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A In Justiça

Capitulo 1
O astronauta brasileiro chegou da sua missão numa estação espacial há
apenas alguns dias mas muitas pessoas nem acreditam que o ser humano
realmente foi a lua. Para pessoas que não tem o que comer e que fazem parte da
maioria de pobres do Brasil, a física, a matemática e outras ciências que
possibilitam ao homem acreditar que uma viagem a lua seja possível, são coisas
muito abstratas e distantes de sua realidade miserável. Pergunte a um residente
da caatinga o que ele pensa sobre o homem ir a lua e a resposta vai deixar bem
claro que, para ele, isto é conversa para boi dormir. Quanto mais pobres as
pessoas são, menor é seu acesso a informação e a cultura e menor a sua chance
de exercer a cidadania plenamente. Com a justiça brasileira acontece a mesma
coisa que com a educação. A falta de recursos financeiros pode fazer uma pessoa
passar por uma grande injustiça sem ter meios para se defender. Existem as
defensorias publicas e algumas entidades que prestam serviços gratuitos a
população que provar que não tem condições de pagar um advogado. Mas, só o
fato de ter que provar que não tem condições afasta muita gente de procurar
seus direitos. Muita gente que não é miserável como teria que ser para receber a
benção dos serviços públicos, mas que ganha apenas o suficiente para sustentar
a família e dar aos filhos o mínimo de educação que não é oferecido nas escolas
publicas deixa de procurar as defensorias por não poder entrar na faixa de
pobreza necessária para obter a assistência jurídica gratuita. Enquanto as
pessoas pobres estão trabalhando muito para sobreviver neste pais de grandes
diferenças sociais onde favelas convivem com arranha-céus de primeira classe,
há uma conspiração no ar. O governo, que é composto pela elite do pais,
conspira com os ricos para impor cada vez mais impostos ao contribuinte de
forma que, quem ganha muito possa se defender da carga tributaria facilmente,
porque o que o governo lhe toma é apenas uma parte do que ganha, mas aqueles
que ganham pouco, pagam tantos impostos diretos e embutidos em tudo que no
fim das contas, só tem direito a trabalhar para comer e se manter forte para
continuar trabalhando.Quem diria que um presidente do Partido dos
Trabalhadores concordaria com tão altos impostos dos quais ele mesmo
reclamava antes de subir a rampa? O dinheiro contado destas tantas pessoas, no
fim do mês, vem fazer alguns milagres interessantes. Alimentam o trabalhador e
ainda permitem que este consiga mal e porcamente alimentar os filhos que fez
para continuar o ciclo de trabalhar para comer e alimentar descendentes e
comer para trabalhar e manter quem explora a vida vendida pelo pão de cada
dia. As pessoas numa cidade grande estão tão acostumadas a este ciclo que já
nem percebem que suas vidas estão se esvaindo para alimentar o patrão. Nos
centros urbanos, onde as pessoas não conseguem criar galinhas, cultivar uma
horta para de alguma forma produzir o que comer, a população é totalmente
dependente das políticas publicas para sobreviver. Se os juros são altos, se o
governo baixa um pacote qualquer, se a gasolina aumenta e por conseqüência
tudo que a ela está atrelado, a população sofre e não tem como revidar, afinal,
num pais tão democrático quanto o nosso escolhemos nossos representantes e
lutar contra o governo seria lutar contra nós mesmos certo? Errado. Não tenha a
esperença de que você vive num pais democrático a não ser que pense na
democracia como ela era na grécia. Sim, porque quando a democracia foi criada
quam podia votar e decidir as coisas eram os homens livres. Tire do rol as
mulheres e os escravos, afinal se eles votassem seria péssimo para os senhores
de escravos e para os maridos das eleitoras. Hoje digo que pouca coisa mudou
desta democracia. Vivemos uma mentira que diz o seguinte: Você escolhe os
governantes. Poxa, se eu posso escolher os governantes, quero que o Zé do Bar
seja o presidente. Afinal ele tem ajudado mais pessoas do que muito político que
eu conheço. Não amigo, você não entendeu. Para se eleger o zé do bar teria que
entrar em um partido e se candidatar á presidência. Poxa, sto não é tão difícil.
Espera, ele também teria que ser conhecido no Brasil inteiro, o que faz com que
a mídia seja necessária. Só que , envolveu a mídia você está falando em muita
grana que deveria ser gasta para promover o Zé do Bar. O zé do bar também
precisaria de aliados, ou seja, partidos que lhe dessem apoio caso ganhasse.
