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Noções gerais acerca das finanças públicas

Elaborado em 02.2007.

Lucas Clemente de Brito Pereira


bacharelando em Direito pela UFPB

I – INTRODUÇÃO

Discorreremos, no presente trabalho, acerca de um tema de relevância não só


doutrinária, mas também prática: as receitas públicas. Compreender sua natureza
contribui, de forma cabal e indelével, para a formação acadêmica dos estudantes de
Direito no que se refere à disciplina de Direito Financeiro. Além disso, este assunto tem
sua importância para aqueles que, como cidadãos, têm o interesse de compreender
melhor o funcionamento da máquina estatal, a fim de exercer, com coerência e
seriedade, as prerrogativas de sua cidadania, sobretudo a de fiscalizar seus
representantes políticos.

Inicialmente, conceituaremos as receitas públicas, analisando-as em sentido


amplo e restrito. Num segundo momento, trataremos das fases de sua evolução
histórica, desde a Idade Antiga até os dias hodiernos. A seguir, abordaremos algumas
classificações segundo três critérios, a saber: o da regularidade, o da origem e o legal.
Posteriormente, de maneira pormenorizada, analisaremos as noções e modalidades das
receitas originárias e derivadas. A natureza e a instituição legal da compensação
financeira, afinal, constituirão o último objeto de estudo deste singelo e objetivo
trabalho, que não tem o escopo, obviamente, de exaurir o tema, e sim de constituir um
auxílio de fácil manuseio para os acadêmicos e para os operadores de Direito.

II – CONCEITO

A entidade estatal, para atender às suas finalidades, necessita de dinheiro. O


ingresso deste aos cofres públicos caracteriza o que se denomina de entrada, contudo
esta não corresponde obrigatoriamente à receita pública.

De fato, algumas entradas provisórias devem ser, oportunamente, devolvidas, a


exemplo das cauções, das fianças, dos depósitos recolhidos ao Tesouro etc. Já a receita
pública, conforme lição precisa de Aliomar Baleeiro, "é a entrada que, integrando-se no
patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo,
vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo" [01]. A entrada, destarte, é o
gênero de que a receita pública é uma espécie.

Em conformidade com o entendimento acima explicitado, Dejalma de Campos


assevera que a receita pública pode ser considerada em sentido amplo ou restrito. No
primeiro, "corresponde a meras entradas ou ingressos de dinheiro nos cofres do Estado"
[02]
, havendo o risco de devolução. No segundo, não há um compromisso de devolução
posterior.

III – EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior [03] traz-nos cinco fases por que as receitas
públicas passaram em sua evolução histórica.

No mundo antigo, houve o estágio parasitário, em que a obtenção de tais receitas


ocorria através de extorsão, pilhagem, saque e exploração do povo vencido.

Na Idade Medieval, predominou a fase dominial, segundo a qual a receita


pública advinha da exploração, pelo Estado, de bens de seu patrimônio, tendo o imposto
um caráter excepcional.

A fase regaliana caracteriza-se pela cobrança de determinadas contribuições


(regalias) de terceiros, para que estes explorem determinados serviços, como o pedágio
cobrado pela passagem em pontes ou estradas reais.

No estágio denominado tributário, o Estado passou a obter seus recursos


mediante a coação dos indivíduos ao pagamento de tributos que se tornaram a principal
fonte de receita.

A última fase é a social, em que a entidade estatal usa o tributo também com
uma finalidade extra fiscal.

IV – CLASSIFICAÇÃO

A classificação das receitas públicas pode ser feita a partir de alguns critérios, a
saber: o de regularidade, o da origem e o legal.

1.Critério da regularidade

Quanto à regularidade, as receitas públicas podem ser ordinárias ou


extraordinárias. As primeiras são aquelas que ingressam, com regularidade, no
patrimônio público, por meio do normal desenvolvimento da atividade financeira do
Estado. As segundas são auferidas em caráter excepcional e temporário, em função de
determinada conjuntura. Exemplificativamente, podemos mencionar a previsão
constitucional de decretação de impostos extraordinários na iminência ou no caso de
guerra externa (CF: art. 154, II).

2.Critério da origem

Em relação à origem, classificam-se as receitas em originárias e derivadas. Estas


são caracterizadas por constrangimento legal para sua arrecadação, como os tributos, as
penas pecuniárias, entre outros. Aquelas advêm da exploração, pelo Estado, da atividade
econômica.

3.Critério legal

O art. 11, §§ 1°, 2° e 4°, da Lei n° 4.320/64 permite a diferenciação entre as


receitas públicas correntes e as de capital, de acordo com a fonte de que provêm.

