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Muito, senão quase tudo, já foi dito sobre a globalização das economias na virada do milênio. Os
principais elementos analisados já foram largamente identificados (e discutidos). Crise das categorias, das
anteriores relações de força, em particular entre economia de produção e economia financeira: tudo isso
pode ser mais apurado, mas o essencial já é conhecido. Em contrapartida, o aspecto tranformador da crise
iniciada em 1975 é bem mais impreciso. No centro do sistema capitalista, assistimos ao desabamento de
difícil perceber nitidamente o que vai substituí-la. Os limites principais do diagnóstico neoclássico, e mais
geralmente clássico (devemos incluir hoje, na ortodoxia, a ciência econômica de matriz keynesiana e a
economia de orientação marxista tradicional), da mundialização, como dos remédios prescritos e das
poções administradas realmente ao doente, derivam segundo pensamos, de uma ausência de teoria
construída sobre o mecanismo profundo da globalização, bem como sobre sua origem. É isso que
tentaremos reconstruir num primeiro momento. Depois de descrever em linhas gerais a mundialização e
os limites dos paradigmas que pretendem explicá-la e prever sua evolução, tentamos usar noções
emprestadas do campo da nova economia institucional dos custos de transação numa perspectiva marxista
francamente heterodoxa para explicar a força desse movimento de globalização. O impasse é tal que, para
nós, por mais barroca ou deselegante que seja, essa heterodoxia “ao quadrado” se justifica se permite
reconquistar um princípio de unidade teórica. Ela nos parece, em particular, um trabalho prévio a uma
análise comparativa das situações brasileira e européia. Na análise que propomos, o estudo das
externalidades e dos custos de transação permite compreender a lógica da globalização (parte I). A partir
das contribuições das teorias do crescimento endógeno, propomos caracterizar o pós-fordismo de maneira
positiva a partir da emergência de um setor da produção que tem um papel análogo ao do setor dos bens
de produção, o do trabalho imaterial ou, dito de outra maneira, da produção de capital humano mediante
capital humano (parte II). Na terceira parte, que servirá de conclusão provisória, propomos algumas
internacional que aumenta as transações com espaços não unificados ou pouco homogêneos no volume
1
Institut d’Etudes Politiques de Paris, França.
2
Trabalho apresentado no Seminário Internacional Mutações dos processos de produção: espaço,
produção industrial e comunicação no pós-fordismo. Rio de Janeiro, 16-18 de junho 1997.
3
Se é verdade que o assalariado operário progride muito no mundo em geral, no Terceiro Mundo, a
transição para o pós-assalariado é também muito rápida devido à ausência das poderosas garantias do
assalariado canônico.
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 2
economia e da intervenção publica
global das trocas. Nesse caso, somente as relações monetárias asseguram a comensurabilidade das
transações. Daí a desregulação “nacional” das moedas e dos fluxos de capitais iniciados com a crise do
Essa abertura dos mercados financeiros teve, em conseqüência, um efeito sobre o espaço nacional
das economias. A partir desse momento, a comparação se refere à competitividade global e social das
economias e não mais a um bem-mercadoria particular que tinha a função de dinamizar, ao mesmo tempo,
o comércio mundial e o ciclo da demanda interior, como foi o caso do fordismo que, em relação ao ciclo
das trocas sobre bens básicos ou sem grande valor agregado do imperialismo colonial, incorporava mais
terceirização e sobretudo mais savoir-faire em matéria de organização (fazer convergir por exemplo 22.000
peças, além da tecnologia, no caso da indústria automobilística). Num primeiro tempo isso se concretizou
pelo surgimento de novos países industrializados (NPI) que se apoderaram de uma parte modesta mas
estável do comércio internacional (7 a 8%), e que então pareceu introduzir um elemento de concorrência
manufatureira (deslocalização). Mas, a partir dos anos 1985-1995, isso se traduziu, sobretudo, por uma
reestruturação profunda dos espaços produtivos nas áreas nacionais e/ou regionais das economias tanto
centrais quanto periféricas. Os fatores financeiros de localização das novas atividades e as questões de
custo global do trabalho se tornaram cada vez mais importantes, como ilustra o debate realizado em
Genebra, na OMC (Organização Mundial do Comércio), a respeito da questão do dumping social que agita
os países ricos com respeito às formas de concorrência dos gigantes asiáticos que recorrem ao trabalho
infantil, ou ao trabalho não-livre, bem como o debate no espaço da União Européia sustentado numa
vontade cada vez mais afirmada de completar o Tratado de Maastricht por uma cláusula social e fiscal.
deslocalizações industriais em função dos baixos custos de mão-de-obra e do menor grau de proteção
social mostraram rapidamente seus limites. De um lado, os Novos Dragões do Sudeste Asiático se
revelaram sensíveis aos aumentos dos custos salariais e a uma onda de reivindicações sociais (Coréia). Por
outro lado, após um período de flutuação, o Império americano demonstrou um novo dinamismo. Em
particular, ficou evidente que as economias mais dinâmicas do centro combinavam uma flexibilização
inconstestável de uma parte do mercado de trabalho (o menos qualificado) a uma incorporação crescente,
e cada vez mais rápida, da ciência, dos serviços mais sofisticados às empresas. A concorrência
internacional passou a operar sobre os elementos da competitividade extra-mercado, nos quais os fluxos
dos fluxos, tanto financeiros, como de informação emergentes da economia-mundo do século XXI. Há,
desse ponto de vista, uma coerência entre a insistência política sobre a qualidade da população, em
particular, sobre os investimentos nos setores de educação e da saúde que foram levantados como
prioridades pelos programas dos democratas americanos, dos trabalhistas ingleses ou dos socialistas
franceses, e, de outro lado, a reabilitação teórica do papel do setor público e dos investimentos coletivos
A busca de uma diminução relativa dos custos do trabalho, de uma redução das despesas
públicas (e em particular do sistema de proteção social) constituiu somente a parte mais visível da
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verdadeira transformação dos aparelhos produtivos. O papel exato da flexibilidade “defensiva” (R. Boyer),
próprio, no qual não podemos nos engajar aqui.4 É importante sublinhar que a flexibilidade foi eficaz
Como caracterizar essa flexibilidade “ofensiva’? Podemos falar da instalação de um novo “regime
divisão do trabalho (Taylor). O carro sem Keynes, e após Taylor, com padrões
voltados ao salário como custo variável, não era suficiente. O problema é que a
institucionais.