Apoio não se ganha, apoio se troca por alguma vantagem que o Zé do bar vai dar
la na frente para os que o apoiariam. Neste ponto, se você acha que o Zé do bar é
honesto, fiel aos seu princípios, cumpridor de suas promessas e pobre saiba que
ele jamais, eu disse, jamais chegaria a presidência da republica. Ai vem você e
diz, mas o Lula Chegou. Você até chora quando ouve contar toda aquela
historinha que ele veio do norte para “Sum Paulo” e fez a vida aqui, depois
entrou para o sindicato dos metalúrgicos e ao fim de muitas tentativas
conseguiu ser presidente. Bom, as varias tentativas você já pode explicar porque
ocorreram. Por que ele era pobre e tinha muita coisa em jogo. Agora, ele chegou
lá por que naquele momento foi interessante para a elite brasileira que assim o
fosse. E olha que isto fica comprovado nas eleições onde a TV Globo editou um
debate, lembra? E assim decidiu que o Color era melhor para o Brasil. Do fundo
da minha muita ignorância política eu lhe digo amigo. Você não vive num pais
democrático. Você vota naqueles que te apresentam para serem votados. Você
decide em quem vota pelo que a tv, radio, jornal, internet falam do candidato.
Logo quem decide se este candidato é bom ou ruim é o que se escreveu ou se
noticiou a respeito dele e mais, é o que chegou até seus ouvidos que ele fez. Logo
você não decide nada, quem decide quem ganha é a propaganda do candidato.
Mesmo que você saiba e tenha provas de que ele é um pilantra, vai ter que ter
muito dinheiro para dizer isto ao mundo e provar tudo o que diz para fazer com
que ele não venha a ganhar. Contra o que você diz está toda a mídia paga pelo
sujeito, o partido que apóia o fulano, os idiotas que acreditam em tudo que a
mídia diz, os idiotas que ‘só assistem TV e uma cambada de outros idiotas de
plantão que vão defender o ladrão porque ele rouba mas faz. Daí, você não vota
no malandro e fica feliz porque acha que exerceu seu direito ao voto. O pilantra
ganha mesmo assim porque a maioria acéfala da população votou nele para
senador ou coisa que o valha. Ele, como era previsto, começa a roubar e fazer
tudo o que você já sabia que ele iria fazer. Me diz, você tem o poder de tira-lo do
cargo ou vai ter que agüentar o mala por 4 anos? Quando eu digo você estou
dizendo : A população que elegeu o salafrário vai ter como tira-lo de lá? Bom, ai
os defensores da democracia vem e dizem que a população pode pressionar e se
manifestar, pintar as caras e tirar o fulano. Bom, mas mesmo que pudesse você
iria deixar de ir trabalhar para ir para a rua desfazer a cagada que os outros
eleitores fizeram? Acho que não não é mesmo? Você pintou a cara quando
tiraram o Collor? Vamos que você responda que sim. Você acha que foram os
caras pintadas que tiraram ele do poder? Pois eu não acho. Eu acho que foi a
mídia que decidiu que não estava bom de alguma forma, acho que foram os
deputados que votaram no impitman por interesses econômicos que o tiraram,
aqueles mesmos deputados que você não consegue tirar nem quando cometam
crimes contra o patrimônio publico. Dos muitos escândalos que já tivemos no
pais sobraram vários daqueles nomes envolvidos que estão lá no planalto
exercendo cargos públicos, bem votados e felizes por estarem escondidos da
mídia. Enquanto você pensa que está num pais democrático a desigualdade
social continua. 10 por cento das pessoas são ricos e o resto é pobre ou
miserável. Mesmo o conceito de classe média tem que ser revisto nos dias de
hoje. Enquanto os ricos passeiam pelo mundo e tem do bom e do melhor, aqui
em baixo no porão, onde a cozinheira descasca as batatas, há pouca esperança
de mudanças para melhor. Dentro deste contexto tão mal quisto e pouco
pensado pelos seres que criaram suas próprias prisões, vem a pergunta:
Será que a justiça é ascecivel? Será que se você passar anos na fila de uma
defensoria publica e aceitar a tomar todos os chás de cadeira aos quais
certamente será submetido, ao fim não vai ser coroado com os louros de um
ganho possível de alguma causa?
