mas da base à ponta é um palmo dos meus, do pole-
gar à ponta do indicador, toca o teu grelo e me conta como é... adoraria entrar
em ti, bem devagar, a ponta, a cabeça, você se fechando em volta... e então
lento, bem lento, me retraindo, entrando e saindo e entrando de novo...
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— adoro sim, beijar... e é tão doce por horas... um hálito só, que
imagem linda... coisa incrível, a simultaneidade entre nós, você está
nua? a saia embolada acima dos joelhos? e o suco da vagina, já te es-
corre pelas coxas? e o sol? se reflete no líquido? e eu teso esperando...
imagem linda... a curva úmida da tua coxa... me insinuo entre as dobras
por tua carne molhada.
— bem que eu gostaria, mas estou no quarto, completamente
vestida... não me arrisco a tirar a roupa, e se eu for ao banheiro... como é
que vou teclar? que dilema, sim, o líquido escorre, dá pra sentir a vulva
inchada? brinca com a ponta do meu grelo, primeiro devagar, depois
mais forte, me faz gritar pelo teu pau grosso, por favor, Alan, fica lá bem
quieto, a vagina até a borda, completa... nenhum vazio... só o sangue
pulsando, da cona à testa, o coração disparado atravessando a alma... até
nos dissolvermos um nos braços do outro...
— o tempo parado, na consciência de Deus: hierosgamos. já é
despedida?
— não... mas quero parar... dito isso, percebo logo que estou
mentindo, e até me traindo, já que posso e quero continuar trepando...
maldito texto, pálida sombra das sensações reais, e o teu pau grosso den-
tro de mim, continua teso? é o moralismo, Alan, este fantasma eterno:
não faça isso, é contra a lei desejar tanto, ter tanto prazer... e a minha
calcinha está tão molhada!
— mas se já fizemos, se estamos fazendo... quem liga... alguém
tem que explorar o outro lado da consciência, falar do que não se ima-
gina... é a poesia, transcendendo o real... que delícia a tua calcinha
molhada... fico tão feliz...
— eu às vezes paro, penso... e me espanto: de onde veio essa sa-
bedoria toda? este encontro inesperado, abrindo as portas do destino? e
se você me visse... sorrindo sozinha na rua, como uma louca, resmun-
gando pra si mesma cantando de alegria: Noga in love.
— sim, na cama comigo, que se danem os outros... viver é fazer,
e não observar... quanto ao nosso encontro, é nada mais que sorte... é o
teatro da mente, a poesia da alma... a magia... você parece tão inocente,
às vezes.
— inocente? (apesar de eu ser, sim, quase ingênua, sem armadu-
ras...)
— que ironia... fiquei na dúvida sobre a grafia de “ingênua” e
50
apaguei... em todo o caso, você e eu já transcendemos isso: vivemos nus
um diante do outro, confiantes... vulneráveis e inocentes.
— o prazer que sinto em tudo aumentou tremendamente... e é
tão óbvio, tão evidente, que na sessão de shiatsu esta manhã meu te-
rapeuta dobrou o tempo, acredita? e sem cobrar nada a mais. quando
a gente se encontrar — não tenho dúvidas — a química será tão forte
quanto o desejo virtual. ou mais... pois já conheço melhor o teu pau
duro (risos).
— e eu, tua cona transbordante. você me dá um prazer enorme,
Noga.
— uma sorte a gente morar tão longe, e poder fantasiar assim...
tão deliciosos, ousados absurdos...
— não... seria melhor fazê-los... fosse você o meu amor, parti-
lharíamos a cama... mantém-te fiel, meu bem, que eu volto daqui a
pouco.
— partilharemos, em breve... é isso? você já vai? até logo então,
amor, bom-dia pra você. espero que o teu despertar tenha sido leve, e
bem gostoso (risos).
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ro uma eternidade, fazendo o quê aí? ralentar um pouco o passo, abafar
a paixão... fale mais rápido ou me afogarei, pareces mais câmera lenta!
— e por que eu falaria, querido? se adoro te escutar... e essas juras
de amor que você faz... se acalme querido, me levantei um instante...
fechei a cortina, o sol ofuscava a tela. são cinco e meia da tarde e está
bem quente.
— então me ouça a murmurar teu nome, dançar, fugar, jurar-te
paixão: me pedes eu falo... à nação do teu corpo sim, me entrego, o
fluxo da mente mais rápido que a luz, e onde está você? sonhando?
esperando a palavra, a voz... o ser vertiginosa de ti, a voz veloz, poética
amorosa, qual lento camelo a se arrastar. você sabia que a cada três anos
a rota de vênus pelo céu forma um pentagrama? eu aqui esperando
e você frenética, no afã de traduzir... como a neve derretendo-se no
inverno.
— me apresso a seguir teu fluxo, ai, corredeira poética, em teu rio
escrevo fluxo, escreves fluxo, Deus! já começo a rir! você acha mesmo
lento? acho incrível o conversar estando tão longe... meus dedos dispa-
ram, em maratona amorosa de sensações do eu. eu não sabia do penta-
grama não. o que sei de vênus é que aparece ao amanhecer, depois no
entardecer, depois some por um tempo mas eu nunca, não vou sumir
da tua vida nunca.
— que merda, Noga, não... eu poderia te ligar, seria mais rápi-
do... a palavra escrita, porém, penetra a alma, a mente, invade o corpo
e faz-se amor... não some não, me deixa provar-te ao cair da tarde... fale
comigo agora, te confessa, ta ta ta dum, essa demora em responder é
insuportável.
— não tenho nada a confessar, você já lê dentro de mim... te digo
tudo, sou ousada, meu amor. se está com tanta pressa, ou tão atrasado,
me diga de uma vez o que sente... vai logo que estou te ouvindo.
— impaciente eu estou, mas é com esta máquina...
— meu querido... a máquina, como nós, faz o melhor que pode...
fomos tão rápido do estratamento à intimidade... estranhamento, digo.
— estranhamento... seres por descobrir-se... implica em conexão
prévia, não? o que você pensa eu penso, és o espelho de mim...
— que grandes, estranhas palavras, Alan. você me explorando e
até me temendo, lembra? ainda bem que estamos abertos, hum. co-
nheço alguém assim (risos), totalmente transparente: ao me olhar nos
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olhos você terá certeza. só sei amar se for completamente... já afugentei
muitos, com essa intensidade toda.
— jura? pura falta de consciência, ou por falsa expectativa... ou
antes cegos, temendo o corpo a corpo. não foi a ti que temi, mas a
mim mesmo. quando eu amo, querida, amo completamente, inteligen-
temente, poética e artisticamente... mas não posso fingir amar... já no
princípio pude ler-te a alma, é assim que sou, percebo... você se abriu,
em todo o espectro em portugês... não tenho dúvidas, Noga, tua ino-
cência é evidente... abre as pernas, me deixa entrar.
— inocência? essa história de novo?
— inocente... articulada... genuína, la vraie pierre.
— nada de falsa, querido, é isso mesmo. consciência é questão
de trabalho, trabalho duro, enfrentar a dor, o medo, monstros e mais
monstros derrotados antes que o príncipe apareça: você. sinceridade
amedontra, opa, teclei errado, sem tempo pra dicionário, o que era mes-
mo, meudeus? que eu ia dizer há um minuto?
— é mesmo, Noga, o quê? quem liga pra isso, se o significado é
claro? sim, conheço bem, a dor de cremar o ser egóico da ignorância, puri-
ficado pelo fogo de Deus, sim... je suis ici... estou aqui por obra e graça...
— consciência expandida é a vontade de ser simples, ascético,
dedicado a uma paixão, seja lá qual for: amor, poesia, beleza. nada de
marketing consumista, me lembro bem, Alan: ser bom, gentil, só fazer
o bem: me impressionou de cara.
— é isso, um sintoma... ser capaz de amar, de abrir a qualquer
um teu eu de amor... consciência é isto. é se abrindo ao amor que se
atinge a graça, paga-se caro pra adquirir a habilidade de amar.
— mas vale a pena, veja o nosso caso, que alto teor de júbilo... e
apesar das limitações, aproveitando as ferramentas disponíveis.
— e que limitações seriam essas? a ferramenta que tenho é você...
ou não teria falado assim, querida, se não pudesse te perceber.
— limitações do teclado, por exemplo. e quanto a nós dois... so-
mos martelo e prego, ou parafuso e chave de fenda, ah! esquece, fa-
lemos de ferramentas mais quentes, não? que se encaixam tão bem
quanto as mecânicas, ou até melhor, só te provocando... pois pegue a
tua ferramenta viva e me monte.
— com prazer, querida. visito as profundezas, com minha ferra-
menta me inscrevo lá... deixo dentro de ti a marca, como se eu tives-
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se estado lá, sim... eu sei... hora de parar, de desnudar. não me refiro
a utensílios, maneira ou meios... mas a ferramentas perfeitas, Noga,
como você, criadas pela própria vida. em ti me expresso, do pensamen-
to à alma. quero pintar, esculpir em ti meu eu, me deu vontade de te
dar um beijo. você me completa.
— quisera ser uma mente em branco, tela virgem pra você ris-
car... somos feitos da mesma massa, mais pra espelho que pra tela, pode
sim, querido, assinar em mim: sou tua obra de arte. minha mão te to-
cando o peito, ou a tua o meu: sinais de amor, linguagem muda.
— e essa borboletinha azul, aí na tua nuca?
— ahhh, era pra ser surpresa... você gosta de tatuagens? bem dis-
creta por baixo da cabeleira, quase virgem, intocada. espera um instan-
te, morrendo de sede.
— quisera eu beber de tua boca, o gosto fresco da tua saliva... mi-
tigar minha sede em teus doces sucos... tatuagem? por que não gostaria?
teus seios me agradam, e também a cona, a alma, a curva do pescoço, o
que é a tatuagem senão complemento de tal beleza... mas no plural?
— ai meu Deus, lá se vai o mistério. tenho o hierosgamos nas
costas, e quatro dedos acima da tíbia direita... um símbolo ancestral de
continuidade: a uroborus, serpente egípcia que come o próprio rabo... e
se excita demais com esta conversa, ficou inquieta e não pude te contar.
feroz... mas doce, Alan, sem veneno, trocando dor por alegria como a
cobra troca de pele.
— é mesmo? e não pôde contar por quê? imagine se me insti-
gasse ainda mais... ai quem me dera, como Moisés apresentar-te a vara,
tornando inofensiva a serpente do faraó... como espero isso... está na tua
vulva, o tal símbolo da fênix?
— imagem ótima, querido, sério, em português eu diria: um a
zero pra você, vulva intocada esperando a tua vara mas não, está no
tornozelo, no ponto chinês da libido. não quis te contar porque queria
ver a tua cara ao vê-la. a cobra, digo. fico imaginando o nosso espanto
quando a gente estiver ao vivo...
— que loucura... deixa eu me tatuar dentro de ti.
— pode sim, meu bem, me tatuar onde te der vontade. vou gra-
var teu nome no meu coração e alma com o fogo de Deus: impossível
de apagar. nossa, viu essa? bateu uma inspiração!
— é, Noga, eu tenho esta habilidade psíquica... uma técnica se-
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melhante ao laser, que penetra fundo apagando as besteiras: elimina os
véus da ilusão e revela o eu.
— ai, Alan. pena você não me ouvir rindo alto, sozinha em frente
à ela, feito uma doida. você é muito espírita, cheio de maravilhas e não
de besteiras. pode usar sem medo o teu laser em mim, sei que não vai
me causar dor.
— espiritual, pena que eu não possa te ouvir rindo alto... sozinha
em frente à tela feito uma doida, já vi que estás limpa, nenhum traço de
artificio ou truque. posso te ouvir pensar, Noga... você se faz visível.
— obrigada por me corrigir, dedos impossíveis hoje. obrigada por
me entender, por meias palavras ou pensamentos pela metade. obriga-
da por me amar e me deixar amar você, me deixar te ouvir e conviver
contigo, e trocar poemas, amor, sentimentos, sábias palavras. palavras
ousadas também.
— obrigado por me deixar te comer, fazer amor contigo, te beijar.
é excitante encontrar alguém tão esperta, criativa e sensual e forte e
gentil. amorosa, então vem. me fode, amor.
— pra cama de novo, é? atraídos... pelo aroma picante do sexo
voraz, tocando o teclado como se a ti tocasse... nem preciso estar onli-
ne, te levo comigo quando saio, te sinto dentro quando durmo, sonho
contigo na ponta dos dedos... toda noite antes de dormir.
— vou ter que desligar, amor. levanta a saia e afasta as pernas,
teclando juntos de novo. morro de fome das tuas curvas, do teu cabelo
macio me acariciando a face, a ponta de teus dedos quem me dera sê-
los... entro fundo em ti, tão profundo em ti, Noga, no centro de ti. gozo
em ti num beijo.
— uau, você sente mesmo isso? ou é só metáfora? porque o fundo
é insensível, mas o resto do canal é tão vivo e esfaimado... o que você
sente, ao tocar meu cervix com a ponta do pênis?
— como se estivesse no centro de ti... gozando direto no útero.
— te sugo a língua, como a cona suga o falo... me deleitando
em teus fluidos (sudos suculentos, eu diria, mas você não deixa. suxos
suculentos. sucos suculentos, droga, impossível. linguagem de teclado
à prova de erros). pra satisfazer minha fome de ti nem mil mãos basta-
riam... mas um cajado só (o teu) é o instrumento perfeito.
— pra isso são meus lábios língua pau, tua cona perfeita, tua per-
feita mente. me come esta noite enquanto dormes...
55
— e se enquanto te como te encontro jantando, em outro hemis-
fério com alguém? seja discreto então, meu amor, por baixo da mesa.
conferimos amanhã.
— imagine, Noga, se te visualizo e gozo... adivinhando a tua não-
revelada nudez... mas ah, qualquer coisa com a saia levantada, isso está
me matando!
— quer que eu peça à Raquel pra trazer a máquina e registrar...
(rindo alto) enquanto me toco, pensando em você? prometo te encon-
trar de saia, em calcinha. sem calcinha, digo, então te imploro, pensa
em mim na cama... sejamos vitorianos, baby: você me fode com a men-
te, eu supervestida, coberta da cabeça aos pés.
— então boa-noite?
— é, querido, vou ter que ir... mamãe me chama: perdeu as cha-
ves dela dentro de casa... como eu a sanidade dentro de você. falo con-
tigo amanhã.
Quarta-feira, 1o de dezembro
56
o nome dele. Neste momento ele veio por cima e me penetrou com o
pau duro dele. Ficamos ali nos movendo juntos, fortemente atados um
ao outro, as mãos dele na minha bunda, meus braços no pescoço dele
mexendo e arfando até que gozamos juntos, num único gemido, nosso
jorro de júbilo preenchendo o cosmo, o mistério compartilhado como
nunca antes. E mais não digo, Alan, je t’aime.
— olá, Noga... já estou teso... teu email foi notável, comecei a fi-
car vermelho... como se eu de repente estivesse nu... palavras proféticas,
Noga. nosso amor é elétrico, sensitivo... fecundo.
— que teste, hein? receber um email desses na biblioteca... esta-
mos (eu estou) ficando cada vez mais doidos. li um artigo sobre o tantra
hoje: não se trata de sexo, mas de expandir os limites, elevar a consci-
ência (o sexo sendo, apesar de tão poderoso, apenas um dos caminhos
praticados), e você? dormiu bem à noite?
— eu não vou dormir bem... nunca mais.
— hoje é primeiro de dezembro, e dezembro é o nosso mês...
pesquisei o mapa da Flórida, fazendo planos pra chegar em Tampa, às
8:40 do dia 28. tenho me esforçado pra manter a rotina, mas a verdade
é que estou impaciente, Alan, contando os dias, levando comigo a tua
energia onde quer que eu vá. meu email pode até soar como peça suja
de literatura, mas apenas descreve o que aconteceu. depois do orgasmo
consegui dormir um pouco, umas quatro ou cinco horas.
— pois lendo consegui te congerar, e relendo, vou penetrar na tua
mente ao sentir vontade... é tão excitante... sugadoramente lindo... a des-
crição da vagina é tão evocativa, provocando um tal desejo, uma quase-
loucura. inspirador, dificilmente sujo... profundamente pessoal e belo.
— congerar?
— sim, um tipo de magia... o que os xamãs fazem... assim como
imaginar... (eu talvez tenha escrito errado) sim, conjurar.
— e você, por acaso é xamã?
— não, Noga, apenas um sujeito... com certas habilidades, e mui-
ta imaginação.
— hum. você diz isso, por talvez nunca ter ouvido uma definição
mais ampla: “ser xamã é incrível. você viaja entre os mundos, muda de
forma, resgata almas perdidas. cura, faz magia pura... o único problema
é que tem que morrer antes...” que eu saiba, ambos já morremos antes...
57
pra renascer mais fortes, não? como diria Nietzsche, o que não nos
mata nos fortalece, agora descreve pra mim tua primeira morte.
— como um processo de resgate psiquiátrico? curioso... sim, mor-
ri pela primeira vez há muito tempo, em 1966. eu era Fausto, isolado no
inferno: um cientista vivendo a vida a la Darwin... a sobrevivência do
mais apto... o eu Nietzscheano, sem receber ou dar amor... eternamen-
te amaldiçoado, recém-chegado de Paris às três da manhã, no bairro
de galerias em L.A., você tem que entender... eu estava fora do tempo,
atuando num drama sobre a moralidade da alma... como Abraão levan-
do Isaac ao sacrifício, que loucura! Fausto é amaldiçoado porque está
no ego, acreditando ser maior que Deus... não pode render-se ou ter fé,
um absurdo intelectual. sabendo de tudo isso, me preparo para agir...
desistir do ego (que só existe para a preservação do corpo), desistir do
corpo. meu instrumento foi um carro, em alta velocidade... seria eu
capaz do salto de fé? e entregando o ego me atirei debaixo dele, atingi
a mente de Deus... foi o fim da existência pessoal... voltando a Deus,
à luz... à consciência. acordei no meio da rua com a polícia em volta,
pensei que estava morto... a história continua, mas foi este o inicio do
meu despertar espiritual.
— e a que preço! desistir, no sentido de render-se, é difícil demais
pra mim. nunca consegui “me entregar” de verdade, aparece sempre
um alarme vermelho, zumbindo num cantinho da mente consciente.
não tive experiências espirituais de quase-morte nem coisa parecida,
sendo as mortes no meu currículo apenas psíquicas. mas acho que a
você sim, Alan, eu poderia me entregar completamente... espero que
teu impulso para a morte esteja no passado.
— eu tinha 22 anos, era um racionalista... não passava de um
delírio intelectual, e a busca espiritual que resultou me levou a Israel...
ao território inexplorado... ao centro da tempestade. ouvindo o som do
silêncio, me senti tão grato... quer ver o amor que tenho pela vida? olhe
a foto de Daniel... uma vida que eu mesmo gerei. é o amor, o ato de
amor, são ações baseadas no amor que eu busco há mais de 38 anos... o
niilismo a la Nietzsche não faz nenhum sentido... se o próprio morreu
na cama se confessando, reconciliado com Cristo...
— onde você esteve em Israel? em que ano? (concordo que o
niilismo não faz sentido, a vida é tão poderosa, maravilhosamente cheia
de surpresas.)
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— estive no deserto do Neguev, na cidade de Arad em constru-
ção... logo acima do Mar Morto... em 1970.
— e eu em Sde Boker em 70, pena a gente não ter se encontrado,
e depois de Israel o quê? pô, Alan, você tá lento hoje, o que aconte-
ceu?
— quem sabe passamos um pelo outro, ou talvez tenha sido em
71, sim. em julho de 1971, num programa de graduação que durou
um ano. em 1970, estudei técnicas de encounter com uma xamã no
Havaí... a natureza da emocionalidade... da consciência, analisando o
caráter científico-psiquiátrico dos fenômenos que experimentei. a trans-
cendência religiosa com o LSD é rara, bem descrita nos textos orien-
tais: o fenômeno do satori.
— você tinha tomado ácido, é isso? nunca experimentei nenhu-
ma droga que me tirasse da realidade, apesar de ter tido vontade... não
tive coragem nem oportunidade. foi incrível, no Colorado, entrar na
mente de um xamã por dois meses seguidos... quase fui destruída mas
sobrevivi, dei a volta por cima. foi minha primeira vez compartilhando
a mente de alguém... e agora a tua.
— sim, depois de quatro anos na universidade, na busca faus-
tiana da sabedoria, foi a primeira vez que tomei... ácido farmacêutico,
quimicamente puro. saindo de Israel, voltei aos Estados Unidos e entrei
no negócio de pedras, vendendo rubis e safiras de meus alunos tailan-
deses de inglês... e o que sabemos sobre a realidade? crescemos num
ambiente cultural, limitados pela visão da sociedade... mas existe outro,
fundamental, por trás do condicionamento. li Castañeda... mas decidi
perseguir o misticismo pela ótica judaica... meu tempo aqui acabou,
Noga, vou procurar outro computador. conecto contigo daqui a pou-
co... te amo.
Alan, querido, só pra dizer que sinto tua falta nestes poucos mi-
nutos... enquanto você troca de cenário... te amo. Onde foi que você
me perdeu?
59
te do bem, estar em equilíbrio... um retorno consistente ao centro. ir à
sinagoga regularmente tem bem pouco a ver com isso.
— certo, mestre. mas para uma criança é um bom começo, não?
você falava do misticismo judaico, e eu, sobre o compartilhar xamânico
da mente. meu avô era religioso, freqüentava a sinagoga às sextas... eu
ia com ele e adorava a música alegre, a sensação de festa. passei parte
da vida apreciando os rituais judaicos... mas tudo desmoronou quando
ele morreu. quanto à vivência mística, escolhi me envolver com outras
fontes: oriental, xamânica... já que o estudo da cabala judaica é reserva-
do aos homens (risos).
— optamos pelo misticismo oriental porque o judaico é pouco
conhecido... os hassidim o estudam... os cabalísticos... mas eu, querida,
tomei meu próprio rumo. o caminho que leva a Deus não é um jogo,
é assustador... o buscar-se a Deus não é brincadeira, significa abrir mão
de qualquer superstição: resulta em abalo profundo, inescapável... mis-
ticismo? soa mais como retirar-se numa caverna no deserto...
— Jesus pelo menos ficou (retirado no deserto). esse papo de
Deus é um dos meus preferidos... mas o único deus assustador que
conheço é mesmo o da Bíblia, julgando e punindo o tempo todo. meu
deus pessoal é todo amor, não me dá medo nenhum, já que o amor é o
oposto do medo.
— e os deuses hindus, você conhece? as cabeças rodeadas de bri-
lhantes... são todos criações da mente, Noga, o livro tibetano dos mortos
e tudo o mais. mas no judaísmo... é o ASSOMBRO que é o fenômeno
de Deus... derruba os esqueminhas mentais, te deixa nu no limite da
existência... não é sem razão que se tem tanto medo de morrer. estamos
aqui por pura opção... pratique o equilíbrio e a moderação em tudo...
exceto no amor, chérie. viva espiritualmente, escolha o bem... é do bem
que fazes que prestas contas perante Deus... nada mais... não faz senti-
do uma existência egoísta, autoconsumista... chegar ao fim sem ter feito
nada além de acumular bens... o significado da vida é doar, amar... é
fazer o bem, como estamos fazendo: um perante o outro nus, comple-
tamente sem medo... é por isso que teclamos freqüentemente a mesma
coisa... pensamos igual.
— faz bem fazer o bem... eu faço, sempre com um sorriso pra todo
mundo: dos amigos ao caixa do supermercado. mantenho a fé na raça
humana apesar de tudo, humanos são meus favoritos. não tenho medo
60
de Deus, não me sinto pequena frente a Ele, e de qualquer maneira já
estamos nus, sério, é o que eu penso... posso te ver realmente nu, te ver
por dentro, não meramente a pele... e estar nua contigo é uma experi-
ência incrível, Alan, é tocante ser tão amada. vou te amar tanto quanto
você a mim... te ler, te entender. alimentar o teu orgulho.
— busco sempre o eu, a alma no outro... entender em vez de ser
entendido... amar em vez de ser amado... quando segurei meus filhos
nos braços, que ótima era a vida, que lindos os homens... que coisa glo-
riosa eu tinha trazido ao mundo. consciência desperta é isto: estar vivo
sendo percebido pelo outro, recebido na mente de outro reafirmando
a existência. não há resistência entre nós... foi o que eu quis dizer com
luz compartilhada.
— sobre crianças já não sei muito... acredito que seja realmente
importante. encaro o não ter tido filhos como falha minha... canalizei
busca e sensibilidade pra outras coisas (como ser intensa no amor), mas
o nosso encontro... nunca experimentei nada parecido com isso... tanta
abertura e liberdade. dá pra esperar um minuto? volto num instante.
61
— pois é isto o amor tântrico: partilhar a consciência com outro,
no centro do universo. acho tão sem sentido ficar vagando... é a natu-
reza que desperta a consciência, o mar, o pôr-do-sol... a águia... meus
filhos. conectado a uma mulher (conectado a ti)... me sinto inteiro,
energizado... consciente. seria melhor se fosse em pessoa.
— logo logo, meu amor, iluminados... sonho com isso o tempo
todo. desde que te encontrei, sou pura luz cintilante... espalhando amor
pra todo lado. quero viver contigo este delírio definitivo, esta abertura,
sem medos ou limites.
— jura? como é que você pode sonhar com isso... eu te abraçan-
do, e a corrente elétrica entre nós... sim, nunca deixamos a luz, temos
apenas a impressão de ter deixado. o mal não é mais que isto: ação
negando luz. perceber que se passou a vida optando pela escuridão... é
um despertar terrivelmente triste. você e eu compartilhamos tão com-
pletamente a mente, Noga, é tão fácil estar contigo... você pensa, e isso
é raro. as mulheres de minha vida foram bem mais jovens... Katherine,
12 anos mais nova que eu, e minha mulher — uma garota alta, magra e
loura que encontrei em L.A. —, 17... olhos azuis, gentia... houve entre
nós um instante de conexão visceral, e quando me mudei pro Havaí,
perguntei a ela se queria trabalhar na loja, mandei uma passagem...
nunca pude me comunicar com a mente dela, dez anos me bastaram...
fizemos dois filhos lindos, construí um ninho... ela me abandonou por
um antigo amor, deixando os meninos para trás, com 2 e 5 anos na épo-
ca. não é certo, manter alguém a teu lado só porque você pode... e eu
não a suportava mais. por três anos fiquei sozinho com os garotos. a loja
era longe, a 80 quilômetros de casa... uma propriedade de 30 alqueires
em Indiana, seis deles só de grama, que eu cortava com um trator... as
crianças sentiam falta da marca de uma mãe: lençóis limpos, biscoitos
caseiros... de certa forma ela foi positiva, mas intelectualmente... uma
água parada.
— teus filhos deram sorte na herança, olhos claros da mamãe,
consciência clara do papai... mas você só me falou de Katherine, não é
ela a mãe dos teus filhos? uau, eu não fazia idéia, viu os filhos cresce-
rem à distância mesmo. e Katherine? como a conheceu?
— em St. Augustine. nunca tinha ficado com uma mulher judia
antes, tão completamente apaixonado... sexualmente, intelectualmen-
te... e como adorávamos o Shabat: chalá, vinho, frango cozido... era
62
ótimo fazer amor com ela debaixo do meu xale ritual, beijá-la nos fun-
dos da sinagoga ao fim do Yom Kipur... ensinei o shemá aos dois filhos
dela... mas ela era louca, preferiu cocaína à sanidade.
— faz muito tempo? como você foi parar em St. Augustine? tua
vida é bem diferente do que pensei... e você e Katherine? se sentiam nus
um perante o outro?
— fiquei sem rumo quando vendi a casa, não quis continuar na-
quela terrinha... a terra de minha mulher, não um lugar que eu esco-
lheria pra morar. não havia nada que eu quisesse fazer, nenhum lugar
onde quisesse estar... com 50 anos e fodido... acabado. já tinha compra-
do e pago a fazenda, mas agora pouco ligava... pensando no que fazer
voltei ao Havaí, ao alto da cratera do Haleakala em Maui, a 4000 metros
de altitude... meu irmão estava em Jacksonville, tinha acabado de se
divorciar. me pendurei na casa dele durante anos, ajudando na loja fra-
cassada que ele tinha. enquanto isso, durante quatro anos, continuei vi-
sitando meus filhos três vezes por mês... ficando em hotéis, acampando
com eles. acumulei 400.000 quilômetros num carro novo... meu irmão
decidiu se mudar pra St. Augustine... eu fui com ele. quanto a Kathe-
rine, sim, nos sentíamos nus... amantes tântricos... a consciência dela,
no entanto, é diferente da tua: intelectualmente esperta, mas fodida no
emocional... fizemos amor com consciência total, como nós dois agora
pela internet. nosso encontro foi na verdade breve, quem sabe três me-
ses, depois talvez dois anos indo e voltando... ela estava perdida, fiquei
fodido por muitos anos com ela... não conseguia me encontrar... perdi-
do também. levei um bom tempo pra voltar a mim mesmo... em dois
anos, é a primeira vez que me abro com alguém, tão completamente
assim contigo... é orgiástico, pura sexualidade intelectual.
— estou sentindo uma emoção profunda agora, Alan. eu pode-
ria comparar meu primeiro casamento ao teu... e meu segundo ao teu
caso com Katherine. uma vida de quebra-cabeça, na base da tentativa e
erro... procurando cegamente aquela peça perdida, que daria à existên-
cia um significado total. tentei, desesperadamente, entender o vazio, a
dor, de onde é que ela vinha... de que insuspeitada ausência... nunca
fui realmente compreendida. em Brasília, o Marcos nunca me aceitou.
como é que uma mulher — é o que ele me dizia — “de boa família, que
tem tudo, tão normal”, pode ser tão atormentada? ter tantos questiona-
mentos? voltei a beber e a comer carne, e certa noite, num bar, tomei
63
várias cervejas. de volta em casa — e eu não estava tão bêbada, acredite
— me peguei sentada chorando sobre a pia da cozinha, desarvorada...
foi o fim de tudo. peguei o carro e viajei sozinha até Pirenópolis, uma
cidadezinha histórica do interior de Goiás. aluguei um chalé e fiquei
morando lá seis meses, limpando a mente, me desintoxicando com je-
juns malucos: dez dias só comendo arroz, dez tomando suco e mais
dez só nas frutas. sonhava com retiros de silêncio, 30 dias sem falar
uma palavra, acabei tão fraca... descobri por trás daquilo o meu desejo
de morrer... mas não morri, voltei a comer e a falar, terminei meu pri-
meiro livro e vim ao Rio para publicá-lo. de vez em quando, um leitor
entra em contato pra me contar o que experimentou ao lê-lo: é bem
gratificante. graças a Deus, minha busca não me deixou fodida... estou
inteirinha pra você, pode apostar. sem dor nenhuma pra engolir.
— não, só pau.
— você quer dizer o teu. grosso, veias aparentes. no Brasil, numa
situação como esta, eu te perguntaria: nós viemos aqui pra beber ou pra
conversar? e então, Alan... nós viemos aqui pra trepar ou pra conversar?
(risos)
— nunca me senti assim com relação a uma mulher, Noga... tão
consciente... de tal maneira intelectual... olhando as fotos, me preocupo
com a reação que terei ao vivo... espero que o tesão seja o mesmo, nunca
fiquei tão excitado por palavras ou pensamento ou mente... quanto ao
toque, gosto e cheiro... hálito, dentes e olhos, sinceramente não sei.
— então você acha que sou feia! pode ser que eu não tenha,
como as tuas demais mulheres, uma beleza clássica... mas sou exótica e
charmosa, isso não se vê na foto. sei que escapo ao padrão, mas hoje em
dia, o que vejo no espelho me agrada bastante, engraçado, bem mais do
que quando eu era jovem: “um biscoito fino, não para as massas”, como
diria Oswald de Andrade.
— feia não... uau... diferente. imprimi teu email... está no meu
bolso, e gozo só de pensar em ti... como poderia o erotismo da aparência
equiparar-se ao da consciência? te acho tão delicada... sim, exótica... eu
sei, li teu artigo... o quanto você odiava a própria imagem refletida...
— você deve ter lido o texto, sim, onde escrevi que me detesta-
va, mas provavelmente perdeu o seguinte... onde me reconheço como
a mulher que sempre quis ser: como a mente ou a alma, reformei o
corpo... meu rosto já nem é redondo, e eu... (passagem comprada) é
64
que deveria me preocupar com esta possibilidade de ser rejeitada, mas
não consigo, fazer o quê... a aparência reflete o íntimo e este sim, você
conhece muito bem.
— quem poderia entender você... tocar-te na mente, na alma...
na vagina... não sou para as massas tampouco, Noga... tão desviado do
normal que acabei nisso: um viajante solitário, peregrino sans pareille.
teu rosto é mesmo incomum... não consigo fazer idéia. me parece, às
vezes, de um jeito — comprido, magro e frágil na primeira foto que
você mandou, tirada com a câmara digital... (o que eu adoraria) — e de
outras, um alimento que nunca comi. sim, se te amei, foi em parte pela
consciência evoluída... tua franqueza me excita... não dá pra não amar
alguém assim honesta, tão vulnerável: uma condição humana básica,
como a dos recém-nascidos... eu já disse, não queria te fazer sofrer.
— pô, Alan, por que você está repetindo isso? se sou responsável
por mim mesma, e tenho meu carro, meu quarto de hotel... além do
mais, faria qualquer coisa pra te encontrar ao vivo, mas agora fiquei
triste... ainda assim não me preocupo.
— está bem. vem deitar comigo, me deixa beijar-te os lábios...
acariciar-te a face, Noga querida, te segurar nos braços. você me deixa
tão livre... facilita as coisas para mim... me daria tanto prazer te amar,
ter-te como esposa... mas sou macaco velho.
— ai, Alan, macaco velho? por favor, evoque aquela luz de novo...
achei que você buscava a consciência compartilhada e ponto. não faço
o tipo escritora-barrigudona-fumando-adoidado, erótica só na teoria. o
que sinto e escrevo, acontece mesmo... é meu retrato fiel, bem diferente
das horríveis fotos digitais que você tanto odeia, mas insiste em olhar.
— consciência... o que adianta se não for completo? sou magro,
80 cm de cintura 75-80 quilos... um atleta, abdômen duro... braços for-
tes. faço parada de mãos, flexões com uma mão só... acrobacias, abertu-
ra... inteligente, artístico, poético... capaz de estar contigo em qualquer
plano de evolução. espero arrancar-te a saia, Noga... ao te ver, ficar
instantaneamente ereto... rasgar-te sorrindo... com paixão e júbilo.
— melhor escolher uma saia bem velha então. me encontre logo
no primeiro dia, Alan: não quero perder nem um pouquinho de para-
íso... ou prolongar ainda mais (Deus me livre) a ilusão. e pode parar
com o marketing, já sei disso tudo... adoraria tocar agora teu abdômen
de tanque, os músculos firmes desenhados sob a pele.
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— desculpe, não tive a intenção publicitária... pensei em você
me imaginando um gordinho, que arrota erotismo... adoraria agora te
acariciar o ventre, traçando as tuas curvas... admirar a maciez da pele,
o princípio feminino... a ponta dos dedos, de leve, sobre os mamilos ro-
sados... até que se enrijeçam, te beijando os lábios, desenhando a linha
da boca... tocando os dentes. deslizar a mão pelo interior da coxa... por
tua fenda, sentindo os pêlos, estimulando o grelo com delicadeza, ah,
Noga, abrir a janela de sombra virtual... deixando a luz entrar...
— por favor, Alan, não deixa o medo tomar conta... respiro fundo.
expulso a sombra enquanto me tocas o vorpo, de luz acesa... explorando
os detalhes, ossos aparentes, sentindo a força das pernas, os músculos
densos, trabalhados. levando um tempão pra examinar com a língua o
meu pescoço longo: é botticelliano o bastante? não falei de você, seu
bobo... só maneira de dizer. alguns escritores avançadinhos são assim
mesmo, mas você certamente não. nem eu.
— gosto do teu senso de humor, mas... não seria Modigliani, o
pintor de pescoços? o que são ossos aparentes?
— visíveis sob a pele, entende? sem dobrinhas, sou alérgica a
qualquer gordura. na minha cozinha não suporto, nem no corpo ou no
prato.
— que bom, também detesto... obscurece a graça da consciência,
e de homus? você gosta? tahine? o que vamos comer e onde? longo
mesmo o teu pescoço... a foto mostra um pescoço lindo.
— homus eu acho gostoso, um tipo saudável de gordura... mas
muito calórico: evito. e onde a gente vai comer é você quem decide,
meu amor, é no que dá ser anfitrião. tudo o que quero, durante o nosso
encontro, é a tua carne humana: fazer amor contigo feito louca, de ma-
nhã, de tarde e a noite inteira... até cairmos exaustos, completamente
saciados.
— espero ansioso para ser consumido... mas é tudo tão repulsivo
ao paladar... músculo, pêlo, tendão... e o que dizer das partes vivas...
optemos pelas frutas e nozes... ou verduras. quero comer-te a cona, cear
em teus seios... tostados levemente, como se folhados fossem. não há
parte de ti que queira Deus, deixarei de ter na boca.
— foi só metáfora, chéri, só metáfora... (risos) graças a Deus úmi-
da de novo, inchada. de novo abismada com a tua natureza elétrica,
Alan! é como ter tesão o dia todo, sete dias por semana... se eu fosse
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homem seria bem mais duro... quero te engolir centímetro por centí-
metro, mas bem devagar, me deliciando longamente.
— e por que não, querida? tua cona responde ao meu amor por
ela. sim, porque se falo a ti de ti, é sem pensar... sem astúcia, teu ser me
preenche... me enche de saudades de ti... duro pra você... e pra mim?
três semanas é tempo demais... o sêmen me dói por dentro... chega a
vazar, Noga, quero te comer, te foder com a ponta do pênis, escorregar
o pau tocando o fundo da boca deste peixe... deixar sim, que você me
devore, devagar, devagarinho, centímetro por centímetro sentir-te úmi-
da, pulsando, latejando... ofegante... o suor gelado... tocar-te abraçar-te
adoro a tua cona... tuas pernas apartadas, joelhos esparramados... o ven-
tre que sobe e desce, os seios suaves... os bicos durinhos me arranhando
o peito.