pós-modernas dos Trinta Gloriosos (período entre 1945 e 1975 que se caracterizou pelo
4
Podemos observar que o retorno à crueldade “liberal” não acontece pela primeira vez na história da
acumulação, mas corresponde a uma vontade de disciplinar e fixar a mão-de-obra e provavelmente de
impedi-la de se subtrair ao trabalho dependente.
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A financeirização da economia mundial pareceu primeiramente ter um papel positivo, ou pelo menos
estabilizador, através da instauração de uma regra geral em face da incoerência das regulações nacionais e
do enfraquecimento da ordem imperial de Yalta. Ela se revelou portadora de riscos consideráveis, como o
confirmaram a crise da dívida mexicana de 1982, o estouro da esfera especulativa de 1987, o krach
imobiliário de 1992-1994 ou o escândalo das perdas dos traders dos grandes bancos de negócio (Baring,
Crédit Lyonnais). Todavia, não podemos imputar ao sistema financeiro atual, a responsabilidade da
instabilidade. Se, graças a informática e ao mundo virtual, os mercados financeiros tornaram-se realmente
aplicados a curto prazo que não sabem, nem podem, ser investidos a longo prazo. Não é a especulação que
cria o risco mesmo se, em feed-back, as práticas especulativas apresentam incontestavelmente riscos
suplementares e, fundamentalmente, o risco a longo prazo, a incerteza, que conduz a uma obrigação de
especular e que se traduz por essas famosas taxas de juro real positivo que estrangulam o investimento
séculos de experiências).5 Ter dinheiro em caixa não significa mais precaução ou especulação, mas
especulação por precaução. Os capitais flutuantes atingem proporções consideráveis sem relação com uma
aceleração das transações devido à ausência de um novo regime de acumulação estável. É também o peso
do risco global que afeta a massa de capitais investidos produtivamente que explica a manutenção
nacional não exigem mais a manutenção desses critérios e provocam assim um efeito de estagnação sobre
o crescimento das economias que não se beneficiam do privilégio imperial da moeda de reserva
mecanismo de criação monetária através do adiantamento de crédito sobre o futuro numa economia de
produção. Numa economia que não consegue usar plenamente o capital disponível, a inflação é vivida
pelos detentores de liquidez, ou de aplicações a curto prazo, como ela era percebida por Keynes, a saber
uma verdadeira eutanásia dos rentiers. Mas dessa vez os rentiers são os investidores institucionais que
A globalização da economia se traduz pela extinção das barreiras de entrada ao movimento das
mercadorias, dos capitais, através do desengajamento do Estado na sua função diretamente produtiva
direito de demissão), de um aumento da parte dos lucros da renda nacional. A liberalização se traduz por
5
O FMI tornou-se a causa de todos os motins, revoluções ou movimentos integristas no Terceiro Mundo
tradicional por seus programas de ajuste estrutural. Nos velhos países do Leste Europeu, contribuiu para
reeguer, após cinco seis anos, quase todos os antigos partidos comunistas. Na Rússia ele acelera a
instabilidade. Quando pensamos no que ele impõe a Ceaucescu na Romênia, vemos que na China ele
poderia constituir a isca do barril de pólvora através da aliança que preconiza entre manutenção de
estruturas políticas autoritárias e inserção acelerada na economia mundial. Na Santa-Aliança moderna, o
governo financeiro da economia-mundo dispõe de pouco de William Pitt e muito de Metternich. O FMI
não é isolado, as instituições monetárias da União Européia apresentam a mesma cegueira por
mimetismo. É nesse sentido que podemos falar de uma veradeira inconsciência política.
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um aumento das trocas internacionais, um aumento, a mais ou menos longo prazo, do produto nacional,
uma realocação dos recursos em direção aos setores produtivos. A fixação das taxas de câmbio e dos níveis
das taxas de juros pelo mercado internacional dos capitais acarreta uma perda de autonomia das políticas
monetárias. No caso dos países da União Européia, o fenômeno é ainda mais draconiano, pois, com o Euro
e a possibilidade de uma política monetária que desaparece enquanto a fixação de planos de um ajuste
estrutural para os países do Terceiro-Mundo endividados ou as políticas de limitação dos déficits públicos
na base de uma porcentagem pré-definida do PIB para os outros (os 3% do Tratado de Maastricht ou a
ameaça de interdição de voto dos orçamentos federais em déficit nos Estados Unidos) marcam o declínio
durável das margens de autonomia das políticas orçamentárias. As reformas do welfare, das leis
trabalhistas, do setor público são projetadas em linhas de frente. Elas são evidentemente o alvo dos liberais
que reinvindicam mais austeridade se queremos voltar, segundo eles, a uma situação de emprego.