Ele era um migrante baiano que veio para São Paulo fazer a vida. Pegou o
pau de arara, que era como chamavam a condução que trazia nordestinos para a
cidade grande nos anos 50 e veio dar na rodoviária paulistana. Vagou sozinho
pelas ruas carregando a trouxa que reunia seus poucos pertences. Havia fugido
de casa e tivera tempo para pegar muito pouco antes de subir no caminhão
apertado e mal cheiroso que o tiraria daquele mundo bruto e cruel onde vivia.
Seu pai tivera muitos filhos, uns vinte até onde ele podia contar. Alguns
morreram de doenças e outros de fome. Uma de suas irmãs se matou por
desespero de viver aquela vida maldita de roça onde o trabalho era sempre
muito e a comida sempre regrada. Um belo dia, Deusdete resolveu tomar
veneno de formiga e se foi para o andar de cima depois de alguns minutos de
agonia com as fortes dores estomacais e intestinais que o formicida causou. Ela
morreu em seus braços. Isto o deixou muito revoltado. Perdera a irmã que tanto
amava porque a vida rústica e as fomes que passavam de vez em quando fizeram
a irmã se descontentar sobremaneira com a vida. Peste de vida!
Porfírio, seu irmão mais velho, este sim o velho tratava bem. Mandara
para a escola na capital da Bahia e iria em breve se formar bacharel em direito.
Ironia do destino. Um irmão bacharel em direito. Logo ele que iria sofrer tanto
com as injustiças da vida ter um irmão bacharel. Irmão este que viria a ser
assassinado tempos depois porque o poder lhe subira a cabeça. Depois que se
formou advogado ele começou a trilhar nos caminhos do dinheiro e da ganância.
Tudo pelo poder e o dinheiro. Explorava a quantos podia, afinal tinha que fazer
seu pé de meia. Como diria nosso retirante, do qual ainda nem revelei o nome,
“enricou” e se esqueceu dos pobres. “Enricou” e arranjou inimigos que o
acabaram assassinando.
Isaias, este era o nome do homem acoado que vemos agora olhando para
cima calculando o tamanho dos edifícios do centro de São Paulo. Poxa, como
eram grandes. Nunca na roça de onde veio, havia avistado arvore mais alta que
um edifício daqueles. Os tempos eram difíceis. Tempos Getulistas. O baiano
conseguira um bico de carregador de sacos no CEASA de São Paulo. Carregava
de tudo. Batatas, cebolas, feijão e qualquer outro produto que chegasse. Ele
ficava ali no CEASA se oferecendo como carregador. Era forte, saúde de ferro.
Agüentava até dois sacos por vez, mas o japonês que o contratava de quando em
quando por uns trocados que mal davam para a alimentação e a pousada na
pensão barata, sabia muito bem como utilizar aqueles músculos.
--Um xaco puro vexx, xinão ixtora xaco di baiano. Dizia ele.
Não queria ver o baiano rendido e incapaz para o trabalho. Ainda iria se
aproveitar o quanto pudesse daquela mão de obra barata.
A intenção de Isaias, no entanto era muito clara. Saira de sua terra natal
para aprender o B A Ba, como se dizia na época. Queria se iniciar no
aprendizado das letras do alfabeto. Queria assinar seu próprio nome e tirar
documento sem ter que carimbar o dedo no papel. Era uma vergonha não poder
assinar. Pior era para tomar o ônibus quando ia para qualquer lugar diferente.
Isto era muito humilhante. Ter que perguntar a alguém o que estava escrito no
letreiro. Quando algum paulista dizia entre os dentes: Vai para o largo do
inferno nordestino burro, e depois dava a resposta, o baiano dizia que precisava
urgente fazer um óculos para enxergar melhor, deixando o paulista com a cara
no chão. A ignorância na leitura, isto era algo que realmente incomodava aquele
baiano.
---Vou aprender a ler, nem que seja com a peste! Nem que seja sozinho.
E assim foi. Numa época de revolução e de separatismo, onde São Paulo
achou que podia mais que o Brasil, ele foi acolhido na biblioteca Mario de
Andrade. Um bibliotecário, a quem ele chamava de Turco por nunca ter
perguntado o nome, lhe deu as primeiras aulas. Marcava com ele sempre a
mesma hora, ao fim de seu expediente e a cada dia, sob as luzes fracas dos
lampiões, Isaias ia aprendendo a soletrar e a escrever seu próprio nome. Depois,
já sabendo ler, foi encaminhado aos livros de matemática, professores
maravilhosos que lhe ensinaram a realizar as operações básicas. Estava salvo em
fim da total ignorância. Mal sabia que deixara de ser um analfabeto completo
para ser um analfabeto funcional. Leria sem entender no entanto o sentido da
mensagem. Seria capaz de ler livros inteiros mecanicamente como um robô sem
entender a sátira, o sarcasmo ou a metáfora escondida por entre as serifas.