— parece um sofrimento, querido, mas não posso fazer nada. eu
poderia, sim, deixar tudo pra trás... voar amanhã. mas deixaria questões
inacabadas, e isso eu não quero. te sugo com a cona, teu corpo pesando
sobre mim, de volta aos beijos... ao teu falo duro, tua energia pura...
suficiente pra aclarar a escuridão da noite. teu pau ouve e minha cona
canta, lindas canções de amor, tecendo os dois vida própria... trocando
delicadezas.
— sugo o gosto agridoce de ti. tua vigana muito viva agarra o meu
pau duro, as pernas me apertam, teso dentro de ti com paixão arfante, e
já sem fôlego... minhas mãos na tua bunda, alcançando a fissura entre
os glúteos...
— sorrindo, Alan. mordo a pontinha da tua orelha, descrevendo
baixinho o meu tesão por ti: como quero que você me chupe. te aca-
ricio os cabelos, (os dedos na tua testa) te digo o quanto me agradas.
quero te sentir no núcleo de mim.
— inclino a face até a úmida, massa encharcada de úmida da tua
vulva e clítoris. meu pau ereto, escapando dos dedos, te penetra — tão
apertada como se virgem fosse — espessa contra mim, me ordenhando.
sussurra em meu ouvido, com teu sotaque leve: “Alan, I love you...”
te prendo com força pelas costas e enterro meu pau bem fundo, “me
come, Alan, me fode” — você diz.
— teu sêmen fluindo, caudaloso como o rio Nilo, ai! deixa que
eu mesma digo, não é? sim, Alan, me come. I love you (com sotaque
bras). me ame, Alan, diga que me ama.
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— ciente do gozo iminente, a mente do falo é que sente o teu
corpo trincar, o orgasmo apontando como um impulso elétrico, se
alongando num grito ai, Deus! estou gozando! o meu sêmen pulsan-
do, jorrando dentro de ti... uma torrente de gozo... úmido vivo pegajo-
so, pleno de semente te irrigando... teu corpo na agonia do espasmo...
Noga Noga Noga... te amo. I love you.
— olha bem no meu olho direito... e vê a lágrima que escorre
pela face, Alan... de prazer, de gratidão. como te amo, tão ternamente.
— beijo o sal da tua lágrima, teus lábios, tua boca presa na mi-
nha... contido ali, na cona latejante, trancado na contração dela... para
sempre... nosso fazer amor é tão doce, Noga, tão puro... te amo sem
pensar. inocente, sem astúcia.
— se você acha isso inocente... puro, sim: pura fonte de prazer
amoroso. ahnn, suspirei fundo agora, como desejo te encontrar, acabar
de uma vez com essa agonia da separação...
— leva tuas mãos ao sexo, Noga, prova o gosto úmido de mim, o
gozo de mim... porque estive dentro de ti, adoro fazer amor contigo...
nunca fiz amor assim com uma mulher, tão livre assim. onde é que
você foi agora?
— ai, Alan, a nuvem negra... passou por aqui há um minuto, me
deu um medo súbito... de você se revelar um cretino, me comparando
a juventude, olhos azuis, cabelos louros... desculpe. a realidade vai tão
além das aparências! não simbolicamente, mas de fato. são tantas as
visões, como a viagem de ácido que eu nunca tive... fagulhas de energia
te iluminando a face, a aura... sem aditivo nenhum, a não ser a força do
nosso encontro, esta sim, uma droga poderosa, muito mais que a apa-
rência que você tanto teme, e isto é real: mesmo que a eternidade dure
menos que um minuto, nosso encontro amoroso será eterno.
— de que adianta a sombra? se a química entre nós funcionará
ou não... a conexão formidável certamente existe, existia antes do en-
contro. e como se move teu corpo junto ao meu... como é grande a tua
fome de mim. foi minha a sombra, Noga, obra minha... eu poderia não
ter dito nada... agir como um manipulador, cheio de truques... o que
se passa entre nós vai além da trama... há tanta doçura e beleza em ti...
Noga?
— aqui, ensimesmada... tentando, guerreira, combater a som-
bra... você dizia?
68
— quero tanto que isso dê certo, Noga... estou cansado de soli-
dão, adoraria viver com uma mulher. mas não quero me acomodar...
prefiro ficar só, a ter que fingir algo que não sinto.
— fingir? se somos transparentes? falou o babaca em você, Alan...
às vezes mais forte que o amante... poda ele, por favor.
— adoraria estar apaixonado... viver de amor em parelha... ho-
nestidade total, abertura total. deita aqui perto de mim.
— quieto, Alan! quero ser um clown, gravata borboleta gigante
e nariz vermelho, te fazendo cócegas... você precisa rir um pouco, está
sério demais hoje!
— pra mim isso é muito sério... muito importante. sou sempre
sério... na vida, no amor e até brincando. não dissimulo... a vida acaba
na morte, não é nenhum brinquedo. eu sei. árvore que não flete, se
quebra... mas um ponto de luz não se divide.
— profundo, importante, mas não rígido, mon cher. a única rigi-
dez que a gente quer é aquela outra... quero ser um ponto único de luz
contigo, mas tenho que ir agora... vai sentir minha falta? pôr meu email
do peixe no travesseiro? me deixar engolir tua mente hesitante?
— sim, vou lê-lo esta noite, outra vez e mais outra... falo contigo
amanhã te amo.
69
nha lido os meus artigos do passado... Por outro lado, se pretendemos
a transparência, não fará mal... saber que sou hoje o resultado de uma
longa estrada, onde fui feia um dia (talvez não verdadeiramente feia,
mas sofrendo de uma síndrome de distorção de imagem). Não sou, no
entanto, nenhuma Gisele Bündchen, e muito menos uma garotinha...
E duvido muito que ele encontrasse nela(s) a consciência poética e
profunda que procura (puro preconceito contra tops). E apesar do fa-
moso abdômen de tanque, o que realmente espero é que ele seja um
homem viril, forte e em forma, chegando aos 60. Preconceituosa de
novo, eu nunca esperaria tal grau de complexidade num DiCaprio
mesmo. É claro que o corpo lindo dele me dá prazer, mas sei que o
tesão acaba, dissolvendo-se em paixão passageira: já passei por isso. Se
o conteúdo é fraco, a magia some de uma hora pra outra, e você acorda
com um estranho ao lado. Minha expectativa é grande em relação a
nós — um casal sofisticado, longamente refinado —, guerreiros apai-
xonados num embate excitante, trocando lanças fervilhantes de amor
e júbilo: longa batalha poética. Foi como me senti quando nos desnu-
damos... Reconheço nele o deus, e sei que ele reconhece a deusa em
mim. Moremos em Olímpia então, querido. Esperar de uma mulher
madura um corpo sem falhas... é justificar o consumismo, o marketing
desprezivelmente vazio que ele tanto condena, do qual eu mesma pro-
curo fugir: injeções de botox e enchimentos de colágeno, implantes
de silicone ou lipoaspiração, na busca de um rosto falsamente liso, um
corpo emaciado e sem energia. Me ofereço a ele totalmente aberta no
amor, esplendoroso espetáculo de natureza humana em sua melhor
forma... e espero receber o mesmo em troca. Deixemos a babaquice
de lado, Alan, e amemos um ou outro como a gente merece. Pode
estar certo disso: te amo demais. Te abraço docemente, quero sonhar
contigo a noite toda — com teu verdadeiro eu. Good night, meu amor
te amo como esposa... és o complemento de minh’alma... não há lugar
onde estejas a que eu não vá... nem país que visitaste que eu não conhe-
ça... és forte, posso ver... braços firmes, pernas pétreas... cona macia tão
doce, fazendo Adão sonhar com Eva... perdoe este ser superficial e ame-
drontado que sou... teu valor qual diamante perfeito é claro... reflexo sem
distorções da luz interior, quem me dera, Noga, carinhosamente te abra-
çar... despertar dentro de ti, inebriado pelo aroma do sono a flutuar sobre
teu corpo nu... beijar-te docemente penetrar-te beijar-te mais... provar
70
da noite em tua boca... olhar-te nos olhos, sorrir... Noga! teu cheiro no
amanhecer... como o hálito da vida propriamente dita... Deus, Noga...
és como esposa para mim. te amo.
Terça-feira, 2 de dezembro
Tudo aconteceu como ele planejou. Sonhei com ele a noite in-
teira, e o encontrei de manhã na tela pour me reveiller, com aquela
gentileza adorável. Claro que te perdôo, querido, pois te amo profunda-
mente. Importante é não ir pra cama com o coração pesado, nunca afo-
gar a dor no sexo... Evoluímos como casal, e o amo ainda mais. A crise
sombria dele me lembrou uma frase de Pina Bausch num de seus balés:
“Você tem medo de quê? Dinossauros?” Reparou, Alan, que apesar de
separados, temos dançado a mesma dança? A duração e a natureza de
nossos casos de amor se assemelham: o primeiro mais longo, com par-
ceiros de boa aparência e consciência limitada; o segundo, breve mas
profundo, cortejando o tantra: mero ensaio para o encontro de almas
gêmeas — os companheiros mentalmente fodidos — onde nos perde-
mos, dolorosamente equivocados... Chegou a hora, Alan, de dançar a
nossa dança. Komm tanz mit mir, meu amor, sem demora!
71
— também me sinto desperto ao falar com você... está vestindo
o quê?
— calcinha cor-de-pele e camiseta x-large, da última maratona.
— fico enlevado ao me envolver contigo... feromônios, sem dúvi-
da... poderosos como morfina e a ausência deles, extremamente senti-
da... feramônios, aquela coisa que emite cheiro... não tenho dicionário
aqui... a produção natural da química cerebral.
— feromônio? é um odor supostamente sensual, emitido pra
atrair o sexo oposto. sendo os nossos poderosos, a ponto de dar a volta ao
mundo, uma energia tão incrível... que já me sinto molhada, inquieta
no coração, assim que você me chama. que tal lucrar com eles? como
é que você sabia que durmo nua?
— você me disse... que se deitou nua na cama, apoiada nos tra-
vesseiros... mas comigo, de qualquer forma, você dormiria nua, adoro a
imagem de ti com a calcinha molhada... te alcanço através do pano, os
dedos escorregam pela borda até atingir na carne a vulva doce, suave...
a boca daquele bicho.
— trate bem o bicho, ou ele te engole... está crescendo, vê? sen-
te? ando louca pra sentir teu corpo contra o meu, a noite inteira e todas
as noites, já estou pulsando, Alan, de verdade, não modo de dizer.
— é, eu sei... devagar, devagarinho... amanso o bicho até conse-
guir entrar. provavelmente tenho só mais 15 minutos... seria bom passar
a tarde aí...
— meu gozo pautado por teu relógio, Alan, é a primeira vez que
isso acontece, sem estímulo externo de nenhuma espécie: só minha
mente e você, nada de dedos, os dois indicadores teclando como você
vê, eu latejando, pulsando enquanto teclo e ficando mais forte, como
é que pode um orgasmo (sentindo de verdade) durar tanto? ao mesmo
tempo a mente se agita, os dedos teclam? nunca senti isso antes, ei
Alan, será que você já foi?
— me deixa então gozar contigo gentilmente, a calcinha pro
lado meu pênis duro afastando as dobras... rubro e pulsante, veias late-
jantes... no ritmo do coração... pela vertente deslizante do cânion em
tua vagina, até tocar-te a pélvis com a minha, osso no osso. trememos.
teu seio em meu peito teus braços me enlaçando o pescoço... pouso os
lábios em tua nuca, lambendo-te com minha língua... tua língua tão
doce em minha boca... o tempo pára e permanece parado, você lateja
72
e goza... sugando, sugando... o sexo deveria ser sempre assim, Noga,
lento, durando horas... gozando durante horas... latejando em orgasmos
múltiplos, adoro você comigo... tenho que ir falamos amanhã.
— orgasmo múltiplo, Alan? que coisa! e isso existe mesmo?
— mantém-te úmida... te amo, tchau.
Sexta-feira, 3 de dezembro
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— posso imaginar... a emocionalidade humana pode ser exaus-
tiva. e qual é o plano? pelo que sei, pode durar muito tempo, com o
agravamento progressivo dos sintomas.
— começaremos com medicação, pra controlar a agressividade
dela. foi bom ter chamado o médico, gostei dele, mas quanto ao plano,
ainda não sei. se eu ficar aqui, vou ter que contratar ajuda. e se me mu-
dar... bem, ele recomendou uma clínica. me diga, amor, onde é que você
está? o agente de viagens acabou de entrar, trouxe a passagem; preciso
assinar os documentos, fazer os cheques. não vou nem desconectar, volto
em uns 15 minutos, pode esperar? pra gente conversar livremente?
— posso. estou na biblioteca, ma pauvre petite... komm tanz mit
mim. você me dá tanta alegria... tuas missivas me fazem sorrir, como
um raio de sol entrando pela janela. deixa eu te abraçar, colar meu
rosto ao teu, te aconchegar... como te amo.
74
— você poderia drogá-la enquanto estiver fora... deixá-la dormin-
do, que responsabilidade terrível. deixa eu ver se consigo te energizar.
— contratei uma moça para o fim do mês, vou fazer um teste
durante a viagem. sabe, Alan, nosso encontro me despertou para a vida,
me forçando a tomar atitudes que já não podia adiar. chamei o psiquia-
tra. vou tirar férias. nos últimos 15 dias fiz uma pequena revolução,
você nem calcula o gigantesco apoio que me deu, nosso amor uma
espécie de enzima: um catalisador.
— a palavra que eu procurava ontem é endorfina... você é uma
graça. me faz sorrir.
— que tal engarrafar endorfina pura, e vender na internet pra ca-
sais sonolentos? adrenalina também, e aproveitando, Alan, um manual
pra despertar a kundalini.
— verdade, somos muito eficientes nisso. gostei dos fogos, uau!
quem me dera ser capaz de um orgasmo assim, sozinho...
— e não é? pensei que pra homens não era difícil.
— é um problema sim... pelo menos na biblioteca... homens são
inconscientes, idiotas. mas não tem importância... que prazer: saber
que chegou ao orgasmo, e só com o pensamento em mim.
— um problema que vai ser resolvido logo, querido. passei meta-
de da noite sonhando acordada com nós dois juntos.
— me manda uma foto tua por baixo do vestido... e também so-
nharei acordado.
— ai, Alan, não vai dar. eu estava até esperando você pedir, mas
não acha que é demais?
— não seja boba... adoro ouvir tua voz... admirar tua arte.
— boba sim ou boba não? sabe que descobri uma coisa muuuiiito
interessante? minha melhor amiga, que mal fala inglês, se casou re-
centemente com um alemão... perguntei como ela se virava... mesmo
quando se fala a mesma língua, a comunicação falha às vezes, ela disse.
mas eu, quando teclo em inglês, me solto: no corpo, na mente e na
alma, fico extasiada. esqueço as restrições culturais, palavras proibidas
pela falsa moral... meu parceiro nessa, claro, tem parte do crédito... me
espanto com o que sou capaz de dizer e escrever, um mundo totalmen-
te novo... renasci de verdade com meu amante americano: uma Noga
sob medida pra você, aproveita!
— estou aproveitando... ou não ficaria horas teclando... você
75
despertou para o verdadeiro eu, Noga. meu pau está pra sempre vivo,
quando conectamos.
— tão impressionante, incrível, delicioso, uau. te amo, Alan. amo
o teu cabelo crespo, os pêlos em teu peito, teu abdômen de tanque.
teus braços, pernas, pés. mãos e unhas. tua virilha. sem esquecer teu
pau, oh! Deus, não... crème de la crème. você é tão diferente de outros
homens... posso te revelar meus segredos, os tenebrosos segredos suga-
dores da minha cona.
— me deixa brincar com os pêlos em volta dela... docemente
macios. percorrer os cachos, provocar o botãozinho do lado esquerdo...
a pontinha dele, tocar levemente a vulva inchada, em toda a extensão
da carne... desenhando suave o contorno dela. deslizar o dedo médio da
mão esquerda para dentro e senti-la, úmida e sugando, enquanto com
outro abro passagem para o meu pau duro, tão penso, tão quente... as
veias espessadas tão ereto.
— é assim que você me conhece, amor: de fora pra dentro, da
superfície às profundezas ai, Alan, adoro quando você me toca. me ex-
plora. me suga. fico imersa em quieta felicidade... me diga agora o que
você vê... volto já.
— vejo uma massa de pêlos ruivos, cacheados... coroando um
figo aberto que revela o fluido leitoso, sementes brotando... um ser ro-
sado a latejar, fendido em metades roliças, com dobras dentro de dobras
dentro... lustroso, brilhando.
76
me inclino entre as pernas beijando o interno de ti... lambendo a
fissura o falo dentro ai, que úmida, que lúbrica, tão quente macia espessa,
se contorcendo por baixo de mim, me morde me arranha me pega pela
bunda... me agarra com as pernas me embrulha com elas (sim, querido)
os corpos no ritmo, me pressiona o pau (ai, Alan, goza agora) entrando e
saindo... retida pelas dobras, a glande deflora a carne rósea, pra dentro e
mais pra dentro até gozar... o pau contraído no espasmo, os ciclos do gozo
o fluido na boca, o corpo molhado se aninhando em mim... e tua vagina?
úmida? espessa? estás sentada? deitada de costas? nua?
— ai, Alan, gozei... queria que você me visse, ainda bem que não
estou na biblioteca... nua nada... sentada no computador, vestido flori-
do calcinha de algodão. por baixo da roupa seguindo o teu roteiro pela
primeira vez, me toquei de verdade com você na tela... foi incrível. obri-
gada, amor. por me dar TANTO PRAZER, gostaria que você pudesse
fazer o mesmo... não sei como você se controla com essa força toda.
— que lindo!
ponho o pau pra fora, a mão direita umedecida com creme toco
a ponta com a polpa dos dedos... endureço ereto latejante, penso em
ti. deslizo a palma crispada... me provoco teso, e penso em ti (acaricio
gentilmente o pau, lambendo as veias com a ponta da língua, abrindo
a fissura encastelada no topo) fricciono frenético respiro ofegante, em
pé contra a parede, penso em ti, rápido cada vez mais rápido sentindo
o sêmen subir... (envolvendo em círculos o capuchinho róseo) cada
vez mais teso, mais rápido mais forte o movimento da mão, eu penso
em ti... úmido, grosso, um fluxo intenso de gozo lácteo... teus lábios em
volta (olhando você gozar: a força agridoce do sêmen, que abençoa e
nutre) jorrando melado e espesso, penso em ti... a língua sugando... me
engolindo...
77
ereta e nua você me monta. mãos sob os seios o ventre pulsando
teus cabelos varrendo o rosto, me beija. te enlaço a cintura você me sorri,
meu pau fundo dentro lady godiva a cabeleira em massa flutuando ao
vento. te cavalgo, os mamilos eretos virilhas coladas tuas mãos na bunda
o falo na cona. pêlos misturados enquanto te monto, cavalo marcha-
dor... com o cavaleiro um só corpo em luta, gemendo, soluçando alto,
ofegantes você no colo as pernas me abraçando os braços me enlaçando
as bocas lacradas, cona e falo selados me toca o grelo, o prazer em on-
das ruboriza as faces, estamos em fogo mais, eu quero mais... à beira do
orgasmo... paramos. te amo você me ama me aconchego entre tuas coxas
e adormeço contigo.
Não deu cinco minutos, e ele voltou online: você está aí? Oi,
amor. Estou. Cantando pra você, surpresa, não esperava te ver de novo
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hoje. Você é um doce, ele disse, quer que eu desligue, te deixe termi-
nar? Ma chère amie, comme je t’aime. Não sei se estarei livre amanhã,
é noite no Rio... É uma boa hora, eu disse. Tudo quieto e posso namorar
em paz.
— que dia!
— nem me fale... é duro dizer adeus, mas você diz: tenho que ir
embora tchau te amo Alan pronto. foi. enviando o arquivo.
— parece que não posso ir sem sentir saudade... eu falava do teu
dia... meu dia é você, o resto não importa.
— baixou aí? demorou? queria estar mais antenada... andando na
rua, falar com você do outro lado do mundo teu rosto na telinha, logo
acima do olho eu meio doida, sem saber onde estou, ou com quem
estou falando... como é que posso falar se preciso gemer, soluçar, gritar
o meu prazer? mas logo. logo tocaremos, nos farejando. beijo. trepada
ao vivo. não quer dizer que não esteja vivo agora, real. mais real que
qualquer outra coisa que eu tenha provado.
— nem eu algo assim tão consciente, inteligente, evoluído... sim.
gostaria de estar plugado, dentro de ti enquanto falo, não seria bom?
posso ouvir tua voz gemendo... soluçando ao gozar comigo. sim, beijar,
trepar ao vivo. eu e meu pau duro aqui, matando o tempo.
— você reparou na “reserva de hotel pra dois”?
— reparei, não há nada que me escape. adorei o “dois”, já baixei
o arquivo.
79
Sábado, 4 de dezembro
Domingo, 5 de dezembro
80
como tu, pois tu me fazes feliz, como antes ninguém que eu quis, ben-
dito Cole Porter que nos traduz tão bem. Cuero o vida semper ssimm
comm vocce perto do mimm, ele diz, meu amore... o que é felicidade?
je t’aime, mon amour... o tempo que nos separa é insuportável, eternidade,
saudade tão dura pra mim... és a vida em si... luz... meu amore j’embrace
toi... te beijo... c’est moi mon amour, ishti. minha mulherzinha.
Segunda-feira, 6 de dezembro
81
ao mesmo tempo no beijo, bocas seladas numa só ai, meu amor, te
desejo tanto...
— levanto a barra do teu vestido sinto a pele nua, a maciez por
dentro das coxas. minha mão descreve as vértebras, descendo até os
quadris, tua boca respira na minha, entrelaçados. toco a curva fria da
bunda... macia, fresca.
— levanto os braços te deixo me despir. por dentro da braguilha
acaricio o teu pau, crescendo na minha mão, me ofereço a ti. sinto uma
urgência hoje! foi tanta a saudade... louca pra sentir o peso do teu corpo
sobre o meu, teu hálito em meu rosto oh, Alan, te amo tanto...
— tua cona geme, angustiada freme... minha testa roçando as
dobras, ao sabor deste lago doce.
— nosso riso perturbando o silêncio... vem, Alan. não pára.
— as costas arqueadas... os bicos tesos me marcando o peito...
pressiono a pélvis contra ti, acaricio o grelo... o pau em ti úmida e quen-
te, bocas apegadas... teu ventre duro contra mim... me fode, Noga, faz
amor comigo.
— hummmm. começo a latejar, vôo, alcanço alturas que des-
conheço, voamos... entrelaçados... ai meu Deus, Alan... te sinto tão
perto!
— ofegando... suor tão doce... tua cona tão úmida as coxas sedo-
sas vem, Noga, goza, te sinto com meu pau... teus braços me abraçam,
as pernas rijas... a língua ereta o grelo ereto mamilos eretos teso dentro
de ti... sem fôlego... por sua causa...
— ai meu Deus, como é bom isso... a cona vibra, lateja, pressio-
na teu pau descontrolada, com vida própria... ai, Alan, estou gozando...
nem virtual, nem fantasia... não. de fato. some o mundo além desta ca-
deira/e/tela, este gozo vicia... falei de você na academia hoje... ninguém
acredita na força de uma paixão pela internet (sem detalhes, claro).
— claaaro que sem! endorfina... uma morfina natural... vicia. o
que foi que você contou?
— como a gente se encontrou, eu esperando a mensagem de
outro e você se intrometeu... a explosão amorosa em menos de um dia.
meu personal perguntou se vi tua foto, se gostei, se você viu a minha, eu
disse: bem, ele acha que sou diferente... ele sorriu... sabe que eu sou.
no bom sentido.
— ninguém faz idéia, de quão diferente você é.
82
— claro que não. não contei sobre o encontro de poetas, de al-
mas, de corpos, de essência. às vezes me pego com nove quilos em cada
mão, sorrindo... nem todo mundo tem um amor poeta... com Yo-Yo Ma
tocando ao fundo... e você sabe mesmo me tocar, não é? um virtuose.
— é, Noga... te dedilhar... criar semi-tons, cordas atonais... te ar-
pejar... fazer teu instrumento cantar com todos os sons, o alcance todo
da escala, esticar tuas cordas suavemente... deixá-las soar nota por nota,
o tom vibrato até o final... sentindo o aroma da madeira mais fina, os
ornamentos, cada detalhe, a boca e o cheiro do teu corpo de guitarra.
cedro, pau-rosa, ébano.
— nos últimos cinco ou seis anos não cantei nem um pouco,
sabe, Alan? nem no chuveiro... e agora eu acordo cantando, canto o
tempo todo... vou relembrando o repertório, que doce aroma o teu,
meu amor, resfriando o quarto pra você chegar... me aquecer no teu
abraço.
— pelo menos falar eu posso... com alguma ressonância, nada
mais... tuas palavras são música, calor e toque... que orgasmo infinito,
Noga. meu braço sob a tua nuca teus cachos tocando o meu ombro...
tua boca em meu pescoço.
— sluuurrrp. infinitamente te quero, Alan, nunca me farto de ti.
— dançamos bem juntos, os pés enroscados... minha mão em
teu colo morno, a tua enlaçada friccionando o meu peito, sorrindo...
teus olhos nos meus, meu pau duro ereto em ti. estás tão úmida, Noga,
vazando nos pêlos do meu púbis, a escorrer pelas coxas molhando os
lençóis... eu cada vez mais rijo... tua cona espessa, tenaz me agarrando,
arranhas minhas costas, abraçado a ti sobre o colchão... no frescor do
verão no Rio.
— très bon, muito bom isto... fiquei tão relaxada... e feliz, meu
sobrinho entrando na conversa.
— o que quer dizer “mouto bomm is tow”?
— so good this is: você, fazer amor contigo, teus cabelos, teu to-
que, teu pau, mente e alma. eu e você juntos.
— pensei que você estivesse nua.
— e como você sabe que não?
— não distorce a minha imagem virtual, please.
—?
— bem, teu sobrinho entrou...
83
— e criança precisa pedir licença, pra entrar no espaço virtual?
de qualquer modo, amar é tão saudável, deixa ele aprender: um garoto
lindo, toca bateria bem à beça, quase como um adulto, você precisa ver
a energia. me acrescentou à lista de contatos dele, me senti o máximo...
mesmo assim, não achei que fosse o caso: Rafa, desculpe, titia agora não
pode, está fazendo amor...
— ah, não!!! pensei que ele tinha entrado fisicamente no quarto...
é estranho que pareça tão real... pensei em você na cama... mas como?
teclando ao mesmo tempo? que poder de enfeitiçar... nosso amor trans-
cende, segue acuradamente a mente...
84
— sim... contraponto. improvizatzia.
— ai, Alan, você não pode ser real. tão ideal, que sorte a gente se
encontrar! enquanto você escrevia, eu aqui pensava: como te abraçar
melhor? te comer melhor? porque demorou tanto?
— ignorância... sendo o encontro inevitável, cansamos de estar
separados... somos parceiros, pertencemos à mesma espécie: uma espé-
cie de dois.
— ao te encontrar, quero te abraçar bem quieta, sentir a ener-
gia sem me mover... num entendimento mudo... absorvendo a ventura,
que felicidade a nossa! que vontade de me sentir finalmente em casa...
ontem vi um filme japonês incrível, quis tanto você aqui comigo... arte
pura, do primeiro ao último fotograma.
— hummmm... que filme?
— Zatoichi, do Takeshi Kitano, o mais incrível diretor do mo-
mento. muuuito sangue, mas estranhamente belo. dá uma procurada
em dvd.
— adoreeei o estranhamente belo, estou cansado de porcarias...
de filmes ruins pinturas ruins, design ruim disfarçado de arte, perdendo
meu tempo com bobagens. já você... tem o poder de me energizar, me
dá motivos pra seguir em frente. um elogio de césar.
— césar? você assiste dvd ou é ascético demais pra isso? você vai
adorar o filme, é sobre um samurai cego do século 19, o ator principal
é o próprio Kitano, tão original, a câmera, o enquadramento, as cores,
o conceito visual: nenhuma porcaria. eu respiro arte.
— sim, um modo de dizer, elogio quintessencial, Kisunguru, sim,
acho que li uma entrevista dele. eu respiro amor... tomei a natureza
como amante... tenho tanta energia que me cansa guardá-la em mim,
quero soprá-la através de ti. sou tão poderoso quanto você na prece ao
guru... tu me plaît.
— melhor ainda a natureza humana, Alan, posso dizer o mesmo,
cheia de energia neste exato momento...
— somos catalisadores um do outro.
— sempre sonhei encontrar minha outra parte, sabe? eu costu-
mava ponderar: se estou aqui — como por exemplo em sites de namo-
ro — por que ele não estaria?
— por que não, quem?
— Alan! do que é que você está falando? me perdi, meu sobrinho
85
está me perturbando, o que eu estava dizendo... é que trilhei caminhos
tão diversos... fiquei confusa agora, não consigo explicar. sinto que so-
mos iguais, com você sou eu mesma, não a mulher que os outros acham
que sou, eles não fazem a menor idéia, e quanto mais tempo juntos,
mais meu eu de verdade assume: está quase absoluto agora. fui massa-
crada em tantas situações, profundamente criticada. você não reparou?
como fico na defensiva às vezes? mas estou te deixando entrar, me des-
pir do medo. rasgá-lo da minha pele, revelando meu verdadeiro eu.
— fala. põe pra fora. solitária, não é? eu tive Daniel e Michael.
sim, nós somos. existimos um no outro sem limites... não sei como, mas
reconheço o teu valor... sei o que é arte... tenho um olho muito bom. te
respeito, Noga, te rendo homenagem... és pura arte. crítico como sou,
não vejo nada a criticar...
— foda-se o respeito. não sei por quê, mas detesto esta palavra, me
dá a impressão de estabelecer limites. respeito está fora de questão, no
nosso caso é mais reconhecimento mútuo. quero que você me ame, me
veja integralmente, e é por isso que me exibo, como um pavão abrindo
a cauda (finja que não sou aquela fêmea sem graça, meio cinza).
— respeito quer dizer, entre outras coisas, que percebi, valorizei o
que foi percebido, é meramente descritivo... assim como respeito Yo-Yo
Ma... como um intelecto, como homem, como artista... meu respeito
por ti se transformou em amor, aceitação integral do teu ser... como Tu.
não te considero crítica.
— ah, querido, mas sou, e bem afiada. seletiva.
— penso em ti como a manifestação quintessencial do principio
feminino, sei que é crítica como eu, e não dou a mínima se é, ou não,
perfeitamente lapidada.
— ah, gostei dessa, melhor que pavoa cor-de-burro-quando-foge.
lapidados um para o outro, ambos lindos. especiais.
— que dupla! tão forte... posso até soar ameaçador, mas o que as-
susta os outros em mim é, na verdade, o medo da imagem que fazem de
si próprios. você é única, conseguiu ficar comigo, é similar a mim... me
sinto inspirado por ti, me faz feliz saber que você me quer. não costumo
ser percebido... o mundo é cego demais.
— mas como é possível? você se mostra bastante bem... a ameaça
real é a própria estreiteza deles... de minha parte estou aberta, amorosa
e disponível, você nem imagina como me agradou dizendo isso. temeu
86
ser forte demais, mas te enfrentei: nós dois, guerreiros sagrados, numa
batalha pela honra, pelo espírito, pelo amor... distribuindo gozo pelo
universo inteiro.
— você tem olhos pra me ver... intelecto, arte, espiritualidade...
cicatrizes da consciência, que fazem você perceber. quando estou con-
tigo não estou no limbo, estou em movimento... adoro a dimensão da
tua voz... é raro encontrar quem me acompanhe... te adoro sem hesitar,
tão completamente, sem esforço nenhum.
— nós dois fora do limbo, sem dúvida ou medo... te acompanho,
me somo a ti. caminhamos lado a lado e o tempo todo é emocionante,
eletrizante.
— animus e anima.
— é, animados.
— animus e anima, você sabe, não? são os princípios masculino
e feminino na psicanálise junguiana. vou indo.
— seeeii, estava brincando, querido, tchau... vou sentir saudades...
você está vivo ou não? vindo, quero dizer. ainda estamos conectados?
— booommm. pensei que você tinha saído.
— e você tem mesmo que ir? estava limpando a tela, e você ainda
vivo nela, eu ficaria aqui o dia todo... por que não ficamos? a noite pas-
sada imaginei você na cama, a cabeça no meu colo, eu te acariciando
você lá deitado, calmo. ouvindo em silêncio a quietude da noite, tão
íntimo... e doce.
— não tenho nada pra fazer... passaria o dia inteiro debaixo de
tua saia... já ficando ereto... tal o efeito de tuas palavras sobre mim.
tento olhar tua foto, de costas sobre a bola... é tão difícil estar certo da
atração... então releio o teu email... você voltando do teatro, recebendo
o meu poema...
— psstt! não olhe mais as fotos, Alan, espere pra me ver ao vivo.
enquanto isso, me veja com os olhos do espírito.
— sim... da voz, da arte, me dê então algo mais...
— você vai gostar de mim, garanto. conheço os teus padrões es-
téticos, com relação ao estilo, à linguagem do corpo. com tatuagem e
tudo.
— oh. e nudez. e vulva, tendo à esquerda a Rosa de Sharon. a
verdade em mim ama a verdade em ti, como no alpinismo... de grampo
em grampo.
87
— não perca tempo com fotos, Alan. nunca descrevi a mim mes-
ma como pra você. ou falei de sexo, ou fiz sexo falado antes. sempre me
faltou coragem, mas contigo não tive saída... e que revelação! nunca
falei sobre o meu desejo com ninguém. até compartilhei o ato... mas
me abrir dessa maneira... nunca.
— e nem eu, Noga... és minha primeira... e não é ótimo? intimi-
dade é isso. eu ficaria surpreso, se soubesse que alguém te conheceu
tanto quanto eu... e nada é premeditado... é puro instinto.
— acho excitante saber que você me conhece, como nunca nin-
guém antes. sabe me agradar, como gosto de ser amada... como é que a
gente pode se abrir assim, deixando alguém entrar? te sinto totalmente
dentro, pau mente alma e tudo. confio em ti tão completamente... mes-
mo o espaço virtual, às vezes, sendo um campo minado...
— sim, te conheço. te amo. ao ouvir minha voz, você vai ver que
sou forte... como você. estar aberto é o máximo da intimidade... é um
salto de fé... amar é isto: confiar profundamente no outro, estar vulne-
rável, nu diante do outro.
— quem me dera... se somos tão íntimos, de que adianta tentar
enganar? de qualquer modo, eu nunca enganei ninguém. estava aqui
pensando se enganar é uma palavra boa. ou tramar.
— estou louco de amor, Noga, você está chorando? do que é que
está falando? existe tramar. ou tratar... e então transar...
— fica quieto, Alan, me deixa terminar, pára de me provocar!
se podemos ler a mente um do outro... de que adianta tramar, não é?
transando. contigo na cama, com um tesão cada vez maior. quando
escreveu sobre luz, consciência compartilhada... numa velocidade que
só a luz viaja... imprimi e coloquei no painel aqui na minha frente...
junto a partes de outras mensagens tuas, perto da escultura de Rodin:
eu te beijando sentada no teu colo, tua mão direita na minha coxa,
meu braço envolvendo o teu pescoço... apaixonada a ponto de derreter
o mármore. a imagem que guardo de você é esta, aqui do meu lado a
cada manhã.
— sou tão puro contigo, Noga... sem sinal de sombras... fluímos
um para o outro, é de ti, para ti que eu falo, ao teu ser que reajo... sem
premeditar... como dança improvisada, o pensamento em ti, eu como
espelho de ti.
— o espelho perfeito de ti, Alan. te vejo a me ver, que interessan-
88
te. adoro me ver através de ti, a obra acabada melhor que o projeto.
— você é que é interessante... huummm. o todo maior que a
soma das partes.
— bem maior, querido. a omelete melhor que os ovos, frita no
calor do amor.
— e nem preciso quebrá-los... fico com eles e ainda te como,
omelete mágica. quanto mais eu como mais tenho pra devorar, infinita,
textura deliciosa, que promessa! você é Eva.
— sente em teus dedos a pele macia. deixo você brincar comigo,
você me desperta... me faz fluir, borbulhante cascata de sensações.
— me sente tremer, o sangue irrigando o meu falo. meço-te por
dentro, te faço úmida...
— me preparando pra receber teu pau, Alan, como é que você
faz isso? quase me perdi, desliguei a mente. vem, Alan, me abraça.
dois, três dedos meu membro tão duro, Noga, quero gozar em ti, o
fôlego quente arfando. afasto as carnes te trago junto a mim, teus sucos
pingando do meu pau, ah! o cheiro de ti, os cachos de teu púbis cintilan-
do úmidos... o clítoris ardendo, intumescido, os lábios me envolvendo,
trancado dentro de ti, ondas de desejo no mar de puro gozo, maré, ma-
resia, marítima fragrância do amor, que aroma forte e doce a tua virilha
tem, sim, Alan. emoção forte demais para teclar, lambendo gulosa os
finos pêlos da tua orelha sussurra em meu ouvido, a energia aumenta me
arrepia os pêlos do braço... não goza ainda, Alan. embalado em mim,
pra dentro pra fora, me deixa louco. me beija a face mordiscando a ore-
lha, viscoso, espesso, me deixa louca, gemendo alto. quero te amar no
meio do mato pra poder gritar, clamar por ti, Alan, goza agora me ar-
ranha, me morde, me chupa. me afogo no esperma engolida no abraço
enlaçados, Noga, meu pau se contrai de amor por ti, love of my life, desta
vida e de todas as outras, ahhhh.
89
— não sei, Alan. quem me dera ficar aqui pra sempre... mas can-
sei de teclar...
— passemos a noite juntos... e acordarei contigo amanhã, queri-
da.
— ok, te amo demais. vou sonhar contigo.
90
2. Êxtase
Terça-feira, 7 de dezembro
You make me feel like dancing, Alan. Posso te amar pelo resto da
91
vida? Você me dá vontade de dançar, de cantar, o tempo todo. Vontade
de sorrir, de viver... ALL THE TIME. Eis aí mais uma boa razão pra
que eu te ame tanto.
92
— mas a história não acaba aí. quase um ano depois, toca o inter-
fone lá de casa, e o porteiro, todo feliz (ele sempre achou que eu não
prestava), anuncia: é a polícia! fiquei até nervosa, mas sabe o que eles
queriam? DEVOLVER O SOM! um três-em-um bem vagabundo, que
troquei pouco depois por uma garrafa de champanhe.
— à la votre, Noga, teu carma é bom. como vai tua mãe?
— ahhhh, mal. saí cedo pra ir ao banco e deixei um bilhete, com
o bendito tranqüilizante — que ela odeia, fingiu que não tinha visto...