Nesse esquema a globalização se traduz essencialmente pela concorrência dos custos globais do
trabalho, dos lucros das aplicações financeiras, para obter lucro imediato máximo, ou uma melhor
ajuste. O deslocamento sistemático, quase sistêmico, da economia de produção sobre um setor monetário e
financeiro representa a nova forma de governo mundializado que fornece sinais unificados a cada uma
das camadas dirigentes das diversas situações. A financeirização da economia encerraria a dominação
unilateral do mercado, como mecanismo de submissão disciplinar “psicológica”, nova lei fundamental. Ela
se tornaria o aparelho ideológico por excelência do Estado pós-fordista, o que é paradoxal, na medida em
que tal aprelho ideológico parece anunciar seu desaparecimento e presidir a redução de sua inserção no
tecido econômico e a redução de suas margens de autonomia; tudo isso em benefício de uma ordem
jurídica, mas levaria, ao mesmo tempo, a uma simplificação das organizações no âmbito dos Estados, a
uma forma de Estado mínimo reinvindicada pelos neoliberais, que fariam dele a simples cadeia de
Podemos dizer que tal esquema se verifica após vinte e cinco anos de transformação neoliberal e
de globalização? Pensamos que não. As observações empíricas mostram que as despesas públicas na
criação de riquezas – nos limitamos aqui à criação das riquezas que figuram nas contas nacionais e são
medida pelo PIB – aumentaram em toda parte. Além disso, a homogeneização se opera de maneira muito
relativa, devido ao fato de que a exceção japonesa, americana e inglesa (caracterizada por uma proporção
ainda pequena das despesas públicas) tende a diminuir. Nos países continentais europeus, e
particularmente norte-europeus, foi o trend de crescimento das despesas públicas que sofreu uma inflexão.
Mas, seu nível permanece extremamente elevado a partir da transformação quantitativa e qualitativa que
ocorreu ao longo dos anos 1970, quando nascia precisamente a ideologia neoliberal da suposta curva de
Lafer.
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do emprego público, dependendo, para seu financiamento, do sistema redistributivo geral, não sofreu a
indiretamente ao setor privado por diversos planos de adaptação (e sobretudo as isenções, parciais ou
totais, de encargos sociais para os empregos não qualificados, cujos titulares já recebem mais de um terço
de sua renda total de transferências sociais financiadas pela coletividade), empregos correntes do setor
privado são na realidade financiados em 33% e a renda das famílias que ocupam esses empregos é de fato
dependente dos três quartos do imposto.6 Trata-se de novas leis sobre os pobres, mas que se aplicam aos
detentores de um emprego assalariado, enquanto que os outros são submetidos aos rigores dos cortes
orcamentários. Elas não têm nenhum dos efeitos estabilizadores de uma maior eqüidade.
mito. Constatamos, ao contrário, que a mundialização impõe uma estatização crescente da administração
Europa Ocidental aparecem níveis federais, supranacionais dotados de prerrogativas estatais mas,
igualmente de poderes econômicos e internacionais. Nos países com tradição federal, com imbricamentos
de poderes estaduais devolvidos parcialmente aos Estados e à instância federativa, assistimos também a
uma profunda redistribuição dos papéis entre o nível municipal, o nível estadual e o nível federal em
todos os aspectos das políticas públicas (políticas urbana, social, industrial, fiscal).
Assim, após vinte anos de duração, é o caráter não-acabado, interminável da crise (nesse sentido
ela é o contrário de um ciclo identificável) que apresenta um problema maior. Por que a globalização da
economia-mundo não supera a financeirização como simples momento para criar novos territórios, um
novo regime de acumulação, novos princípios de intervenção do poder público, em particular, nas
linear de alinhamento numa norma única, a do mercado. Constatar isso não nos permite avançar. Se a
mundialização complexifica muito as organizações e suas leis, a questão consiste em procurar qual é o fio
6
Na França, por exemplo, no setor privado, para um salário bruto mensal de 100 unidades de conta, o
empregador deve pagar normalmente 100 + 51 de encargos sociais, ou seja 151 unidades de conta. O
empregado recebe, por sua vez, 80 unidades de salário líquido (sua contribuição ao financiamento dos
seguros-saúde e previdência, etc. é avaliada em torno de 20%). O custo ordinário do trabalho é
portanto de 151 para o empregador. Por outro lado, sabemos que os benefícios sociais (redução de
impostos, benefício da proteção social, etc.) representam mais de um terço da renda média operária.
Para essas categorias sociais podemos considerar como desprezível a renda do patrimônio. A renda pós-
imposto é portanto formada da soma dos salários líquidos mais um terço dessa soma, seja mensalmente
de 80 unidades de conta + (0,33 x 80) ou seja 106,4 unidades de conta. Se o Estado é responsável
integralmente pela parte patronal do financiamento dos encargos sociais, para a formação de uma renda
líquida de 104,6 unidades de conta, ele desembolsa os encargos sociais e a renda de redistribuição, ou
seja, 26,4 unidades de conta num total de 77,4. Esse fluxo bruto de despesas (que logicamente não é
um fluxo líquido pois uma parte dessa renda de redistribuição garantida ao empregado é financiada
pelos encargos sociais) corresponde a cerca de 73% da renda líquida de nosso empregado do setor
privado. O mercado é responsável por somente 27% de sua renda líquida. O neoliberalismo milita contra
a economia mista, mas generaliza o salário misto. Tínhamos feito a mesma constatação com relação à
economia da Terceira Itália, que faz a apologia da autonomia da iniciativa privada, mas que finalmente
revela-se como uma economia ainda mais subsidiada que os grandes conglomerados públicos.