Nos anos que decorreram depois, nosso herói nordestino casou-se e teve
filhos. Como, para Isaias toda a dificuldade ainda era pouca e quanto mais difícil
melhor, ele veio a casar-se com uma moça paraplégica. Ele nunca soube dar a
exata explicação por fazer tamanha estupidez mas dizia algo parecido com a
frase preferida dos religiosos que insistiam que a terra era quadrada. “Por que
Deus quis assim”, esta era a sua explicação. Ele sempre dizia que Deus
apareceu-lhe em Sonhos e disse: “Case com a Odete e eu te ajudarei”. Ajudar
Deus não ajudou não, mas ele se sentia melhor em dizer que tinha esta
promessa do cara lá de cima. Não vou insistir nos detalhes deste casamento,
mas o que se conta é que os pais da própria Odete eram contra. Eles nem foram
na cerimônia por considerar aquilo uma bela canoa furada. Na certa aquele
baiano iria se encher logo da mulher deficiente e a deixaria talvez com um, dois
ou mais filhos para criar. Certamente Odete voltaria para a casa dos pais
pedindo ajuda e sobraria para eles a criação e educação dos filho do baiano.
Depois de rotular tudo com previsões que quase deram certo, os pais resolveram
dar uma gelada nos dois. Mas o casamento mesmo assim ocorreu. Não foi com
toda a pompa e circunstância, afinal o baiano era paupérrimo e a paulista que
também era pobre, não tiveram nem o apoio dos pais. Deste casamento
nasceram alguns frutos. Um menino que nasceu num sitio para onde o baiano se
mudou para trabalhar de caseiro e que morreu devido a um raio que caiu
próximo a casa. Este, dizem que morreu de susto. Um outro menino, o Silvio,
nasceu raquítico porque sua mãe passou muita fome perto do parto e acabou
morrendo aos 15 anos vitima de uma anomalia óssea. Um filho adotivo que o
baiano arrumou pelas bandas do Mato Grosso, o Jaime. Esse sumiu de casa aos
17 anos e nunca mais voltou. Uma menina que nasceu com síndrome de down e
morreu aos 26. e este que vos escreve estas linhas. O ultimo moicano. O que
sobrou desta família tão esquisita composta de um pai baiano,sonhador e
maluco, um agregado, três deficientes e um saudável que ficou para contar esta
historia. Uma bela missão esta de contar historias verídicas, mas da trabalho
bem, como diria Macunaíma.
Depois de muito tempo trabalhando muito duro, meu pai, o baiano
Isaias, conseguiu comprar um terreno no Rio Pequeno. O lugar prometia o céu,
assim como todas as religiões de algum modo prometem. Mas depois de um
tempo virou um verdadeiro inferno. Esta, a favela do Sapé, no Rio Pequeno,
começou pelos idos de 1970. Sabe como é, havia um rio onde as casas
despejavam já naquela época toda a sua podridão. Quem tinha rio perto de casa
não precisava fazer fossa, fazer fossa para que se dava para jogar o esgoto no
rio? A televisão já fazia estragos nas mentes dos homens brasileiros. Já aliciava
idiotas a gostarem do maldito futebol, cerveja e automóveis construídos no ABC.