— e o artigo no jornal sobre a Pina. quando voltei, a coisa estava preta,
é uma luta, querido...
—tente dissolver a pílula no suco, que tal? mais especificamente,
como foi com a ajudante?
— na verdade, a nossa faxineira de anos. quem vai ficar aqui
quando eu viajar é ela, coitada... e achei que faria bem a ela, ter uma
idéia do que a aguarda.
— como é que você sabia, com tanta elegância, a letra de Cor-
covado?
— todo mundo sabe.
— pas moi.
— bem, querido, você é gringo!
— gringo?
— gringo, estrangeiro, você não fala nada de espanhol?
— sei o que é gringo... em L.A. não é um termo muito carinhoso
não.
— é, tem razão, mas eu é que serei a estrangeira, não é, Alan?
você nem vai sair de casa... escuta. ando sonhando, fazendo planos...
o sonho antecede a realidade, não? se a gente resolver... em menos de
dois meses fico pronta pra me mudar.
— grandes PLANOS... é tão estranho que alguém pense em mim
como estrangeiro... não me sinto assim de jeito nenhum, je suis un
homme de terre, sem divisões.
— vai tudo indo bem, nosso bebê nascendo... e de parto normal:
vai ver que é teu laser abrindo os caminhos...
— um filho esperado, este nosso amor. fora do tempo... dinâmico,
saudavelmente vivo. você só me dá alegria, Noga, ilumina a minha vida.
— você me acha apressada? sou assim mesmo, fazer o quê? sou
responsável por meus próprios sonhos...
93
— compartilhamos o sonho, não estou preocupado. te acho tão
sadia, que delícia um ser humano assim.
— a gente tinha, de certa forma, um desejo simbólico de mor-
rer... é mais uma morte que derrotamos, as almas resgatadas quando
nos rendemos sem reservas: petite morte, vulgo orgasmo.
— teu orgasmo, Noga, sim, este eu gostaria de ver, sempre fasci-
nado com o orgiástico, o beatífico...
— um momento, querido, volto já.
94
— ambidestro! és humano afinal? ou algum deus que caiu de
Olímpia?
— só um homem...
— ah, não, “só” não, termo errado. a humanidade inteira deveria
ser assim, mas se perdeu pelo caminho... me delicio contigo, sonhando
acordada.
— certo, macho humano sadio. adulto e evoluído.
95
— pra mim você é mais do que real, querido, é ultra-real... uma
benção, no quarto na alma na cona.
— sim, e que dádiva você pra mim... falar e ser compreendido,
sem maiores explicações...
— agora me diz, Alan: cunt é uma palavra suja? vagina sendo tão
solenemente feio...
— não... na literatura erótica, a palavra cunt não tem substituto,
todas as demais opções por demais cafonas... quer dizer, literalmente,
o sulco do arado, uma palavra saxã... a imagem de cunt & cock (cona
e pau) é certamente shakesperiana. no linguajar americano contempo-
râneo, chamar uma mulher de cunt é o que há de pior... na Inglaterra
quer dizer babaca, uma mulher que só dá problema. mas em literatura,
pra expressar a natureza fundamental do relacionamento conjugal, não
existe opção melhor: arar, semear a terra... uma imagem rural, ances-
tral... não exatamente básica, mas idílica... vinda dos bosques, do cam-
po... inocente... palavra poderosa, não corrompida pelo predeterminis-
mo mecanicista.
— muito sonora, sim, mas você tem certeza, Alan, quanto à litera-
tura? um som tão forte e original numa palavra, ou melhor, duas: cona
e pau, entendo o que você diz, nós dois além de qualquer predetermi-
nismo... e por exemplo... se a gente resolve publicar?
— se publicássemos seria erótica, lingüisticamente sofisticada,
contemporânea, verdadeira... sem artifícios. a maioria das palavras an-
glo-saxônicas é germânica por natureza... quando a França conquistou
a Inglaterra, em 1066, o francês — idioma do poder — conquistou o
linguajar nativo, que acabou esquecido... associado ao vulgar.
— e recuperado mais tarde? onde aparece o francês no idioma
inglês?
— definir algo assim é como determinar um ponto no curso de
um rio, e não dá... apesar do quântico nos descrever melhor, o prede-
terminismo mecanicista caracteriza a física dos séculos 19 e 20... no 21,
a realidade é o que se pode observar com os sentidos, a sensibilidade.
a história da língua inglesa é bem interessante... certamente encontra-
mos cunt e cock nos Contos de Canterbury, Chaucer nos fala com um
sabor de francês, de anglo-saxão, de jutlandês... a filosofia dos sentidos
transcende a mente... do século 17 ao 20, tivemos um período mar-
cado pelo amor à ciência, ao conhecimento... por cidades, mecânica,
96
automóveis, indústrias... a alma do homem escravizada pela mente do
homem. o paradigma idílico, em reação ao fim dessa era, é uma busca
que já nasceu morta. sim... você queria saber se era “ruim”... é apenas
uma palavra, o sentido é atribuído por quem a ouve.
— quando o quântico aparece fica tudo mais pessoal, dotado de
um sentimento profundo, de certa forma novamente mágico... além
dos sentidos comuns. para nossos padrões atuais, a mente de Newton
parece bem estreita... talvez até mesmo a de Einstein, para o futuro do
conhecimento. não quer dizer que a gente já tenha visto tudo... que
conversa, Alan, pra quem começou com cona e pau!
— falemos de gozar, Noga. de filhos, de amor, do renascimento
da vida... de êxtase de Deus de felicidade, do que é eterno. em resumo,
falemos de nós. de Toi e Moi.
— de música e de esperança, em resumo, querido, de nós...
quem teclou primeiro, hein? ani ve atah neshane et haolam... eu e você
mudaremos o mundo. somos muito poerosos juntos. ops, poderosos. o
dê pulou pra fora... ele mesmo cheio de força, suficiente pra criar vida
própria.
— existe uma energia excepcional entre nós, muito rara: deve ser
amor.
— até te encontrar, o que experimentei não passou de amostra in-
significante, Alan, hors d’oeuvres para abrir o apetite... me fazer salivar,
como é que se diz em inglês?
— salivate. despertei a Noga e ela está faminta.
— com fome de ti, querido, para tudo o mais anoréxica. minha
cona contando os dias até teu pau, e engolindo virtualmente enquanto
isso.
— e eu com fome de ti, sim... e em portugês, como se diz?
— engolindo virtualmente você, Alan, como se diz o quê?
— cunt and cock.
— sem palavras bonitas... para cock já usei “pau”. estranho, não
é? considerando a natureza da madeira envolvida... “ser mulher. ter úte-
ro e não ter pau”. para cunt fica ainda pior, eu acharia impossível es-
crever poesia erótica em port. poderia dizer “xoxota” mas soa péssimo,
grosseiro demais pro meu gosto.
— tudo tem que ser disfarçado. falamos com a paixão da Inglater-
ra shakesperiana, a linguagem, o ritmo.
97
— ritmo é essencial, não é? é o que dá o tom da prosa, da prosa
poética, mesmo quando a gente goza. ou fode.
— foder é um termo anglo-saxão também, significa plantar, uma
metáfora da área rural inglesa. o inglês não é língua pra romances, que-
rida... apesar de influenciado por eles.
— mas estou te provando que é o contrário... às vezes me preocu-
po, será que estou sendo vulgar? porque você sabe... sou caloura nesta
forma de arte...
— vulgar não... deliciosamente apaixonada... clássica, poética. o
sexo é normalmente grosseiro, algo de que não se deve falar.
— agora je suis tranquille. e com grosseiro, você quer dizer o
quê?
— crasso... libertino... impróprio.
— e antes? você gostava de falar de sexo?
— ah não, Noga... nunca escrevi nada sobre isso, é uma mídia
nova para mim.
— no outro dia, você reclamou que eu estava sendo grossa, e só
agora entendo porquê... boquete é um termo contemporâneo, verdadei-
ramente obsceno, entendo perfeitamente o teu fellatio, meu príncipe,
me perdoa. não percebi que as nossas conversas eram tão literárias, ape-
sar de ter embarcado nessa com prazer e graça, ter deixado fluir.
— sim, um jeito poético de falar, não poderia ser diferente. a po-
esia não é vulgar jamais, nem crassa, sim... você levantou âncora... pra
navegar luminosa, na nau do pensamento erótico.
— mais livre. mais ousada ainda. a consciência se expande e cres-
ce, formando um arco-íris sobre a cabeça... até a poesia agora é úmida...
acredito que esse resgate lingüístico está no subconsciente da massa
neste momento.
— saber o que você sabe é o começo do conhecimento... e saber
o que não sabe o começo da sabedoria. adoro a tua umidade... que tarde
mais inspiradora, o corpo se manifestando através do pensamento. o
que você quer dizer com resgate?
— do ponto de vista xamânico: recuperação da alma extraviada.
vi no blog de um conhecido diretor de teatro, brasileiro e judeu, exata-
mente o mesmo assunto, maculado no entanto por um certo grau de
vaidade.
— o que quer dizer maculado?
98
— humm... acabei de olhar no dicionário, querido. macular quer
dizer poluir, digamos... tornar sujo. essencial é o desejo de ir fundo no
mais humano em nós, onde o homem se reconhece bicho. pra ser idíli-
co é preciso ser fresco, inocente, sem fetiche... um tema ancestral, pos-
sível reação à superexposição do corpo... e ainda assim deliciosamente
sexual, se expressando pela cona... experimentando na fonte. porque
nascemos de um orgasmo amoroso a dois, não há dúvidas quanto a
isto... deveríamos nascer. quem tem essa sorte cresce diferente, mais
centrado.
— sim, o orgasmo é um tipo de centramento, um renascimento
do eu. pra se tornar você mesma, você precisa reconhecer teu Eu... é
claro que em princípio você já é você mesma, um pouco confusa devi-
do às circunstâncias. é o ritmo da mente que faz a história da literatura,
o bicho-homem poético: o bom selvagem de Rousseau. se estivéssemos
juntos, escreveríamos muito pouco erotismo. toda galinha...
— concordo, mas estou me divertindo tanto... vai pra biblioteca
agora, meu amor, enquanto eu fico aqui em casa, ok? pra terminar o
romance, que já prometemos pro editor... mas antes me diga: o ovo ou
a galinha? obrigada por me responder antes que eu perguntasse.
— ...vem do ovo, Noga, portanto o ovo vem antes.
— mas no começo... lá vem o criacionismo, bereshit Deus
criou...
— no quinto dia. ensinei aos meus filhos que Deus é como a
força da gravidade, foi sempre a causa de tudo: condensou o ovo, que
originou a galinha e por aí vai... todas as galinhas vieram dos ovos, e os
ovos de galinha, das galinhas.
— considerando o já conhecido, o futuro é sempre otimista...
e este conceito gravitacional de Deus, não sei não... acho que é mais
como o caldo primordial.
— pois a forma que ele assume também se deve à gravidade, sen-
do ela mesma parte fundamental do caldo. futuro otimista, quer dizer o
quê? o conhecimento transcende o tempo...
— parei no meio da frase, Alan. eu quis dizer que o futuro trans-
cende o que já sabemos, assim como já temos o ovo e a galinha... fa-
çamos uma fritada e deixemos a galinha em paz. quando é necessária
(para transmitir conhecimento), a linguagem adequada aparece, nun-
ca descobrimos nada, de volta a nada de (n)ovo... só criamos palavras
99
novas, descrições renovadas da realidade. o pensamento ancestral, em
linguagem mais contemporânea.
— bem... quando a bomba A foi detonada, ninguém tinha visto
isso antes... adoro isso em ti, querida, que eu possa divagar em lingua-
gens e pensamento e acabarmos juntos em Ein Gedi, no mesmo oásis.
— que visão terrível... o cogumelo, claro, não o oásis no Ne-
guev...
— eu sei, imagem dura, os campos nazistas e tudo o mais... como
os postais horrorosos à venda no Taiti, uma imundície flutuando sobre
o Pacífico sublime...
— macula de verdade a beleza, Alan, adoro o deserto, sabe? em
1970, passei 11 dias no Sinai, sem água doce e sem cantil... o paladar
amortecido, nenhum conforto... e lindas colinas negras onduladas.
— água doce, meu Deus, como eu gosto de água doce. Ein Gedi é
dos meus lugares favoritos, tão vivo e exuberante em meio à terra seca...
céu sol horizonte... nenhuma babaquice. você ficou perdida? nua?
— não, Alan! era essa a idéia: uma viagem de aventura, desértica
mas excitante... a água em êxtase, maim besasson, não é? nós dois nus à
sombra das palmeiras... renascidos pelo amor.
— vem jantar comigo esta noite, Noga, tem salada em qualquer
lugar... te enlaço pela cintura sincronizando o passo, quer vir morar
aqui? em St. Augustine?
— quero morar contigo, querido, seja onde for... estou pronta pra
emigrar... pra St. Aug, se for o caso, porque você mora aí. a comunidade
de artistas me atrai, e lar já temos um: me sinto em casa desde que nos
encontramos.
— faço meu lar no teu abraço, Noga, em teu coração e mente.
vou procurar uma casa para nós.
— que sonho bom, hein? como vai indo a tua tarde, Alan? preci-
so dar uma parada agora, teclamos de novo mais tarde?
— você é minha delícia, Noga... te adoro... meu tempo aqui aca-
bou... vou ver o que posso fazer, é bem provável que eu volte. à tout à
l’heure, mon amour.
— estamos sincronizados hoje... te amo, Alan. tchau.
Duas horas depois ele estava online, olá, êtes-vous là? Eu tinha
voltado naquele minuto, sim, querido, bem aqui... Onde é que você foi?
100
Fez o quê? Na última hora, quero dizer... Parfait, ele disse, me abraça,
Noga... nada de especial. Mas eu insisto... teclando de novo a pergunta,
com cuidado pra não errar. Ele acaba confessando: comprei uma bou-
teille de vin... Já estou vendo que vou voltar a beber, moderadamente
desta vez, espero. Voltei pra chez moi, continua ele, tomei uma taça...
escutei a rádio nacional... Procurei pelas notícias do dia, apesar de saber
que a novidade era Noga. Uma vez, ele conta, jejuei direto durante dez
dias. Comer me parecia absurdo... Eu também, já contei pra ele antes.
Fiquei tão fraca, uma vontade de morrer... Ele achou interessante a des-
crição... Com o voto de silêncio, ele disse, é curioso perceber que muito
do que se fala é sem sentido, mas agora é agora. Cortejamos o fio da na-
valha, mas prefiro, no momento, a fenda entre as tuas pernas. Adoraria
cozinhar pra ele, comida sensorial, não sensual... comida artística, até
mesmo suntuosa (isso foi ele quem disse, pois cozinhe então: comida
é uma boa). Preparada com amor, com sentimento. Vegetariana, mas
mesmo assim gourmet. Comida é comida, ele disse, mas eu discordei:
é consciência. Considerando o quanto já criei, amando e escrevendo
desde que estou com ele, imagine o que serei capaz de criar na cozinha,
no meio de um dia dedicado a fazer amor... Mas ele insiste, diz que não,
que a consciência é que é conseqüência da comida.
101
— mitigo? e se eu fosse Psique? você gostaria? eu poderia pra
sempre parafrasear-te assim, não me cansaria nunca.
— você me satisfaz, no âmago da alma... senta-te em frente a
mim, pernas abertas sob a mesa... quero me banquetear, comer de ti.
— você quer dizer... em público?
— jantamos sozinhos, Noga.
— me come então com as mãos, Alan, por favor. do jeito mais
primitivo, sem outros talheres a não ser tuas mãos, tuas perfeitas, ambi-
destras mãos, finos dedos compridos e tudo. meus dedos também são
finos, mas a mão... é bem pequena, na verdade sou toda pequena.
— profundamente conscientes... sim, querida, mãos de artista, de
cirurgião... exploratórias, igualmente talentosas. você fala como quem
se desculpa.
— você se engana. adoro ser pequena, e raramente uso salto.
— pode ser, mas a tua cona... existe uma fera lá, um gigante. não
me incomodo, te acho linda. contanto que a gente combine e eu te
ame.
— minha cona é perfeita pro teu pau, e pelo que sei, você nem é
tão alto assim... combinamos na altura, na largura, na profundidade...
— verdade... é espantosa, a coerência entre nós. sou alto o bastan-
te pra te olhar de cima ao te beijar, tua pélvis tocando a minha. quanto
ao prazer, não tenho dúvidas.
— ah, isso sim, você pode fazer em público: me beijar apaixona-
damente.
— morei em Paris, andei à beira do Sena fazendo o que os aman-
tes fazem, abraçar e beijar apaixonadamente em público... pra ser sin-
cero, mais olhando que fazendo: não tive grande amor nenhum em
Paris naquele verão, a não ser a cidade em si.
— nunca namorei em Paris, querido, quem sabe um dia... a gente
se ame à beira do Sena.
— não seria ótimo? mas quero você comigo agora mesmo, me
deitar contigo esta noite.
— quem me dera, querido... logo logo.
— é, sei como é, esse teu logo aí.
— amanhã a gente viaja mais. nesse meio tempo, vamos curtir
uma vidinha boa, caseira, íntima, maravilhosa. wunderbar, em St Aug
mesmo.
102
— ou quem sabe em teu quarto, no 13o andar... será que eu de-
veria me mudar pro Rio? teu marido gringo... je t’aime, Noga. como é
possível que mesmo sem ser visto (mas claro que sou visto...) eu possa
ter me apaixonado assim por ti?
— do mesmo jeito que me apaixonei por ti, revolucionei minha
vida em menos de um mês. você seria bem-vindo no Rio... pode vir,
pedir minha mão oficialmente... mas me acredite, nossa vida vai ser
melhor nos EUA.
— ah... convites... formalidades... poderíamos simplesmente fu-
gir, casar quando você chegar aqui.
— só brincando, não quero nada disso, viu? mas se a gente decidir
fugir, fique sabendo que estou pronta. dois dias antes do meu casamento
com o Marcos, minha mommie dearest disse a ele que eu era “difícil”...
e não deu outra, a partir daí, do ponto de vista dele, fui mesmo.
— vai ver que ela foi até benevolente, não é? ou não passa de uma
megera mesquinha, perversa, manipuladora e mal-intencionada?
— ai, Alan, que vibração mais triste... quanto a fugir, estou falan-
do sério...
— transcenda. entre nós a alegria é tão grande... a gente faz luz
enquanto respira... vamos ver no encontro, o que há de verdadeiro nis-
so, em toda a sua miríade de formas. me sinto tão conectado contigo,
que mesmo sem te ver ao vivo estou propenso a dizer sim, te aceitando
loucamente... me casando, fugindo contigo. sendo pra sempre o teu
marido, e você a minha esposa. estou louco pra me casar, viver com
uma mulher...
— minha certeza aumenta... a cada dia que passa esclareço as
dúvidas, todas as possíveis. a aparência perde a importância cada vez
mais. sabe? eu costumava dizer: casar de novo nunca. se eu encontrar
alguém, vai ser cada um na sua casa, nada de morar juntos, ter intimi-
dade. mas agora que te encontrei... quero me pendurar em você 1000%
do tempo, o máximo possível.
— ou se está casado ou não, Noga. será ótimo morar com você.
— pensei 100% e teclei 1000... mas pensando bem, querido,
1000% combina mais com o que estou sentindo...
— foi enfático... e acho que bem posto.
— vou pra cama cedo e acordo com o sol... e você? em todo o
caso, pra criar vida nova a gente se adapta, posso acordar mais tarde...
103
fazer amor contigo longa e preguiçosamente a cada manhã. mas ma-
lhar e correr... eu preciso, pra manter o equilíbrio, entende? o físico,
quero dizer.
— não tenho apego a nenhum ritmo... vou adorar uma cama,
contanto que você esteja nela... nua, aberta e úmida, macia e limpa.
acordar quando você se move e me perder dentro de ti, tomar chá verde
e... torrada? comem o quê os vegetarianos, no café da manhã? acabei
de saber que só tenho mais cinco minutos, Noga... me diz boa-noite,
um beijo.
— (ai meu Deus) chá verde tudo bem, mas no momento só como
frutas. hoje foi tão bom... falar do cotidiano... então boa-noite, meu
amor, durma bem. sonhe com os anjos, e com o futuro próximo: duas
semanas e meia, vou morrer de saudade até amanhã.
— me abraça tão apertado, Noga, que eu quase quebro.
— não quebra não, a gente não vai quebrar... nem se separar.
nunca.
— sonha comigo então, Noga, te amo... ah! se eu pudesse te tocar
agora...
Quarta-feira, 8 de dezembro
104
amo demais. Bom-dia, meu amor. E despertou assim, a gentil tigresa...
Iluminada pela incipiente luz da manhã... o seio ainda quente de sono,
se espreguiçando toda... braços, pernas, mente... Um sorriso lhe aflorou
aos lábios ao ler-me, o amor lhe preencheu completamente o ser: c’est
moi, mon amour, abri a caixa e a mensagem estava lá. Funcionou. Me
fez sorrir.
105
resto de nossas vidas” ou “a guerra é prejudicial à saúde das crianças
e outros seres viventes”... são raros os broadcasting points, centros es-
pontâneos de disseminação de idéias. quando saí da faculdade, resolvi
procurar sabedoria no homem comum, um trabalho duro. faz tempo
que eu não me deliciava assim com a linguagem, com idéias, pensa-
mentos... te adoro, Noga.
— adoro brincar assim, mas foi você quem começou... com a
frase sobre Joyce — deixa ver se eu me lembro — lúbrico lingüista
literário, ou algo assim. tinha um ritmo bom... embarquei nele e curti
a viagem, continuo curtindo. ao reler nossa conversa de ontem, minha
cona doeu, acredita? falando nisso... você leu nos jornais de hoje sobre
a “descoberta” de uma cura para a frigidez feminina? adesivos de tes-
tosterona?
— li, testosterona, um adesivo ou coisa parecida, dou um beiji-
nho nela pra fazer sarar.
— desta vez você se atrasou. quero dizer que sempre que leio
dói, porque teu corpo não está fisicamente aqui. quanto mais você me
excita, mais eu te imagino fazendo de verdade, isso vai me deixar ma-
luca... teu jeito de descrever o sexo é como eu sempre sonhei. remédio
bom mesmo contra a frigidez feminina é o pacote hormonal completo:
homens maravilhosos com muita testosterona dentro... como você.
— o estranho é que ao ler isso vou ficando de pau duro, me sinto
apertado dentro da calça. às vezes é insuportável, estar fisicamente lon-
ge... descreve pra mim teu cheiro, a roupa que está vestindo.
— pô, Alan, uma roupa velha, nem vale a pena a descrição, mui-
to calor hoje. meu cheiro... acredito que seja bom. nunca uso desodo-
rante, e perfume... só o natural: feromônios.
— e você toma banho?
— todo dia, ou até duas vezes por dia... bobo. no momento, usan-
do “Paixão”, um sabonete líquido da aromaterapia: ao deslizar a espon-
ja pelo corpo, encharcada com o líquido avermelhado, penso em ti...
gosto de tomar banho junto, na banheira ou no chuveiro... mas até já
me esqueci como é...
— gostaria de te dar um banho, água morna/sabonete, úmido
pelas curvas do teu corpo, ensaboar teus seios... mamar a água deles.
é estranho que eu possa fazer amor contigo em palavras, com tanto
carinho e paixão...
106
— agora imagina: você ficando teso enquanto te ensabôo, che-
gando na virilha.
107
encostado na porta do banheiro, tentando imaginar... não é erótico o
bastante... preciso te ver nua, sorrindo... as pernas abertas, reluzente, se
tocando.
— será que morando juntos, Alan, vamos querer nos masturbar?
antes de te encontrar, os machos me pareciam estranhos, não conseguia
entendê-los.
— teu irmão, teu sobrinho... abrir-se completamente é difícil, seja
com quem for, eu pensava na foto... que você não vai mandar nunca.
— meu irmão, hum... um sujeito ótimo, mas meio distante. eu
me referia a relacionamentos, com você fico tão à vontade... você me
completa e me sinto aberta, sem stress... contente. você me vê como
realmente sou, me expresso plenamente.
— e por que não? é um prazer te entender, Noga, és profunda...
quem poderia ter uma visão completa, abrangente, da complexidade de
teus pensamentos? de tua percepção? com você, me sinto confortável:
a conexão de mentes resulta em grande erotismo, e você me honrou
com tua confiança.
— é... na família ou entre amigos... me sinto uma estranha. o
Marcos, quando me conheceu, pareceu gostar... mas no cotidiano, só
queria que eu cumprisse direitinho o papel de esposa, fizesse as com-
pras... controlasse a empregada, administrasse a casa enorme. até que
sou boa nisso, mas com ele fui incapaz...
— e daí? você se recolheu ao silêncio? rápido, Noga, tecla rápido,
e então?
— então buum.
— você mandou ele se foder.
— não foi assim tão fácil. e ainda tive que lidar com o fantasma
da falecida esposa dele... as gavetas do meu banheiro cheias das coisas
pessoais dela.
— não, Noga, nunca é fácil. mas você é capaz, em qualquer coisa
que escolher... pintar as paredes de branco, tirar as cortinas... deixar a
luz entrar. jogar fora a mobília, comprar umas plantas... homens são
babacas, idiotas ignorantes.
108
co, deixando a luz entrar... ikebanas no vaso, flores frescas todo dia,
meu amor, só pra você) e... mamãe começou a falar compulsiva, algo
sobre viajar comigo, mas tenho um namorado esperando... e ela: por
que você não casa logo? vai morar com ele de uma vez???!!!??? e se eu
for mesmo, mãe... você vai gostar? nada de resposta.
— você indo embora, quem sabe contente, fugindo... em direção
ao amor, à sanidade... para a liberdade, ela com medo de ficar sozinha.
vou ter mesmo que morar no Rio...
— fugindo não... e você gostaria, Alan? sei que se fosse preciso,
você viria... o problema é que sonho em me mudar... pra bem longe da fa-
mília, que de tantas formas me massacrou... agarrando a oportunidade.
— massacrada... brutal. se for tudo do jeito que esperamos, não
importa onde vamos morar... então aproveita, querida, sou... humm:
uma “oportunidade de ouro”.
— não põe palavras na minha boca, bobo. estou falando de morar
na América... numa cidade mais calma, o sonho americano e tudo o
mais... vou precisar de carro? aí em St Aug? mas não vai pensando que
é fuga, idéia errada. a possibilidade de emigrar é só um toque de Midas,
realmente acredito que poderia dar certo.
— é provável, se estivermos apaixonados... St. Augustine é bem
charmosa, e na escala humana... caminhar... andar de bicicleta... para-
lelepípedos, 12 mil habitantes... vai depender de você, Noga, de nós.
meus filhos crescidos, adoraria ter um amor... andar pela praia, os qua-
dris se tocando... teu seio apertado contra mim.
— já estou lamentando este pulo no real... você ficando frio de
repente, ainda tem medo... mas não temos escolha, Alan, ou você pre-
feriria nunca me encontrar? teclar assim, pro resto da vida...
— sem investir não há lucro, Noga, e se o risco existe... sou ro-
mântico, mas realista... prefiro te encontrar. a vida real, em geral, não
passa de 10% do sonho.
— às vezes sai igual (o que já seria bom), mas imagine se excede:
você faz meu tipo, e em cada detalhe... a não ser que seja... um perfeito
mentiroso, me iludindo com seus truques (do que duvido). deixando de
fora o corpo, nosso grau de intimidade é alto, idéias e ideais claramente
manifestados. e se o teu pau for mesmo grosso, com veias saltadas...
tuas mãos grandes e longas, acariciadoras... os teus cabelos cacheados,
o abdômen tanquinho e o coração amoroso... e tuas palavras poéticas e
109
sábias... vou ter medo de quê? é como se eu tivesse projetado você no
céu, pra te encontrar na terra mais tarde.
— há coisas que às vezes não digo, pra evitar ferir alguém, mas
entre nós... não posso imaginar intimidade mais profunda, Noga. sou
quem sou, não vou fingir nada, nem pra ninguém. algumas mulheres
disseram que me amavam (não muitas), mas você me ama como eu
provavelmente sou... como sou comigo mesmo, o Eu do eu... tanqui-
nho foi você quem disse, é mais como o Davi.
— que tipo de coisas? o de Michelangelo? bem... (risos) o pau
dele não é exatamente grande...
— eu me referia ao estômago... o pau dele é pequenininho.
— ai, Alan, não me leva tão a sério... comigo você vai ter que
falar tudo. ser franco, quero dizer, porque você já é. estou sabendo, no
entanto, que vou ter que me adaptar... e sendo amada e compreendida,
suficientemente nutrida... vai ser fácil, serei flexível. aberta pra você.
— se me concentro em algo, é com tanta energia... que a ilusão
do auto-engano é queimada, eliminada do eu... cauterizada mesmo.
trata-se de uma técnica, um processo terapêutico que aprendi. só pode
ser feito com amor, porque a responsabilidade pelas conseqüências é
minha.
— se a energia de mamãe interfere ficamos sombrios, percebeu?
na semana passada, se você se lembra, levamos um bocado de horas
— e vários emails — pra superar... ela é tão invasiva! costumava se re-
ferir a nós duas como se fôssemos uma, sem fronteiras limitando o eu...
e não sou tão perita, sabe? em me proteger... o conceito espiritual de
invasão pode até soar absurdo, mas pra mim é bem real: passei a vida
enfrentando isso, ela querendo viver por mim, ou pelo menos através de
mim. deve ser este o combustível básico da minha terapia, motivo de eu
ter pesquisado tanto... a ponto de me transformar... em alguém que ela
não conhece mais, e mesmo assim ainda me perturba.
— você parece ingênua, mas na verdade é evoluída, a gente dá
tempo ao tempo. saudável, sim, precisando se libertar dessa puta parasi-
ta que te atormenta... usando a morte do teu pai como instrumento de
controle. quem faria bom uso de terapia é ela, uma bruxa senil... reparei
sim, na tua energia embaçada, mas sem culpa, capaz de salvar a própria
alma... abrir-se pra alguém, que por ignorância não te respeita... que te
faz mal, suga a tua vida, a tua alegria, sem ter consciência do que faz...
110
pode causar um trauma, Noga, te amo. não quero te magoar nunca. ou
te decepcionar.
— ingênua? pode até ser... incapaz de fazer joguinho, isso sim.
cansei de ouvir conselhos: “homem não gosta de mulher fácil”, mas
eu... não consigo dissimular, sempre transparente. fui sincera ao co-
mentar a chance de me mudar, um pequeno detalhe — como um
átomo — mas certamente conveniente, e se eu não contasse, você não
saberia nunca... se sentiria o máximo, orgulhoso com a minha disposi-
ção de te seguir aonde quer que fosse.
— você não é corrupta... também não sou. aprendi a ser transpa-
rente, a não vender a alma ou corromper o espírito. um átomo de nós
com certeza existe... produzindo fissão. quando te ouvi cantar... a tua
prece a Govinda... a força e a franqueza da voz... fiquei impressionado,
pasmo. você arriscou, e conseguiu cada agudo que pretendeu.
— adoro um desafio, é o que me faz seguir em frente. você bateu
na minha porta... e te aceitei assim, não quero te mudar... gosto de você,
do jeito que você é: se descreve forte, é tão excitante... afinal de contas,
pasmo é uma palavra boa. minha voz sou eu, é o melhor de mim, sabe
por quê? Alan? você está aí? por ser tão nua... mais reveladora que o
texto... porque apesar de ser sincera, e dizer sempre a verdade... escrevo
bem, querido, poderia te iludir fácil.
— duvido, Noga, sou cético... e bem treinado. avaliei teses, apren-
di a ler.
— nas entrelinhas, você quer dizer... não é que eu ESTEJA, bo-
binho, te iludindo. teclamos tão rápido, nem dá tempo de pensar... o
email ainda dá pra revisar, mas online... é um avanço enorme no namo-
ro virtual, sabe? fica tão espontâneo, tão real.
— existe um vazio tão grande de interação humana... que me
consolo com areia e água... estou curtindo essa ilusão. é preciso ser
capaz de escrever e ler — é qualificação básica — de ouvir o que se
quer dizer, não meramente as palavras... ouvir o que é dito antes que o
digam. tendo olhos e ouvidos pra isso, dá pra ouvir a pessoa pensando.
— teus dias de solidão estão contados, querido. sem profundida-
de, como é que teríamos tanto assunto?
— e o texto completo do nosso diálogo? te parece bom?
— ah, já te disse: é sofisticado, marcante... soa como legítima
literatura, nem imaginei que fosse tanto. quaisquer dúvidas sobre a tua
111
honestidade... logo se dissipam, na dimensão do teu pensamento... e
você vai ler, não se preocupe, tenho tudo arquivado.
— no tempo exíguo que tenho aqui, às vezes me perco... desabo-
toa a blusa, querida, descreve os teus seios para mim.
— os mamilos estão dormindo, mas a cona não, sempre disposta
pra você. ela está sensível, sabe? como se tivéssemos trepado mesmo,
tão inchada e irritada... realmente penetrada, todas as vezes que escre-
vemos sobre isso. você é tão real...
— tão teso, isso sim!
— seios redondos, pequenos, quase sem veias. a pele clarinha,
pesando um pouco sobre o estômago, se encaixam direitinho na tua
mão. dois ou três pêlos fininhos, porque não depilo, mamilos aplaina-
dos, diversos de outros que vi. mas ficam logo salientes quando você
os toca, mordisca de mansinho: de um rosado escuro, dá pra senti-los
te arranhando a palma, os lábios, lambe sim, querido, suga o mel que
escorre deles ao ver-te, ai, Alan, nunca me canso de dizer que te amo.
de provar, testar teu amor por mim.
— me deixa mordê-los, Noga, as orbes macias... minha língua
rodeando os bicos, teso com o pensamento em ti.
112
— ai, Alan. tenho tanta pena de ti... não imaginas... o que é ser
comida por ti, uma mínima idéia... nenhuma pista.
— e nem você... do prazer que me dá...
— sim, meu amor, me abraça, cantando baixinho uma cantiga
antiga, me põe pra dormir.
— te aconchego... as costas da mão acariciando a testa... doce-
mente... até que adormeças.
— não acredito, huummm, as costas da mão... que lindo, ai meu
Deus. detalhe incrível: perfeição.
— agora foste meiga, chère. estás aí? fazendo o quê?
— pensando em ti... sonhando... paralisada em frente a uma tela
que cospe encantos, sem se cansar nunca.
— pois é chegada a hora de dizer adeus, querida... tenho um
compromisso daqui a pouco.
— certo, Alan, mas não sai daí nesse estado, relaxa primeiro,
amor. te vejo em breve. Deus te abençoe.
113
— só pode ser piada mesmo... pois interferiu, transformou tudo,
completamente... sinto muito, Alan, ter pifado esta tarde. é esquizofrê-
nica, a situação aqui... e não é que alterne ciclos de euforia e depressão,
são os dois ao mesmo tempo, um de cada lado da porta do meu quarto:
instantaneamente ciclotímica.
— quoi? que situação? como se eu não soubesse... quoi? eu quis
dizer no teu negócio, Noga, te amo. dit-moi o que te incomoda, não dei-
xe o meu discernimento covarde impedir o nosso amor... não há ambi-
valência em mim... somente a desapontadora promessa de decepção.
— não quero mais sofrer, Alan... quero alegria full-time... e es-
perar pra ver, relaxada e calma. ficar ansiosa não muda nada, mas que
diabo de promessa é essa? promessa ou ameaça?
— qua? ameaça? moi? Noga! nunca amei ninguém, mulher ne-
nhuma como te amo. será tudo ou não será nada... e seja o que for, já
está em processo.
— é, Alan, estamos destinados: 28 de dez. não vou ter medo da
maldita decepção.
— medo, Noga: o matador da vida. você vai adorar St. Augustine,
é um centro da deusa, apesar de lésbico. et maintenant?
— não sou adepta desse tipo de deusa... mas sei que vou (adorar
St Aug).
— Noga!
— fala...
— te amo, como nunca amei ninguém.
— ok, teoricamente acredito.
— acredita em quê? nunca amei no espaço virtual...
— que você me ama e que te amo também, é meio perturbador,
não?
— o quê? que te amo... mas não posso me comprometer com o
sonho? o amor virtual? é... a ilusão, a mente correndo desenfreada... me
comprometo contigo, Noga, em minha alma.
— fica quieto, Alan. antes que diga o que não deveria.
114
o nervosismo. Mas quando o vi no aeroporto, tão lindo e carinhoso...
achei o máximo. (arrependimento. profecia. a alma não tem idade, Noga.
tua capacidade de amar é infinita) Me levou pro chalé da filha dele à
beira do lago, um fim de semana maravilhoso... o sonho correspondeu...
quero dizer, no primeiro encontro. Os problemas vieram depois... acon-
tece com qualquer casal, não? (materializo, Noga, a realidade que eu
quiser) Foi tranqüila a passagem do virtual ao real: a alma combinou
com o toque, a gente se conhecia... Imagine então você e eu.
115
— e chegar no hotel, no meu abraço. pensei que era em Orlando.
— o hotel é: Quality Inn, International Dr., 9000. mas o vôo é pra
Tampa, o resto é de carro. vamos marcar uma hora?
— quando? abre a porta nua que eu te trago flores, só sendo im-
pertinente...
— por volta das três, eu acho. flores sim, mas nua sem beijo an-
tes... acho arriscado, querido. nua... será que é boa idéia?
— acho engraçado, Noga.
— o quê? se você promete bater na porta nu... pode até ser...
— você me faz rir, já estamos nus há muito tempo, então qual é
o risco? se o virtual pode ser real?
— e me despir, você não acha excitante? com urgência. apaixo-
nadamente.
— sim, de beijo em beijo... botão por botão. vou chegar nu, sem
defesas, sem paredes em volta o coração aberto, sim, levantar teu ves-
tido e te penetrar sem dizer palavra... sem sutiã nem calcinha, nua...
como um presente de Chanuká, deixa eu te tocar.
— Chanuká, quem me dera... é na semana que vem, não daqui
a 17 dias... humm. juro que ia te perguntar agora: com sutiã ou sem?
quanto a botões, duvido um pouco... que eu tenha uma roupa com
botões, quero dizer.
— não me importo com a roupa... Chanuká é hoje! chag sameach!
— é mesmo! pode apostar! nem reparei... e eu aberta pra você,
querido.
— ani ohev otach, Noga, te amo.
— uau! me subiu um calor! essa declaração em hebraico... nunca
falei de amor em hebraico antes... me deixou maluca, chag sameach,
motek sheli. meu docinho.