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que permite reconstruir uma política possível de intervenção pública. Se queremos ir além da descrição é
Consideraremos aqui que a noção de custo de transação de Ronald Coase, abundantemente usada
por D. North e O. Williamson, seja familiar ao leitor. Lembramos que ela consiste em levar em
consideração na análise das formas de transação econômica adotada por uma sociedade o custo da
transação e sua escolha obedece a um princípio da economia, o de minimização dos custos de transação e
1) A produção de riqueza é hoje dominada por interdepedências tão fortes, que os fenômenos das
2) Essa realidade apresenta duas faces: de um lado, as externalidades positivas fazem dos preços
e mecanismos do mercado indicadores cada vez mais medíocres dos movimentos reais da economia: os
lucro realizado pelos setores mercantil e privado corresponde cada vez mais a uma redistribuição de
renda. De outro lado, o crescimento das externalidades negativas incentiva os poderes públicos a corrigir
seus efeitos, a tentar revelar esses efeitos introduzindo na troca mercantil ativos específicos (os elementos
recusamos admiti-los como as fontes maiores da criação de valor. Uma externalidade negativa não pode
ser compensada, ou corrigida, por uma externalidade positiva numa lógica de jogo de soma nula. Nesse
positivas, a montante desse mercado, para que seus custos de transação não o
condenem;
Williamson propôs (1991, p. 284) uma explicação ao recurso diferenciado ao mercado, à hierarquia
(empresa, administração pública) ou às formas mistas através da interligação dos custos de transação com
a especificidade dos ativos trocados. Quanto mais os ativos tornam-se específicos, mais os custos de
transação se elevam. Assim, um programa de minimização dos custos de transação leva à substituição do
contrato clássico (spot market) pelo contrato neoclássico (contrato de longo prazo) ou pelo contrato jurídico
(a norma). Se podemos admitir que a especificidade dos ativos aumenta com o crescimento das
externalidades negativas na economia, não é garantido que, em compensação, um nível elevado das
aumento inelutável dos custos de transação. Dito de outro modo, como o supõe Williamson, o contrato
clássico seria rapidamente desqualificado. Esse caso nos parece precisamente o que Marx descreveu na
4) Num conjunto dado, formando uma unidade (funcional como uma empresa, uma
negativas extramercado pode ser resolvido de várias maneiras: seja por endogeneização das
(exportação das indústrias poluentes para o Terceiro Mundo), seja mantendo a possibilidade de extrair
unidades obrigadas a proceder a uma compensação final, são apenas aquelas que, por seu circuito,
recolhem externalidades negativas e são levadas por mecanismos políticos a financiar externalidades
positivas.
herdeiro da escravidão de plantação, usou o trabalho como uma mercadoria em quantidade ilimitada, foi
observada no sul da Inglaterra uma fuga dos operários agrícolas em direção às grandes fazendas de
cereais, uma redinamização da emigração em direção ao Novo Mundo, dessa vez em uma escala maciça,
uma mortalidade impressionante. Esse problema não era o das indústrias de algodão, enquanto elas
dispunham de “carne humana” e não enfrentavam greves. Mas, isso constituía um problema para os
demais componentes do conjunto nacional inglês, e em particular do Estado, que era encarregado do
homogênea a duração do trabalho, o trabalho das mulheres e das crianças foi feito para proteger o caráter
específico da força de trabalho. Demonstramos que o mesmo mecanismo ocorreu quando a Inglaterra, que
já era a primeira potência mundial, decidiu modificar radicalmente a regra da troca internacional
subtraindo, das transações, entre 1808 e 1834, o padrão escravista que servia não somente de contrapartida
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à cana-de-açúcar (que era o modelo de reprodução dos operários), mas também de contrapartida ao
uma construção de instituições jurídicas que deram um sentido específico ao contrato de trabalho. Certos
ativos que faziam parte da transação dinheiro/trabalho dependente foram excluídos (o portador da
ganhando uma renda, etc.). Outros foram incluídos (seguro contra os riscos de doenças, de perda de
5) Quando, dentro de um conjunto dado, as externalidade não são pagas (porque elas não são
pagáveis ou porque existe uma recusa em pagar), são produzidos fenômenos de fuga, de saída deste
conjunto. Esta reação causa, por sua vez, a inclusão num conjunto mais amplo, e assim uma redefinição do
espaço, do território, das fronteiras espaciais, assim como produtivas. A corrida às economias de escala à
qual assistimos atualmente é menos tecnológica e industrial do que ligada aos custos de funcionamento de
administrações cada vez mais pesadas. Mas, esse incremento não se relaciona com uma simples tendência
burocrática abstrata. Gerir as funções tutelares das externalidades, leva hoje a administração pública,
pressionada por uma necessidade fiscal crescente, para a invenção de outro aparelho de Estado. D. North
evocou, no nascimento do Estado moderno, o papel da venda do privilégio fiscal (votar o imposto) ou dos
encargos. Hoje o arrendamento, pelos Estados, dos canais de comunicações, a criação de direitos
6) A insegurança sobre as transações a longo prazo, que pesa sobre o sistema atual da economia-
mundo, deve ser lida como uma incapacidade de pagar as externalidades tanto positivas como negativas
no quadro nacional. O recurso à financeirização mundial, como substituto de uma autodisciplina dos
parceiros sociais, é portador, por feed-back, de externalidades negativas muito potentes. No nível
microeconômico, por exemplo, a contestação do princípio do mercado interno, pelo downsizing dos
efetivos em nome de uma rentabilidade financeira imediata num estabelecimento, tem efeitos poderosos
sobre a posição de esforço dos assalariados do conjunto de um grupo e sua eficiência x. No nível
aplicações financeiras em detrimento dos investimentos de longo prazo só pode ser combatida pelo
desinchamento brutal da esfera financeira, isto é, pelo retorno a taxas de juros reais negativos, ou pela
eliminação da renda (crise financeira) ou ainda por uma volta à inflação (solução largamente praticada
Podemos, então, reconstituir rapidamente as etapas das tentativas de controlar o crescimento das
externalidades desde os anos 60. A importância crescente das externalidades constituiu primeiramente um
desafio teórico para a economia neoclássica. Assitimos a uma dupla tentativa de recuperar esse extra-
política, os vínculos matrimoniais) foi anexado pelos “novos economistas”, enquanto que a extensão do
1962, de que está acontecendo algo fundamental para a economia fora de suas fronteiras tradicionais. O
crescimento. A transformação radical da atitude das organizações internacionais com respeito ao setor
informal dos países do Terceiro Mundo traduz também a tomada de consciência da importância das
jazidas de externalidades positivas como fonte maior de criação de emprego extra-mercado. Essa
tendência é também caracterizada, nas economias do centro, pelo descobrimento do papel das redes
comunitárias, dos distritos industriais como fatores de produtividade, o papel inovador do industrial
consistindo em tirar partido não mais dos recursos físicos, mas dos segmentos da organização social e dos
valores do uso ofertados gratuitamente pela sociedade. Já tentamos mostrar em duas pesquisas sobre a
indústria da confecção na Terceira Itália e sobre Sentier, o bairro da confecção, na metróplole parisiense,
que a função dos empresários estava hoje largamente condicionada pela faculdade de captar as
externalidades positivas geradas pela organização social.7 A última revelação da potência das
externalidades é a crise urbana. A definição dos “subúrbios” europeus ou dos “guetos” americanos, ou das
Poderíamos então acreditar que a grande transformação em curso seria uma grande
endogeneização dos custos e dos ganhos escondidos nos mecanismos do mercado através dos vetores de
preço. Apesar disso, essa reafirmação da hegemonia do mercado não foi bem-sucedida. Ela enfrentou
várias limitações.