Anos em que os generais já estavam no domínio das mentes idiotas e submissas
que povoavam o poder. Haviam muitas mensagens do patriotismo fabricado
pelos generais na tv, mas nenhuma delas dizia para não jogar os dejetos do lar,
sofás e todo tipo de lixo no rio. Este foi o embrião dos rios Tietê e Pinheiros que
hoje são uma catinga que é só. Esta foi a época do rei Pelé, da musica “oitenta
milhões em ação” que na verdade tinha a letra equivocada porque eram, aos
olhos dos políticos e generais malvados “oitenta milhões em ações”, ações com
as quais eles compravam tudo o que queriam para si e para suas famílias e
davam uma bela banana para os famintos. Dentre as várias perolas que se ouvia
na época podia se ouvir o Delfim Neto dizendo “Vamos aumentar o bolo para
depois dividir”(aqui faltou “entre a gente”, mas deixa pra la...) e uma que nunca
pude me esquecer dita por um velho safado qualquer num discurso: “A idéia é a
de que os ricos sejam cada vez mais ricos para que através deles os pobres
possam ter trabalho e melhorar de vida”, se não foi exatamente com estas
palavras, foi algo bem parecido o que aquele burguês canalha disse e ainda foi
aplaudido pela platéia. Acho que com o tempo nos acostumamos a ouvir merda
e aplaudir. Os generais deram seu jeitinho de expulsar o cérebro do Brasil que
ficava dentro de várias cabeças que não aceitavam a ditadura e aqui só foi
ficando ou os que morriam nos porões da ditadura ou os os que sobreviveriam
ao mau cheiro dos corpos mortos graças á apatia ou ao aprendizado do medo.

Capitulo 2

Mas voltando á nossa historia, as pessoas daquela favela foram obedecendo o


que a bíblia dizia no quisito “crescei e multiplicai-vos e povoai a terra.” E ponha
multiplicaçãoi nisto. A favela cresceu rapidamente. Dizem uns e outros que era
porque primeiro São Paulo crescia, loteavam-se fazendas, construíam-se casas
no meio dos matos e da lama das estradas de terra. Depois, quando a população
cagava nas ruas e colocava muita água verde em valetas fedidas que ladeavam as
casas, o que podemos chamar de esgoto a céu aberto, ai é que o poder publico
vinha com o tal do saneamento básico. Depois que os meninos já estavam com
barriga dágua é que o esgoto encanado se alastrava. Era um processo muito
lento. Para as pessoas que viviam do lado de cá do rio, em suas casas de
alvenaria, o pessoal da favela a pricipio não passava de uns invasores que não
incomodavam. Quando a favela tomou proporções gigantescas, as casas
passaram a não ter mais nenhum valor pois ninguém iria querer comprar uma
casa perto da favela. A favela era a fonte de tiroteios constantes, ratos,
bandidagem e todo o tipo de coisas ruins que uma favela pode propor. Tenho
que falar dos bons amigos que fiz na favela em frente quando criança também,
afinal somos seres sociáveis. A Família do Dirceu era uma delas. O seu
Benedito, pai do Dirceu, do Francisco e do Pedrinho era uma grande figura.
Tinha um coração que cabia um mundo inteiro de gente dentro. Desde pequeno
eu freqüentava a casa dessa família e só fui perceber que o Dirceu não tinha mãe
muito mais tarde. Ela havia morrido e deixado seu Dito com a incumbência de
criar todos aqueles meninos e o velho fez isto o melhor que pode. Lembro-me
que o Dirceu foi um dos primeiros amigos a ter bicicleta e gravador de fita k7.
Ah, tudo o que eu, o não favelado, sonhava na vida ele tinha. Eu devia ter meus
oito ou nove quando comecei a conhecer aquela família de gente boa.
Soltávamos pipa juntos pelos arredores do lugar. Haviam muitos barrancos para
subir na época e matas a explorar. O Dirceu era o tipo do cara que tinha coisas
que não eram dele e eu explico porque. Ele compartilhava o que tinha com os
amigos. A bicicleta vivia emprestada, dei muitas voltas em sua bicicleta e de vez
em quando ele me emprestava o gravador para que eu pudesse ouvir o B.J.
Thomas e o Steev Wonder cantando as mais melosas das musicas de seu
repertorio. Era para mim um grande alento poder ter um amigo chegado como o
Dirceu. O Francisco, irmão mais novo era um grande amigo também e o
Pedrinho, o do meio, sempre tinha um papo cabeça para mostrar que ser
favelado não era ser inculto. Quando a favela em fim cresceu muito, seu Dito
resolveu mudar para uma outra que na época não era tão grande, a favela do
São Remo. Ficava melhor localizada para tomar conduções e lá ele tocaria um
ferro velho. O problema da São Remo eram as constantes enchentes que
assolavam a favela quando chovia forte. Eles perdiam tudo. A vida ia boiando
embora na água fétida da enchente. Quantas vezes eu não fui visitar o Dirceu e a
família depois de uma das malditas enchentes. Quantas vezes seu dito me
acolheu como um filho naquele barraco quando eu não tinha onde dormir.