— é tua franqueza que eu adoro... tua alma se despe diante de
mim, é tão vital... e o hebraico é fundamental, um lugar diante de
Deus: sem mentiras ou artifícios, meu eu puro diante de Deus. me vai
direto ao âmago.
— e é por te refletir que começo a falar a língua, depois de 30
anos... adoro a qualidade ampla do nosso amor... linguagens múltiplas.
— você queimou a largada, Noga. terminou o pensamento antes
de mim... nosso amor no cerne da criação, no núcleo da célula. pipa
dentro de pipa.
116
— mutuamente registrados, querido, no dna: o código do amor
preservado, transmitido entre gerações. você me atinge no peito, no
hara. é pura luz.
— e é sem nenhum esforço... por puro instinto. te amo por instin-
to, sempre te amei. sempre vou te amar, chère amie.
— como é que pode, você falar assim? provocar esse eco amoroso
em mim? (suspirando alto)
— sou poeta e você, meu tema. se não de amor, de que mais
falaria a poesia? este aqui sou eu, sem disfarce nenhum.
— estou chocada, Alan, não dá pra evitar. como é que eu fui tão
sabida? publicando nome e endereço, e justo no lugar onde você me
leu? como é que pode, você ser tão bonito... tão poderoso, tão inspira-
do? admirada com o fluxo de consciência, o poder que ele tem.
— o amor? a conexão entre nós? o fato de eu falar contigo e te
deixar molhada? que você possa falar, e me fazer falar assim? é destino,
querida. sorte. você falou eu te escutei, eis a mitzvá... correspondi. sou
teu espelho, você vê e ouve a si mesma em mim.
— a imagem que vejo é tão cheia de luz... devo ser bem bonita
então... e já nasci com saudades de você. te procurei em tantos outros
rostos... peças desconexas de um eterno puzzle, que agora revela você.
— c’est moi chère... somente moi. Isaac, filho de Jacó, o levita.
vivemos em busca um do outro... era assim com o Marcos? algum dia
foi assim com alguém?
— ih... não. nada disso, Alan. esquece, uma pálida sombra, breve
ilusão. nunca, nunca meu amor, nem sei por quê perder seu tempo
perguntando... se já sabe a resposta. ou será que quer ouvir de novo?
— é isso. quero. é o curso do pensamento, do sentimento, vem,
me abraça... teu corpo junto ao meu, ainda virgem de mim. que pala-
vras! que energia você evoca!
— ai, Alan! tão envolvidos na emoção... me sinto explodir, ou
qualquer coisa assim. quem sabe renascer, pra uma felicidade tão gran-
de que nem dá pra entender direito. quero me dissolver em ti, pra ser-
mos um.
— me deixa apertar teu peito, extrair o ar de dentro de ti... te pre-
encher comigo, eu pleno de ti, transbordando de ti. me deixa ser você.
sim. espelho mútuo, além de tudo que já foi escrito. tantra. o amor
manifestando Deus, um espelho lírico de Deus.
117
— agora sim, você pode ensinar aos teus filhos o amor verdadei-
ro, profundo.
— que tal se eles pudessem ver, a luz que brilha entre nós... où
est toi, chère?
Quinta-feira, 9 de dezembro
118
— que vista linda, Noga, ou eu deveria dizer: UAU, que vista
linda. adorei os votos, filha de Abrahão, a santidade é tão rara...
— bela paisagem, não é? (me atrasei pra teclar) bem carioca, e o
outro email? o poema, em resposta à tua pergunta de ontem?
— o atraso eletrônico me deixa sempre perplexo. nunca consigo
saber se está acontecendo mesmo, ou se é um hiato no pensamento, pa
pac tibum bum bum. que poema? em hebraico?
— em puro inglês, é óbvio que você não viu. vou te mandar online.
— ok, querida. corta a minha cabeça fora, em puro inglês.
— recebeu? Alan! você está aí?
— quark aqui. navegando, ah... não... sou universo!
— ah. baby, you’re sooo vain, tããão vaidoso.
— as palavras são tuas, meu docinho de coco.
— então, mestre... gostou? respondeu às tuas dúvidas?
— você é brilhante, não há dúvida. criativa. poética. estou fassci-
naaaado pela tua inteligêêêêência e graaaça, infinitamente me agraaa-
das. me dás um graaaaande prazzzzzzer.
— me divirto taaanto criando pra você, você não faz idéia. en-
quanto não dá pra outra coisa, a gente faz arte... mais tarde não vai
sobrar tempo. grrrrr. tigre.
— grrrr pra você também, tigre brilhante em chamas. máquina
tããããoo leeeeeeenta, teu clítoris não me sai da cabeça. tentei me mas-
turbar ontem à noite, mas não deu...
— ai, Alan. você e seus problemas de imagem... então, você car-
rega “Ele” no bolso?
— “Ele” quem?
— o grelo, brincadeirinha...
— ahhh!!! Eeeeeela... dona Cooona... la belle femme.
— ai, querido, desculpe. acredite ou não, clítoris em português é
masculino, e então? você carrega Ela no bolso, perto d’Ele?
— ah, Ele. que absurdo a linguagem, o gênero! se eu pudesse ver
a tua rosa...
— curioso, é? tão chauvinista! e não dá? você não tem a foto? de
qualquer modo, não passa de um pênis castrado, não é? de acordo com
você-sabe-quem.
— Freud? o pênis dando o ar da graça, que chauvinista judeu
desgraçado! o pênis antes-de-se-tornar pênis... concentrado, só a pon-
119
tinha, um pênis que poderia ter sido. Freud era um filhinho-da-mãe,
tão cheio de culpa... — deixa eu dar uma olhada nisto, um close com a
lupa — frígido, emocionalmente superficial. morto. incapaz de grandes
paixões.
— tá brincando... pobre garoto, imagine a supermãe judia dele!
já a mente científica do Sig, sim, serviu pra alguma coisa: todo mundo
pensando em sexo o tempo todo.
— porque ninguém faz... é preciso em princípio ser alguém para
interagir com o outro, e a maior parte de nós, na civilização contempo-
rânea, é terrivelmente fragmentada.
— e nem a gente... snif snif. engraçadinha hoje, mas agora é sé-
rio, Alan. estímulos mais. ops, demais. emoções demais.
— loucura de mais e Bach de menos, jazz de menos... beleza de
menos. a civilização, deixando os ratinhos malucos: “uma das coisas
que um homem pode fazer é dar o fora”.
— e se tornar selvagem?
— ou ficar, Noga, e ainda assim ser selvagem: a la Rousseau.
— acordei com fome de cultura hoje, querido. andei muito en-
tediada, mas agora... fiz as pazes com Deus. o tédio talvez fosse outra
coisa... como luto, um hiato na vida.
— zzzzzzzzzzzzzzz. 60 ciclos por segundo, pedalando em ponto
morto. fazendo o quê, quando me deixa esperando?
— pensando no que teclar. escolhendo entre a miríade de coisas
que quero te dizer... como é a vida cultural na Flórida?
— não pensa, tecla... tem algum balé... jazz e música clássica em
Jacksonville, mas quer vida cultural? vá pra Paris... a Flórida é como
Minas Gerae, com as pedras (preciosas) e tudo. adoraria descer o Ama-
zonas, é um dos meus mitos da juventude.
— não dá pra ir a Nova York no inverno, tomar um porre de arte?
o Amazonas é bem bonito, estive lá aos 15 anos. podemos ficar numa
cabana no meio da selva, vam’bora, de que mito você está falando?
— das belezas da Amazônia, sem pensar na realidade da pestilên-
cia, das doenças... malária, disenteria, calor e desconforto... você sabe,
o ideal: sem os ossos e o sangue da vida real. o vôo até NY leva umas
duas horas.
— não sei, Alan, o ecoturismo é bem organizado lá, não se vê
tanta miséria assim.
120
— é mesmo? devo estar vendo um filme antigo, tipo Humphrey
Bogart e Lauren Bacall.
— mas se Bogart e Bacall eram o máximo, nada a ver com mos-
quitos. o Brasil não é uma selva, sabe? tem bem mais do que índio aqui
(risos). quando eu morava em Pirenópolis, um amigo prometeu me
levar às minas, pra comprar esmeraldas na fonte, mas acabei voltando
pro Rio antes... podemos tentar, descolar algum dinheiro, e se você
quiser... ter o melhor de dois mundos: do primeiro e do terceiro. ops.
emergente.
— esmeraldas brutas, espécimes minerais... seria divertido, existe
um mercado enorme pra isso. vocês têm superpopulação, pobreza, do-
ença... como nós: é a civilização que não presta. você sabia que Bacall
é judia? dá gosto ver o principio judaico manifestado assim, de forma
tão bonita.
— pensei que você estava cheio desse tipo de negócio...
— comprar umas pedras, vender umas pedras... fazer amor com-
prar uma terra construir uma casa... parece boa idéia.
— falei de você pra minha cunhadinha hoje, ela perguntou o que
você fazia.
— você me mima. e o que você disse?
— que era atacadista de jóias, um bom álibi... e ela: mas que
coincidência! eu respondi: uma entre muitas...
— você vai direto ao ponto... me faz sorrir. acho que eu ia ser
demais pra ela... ela está curiosa?
— é claro... a Noga tem um namorado, o que é raro... e acima
de tudo, bem adequado, judeu e tudo mais... um empresário. desde
que você se comporte, controle um pouco essa tua mãozona... em bom
português, você diria que sou uma peste.
— é, bem comportado, educado. criado a pão-de-ló. posso impri-
mir alguns cartões, Noga. é raro eu ficar tão comovido.
— mas agora está até a borda, né? que cartões?
— cartões de visita, dizendo que sou qualquer coisa: qualifica-
ções suficientes pra agradar. eu poderia usar um bom terno...
— você já está aprovado, Alan. no céu e no inferno, e qual é o
teu estilo?
— acadêmico, conservador... tipo Harvard, céu e inferno... tenho
passe livre pra lá. tipo bond... James Bond.
121
— hummm, com maleta e tudo? Harvard... não consigo imaginar.
— um executivo do ramo de jóias: trench coat, terno de três pe-
ças... depois do Havaí, fiquei mais casual.
Tive que dar boot por causa da memória e quando conectei, ele
estava de volta, três minutos... relendo o teu poema, onde é que a gente
estava? Huummm, com a maninha, talvez... e família e estilo, e es-
meraldas... um bom álibi. Um pedaço de terra, construir uma casa. O
que foi que a mana achou, ele me pergunta. Ela... bem... tipo assim...
Sorriu. Gostou. Essa história de construir casa, só vi depois que desliga-
mos... (um bloco de concreto, janelas amplas, estilo Bauhaus... Mies van
der Rohe. piso de carvalho paredes brancas toda envidraçada) Projetar
uma casa, um sonho antigo mesmo, desses de arquiteta, Alan. Meu
favorito é você.
122
breve, e onde é que fica a música? no respirar? na tua voz? no teu corpo,
no teu encanto... um astaire, é o que você é.
123
minha mão acaricia o grelo você me engole na cona enquanto eu
gozo vibrando, descontrolada nas ancas úmidas, você teso, Alan, na
casa de Afrodite, me inunda com teu sêmen enquanto te ordenho.
124
UAU, Noga, teu “I love you” me deu um arrepio... falou-me ao
âmago. que doce canção tu és, Noga... ani ohev otach... te amo... sois
esposa para mim...
Sexta-feira, 10 de dezembro
125
lambo te sorvo te faço crescer, teus olhos se fechando quando chego ao
púbis (teu pau nas mãos) o falo em riste na boca faminta, chupando
com doçura. me sento na virilha (teu pau nas mãos) me encaixo pela
cona, o peso da bunda em tuas mãos contida, te monto: pra dentro pra
fora pra dentro pra fora pra dentro pra fora sorrindo para ti, me tocas o
grelo me inclino um instante meu seio em teus pêlos (você) me extrain-
do o suco esperando o gozo, teu gozo, tua volta online...
— eu sinto tanto!
— não se preocupe, amor, só te provocando, mesmo assim mor-
rendo de tesão.
— que filha-da-puta! dirigi feito um louco... crueldade, pensei, te
deixar assim, que abrupto!
— filha-da-puta? eeeeu??? ah, querido.
— só uma expressão, pode até ser carinhosa, normalmente mali-
ciosa, e o tempo todo só me provocando...
— eu sabia, você tinha que mudar, mas afinal: por quê? teu tem-
po na biblioteca é limitado? com internet disponível?
— a biblioteca se entupiu de gente de uma hora pra outra... 15
quilômetros de corrida até aqui, outra biblioteca novinha, tecnologia de
última geração. posso falar à vontade, ninguém conhece ainda.
— tem skype? você ia adorar me ouvir, sussurrando em teu ou-
vido.
— ainda não. por falar nisso, como é que se pronuncia o teu
nome?
— Nóóga. com o óó bem aberto, como pra você a minha cona.
— e o gê? teso? Noga, em inglês, é um nome esquisito... para
uma mulher. lembra nogahide, um tipo de couro falso.
— mas meu nome é em hebraico... em Israel muitas Nogas, quase
Maria... é o nome de Vênus, a deusa do amor... te mandei um arquivo.
— capisco. estás milhada? molhada, digo. vraiment je compren-
ds, é isso mesmo. quando faço amor contigo, será que você se toca?
— ultimamente não, sabe? nem preciso, só de teclar já fico mo-
lhada, latejando. eu estava um pouco, como direi, arranhada, gasta...
de tanto me esfregar, desesperadamente tentando sentir você. e quero
chegar aí nova em folha, fresquinha. acima de tudo, estando tão ligada,
tão conectada contigo, sinto as sensações sem toque, como se eu fosse
126
você... em ambiente público, quero dizer. eu estava tão excitada ontem,
morrendo de tesão, pedi mais... realmente querendo. e o que é mais
engraçado: quando a gente faz amor me envolvo completamente... e
quando acaba, acaba mesmo. sem você do outro lado da tela não sinto
nada.
— oh, minha querida, isso foi tão lindo, tão perfeito. tua nota
fazendo amor foi incrivelmente boa. inteligente. sensível. apaixonada.
— que nota? mudando de biblioteca?
— é. você fazendo amor comigo. consciente. bem-feita.
— vem de você, querido, faço por ti o que nunca fiz antes, nunca
mesmo. nuunca falar o sexo desse jeito.
— mas fez, não, Lilith? sois modesta.
— fazer eu fiz, poucas vezes, não é? tive alguns amantes, a maio-
ria péssimos. com meu primeiro marido, o sexo era bastante bom...
antes do casamento, porque depois ficou raro. me traía, o imbecil.
— f...-se ele, querida.
— durante dez loooongos anos, tive um amante gay. eu o amava
tanto... mas ele nunca me tocava, Alan. só me tocou uma vez.
— um amor gay, Noga? picante! e o que aconteceu?
— um homem gay: Celso. ele era lindo, charmoso. muito críti-
co... na prática, vivíamos como casal, mas sexo que é bom... eu adorava
a inteligência, a criatividade, a sagacidade dele. o que aconteceu? dez
anos. fiz um esforço, parei de vê-lo. ele me fez sofrer demais.
— histórias. faz muito tempo?
— ah, faz. mais de oito ou nove anos. depois do Marcos, tive um
amante... que se dizia tântrico. chamava-se Garcia Lorca, acredite, um
espanhol. me inspirou alguns poemas, mas além do sexo insistente, não
tinha muito pra dar.
— você andou ocupada! infinitamente mais que a maioria... em
profundidade. em alcance. em paixões.
— sempre appassionata, é verdade... mas freqüentemente rejei-
tada, querido, impressão errada: a maior parte da vida passei sem sexo.
depois do primeiro casamento foram quase dez anos... e agora já são
seis. quando deixei o Marcos fiquei realmente triste, o coração partido.
127
deixei as paixões de lado e vivi como uma monja, celibatária por opção
para o resto da vida. foi então que você apareceu.
— esperta demais... sim, a tristeza pode dar à luz o monge... eu
fui. celibatário, quero dizer, por seis anos... depois da Julie.
— sem sexo? eu pensava que pra homens... era impossível.
— homens... sou un peu bizarre, realmente cagava pra sexo, ou
não encontrei quem evocasse isso. ficar sem sexo não é nada... já sem
você é outra história.
— você faz amor com tanta paixão, como pôde ficar sem sexo?
— sexo não me interessa... fazer amor sim, é como um poema,
uma oração.
— nem mesmo quando era boêmia, nem mesmo bêbada, jamais
me deitei com alguém que não amasse, mas afinal... estou mentindo...
nunca amei antes: te amando me sinto virgem, nunca amei ninguém
como te amo... sendo eu mesma, sem restrições, e o que é melhor:
correspondida. fazendo amor pela primeira vez, o resto não passou de
imitação de sexo... é incrível como viajamos juntos, tão espontâneo e
livre... ai, Alan, morro de vontade de encontrar você ao vivo, ficar quie-
tinha, abraçadinha contigo, o reconhecimento completo. quase 53 anos
de espera... mal dá pra agüentar as duas semanas que faltam. mas sexo
sem amor? nunca.
— nem eu, Noga. te deflorei, rasguei o hímen da tua inocência.
não dá pra se entregar assim a mais ninguém, derramei a luz do meu
ser sobre o revestimento da tua alma. amor é isso... deveria acontecer
sem esforço, infinitamente evoluindo, como um poço artesiano: emer-
gindo do solo por sua própria energia, sem ser bombeado. ou bajulado,
ou arrastado, chutando e berrando à luz do dia, Shabat shalom. está
ficando tarde aqui.
— já de saída? pensei que você tinha dito que podíamos falar por
horas... não tenho nada pra fazer numa sexta, e o que aparecer... deixo
pra amanhã. não tenho trabalhado muito mesmo, não sobra energia.
— arranca fora as roupas, Noga, espalha a cona pra me deixar
entrar... me imiscuir em ti com este meu pau, explodindo de tesão.
— para um homem que não liga pra sexo, você até que é bem ati-
vo... não me deixa em paz um segundo... e eu adoro, Alan, ai. sentada
no teu colo. despida, como adoro esse falo teu.
— e eu... a tua sempreúmida cona, os músculos dela, a pele fofa
128
das tuas coxas. só você, querida, provoca tal paixão... e como eu amo a
tua bunda firme.
— acho o mááximo, a bunda masculina. tua mente. tua língua
e esses teus olhos vesdes. ops. verdes. tua bola linda. tua boca, digo,
inconveniente demais hoje... quero tocar com paixão cada pedacinho
teu, traduzir amor por mãos... e lábios. o que sinto foge a descrições,
uma emoção profunda... subindo até a garganta, afetando o tronco in-
teiro, e enquanto vai ficando forte, a cona começa a pulsar.
— te atinjo no fôlego, no seio ereto, na boca arfante. no bombear
do teu coração, você sobre mim escancarando a cona.
— suspensa contigo, num ponto qualquer do espaço virtual. ou
cósmico... lamentando a falta do ovo.
— ovo? nós dois conectados, como a gente combina bem... crian-
do vida, a dança da vida, realidade pura, sans place. poderosa dança
esta, envolvendo você e eu.
— óvulos, talvez? sabe que ainda menstruo?
— se o universo quiser... este filho da luz há de vir.
— oh, Alan, que liiindo! homem nenhum quis ter filho comigo...
e essa tristeza impediu que eu fosse mãe... somada à mágoa da minha
infância.
— dommage. será que você é tão grotesca? talvez não tenham te
amado o bastante, te entendido.
— acho que não, é você o primeiro... em várias coisas. de qual-
quer modo, vazos dividir uma vida esplendorosa. vamos, quero dizer.
estou contigo... isto é espêndido. esplêndido, droga. esta conversa de
filho me deixa inquieta, traremos à luz esta criança, ainda que só em
espirito. porque és meu filho, meu pai, meu irmão. meu amante, Alan,
adoni. meu esposo e senhor.
— e você minha esposa, Noga, ishti, te preencho toda. fricciona
os dedos em ti, acaricia o grelo, escancara a cona sede minha. abraça a
ti mesma como se fosse eu.
— para equivaler-te só a mão inteira... como é que pode? você me
fazer isso com meras palas? palavras, Alan. vaifalando.
129
teta, cona bicos pau... goza, Noga, me deixa gozar, te sentir pulsar: o cor-
po fremente o coração galopante o suor no teu rosto. me abraça apertado,
Noga. doidinha. me fode agora.
130
— pobre cona solitária, manda a energia que eu sinto, quem sabe
as calcinhas anexadas... úmidas de ti.
— hummmm. sentiu? te mando uma prévia, me dá teu endereço
de casa, será que dá tempo? deixa eu conferir, um momento.
— não vai passar na alfândega, Noga, por que você não tira uma
foto?
— estamos fechados pra fotos, lembra? peraí. 72 hs, quase 30
dólares: muito caro pra um feticho.
— só pra foto explícita... qualquer foto velha serve, você de biquí-
ni... olho aquela publicada na web e fico fantasiando, já começo a me
achar ridículo... feticho?
— sério, Alan, de ridículo você não tem nada, não sabe o que é
fetichio? quem sabe fetiche... mandar uma calcinha usada pelo correio,
por exemplo. sou prática demais pra gastar dinheiro nisso, mas será?
que você curtiria muuuuito? se você quiser... tenho conta da firma no
correio.
— ah, fetiche, claro. não quero.
— vou pensar. já estou gastando tanta grana nessa viagem mes-
mo, não custa te mimar um pouco... te mandar uma pré-Noga.
— engraçado, uma pré-estréia de Noga. Cx Postal 1522, St. Au-
gustine Florida, 32095. põe teu odor no papel e me manda no envelo-
pe, não gaste dinheiro nessa bobagem...
— você checa a cx postal todo dia? tem celular? ou nem tem
telefone?
— não tenho, faz dois anos... escondido do mundo, quer que eu
peça um? só na loja, 924-823-0995. estou lá nos fins de semana, isolar-
se é um bocado estranho...
— que homem misterioso... e se você não aparecer em Orlando?
como é que vai ser? posso te ligar amanhã, só pra dizer alô?
— depois da Katherine... tive vontade de me arrastar pra dentro
de um buraco.
— essa Katherine... não sei se gosto dela não. como é que ela
pôde fazer isso contigo?
— é uma artista, acompanha a musa dela. ser louca faz parte.
— se fosse assim... sou artista, você também, então qual é?
— artista sim, mas não auto-indulgente... um viciado-fodido-com-
pena-de-si-próprio, pode ligar, Noga. às 2 da tarde, horário daqui.
131
— deixá-la ir... em paz e para sempre, vai com Deus, você de
qualquer maneira está fora do buraco. se eu ligar, é você que atende?
— estarei sozinho, sim, com você. de volta à superfície.
— oba... vai finalmente cantar pra mim... uma música curtinha,
por favor. tenho medo de não te entendre no telefone, há tanto tempo
não falo inglês...
— muito engraçada você, quanto custa ligar? me dá teu núme-
ro... no computador tem um inglês excelente, algum revisor?
— e você acha que dá tempo? só tenho duas mãos e um cérebro...
55 21 2520.8998, só quero ouvir tua voz, na tua casa ou na minha? tá
certo, escrevo bem em inglês, mas sou insegura à beça... quem sabe há
outra, mais competente, teclando em meu lugar, doppelgänger... com
tradução simultânea: um tesouro de mulher, a Noga-do-Alan, não en-
rola, Alan. quem liga pra quem?
— você liga, amanhã às 2... fluente em inglês, e em sexo virtual
então... se despedindo?
— ah, não, querido. não vou a lugar nenhum, e você?
— tampouco. posso ficar aqui a tarde inteira.
132
— eu também constantemente te quero, Noga. me delicio conti-
go. meu sobrenome é Sklar. Alan Edward Sklar.
— nossa! parece nome de príncipe, pertence mesmo à elite, não
é? um levita e coisa e tal.
— nunca pensei nisso, dar-se a conhecer o ancestral é interessan-
te... um produto histórico da tribo de Levi, sou sim, Isaac, filho de Jacó
o levita. Itzchak ben Jacob Halevi.
— uau. e vai se casar com esta plebéia aqui? Itzchak é o nome em
hebraico do meu avô, Isaac Cohen. mas não é da tribo, sabe?
— ah, esse sim, realeza, quem falou em casar? intelectual e mui-
to cautelosamente... Itzchak é meu nome em Israel... somos apenas
servos dos cohanim.
— meu cohen é falso, Alan... mas vamos fingir que és meu escra-
vo... tudo bem: meu servo.
— certo, querida, pra te servir. e por que o cohen, se não é da
tribo?
— ao chegar no Brasil, vovô mudou de Koretz pra Cohen, uma
coisa normal da época. o Lubicz vem do meu pai, sinto orgulho do
nome dele. adoro fazer piada com meu tio americano... meu famoso
tio Ernesto, conhece?
— Ernesto? não.
— Ernst Lubitsch, diretor de cinema.
— cous ach tah.
— foda-se você também.
— é uma expressão israelense, só isso... quer dizer “minha nossa
senhora”, usada por exemplo quando você martela o próprio dedo por
acidente...
— na verdade é palavrão, literalmente em árabe: a coxa da tua
irmã. filha-da-mãe.
— pior impossível, certo, deveria conhecê-lo? é irmão do teu pai?
morou em Hollywood?
— sério, Alan Edward... é só uma piada. Ernst Lubitsch é um
famoso diretor alemão, dos anos 1920, 30, por aí, me deixa pensar. aca-
bou nos EUA como tantos outros, não é meu parente não. dirigiu vários
filmes cult com a Pola Negri, atriz preferida dele, e até com a Greta
Garbo. momento/google. volto já.
133
— Ninotchka, de 1939. Carmen. voltei.
— merde. você é muito engraçadinha, uma perfeita sabichona.
que drôle.
— te adoro, sabe, Alan? mas não se preocupe, não sou tão inte-
lectual quanto pareço. nunca li Nietzche nem Hegel, e o Ulisses de
Joyce dorme há anos na minha cabeceira, esperando eu ter coragem de
atacar. no entanto, já vi muita coisa... os filmes velhos todos, de Aurora
a Caligari. e Fred Astaire e Boggie... depois Fellini, Almodóvar...
— um intelecto auto-inventado, nunca conheci ninguém tão
parecida comigo... nunca gostei de Fellini, um babaca pretensioso, eu
acho.
— mas por quê? ele era tão leve...
— o quê? o visual, o enredo, a qualidade cinematográfica? auto-
indulgente, isso sim, aquela mesma imagem da igreja o tempo todo, a
mesma aporrinhação, o mesmo criticismo.
— finalmente discordamos de algo, não? ainda bem que não so-
mos clones.
— eu poderia ver filmes contigo o fim de semana inteiro, dei-
tados em conchinha na cama, nus, cobertos com lençol e edredom...
que fantasia/semi-realidade gostosa! où est toi? qu’est-ce que c’est que
tu fais?
— tive que ir ao banheiro, querido, sorry. o último fim de semana
foi muito bom, os filmes, digo. me diverti à beça com Harry Potter e o
prisioneiro de Azkaban, não é pra caras sérios como você.
— mas sou um fantasista, Noga, você não vê como sou bom nis-
so? tira a roupa e bota pra rodar. adoro bruxaria, mas como esposa... não
hás de me trair... não quero passar por isso de novo...
— passar por isso o quê?
— sofrimento, Noga. traição.
— só se for com teu texto erótico... sou cem por cento fiel, que-
rido, pode ter certeza, queria que você me ouvisse rindo. eu não traio.
pode até ser que a gente não dê certo, Deus me livre, e se separe... mas
trair? jamais, não é da minha natureza: sou honesta e pura e dedicada.
e você sabe, também já fui traída... a cadela ligava em casa, pra me
perturbar...
— como é possível (só por curiosidade intelectual) que “por algu-
ma razão a gente não dê certo”?
134
— foi você quem começou, querido, apontando o risco da vida
real... uma leve possibilidade existe, você acha que não sei? simples-
mente não dou bola... meu desejo de te amar é tão maior... trepar con-
tigo pro resto da vida, vendo filmes bobos na cama... jantar num res-
taurante discreto à beira-mar, bebericar um vinho tinto, correr na praia
de manhã cedinho... ad meah ve essrim no mínimo: cento e vinte anos
contados, como reza a tradição.
— quero te aconchegar, querida. vem.
— ótimo, Alan. quando o medo surge, é hora de beijar, de abraçar.
— je n’ai pas de peur.
— pois eu tenho... um pouco... mas sabe? aconteça o que aconte-
cer... você já me fez tããão feliz nos últimos 20 dias...
— o quê? você tem medo?
— bem, querido, o que você acha? voar dez horas pra encontrar
a alma gêmea... é uma temeridade, não é? um graaande pulo, o medo
faz parte.
— sim, um ato de fé. é incrível que só tenham se passado três
semanas, ou nem isso...
— um tipo de milagre o nosso encontro, não? saiu barato... por
35 dólares, no supermercado virtual!! (graaande risada)
— foi a foto... espicaçou meu coração, memórias de amores pas-
sados... e as tuas palavras tão francas, tão vulneráveis... inteligente, po-
ética... uma mulher muito incomum, pra ser capaz de me alcançar...
interagir comigo... abrir-se comigo sem medo. como é que eu poderia
“não bater na tua porta”?
— vou te mandar minha foto preferida, no meu aniversário dois
anos atrás. nem precisa devolver.
— merci. agradeço qualquer pista... cansada? te espero há uns
cinco min.
— problema no micro, Alan, tira a minha roupa se você quiser.
135
cona boca cu. gemo. choro. você me enlouquece te inundo de sumos,
bom demais pra agüentar o orgasmo, explodindo de sêmen fecundada
por ti... sim, Noga, um grande, GIGANTESCO SIM.
136
Sábado, 11 de dezembro
Sem fala, Alan. Que voz, meu Deus do céu! Hodu l’adonai ki tov,
o Senhor seja louvado, agora tenho esta voz... pra articular as maravi-
lhas que você me escreve... Tantas revelações neste fim de semana, eu
andava insegura... (Te procurando frenética no US.Search.com: esse
tal de Alan Isaac não existe) Tudo se encaixou, tranqüila agora... (Alan
E. Sklar, 60, 1 address in Los Angeles, Ca.; 2 addresses in St Augustine,
Fl.; 2 addresses in Honolulu, Hi.; 3 addresses in Guilford, In.; 3 addres-
ses in North Bend, Oh.) Mais doida ainda a partir de agora quando a
gente fizer amor, imagine ao vivo: tua voz no meu ouvido, teus lábios
na minha boca, me mata de tanta alegria, meu amor. A mente agora
tem voz, o pau duro tem uma voz, ah, poderoso. Quando te ouvi, o
mundo sumiu; só sobramos você e eu, rodopiando livres no cosmos...
Eis aí mais uma, em meio à miríade de esplendorosas razões pra que
eu te ame tanto. Acrescente ao meu poema um verso: “Eles murmúrio,
mas tu, A VOZ...”
137
colo, que saco. não ia dar pra gente ver filme mesmo... só daqui a uns
bons dez anos. você já vai?
— jáá. mas querer não quero. venho soprar no teu ouvido mais
tarde.
Domingo, 12 de dezembro
— ei, Alan, o que aconteceu? Alan? não consegui falar com você
hoje!
— alô, Noga. meu irmão resolveu ficar na loja o dia inteiro, e não
quero falar com ele perto...
— ah, dommage... queria tanto sussurrar no teu ouvido... dizer
que te amo.
— bravo. seria o máximo, eu teria gostado, sou que a tua tarde
tenha sido boa, e o filme amusant... où est toi?
— aqui mesmo, e você ter ligado... ou teria me preocupado. fiquei
sozinha a tarde toda, meu irmão levou mamãe pra passear. desistiu do tra-
balho? gostei de você ter ligado, digo, o teclado comeu as letras. oh, Alan.
— qua? adoro quando você diz “oh Alan”, me dá uma pontada
no plexo... dá pra sentir meu tesão, não é? dei uma parada, vim teclar
com você.
— tanta coisa no fim de semana, te conto amanhã... dá. fico as-
sim de repente.
— meu pau te ama, o soar de ti, o deliciar-se de ti... me enches de
gozo. ficando cada vez mais duro.
— ai, Alan. e você tem tempo pra isso? minha cona também te
ama. e meu coração e alma.
138
— estou furioso agora. en-furia-do. trincado. tenho tempo sim.
— sabe que tentei ligar? mas a secretária atendeu: Robert falan-
do. dois minutos depois você ligou. furioso por quê?
— descrevendo o efeito da tua voz em mim, você ligou enquanto
eu te ligava.
— uau.
— está sozinha?
— estou.
— chegando então. pra te arrasar, pular em cima de ti na cama.
que jogo este!
— vem, amor, te esperei tanto, mas vai ter que me beijar primeiro...
— agora mesmo. somos tão ligados fisicamente...
— fisicamente???!!! somos ligados, querido. ponto.
— sexualmente.
— sim, meu amante número um e único. agora, quando a gente
tecla, é inevitável, tua voz na minha mente insistindo: Noga te amo.
— sussurrando. te deixando molhada só com minha voz, adoro
falar contigo.
— esse negócio de voz é mesmo incrível, até pensei que era exa-
gero, mas não... a realidade excedeu a imagem, ou melhor, o som ima-
ginado. louca pra pejar nas mãos teu falo adorado... pegar.
— pega. é teu. sou realmente bom com a voz... um poeta sem
voz é como flor sem perfume... poesia é para ser falada, é o som que
penetra. poesia é para ser dançada: prepara o corpo para recebê-la, não
somente a mente. poucos poetas dão voz às próprias obras... o que sinto
por ti é energia, fluindo infinitamente através de mim... só pra você.
— só pra mim? você escreve poesia sempre? (lambendo teu pau
com doçura)
— gostaria que você me ouvisse, as palavras te fariam tremer, que
poesia? sim, querida. só pra você.
— você ainda vai me matar com isso... fazer amor escutar a voz
tocar o corpo, tudo ao mesmo tempo.
— faz tanto tempo que não deixo a voz sair... a última vez foi com
Katherine, dois anos atrás.
— pois eu... não cantei uma bota sequer em seis anos. anta. nota.
agora... já acordo cantando, canto pelo dia afora. até dormindo às vezes
eu canto, quando sonho contigo.
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— é, dá pra ouvir daqui... você me faz feliz... falando baixinho ao
pé do ouvido: je t’aime... ani ohev otach...
— ai, Alan, não agüento mais. mal posso esperar pra tocar teu
corpo ao vivo, te beijar apaixonadamente na boca... te chupando de
mansinho, contando ao teu pau, com língua e dentes, como te amo.
— e o animal entre tuas pernas, como vai? o koi, no lago da tua
cona?
— pulsando, aqui prontinha, completamente aberta. o que é
koi?
— um peixe ornamental japonês, muito lindo, muito caro.
— pois te dou meu koi de presente, amor. de coração, pode pe-
gar. a energia do nosso gozo vai ser tanta, iluminar metade do mundo,
sim. me esmaga. me golpeia com teu pau. te sugo com minha cona,
língua enroscada na língua.
— faminta, sedenta cona, me arremeto grosso, com veias salta-
das, não me deixa ir...
— nunca, meu amor, nunca mais deixar-te ir, Alan, por favor
não vá.
— ah, Noga, se eu pudesse ficaria horas... gritando contigo pra
despertar o mundo...
— sim, meu amor, eu sei. você precisa mesmo ir... aiaiai, suspiro
fundo.
— te levo comigo no adeus.
Segunda-feira, 13 de dezembro
Tanta coisa aconteceu, que achei melhor contar por email. Na-
tan viu mamãe em crise, e se assustou. Perto dele, ela sempre se com-
portava bem, parecia que eu estava exagerando. Agora ele entendeu,
decidiu colaborar. Raquel ligou, falamos sobre os anos que passei aqui,
as doenças todas e eu cuidando de tudo, minha missão está cumprida
— eu disse — considerando a possibilidade de me mudar... Ela en-
tendeu, me senti mais leve. Livre. Até mamãe se acalmou, conversou
comigo... e de alguma forma, apesar da loucura, me deu permissão pra
ir. Só mesmo uma pessoa cega, ou surda (ou louca) pra não perceber
minha mudança. Será que ele tem idéia? Da revolução que deflagrou?
140
Em menos de um mês, este tremendo upgrade... O céu já clareia entre
as nuvens carregadas, Alan, deixando ver algum sol... sou grata, e te
amo muito. Teclamos mais tarde, por horas... como você prometeu.
141
— bem... não... eu não diria isso. meu jeito de ver as coisas é
que foi diferente, desde o início. fiquei sim, devastada... desprotegida,
e exposta à minha mãe. mas na terapia não tive medo, enfrentei tudo.
desconstruí a educação, o condicionamento dos pais... um trabalhão.
sendo artista, você sabe, uma tendência natural pra ser maldita...
— creio que te perturba pensar que a tua ferida ficou invisível, ja-
mais atendida, ou mesmo reconhecida... a última a ser compreendida.
com que idade?
— meu pai? 43 anos quando morreu, mamãe 42.
— não, você.
— ah. eu tinha 20. meu irmão é mais novo, tem 50 agora. meu
grande fracasso foi nunca ter sido capaz de me libertar da mãe, o que
impediu vôos mais altos.
— não... ela te usou, não aprendeu a cuidar de si.
— saí de casa aos 24 pra morar sozinha... um escândalo. não era
comum aqui no Brasil.
— ser boêmia, Noga, é a antítese do que uma mãe quer para a
filha: ninho, ordem, estrutura. do ponto de vista dela, a família acabou
com a morte do marido... irremediavelmente destruída.
— é. tem razão. tentei várias coisas: o comércio, o design, ela
sempre no meu pescoço. te escrevi um email sobre isso há dias... mas
guardei, classifiquei como arquivo secreto, minha saga familiar resumi-
da em sonho, quer ler agora?
— por favor.
142
ca de contramão no lugar do retrovisor, vindo em minha direção. Piso
no freio e consigo parar a tempo, a um milímetro dele. Um soldado,
vestindo o uniforme da Revolução Francesa (como os que os atores
usam nos eventos em St. Augustine, pesquisei na internet), se aproxi-
ma do carro: “Muita pressa, senhora? Algum compromisso urgente?”
“Não, senhor”, respondi, “só indo pra casa.” “Tem alguma criança lhe
esperando? Ou parente no hospital?” Desorientada, chorando muito,
respondo que não, em flagrante e incompreendido delito. O guarda me
prende imediatamente, sem direito a julgamento, e com uma sentença
que eu sei: será longa. Acordei ainda em lágrimas.