A primeira razão residia, sem dúvida, no custo gigantesco da revelação mercantil das
rapidamente abandonada. Em 1980, Annie Fourquet avaliava, na França a três salários mínimos a
ausência dos investimentos públicos que lhes são paralelamente necessários. O elogio que ouvimos da
sociedade civil (no momento do desenvolvimento nas economias do centro do trabalho não declarado) a
respeito da flexibilidade que ela permitiria revelava de uma dupla ilusão. A primeira era relativa ao
7
Ver Corsani, Lazzarato e Negri (1996).
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caráter natural e eterno das externalidades positivas comunitárias, enquanto estas constituem uma
articulação da despesa pública. A segunda ilusão era, por outro lado, relativa à flexibilidade incondicional
das formas particulares do emprego são estreitamente correlacionadas à existência da rede protetora do
welfare.
resposta que tomou forma foi a globalização, isto é, um alargamento do quadro de colocação em
equivalência da totalidade das trocas econômicas.Entretanto, uma questão surge então: podemos usar esta
explicação do deslocamento da economia-mundo em uma escala internacional gerada por uma demasiada
partir do passado, que a mobilidade do trabalho dependente era à origem do movimento de especificação
da transação dinheiro/trabalho. É a partir das externalidades positivas, tanto quanto das negativas, que ela
trabalhador dependente. Foi a ruptura do compromisso de trabalho que constituiu o maior problema de
forçado colonial, à servidão e à escravidão foram a conseqüência desse problema de fixação. O nomadismo
dos pobres, a migração interna e internacional, a fuga em direção às cidades, a conquista do status de
manifestações dessa externalidade negativa da mobilidade. O complexo edifício jurídico que se constrói
em torno da questão da ruptura unilateral do contrato de trabalho permite destacar dois grandes pólos.
empregador, negativa para ele, torna-se uma externalidade positiva, se ela é o vetor da concorrência entre
os capitais, é o papel indispensável do mercado do trabalho e da liberdade. Neste último caso, é preciso
que instituições convertam essas externalidades privadas negativas em externalidades públicas positivas.
É o papel das leis sobre os pobres e do welfare moderno. A renda fundiária, a criação de organismos de
manutenção da ordem urbana preenchem funções claramente ligadas a esse problema de manutenção do
trabalho dependente à disposição. A renda fundiária absoluta mede o custo da retenção do trabalho
produtivas, as mudanças de tamanho e de estrututa dos mercados, as novas divisões dos territórios
8
Moulier Boutang (1997).
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economia e da intervenção publica
negativas. A quaternização da economia, que combina ao mesmo tempo uma financeirização e uma
industrialização do trabalho terciário, responde a uma mobilidade intersetorial muito forte em direção ao
É sem dúvida nas transformações produtivas que o peso das externalidades melhor se manifesta.
II
A verdadeira mutação pós-fordista: da produção de mercadoria mediante mercadoria à produção de capital humano
externalidades, o caráter central da reprodução do trabalho como capital humano e o papel do Estado e
dos investimentos públicos. No modelo de P. M. Romer (1991), o crescimento do capital humano é função
da importância da população que produz capital humano mediante capital humano. A produção Q
depende igualmente desse fator. Na primeira função de produção do tipo Cobb-Douglas, o trabalho
tradicional das funções de produção é dividido em dois; u correponde à parte da população ativa que
trabalha na produção e seu complemento a 1 é afetado pela produção futura de capital humano. Não
poderíamos explicar melhor o caráter doravante inoperante da distinção clássica entre trabalhadores
diretamente produtivos e os demais. Os trabalhadores que não são envolvidos na produção material
detêm as chaves do crescimento futuro. Substituímos portanto a distinção de bem de consumo/ bem de
produção (setor 1 e setor 2) por, de um lado, trabalhadores afetados pela produção de mercadorias
trabalhadores afetados pela produção de capital humano mediante capital humano (a produção de capital
humano mediante capital físico entra diretamente no processo a t1). A produção do trabalho humano
reprodução da força de trabalho como tal. Educação, formação e saúde são assim os setores de uma
acumulação inesgotável.
as externalidades positivas. Em relação à teoria dos bens públicos e do learning by doing de K. J. Arrow, eles
macroeconômico. Eles buscam, portanto, outro modo de endogeneizar essas externalidades, que não seja
por sua revelação pelo mercado. É ao seu papel no crescimento e ao reconhecimento de sua utilidade
social que está confiada sua reintegração no balanço completo da economia. Nessas condições não é
transformação do programa reacionário dos liberais (que visa a transformar welfare em workfare) em
edufare. Trabalhar e formar-se não representam mais duas esferas separadas, mas duas faces de uma
mesma moeda.