Houve época em que eu revezava a cama com o Dirceu. Ele dormia nela de dia e
e de noite. Era bom conversar com o seu Dito que tinha uma cabeça bem
organizada no meio daquele caos que era o ferro velho. Era um barraco todo
remendado de madeira o lugar onde viviam mas não faltava aquela gente amor
pelo semelhante e solidariedade.Só para não deixar o leitor curioso quanto ao
destino do Dirceu e família, quando a avenida Escola Politécnica foi construída,
levou consigo parte da minha historia. Hoje eu passo por onde era minha casa,
ao lado da ponte do socego e não vejo mais a paisagem que havia ali. Uma
ponte, um rio que ainda dava peixe cascudo quando eu tinha 4 anos e a favela
que tinha na beira deste rio, a Favela da vila Dalva. Com a Politécnica sumiram
também a favela do Jardim Sara e outras, incluive a favela do São Remo, que era
onde o Dirceu morava. A família ganhou uma casa num bairro próximo ao Pico
do Jaraguá e mudou-se para lá. Foi quando eu perdi meus amigos de vista.
Mudaram-se e sumiram de modo que eu nunca mais os vi. Espero que a vida
tenha lhes dado boas coisas depois que os perdi na nevoa da distancia porque
afinal de contas eles eram gente muito melhor do que muita gente não favelada
que conheci na vida. Na favela em frente de casa moravam também o Sérgio e o
Messias, Dois irmãos e os pais, dos quais eu não me lembro o nome. Também
gente de luta, nordestinos do bem que vieram para São Paulo num pau de arara
e na cidade grande encontraram a favela como única opção de moradia. O
Sérgio e o Messias eram garotos esforçados que estudavam na Escola Brasil
Japão comigo. Enquanto eu, o não favelado, desde os 6 trabalhava vendendo c
doces e sonhos nas ruas, eles tinham apenas a obrigação de estudar e podiam
brincar. Talvez a cabeça do Baiano de lá, o pai dos meninos, era melhor do que a
cabeça do baiano de cá que era meu pai. Meu pai achava normal que eu
trabalhasse enquanto pequeno. Eu acho que ele havia trabalhado quando era
criança e achava que o menino tinha que fazer coisas que ocupassem o tempo e
a mente para não se perder na vida com mas companhias. O Sergio e o Messias
moravam bem no meio da favela mesmo. Para chegar á casa deles eu tinha que
atravessar uma ponte de madeira e caminhar por entre os barracos de tábua por
uns 300 metros. Tinham um barraco bem pobre mas já tinham televisão. As
vezes eu pedia para minha mãe e ela deixava eu ir assistir tv na casa do Sergio.
Eles adoravam cozinhar pedaços de toucinho dentro do feijão. Eu nunca tinha
comido feijão com toucinho, mas confesso que era muito bom. O pai e a mãe dos
meninos eram muito trabalhadores e sofridos na vida. Mas eram pessoas alegres
que sempre que eu via estavam brincando. Com o tempo também saíram da
favela e foram morar em Cotia. Foi nesta época que também perdi contato. Na
frente de casa, quando eu tinha uns dezoito ou dezenove anos,também morava
um menino, o Vando. Esta era já uma outra época favelar onde a bandidagem já
tomava conta de tudo ou quase tudo na favela do sapé. Este menino foi criado
na beira do caos, vendo pessoas morrerem á sua porta. Todos os dias ele vinha
com uma historia diferente de morte. Um dia vira um morto debaixo da ponte,
outro vira um morto na caçamba de lixo e por ai iam suas historias de menino
favelado de tempos modernos. Tempos de violência . Aquela gente alem de viver
ameaçada pelos incêndios que a favela sofre, com explosões de botijões de gás,
com policiais fazendo tiroteio quase todo o dia, enchentes, sujeira e lixo não
recolhido pela administração publica e toda a sorte de ameaças ainda tem que
viver para o hoje, porque nunca sabe se amanhã a favela vai estar de pé. Esta
ai mais uma vez retratada a condição miserável das pessoas que moram nas
favelas. Das pessoas que conheci na favela algumas escaparam e conseguiram
ter uma casa em algum lugar decente mas muitas delas viveram e vão morrer na
favela sem a mínima esperança de sair da pobreza mórbida. Na favela moram
hoje os decendentes de nordestinos que vieram construir São Paulo. E não só
Nordestinos. Mineiros, matogrossences, goianos e gente de todo o pais que veio
para São Paulo para melhorar de vida. Dentre eles muitos negros e mulatos, mas
também gente branca e pobre. O que nivela a casta favelar é a pobreza. Temos
uma dívida histórica com os Negros. Uma dívida de preconceito velado mesmo
após a abolição da escravatura. Mas temos uma divida social muito maior com o
povo nordestino e com os pobres do pais que trabalham para alimentar os
políticos corruptos que roubam os cofres públicos. Os pobres sustentam a TV
com seu império maldito e absoluto comprando os produtos por ela
insistentemente anunciados. Produtos que vão acelerando o fim do planeta em
seu processo de produção, mas viva o capitalismo selvagem, viva o progresso!