Apesar de me lembrar de cada detalhe, desvendar este sonho foi
bem difícil. No começo, acreditei que o passageiro era papai — falecido
há poucos anos —, eu sendo detida por não ter filhos ou algum depen-
dente. Mas hoje, percebo que meu verdadeiro crime foi compactuar
com uma vida errada: a viajante era eu, meu eu liberto e autônomo,
com seu próprio sonho para ser vivido. Saí de casa pela primeira vez
aos 20 anos, dois meses antes do acidente do meu pai, que logo depois
se retirou inesperadamente de cena. Com a permissão dele, vim fazer
faculdade no Rio, longe dessa mãe que desde a infância me perturbava
tanto. Mas ela, viúva recente — e deprimida demais pra reagir —, de-
cidiu me seguir mudando-se com meu irmão: lá se foi meu natimorto
sonho de liberdade (um luto duplo). Passei a juventude cuidando dela,
que não procurava ajuda ou companhia: a Noga está aí mesmo, dispo-
nível, então pra quê? Viajamos várias vezes juntas, fomos a concertos,
teatro e até cinema: meu par constante. No sonho, era ela a criança
não-reconhecida, dependente de mim por mais de 30 anos! Da alegria
de amar, tive não mais do que momentos breves, ensombrecidos pela
culpa. Mas agora, meu amor, quem vai decolar sou eu: pra fora des-
ta jaula, cenário dolorido de tantos poemas. Uma mudança e tanto: o
tema do dia. Te amo/ N.
143
— você só vê esta mulher inteira e livre, borboleta fora do casulo.
argh, que alívio. pronta pra seguir em frente.
— Noga emergindo do limbo, teclando nua no computador. vida
é movimento, e morte a sua antítese: o não-movimento quintessencial.
— é isso, estou chegando... mais forte que nunca, e concentrada
no objetivo. experiente, madura, a criatividade intacta.
— adoro a tua força. com você, não preciso pisar em ovos... me
censurar, me sentir culpado por ferir sentimentos, explodir a bolha de
ilusão na vida de alguém. você é mesmo deliciosa, psicológica e emo-
cionalmente saudável.
— graças a mim mesma, não? (risos) e ao meu trabalho duro,
você sabe.
— e a quem mais? apesar de ser difícil — muitas vezes doloroso
— se transformar, o ponto de partida mais eficaz pra reformar o mundo
é o próprio eu, onde as conquistas são bem maiores.
— e haja coragem, porque machuca à beça. meu clímax tera-
pêutico foi com o Foster, o xamã americano... que me fez cortar um
dobrado, acho engraçado quando lembro... uma virada definitiva, auto-
reforma total: eu era muito rígida.
— rígida? emocionalmente resguardada?
— pra você ter uma idéia, meu apelido na turma era “cérebro”,
apegada demais à razão, rígida na emoção e no corpo: eu não queria
contato próximo.
— o toque físico é essencial para a criança, que na falta dele, fica
tempo demais na mente.
— pode apostar, foi o que não tive: papai me dava um beijo por
ano, em Yom Kipur.
— a mente é um mecanismo maravilhosamente auto-congratula-
dor, nunca crítico de si mesmo. tenho certeza de que o pesar que você
sentiu pela perda dele foi difícil de expressar, especialmente para um
“cérebro”.
— você acha, Alan? que não existe autocrítica? porque me critico
tanto...
— existe sim, mas superficial, já que o cérebro rejeita a possi-
bilidade do engano. se provar a si mesmo que está errado, a estrutura
cristalina dele colapsa.
— mas muitas vezes ele está... digamos... iludido, não é?
144
— verdade... pra se libertar do intelecto, é preciso render-se ao
emocional. se devido à dor profunda do luto você não pôde se abrir, ou
se expressar, pode ter se perdido ao tentar impor-se ao mundo, lutando
pra reconhecer tua grande perda: a morte de teu pai, que você amava
profundamente, possivelmente o único homem que realmente amou.
— entendi teu ponto. foi um processo longo, mas está completo
agora.
— definitivamente. não há parte de ti que eu não tenha examina-
do... com os mais diversos apparati, e você está limpa. bem esfregada,
polida... brilhando.
— mikvá mental, não é? que serviço de limpeza bom... jamais fui
capaz de confiar em alguém, mas em você... eu confio.
— porque mereço, sou de confiança. se você não se sentia pron-
ta, não confiar foi com certeza uma questão de escolha. limpar você foi
meu maior prazer.
— mas o grosso da faxina mesmo, quem fez fui eu (risos)... ou
sequer teria te enxergado, o que fiz com uma clareza tal... que na hora
nem me dei conta.
— é, querida, teria muita merda te encobrindo os olhos.
— você acha que estou cheirando mal? ou recendendo a rosas
frescas? só provocando, Alan, tornando a conversa mais leve. de volta ao
júbilo, às almas limpas, desnudadas num abraço. a verdadeira intimida-
de começa... sem sombras, como você disse no início.
— era o que eu mais amava nas crianças: a total falta de sombras.
você só me dá alegria, Noga.
— não digo entre nós... mas no passado. você me perguntou se
eu te receberia nua à porta, que sensação estranha... porque mesmo ves-
tida da cabeça aos pés, eu estaria nua... nunca estive tão nua na frente
de alguém. e você é carinhoso, digo, fisicamente? gosta de abraçar, de
acariciar, este tipo de coisa? os filhos, quero dizer, aposto que você foi
(ou é) um ótimo pai.
— eu fui. sou. sempre achei importante o toque, o aconchego, e
sinto o mesmo que com Daniel e Michael.
— sente com quem? comigo? tua companheira?
— não, com ela não, nada parecido. agi amorosamente com ela,
mas nunca a amei de verdade, tive que deixá-la livre...
— amou quem? acho que perdi algo. você se refere à Julie, certo?
145
— sim. ela era linda, e me atraiu por um minuto, mas explodir na
consciência, nunca...
— mas você nunca... ou descobriu mais tarde? entendo. já res-
pondeu. com meu primeiro marido foi assim também: nada em co-
mum, sem arrependimento ou dor na separação... só adeus e pronto.
sim, Alan, somos iguais.
— um casamento sem amor... é como chegar no aeroporto e não
pegar o vôo.
— Alan! você já leu o email que te mandei há pouco?
— não, querida, ainda não, um minuto.
— falando assim de aeroporto, de avião... que coisa incrível, meu
amor. mal posso acreditar, agora você me fez chorar. de emoção. de
puro gozo.
— símbolo é símbolo, foi sincronismo inconsciente... estranho
como sou intuitivo.
— mas essa foi demais, querido... o vôo já vai decolar, e conosco
a bordo.
— quando as luzes se apagarem fodemos na poltrona, com o co-
bertor no colo... mas você vai ter que ficar quietinha... nada de risinhos,
gargalhadas ou gritos... no silêncio da cabine, 30 mil milhas acima da
terra, mal se ouvindo o zumbido dos motores.
— uau, topo. pode pôr um guardanapo na minha boca... mas pega
leve, Alan, ou será impossível ficar calada. nunca tentei isso, e você?
146
— uau, Alan. você fica me devendo essa, em nosso próximo vôo
juntos...
— c’est mon plaisir, madame. ocupada com algo?
— telefone. momento.
147
— o amor é risco, Noga, e o amor desnudo, essencialmente risco,
eu aqui ereto... nu e a postos, como o Vitrúvio de Leonardo, braços e
pernas estendidos abrangendo o círculo.
— completamente franco é sempre um risco, mas vale a pena...
disponível... sem armaduras, não preciso de escudos contigo. não tenho
medo de você me ferir, e antecipo o gozo. agora você, querido, o que é
que você quer?
— quero o êxtase. habilidade e músculos são o meu escudo.
— oh, Alan, meu amor, você me agrada tanto! me deixa flutuar...
pegar embalo no impulso do teu ar. pulsando.
— como nuvens numa seqüência de fotos, Noga, abraça o meu
pescoço e me beija, te envolvo a cintura, fazendo o quê? quando retarda
assim teu ritmo?
— desculpe, amor, a faxineira veio aqui se despedir... de vez em
quando me interrompem, mas não te perco não, sempre ligada em teu
sorriso lindo.
— sou realmente sensível, sinto quando você sai... capto as coisas
não ditas. achei cool fazer amor no avião, tão livre... este sim, um vôo
que vale a pena: o da felicidade. sozinha agora?
— só com você, de volta no teu colo... sozinha? nunca mais.
— desabotoa então a blusa, Noga, me dê os teus peitinhos... loo-
onga pausa.
— pois continuo aqui... passiva, quieta, me deleitando contigo.
adoro quando você diz meu nome, me liga e doga um milhão de vezes.
diga.
— ok.
148
legendas num filme, entende? me dê um par de horas contigo ao vivo e
pronto, pára de ser tão exigente!
— entendo. a fala é uma questão de fé.
— ai, Alan! vai se danar... da próxima vez, falamos português.
— tov. tá bom. é tua energia que experimento, discernindo signi-
ficados com isso.
— quando a gente se encontrar, você vai ver que ao falar, uso
muito as mãos. preciso delas pra me fazer entender, sacou?
— entender o quê?
— sei lá, esqueci. sininhos tocando.
— você é doce, querida, e tua voz mais doce ainda. os dez minu-
tos voam.
— adoro te ouvir discernindo imagens, mas de doce tua voz não
tem nada, é poderosa!
— tão gentil, essa Noga. me dá vontade de rir.
— mas no telefone não riu... parecia um bocado sério.
— você me faz rir por dentro! me contive por causa dos estu-
dantes, uns 20 pés atrás de mim. não dava pra ser ruidoso, ou explícito
demais... mas quando eu falar contigo, não hesite: seja sempre firme
comigo.
— mas se eu já te expliquei, Alan, você não ouve? seja paciente!
— não sou, mas vou fingir que sou... a impaciência é uma onda
que me afoga. se falar é esquisito, como será o toque então? meu
Deus!
— provavelmente mais fácil... meu inglês até que é bom, mas
será sempre estrangeiro... não há como escapar disso. momento.
149
acostumo... com meus filhos me sinto bem, mas infeliz na ausência
deles...
— e eu também, tão à vontade contigo... você me descasca...
sabe que sou sabra, espinhos por fora e mel por dentro... mas não se
intimida, elimina os meus espinhos pra sempre. quanto à infelicidade,
você vai ter que esquecer.
— espere até que eu comece a te deixar nervosa! deixo você gritar
comigo à vontade!
— duvido. sou flexível. paciente.
— mas quando eu reclamei do telefonema... você me pareceu
recalcitrante.
— ? dicionário rápido, não foi nada claro. tua força não me inti-
mida, mas não sou nenhum anjinho: tenho meus cabelinhos nas ven-
tas, viu? como se diz em bom português.
— perfeito. raridade... teu inglês é ótimo. recalcitrar quer dizer
resistir, teimar. não tenho medo de ti... uma mulher surpreendente,
isso sim.
— e você duvida? que eu seja mulher, digo. tua mulher.
— não... mas ancinho não é mulher, que idealização sem sentido
seria esta? crianças, por exemplo... podem ser ancinhos.
— e uma mulher seria o quê? foice? lâmina curva? mulheres são
mulheres, ora... ops! agora entendi, falha na linguagem! você quis dizer
anjinho! que tal ter uma mulher ao lado, depois de tanto tempo sozi-
nho?
— vai se foder, Noga! como ousas me criticar! sou pésimo pra
soletrar. péssimo. pra digitar então...
— sabe, Alan... às vezes, quando fico feliz demais, começo a te-
mer que alguma coisa atrapalhe. me acho meio neurótica, mas vivo
com vontade de te dizer: dirija com cuidado, amor... cuide bem da
saúde, vai pela sombra, não toma muito sol...
— adoraria te ter ao meu lado, acordar contigo, comer, dormir,
caminhar contigo, fazer amor. te inspirar. te deglutir, passar contigo o
meu tempo todo. você é rápida, ousada como eu, não me entedia. sou
muito ágil, intelectual e cognitivamente ágil: queimo os freios esperan-
do que me alcancem, mas contigo não preciso... pensamos ao mesmo
tempo, e nos mesmos termos.
— e você se entedia fácil? me lembro de você ter dito algo em
150
francês... sobre ennui, nunca mais, hein? conseguiu o que queria! en-
controu uma louca como você (risos), mais ágil que isso não dá! oh,
Alan...
— é. instantâneo, e às vezes, antes que eu diga... oh, Noga. sur-
famos a mesma onda de energia mental. como você disse antes: agora
é o amor.
— o verdadeiro, querido, pra valer. amor coca-cola: isso é que é.
— what’s for diner?
— couve picadinha com ovo, rápido e simples, shoyo e alguma
ervinha, bem leve, quer? você tem dormido bem?
— a noite passada dormi... e a teu lado, com certeza, vou dormir
muito bem. cair no sono depois do amor.
— é fácil pra você dormir junto?
— se existe amor e química, sim... mas com poucas mulheres me
senti assim, contente de me enroscar, entrelaçar os hálitos.
— talvez pra mim não seja tão fácil, adormecer com você no
início... ou quem sabe me engano e acabe relaxando logo, completa-
mente.
— ah! começam os problemas! depois de transar por horas, se
adormece em qualquer lugar.
— costumo acordar à noite pra ir ao banheiro, te incomoda? duas
ou três vezes, em oito horas de sono. a não ser por isso durmo quieta,
não me mexo nem ronco (espero não roncar).
— se há conexão, Noga, as miudezas não importam. espero gos-
tar da tua temperatura, do cheiro da tua pele.
— sou morna. nem fria nem quente, e garanto que cheiro bem
(sem perfume francês pra atrapalhar), e você?
— cheiro a sabonete, às vezes um patchuli. gosto de cheiro de
limpo.
— uau, me lembra adolescência... primeiro namorado e tudo.
— cala a boca, Noga. eu nunca suo nada.
— sua? ou usa? pra dormir?
— é isso, obrigado.
— durmo nua, até mesmo no frio. gosto de tirar a roupa toda,
pular pra baixo do cobertor.
— é por isso que vai ser tão bom, rastejaremos juntos pra baixo
das cobertas, contando histórias um pro outro.
151
— adoro contadores de história, sabe? sou meio rara: não uso
maquiagem, levo menos de dez minutos pra me vestir. nunca vou ao
cabeleireiro, nem à manicure, faço tudo sozinha. lavo o cabelo todo dia
e deixo secar sem secador.
— vou te amar ou não.
— e ainda duvida? nunca deixa de duvidar? quer dizer o quê?
(amar ou não)
— você, falando de maquiagem, etc... este assunto não me in-
teressa. vou te amar de cara lavada, o que quero é a mulher natural,
úmida e nua. como o bom design.
— então vai gostar de mim, Alan, sempre natural e simples... por
fora, digo, a forma seguindo a função: uma mulher Bauhaus. não sou
de me atrasar, você não vai me esperar nunca.
— acredito que a referência foi minha.
— foi mesmo... casal Bauhaus então, gostou? meu design é lim-
po, é por isso que as jóias não vendem... não consigo ser pesada, barroca
como a moda pede.
— você se lembra de eu ter descrito o amor ideal? dois seres orbi-
tando, mantidos juntos pela gravidade mútua?
— me lembro. vai ser incrível a gente se encontrar. tenho certeza
de que nunca experimentei algo assim antes, tanto gozo assim. é tão
prazeroso ser franca, e ver que você me entende, sabe lidar comigo.
nunca me senti assim tão completa, nunca confiei como confio em
você... nunca confiei em ninguém e ponto. é a minha primeira vez.
— te amo também, Noga. a trilha do prazer leva a você, íntimo
e sem esforço.
— na sexta passada acordei de repente, ali por uma da manhã...
te sentindo intensamente perto, uma da manhã no Rio. não, na Flórida,
esse negócio de horário é estranho.
— te sinto aqui comigo às vezes, nos últimos tempos... quando
acordo, ou de manhã cedinho enquanto durmo.
— eu sei. uso as primeiras horas da manhã, enquanto você dorme,
pra malhar, resolver problemas ou fazer compras. pode ser que quando
eu termino, e te sinto perto... é quando você também me sente.
— deliciosa esta tarde. adorei falar contigo ao telefone, me diverti
demais.
— sim, querido, é hora de partir, não? te amo a cada dia mais.
152
mais franca, mais íntima a cada dia, confiante. teu raio laser não deixa
dúvidas. você já foi?
— não. estou aqui. seguindo o rastro das tuas palavras...
— preciso ir agora... esperando você cantar, viu? na biblioteca,
alto e vibrante entre os estudantes, um poderoso tenor. desligando. de-
testo me despedir.
Desligamos faz duas horas, mas não consigo parar de gemer: oh,
Alan. Entre todas as coisas incríveis que passamos, à do aeroporto ne-
nhuma se compara (o amor a bordo incluído)... Mal posso acreditar
até agora, e a tarde multimídia, a voz dele mil vezes repetindo o meu
nome... Oh, Alan. De novo, crème de la crème. Você é tão único, tão
além de descrições ou da imaginação e te amo tanto... a cada dia mais
e cada vez mais forte.
Terça-feira, 14 de dezembro
153
Ele conhece a estrada, dirige muito bem... aproveito a paisagem, a voz,
o toque mágico dele enquanto conversamos, eu canto pra ele... Quero
um beijo mais longo: paramos no acostamento. No hotel, o quarto está
pronto: Sr. e Sra. Sklar? Ele me agarra, já no elevador... o arrepio doce,
até tarde da noite, no embalo empolgante do amor... o chuveiro escor-
rendo ao fundo (ele gosta do som da água... querido Alan), um longo
banho juntos, as velas, o vinho, um jantar levinho... mais amor ainda...
e um bom sono sem sonhos, bem acolhida no regaço macio dele...
154
está quimicamente louca, cada vez mais clinicamente louca, o alzhei-
mer não tem remédio.
— então não reaja... dá um rivotril pra ela, dissolve no chá. sufoca
ela. põe durex na boca dela e amarra ela na cama.
— ai, Alan, pára. você não é tão cruel, ou é? porque eu não sou.
não reajo, mas escuto o que ela diz, o que às vezes me arrasa... perco o
controle e grito de volta... e se fica RUIM mesmo, começo a chorar...
aí ela pára.
— ah... então é consciente, nem tão doida assim. gritar com uma
mulher louca é loucura, pára, Noga.
— e amarrá-la na cama é o quê? pode apostar, 60% louca, 40%
puta velha manipuladora.
— tente tocá-la... fale com ela. mesmo que a mente não o reco-
nheça, o toque é eficaz, ela está sozinha, se sente isolada... desconec-
tando, é assustador... a alma se atrofiando... mal-equipada para enfren-
tar o fim.
— é, Alan, tu as raison. bem que eu tento ser madre teresa, quan-
to a tocá-la... quem dera eu pudesse, tenho sido incapaz. apesar de amá-
la, ela já me magoou tanto... antigamente, quando eu perdia o prumo
de verdade, o Celso sempre me dizia: vai pra praia! esquece a tua mãe!
escuta, amor. vamos aproveitar o tempo, discutir de novo os dois cená-
rios.
— o segundo exige que eu me transporte sem carro até Tampa...
— tem razão, um certo esforço... você não quer... está difícil.
— apesar de ser realmente lindo. adorei o sr. e sra. Sklar, especial-
mente a parte da cama... ambos os cenários têm mérito. vou estar na tua
cola em frações de segundo.
— adoraria ser romântica contigo, Alan. te receber sorrindo, com
a minha melhor roupa... mas estou exausta, com medo de pifar. diri-
gir sozinha até Orlando... bem, impossível não é. já dirigi no mundo
inteiro, até na Inglaterra, do lado direito; no Golan, entre os despojos
de guerra; na Palestina, no meio dos árabes; na Suíça, atravessando os
Alpes.
— teu corpo é a melhor roupa pra tua alma, Noga. você é român-
tica, e é só uma hora e meia, o tempo de se centrar... de se ajustar ao
território, sossega o facho. será como você quiser... vírus na internet
tenho que ir te ligo.
155
— querida. voltei. o servidor aqui foi atingido por vírus, armage-
don virtual, desconectaram tudo... não fomos afetados... vamos limpar
o astral.
— vibração ruim ou o quê? espera um minuto, estou no banco...
pronto, terminei. quando você diz “te ligo”, já não sei se é tel ou chat...
não é que eu esteja pedindo, não.
— preciso comprar alguns cartões, vestindo o quê?
— short, camiseta. verde-claro, azul-clarinha.
— adoraria te excitar no espaço cósmico, te acarinhar do seio aos
pés, correr os dedos pelo arco, meu rosto no teu colo.
— sim, querido, pára um instantinho só, meio inquieta hoje.
vendi quase nada nos últimos dias, sem energia pra trabalhar... nada
funciona, sabe? não é você, é o redemoinho todo... descobri que estou
travada, cheguei numa encruzilhada. preciso achar solução pra tudo:
você, mamãe, loja virtual... decidi deixar rolar. já faz um mês que não
consigo comer direito, mas sem problema, você vai até gostar...
— está magra demais? também emagreci um pouco...
— magra demais nunca... tomando vitamina C... pra não dar
chance ao azar. desde que te encontrei, não tenho dormido mais que
quatro ou cinco horas.
— me sinto responsável, fazer o quê? pra mim é tão normal, di-
fícil pra adormecer, fico acordado até as duas... você quem sabe vai me
arrastar pra cama e me fazer dormir, seria ótimo... sinto falta de dividir
os lençóis.
— mas querido... responsável por quê? por eu estar viva de novo?
amando de novo? você sabe que durmo em cama de sozinho? (hum.
soou estranho. é assim que se diz em inglês?)
— de solteiro. prefere dormir sozinha?
— claro que não, seu bobo, certo. cama de solteiro. mas se você
me encher, vai dormir no sofá.
— se podemos fazer amor no avião... não teremos problema em
cama de solteiro. o que quer dizer te encher?
— me perturbar, me exaurir, é gíria, não dá pra traduzir... se por
algum motivo eu ficar com raiva, Alan, esquece, nunca fiz isso com
ninguém... vou sempre me enroscar do teu ladinho, nossa cama não vai
ser de solteiro não.
— mas pode imaginar acontecendo comigo...
156
— não, juro. estava só brincando.
— somos velhos demais pra perder tempo com bobagem, interes-
sante te observar hoje... ainda não te vi assim tão mexida.
— e você esperava o quê? só me conhece há um mês, peraí. respi-
ro. tentando ficar mais mansa, evitar te ferir sem necessidade. não estou
pra ironia hoje, Alan, melhor falar sério... ou calar a boca de vez.
— em geral, te acho consistente... estressada mas sem stress,
transcendente. é o que evoca em mim a conexão... mas não posso ser
eu tua única saída.
— pode até ser, querido... mas andei passando por períodos ten-
sos, não é? dá pra ver que estou de saco cheio hoje...
— dá. ovulando?
— não, acho que não, é menopausa mesmo. você não é a saída,
amor, mas minha entrada... de volta à vida. entendeu?
— não precisa se desculpar... mal-amada, morando sozinha com
uma mãe maluca... voltando aos dois cenários: prefiro o segundo, o
mais romântico... por que você não voa até Orlando, e te pego no ae-
roporto?
Dois cenários: um melhor pra mim, outro melhor pra ele. Para
o nosso amor, no entanto, vejo apenas um. Comprei a passagem dois
dias depois do nosso encontro online, e a possibilidade dele se envolver
ou não... sempre considerei. O mês inteiro se passou e o bilhete lá,
guardado na gaveta, espectador da mudança diária de planos: reservei
um passeio pelos parques da Flórida, mas cancelei; pedi um quarto de
solteiro, depois troquei por um de casal. Se eu pudesse, desistiria do
carro e usava o dele... mas mudar o vôo não dá: é caro demais.
157
outro, nos teus braços em breve... e pelada mesmo, que se dane a roupa,
mas um belo vestido pro réveillon... isso eu te prometo. como um clu-
be privé, tudo só pra você, muito sexy, colado no corpo, transparente e
tudo. de salto alto, claro, à tua altura... efervescente, cheia de tesão.
— braços levantados mamilos à mostra, a cona dando uma pista.
fala mais. sobre o teu tesão por mim.
158
pas suavizando o meu quadrado cósmico. sob qualquer aspecto que se
olhe, o resultado é o mesmo: magia pura, a conexão sempre lá. virtual.
cósmica.
— UAU. pipas dentro de pipas nomes dentro de nomes... podero-
sa magia do amor, nós somos it. de brincadeira ou falando sério, somos
poderosos juntos, tua boca faminta sobre a minha.
— e da energia real, ainda nem chegamos petro... perto, uma
necessidade urgente de te sentir na pele... tiro a minha blusa fora, te
ajudo a se livrar da camisa.
— te pego no estreito do dorso te toco de leve, o odor de ti to-
mando conta de mim, fortemente atados um ao outro. um encaixado
no outro permutando sucos.
— o mundo difuso em volta de mim, desfeito em ar no cérebro
inflado, oh, Alan.
molhada por ti, por teu doce toque umedecida, inchada, quente,
mordendo de mansinho te engulo sôfrego. perdido à míngua, no oásis
da tua cona vou quase ao orgasmo... arremeto a lança no âmago de
mim, no núcleo de ti agora espesso, cheio de sumos, Noga, te ouço gemer
oh, Alan, me afoga no sêmen, semente ovulada que possa florir pujante.
ai meu Deus.
159
— me sinto exaurido, como se tivesse trepado... oh, deusa Noga.
estás úmida?
— ensopada sim, ainda pingando, oh Alan. me aconchega, me
corre pelas veias, sussurra em meu ouvido: te amo.
— que tarde gostosa.
— como sempre, Alan. cada vez melhor. você já vai?
— eu não. é só um tipo de aloha.
— aloha ou adeus?
— aloha quer dizer os dois. shalom. alô-adeus-paz-na-terra, satis-
feita agora?
— pra que perguntar? se você já sabe que a resposta é sim, ah,
tanto... sussurro em teu duvido, Alan, te amo tanto, cliente no telefone,
você pode esperar? quatro pedidos hoje, um recorde no dezembro ma-
grinho. vai, Noga. vê se trabalha um pouco, Noga! pára um pouco de
fazer amor, não é? e o que mais você pediu? ou quer da vida?
— uma coisa é pedir... e outra receber... estou assoberbado, Noga.
normalmente sou eu quem faz tudo acontecer.
— quer que eu te ecoe? melhor copiar e colar, não é? normal-
mente sou eu quem faz tudo acontecer. imagine essa energia dobrada,
hein? e como é que é? receber pra variar? hummm. estou pronta, sabe,
Alan? pronta pra me dar bem. na vida, no amor, no trabalho, cansada
de ser “sub”: sub-amada, sub-produtiva. sub-estimada.
— hummm. nisso eu posso ajudar.
— sub-reconhecida. sub-mergida.
— não é preciso muito pra ganhar dinheiro, Noga, só uma idéia...
a idéia certa na hora certa. tenho que desligar agora.
— ok, meu bem. vou morrer de saudade.
160
— fui fazer umas compras e quando voltei, uma hora depois, ma-
mãe estava atacada. convenci o psiquiatra a dar um lexotan pra ela.
— antidepress?
— não. ai, peraí, não consigo lembrar o nome... calmante... pre-
cisando de um também... lembrei: sedativo.
— cercada de loucura hoje... não tem graça nenhuma mesmo.
— ando até me esquecendo de quem sou, querido (além de tua
amante fogosa), nem meu nome direito eu sei mais. agora me diz, você
tem problemas de memória? (traaauuuma)
— memória excelente.
— ai, graças. tentei acessar o site da tua irmã, mas deu problema
no computador... eu nem sabia que você tinha irmã.
— tenho duas.
— seria tão bom uma cunhada legal, de virgem e tudo. vocês são
quantos?
— quatro, sou o mais velho. deu pra ouvir a voz da Cheryl?
— ainda não. o que é que ela faz?
— locução comercial, rádio e televisão, narradora, realmente ma-
ravilhosa, nada pra criticar. aparece em alguns links do google, mas no
site dela as gravações são mais interessantes.
— ah, bom, volto lá depois. feliz aniversário, amor!
161
— sim. ansioso pelo rendez-vous, sair desta loucura pros braços
da sanidade.
— graças a Deus, Alan, só 12 dias agora, yes! você sabe: teclar é
emocionante, mas às vezes cansa, não é?
— a mim não, digito 60 palavras por minuto, e além disso escrevo
bem. não preciso me censurar... será que devo desligar?
— não, querido, não estou falando do ato físico, entende? dá von-
tade de parar de teclar, mas não de desconectar, me abraça... até que
a tempestade passe. você é minha luz, queria já estar aí... bem quieta,
entregue ao teu abraço. você vai ter que tomar conta de mim, me fazer
nascer de novo.
— tranquille. extraindo a dor de tua existência, Noga, pára de
pensar, relaxa em mim. deixa essa miséria sair, extraio esse veneno de
ti, a ansiedade, a tua angústia.
— por favor, Alan, usa o teu laser em mim. sabe, querido, paguei
as contas adiantado... ando desistindo de muita coisa, pra relaxar um
pouco antes da viagem. quero pelo menos o mês de janeiro todo, livre
de compromissos e obrigações... estar preparada, se resolvi ficar mais
tempo. resolver, digo.
— desiste da tristeza também, você precisa desta parada, lembra?
seis anos, uma longa escravidão... vamos ver quanto tempo dura um
dia... de um jeito ou de outro, o primeiro dia será interessante.
— talvez eu suspenda a loja por um tempo, não faz a menor
diferença.
— pára de planejar e vê o que acontece.
— momento. tel.
— bom. business?
— sim. peraí.
— nunca feche um negócio estressada, ou de estômago vazio...
não decida nada sob tensão, seja equilibrada, procura o teu centro... e
não se esqueça de respirar, deixa a merda de fora. pára de dançar com
o demônio agora, que loucura.
— Alan! voltei! não era nada novo.
— nada de novo.
— certo, mestre, escrevendo ao mesmo tempo de novo, mamãe
parou de gritar: está ouvindo Wagner, bem melhor, não? ei, Alan! estou
de volta ao mundo dos vivos, vamos aproveitar a tarde!
162
— que bom. detesto te ver se afogando em merda. sim. desabotôo
a blusa, brinco com as tuas tetas.
— ih, errou: nada de botões, que mania é essa de botões que você
tem? um fetiche ou algo assim?
— botões, vejamos... assumem várias formas... a relutância, por
exemplo, apertar os botões da relutância: botões internos, construções
emocionais, me deixa desfazer os teus. quando falo de botões aqui, é
uma metáfora pra te despir.
— sou tua e tu és meu, relutância nenhuma e sem botão ne-
nhum: pra você estou sempre nua, funcionando sem defeito... e com
anos de garantia, caso contrário, te dou permissão: pode me trocar por
um modelo mais novo.
— uma mulher saudável, pedra preciosa é o que você é: esmeral-
da. tento imaginar teu traje de algodão... a forma, o modelo dele. um
elemento raro: como você, não existe outra.
— pode apostar que não, Alan, e outro você tampouco... se sou es-
meralda, você é ouro. acho engraçado você mencionar isso... me lembra o
K’uichy, um xamã peruano que há anos me aconselhou... a usar esmeraldas.
— se és esmeralda sou tua matriz, o geodo que te abriga desde
que nasceste, querida.
— acabei fazendo o anel com uma pedra tão feinha... nem deu
pra usar, e logo derreti a peça.
— blasfêmia, Noga! é a pedra que dita a jóia. dei à luz gemas
incríveis, mas no momento... não tenho esmeralda nenhuma.
— mas você me tem...
— uma esmeralda viva, então, entre mulher e jóia prefiro a pri-
meira: és uma jóia de mulher.
— ...uma jóia de mulher. ops, Alan: de novo. je suis très hereuse
avec toi.
— fico feliz, rara e muito viva, com o sol brilhando por dentro.
vai em frente.
— a resposta certa é: você me ama também (risos).
— pois você me tem inteiro, e meu Eu te agrada, Noga, o Eu
profundo de mim. você sabe do que estou falando.
— inteiro ainda não... eu sei, só te provocando, ansiedade pura...
desejo de te ter nas mãos. mesmo se você fosse a fera em pessoa, esta
bela aqui ainda apostaria em ti.
163
— verdade (teria razão de apostar...), ainda resta a carne, me pro-
voca sim, me põe na tua boca.
— me deixa então beijar-te os lábios. os olhos. a tua orelha. sus-
surrar-te ao pé do ouvido a música única da alma, brotando de dentro
sem palavras... dá pra ouvir daí?
— posso sim: o som do silêncio. saboreio a tua boca sorvendo as
bochechas, te tirando o fôlego... tua vida da minha. câmbio liberado de
almas, suave e doce.
— extrai a minha vida da tua oh, Alan: a cona te chama.
— olá, Ela. fale comigo.
— Ela não quer, só fala com Ele.
— pois Ele escuta, atento. sempre alerta pra Ela, enviando até
Ela o impulso emitido na ponta...
— esperando o quê? me deixa tomá-Lo nas mãos.
— enquanto resvala pra dentro d’Ela, Ele teso, ereto.
— Ela latejante.
uma carícia enquanto ele sobe, até que pulsem em comunhão. meus
testículos rijos, desejosos, explodindo de tesão. meu pau queimando ao
toque, vertiginoso pela cona adentro e tendo como guia a firmeza da tua
mão. ainda morro, amor, deste desejo de ti retesa os lábios, canta para
mim cérebro mente cona me agarra. me desposa em união, não dá pra
cantar agora, me fode, Noga meu falo canta por ti, pulsante dentro de ti.
164
— estou. ainda úmida e latejando ainda, pronta para ti. te adoro,
meu homem. (baixinho em teu ouvido) tive um orgasmo factual. da-
queles.
— factual?
— real, de fato, nada virtual... e nada de dedos, só o pensamento
em ti, na energia que vem de ti.
— que lindo. que extraordinário. adoraria te escutar enquanto
você goza, gritando e arfando e dizendo meu nome: Alan. ai, Alan. oh!
Alan. aiaiai.
— imagine então a coisa ao vivo! já viu? o universo etc, etc, ah,
Alan. você ilumina a minha vida, sabe? estou mais assertiva agora. mo-
mento.
165
— e pra quem mais? quem mais está aí? sei que é. cultivada. cul-
ta. observadora. mente ágil.
— aqui onde? na tela? uma amiga apareceu online, mas eu disse
que estou ocupada, deu pra ver alguma coisa?
— deu. posso te ver na alma...
— e eu na tua. hei, Alan. você está aí? fazendo o quê?
— falando contigo.
— esperando que eu reaja? exclusivamente a você?
— faço o melhor que posso... com palavras, mas são tão débeis...
frente à paixão bem real que você me inspira.
— ficaria muito triste, amor, se a gente se despedisse?
— não. falo com você mais tarde tchau. me manda um email
com teu roteiro.
— ei, espera aí! você sempre com essa pressa! que roteiro?
— quando você vai entrar e onde. sou muito rápido. se você diz
adeus é adeus e pronto.
— entrar? explica melhor, querido... aprende a dizer adeus com
mais doçura.
— aterrissar... já te expliquei, você não escuta?
— Alan, seja mais didata. por favor. hummm. soou estranho.
— põe tudo no email a data da tua chegada a hora o hotel onde
vai ficar o endereço o número do quarto. eu sei o que quer dizer didá-
tico.
— você está groguess ou algo assim? broguess? enraivecido, im-
paciente? o número do quarto ainda não tenho. vai fazer o quê, o resto
da tarde? sentir minha falta, I hope...
— sair lá fora no frio e pensar em ti. ansiar por ti. sentir saudades
de ti.
— queria estar aí pra te aquecer... que estivéssemos juntos. logo.
— dias. eu sei.
— checa o correio amanhã, talvez você encontre algo.
— não seria ótimo? você diz adeus tantas vezes, de tantas for-
mas...
— e você gosta? ou prefere seca? o quê? ótimo o quê?
— se te percebo dizendo adeus mesmo que não seja explícito
respondo dizendo adeus, é a conclusão lógica. você estranha, é por isso
que me acha abrupto. não está acostumada a que te digam adeus sem
166
que tenha sido articulada a palavra a-deus, então te digo adeus ciao te
vejo mais tarde. espero receber o teu pacote. não se preocupe, querida,
fique bem.
— je t’embrace.
Quinta-feira, 16 de dezembro
Ele reclama, diz que não paro de fazer planos. De minha parte
aprendo a me entregar, evito me afogar pegando esta onda enorme, que
começou discreta, no alto-mar de amores possíveis onde o encontrei.
Não fico antes nem depois da crista, só fluindo no topo enquanto a
maré alta sai arrebatando tudo: família, trabalho, corpo e mente... e eu
surfando, dropando sem prancha milhares de pés abaixo... Jornada cós-
mica: desapegar, se render, tarefas complexas demais pra mim, querido.
Me dê suporte nesta aventura incrível, mas bastante estafante. Um tsu-
nami, este nosso amor, e não dá pra parar agora (rezando pra alcançar
logo a praia). Te amo, companheiro surfista. Bom-dia.
167
(rastreando a encomenda)
Data/ Hora/ Local/ Status 16/12/2004, São Paulo: recebido na
Agência 14/12/2004 11:45; despachado para: América (Estados Unidos
da) 14/12/2004, 13:34; recebido no país: 16/12/2004 13:35, América
(Estados Unidos da); retido na alfândega.
168
de sorte, o amante incluído... mas a besta se revelou, e não te incluo
nisso não. é a verdade que está vindo à tona, e tenho que agir de acor-
do... se a gente não se gostar (o que parece cada vez mais impossível),
mesmo assim vou precisar mudar o esquema, ou pelo menos me mudar
daqui... se um mês de loucura já me arrasou assim, imagine uns dez
anos disso... mas não se preocupe, não vou depender de você.
— pra existir não precisamos de ninguém... e você merece a ver-
dade, Noga. relações com dependência são mais de carência do que
de amor... e então? imagine se você não gostar de mim... não seria
engraçado?
— você acha mesmo que eu dependo de alguém, querido? é cla-
ro que de vez em quando te peço apoio, estamos juntos e não dá pra
fingir, simplesmente, que você não existe... mas quanto a ser nada mais
que válvula de escape...
— somos o que somos, às vezes enredados na carência ilusória
dos outros por causa da culpa, da manipulação.
— te entendo perfeitamente, Alan, mas me entristeço quando o
medo aparece. dúvida eu tenho, mas medo? de jeito nenhum... se você,
ao me tocar ao vivo, não provocar tão maravilhosas sensações... isso sim,
é que será triste... estou pronta para amar, me relacionar, o que pintar.
mas casamento a qualquer preço, não... ou não teria ficado só por tanto
tempo, estaria até hoje no primeiro...