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Em contrapartida, a teoria do trabalho produtivo que podemos inferir desses modelos permanece
bastante vaga. A evocação do papel da pesquisa e do desenvolvimento das empresas não é uma novidade.
substituímos o capital humano demasiado geral dos modelos de crescimento endógeno pelo conceito de
De fato, se definimos o trabalho imaterial como a atividade que produz o conteúdo cultural e
material, físico, permite reintegrar na descrição de seus componentes elementos que constituem
como se o trabalho imaterial efetuasse por sua própria conta na sua escala a operação de endogeneização
Traduzido em termos marxianos: o trabalho imaterial é a nova figura da mais-valia relativa. A coerência
entre o mercado e o extra-mercado, entre as externalidades e o valor, não pode se operar através da
equivalência monetária, mas pela incorporação da linguagem e dos “investimentos de formas” a menos
que esteja em presença de custos de transação dissuasivos. Mas, é evidente que o trabalho assalariado
canônico era construído sobre a separação da pessoa, da força de trabalho, sobre a separação dos meios de
produção e do trabalhador dependente. A crise do emprego não é uma crise de crescimento, é uma crise
de forma.
Deveríamos obviamente ir mais longe. Para concluir nos limitaremos a algumas conclusões
provisórias sobre as transformações das concepções da intervenção pública que podemos extrair desse
percurso.
III
crescimento das riquezas é correto, e se, por outro lado, a intervenção pública deve ter um papel crescente,
apesar de apresentar uma forma menos estatizada, torna-se urgente reconstruir a contabilidade econômica
A medida da produtividade não pode mais ser realizada a partir do valor agregado que leve
sobre a base das transações mercantis. A riqueza nacional é certamente sub-avaliada10 e insuficientemente
autocentrada. O não-retorno a uma situação de pleno emprego assalariado não significaria apenas uma má
alocação dos recursos, mas também uma interpretação da avaliação dos recursos globais. O tempo de
trabalho assalariado não pode mais servir de medida de valor. Devemos substituir a contabilidade pelo
9
Corsani, Lazzarato, Negri (1996), p. 29-45.
10
Ver Romer, que estima que a visão da estagnação do crescimento no decorrer dos anos 80 e 90 é um
efeito de nomenclatura (entrevista ao Le Monde, 10 de junho de 1997).
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tempo de trabalho, uma contabilidade por saber incorporado e por tempo de formação? Ou também por
metatrabalho ou por trabalho imaterial incorporado? Devemos medir a verdadeira riqueza do tempo livre
do qual dispõem os indivíduos (ver sobre tema Yoland Bresson, 1993)? Essas são as questões que se
tornam determinantes. O fim da indústria manchesteriana marca o ponto final do longo ciclo do valor-
trabalho ricardiano.
intervenção da potência pública. Longe de serem questões limitadas aos países em vias de
as empresas tornou-se fundamental para as economias de países altamente industrializados que sofrem
certa quantidade de capital uma quantidade previsível de emprego. Diríamos que a escolha estratégica do
pública de se colocar em posição de captar externalidades positivas geradas por sua organização social. As
economias socialistas eram caracterizadas por um investimento maciço nos bens do setor 1 socialista, isto
é, a produção de meios de produção física de meios de produção. Elas fracassaram porque não souberam
resolver o problema da produção do capital humano que não se opera nem a partir do nem pelo mercado
de bens de consumo, nem através do número das escolas construídas, mas através do mercado da
longa duração são as que conjugam “grande circulação” da valorização das mercadorias com a “pequena
Devemos partir dos fluxos de mobilidade do capital humano e do nível material alcançado pelo
país com a economia-mundo, nas correntes já constatadas na mão-de-obra. Dito de outra maneira,
desenvolver um programa segundo o qual os investimentos devam seguir os fluxos humanos e não o
inverso. Devemos partir das necessidades expressas pelo trabalho imaterial para construir as infra-
estruturas adequadas. Estas podem encontrar a norma do mercado e retirar um dinamismo extraordinário.
Mas elas podem também ser abortadas por uma aplicação dogmática da norma do mercado, ou da lógica
atividades de produção de logística que repousam sobre o capital humano e que não dependem do
monopólio tecnológico).
Quanto à programação urbana, por exemplo, a lógica dos investimentos pesados em meios de
trabalho, de habitação e de lazer, deve ser totalmente questionada. No trabalho imaterial, a acumulação de
redes é fundamental; é ela que gera externalidades. Aliás, a função econômica da cidade já foi definida
para substituí-la por um zoneamento de bairros residenciais e de habitações populares, uma acumulação
externalidades suscetíveis de atrair as empresas, só pode ser realizado num tecido urbano. É a isso que
permite precisamente a superposição do lugar de residência, das atividades de caráter lúdico, com o
trabalho. Os investimentos físicos devem tornar-se reversíveis, isto é, devem ser utilizados em vários
sentidos e suscetíveis de serem reinvestidos para outros usos. As economias de escala param de ser ligadas
das transações, de sua segurança. A prioridade deve ser dada aos investimentos em capital humano e ao
setor de produção de capital humano mediante capital humano, aos investimentos na organização. A
interação entre os agentes produtivos não é mais gravitacional nem entrópica. O potencial como massa
um correlato espacial, um prevalência das estruturas transversais, e não mais verticais nem horizontais. A
rede rizomática deveria substituir a árvore de decisão hierárquica. A descentralização produtiva não se
limita somente à destruição das noções de centro, de periferia. Ela quetiona também os pontos médios-
mediadores, a cidade do equilíbrio. O policentrismo que se desenvolve não é nem polar nem bipolar mas
metroplar ou metapolar.
positivas numa economia cujo crescimento repousa sobretudo no desenvolvimento quantitativo, mas
também qualitativo, do trabalho imaterial não têm, todavia, nenhuma chance de conseguir uma
profundamente reorganizada.