Capitulo 3

Mas, eu sai do terreno legal em frente a favela, e sai por algumas razoes que
passo a explicar. Meu pai foi para Rondônia onde viu a possibilidade de realizar
seu grande sonho de ser fazendeiro. Lá ele conheceu o Sr. José Martins de
Oliveira Sobrinho. Um coletor de impostos que dizia ter 1500 equitaries de terra
com uma documentação impecável e que trocaria estas terras com meu pai pela
casa que ele tinha em São Paulo. Casa em que morávamos. Meu pai aceitou a
permuta e em poucos dias José Martins estava com a escritura de nossa casa em
seu nome.1500 equitaries de terra era terra que não se cruzava andando em um
dia de caminhada. Muita, muita mas, muita terra. Eu creio que meu pai tinha a
ilusão de que ter terras era sinônimo de ficar rico. Acho que começava associar
as coisas assim: Quem tem terra coloca gado, quem tem gado aumenta o
rebanho e compra trator, colhedeiras e outros insumos agrícolas e monta uma
bela duma fazenda. Grande engano viveria meu pai. Entrar numa terra em
Rondônia não significava nada disto. Tinha que ter muito dinheiro para
comprar trator, cavalos, bois, gipes e tudo mais. Entrar na terra com uma mão
na frente e outra atrás deu no que tinha que dar, desilusão pura. Minha mãe
quis se negar a assinar os documentos da venda, pois ela não queria ir para
Rondônia e nem ficar sem a casa. Meu pai disse que se ela não assinasse, ele iria
abandona-la e ela então, acoada, acabou assinando a papelada. Meses depois,
meu pai veio a descobrir em Brasília que as terras não eram mais do José
Martins e que os documentos que ele tinha em mãos não valiam nada por serem
documentos vencidos. Foi ai que comecei a observar como era a justiça
brasileira. Caminhos tão tortuosos para os pobres e favorecimento certo para
quem puder pagar o melhor advogado.
Como é que chama mesmo aquele órgão tão afamado? Defensoria publica. É,
caros leitores, minha mãe teve que recorrer a defensoria publica. Ela não tinha
como pagar um advogado para se defender da ação que o Jose Martins moveu
contra nós. Ele queria nos tirar por força de despejo de uma casa que ganhou
roubando meu pai. Em troca de um papel que não valia nada por que não
passava de um documento de validade vencida meu pai deu a escritura da casa
para o salafrário. Pelo que meu pai contou ele esteve no incra de Brasília e foi
atendido por um militar que lhe explicou a situação da Gleba Corumbiara. O
INCRA dava as terras, mas se o agricultor não fizesse benfeitorias em cima desta
terra, o INCRA não revalidava os documentos e a terra voltava a ser da união.