— comprometer o eu é uma causa antecipadamente perdida,
não?
— ei, Alan, o que eu disse pra te amedrontar tanto, hein?
— que ficaria aqui o mês inteiro.
— enquanto a gente namora, não posso controlar tudo... faço
planos, depois desisto... estou meio instável, sabe? se a gente se amar,
quiser se aprofundar, uma semana pode ser pouco... não quer dizer que
FICAREI um mês, só quero ter condições para, você queria que eu
fosse transparente... e sou. confio, e quando sinto algo te digo na hora,
não fico disfarçando.
— dar o tempo de um dia no primeiro dia... eu acho normal.
depois virá o segundo, o despertar juntos... e o terceiro: a essa altura já
saberemos o que fazer.
— você prefere não saber de nada? eu poderia até fingir... ser
uma burguesinha em férias, despreocupada, passando um fim de sema-
169
na gostoso e inconseqüente na Flórida... mas nosso caso tomou outro
rumo.
— o rumo da força. da confiança, da transparência... e eu cor-
respondo. quanto a você me contar tudo, faço questão: me ajuda a te
ver dentro de um contexto, no texto da peça. e então? o sol apareceu?
nenhuma sombra hoje... vou te encontrar, Noga, isso eu deixo bem
claro.
— não estou te achando muito ensolarado não.
— é o terreno que ficou limpo, se livrou das pedras. aonde você foi?
— momento.
170
— ao fazer amor contigo me excito, me descrevo nos mínimos
detalhes. não sei como isso aconteceu.
— pois te digo: foi você quem começou... me cibertocou e eu cor-
respondi, aprendi contigo... apesar de tímida a princípio. você veio com
sexo de repente, e eu me apaixonei... pela tua mente, tua inteligência.
pelos teus cabelos, por teu bronzeado. tua agudeza.
— calhou de ser esta última a qualidade que mais me impressio-
na, que respeito mais.
— por tua cultura. pelo teu caralho.
— também caí de amores pela sutileza, pela inocência do teu
amor por mim. não estava censurando... ou premeditando.
— surfando antes de mim, me carregou contigo... você vai ver,
Alan... que a salvo de maremotos, sou até tranqüila, boa de praia.
— estou sempre surfando... uma maneira emocional de se mo-
ver, não intelectualmente: com o coração. ondas boas de pegar, são
bem poucas...
— então, não vá parar agora... confessa logo, Alan. com quantas?
— (risos) morei no Havaí, parado em pé no topo do mundo, e
presenciei... surfei a maior de todas. este tipo de onda te força a chegar
na areia.
— eu vi no cinema, gigantesca mesmo... e surfista nenhum de-
siste no meio.
— às vezes, quando ela estoura, você se choca contra os corais... e
só te resta se arrastar pra fora, cuidar dos ferimentos. de vez em quando
você morre... derrubado pela força dela.
— espero que a gente não, Alan... e de que adianta, especular
agora? mesmo que você desista, já estou de partida...
— exato. a questão é esta. você pegou a onda, vem de qualquer
maneira. “tem que fazê-lo ou se arrependerá para o resto da vida”.
— mas tenho um plano b, não se esqueça: descansar, caminhar.
nadar. dirigir. você querendo ou não. tenho até um encontro marcado
em Fort Lauderdale, para o caso de você falhar... isto é, tinha... antes
de me apaixonar assim. te deixo 100% à vontade, e se não passarmos
do primeiro dia... não se preocupe, vou passear com o Sérgio numa boa
pelas trilhas da Flórida, nada de “seduzida e abandonada, num quarto
sinistro de hotel”... até pensei em te encaminhar o convite dele, mas era
em português.
171
— ah. bom. miseravelmente frio lá fora, nublado cinzento chuva
fria incessante, dia perfeito para um abandono, em quartos sinistros de
hotel.
— reparou, Alan, como estou mais forte? da primeira vez que
você fez isso, dei uma parada: culpei a vibração ruim, perdi o norte. mas
agora te enfrentei, bem decidida até.
— vai fundo, Noga. knock yourself out.
— pelo teu papo deu pra entender que não recebeu a caixa, ou
não perderia uma energia tão preciosa.
— não. não recebi, e que energia seria essa?
— blablablá em torno do medo.
— (desculpe) acho bom que você tenha um plano b... no caso de
não funcionar comigo.
— mais calmo agora? ou precisando trocar a pilha?
— sou sempre calmo, centrado. quem trava batalhas titânicas é
você aí... reestruturando a si mesma e ao seu ambiente.
— e sem envolver você... ainda não, sorte sua. mas supondo... se
você não passasse de um amigo, não me ofereceria apoio? uns bons dias
de descanso no Ano Novo, só por amizade...
— a questão é meio confusa, mas meu apoio, Noga, claro... você
sempre terá. te deixaria sim, descansar nos meus braços... e se você
quisesse, sugaria a inquietação que te envenena... não te causaria mal,
posso prometer.
— pois comecemos assim, mas não por amizade... por amor.
comprei roupa nova hoje, duas blusas, com botão e tudo: uma branca,
outra amarelo-clarinha. dá pra usar um mês... ou sete dias.
— pensei que você tivesse transcendido isso... mas bem que eu
previa: você na chegada arrastando um baú, toneladas de roupas.
— ah, meu amor, você está tããão errado... só uma malinha, eu já
te disse... optei pela simplicidade há muito tempo: tenho dois vestidos e
um par de calças, três ou quatro camisetas.
— pensava em você nua no quarto... de salto agulha (imagem
bacaninha), no tête-à-tête.
— um par de escarpins pretos, até que eu tenho mesmo... e um
vestido de noite cor de vinho: só pra você.
— merci, madame.
— comprei pra receber um prêmio em Nova York, mas nunca
172
usei... planejando um réveillon legal, rápido e simples de volta pra
cama... vestido-chique-saltos-pretos espalhados pelo chão, mas estou
com um problema.
— me conte.
— só tenho roupas de verão... e um bom casaco de inverno eu-
ropeu.
— Orlando normalmente é quente.
— mas você disse que estava frio... por isso comprei as blusas,
mangas compridas pelo menos. e o tempo hoje? você já disse, mas não
me lembro... play it again, Sam.
— frio danado de frio 40o fahrenheit... névoa, chuva fina, vento
fraco soprando no rosto, o nariz gelado. você me faz rir... não me im-
porto com o que veste.
— ainda bem, não? em centígrados, quanto seria?
— 30o F é congelando.
— hei, Alan.
— o quê?
— te amo.
— um amor lindo, inteligente e esperto. criativo, Noga. gentil.
tããããão erótico (me sinto abençoado), erotismo é um divertimento
enorme.
— espera só, até você me tocar, seis anos numa jaula... o tigre está
prontinho... pra arrasar no amor.
— ao redor dos mamilos, você me rasgando todo... me deixando
em farrapos com teu amor.
— quer que eu te conte sobre a minha última transa? há uns
cinco anos?
— claro que sim.
173
um plano b (como sempre, só pra garantir): uma reunião de turma
com meus companheiros de kibutz dos anos 1970. Apesar da relutância
dele, acabamos na cama, ah... Alan, pra quê, uma tristeza. O pinto dele
era tããão pequeno... quase nem senti. Pra ser justa, no dia seguinte ele
usou os dedos, me fez gozar na banheira. Foi até legal... Alan! Você
continua aí?
174
— ai, Alan, quanta vaidade, quero uma consulta... e quanto é que
você cobra? quanta seriedade.
— eu costumava acariciar o rosto e os cabelos dos meus filhos,
até que adormecessem... abraçado a eles sentia o calor, dava amor atra-
vés do toque. sempre fui justo ao me descrever... detalhista, como por
exemplo ao falar da voz, acuradamente nem plus nem minus, certo?
sou bastante bom com palavras.
— pois foi. posso ligar de novo no sáb? só pra te ouvir um instante?
— pensei nisso, vou comprar um cartão... mas se eu não ligar,
você me liga, na mesma hora estarei lá... pelas duas, adoraria ouvir tua
voz falando de amor... murmurar no teu ouvido.
— em pessoa, você quer dizer, não no tel...
— melhor seria te levar pra cama me deitar sobre ti, querida, os
seios pressionados por baixo de mim, fale comigo, ó cona!
— oh, Alan. a deis graças que a cona te chama. Deus. te amo. te
quero.
— ele vem bem rápido te receber... erguido, ereto contra as calças.
— e eu amante instantânea, úmida de ti. faz o que você quiser,
meu amor, me toca como quiser. me entrego, te dou o que você qui-
ser.
— pra te dar só tenho a mim, Noga... correspondendo ao teu
amor, tão forte como a vida em si. pestanejamos um pro outro.
— pestanejamos?
— subliminarmente piscamos, emitimos sinais... nossos corpos
conversando entre si.
— te desejo tanto, Alan. conscientemente, subliminarmente...
com alma, mente e corpo. no presente no passado eras atrás.
— sim, querida... encaixados... semelhantes, a mesma herança,
iguais na essência. estou em ti, meu amor.
— em breve... me deleitando de ti. me toca com a ponta dos de-
dos enquanto você tecla, sentindo o meu prazer...
— tão úmida quente amorosa, Noga. meu gozo... é o que você
é. teus seios contidos entre polegar e dedos, chegados ao meu rosto, a
ponta da minha língua neles.
— ai, Alan... como é que pode, você ser tão charmoso? e só com
palavras?
175
teus dedos à boca ultrapassando lábios, a pele doce doucement te
sugo. hummmm. peço à língua que os trate como se o meu falo fossem,
com carícias úmidas, o rosto inteiro contido na mão, a boca colada na
tua, tenaz tremulante o músculo em teu corpo ai, Alan, me deleitas tanto
te penetro. ao ver meu falo grosso arqueias o dorso, pélvis contra pélvis
quando me fodes, Noga levanta-te e fode, me golpeia cada vez mais
forte, cada vez mais fundo eu quero mais, cada vez mais firme. toca no
meu grelo leve e rapidamente não agüento mais, Alan. meu pau te sa-
ciando, o sêmen no oco de mim o hálito na face, desvendando almas.
tão carinhoso.
— calados.
— e agora calmos. meu mestre do amor.
— deixa eu me deitar em ti, latejando manso, ainda unidos pau-
nacona sob a brisa fresca. teu corpo morno, macio no abraço.
— com frio? aiai... sem ânimo pra desligar, Alan... me faz dor-
mir...
— deita a cabeça no meu peito e dorme, Noga... te embalo no
abraço beijo a tua testa.
— dá pra ouvir no meu ouvido, te escuto perfeitamente. diz que
me ama.
— je t’aime, Noga... adoro te amar... me dás tanto prazer, o que
mais há pra se dizer? que tal uma ducha? te despertar no riso?
— em pé. quieta. você me lava. massageia o crânio com vontade,
no chuveiro uma cascata de luz.
— hummm. sabonete na mão ensabôo o peito, teus mamilos
eretos rijos, a face pingando de úmida eu te sugando nos pêlos do teu
púbis. desvendo a cona e bebo de ti, a água dissolvida em ti me enterro.
me afogando em ti.
— ai meu Deus, Alan! você é demais, sabe? gosto tanto do teu
jeito... não se afogue não, meu amor. levanta logo daí. me beija.
176
dedos buscando o meu cu as mãos espalmadas, pra dentro pra fora pin-
gando de úmida me arranhando o tronco, o cabelo encharcado arremete
em mim, Alan, tua cona me ordenhando o sêmen, Noga, te amo. vem.
177
— quem me perceberia assim? só se elas fossem você...
— mas é tão óbvio... como é possível, depois do amor, deixar você
partir?
— justamente, não havia amor... alguns aspectos de ti, mas não
o alcance inteiro... algumas delas teclas, outras cordas, até mesmo me-
tade do teclado, mas você... é o piano inteiro. quem se cansou fui eu, a
não ser com Katherine, mas ela era louca... viciada... possuída.
— e escrevia? enquanto estivermos juntos... não faltará poesia,
direto da fonte. pingando lirismo como se fosse a cona.
— era meio acadêmica... um intelecto, deu aulas de antropolo-
gia... mas contigo é a felicidade, o gozo da escrita. ela escrevia bem,
mas não era poética.
— bom. então...
— então você chegou.
— nosso amor me diverte tanto... escrevo, o trabalho avança, a
criatividade flui. a coragem cresce, fico poderosa. não faço poesia assim
de graça, sabe? preciso da verdadeira emoção por trás. se não estiver
amando não sai uma linha, mais de cinco anos sem nenhum poema...
acabei desistindo, caí numa prosa nem um pouco romântica... dei con-
selho, ensinei leitor a comer, a se mexer, mudar os hábitos.
— teu texto me impressionou, me lembrou um pouco os meus.
— e você publicou?
— não, mas acenei.
— acenou?
— encenei. em São Francisco, no fim dos anos 1960, eu era con-
tador de histórias. tocava violão clássico em cafés, contando histórias
zen que eu tinha escrito. se você acha a Cheryl boa...
— e ainda toca?
— no momento não, nem tenho um. a Katherine me deu um
banjo pequeno, mas não gosto.
— e percussão? tenho um tambor africano, até pensei em levar
comigo... já gostei bastante de uma batida xamânica...
— a Katherine também, mas você... quisera bater no tambor do
teu corpo, um som suave neste violão, controlando as nuanças do som.
— você é a minha música, Alan... faz meu coração cantar, a gar-
ganta, o corpo inteiro. me faz escrever, vibrar... deixa a minha vida ple-
na de promessas. você escreve quando está sozinho?
178
— não.
— a gente escreve um bocado juntos, não? três a quatro horas
todo dia, bem mais que muito escritor na ativa...
— praticando erotismo em detalhes. verdade.
— você gosta de escrever em dupla?
— literatura, que eu saiba, é atividade solitária...
— e é mesmo. mas nós dois a praticamos juntos, nunca imaginei
que eu pudesse...
— pra mim, é apenas a descrição do que se passa.
— quanto a isto já não estou tão certa, e se tivesse a paciência de
reler, você concordaria.
— descrever o nosso encontro, com imagens, texturas, é arte de
alto nível, prosa haiku sem ornamentos... o fato em si, sem sombras.
literatura é a transcrição eficaz de experiências transformadoras.
— bem mais prolixo que o haiku, e ainda assim... na medida da
necessidade: é muito bonito.
— eu quis dizer que não é barroco, rococó como um bolo de
aniversário. nem uma sílaba a mais, um olhar afiado. passar meu tempo
contigo é ótimo.
— pois então, direto ao ponto, suficiente pra transmitir a realida-
de e pronto. tua explicação lingüística pra cunt e cock foi clássica!
— Noga! aonde você foi?
— banheiro, não dava pra esperar nem mais um minuto! bebo
muita água, então... lavando o corpo constantemente por dentro.
— Lady Macbeth. vou passar no correio, pra ver se o pacote che-
gou.
— se não hoje, quem sabe amanhã... não deu pra rastrear nos
EUA. te amo, Alan.
— te amo, Noga. adorei a nossa tarde.
179
musa de ti... agonizante me deixaste solto, iluminaste os fogos do sol, dei-
taste fissão à fusão me incendiaste... Noga... o que foi que me fizeste... di-
rigindo no frio sob a chuva, buscando ansioso a voz... incontrolavelmente
caído, e de amores por ti, droga, te amo. ficando doido.
Sexta-feira, 17 de dezembro
(Im ein ani li, mi li? U’chesheani leatsmi ma ani? Ve im lo achshav, matai?
Talmud, Pirkei Avot 1:2)
180
— gostou? gosto muito da pintura dele. tive hoje a última sessão
levanta-trator na musculação. nestas três semanas exagerei na carga,
preciso descansar um pouco antes das férias, você sabe... vou precisar
de energia... não tenho dormido mais de cinco ou seis horas, pareço
cansada.
— então soei contrariado...
— triste. frio. quem sabe carente...
— palavra interessante... faminto de ti seria mais exato. impacien-
te, me sentindo impotente. amantes talvez sejam assim, quando estão
juntos.
— decidi fechar a loja até 10 de jan... complicado demais deixá-la
aberta.
— você toma um bocado de decisões, Noga. vai pra academia a
que horas?
— normalmente? por volta das sete. mas nos últimos dias, seis e
meia, já que acordo às 4:30 mesmo, noite fechada.
— quando você disse ter planejado uma tarde gostosa... entendi
que era malhando, gosto tanto de falar contigo... carente, ahn? merda!
— ah, não... acontece de vez em quando. tudo merda, ou quem
sabe tudo muda... eu disse que malhei... hoje de manhã. não tenho
nada pra fazer nesta sexta, a não ser teclar com você.
— comigo nunca.
— tá bom, senhor perfeição. foi só uma piada esotérica america-
na: shit happens, quero dizer, shift happens.
— sois cômica em demasia... sentada teclando no verão do Rio.
— estooou... com o ar ligado, claro. não te contei que odeio ca-
lor... e não sou muito fã de verão não.
— obrigado por me informar. de vez em sempre no verão meto
a cabeça no freezer, cheirando o ar gelado pra ver se acordo. o Rio tem
uma imagem de romance para os gringos... que geralmente não inclui
o favello.
— éé, cidade linda, mas essa história de violência aborrece. moro
no bairro mais legal, não tenho carro e só ando a pé... mas sair à noite é
raro, e mais ainda sair do Leblon. há uns 20 anos, nos meus tempos de
boemia, eu tinha um conversível... voltava sozinha pra casa às três da
manhã, em São Conrado com a favela ao lado, e sem capota, imagine!
hoje em dia seria impossível. são quentes os verões chez toi?
181
— o que escrevi ontem à noite... um tipo de poema, tributo ao
teu Plano A.
— o quê? planejando chuva? ou amor?
— me pareceu ter falado à toi d’amour... de notre amour.
— huummm. nosso amor pra mim é coisa certa.
— mas às vezes você hesita... mencionou um Plano B, o amigo
fotógrafo.
— pfff... não planejo na verdade me encontrar com ele... já até
avisei. duvidar é inevitável às vezes, mas pra não dar muita pilha não
fico repetindo... apesar de remota, a possibilidade do fracasso existe,
Alan, mas me garanto. tudo que te disse/mostrei é a expressão absoluta
da verdade, e estou certa quanto a mente, coração e alma. nenhuma
dúvida.
— a pura verdade eu também, mas quanto ao corpo... nada é
completamente ideal. sobre mente alma coração não tenho dúvidas.
— como é que se finge a respeito disto, afinal? se você é poeta, é
poeta e ponto. e culto, bem-criado, etc, etc. estou apaixonada por você,
profundamente... por este você que acredito já conhecer bem.
— tu est comme tu est, Noga, frase de Proust. não vou te decep-
cionar.
— se a gente esquentar demais, tem sempre o freezer pra esfriar
a cabeça, né?
— podemos nos beijar lá dentro, no auge do inverno. ficar na
neve... mas de casaco, por favor. inverno congelado causa resfriado.
— tenho você pra me aquecer... mas, peraí: na Flórida neva? eu
nunca soube disso (risos), pensei que era o Summer State.
— normalmente não, é uma terra de furacões. nevou uma vez
que eu saiba, em Jacksonville, 1968. lamentei não te encontrar em casa
ontem...
— na verdade eu estava, mas nossa conversa me deixou triste...
desliguei o micro e chorei um bocado, sozinha no meu quarto.
— oh, Noga... um beijinho pra te consolar... o que escrevo não é
racional, apenas brota através de mim... o texto que te mandei resume
o que aconteceu.
— ando com medo de acabar sem energia, Alan... abrindo mão
de várias coisas nesta última semana: sedei a mamãe, fechei o painel
de controle da loja... planejando pôr em dia a Scientific American, que
182
nem olhei o mês inteiro (peraí, revista errada, é a inglesa New Scientist
que eu assino). numa palavra: RELAXAR.
— acho o máximo, uma mulher que lê ciência... renascentista.
— o que é que tem, você acha incomum? me interessa muito... a
última edição traz um artigo sobre namoro rápido, pensei em te mandar...
mas era bem fraco, muito blablablá e nada do que realmente acontece.
— geralmente é raro... uma bela mulher, literata e em forma,
lingüisticamente poética... e ligada em ciência e artes. não estou inte-
ressado em namoros rápidos.
— mas no mês passado, bem que você estava... um caso engraça-
do: logo antes de te conhecer, tive uma crise muito séria de abstinência
romântica... e decidi tomar uma atitude, fazer alguma coisa pra de-
sencalhar. no JDate, apesar da enxurrada de emails que eles mandam
— com candidatos de todo tipo —, não prestei muita atenção. então,
no desespero, recorri à agência matrimonial da moda (que cobra até
bem caro) e fiz uma entrevista lá. seis dias depois te encontrei, e nunca
mais retornei... pois hoje a psicóloga deles me ligou pra saber notícias...
e ficou “uau” surpresa, me desejou sorte. derrubada pelo acaso.
— é. o acaso favorece os que têm a mente pronta... me interessava
encontrar você. mas achei fascinante, ler os textos daquela gente toda...
passei horas examinando os perfis, um tipo de estudo sociológico.
— e encontrou algo? porque eu, mal consegui passar uma hora
lá. pode ser que os homens, via de regra, sejam menos interessantes
(risos).
— centenas de mulheres se expressando, aprendi um bocado. es-
tudei a sintaxe, a gramática... as perspectivas de cada uma... a palavra
simpático aparecia muito, e as descrições lembravam mais afetuosos
animaizinhos de estimação do que propriamente mulheres.
— bicho de estimação não é comigo (risos)... apesar de bruxas e
gatos combinarem bastante. você tem muito tempo pra perder, não é,
Alan? ou estava seriamente procurando? tentou alguma?
— não. era mais curiosidade mesmo, quanto a que tipo de mu-
lher me responderia. tão poucas mulheres inteligentes... quero dizer,
não apenas espertas, mas brilhantes.
— chauvinista. de qualquer modo, seres humanos brilhantes são
poucos. a maior parte dos homens gosta mesmo é de tomar cerveja, ver
esportes na tv... pra não falar de sexo rapidinho, claro.
183
— chauvinismo vem do oficial francês Chauvin, significa assumir
posição extremada... não tem nada a ver com dominância masculina...
uma pessoa pode ser chauvinista e mulher. as mulheres em minha vida
têm sido extraordinárias... você sendo a melhor de todas.
— hei, Alan! menos! às vezes você passa da conta, não precisa ser
tão sério... quando a ocasião é pra rir. pode deixar, vou te fazer umas
cócegas.
— me dá uma pista.
— já, já: use os lábios. pensando bem... quanto tempo a gente
tem?
— talvez dez minutos.
— será que dá? você acha?
— acho que não, querida. mas já vou desnudando os teus seios,
enterrando meu rosto neles.
— melhor adiar então, continuar no papo. você vai me esperar?
seja onde for? seja quando for?
— batendo papo, claro que sim... ah, merda. fiquei com tesão,
você ficando úmida e ele... pronto. ouviu você chamando e ficou duro...
está carente, precisando fazer amor.
— não sei como pude viver tanto tempo sem... e não quis dizer
sem sexo, mas sem você... o pacote completo.
— o amor é raro, Noga. é como balé russo, os que conseguem
dançá-lo são poucos, apenas seres bem complexos. o que somos capazes
de fazer é raro.
— me apaixonei tantas vezes... mas acabei de descobrir: nunca
tive amor, pelo menos AMOR assim, não. infalivelmente, quando a
gente se encontra, é uma energia poderosa, Alan, te sinto no meu hara.
te AMO, sacou?
— saquei. te AMO, Noga. Psique em pessoa, os arquétipos femi-
ninos todos reunidos: um ataque furioso de endorfinas. você me afeta
profundamente, gostaria sim. de estar no teu hara.
— eu não diria endorfinas... que produzo na corrida todo dia, até
me acostumei. e contigo é muito diferente: é o espiritual concretizado.
— o amor é uma panóplia de hormônios... conosco então, é a
palheta inteira.
— nunca ouvi falar de uma teoria unificada do amor, tem sempre
alguma coisa faltando.
184
— sim, Noga, faltava você... você flui através de mim.
— sempre me considerei inteligente. tenho a maior facilidade
de aprender, de entender tudo. já no amor... a vida não me favoreceu
tanto.
— um “cérebro”, me lembro bem.
— cérebro quem? eu? rígida? incapaz de abraçar? bem, ultima-
mente ando mais pra “CONA” do que pra “CÉREBRO”, não? (risos)
— tua cona é esplêndida.
— ah, Alan, me sinto tão bem! por ter te encontrado e porque
você me entende, me deixa ser eu mesma.
— mas antes de chegar à praia, passamos pelo cascalho...
— praia branquinha, sim, cheia de sol.
— é. blanche. Blanche DuBois... Stella! Stella!
— nada de bondade de estranhos com a gente, não é? uau, ele
não está lindo naquela cena?
— liiiiiindo.
— nunca me esqueci, acabou aquele monstro... mesmo assim, ta-
lentoso demais. será que você se parece com o Marlon Brando jovem?
(risos)
— acho que não, tenta o Woody Allen, bem mais divertido. há
uns 35 anos o vi numa boate, um bocado brilhante... mas os filmes dele,
detesto.
— eu geralmente gosto, ultimamente menos. bem sarcástico,
mas meio neurótico, não? e olhe que não sou oriental, cuidado...
— acho entediante, espera-se que todos gostem dele, críticos e
tudo... oriental?
— digamos asiática, ah, deixa pra lá, foi só uma piada sobre a
mulher vietnamita do Woody, te peguei. pensando bem, até que orien-
tal eu sou, não? do Oriente Médio, uma sabra. está passando na tv um
woody antigo, dos meus favoritos, não me lembro do nome em inglês,
Simplesmente Alice ou algo assim, você viu este? Mia Farrow faz a
dona-de-casa entediada que consulta um médico chinês, bom demais.
neste fim de semana vou ver Homem-Aranha 2, decepcionado? em dvd
na cama vale tudo.
— já vi que vamos passar muitos fins de semana no quarto, vendo
filme. aquele jovem cientista em Tubarão, quem é? de cabelo crespo e
óculos de grau?
185
— Richard.
— Richard de quê?
— Dreyfuss, o que é que tem?
— Richard Dreyfuss, é isso. obrigado. me pareço mais ou menos
com ele. pode ser.
— ele é engraçado. bem mais gordo que você, não é, Alan?
— falo de quando ele era jovem. não sou gordo, nem rotundo ou
barrigudo.
— eu sei, querido. não se preocupe, só provocando. mamãe se
parecia com a Ingrid Bergman... e veja no que deu.
— já sei querida, só te provocando. olhe para a mãe, e veja a filha
no futuro, parecida com quem, mesmo?
— acabei de te dizer, meu amor: Ingrid Bergman, mulher lin-
díssima. não sou tão bonita não... mereceu do meu pai cartas poéticas,
maravilhosas. profundamente apaixonado... como nós. me pareço mais
com ele, nariz grande judeu e tudo, mas não se assuste... nem tão gran-
de assim, comprido mas mais pra fino.
— então sou como teu pai, apaixonado. capaz de cartas lindas.
— há alguns meses, ela rasgou (despedaçou) as cartas dele, sabia?
só deu pra salvar uma. não. não me pareço com ela.
— que loucura.
— não me refiro à loucura, mas à personalidade dela antes da doen-
ça. acho que em nosso ninho de gênios — papai, Natan, eu (modéstia) —,
ela vivia meio sob pressão. a inteligência, você sabe, é muito impositiva.
— não sei não. geralmente, sou detestado por outras razões.
— por quais razões então, meu amor? yallah, nu! revela aí os teus
defeitos.
— digo tudo que tenho vontade, não me interessa o decoro: a
vida é minha e falo o que eu quiser. se não me sinto feliz, de que adian-
ta? não suporto babaquice, mas se eu assim decidir, posso até ser bem
charmoso.
— você é. até mesmo escrevendo. tem muitos amigos? não pare-
ce muito interessado em socializar, não é? não ligo, também não sou.
— você. meus filhos.
— eu o quê? já vi que não tem, nem eu.
— te vejo como amiga sim, amigo é alguém capaz de morrer por
ti...
186
— sou mais que amiga então: uma amiga que fode.
— verdade. fazemos amor juntos. quanto a mim, sou mais do tipo
solitário, não me atrai a loucura alheia.
— nem a minha, querido? (te dando uma pista)
— já disse que te acho equilibrada. sadia. saudável.
— estamos mais leves hoje, estou gostando. quero ser sempre
leve contigo.
— me ajoelho à tua frente afasto as tuas pernas tasco a minha
boca em ti.
— uau, sexo rapidinho hoje.
— te beijo, rapidíssimo, introduzo a língua em ti. tuas mãos nos
meus cabelos você me aperta, vê se agora me leva a sério.
— com você nos meus lábios lá de baixo, não dá mesmo pra
fazer piada... só consigo gemeeer. oh, Alan. me lambe. quer um pouco
d’água? me chupa.
187
— você... deglutidora, sou teu... e pronto pra ser comido, cada
vez mais forte um dentro do outro...
— já te tragando (toda latejante), minha unha te arranhando as
costas, Alan, me golpeia... pêlos púbicos soldados cacho a cacho. me
chupa. me afoga em sensações, ah, querido! me dissolvo em ti.
— fundida em mim ventres se tocando, as bocas grudadas. fo-
dendo. se contorcendo toda sob o peso de mim, arrebatados, teu corpo
quente encharcado. abre mais, Noga.
— corações em coro mais rápido, Alan, mais forte, ai Deus! vou
gozar, Alan, goza comigo agora! ufa! Alan! que coisa, tão bom. sonho
com você, meu bem, com nosso orgasmo compartilhado. meu corpo te
reconhece, te amo mais.
— ah, não. vou ter que dizer... sou eu que te amo mais, muito
mais ainda...
— um a zero eu.
— essa eu ganhei, Noga, mas um pra você, tudo bem. eu deixo.
— ganhou mesmo, eu insisto. fui eu que teclei errado.
— mesmo assim o ponto é teu. pensa bem: esqueci aquele termo
freudiano, como é mesmo?
— ah, sim, ato falho, algo assim. em inglês não sei, como é que
é? quando você diz o que não pretendia, mas inconscientemente dese-
java?
— freudian slip, isso mesmo. escorregão freudiano.
— então foi isso, freudian slip. você ganhou, Alan, mas eu disse
que fui eu, te devo essa, entre muitas outras que já estou te devendo,
não ligo. quanto mais eu devo melhor fica, todo dia invisto os lucros
desta conta.
— sim. você é minha... começa a ser a minha vida.
188
will be soon. Terrorismo sexual pra explodir a falta de assunto, só pra
mentes metidas, alma americana conservadora, presbiteriana, he goes
on and on and on. Você ainda acaba preso, eu digo, por corrupção
sexual. Indução. Primeiro presente de grego da história — essa boceta
de Pandora —, está no Google. A minha não. De sabra. De toda for-
ma sim, um presente, it will be soon. Tantra e pronto, ele me pegou...
Nenhum tédio agora. Tocar tua face te olhar nos olhos te farejar, tenho
fome de ti, bem ao gosto do espírito. Do Tao, limpando o carma, não é?
Sim, querida, tu és meu darma. Preso, sim, me declaro culpado. Vou te
ver, eu digo. Na cadeia, visita íntima: falar a mesma língua enroscada
na língua. Francês, hebraico, astrologia, inglês, tua língua na minha
pandora, música latim conapau. It will be soon, plagiando Lou Reed
pela segunda, terceira vez, mas nunca antes com tanta expectativa: um
curso intensivo de verão sobre o amor. Vestindo o quê? Ele quer saber.
Short. Botões. Flores. Amor por ti. Jornada na terra de Noga, ele diz,
amor à primeira teclada. Eta romance rápido... 30 dias e já? Apaixona-
dos? It will be soon dispensando a tradução: vai com Deus, meu amor.
189
— “não exagera” em hebraico, aqui não tem disso não, biblioteca
é pra livro e olhe lá. você pode ficar aí de graça, navegar à vontade?
— sim, durante horas, desde que não tenha fila. do contrário,
uma hora.
— ah. legal. mas eu, mesmo assim, não viveria sem computador
em casa.
— talvez agora nem eu... gostei da citação do Talmud.
— você não conhecia?
— ah sim, faz tempo... te dá uma perspectiva equilibrada.
— tenho um amigo que costumava dizer: im ein ani li, meile...
(se não sou por mim, paciência)
— sei coisa à beça.
— sei disso... e adoro, acho que vai mais fundo do que eu. sei o
que preciso saber, mas às vezes... não é suficiente: um conhecimento
superficial.
— ao teu amigo eu responderia... que a vida é obesa na alma,
muito cheia de si. a maior parte do que sei, vivi: sabedoria experiencial
pura... você pode, meramente, recorrer a citações... ou realmente saber
das coisas.
— na verdade ele é até legal, sabe? mas tinha essa mania de fazer
piada, a gente muito jovem achando graça em tudo.
— busco o importante, o que não exclui o riso. sim, a ironia vai
voltar pra ele, mordê-lo na bunda.
— puxar a perna dele enquanto estiver dormindo, tá certo.
— puxar a perna dele? dormindo? quer dizer o quê?
— é, como um espectro... expressões locais, impossíveis de tradu-
zir... você vai ter que me ensinar algumas.
— sofremos as conseqüências de nossos atos, significando experi-
mentar, colher o que se planta.
— é, Alan. pode ser. bem que eu gostaria... de viver com você,
mas sem sofrer tanto... agora que estou mais madura.
— agora que você me tem... sou uma rocha, estrela-guia.
— pois conto contigo, nunca mais perdida. confiando... encon-
trando o lar.
— acho bom, vem logo. estranho como a transmissão pipoca, às
vezes de imediato e outras... algumas frases atrás.
— depende de quanto a gente tecla por vez, não é? às vezes per-
190
co alguma coisa, nem te respondo, vou mudando de assunto antes de
terminar a frase.
— às vezes não me respondes, Noga? como ousas? você tem que
entender... jamais falei assim com alguém na web...
— nem eu... foi a teu pedido que instalei o chat... e comecei a
falar com todo o mundo.
— me lembro, até então só emails.
— mas teclar é outra coisa, não? no email dá pra elaborar, rever,
apagar... teclar é como o fluxo do pensamento, não tem arrependimen-
to. sincero e franco, sem tempo pra fingir nada.
— e falar com uma amiga, é igual? você contou sobre nós?
— contei, já te disse... mas uma amiga é outra mulher, claro que
não é igual! e quando você chega, me despeço logo... todos já sabem
de você.
— mas o quê? que parte?
— que estou apaixonada demaaaais, encontrei meu homem...
um verdadeiro milagre. me sinto abençoada... só não saberiam se fos-
sem cegos e surdos.
— encontrar o teu espelho é milagre?
— e não é? a chave certa pra tua fechadura, e na hora certinha?
— é sorte, não? Rio x St. Augustine... chance quase nula. estar
vivo já é um milagre... sobreviver à morte, sim, o verdadeiro: uma ben-
ção. como um bebê bonito e saudável.
— falando de quê? muito tempo atrás?
— e de quê mais? inseguro eu nunca me sinto. perseguido sim,
por ninharias da civilização... como raposa ou coelho, atormentado por
cães de caça, forçado a subir na árvore ou descer dela. constantemente
espicaçado, perturbado por bestas rosnantes: gente burra, babaquices...
mas sempre a salvo.
— o amor transcende tudo... e agora? como você se sente? tem se
cuidado direito ultimamente?
— estou bem. saudável forte magro.
— precisando de proteção... pode deixar, tomo conta de você.
mantenho os teus lençóis quentinhos, a tua vida mais fácil. confortá-
vel.
— por favor, toma sim... bem que preciso de consolo, estou can-
sado de me cuidar sozinho. é tão chato... um tédio. não faz sentido,
191
como no verso do Talmud: se sou só por mim... se só penso em mim, só
tomo conta de mim...
— tomo conta de você e você de mim, combinado. normalmente
já tenho muita energia, bem-amada mais ainda, você vai ver.
— esta energia enorme passa através de mim... e me devora se
não dou amor... se não a uso, ela me consome.
— e ultimamente? o trabalho não te motiva? que tal, pra variar...
devorar a mim?
— tenho concentrado a vida em ti, conversado contigo... tenho
te amado, eu acho. não há nada que eu queira fazer... faz tempo, se eu
olhar para trás, nishbar li. estou por aqui, ó, como se diz em Israel.
— mas o último mês foi beeem fora do normal, não?
— é. algo como um nascimento. como a criação, um começo.
como no tai chi: movemos toneladas de energia.
— e a cada dia aparece mais, não é, querido? me sinto iluminada,
imagine ao vivo... na carne. você faz tai chi?
— não, mas costumava fazer mímica, como Marcel Marceau...
em câmera lenta o chi fica suspenso, mantido nas mãos, transportado
por elas.
— entendo. bonito, imaginei a cena direitinho. Vi o Marcel Mar-
ceau quando era criança, sentada na primeira fila da platéia, sabe? nos-
sa, gostaria de ter te encontrado nessa época: mímico e contador de
histórias... tocando violão.
— vai me encontrar agora... ainda sou eu, sou capaz de me mover...
— e mais refinado ainda, não é?
— enceno a mim mesmo para ti, alma, voz e texto: um teatro in-
teiro para ti... no meio do Neguev, nada ali por perto... areia e horizonte
misturados e eu... leve, nu da cintura para cima... quase levantando
vôo, carregado por balões fictícios... sentada numa pedra, sem que eu a
veja, a figura esguia me observa, cabelos crespos ao vento envolta num
kaftan: a marroquina Leah, pintora da École des Beaux-Arts de Paris.
caiu de amores por mim.
— você foi sempre assim? um eremita?
— sim, um guardião. viajante solitário, como você.
— agora não mais, hein? solitários?
— seja minha, meu amor, dança comigo. te amo, nunca me can-
so de ti.
192
— nem eu... pois se já sou tua, dançando contigo há tempos pelo
cosmo, Alan, te quero pra sempre. você me faz feliz... me imaginar
em teu abraço é fácil, sabe? criando o tempo todo, zumbindo de amor
como moscas de luz.
— o senhor das moscas.
— (risos) bem dark.
— se moscas são sombrias... a presença de espírito é sempre luz.
nunca me apaixonei assim por uma mente antes.
— e dos vaga-lumes, o que você diz? o amor é sempre luz... mas
vem do cérebro, não? nada mais que hormônios, fluindo abundantes.