Qual deve ser a função de um novo contrato de trabalho e, mais amplamente, de uma nova
“constituição da atividade”? Em primeiro lugar ela deve proceder ao reconhecimento, sob a forma de
renda de cidadania e/ou de salário, de toda uma série de atividades extra-mercado e extra-contabilidade
econômica. Em seguida ela deve criar uma real proteção do trabalhador, dependente ou formalmente
independente, frente à flexibilidade produtiva que não é um dado transitório. Sem esse tipo de medida
bastante igualitária, pois ela não passa pelo crivo hoje distorcido dos titulares de um emprego reconhecido
como assalariado, os programas de inspiração keynesiana repetem as receitas dos anos 30, sem aproveitar-
se do espírito dessas receitas, que consistia em tornar solvível a demanda em alojamento, saúde, educação
e formação da população cidadã. Mas, afirma-se geralmente que um novo deal da sociedade salarial parece
dificilmente financiável pelas despesas públicas que já se encontram sob forte vigilância.
Nesse caso também, a transformação da estrutura produtiva real ainda deve ditar as
transformações dos encargos sociais, e não o inverso. O imposto deve ser calculado sobre a mobilidade e a
11
Para uma boa síntese, ver Decoster (1996).
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transformação das formas e não mais sobre a transformação material. A explosão das transações imateriais
em relação ao estreitamento da base física das trocas deve permitir a obtenção de um rendimento bem
superior ao do imposto, diminuindo a pressão fiscal sobre os indivíduos e o trabalho material e taxando,
de maneira neutra ou degressiva, as diferentes formas de circulação dos fluxos produtivos. A aplicação da
proposta de Tobin em taxar entre 0,5 e 2% os fluxos de capitais que não se investem a longo prazo
A leitura liberal da crise já formulada desde os anos 70 por Bacon e Eltis é que a base produtiva
das economias de afluência é demasiadamente fraca em relação aos gastos públicos. A leitura keynesiana
considera, ao contrário, que a demanda é demasiadamente fraca para reerguer a máquina. A leitura
marxista ortodoxa considera que o peso crescente da composição orgânica do capital gera uma crise de
rentabilidade do investimento a longo prazo. Não concordamos com esses diagnósticos na sua
globalidade, mesmo se eles comportam uma parte descritiva que pode ser avaliada positivamente.
criação da riqueza mutilada das externalidades é ampla demais em relação aos critérios contábeis de um
crescimento equilibrado. Os keynesianos têm razão sobre a importância de paliar o subinvestimento dos
agentes privados e do mercado, mas eles erram ao mesmo tempo no que tange aos contornos da demanda
efetiva, quando eles permanecem fiéis ao trabalho assalariado da época fordista, e também sobre os setores
estratégicos que devem fazer o objeto de um investimento maciço. Assim, a União Européia continua
empreedimentos que suscita oposições ecológicas cada vez mais sérias, e que continua a julgar central os
investimentos na infra-estrutura material. A crise de rentabilidade que pesa sobre os investimentos não
nos parece também o elemento cardinal da situação atual, sobretudo se a imputamos ao peso crescente da
humano mediante capital humano é elevada uma vez reintegrados os efeitos das economias externas.
Williamson e a escola neo-institucional acreditam ter achado uma chave da repartição objetiva
entre as transações pelo mercado, pela hierarquia e as transações mistas que determinam freqüentemente
as regras (definindo, por exemplo, a missão de um serviço público) tutelares administradas, e obedecem
parcialmente a uma lógica de produção e de distribuição do mercado. Mas a especificidade dos ativos não
é um critério suficiente para determinar a natureza decrescente ou crescente dos custos de transação. Cabe
alcançar uma teoria mais clara das relações que existem entre a especificidade dos ativos trocados e a
natureza e o signo das externalidades, de um lado, e entre o perfil dos custos de transação e a
seus papéis de maneira complementar. Os liberais clamam que a liberdade do indivíduo está do lado do
mercado; keynesianos e marxistas, que a igualdade dos grupos sociais estádo lado da alocação
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eqüidade entre os grupos sociais e as comunidades na perspectiva de uma verdadeira redução da renda
que o Estado repassa às corporações fordistas. Somente esse duplo programa iconoclasta poderá se
aproximar da democracia econômica, que é sem dúvida o regime de acumulação “menos pior possível”.
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12
Um bom resumo desse debate lê-se em Piore (1995).
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ANEXO: AS EXTERNALIDADES
Foi A. C. Pigou quem deu a primeira definição da noção de externalidade.13 Ele escreveu: “Uma
pessoa A, prestando um serviço pelo qual é paga a uma segunda pessoa B presta incidentemente serviços
ou causa danos a terceiros (que não os produzem) de tal maneira que um pagamento não pode ser retirado
dos beneficiários nem das compensações pecuniárias desembolsadas em benefício das pessoas lesadas”.
Assim, existem ações que ocasionam ganhos ou perdas para terceiros (agentes não levados em
consideração). Se não existe nenhum mecanismo de ordem econômica direta que os contabilize, ou de
ordem jurídica que permita revelá-los ou incite os agentes a revelá-los, os efeitos dessas ações serão
incorporados e dissimulados no preço das transações entre os agentes reconhecidos. Assim, a utilização
por uma empresa de recursos que não são reconhecidos ou se tornaram raros, como a água pura dos rios,
sem contabilização da poluição ocasionada por ela e do custo de renovação desses recursos, por ela ou por
um organismo público, permite a tal empresa se beneficiar das externalidades, como a abelha e o apicultor
do exemplo de Meade se beneficia das flores dos campos vizinhos. 14 Logicamente, num cálculo completo
da riqueza líquida produzida, caberia subtrair certas externalidades (no sentido dos custos sociais ou
ecológicos do crescimento) e acrescentar outras (no sentido das vantagens das quais se beneficiam
da população).15 No caso aqui evocado, trata-se de externalidades proporcionadas pela natureza à empresa
entre produtores e consumidores, e que o sistema dos preços pára de ser o único agente de informação de
ligação dos agentes. A explicação dos rendimentos crescentes num longo período, que contribui para
resolver uma boa parte do enigma do crescimento econômico, operou-se, depois de Marshall, em torno do
conceito de economias externas. Podemos considerar que há economias externas pecuniárias quando os
lucros de uma empresa dependem dos outputs e de inputs de outra firma ou de um grupo de outras firmas.
