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Intervenção

Rafael Zanlorenzi

A intervenção é considerada o oposto da autonomia dos entes federativos. A


autonomia, manifestada em todas as qualidades de auto-gestão (auto-organização,
auto-governo, auto-legislação, auto-administração) é definida através do regime de
competências, como tivemos a oportunidade de ver anteriormente. A intervenção é o
processo oposto. Ela permite a certos entes que se envolvam nas atividades dos
outros, rompendo assim a divisão geral do poder estabelecida através das
competências.
A intervenção, contudo, é um caso de exceção. Isso fica evidente já no caput do
artigo 34, que coloca a intervenção como ato esporádico. Quer dizer, normalmente,
prevalece a divisão de competências, mas em alguns casos excepcionais uma entidade
pode intervir. Esses casos excepcionais são apresentados no próprio artigo 34, e em
casos de intervenção municipal, no artigo 35.
Que princípios gerais seguem esses casos? Em geral, os problemas de
intervenção podem ser entendidos em duas grandes linhas. Uma delas é a da
preservação dos entes federativos; a outra é a da proteção dos direitos e garantias
fundamentais. A primeira das duas pode ser dividida em três subgrupos: o primeiro, o
da proteção da intangibilidade do pacto federativo (ou seja, a federação é intocável); o
segundo, a proteção da integridade territorial das unidades da federação (quer dizer, a
proteção dos entes que constituem a federação); e por fim, uma derivação da
intangibilidade do pacto federativo, a promoção da unidade da federação.
Em outras palavras,

A intervenção é um processo através do qual uma unidade


federativa maior pode atuar sobre outra, menor, com a finalidade
de sustentar sua integridade, de evitar ameaças ao pacto
federativo que nela surjam ou simplesmente de assegurar o
exercício das garantias fundamentais dentro de seus limites.

A intervenção pode ser federal ou estadual. A federal pode ocorrer sobre


estados e municípios (desde que estes municípios estejam localizados em território
federal), e a estadual, sobre municípios que estejam localizados dentro do próprio
estado.
A competência para decretar a intervenção pertence sempre ao chefe do poder
executivo da unidade mais abrangente. Quer dizer, no caso de o ente interventor ser a
União, caberá ao presidente a decisão sobre a intervenção. Por outro lado, se for feita
por um estado, caberá ao chefe do poder executivo estadual, ou seja, ao governador.
Quais são as hipóteses de intervenção que temos? São elas:

• Defesa do Estado (artigo 34, incisos I e II) – para manter a integridade


nacional e repelir invasão estrangeira.

• Defesa do pacto Federativo (artigo 34, incisos II, III e IV) – para repelir
invasão de uma unidade da federação a outra, encerrar grave
comprometimento da ordem pública e garantir o exercício livre dos poderes das
unidades da Federação.

• Defesa de finanças estaduais (artigo 34, inciso V) – reorganizar as finanças


da unidade em dois casos:

o No caso de suspensão de pagamento de dívida fundada (definida pela


lei complementar 101/2000, em seu artigo 29, inciso I) por mais de dois
anos.
o No caso de a unidade não entregar a seus municípios receitas fixadas
na Constituição, dentro dos devidos prazos (estabelecidos em lei).
• Defesa da ordem constitucional (artigo 34, incisos VI e VII) - nesse caso,
trata-se de preservar a forma federativa, o sistema representativo e o regime
democrático, proteger o exercício de direitos da pessoa humana, exigir das
unidades a prestação de contas da Administração direta e indireta, garantir a
autonomia municipal, e demandar a aplicação mínima de recursos para a
saúde e a educação.

Observação: no caso específico do artigo 34, inciso VII, temos um elenco de


princípios chamados princípios constitucionais sensíveis. Como dizem respeito
a questões de especial interesse da federação, qualquer ameaça a eles permite a
intervenção. São definidos logo abaixo.

E como se dá a intervenção, e como é limitada? Ela se dá:

• Discricionariamente pela decisão do presidente: nos casos do artigo 34


em seus incisos I, II, III e V, ou seja, o presidente toma a decisão, a qual
passa a seguir pelo controle político do Congresso Nacional.

• Por meio de solicitação: no caso do artigo 34, inciso IV, quer dizer, na
situação de impedimento das atividades efetivas dos poderes na entidade
em questão. Esse é o caso específico dos poderes Executivo e Legislativo,
no qual temos a solicitação.

A solicitação é um pedido feito pelo poder lesado ao


interventor. Nesse caso, só pode haver intervenção se antes
houver a solicitação. Contudo, o fato de haver solicitação
não obriga o responsável a intervir, ficando o julgamento da
situação a seu encargo.

• Por meio de requisição: no caso do artigo 34, inciso IV, a via de regra é a
solicitação. Contudo, quando se tratar de impedimento de atuação do
poder judiciário, o ato passa a depender de requisição. A requisição
também se configura nos casos do artigo 36, inciso II, ou seja, no caso de
desobediência a ordem ou decisão judicial, deve haver requisição pelo
STF, STJ ou pelo TSE, dependendo da matéria da decisão ou ordem.

No caso da requisição, é preciso que o STF faça o pleiteio


para o responsável. Uma vez feita, a requisição obriga o
responsável a intervir.

• Por meio de provimento de representação: nos casos de recusa à


execução de lei federal e de ameaça aos princípios constitucionais
sensíveis, casos mencionados no artigo 34, incisos VI e VII, é preciso a
representação formulada pelo procurador geral da República. Essa
representação assume a forma de ação de inconstitucionalidade
interventiva, e deve ser apreciada e provida pelo Supremo. Se for o caso,
passa-se a decisão para o Executivo, que é obrigado a levá-la a cabo.

Os princípios constitucionais sensíveis são aqueles de


observância obrigatória por parte dos Estados-membros.
Vêm previstos no artigo 34, inciso VII.

O controle político da intervenção é feito pelo Congresso Nacional (nos casos


de intervenção federal, como competência exclusiva do Congresso) e pela Assembléia
Legislativa (nas situações de intervenção estadual). Há um prazo de 24 horas para
deliberação a respeito do decreto de intervenção. Caso o corpo legislativo esteja em
recesso, haverá convocação extraordinária em 24 horas. Caso haja suspensão,
restabelece-se a dinâmica de poder anterior, reconduzindo-se autoridades afastadas e
oferecendo-se novamente a autonomia à entidade que sofreu intervenção. Caso haja
desobediência, pode haver responsabilização.

O controle político – a apreciação pelo Congresso -


poderá ser dispensado quando a intervenção consistir
simplesmente em garantir a execução de lei federal, ordem
ou decisão judicial. Também pode ser dispensada em
situações de desrespeito a princípios constitucionais que
demandem requisição judicial. Isso acontece desde que, em
tais situações, a intervenção se limite a suspender o ato
lesivo e bastar para corrigir o erro.

O controle judicial só aparece quando há a violação de regras previstas na


Constituição. A natureza da intervenção é, portanto, sobretudo política.
A intervenção deve persistir apenas o bastante para resolver o problema
detectado, ou seja, a intervenção termina quando o problema é resolvido. No caso de
demandar interventor, o termo da intervenção reconduz os ocupantes afastados para
seus cargos. Enquanto durar a intervenção, a figura do interventor atua como
representante do ente interventor (será, por exemplo, autoridade federal, em
intervenções estaduais).
Novamente, as hipóteses de intervenção estadual estão elencadas no artigo 35,
partindo do chefe do Executivo do Estado (o governador) e passando pelo controle da
Assembléia do Estado em questão.

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