As primeiras abarcam "as decorrentes do poder impositivo do Estado (tributos


em geral), bem como da exploração de seu patrimônio e as resultantes de exploração de
atividades econômicas" [04], compreendendo, portanto, as receitas tributárias, de
contribuições, patrimoniais, agropecuárias, industriais, de serviços, as transferências
correntes e outras receitas correntes.

As segundas englobam:

as provenientes de realização de recursos financeiros oriundos de constituição de


dívidas; as oriundas de conversão em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos
de outras pessoas de direito público e privado destinados a atender a despesas de capital
e, ainda, o superávit do orçamento corrente. [05]

Levando-se em consideração o fato de que a classificação das receitas públicas


segundo o critério de origem tem uma maior importância doutrinária, retomaremos, a
seguir, as receitas originárias e derivadas, abordando aspectos relevantes para o tema em
comento.

V – RECEITAS ORIGINÁRIAS

1.Noção

Conforme explicitado alhures, as receitas originárias resultam da atuação do


Estado na exploração de atividade econômica, como uma empresa privada na busca do
lucro. Embora o exercício de tal atividade ocorra sob o regime de direito privado, não
há um total afastamento das normas de direito público. Na verdade, as empresas estatais
não podem deixar de observar, no que a elas aplicar-se, os princípios gerais da atividade
econômica dispostos no Capítulo I do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira)
da Constituição Federal, o qual abrange os arts. 170 a 181.

2.Modalidades

Há dois tipos de receitas originárias: as patrimoniais e as industriais. Estas são


geradas pelo Estado no exercício da atividade empresarial - que é atípica e motivada por
razões diversas, por exemplo, a impotência do setor privado no desenvolvimento de
determinada atividade econômica, imperativos de segurança nacional, o desinteresse do
particular em aplicar seu capital em setores de retorno demorado, dentre outras; aquelas
se originam da exploração do patrimônio estatal, que, por sua vez, pode ser considerado
mobiliário ou imobiliário.

O competente doutrinador Kiyoshi Harada ensina-nos que o "patrimônio


mobiliário é composto de títulos representativos de crédito e de ‘ações’ que representam
parte do capital de empresas. Esses valores mobiliários rendem juros ou dividendos" [06].

As rendas do patrimônio imobiliário, a seu turno, são representadas por foros de


terreno de marinha, laudêmios, taxas de ocupação dos terrenos da marinha etc.
VI – RECEITAS DERIVADAS

A seguir, estudaremos separadamente três modalidades de receitas derivadas.

1.Tributos

a)Conceito

O Código Tributário Nacional, estabelecido pela Lei n° 5.172/66, conceitua, em


seu art. 3°, o tributo: "... toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor
nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

Os tributos constituem a mais importante fonte de receita do Estado, por isso,


quanto a suas arrecadação e repartição, há previsão constitucional, conforme
analisaremos no próximo item.

b)Repartição de receitas tributárias

A Constituição Federal – na Seção VI do Capítulo I (Do Sistema Tributário


Nacional) do Título VI (Da Tributação e do Orçamento) – disciplina a repartição das
receitas públicas, a qual se dá através de três modalidades: (a) participação direta dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na receita tributária da União e dos
Estados [CF: arts. 157, I, e 158, I]; (b) participação no produto de impostos da receita
partilhada [CF: arts. 157, II, 158, II, III, IV e 159, III]; participação em fundos [CF: art.
159].

Nas duas primeiras modalidades, as receitas pertencem às entidades


contempladas, por isso o texto constitucional traz a expressão "pertencem aos", o que
não se pode afirmar da terceira modalidade, em que o beneficiado tem apenas uma
expectativa de receber o quantum que lhe cabe, e a expressão utilizada é "a União
entregará".

A participação no produto de arrecadação de imposto alheio parece,


inicialmente, favorecer as entidades políticas participantes que são eximidas dos custos
de implantação, fiscalização e arrecadação. Uma análise profunda do tema, no entanto,
esclarece que tais entidades têm sua autonomia tolhida, em virtude da dificuldade de
recebimento oportuno das participações diante dos entraves burocráticos e das
limitações e condicionamentos previstos na própria Lei Fundamental e na legislação
infraconstitucional, impondo o direcionamento dos recursos transferidos.
Exemplificativamente, mencionemos o parágrafo único do art. 160 da Carta Magna, o
qual prescreve: "A vedação prevista neste artigo não impedem a União e os Estados de
condicionarem a entrega de recursos".