— Daniel adorava pegá-los, brilhando em volta do lago... guardá-
los num pote... mostrei pra eles a beleza da vida. quando foram morar
com a mãe, viajei para Ohio uma ou duas vezes por mês, acrescentan-
do ao carro novo 1/4 de milhão de milhas... ficando em hotéis por dois
ou três dias... ou acampando.
— e agora? você os vê com freqüência?
— o Daniel passou dois meses aqui, antes de entrar na marinha.
já faz um ano que não vejo o Michael... me tira a alegria de viver.
— por que você não vai vê-lo?
— não tenho sentido vontade... ando triste, rompi com a Kathe-
rine... fiquei mais triste ainda, moroso. melancólico, desgostoso, quer
que eu continue? falo com ele toda semana, confiro como vai indo...
penetro na mente dele, reorganizo assuntos... se as crianças vão bem,
fico bem também.
— quero você satisfeito, vencendo a tristeza..
— não é o que parece, quando conversamos? alguma vez você
me ouviu soar triste?
— agora, por exemplo.
193
— você diz — cremar a tristeza, iluminar a noite escura da alma, cer-
to. Queimando os fios, explodindo em curto-circuito, Noga, o amor que
tenho por ti é tão único... envolve a mente, dou tudo de mim. Mais com-
pleto em breve, você como sempre fazendo graça. Minha paixão vem da
alma, das profundezas, do mais elevado grau de consciência desperta. Se
vale a pena, o motivo é este: não é com tolices que te amo. Você confirma,
anseia pelo encontro, pelo toque na pele. Anseio, Noga: quase uma dor.
194
— até que enfim as estrelas chegando! Shabat shalom, meu
amor!
— Shabat shalom, dodi. com quem mais eu poderia falar assim?
— quer que eu te asse uma chalá? adoro sovar uma massa, é mui-
to espiritual, sabe? fazer pão é uma experiência marcante, as minhas
costumam sair gigantes.
— é a expressão do sagrado, sim, nus à mesa partilhando o pão,
recito a benção mergulho no sal, tomamos o vinho e pra cama rindo
fazer amor... eu sei. espiritual, entre tu e eu... uma promessa, com aura
de santidade.
— oh Alan. se conheço um jeito de viver a vida, é este: trans-
cendente, palmo a palmo com o extraordinário, conectando e criando
símbolos.
— sentindo borboletas no estômago, Noga, que poder a poesia
tem... e como aprimora a existência... nunca pensei que pudesse, um
dia, encontrar uma esposa... você sendo esposa para mim. sem nenhum
esforço.
— você já se casou no rito ancestral judaico? quebrou o copo na
chupá?
— não.
— gostaria?
— seria você a primeira mulher que eu verdadeiramente despo-
saria, sim, eu gostaria: bodas rituais. te dar um anel te receber como
esposa... te amar sob o xale de orações.
— então se tudo der certo... vou pedir o divórcio, o guet.
— pra tomá-la como esposa, não preciso que se divorcie.
— sou eu na verdade quem precisa disso. senti que criava laços
no céu, ao me casar com o Marcos... e uma união assim, quando neces-
sário, deve ser formalmente rompida.
— pois considere desfeita... e nós dois consagrados, Noga. a cha-
ve do céu está em nossas mãos.
— ah, certo. vou pensar a respeito: ritual, religião... rompi os cor-
dões, mas o vazio continua.
— e a cerimônia? você gostaria que fosse onde, em Israel? no Rio?
— em algum lugar sagrado. nos EUA existem vários, vibrações
ancestrais, marcantes. quanto a Israel não sei, Alan... não tem me atraí-
do muito ultimamente...
195
— quando estamos juntos, qualquer lugar é sagrado, querida.
Sábado, 18 de dezembro
196
------Mensagem Original-----
De: a. isaac
Para: noga@hotmail.com
Enviada: quinta-feira, 16 de dezembro de 2004, às 20:53
Assunto: te foste... a dormir a sonhar
te foste de novo, a dormir a sonhar, onde estás? Noga... sou louco por
ti, loucamente apaixonado por ti... é inverno e estou morrendo... gelado até
os ossos... ressuscitado por ti, je t’aime mon amour... assoberbado de pai-
xão, Noga, morro de saudades de ti. anseio por teu regaço, te quero, pala-
vras ao vento: falando sozinho sem pensar, o pensamento solto no ar, sem
censura, Noga!... case-se comigo... seja minha esposa te amo. plano A.
Domingo, 19 de dezembro
— oi! que bom! você me pegou aqui, pensando em você pra va-
riar, louca pra te ver. fazendo o quê, online num domingo?
— então te peguei! difícil pegar um espectro... só estou lendo
emails.
197
— suspiro... e valeu a pena?
— o cibercafé estava aberto, eu estava passando, entããão... me
tira o fôlego. adoro te ler.
— respira, meu amor. respira fundo. descobriu que no fim das
contas, eu nem sabia do tal plano A? engraçado, não tinha lido o teu
email, escrevi esta manhã.
— quem, você? para mim? vou pegar teu pcte amanhã... ao rom-
per da madrugada.
— acordar cedinho, é? te deixei uma notinha breve. estava aqui,
lendo o teu email, você me perturbou. mamãe acabou de perguntar se
hoje é segunda, 27... quem dera.
— quando a agência abrir estarei lá, em pé, esperando na porta.
— bobo. você não viu que é só o aviso? melhor passar pelo meio-
dia. o correio central não entregou... provavelmente porque era sábado,
tua agência estava fechada.
— ah, não? o pacote está lá sim, recebi o aviso em casa.
— oh. me escuta, Alan. você tem que voltar pra casa, viu? não vá
abrir no carro, no café ou na biblioteca... por favor!
— muito bem, devo pegá-lo e sentar-me ao sol, abri-lo lentamen-
te, revelando cada peça ali contida? como quem examina um pacoti-
nho de gemas: cada pedra preciosa e única, com mérito próprio, um
jeito inimitável de refletir a luz. adorei te ouvir ontem, estranho, eu tão
calado, escutando o teu silêncio.
— certo, treinamos de novo esta tarde. me diverti, uma meia hora
atrás, lendo a nossa sinastria.
— e o que dizia? tenho que voar agora.
— então vai, meu amor, nossa. poderosa. capaz de mudar o mun-
do... o único senão... é a disputa de egos: lutas de poder entre nós (ri-
sos), que risco! te amo, Alan.
— love you too.
Segunda-feira, 20 de dezembro
Tão bom! Ouvir você rir, rir junto, estar contigo. Não deu pra
voltar a ler, nem lembro mais o que eu estava fazendo: impossível voltar
atrás, para uma vida sem você. Te amo/ N.
198
— oi, Alan! sobreviveu?
— hei, Noga. abri o pacote na ordem recomendada... nada foi
violado, e agora tenho você comigo.
— gostou do trailer?
— ???
— trailer de filme, não é o termo certo?
— que eu saiba. de qualquer maneira, estou com a tua foto na
mão... que interessante. adoro as tuas mãos, mãos espertas.
— interessante? mãos? ai meu Deus.
— sim. você me agrada mesmo, não é gorda, e isso é bom. o teu
odor adorei.
— não gostou do meu escalpo? gorda? não sou, ainda nessa de
gorda?
— não... foi só uma piada. você é a antítese disso, forte em forma
cintura fininha, o rosto agradável.
— depois de um mês transando (compulsivamente) contigo... es-
tou pele e osso. pode apostar.
— a foto é melhor que as outras, gosto das linhas do teu rosto.
você me lembra o meu pai, ou pelo menos, a fisionomia da linhagem
Sklar. não é como eu imaginava: é muito expressiva, erudita, uma pia-
nista. um tipo de ossos fortes, estrutura musculosa. não te achei exótica,
mas familiar, como se estivéssemos juntos faz tempo.
— certo, eu te disse que gostava dessa. lembra o meu pai também
(risos), ainda bem que está tudo em família: a mesma linhagem, você
e eu, quero dizer, mas... (preocupada), será que você vai transar com
alguém da sua família?
— o que temos é bem mais que transar, Noga... uma família de
dois: você e eu.
— ah, Alan, só brincando. você sempre tão solene e eu te amo, ai,
tanto tanto. sei que está escrito que ficaremos juntos.
— gostei do cabelo, dos teus ombros quadrados. Katherine tam-
bém tinha, será a marca dos corredores? deu pra perceber a energia,
uma luz emanando de ti... bem como você disse. adorei a cor de cobre
dos teus pêlos pubianos... como seda, brilhando ao sol.
— cabelo mais curto agora, e parei de tingir... mas de qualquer
maneira, não é nada pequeno.
— cabelo não pode ser pequeno. gostei do hidratante.
199
— foi só uma piada, sobre o volume enorme do meu. e você es-
tava em casa? usou o creme?
— não, só meti o nariz nele. sentado no sofá da sala, examinei
cada peça com um microscópio.
— é o que pretende fazer comigo, não é? me perscrutar a fundo.
— adorei o cacho de cabelo, e a fita amarrando... espesso, linda
cor. e o amuleto: olhei com atenção as voltas da corda.
— valeu a pena o esforço... esse amuleto é bem antigo. fiz peças
do tipo durante uns dez anos, essa aí é a única sobrevivente.
— pena de faisão?
— sei lá. na verdade foi o Foster que me deu, estava no lixo dele (risos).
— e que figura você é! tão animada, tipo um Marcel Marceau, de
aspecto marcante entre outras coisas. pra se comunicar através de mími-
ca é preciso personalidade forte, capaz de se expressar sem palavras.
— eu sei, deve ser difícil... e então... faço um bom par com esse
mímico aí?
— gostei demais do pacote, e o cheiro das calcinhas? adorei,
como se acabassem de sair da lavadora. e pequeninas. te imaginei den-
tro delas, teus quadris, tua cintura.
— mas são usadas, sabe? não deu pra impregnar de um cheiro
mais forte... e da simplicidade, gostou?
200
— mas o cenário da foto é a casa da mamãe, Alan. se eu estivesse
chez moi, aí sim, você veria o meu design, minha própria expressão...
curtiria mil vezes mais.
— chez toi où? junto comigo?
— por enquanto só no coração, junto contigo.
— uau. gosto mesmo de ti, vai tão além de gostar! os sentimentos, a
conexão contigo: bem além da paixão, tão lúcidos, profundamente sérios.
— pra mim também, quer dizer... paixão bem que eu sinto, mas não
a emoção violenta do tipo que dá e passa, sei que não. agora é pra valer.
— Alan?
201
— não, querido, estou pronta. momento, vou ler o que você dei-
xou na tela, conferir a água do chá. já volto.
— delicada criatura... bem aqui na minha frente, que mulher!
amor em palavras. me deleitei com as calcinhas, explorei cada mm de-
las o nariz mergulhado nelas farejando o teu odor, fechando os olhos
para ver mais claro.
— e o que foi que você viu? deu pra ver que a alma é limpa?
— l i m p e z a. aroma de limpeza.
— encarnei o coiote hoje, muito engraçadinha, mas quero man-
dá-lo embora.
— allez-vous-en.
— quero ficar séria contigo, porque é assim que eu sou. soar pro-
fundamente emocionada, porque é assim que estou. enfrentando um
certo pânico... e bancando a cômica, como se quisesse proteção contra
o que mais desejo... como você, sou muito séria.
— ah, sim, muito séria.
— e quore mesom dezir o qeu digo, acad paalvirnha. cada gesto
ou ato criativo, pode falar que estou te ouvindo. Alan?
— aqui, Noga. o que você quer?
— você parou. demorou a continuar.
— é que às vezes completo uma idéia antes de enviar, e o proces-
so nesta máquina é bem lento. lá vai.
202
— nossa, Alan. que impressionante. é preciso saber que esse lugar
existe para desfrutá-lo, entendê-lo... somos como estas pedras, protegi-
dos do acaso adverso até o momento sagrado do nosso encontro.
— e são imponentes, Noga. maiores que as de Stonehenge, que
as do Partenon. você chega a mim intacta como as fundações do tem-
plo, a salvo no tempo, por ele preservada... imprescindível, um só bloco
esculpido, onde erigi esta introdução a ti.
— ancestralmente solidificado, Alan, que muro o nosso: um blo-
co único de pedras, jubiloso, sem lamentações.
— feitos um para o outro, adequados, encaixados um no outro,
colocados um sobre o outro de tal forma firmes que nenhum cimento
é necessário, de tão perfeitamente assentados um sobre o outro. coiote
uma ova, não passam de doninhas disfarçadas de cães.
— um coiote de vez em quando até que é necessário, mas não
desta vez, Alan, não me faça chorar... pois se já me fez: meu rito de
passagem, iniciação sagrada em nossa vida juntos.
— não preciso de coiote nenhum, ishti, só quem sabe... de um
certo tempo.
— oh, Alan, meu esposo, baali. se estivesse contigo agora ao
vivo... ficaria bem quieta, um minuto no silêncio, só sentindo... um
entendimento que excede qualquer palavra.
— nem precisamos delas... nus, lado a lado, minha mão no teu
ventre, tua pele suave esbarrando na minha, o rosto colado. sorrindo.
— surfando a mesma onda cósmica, Alan. posso chorar de novo?
— pode... por favor, chora. você não parece doida na foto. quanto
mais eu olho mais satisfeito eu fico, adoro os dedos da tua mão direita.
bela expressão de mão.
203
— estou sempre nua, é você quem diz.
— você é tão bonita, não paro de olhar a foto...
— o que pode à distância, hein? uma foto boa ou ruim... apenas
um momento, enquanto ao vivo, somos o fluxo, a seqüência inteira. a
foto congelada no tempo... e o amor entre nós, sempre em movimento.
te toco agora, meu amor, exploro o teu rosto com ambas as mãos... de
olhos fechados, como se fosse cega.
— dá pra ver que você é tímida.
— verdade, eu costumava ser... agora talvez nem tanto, eu diria
melhor: recatada, do tipo que odeia exibir as tetas. discreta. fogo escon-
dido.
— existe uma certa inocência em ti, recatada... certo, é uma pa-
lavra boa. terei que ser bem gentil contigo...
204
— você conhece o mito das almas gêmeas, Alan? diz a lenda que
quando se encontram, a humanidade inteira dá um passo à frente: o
casamento sagrado delas abençoa a terra, enche o planeta de luz.
— será que deveríamos ir agora mesmo pro quarto, começar a
iluminar o mundo? se tem algo que entendo bem é o sagrado, querida,
e é sagrado o que existe entre nós... não poderia ser diferente. Noga?
205
— ani lo ychola lidaber ivrit. como foi que você escapou?
— consegui convencê-los, foi bem divertido. provei que morava
no Brasil e era só turista... depois disso, viajei sozinha até Roma e en-
contrei o pessoal no albergue.
— fascistas desgraçados.
— durante o nosso programa, passamos uma semana num acam-
pamento do exército, e eu detestei... odeio hierarquia. enquanto tropa
(risos), visitamos em Jericó um palácio maravilhoso, com o mais fan-
tástico mosaico romano. mas o nosso “capitão” era tão idiota, nem nos
deu tempo pra admirar as ruínas...
— abuso de poder. cochon.
— fiquei com isso na cabeça, e em 88 voltei ao local com mamãe,
no nosso carro alugado. o mosaico era ainda mais lindo do que eu me
lembrava, excedeu a expectativa.
— estive em Israel no inverno de 1988, dirigindo um carro alu-
gado.
— quem sabe a gente se cruzou? 1998, eu disse, ou quem sabe
teclei errado. Jericó, naquele ano — bem antes da segunda intifada —,
já pertencia à ANP, e no meio daqueles árabes todos, meu carro era o
único israelense, de placa amarela... com tudo isso me senti segura,
ninguém mexeu comigo.
— Hebron?
— Jericó, mais ou menos perto de Qumran, no Mar Morto. visi-
tamos Zippori também, um parque lindíssimo, com mosaicos romanos
inspirados nos ritos dionisíacos. momento.
— terra do isqueiro Zippo? coitadinha, teclando só com dois de-
dos... adoro Qumran. où est Zippori? Noga?
— aqui. fui até a sala pegar o livro que comprei lá, vou levar pra
você ver. é a antiga capital da Galiléia, perto de Tverya. quando estive
lá, era um sítio arqueológico recém-descoberto, ainda sendo escavado.
eu tinha tido esse sonho, sobre “Séforas”: eu e meus sonhos proféti-
cos...
— Tibérias? Maale ha Gilboa fica perto, um kibutz religioso em
Beit Alfa: 20 membros ortodoxos no alto de uma montanha. passei duas
semanas lá, limpando o celeiro, tirei montes de bosta com uma pá.
— como foi que você agüentou?
206
— não era pra gostar, mas pra fazer: uma questão de disciplina.
as garotas do kibutz eram pára-quedistas e os homens, armados de uzis,
enrolavam seus tefilin todo dia de manhã. falavam aramaico antigo e
liam a Torá, no rolo original, como se fosse nada: turma simpática de
rapazes. diferentes destes rabinos daqui, crentes que sabem tudo, filhos-
da-mãe arrogantes... Beit Alfa tem os mais extraordinários mosaicos. me
conta o sonho. o que é Séfora?
— acabei descobrindo, em Israel: Sephoris é o nome ocidental
de Zippori. por isso, passar por lá significou muito, uma experiência
forte... mas na época do sonho eu não sabia nada disso, pensei que se
referia às dez Séforas — em hebraico Sefirot — que formam a árvore
da vida, o símbolo cabalístico. foi nesse sonho que vi o pêndulo de ouro
em espiral, que depois fabriquei e usei por um bom tempo como ins-
trumento de cura. e você? colocava tefilin com eles? acho o ritual dos
tefilin interessante.
— pois eu acho absurdo, Noga, primitivo. eu colocava, mas... de
parte dos rituais judaicos eu gosto, como o jejum ou o xale de orações,
mas se começarmos com as outras tralhas... o tefilin enrola, acorrenta o
animal ao sagrado, auto-acorrentado encurralado encerrado no curral.
me acorrentei ao sagrado muito tempo atrás... e agora acorrentei meu
eu a ti. a reprodução manuscrita da Torá é uma das práticas mais impor-
tantes para mim: adoro este tipo de disciplina, o poder de manifestação
que provoca. nem é necessário que eu a leia.
207
“oh! Minha Ampla Mente Inconsciente Coletiva, como te amo, Alan!”
Então pra ficar mais curtinho, prefiro usar o simples e gasto apelido de
tudo isto: Deus. E o Alan concorda: com certeza “Adonai, oh Adonai,
estou gozando, Adonai” não soa nada apropriado, Deus pra ele é a cau-
sa primária de tudo, a força da gravidade. De qualquer forma, o nome
não passa de vento falando através de nós. Seja qual for o ruído que fizer
são apenas sons, ele afirmou, encerrando a questão.
208
— sim, querida. CASAMENTO SAGRADO.
209
— páááááááára!
— é mera descrição, Noga. vivo essencialmente solitário, jamais
amei alguém como amo a ti... me fascina te afetar assim, me conectar
tão profundamente.
— eu poderia dizer que vi você comigo na visão do templo, isso
sim, é que seria uma fantasia boa... mas não, foi o Foster. acreditei por
muito tempo que ele fosse minha alma gêmea.
— Foster? ruído na comunicação ou o quê? do que é que você
está falando?
— do encontro espiritual que tivemos... mas o sentimento (ou
fantasia) não foi recíproco.
— me pareceu meio tântrico... você o amou, ele não?
— isso. preferia de anoréxicas, mas na verdade só gostava de ou-
tros homens.
— argh.
— ao chegar a Santa Fé, pensei ter encontrado o verdadeiro lar...
me deparei na sala dele, logo na entrada, com uma cadeira de ferro oxi-
dada quase igual à que eu havia projetado para a Pólen... e me desman-
chei toda: por quatro horas seguidas chorei de emoção, dentro da tepee
no quintal (prepara o lenço, meu amor, afora é pra valer. agora, digo).
o Foster me disse que o design era dele, mas acabei descobrindo a tal
cadeira, mais do que comum, à venda em várias lojas da cidade (risos).
você vem de Katherine, eu vou de Foster: vingança pura.
— certo. et maintenant?
— maintenant on parle de nous, Alan, fiquei mesmo com ciú-
mes... mais uma pecinha no puzzle, outra tecla no teclado.
— louco pra te ver também... argh. isso é pra te ensinar a diferen-
ça entre realidade e sonho.
— conosco é a realidade completa, meu amor: multifacetada,
todas as visões em uma, fundações ancestrais. os anseios sonhados se
tornando reais.
— é. monolítica. não faz sentido sentir ciúmes dela... você me
conhece como Katherine jamais (poderia, conseguiria) me conheceu.
certa noite, ela pediu que a desposasse... a olhei de cima a baixo, quis
negar... mas concordei, não queria fazê-la chorar: segunda tentativa (de
fugir para Tahoe e me casar). estou curado, nenhum traço dela... lousa
limpa a não ser por ti, esparramada cobrindo tudo, a imagem talhada,
210
estampada na argila: mãos nádegas seios, cona boca riso, eternizados...
contigo não tendo a sentir remorsos.
— ai, Alan... graças a A-E-G (adonai-elohim-god, diferentes no-
mes de Deus). tua marca na minha carne, onde você quiser.
— quero por dentro então. nua. com a argila cinzenta de mim
sobre o teu corpo inteiro... e esta roupa de baixo? por quanto tempo
você usou?
— a que te mandei? um dia.
— teu cheiro é tão limpo, Noga.
— transamos na tela e fiquei úmida, gozei usando ela. numa sex-
ta, se não me engano, um pouquinho antes do Shabat.
— hummmm... oh, Noga! adorei teus pêlos púbicos, você é tão
pequena... com certeza vou te encher todinha. neste instante, com tan-
to tesão por ti...
— oh! Alan, e eu latejando, me excito demais. você me excita, eu
quis dizer, ato falho, já viu...
211
e uma meia hora depois...
212
— já ouviu falar de corpos celestes ecoantes, Alan?
— não.
— uma idéia excitante, que confirma a teoria das cordas: tudo
que um deles faz o outro repete, em questão de segundos, do outro lado
do universo... parece ficção, mas o fenômeno foi detectado mesmo, deu
no fim de semana... na BBC online, eu acho, ah... sim... meio difícil de
entender, localizo a matéria e mando pra você.
— então não são gêmeos de fato... só um tipo de buraco-de-ver-
me, duas imagens do mesmo evento vibrando... o mesmo ser, duas pon-
tas da mesma corda.
— pode ser que não te expliquei direito, Alan. peraí.
— (rindo) fazendo o quê? vai depressa, Noga!
— achei aqui, ó, na New Scientist... mas não dá pra copiar e
colar, filhos-da-mãe, protegidos por direito autoral... desisto, quem sabe
você encontra aí?
— vejo que é similar a nós, acasalados, sobrepostos... os dois na
mesma corda, vibrando em uníssono, um ecoando o outro... comple-
mentares. li sobre a teoria das cordas, meses atrás.
— é mesmo, querido: o micro refletindo o macro.
— você e eu no centro do universo, fazendo amor e rindo. entre
a ação e o conhecimento, prefiro a primeira... mesmo que a mente não
saiba como, o coração bate. hummm... o que será que você vai pensar
de mim? se... como serei quantificado?
— Alan, por favor! parágrafos curtos! quantificado?
— é. quando teclamos, tenho uma vivência de ti, olhando as fo-
tos, outra...
— e eu? nem uma foto decente eu vi... mas confio, Alan. mais
ainda, depois que elucidaste a perna manca (risos): que puta alívio! meu
amor! te vivencio como o deus do Olimpo que você é, nada menos,
quem sabe mais: um deus feito homem, carne e pele, cheiro e pau.
— minha vida é o caos, Noga. sou boêmio, não tenho disciplina...
não quer dizer que eu não seja capaz de uma perfeita ordem.
— deu pra perceber, boêmio quer dizer o quê? alcoólatra? ou
sonhador?
— desregrado, negando as normas. não sou viciado em nada.
— a gente se adapta, eu cedo um pouco, você um pouco. nos úl-
timos seis anos, me entupi de rotina... mas necessário mesmo, só algum
213
trabalho... ou passaremos fome, pensando bem, até que não é má idéia:
morreremos magrinhos! estou disposta a me aventurar, e agora que já
rimos um pouco... me explica que caos é esse... ou vou pirar. tem lugar
sobrando aí? orbitando na mesma galáxia?
— as crianças no ar: Daniel na marinha... Michael, que não vejo
nunca... simplesmente não dou bola pra ordem... nem pra coisa ne-
nhuma.
— gostaria de morar com eles?
— não, estão seguindo o caminho deles.
— então na verdade... o que é que te preocupa? fale claro, Alan,
por favor... deixa a poesia de lado.
— na verdade, nada. soa irracional, mas a separação, o viver lon-
ge deles... me afeta demais: uma espécie de despertar, querendo saber
se estão bem... uma certa ansiedade, inconsciente e constante: uma
angústia, isso. com pirar você quer dizer o quê? posso me tornar, fazer o
que for... mas preciso de um bom motivo, e até você aparecer, não havia
nenhum... já fiz de tudo na vida, crianças/ propriedades/ negócios...
esgotei as motivações.
— e como você vive, quero dizer, em termos práticos? casa, tra-
balho, comida.
— não dou importância, depende...
— vamos ter que morar em algum lugar... tenho planos de es-
crever, o que por si já é meio caótico. me diga então o que você anda
pensando.
— assuntos da terra ou assuntos do céu?
— da terra.
— estou no limbo.
— ai, Alan, fala claro de uma vez por todas. você esteve, eu en-
tendo... mas não está mais.
— pra ficarmos juntos, seria necessária uma dinâmica financei-
ra... montar residência, com telefone, computador e vista... muito char-
me e por aí afora. no que se refere a mim, não ligo...
— e no que se refere a nós? pensando bem, eu gostaria de um
notebook... mas não espero que você me sustente, e charme a gente
tem de sobra. quero curtir, trabalhar um pouco... sem perder tempo
fazendo dinheiro.
— não... perderemos fazendo amor... meu tempo me pertence.
214
por outro lado você apareceu, e já faz um mês que não penso em outra
coisa... diligentemente, cotidianamente me preocupo contigo... e na
semana que vem, o nosso encontro. sou capaz de prover sustento, até
mesmo uma certa opulência. e luxo e graça etc, etc.
— imagine você um executivo, workaholic... como é que seria?
teclaria o dia todo desse jeito?
— o que fizemos não tem preço, Noga, com teu pacote então...
um aporte de capital para o futuro... te vejo como mulher, uma artista.
apesar de multinacional... brasileira e judia. estou cansado de pensar
besteira.
— então pára. aquieta a mente. sheket. haveremos de prover,
você verá.
— passo bem sem meus armani, mas você... me parece tão nor-
mal...
— normal não, Alan, enjaulada... escutei, durante anos, uma voz
interior dizendo: bagagem leve. comecei a me desfazer de coisas, sem
intenção de viajar nem nada... e me desapeguei. estou pronta pra ir
embora, mas é bem provável que eu tenha que voltar, organizar a loja,
a vida de mamãe... antes de me mudar de vez, se for o caso. tenho mi-
lhagem pra voar em março, e dá pra ir até Jacksonville.
— sim, um reflexo de mim... também me livrei de tudo. foi meu
desejo te libertar.
— me imagine então... deixando a prisão, sacolinha a tiracolo...
— vamos às compras, Noga: roupa de cama, móveis... louças,
cristais.
— só se você quiser... não estou planejando hóspedes.
— não é em mim que estou pensando... quando planejo montar
casa.
— mas se eu já te contei... vendi as pratas todas, as porcelanas...
e dei os quadros, os móveis, as roupas, doei os livros pra biblioteca: um
legítimo pow wow. e uma cama de casal pelo menos, você tem? ou
quem sabe uma rede? quer que eu te compre uma?
— precisamos de uma cama sim, e de alguns lençóis de algodão
egípcio.
— ai, Alan! é por isSO QUE VOCÊ SE PREOCUPA TANTO?
desculpe as maiúsculas, foi sem querer. meus lençóis (de algodão mis-
to) custaram menos de cinco dólares, apesar da harmonia nas cores:
215
bom gosto é essencial. nada de camisola rendada, o négligé combinan-
do... só uma colcha sobre o corpo nu, e pra que mais? na vision quest
tradicional nem cobertor é permitido, só um círculo de pedras pra te
proteger do mal. e proteção já temos, não é? um protege o outro.
— verdade.
— é você que indica o caminho, meu bem, está na minha hora...
é aniversário da Raquel... preciso me vestir, medicar mamãe (pra ela
sair mais calminha), e comer alguma coisa, claro, pra maneirar mais
tarde no jantar (risos).
— tu és o caminho, Noga... divirta-se. ciao.
— não fica caraminholando aí. relaxa, querido, confia em nós.
não vou te ancorar, meu amor, mas flutuar a teu lado, já foi? lorde
apressadinho?
216
Querida Noga, como te amo... cheirei as calcinhas, me embeveci
com teu odor... Investiguei a marca do teu corpo nelas, umedecidas por
ti... Olhei bem a foto, os tufos de pêlos sob a luz... sob a lupa... louco por
ti, Noga, apaixonado. Mr. Apressado.
Terça-feira, 21 de dezembro
217
custou umas 150 pratas. você sabia que são as Ilhas Sanduíche origi-
nais, também conhecidas como Spice Islands ou Ilhas de Especiarias?
— não sabia, que gostoso... o livro deve ser lindo.
— tenho também um dicionário enorme, me delicio seguindo a
palavra ao longo das múltiplas transformações que sofre. guardo além
disso centenas de fotos com os garotos, do período de dez anos que pas-
sei on the road para visitá-los... a única coisa a que dou valor.
— centenas? e por que não me manda uma? (tarde demais agora)
— na verdade, nunca contei... gostávamos de aventuras: acam-
par, rafting, pescar, surfar...
— pois eu... queimei as minhas fotos todas, te mandei a única
que sobrou.
— e por que destruir imagens de alegria, lembranças dos filhos
que amo? antes de me aventurar no trem da meia-noite, peguei tudo
que escrevera até então e joguei na lixeira, me senti tão mais livre... se
me desse vontade, poderia sempre reescrever. ao longo do tempo fui
largando tudo, não queria sair mundo afora carregando. quando se tem
coisas, é preciso um teto para armazená-las... és a garota dos meus so-
nhos, Noga, mente, alma, etc... conheço a fundo tudo que viveu, com
a exceção é claro do talismã de penas.
— te mandei o poema, Alan, toscamente traduzido... sem revi-
são. confere lá.
218
(tua lança tocou-me fundo)
armaduras destruídas
219
— estás brincando...
— uma ode à separação... o cheiro de Noga, ou pelo menos do
sabonete que você usa.
— que romântico, Alan... dormindo com um par de calcinhas
usadas... nunca acreditei muito nessa história de fetiche, mas agora vejo
que acontece mesmo... deve ser coisa de amantes separados, não?
— de modo geral, acho fetiches absurdos... mas tua roupa de bai-
xo é uma obsessão particular... um pobre substituto de ti, trazendo em
si a intenção de uma linda obra de arte erótica, onde cada componente
é altamente apreciado.
— gracias, mi amor.
— a noite passada, estive olhando teus pêlos púbicos sob a luz...
estudei a fundo as transformações, as nuanças das cores... por medo de
perder um fio que fosse, nem me atrevi a adulterar o pacote original:
uma espécie de relíquia de Jerusalém, do tempo das cruzadas. romance
é coisa de louco, querida, uma delícia.
— oh, Alan. você é mesmo uma graça. deleitável. delicioso.
— pelo menos sei que sou poético... e toi aussi és poeta, a cereja
do meu sundae... tenho planos de te comer, de estudar a fundo cada
parte de ti, tocar cada marca em teu corpo... apreender cada detalhe
com os dedos, reconhecer cada sinal.
— e você é o chantilly do meu creme, meu amor. tenho planos de
me deitar na cama em silêncio, deixar você me examinar com a luz acesa.
— mas é claro! janelas abertas, o sol entrando à luz do dia: sinal
cicatriz defeito. revirar cada cantinho, cada fenda, iluminar cada peda-
cinho oculto.
— e você, querido? muitas cicatrizes?
— na verdade não, estou bastante intacto. não sou de cair, e você?
já passou por cirurgia de coração aberto? apêndice? ou...
— mais de uma, na verdade duas: a primeira na bunda, de uma
queda escada abaixo na minha cobertura (cicatriz chique, esta); a outra
de memória bem mais triste... uma vez, em Brasília, esbarrei o braço
direito no cano de água fervente da sauna lá de casa. esse maldito casa-
mento me deixou queimada.
— aiaiai. dou um beijinho pra te curar...
— mas é clarinha, quase imperceptível. nada de apêndice. ne-
nhuma cirurgia.
220
— não me importo.
— nenhuma doença, fui abençoada. há quatro anos tive uma
tireoidite: doença auto-imune, que em teoria me condenaria a tomar
hormônio pro resto da vida... mas só pra contrariar a medicina, me
curei completamente e não tomo nenhum remédio, só vitamina C.
raramente, um comprimido pra dor de cabeça.
— vou ter que te examinar com cuidado. você sabe, cursei o bá-
sico de medicina na universidade, sou perfeitamente capaz de te fazer
um exame.
— então faz. nenhuma dst. tenho grande interesse em ciências
médicas, sabe? mas acabei optando pela arte...
— dst? e o que é isso?
— em português: doenças sexualmente transmissíveis.
— vou ter que te fazer um exame pélvico, já vi tudo... interessado
nas tuas maquinações internas.
— mas sem instrumentos, certo? nada de espéculos por favor. só
dedo, língua, pau.
— ah, não... só dedos e língua, usar a língua é importante pra
conferir o gosto. quem sabe uma inspeção visual minuciosa.
— e você acha que é uma vista bonita?
— ah, sim... especialmente no teu caso.
— nosso nível está caindo, Alan... o repertório cada vez mais
bobo. voltando aos teus escritos... você escreveu bastante, depois da
aventura do trem?
— me entretendo aqui com um pensamento... como foi o teu
jantar? e a sedação da tua mãe? foi suficiente?
— ah, foi, que tristeza esse alzheimer. o jantar foi chato, mas deu
pra me divertir, relaxei. contei pra uma amiga que estava prestes a en-
contrar meu namorado virtual...
— que romance!
— mamãe se comportou bem, comeu um bocado de doces.
— e teu irmão? cunhada? você comeu o quê, depois de jantar
em casa?
— não comi nada... minto, comi um kiwi. meu irmão tenta ser
amoroso, dar atenção à mamãe. quanto à mana, você vai me perdoar: é
uma c...! uma f...! pedi a ela pra ficar com mamãe esta tarde, enquanto
vou ao médico, mas ela negou...
221
— tenho mais ou menos cinco min aqui.
— tenho mesmo que ir, explicitando o que eu disse acima: cade-
la, filha-da-mãe. você me liga depois das 5?
— você vai mesmo?
— vou, rezando pra que nada de mal aconteça por aqui. preciso
mesmo consultar o homeopata.
— vai dar tudo certo... é a dúvida que leva ao obstáculo.
— está certo, amor. obrigada por me ligar antes de eu sair.
— willkommen. je t’aime.
— ich liebe dich, Alan. ani ohevet otcha. te amo.
— moi aussi, love you too.
— the greatest thing you’ll ever learn... is just to love and be loved
in return...
— fácil aprender isso, não é, Noga? difícil é encontrar, tão com-
pleto assim.
— até logo, meu amor. te vejo mais tarde.
— até. ficarei te esperando.
Alan, meu amor, você nem imagina o que aconteceu. Meu so-
brinho acabou ficando com mamãe, e resolvi me dar um tempo ao sair
da consulta. Homeopatia, você sabe, me deixa balançada... Funciona
como terapia rápida: um apoio emocional. Passei na farmácia pra enco-
mendar o remédio, e vinha descendo tranqüila pela Ataulfo de Paiva,
quando de repente... Encontrei meu ex-marido Marcos, no meio da
rua!!!!!! Nunca ando pelo Leblon no fim da tarde, e ele... mora em Bra-
sília, a 1500 quilômetros! Levei o maior susto. Trocamos meia dúzia de
palavras formais — foi a primeira vez que falei com ele, desde a separa-
ção em 1998 —, cravei a mão direita com força no antebraço esquerdo
dele e mentalmente... me divorciei. No ato. A coisa toda durou menos
de dois minutos, e me deixou tremendo da cabeça aos pés. Caminhei
até em casa tentando me acalmar, debaixo do meu guarda-chuva ver-
de, a chuva abençoando tudo. Estamos mesmo num círculo de magia,
Alan. Feliz solstício, meu amor.
222
— a gente já tinha combinado, então a chance é boa. depois das
últimas novidades... como você acha que estou?
— ah, bem... sim, bien sûr pourquoi non. quais são as últimas?
— você não leu meu email? que te mandei há um minuto?
— momento.
223
— casa comigo, Noga, case-mo-nos. nos braços um do outro es-
posados, apegados um ao outro. menos de um segundo, e celebramos
nossas bodas no céu, pela milionésima vez... saindo.
— eu caso, meu amor, caso agora mesmo! saindo? quem? ou será
que você quis dizer... sorrindo? não precisamos de nada mais, não é?
com toda esta energia... confirmados pelo universo, oh, Alan!
— oh, Noga, te amo. te abraço, enquanto atendes o telefone: um
mês e me fizeste teu...
— não estou no telefone não, estou flutuando... com você no
cosmovirtual...
— ... família de poetas. como é que eu pude existir sem ti? sem
conversar? sem fazer amor contigo?
— e eu, meu amor... imagine eu...
— bodas elétricas, querida, te sacio de mim, vem tanz mit mir. não
consigo imaginar teu beijo, a consciência dele... um estado de graça.
— é quente. é doce. apaixonado. não vou te largar, até que nos
falte fôlego...
224
— quieto. sim. me acalmo, ereto em riste, meu pau duro por ti...
pela memória de ti. adorei você ter sido rápida, posso te ver tremer...
teu corpo nas ondas do orgasmo tua boca tocando a minha, meu pau se
ergue por ti. você me comanda.
— oh, Alan... pra quê a memória, se você me tem? de coração de
alma de cona. de lábios nariz de seio de grelo.
— adoro te beijar, ficar dentro falonacona, quente, úmido, teso
dentro de ti.
— ah, meu Deus, latejando de novo. te amo quente, latejante-
mente, me sacia de ti, Alan, vem. me inunda com teus sumos doces,
fundo dentro de mim, estou pulsando tão forte, goza comigo, amor.
— vou fundo, Noga. te golpeio, entro até o meio, depois no cen-
tro te inundo de sêmen, que amor quente este teu a boca colada na
minha ah, Noga! tetas tesas no meu peito, pingando de sêmen, quente
e pegajoso oh Noga, casa comigo, goza comigo outra vez.