O investimento de uma firma B poderá diminuir o preço de seu produto; este sendo inputs da firma A,
aumentará o lucro da primeira. Podem se dar transferências entre agentes públicos e privados.
13
Pigou, Economics of Welfare (4. ed., 1946).
14
No exemplo da apicultura, que tem sempre particular repercussão em economia – por causa da Fábula
de Mandeville? –, uma representação simples podia afirmar que o apicultor não pague a seu vizinho o
uso das flores de seu campo ou de seu pomar onde vai alimentar suas abelhas, enquanto que se ele
quisesse mandar suas vacas pastar isso lhe custaria dinheiro. Em alguns casos-limite, como uma
superpopulação de criação de abelhas, pode haver limitações impostas e arbitragens entre apicultores
e/ou ribeirinhos incomodados. Mas esse não é o caso estudado por Meade. Por outro lado, o estudo do
ciclo natural mostrou ( mais freqüentemente a a partir de catástrofe natural e de raciocínio ao contrário)
que o pomicultor, o pecuarista ou o cultivador não pagam a polinização das plantas. Se compararmos os
desembolsos efetuados por estes últimos para pagar essa operação natural gratuita a um arrendamento
de terras onde colhem as abelhas, o apicultor se tornaria largamente credor.
15
Ver os trabalhos sobre a integração das externalidades na contabilidades nacional.
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prejuízos não pagos: as pessoas lesadas dispondo de direitos de propriedades (o caso que interessa Coase,
sobre o qual tendemos a concentrar toda atenção) ou os terceiros consumidores da riqueza destruída
Poderíamos tambem dizer que são, sobretudo, os custos de transações entre reclamantes
e defensores e as modalidades do contrato de seguro por danos que são abordados por Ronald
Coase (caso particular de externalidades entre dois agentes econômicos). É sintomático que o
exemplo central de seu célebre artigo – a arbitragem jurídica entre proprietários de campos de
evoque somente os danos involuntários causados ao camponês (o incêndio) e não fale nada dos
prejuízos causados a terceiros – o que estaria mais de acordo com a definição de Pigou –, sejam
diretos (vítimas eventuais de incêndio), sejam indiretos (destruição do meio ambiente pelos
ribeirinhos). Observamos que o defeito maior do direito contratual costumeiro (common law of
contract) derivava do fato de que ele negligenciava quase totalmente o problemas das
externalidades.
Mas é evidente que a norma, a regulamentação como sua modalidade particular, aparecem logo
que haja externalidades. Isto não significa que a produção de regras na ausência de externalidades seja
impossível ou impensável. Mas, nesse caso, estamos em presença de um quadro traçado previamente
como na visão externalista do direito no mercado. Em contrapartida, uma vez admitida a existência de
produzindo regras de conduta para os agentes privados ou a das leis prescrevendo regras no espaço
Vamos nos referir à noção de externalidades públicas que André Vianès (1980) contribuiu para
A intervenção do Estado tem a tarefa de divulgar e de interiorizar na esfera econômica todo efeito
externo positivo ou negativo cada vez que a compensação privada verificar-se impossível por definição ou
muito dificil de atingir. Alfred Marshall colocou em evidência o conceito de economias externas para
o aumento do montante total da produção aumenta as economias que não decorrem diretamente
da situação individual das diferentes empresas. As mais importantes dentre elas resultam do
desenvolvimento de ramos correlativos da indústria que se ajudam mutuamente, seja quando elas
se encontram talvez agrupadas nas mesmas localidades, seja nos casso em que elas usam
facilidades modernas de comunicação (...).16
16
Marshall, A., Pricipes d’ Economie Politique, v.1, livro IV, 1920, capítulo IX, § 7, p. 439; cap. XII, p.
519 ; e o capítulo XIII, § 1.521-1.526. A citação é tirada do capítulo XIII, p. 525.
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Até a “aptidão nos negócios mesmo nos escalões mais baixos” nas empresas que se beneficiam do
a Rosenstein-Rodan, com sua teoria da industrialização coordenada, e a Tibor Scitovsky o papel de alargar
O autor observa que essa noção é muito mais ampla que a das “tranferências” pois ela integra o
conjunto das condições permissivas do sistema socioeconômico e da gestão pública das políticas sociais.
Por outro lado, noção neoclássica de externalidades se confunde com a de extra-mercado ou não-mercantil
e a carência de informação que torna as contribuições dos agentes não discerníveis e interdependentes. Na
óptica neoclássica das externalidades, não pode haver externalidades públicas mercantis.
das funções econômicas de diferentes agentes tornam inoperantes remunerações dos fatores à sua
produtividade marginal assim que o mecanismo de transmissão dos sinais de desequilíbrio pelos preços.
2) O mercado não funciona porque ele não é suficientemente o mercado (posição liberal clássica), ou
porque ele depende do extra-mercado que resiste a entrar no mercado por natureza ou porque os custos
A teoria das externalidades públicas consolida portanto a óptica internalista: existe bem uma
razão “econômica” à produção do direito pela sociedade. Esta última não corresponde à definição ex ante
das condições de um contrato que permitiriam sair da anarquia, do estado de guerra e/ou de natureza ou
da selva de todos contra todos para aceder à troca. A partir do momento em que existem interdepedências
dos produtores (ponto de vista transversal), ponto de vista temporais (ponto de vista longitudinal), ou
seja, uma sociedade econômica, existem não somente custos de transação entre os agentes que implicam,
sob pena de graves desequilíbrios que ameaçam a longo prazo a própria razão da troca, a organização
custos de transação entre os agentes econômicos privados mesmo quando estes últimos já conseguiram
fatores de produção e têm uma favorável incidência não somente sobre a forma da troca (as condições de
realização das transações), mas também sobre sua substância (progesso técnico, difusão da inovação), como
coação extra-econômica.