2.Penalidades pecuniárias

As penalidades pecuniárias, previstas no art. 113 do Código Tributário Nacional


– CTN, embora cobradas simultaneamente com o crédito tributário, guardam com este
uma relação de acessoriedade.

3.Multas administrativas

Nos casos de infração ou de inobservância da ordem legal (disposições


regulamentares e de organização de serviços e bens públicos), a Administração Pública
pode aplicar, aos administrados em geral, uma sanção pecuniária: a multa
administrativa.

VII – COMPENSAÇÃO FINANCEIRA

1.Instituição legal

A compensação financeira, que foi instituída pela Lei n° 7.990/89, teve sua
primeira previsão constitucional consolidada no art. 20, §1° da Lei Fundamental de
1988:

É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos


Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no
resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de
geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território,
plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação
financeira por essa exploração.

A Lei n° 8.001/90 definiu os seguintes percentuais de distribuição dessa


compensação financeira: 6% sobre o valor da energia produzida a partir da utilização de
recursos hídricos; 3% sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do
produto mineral; 5% sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás natural
pagos pela Petrobrás aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios onde se fixar a
lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou
desembarque de óleo bruto ou de gás natural.

Os recursos provenientes da compensação financeira sofrem uma restrição em


sua forma de utilização, uma vez que aos beneficiários é vedada a aplicação dos
mesmos no pagamento de dívidas e no quadro permanente de pessoal.

O Decreto n° 1, de 11-1-1991, afinal, regulamenta o critério de pagamento da


compensação financeira.

2.Natureza jurídica

Não obstante a divergência doutrinária a respeito, a compensação financeira é


um tema de Direito Financeiro e classifica-se na categoria de receita corrente (receita
patrimonial em relação aos órgãos da União), possuindo, quanto às entidades políticas
não titulares dos recursos naturais, uma natureza contraprestacional.

Tais receitas, outrossim, foram criadas de forma parcialmente vinculada, porque:


(a) os Estados devem transferira aos Municípios 25% da parcela que lhes cabe [art. 9°
da Lei n° 7.990/89]; (b) as compensações financeiras recebidas por órgãos da
Administração Direta da União devem ser aplicadas em finalidades específicas [arts. 1°,
§ 4°, e 2°, § 1°, III da Lei n° 8.001/90 e art. 18, IV e V do Decreto n° 1/91]; (c) Estados
e Municípios deverão aplicar os resultados das compensações financeiras advindos da
extração de petróleo, do xisto betuminoso e do gás natural exclusivamente em energia
elétrica, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação,
proteção ao meio ambiente e em saneamento básico [art. 24 do Decreto n° 1/91].

VIII – CONCLUSÃO

O instituto das receitas públicas - que é de fundamental importância para que o


Estado tenha os recursos devidos para executar suas finalidades - é o resultado de um
longo processo evolutivo ligado às formas de governo predominantes em cada época.
Sua primeira fase, ainda na Idade Antiga, foi a parasitária, caracterizada pelo ingresso
de dinheiro nos cofres públicos mediante a utilização da força dos governantes. Cada
vez mais, contudo, a entidade estatal passou a se submeter às próprias leis por ela
produzidas, o que desembocou na fase moderna dos tributos, instituídos legalmente.

Nos Estados federativos, o estudo de tal instituto é ainda mais relevante, já que
se torna necessária a existência de uma coesa e coerente forma de repartir o dinheiro
arrecadado entre as entidades que os compõem: a União, os Estados-membros e os
Municípios. A Constituição da República Federativa Brasileira dispõe sobre isso na
Seção VI do Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional) do Título VI (Da Tributação e
do Orçamento), prevendo, ainda, de forma inédita, a compensação financeira no seu art.
20, § 1°. Esta possui, quanto às entidades políticas não titulares dos recursos naturais,
uma natureza contra prestacional.

IX – REFERÊNCIAS

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1995.

BRASIL. Código Tributário Nacional e legislação tributária. 8. ed. Org.


Juarez de Oliveira. São Paulo: Saraiva, 2005.

______ Constituição da República Federativa do Brasil. 24. ed. Org.


Alexandre de Morais. São Paulo: Atlas, 2005.

CAMPOS, Dejalma de. Direito financiero e orçamentário. 2. ed. São Paulo:


Atlas, 2001.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2005.

ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Manual de direito financeiro &
direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
NOTAS
01
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1995. p. 116.
02
CAMPOS, Dejalma de. Direito financiero e orçamentário. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2001. p. 54.
03
ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Manual de direito financeiro &
direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. pp. 52 e 53.
04
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2005. p.
61.
05
Idem. Ibidem. p. 61.
06
Idem. Ibidem. p. 62.

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