— te amo taaaaanto Alan, nem eu sei quanto. flutuo contigo pin-
gando de úmida, encharcada. semente no ovo, fecundada pelo amor:
você me abençoa quando goza em mim. tanto tempo de estrada e sem-
pre apaixonada... só por ti... nunca me deixe ir.
— ah, Noga... que putazinha deliciosa você é... tão linda, tão
gostosa! seja minha mulher só minha, minha esposa, trancados no amor
para sempre.
— me faz dormir um pouquinho, amor, é tão gostoso dormir
contigo... me obriga a descansar.
— dorme sim, querida. relaxa, fica em paz. feliz. vem pra praia
que a onda acabou.
— e o mar de St Aug, é bravo? aberto? baía? preciso demais de
entrar no mar, me limpar dessa energia pesada que enfrentei.
— é calmo... durante os furacões fica bem bravo, mas geralmente
é calmo. tem praia de mar aberto, tem baía, águas claras... quero nadar
no mar de Noga. meio frio agora, diferente do Havaí que é sempre mor-
no, mesmo no inverno.
— mas dá pra me aventurar? ou geladíssima?
— você nem vai querer deixar a nossa cama (tomara)... de mãos
dadas então... pra lá da arrebentação, no fluxo da mente: surfe puro.
— adoro fluir. flanar. nadar, mergulhar fundo.
— adoro nadar debaixo d’água, puxar a calcinha do teu biquíni...
225
deslizar meus dedos entre as tuas coxas, aportar no abraço... cresci em
Malibu, no sul da Califórnia... surfo bem sem prancha, tenho o instinto
da onda.
— Alan, escuta. quero dar um pouco de atenção pra minha mãe
hoje... jantar com ela, ver um pouco de tevê. você fica triste sem mim?
— e como não ficaria... falo contigo amanhã.
— em breve serei tua... e amanhã teremos a tarde inteira. tive
um dia e tanto hoje... preciso de um descanso. amanhã faço a última
corrida... depois liberdade.
— não se preocupe, me contento com o pensamento em ti... dor-
me bem, querida, pensa em mim se puder... você correndo em direção
a mim.
— você mora dentro de mim... te trago sempre comigo: meu ta-
lismã da sorte.
— me fazes sorrir, Noga, te amo.
— me fazes tremer. te amo, Alan.
Quarta-feira, 22 de dezembro
— bom-dia, Alan.
— li teu email há poucos minutos... e depois mais um. mil e 300
quilômetros sem lesão...
— bom, não? no ano passado corri uns 1600, mas passei 30% do
tempo machucada.
226
— falando de magia...
— o quê?
— na noite passada, apareceu de repente na tevê um documen-
tário de 90 min sobre a teoria das cordas. assisti com a maior atenção,
querendo aprender o suficiente para ser capaz de unificar o einsteniano
ao quântico... e agora já sou. em 1984, na Universidade de Oxford, foi
aventada pela primeira vez a possibilidade de se encontrar a ambiciona-
da teoria de tudo, onde as leis do muito grande se harmonizassem com
as do muito pequeno... sub-sub-atomicamente a estrutura da matéria é
não-material... são minúsculas cordas pulsando, oscilando de diversas
formas... provocando a ilusão de partículas diversas, na realidade cordas
de energia se movendo através de impulsos... como um estranho ser
sub-oceânico, composto de algo em torno de 20 dimensões, sendo ape-
nas seis significativas.
— já ouvi falar em dez, sendo seis delas enroladas sobre si mes-
mas... o interessante, Alan, é que apesar de ser difícil imaginar — por
causa da nossa limitada experiência cotidiana de mundo —, esse tipo
de teoria muitas vezes confirma o conhecimento espiritual, coisas que
sabemos intuitivamente. e falando de estranho ser sub-oceânico... você
leu o livro, viu o filme? (estou tentando lembrar o nome) ah! lembrei:
Solaris. me interessei demais pela idéia daquela mente fluida, gigantes-
ca, abrangendo tudo. é sobre um psiquiatra, passando uma temporada
numa estação espacial que orbita Solaris, planeta coberto por um vasto
oceano aparentemente vivo e sensível, dotado de poderes telepáticos,
e capaz de alterar o comportamento dos tripulantes. existem duas ver-
sões: a melhor, bem antiga (não consegui achar em dvd nem em vídeo),
dirigida pelo Andrei Tarkovsky; e a mais nova com o George Clooney,
nem tão legal mas mesmo assim muuuito interessante. baseado num
livro de Stanislas Lem — um escritor polonês (ou russo) de ficção cien-
tífica —, o roteiro analisa o papel das ilusões, das emoções, dos ideais.
muito bom.
— não tenho nenhum problema com a teoria quântica da gravi-
dade, querida. para mim, a gravidade sempre foi Deus... e Deus é o que
é, do jeito que é. porque é assim que é e não há outra maneira possível
de ser. já foi até provada a existência dessa teoria unificada, mas os físicos
afirmam que não é possível demonstrá-la em laboratório... e a física deve
ser observável, ou pelo menos demonstrável. se as duas teorias (relativi-
227
dade e quântica) não puderem ser unificadas, significa que ambas têm
falhas... e aí é que está: na verdade elas se unificam, é matematicamente
comprovável... vi as equações: ambos os lados deveriam somar 486... e
somam, mas algum babaca resolveu pôr areia nas engrenagens.
— seria bom entender tudo isso ao nível do pensamento comum...
quem? que areia? 4+8+6? d-e-z-o-i-t-o?
— não dá pra entender, mas dá pra sentir... magia não existe...
há certas coisas que você nunca verá... ou entenderá, e mesmo assim
acontecem... nada de novo sob o sol, ain chadash.
— a magia permeia nossas vidas, Alan. quanto mais você se abre,
mais ela flui: somos todos conectados. o problema é a nossa incapaci-
dade de expressar o que observamos numa linguagem cientificamente
reconhecida: cientistas têm a mente muito aberta, e ao mesmo tempo
muito limitada.
— acho que é só uma forma de ignorância, Noga... quando es-
tamos em sincronia a magia aparente é, na verdade, uma percepção
ampliada. pense em algo e este algo acontece, fale de algo e... voilá! as
leis do pensamento obedecem, com certeza, à física quântica. à teoria
das cordas.
— quanto mais em contato com o centro, mais a percepção se
amplifica.
— mas o centro é em todo lugar, querida: um estado de cons-
ciência, de deslumbramento mágico, de AWE... a alma da existência
— satori.
— gosto de um termo totalmente não-científico: alma do mundo,
alimentada o tempo todo por nossas mentes, nosso pensamento conscien-
te... que é alimentado por ela num feedback perpétuo, sem fórmulas.
— ao submergir, você certamente se molha, mas não acrescenta
nada à água em si... que se mantém inalterada.
— mas a água é perturbada, sim, Alan, a mudança de estado se
refletindo no universo inteiro...
— não no ser perfeito, indiferenciado, naquele que não age: ape-
nas é. você e eu o experimentamos juntos, como partículas sub-harmô-
nicas. amor é energia, e quanto mais rápido a energia passa, maior a
atração gravitacional.
— verdade. a luz acontece... e quando a teoria vira prática, ah!
neste caso a história realmente muda, nunca atingi esse estágio antes.
228
— abre as pernas, Noga, e te levarei até outro estágio... um estado
de não-mente, de puro ser.
— ah (rindo, mas sem rir muito), é só nisso que você pensa...
temos uma piada em port: “eles só pensam naquilo”, mas é muito sem
graça mesmo. fazer amor é coisa séria, o auge do auge do manejo da
energia.
— há experiências tão mais poderosas... que os pobres diabos dos
cientistas (nos laboratórios) jamais vivenciaram... com todas as teorias,
fariam melhor se penetrassem a si mesmos, apreendendo a grandeza de
tudo isso. mais prática e menos especulação: a metáfora de ti me veio à
mente, condensando num pensamento só o entendimento do poeta e
a mente linear do físico... as pernas se abrindo como os portões do céu,
não há nada de cômico nisso. como chegar onde chegamos, sem ter
vivido o amor sexual?
— o poeta e o físico... ambos trafegam na esfera da verdade, não
é? dá uma alminha gêmea pra eles, tadinhos... e vê o que acontece. eu
também não estava brincando não.
— para nós, o abrir-se a mente é mais importante que o entregar-
se o corpo... os dois juntos temos um grande peso.
— peso? ou pura luz? pois espera só, Alan... até abrirmos o corpo!
— eu quis dizer profundo, uma expressão dos anos 1960. muito
puro, Noga, por isso o apelo tão forte.
— essencial, eu diria. se espraiando como onda, tomando conta
de tudo, sim. se imagino a vida sem você, vejo tudo indefinido, ene-
voado. já o nosso amor é uma trilha limpa, desimpedida, comprovado
em todas as linguagens mágicas... e pragmáticas também, na vida co-
tidiana.
— como no preparo da chalá, não é? no amor e no sexo, somos
reflexo mútuo... não me compare a clichês vulgares como “os homens
só pensam naquilo”. não sou banal nunca, há sempre um significado
por trás de tudo que faço ou digo.
— e eu, Alan... sempre um sentido mais amplo, lendo o mundo
em metáfora poética. nunca te achei banal... às vezes brinco, gosto de
provocar... pra quebrar um pouco a seriedade, você tão solene que até
dá medo. é só um jeito de lidar com a realidade, com a importância de
tudo isso... enquanto algum traço de dúvida (embora mínimo) ainda
persiste. até a próxima terça, quero dizer.
229
— provocar é como o fio da navalha, Noga... pois você ainda
duvida? ah... não acredito.
— não dá pra ignorar uma leve possibilidade de fracasso...
0,0000000001%, só pra evitar um sofrimento que pode ser tremendo,
entende? porque subimos tão alto...
— boa saída, nada de sofrimento. não vou te podar, provocar a
tua queda... cortar a corda que te ata a mim.
— é o que espero, meu amor. em nossa escalada, o pico se apro-
xima.
— somos parceiros... mas até terça, sim, de certo modo é uma
questão de fé.
— o virtual se fundindo ao real, será que os dois lados se equiva-
lerão? como na teoria das cordas? comprovando a elegância, a beleza
perfeita da nossa equação?
— unidade... unificação... acho provável. a teoria é bela, forte,
evidente. a das cordas nem foi provada, e no entanto elas existem mes-
mo: como nós.
— surto nossa (sorte, digo) que em apenas seis dias vamos ter a
prova... você sabia que nossos aniversários caem sempre no mesmo dia
da semana? Alan?
— Alan! simplifica! ou acabo pensando que você saiu... Alan?
— soluço virtual, Noga, onde é que você foi? seu status diz “ocu-
pado”, onde é que você está? por que parou o fluxo?
— diz mesmo, mas é pra ninguém nos perturbar...
230
— e a tua mãe, como está hoje? será que perdi alguma coisa?
— ai, Alan, mal... sem solução. de certa forma desisti, porque...
peraí. já viu? se mudo de status meu sobrinho insiste... desisti de into-
xicá-la com tanto remédio. para o psi é tudo uma questão de dose, mas
ela tem motivos bem concretos pra chorar, não tem? deixa ela em paz,
coitada, já decidi... vou tentar ser paciente.
— jeanne d’arc.
— quem sabe ela melhora quando eu estiver fora... recebi hoje
algum apoio, licença pra ter uma vida, por assim dizer.
— você merece uma... até mesmo a Noga tem direito à felicidade.
— com ou sem licença eu iria, mas ser encorajada não faz mal
nenhum... porque a qualidade de vida de quem fica vai piorar bastante,
não?
— é o que se chama equilíbrio.
— certo. eu saindo de cena, o tal do equilíbrio se altera... já que
a situação aqui é um bocado desequilibrada.
— então nos dê um beijo e um abraço... esta trilha no deserto da
tua ausência me deixou seco. você não é enfermeira, nem psiquiatra...
e tua mãe não é responsabilidade só tua.
— concordo, amor. e se algum dia foi... a missão chegou ao fim,
eu me desapegando dela.
— hora de renascer, Noga... há um excesso de energia nesses
cordões de apego, é preciso cortá-los. mesmo que a situação persista,
vai ter que prosseguir sem ti.
— você nem imagina quantas vezes já os cortei... tantas cerimô-
nias, rituais... instrumentos simbólicos... ligada à mamãe, ao Celso...
lembra dele? ele sempre carente, se recusando a mudar... eu sempre
disponível...
— estou curioso.
— até sentir que a missão tinha acabado, se é que um dia existiu...
é estranho... a visão que ele tinha do relacionamento, radicalmente di-
ferente da minha: eu falava de parceria amorosa e ele, de uma socieda-
de comercial.
— é recente?
— ah, não. nenhuma pendência no momento, meu amor... com-
pletamente livre, equilibrada... disponível pra você. quem sabe foi por
isso que a gente não se encontrou antes?
231
— fantasmas... soa como adeus...
— nem uma pedrinha pra atrapalhar, pode acreditar... adeus ne-
nhum. fui boa filha hoje... tive a maior paciência, cozinhei o prato pre-
ferido de mamãe... agora estou livre pra você, pelas próximas quantas
horas você quiser... pra viajar, sair de casa, sair do país.
— komm tanz mit mim. dormi com as tuas calcinhas de novo,
acordei contigo na minha cara, o cheiro de ti no travesseiro.
— fetichista. e o cheiro dura esse tempo todo?
— estou cheirando cada centelhazinha nela, mas preferia que
fosse a tua cona. tem a tua forma, que petite... meu fetiche é você.
— fechei a loja hoje, disse adeus aos fornecedores todos... ou será
que sobrou você? me vendendo amor?
— cínica. te vendendo amor... deu vontade de chorar. mudanças
são sempre um transtorno tremendo.
— brincando, Alan, pleeeaase... um pouco irônica, hei, Alan! diz
aí que me ama! estou fechando o meu botequim... e encarando como
uma libertação.
— partir é sempre uma liberação... ainda me lembro de vender o
Havaí, depois de dez anos.
— doeu?
— não, nada. ficar livre foi bem bom.
— fechar a Pólen foi realmente duro... oito anos de lojas, a fábrica
e tudo, era como um filho... eliminei toneladas de estoque, de matéria
prima, fiquei bastante perdida... levei dez anos pra me recuperar. até
queimei meu portfólio pra exorcizar: era tanto papel, que a cerimônia
durou mais de quatro horas. mas agora, com a loja virtual, estou perfei-
tamente satisfeita.
— ah, Noga Noga Noga. vem e senta no meu colo, injeto em ti
um pouco de alegria... espero que você fique... perfeitamente satisfeita
comigo.
— tenho certeza que sim... mas fico pensando no teu teste me-
ticuloso... serei aprovada? desde que a cona fique úmida, você sabe...
pré-menopausa é uma caixa de pândora, ops! pandora. apesar de eu
ficar realmente molhada teclando.
— ah, isso eu te asseguro. basta um toque meu, uma chupadi-
nha... uma pousada de lábios no teu pescoço, entre o ombro e a man-
díbula.
232
— sim, meu amor, deixa uma marca lá, me dá um chupão bem
forte... já dá pra sentir os arrepios.
— me refiro a um leve roçar de lábios... quando a gente se encon-
trar, vou tocar teus seios... e num instante estarás úmida.
— seis anos sem sexo, mesmo assim não duvido... não foi você
quem disse que ia ser formal?
— sim... vou ser obrigado a te beijar no rosto, como os amigos
em Paris. mas logo depois do olá... tocarei teus mamilos de leve com a
ponta dos meus dedos.
— será que vai me reconhecer... se quando eu chegar ao hotel,
você já estiver lá? no lobby me esperando?
— se você se parece com a foto, aquele ser animado... sim. seria
inconfundível. espero que ao fazer amor, você tenha mesmo essa alta
dose de energia.
— se bem me lembro... eu costumava ter... (risos, faz tanto tem-
po...) contigo sou uma explosão de energia... a última foto até que é
bem fiel, meio palhaça quando nervosa, ah meu Deus! já estou nervosa!
e essa história de orgasmo simultâneo, hein?... não conheço ninguém
que tenha conseguido isto.
— que bando lamentável de amantes... talvez não seja usual, mas
pra mim é tão normal...
— com você, no espaço virtual, parece tão simples... mas na vida
real nunca tive, apesar da variedade de parceiros.
— centenas, milhares, multidões. o império romano inteiro.
— ah, tanto assim também não... dois maridos, um amante qua-
se-tântrico... e quem sabe mais uns dez, no máximo. não sou tão pro-
míscua não.
— e comentou com as amigas?
— ah não... a vida sexual? nunca. sou muito reservada quanto a
isso.
— tampouco falo de sexo, é engraçado. no virtual, é a descrição
acurada de um evento que conheço bem, como realmente faço amor...
e contigo cada vez é única. o ato de amor deve ser lento, toque e movi-
mento. consciência desperta.
— bem, Alan... o que descrevo são coisas que já fiz. você sabe o que
me dá prazer, mas na realidade não sei... apesar de confiar: sei que vai ser
um amante esplêndido, tornar pálida qualquer memória amorosa.
233
— e você, o esplendoroso objeto do meu amor, querida.
— nunca vivi um grande amor que incluísse um prazer sexual
profundo.
— nem eu, Noga. e há algum tempo já não faço amor, Katherine
foi tristemente a última. não me interessei por mais ninguém.
— de certa forma somos ambos virgens... oh, Alan. me emocio-
no, mal posso respirar. você me emociona, digo. meu amor por você
é gigantesco, inacreditável. totalmente inclusivo. fico grata por você
recebê-lo, dar-lhe apoio, corresponder...
— sim, dá pra sentir... meu pau se levantando, ansioso como um
cão fiel esperando o dono lhe atirar o osso. você me afeta demais...
— um calor, e ao mesmo tempo... um frio gelado no peito.
— não consigo descrever tão bem... quem sabe um vazio, uma
alegria, uma ausência ainda que presente, uma aflição... e ao mesmo
tempo um prazer. acho que é saudade, Noga. um abraço calado, enros-
cado em ti, como se fôssemos um... na tarde de verão do Rio, me deixa
deslizar em ti, me insinuar por teu corpo adentro.
— tarde chuvosa... e eu aqui molhada. preparada.
— quente úmida latejante, meu pau te penetrando.
— ai, Alan. espera um momento, por favor. tenho que resolver
algo, volto logo.
— as ancas arqueadas, me conduzindo ao fundo.
234
— quero ficar íntima de ti instantaneamente, Alan, teu coração
penetrando o meu. chega por trás e me abraça, teu pau ereto encaixado
em meus glúteos.
— aiai, Alan. sonho com esse teu pau amoroso, sabia? imagino
os detalhes dele, as veias e tudo o mais. me sacia, Alan, vem, quietinha
aqui te sentindo em silêncio. suspiro. sonho contigo acordada, um ví-
vido sonho virtual. de você só quero tudo, entendeu? te dar tudo, pra
receber tudo em troca. fazer amor contigo de todas as formas... e mais
algumas.
— pra conseguir tudo sei que se deve dar tudo, Noga. ficar vazio,
pronto pra receber tudo.
— pois eu estou: aberta. preparada. formando par.
— e eu inteiro, disponível.
235
— como estão tuas canelas hoje? os tornozelos?
— tornozelos finos, um deles tatuado.
— pés? arco?
— arco pronunciado. pés pequenos... longos e finos.
— dedos?
— curtos. redondos. normais. não-trepados.
— ancas brancas macias sardentas, não é, querida? grandes, mais
para grandes, perfeitamente normais. você cabe realmente nestas calci-
nhas? e o umbigo? o estômago?
— não me provoca, Alan (me segurando pra não fazer piada).
um pouquinho de gordura... mas dá pro gasto, você vai ver. umbigo
perfeitinho, delicado.
— circunavegarei a cintura... barriguinha cai bem numa mulher.
e as costelas?
— sob a pele. sempre tive cintura fina, sabe?
— seios?
— tenho dois. no esquerdo algumas veias, azul-clarinhas.
— caem bem em ti, já sei que são pequenos... e a zona macia,
onde a nuca encontra o torso? percorro a alvura dela, minha língua
molhando ela, meus lábios entreabertos.
— agora você, para o meu deleite...
— proporcional. compleição atlética. peito cabeludo, mas as cos-
tas não, não particularmente. velhos músculos firmes, forma consciente
de ginasta.
— barbeado? descreve o teu pescoço.
— barba bem feita, pescoço bom. cabelos longos, quer que eu
corte? está bem comprido.
— não corta e pronto, espera eu chegar aí. descreve os pés. as
pernas.
— dedos longos. pernas legais: tenho as duas.
— ainda bem (risos).
— pés curtos quadradões, boa base para um corpo. dedos progres-
sivos, em ordem decrescente. perfeitos, unhas sem micose.
— ambos lindos. perfeitos.
— me movimento bem: um animal gracioso e dançante, huma-
no inteligente, capaz de harmonia. ainda posso fazer spaccattos, mas
não como os teus.
236
— sou flexível, certo... bem mais que a média... mas pra homem
é diferente... a não ser que você seja um nureyev.
— pois sou.
— mas ele era gay!
— oh! então cancela tudo...
— rá! dando a maior gargalhada! queria que você me ouvisse,
Alan. feliz com meu senso de humor, não consigo parar de rir!
— feliz de te fazer rir... é como olhar pela janela e ver o paraíso.
— você me faz feliz, meu bailarino... vamos ter um pas-des-deux
muito bom. Nureyev/ Margot Fonteyn flutuando no espaço, vem dançar...
— pas-de-dois.
237
— você me faz sentir que eu sou eu, sabe? longe de ti uma qual-
quer, personagem patético esquecido... uma estranha pra mim mesma.
— também sou plenamente eu quando estou contigo, Noga, e
isso é incrível. me deixas sentir teu eu, me deixas sentir teu pleno eu.
— adorei dançar com você... fazer amor com você...
— eu também, o prazer foi meu. gosto mesmo de ti.
— quem diria, hein, Alan? partindo de um perfil tão preguiçoso
(o meu)... que sorte! você disse que “gosta”?
— em inglês é mais que amor, I like you... aprecio a tua compa-
nhia.
— e amar não é mais que gostar?
— o inglês tem tantos meandros... substitui o amor em qualquer
lugar.
238
Quinta-feira, 23 de dezembro
239
parentes na Califórnia! mas fica tranqüilo (as visitas são pra mamãe),
aqui aussi chovendo muito. dezembro estranho, meio frio.
— tenho tios, tias e sobrinhos em San Diego.
— e mais um primo em Irvine, jogador de futebol... bom de bola,
pernas brasileiras no time americano.
— incrível, como é que pode... un juif... atacante? artilheiro?
deve ser um gigante!
— que nada, pra um atleta até que é baixo... mas muito talento,
vou perguntar, já volto. não entendo nada de futebol... (pronto. uma
falha na minha educação.)
— e tua mãe? como está se comportando?
— o avô dele disse que o Bobby é meio-de-campo. a mamãe... é
uma coisa, sabe? nos últimos dois dias fez o maior escândalo. pra fazer
minha massagem em paz... pedi à faxineira que ficasse com ela e a
deixei gritando, xingando, jogando coisas fora... expulsou a moça, um
inferno... mas com as visitas, está TOTALMENTE normal, acredite
— até parece que estou mentindo, ou pelo menos carregando no dra-
ma —, sentou-se à mesa com eles e está quieta almoçando, comendo a
minha péssima comida que por pouco não parou no lixo...
— interessante, não? egocêntrica, um grande teatro: de um jeito
ou de outro, tem que ser o centro das atenções.
— e ainda por cima, insiste em se lembrar das atrocidades que
me aprontou, bem consciente, não pára de dizer que a odeio, o que
nem é verdade... se bem que motivos não me faltam.
— poderias liquidá-la com uma palavra, e não o fazes por delica-
deza... por amor... ela está projetando, tem fortes sentimentos de ódio.
— pode apostar que sim... quem age assim só pode ser doente,
não deve ser considerado ruim... eu tenho é pena.
— é duro lidar com uma pessoa louca, que não reage normalmente
a nada, você quer almoçar... somos simbióticos, nutrimos um ao outro.
— prefiro ficar com você, querido, já almocei faz tempo... peraí.
acho que estão de saída... ok, meu amor, toda tua. Alan?
— presente, relendo teu memorando... a chuva pesando, fenô-
meno compartilhado.
— você também acordou com chuva... sentiu preguiça? ah! en-
tão é você... fazendo chover no verão do Rio! vai ser condenado... por
cariocas e turistas: culpar o universo não vale.
240
— eis aí o problema de ser deus... se pode satisfazer a todo mun-
do... huummm. quero dizer, não se pode.
— meu deus particular, hein! a mim você satisfaz... e basta, põe
teu foco nisto. me faz sentir tãããoo bem... depois da massagem me senti
nas nuvens, flutuando... no caos urbano de Copacabana...
— ainda bem que o vento não te carregou, luz branca entre os
letreiros de néon... já penso em ti no vôo. ocupada? fazendo muita coisa
ao mesmo tempo?
241
— conspiração virtual: a tela congelou, tive que dar boot... a má-
quina não agüenta, às vezes nem consigo saber se está morta... ou se
você continua aí... como agora, estourando os circuitos: nós dois derre-
tendo os fios.
— energia demais, querido, foi essa imagem bíblica, sabe? pes-
quisando outro dia no google, quando falamos de Zippori — ou Sé-
fora... —, descobri que é também o nome da esposa (estrangeira) de
Moisés, “a encarnação da inteligência e do amor”, que tal essa como
profecia? meu inglês está periclitante hoje, mas meu gosto uma delícia,
meu cheiro marcante e doce... só pra você. o que foi que você pensou,
num primeiro momento, ao encontrar uma parceira gringa? como foi
se comunicar com tão estranha, exótica figura?
— intelecto não tem pátria... conhecimento ou amor muito me-
nos. como poeta, falar com você foi fácil... a paixão fluiu, mal percebi
que era estrangeira. você me entende nas entrelinhas.
— queria ver se eu não falasse inglês... só brincando. paixão não
tem pátria mesmo, mas se o entendimento verbal ficar difícil, algo aca-
ba se perdendo. leio muito em inglês, vejo muitos filmes... mas teclar
contigo foi como abrir a ducha: palavras guardadas (bem fundo na me-
mória) vieram à tona, o assunto jorrou. depois foi o espaço-mente com-
partilhado, a conversa cada vez mais fácil... se algum termo me falta, é
só pesquisar no arquivo do teu cérebro e pronto.
— psicocibernética, dá para te escutar andando aqui dentro às
vezes. quanto à linguagem, sou tão apto quanto você a discernir signi-
ficados, e o toque não deixa dúvidas... nem requer tradução alguma, o
corpo se expressando sem censura.
— é tão fascinante, seguir em frente criando, explorando as gave-
tas... fazendo poesia sans cesse, a presença feminina se impondo, ante-
cipadamente, no teu garret...
— prazeres familiares, querida. preciso ir... comer alguma coisa.
— ligue quando quiser... quer que eu cozinhe pra você?
— me prepara algo bem gostoso aí... filé de tofu à marinara, servi-
do sobre o teu ventre nu... falo contigo mais tarde... te amo.
242
Desesperada, pedi socorro: um refúgio. Quando ele ligou me en-
controu no carro, perturbada mesmo... chorando. Mamãe me ameaçou
— com uma faca de cozinha — e eu fugi... Por pura exaustão, me pre-
cipitei. Tentei ser clara com ela... Falar com calma, expressar meu de-
salento... mas a bomba explodiu. Larguei tudo, e já que estou de saída
mesmo... Fui. Aparentemente, ela agora dorme, e quanto a mim... Me
escondi neste apartamento ótimo, silencioso e calmo. Tomei um banho
bem quente e longo... Me entupi de água, me limpando por dentro e
por fora desta energia horrível: uma boa noite de sono e acordarei outra.
Tentei te deixar fora disso, meu amor... Mas não deu, meu desespero
vazou... Ser humano é falhar às vezes, certo? Ao vivo e a cores, é bom
que eu seja completamente humana... Pode ser que nos próximos dias
a gente não tecle, por causa do Natal e tudo o mais... Se assim for, me
liga, meu amor, só pra dizer alô. Provavelmente, volto pra casa ama-
nhã. Sinto tanto falta... dos teus beijos, do amor, de você todinho (vou
ter que adormecer sem fazer amor...), vou pensar em você, meu bem,
sonhar contigo. Meu porto. Meu tesão.
243
3. Fusão
Sexta-feira, 24 de dezembro
245
— eu teria gostado de dormir contigo, tua vida continua, sim...
mas junto comigo.
— hummm. em breve, amor, é meu maior desejo... ir embora
sem olhar pra trás, evitar virar estátua de sal. fui às compras, lavei o ca-
belo, vi um filme com fones de ouvido. meu irmão chegou, onde é que
você está? tem tempo? fones?
— hummm, cibercafé, tenho tempo, mas fones não: uma hora e
dinheiro pra esbanjar... o universo conspirou.
— nossa. conspirou como? não acha melhor poupar?
— o pai da Rosemary morreu, e ela viajou... vai passar as festas
fora... não preciso mais me explicar, história antiga esta... mas é a dana-
da da política de boa vizinhança, estranho como as coisas acontecem. o
dinheiro foi só uma piada, fiz bons negócios ontem.
— mas ia ter que contar, não? mais cedo ou mais tarde...
— não ia não, ela que se dane... é meramente uma amiga, faz
dois anos que dormimos juntos pela última vez.
— ainda bem... Alan?
— fala.
— quem sabe você poderia... arranjar um celular? no caso de
você se atrasar...
— não se preocupe, Noga, pego um táxi se for preciso... estarei lá.
se digo que vou é porque vou, pelo menos homem de palavra eu sou...
faz parte do negócio.
— eu sei, confio em você... foi só uma idéia.
— se o avião cair... você liga para o meu irmão...
— se cair, volto pra te buscar, pode deixar. ficou chateado?
— com você? não. mas a Rosemary... apareceu lá em casa, foi
logo armando a discussão... eu disse que não queria conversa... e ela
acabou saindo, já vai tarde!
— fico ansiosa, sem ter como te ligar quando chegar aí...
— me encontrar jamais será difícil, pelo menos pra você.
— então fica assim combinado. se eu precisar, te mando uma
mensagem cósmica... discussão a respeito de quê?
— não me interesso por bate-boca, ela é do tipo que discute...
uma imbecil, adora uma polêmica... dá a vida para incomodar, Noga,
não se preocupe... estamos livres, a morte fez meu tempo ser todo teu.
estarei lá na terça.
246
— timing. e se Dona Morte não tivesse aparecido, você ia fazer o
quê? e a nova moradora no sótão? transando o dia inteiro, fazendo um
barulhão... pretende explicar como? (brincadeirinha)
— simplesmente desapareceria, ficaria uma semana fora e pron-
to. dormir sem te beijar é que me irritou, sem te foder, sim, fazer você
gritar, úmida, gozando, de pernas abertas.
— até que enfim apareceu, Mr. Alan! meu macho corajoso e
forte.
— ela viu um envelope na mesa... desafiadora, foi logo pergun-
tando: é da namorada nova? era só o recibo do aluguel.
— desconfiada... me lambe com paixão, Alan, enquanto eu como
a minha massa.
— deslizo a língua pela fenda exposta... provando a tua cona.
— ai meu Deus, Alan.
— meu nariz em ti meu pau te penetrando.
— agora que o dia se aproxima... transar com esta tela no meio
virou tortura, insiste bastante, meu amor... porque eu demoro, custo
muito pra gozar.
— pois você vai, assim que eu te penetrar... puser as mãos em ti:
gozar muitas vezes. durante horas.
— você quer dizer... pela primeira vez na vida, depois sim: a cada
cinco min, tomara. muitas vezes seguidas.
— tenho tanta fome de ti... das mãos à cona ao pau, sonhando...
tuas calcinhas agora: amigas íntimas. você úmida. e eu ereto.
— dormiu com elas de novo? vou acabar com ciúmes...
— é o símbolo delas que me dá prazer, a carne viva de ti: boca,
cona, mente, a alma de ti, que loucura é essa? que paixão é essa, nunca
antes vista?
— abençoada loucura! fico feliz que ousamos.
— e nos próximos dias, Noga, te encontro neste email?
— não estou pensando em fugir de novo... tenho que fazer a
mala, e um monte de coisas pra resolver. já está de saída?
— tenho mais meia hora... acho desconcertante quando estás por
aí, esvoaçando...
— me liga no celular se quiser...
— no domingo, sim, falamos ao vivo... ou não deveria te tomar
nos braços, a mão no teu seio, sentindo o mamilo enrijecer-se? sim...
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enquanto te beijo... só mais uma vez, antes de partir? sou mesmo um
tolo! mas não ligo, Noga. na cama contigo de pernas abertas, a cona
sorridente úmida de beijos.
— pois você deve. não te acho um tolo, mas um amante incrí-
vel... me faz gozar tanto, e nem tocar me toca, como é que pode?
— adorei teus pés, os arcos deles... adoraria mordê-los, o calca-
nhar inteiro na boca.
— mas eu sinto cócegas! vou acabar rindo... momento. volto já já.
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— com você sempre... sempre muito bom, lá vamos nós! tua mão
no meu monte de Vênus, a cona ainda lateja, sentiu?
— Noga?
— aqui, Alan. desculpe. não resisti... tive que me tocar!
— me deixa ser a tua mão...
— gritando de verdade AI, ALAN, ME FODE! não tem ninguém
em casa, atirei longe as roupas gritando o teu nome: acordando o mal-
dito edifício inteiro.
— te escutando! me fazes gozar, Noga, é tanto tesão... como é
que eu vou trabalhar assim?
— acho difícil... trabalhar hoje?
— véspera de Natal, sabe como é... prometi ao Robert... tão for-
mal, precisava ver... cabeça afundada na cona, quisera te beijar.
— logo depois do Natal... se for um menino bonzinho... você
vai.
— tenho que ir agora... te adoro, Noga nua... estarei desconecta-
do amanhã.
— tudo bem, tranqüilo. te ligo na loja? no domingo?
— sim... tente às 2... um beijo... na tua boquinha. loooongo. mo-
lhaaado.
— quando quiser, meu docinho, três dias, quase conseguindo...
te prepara.
— meu Deus, Noga! quase chegando... en route.
— nos teus braços, meu amor. te amo.
— ciao.
Sábado, 25 de dezembro
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eficazes que qualquer vibrador à venda (que nunca usei, só pra deixar
claro). Dois dias, meu amor. As malas prontas, pronta pra embarcar,
mais do que pronta... já estou aí. Te amo te amo te amo, meu Alan, a
cada minuto mais próxima de ti.
25 de dezembro. Ainda.
Alan querido. Grande crise de novo. Saí de casa, e desta vez para
sempre. Peguei uma muda de roupa, liguei pro Natan... e pronto: na
minha tia de novo, fico aqui até o embarque. Se você precisar: 55 21
2249.0765, todos falam inglês aqui, pode ligar sem susto. De qualquer
maneira, falamos amanhã às 2. Deixei o celular em casa... Posso te
mandar email, mas não teclar... é abstinência até terça, pra meu mais
profundo pesar. Não fique preocupado. Preservei minha integridade, e
o psi da mamãe me apoiou... “Você precisa fazer escolhas, Noga, seguir
com a sua vida”, me disse ele, dando uma lição de moral. Chegou a
hora do Natan assumir, te encontro muuuuuito em breve. Meu último
link sonoro segue por email: Over my head, I hear music in the air...
There must be... A God... Somewhere. Te beijo em Paris, meu bem,
carinhosamente na praça... em público, em frente ao Hôtel de Ville
no dia da nossa vitória... como os amantes famosos na foto de Robert
Doisneau. Je t’embrace, je t’aime beaucoup/ Noga.
Domingo, 26 de dezembro
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Segunda-feira, 27 de dezembro. É hoje.
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Are you Noga? Pronto. Acabou. É ele, estou trêmula. Me viro
pra descobrir de onde vem a voz... mas custo a acreditar no que vejo:
bem mais velho do que imaginei. Baixinho. Gordinho. Paletó cafona.
Hummm. Nervoso, o suor brilhando na testa. Oi... Alan? (nada de
“meu amor” agora). Sou. Aceitar o ramo de lírios brancos... (bom gosto,
obrigada) aceito, mas quase desfaleço. Me deixo cair na poltrona, desa-
lentada, não sei o que fazer... com este homem arrasado, rejeitado aí do
meu lado: um estranho. Sou louca, nossa. Larguei o Brasil, abandonei
mamãe... voei 12 horas e dirigi mais duas... pra encontrá-lo e agora
isso, uau, Noga... desta vez você foi longe demais. Respiro, fechando os
olhos pra não ver o óbvio... Coitado do Alan, tanta expectativa... e ago-
ra essa: meu sorriso embaraçoso de decepção. Ele também me achou
velha, aposto... descabelada, amassada, uma estranha. Estamos quites,
oi, Alan. Ponho a mão, carinhosamente, na perna dele; a mão dele
me toca... UAU. TOCOU O SINO. MAIS PARECE UMA SIRENE,
ALARME DE INCÊNDIO.
***
VEM.
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Incentivando os novos
talentos literários!
O uso da arte para perpetuar momentos: é o que eu faço, o que sem saber
comecei a fazer naquele longínquo novembro de 2004, quando escrevi num
chat com o homem-da-minha-vida uma síntese lírica do amor, de todas as
histórias de amor. É o que vos ofereço neste livro, uau, gente, ninguém merece
uma frase destas.
Vivi tudo isto com o Alan, filtrado é claro pela minha visão romântica, poética,
sensual da vida, e venho vivendo com ele desde então. Um de meus críticos
discutiu minha escolha de terminar o livro no momento do encontro, mas gente:
como na foto de Robert Doisneau, a história do livro termina no encontro... se
passa entre o encontro virtual e o encontro real... Daí em diante temos vivido
como qualquer casal, com nossos momentos bons, nossos momentos maus,
nada que valha a pena espalhar para o mundo, a não ser por breves exceções do
bom... e do mal. O importante é que, registrada no Hierosgamos, nossa clássica
história de amor viverá para sempre, e cada casal neste mundo — em busca de
instantâneos da felicidade — poderá, queira Deus, se espelhar nela. Aproveitem,
queridos, porque nós... estamos aproveitando.
“E já que o livro todo é um diálogo virtual entre duas pessoas que nunca se
encontraram, a melhor parte dele é justamente quando esses diálogos (por sinal,
muito bem escritos) recaem sobre assuntos profundos, como religião, memória e
relacionamentos afetivos.”