Ou seja, quando você compra uma terra de um dono que não fez nada em cima
dela e não revalidou o documento, você está comprando uma propriedade que
não existe. Isto é um fato. Alias é muito interessante o que um filosofo que não
me ocorre o nome disse sobre fato. “Não existem fatos, apenas
interpretações”.Na interpretação da justiça, que nesta época eu acreditava que
era apenas cega, nos tínhamos que nos mandar da casa porque ela não era mais
nossa. Hoje acredito na justiça, há sim. Acredito que ela é cega, surda, muda,
aleijada e débil mental. Também acredito nos ilustres promotores, advogados e
juizes. Bem, quanto a estes pouparei palavras porque é bem capaz de me
processarem mesmo que eu já tenha morrido quando lerem esta historia. Não
quero que minha família sofra com os infortúnios que já sofri com esta
prostituta chamada “justiça”(quem paga mais pode cometer mais atos
proibidos). Depois de muito esperar em longas filas para ser atendida, minha
mãe deficiente conseguiu uma advogada, da qual o nome faço questão de não
me lembrar. Esta mulher pegou toda a documentação que tínhamos sobre a
casa, desde contrato com a imobiliária, recibos de pagamento e tudo o mais, e
depois de um tempo teve a cara de pau de dizer que havia perdido nossa
documentação. Não sabemos se no meio da burocracia governamental
realmente era complicado confiar alguma coisa aos arquivos, ou se esta mulher
foi comprada pelo José Martins, que era muito influente, para nos dizer
tamanho absurdo. Minha mãe que era pouco letrada, deu os originais dos
documentos nas mãos ou de uma bandida ou de uma irresponsável que os
“perdeu”. Mas, a historia da casa não acabou por ai. Permanecemos na casa, eu,
minha mãe e minha irmã que na época ainda era viva. Como o J.M. (é assim que
vou chamar este bandido agora, para economizar esforços em pronunciar seu
horripilante nome)não podia nos colocar para fora sem uma decisão judicial, ele
morreu seco esperando uma decisão da justiça. Bem feito para ele. Neste caso, a
morosidade e lentidão da justiça de uma certa forma nos favoreceu. Digo isto
ainda por ser bondoso porque a vaca da justiça nos presenteou com muitas
noites de insônia e dissabor por pensarmos que seriamos desalojados e
ficaríamos na rua. Mesmo provando com os documentos que tínhamos que o
vagabundo do J.M. estava querendo se dar bem, ainda sempre tínhamos prazos
adiados e vidas adiadas por este ou aquele magistrado. Por outro lado a casa não
era mais nossa e nem do J.M. . A casa era da justiça. Se era da justiça era
patrimônio publico. Já parou pra pensar que o patrimônio publico é da justiça?
Não é seu, não é meu, então quem decide o que fazer com aquilo? A droga da
justiça. Ela é dona do que não tem dono. Minha casa passou muito tempo sendo
da justiça. Quem decidia se eu podia acentar um tijolo ou não era o Juiz. Eu
quase sentia a presença de um juiz gordo e bonachão dormindo em nossa
melhor cama.Está certo que nem em um de seus piores dias um Juiz iria querer
dormir numa casa tão pobre como a nossa. Me lembro que os sofás que
tínhamos eram sempre doados pelos vizinhos e familiares. Normalmente
tinham buracos em alguma parte do móvel. Ou seja, nunca tivemos moveis
novos enquanto moramos naquela espelunca. Não podíamos mexer em um
tijolo sem pensar que o dinheiro gasto poderia ser perdido.O reboque da casa
caia deixando buracos nas paredes. A massa do reboque fora feita com uma
areia terrosa que meu pai tirou do córrego em frente e derretia cada vez que a
gente encostava na parede. A casa não tinha muro nem portão. As portas e
janelas foram envelhecendo também até chegarem em um estado terrível de
degradação. Nunca podíamos mexer em nada porque tínhamos medo de gastar
dinheiro a toa. Um dia, cansado de tudo isto, vendi uma terreno que havia
comprado a prestação e pago no decorrer de muitos anos e com o dinheiro
apurado mandei fazer o muro e colocar um portão. Nesta época decidi criar
coelhos. Montei um barracão e cobri de telhas brasilit. Comprei varias gaiolas de
coelho e todo o aparato e comecei o plantel. Eu trabalhava na época na
Eletropaulo. Acordava as 5 da manha, buscava capim para os coelhos, limpava
as gaiolas e o galpão e depois de cuidar dos bichinhos ia para o trabalho.
Quando minha mãe adoeceu de câncer e foi de vez para o hospital depois de
muitas idas e vindas a casa ficava sozinha durante o dia. Um belo dia quando
voltei para casa, Os moradores da favela em frente haviam entrado em casa e
roubado tudo o que acharam de valor. E alguns coelhos viraram comida na
panela de ladrões. Lembro-me de um fato muito engraçado, ao menos hoje eu
rio de tudo aquilo que me oprimia. Um pouco antes dos favelados entrarem em
minha casa e roubarem tudo o que acharam que tinha valor eu havia ganhado
um par de cachorros da raça pastor alemão para cuidar do quintal. Como
comiam e cagavam aqueles dois animais. O Hoff e a Keff, sei lá porque tinham
estes nomes. Eu os ganhei pelos idos dos anos 80 e ração de cachorro era uma
coisa assim só para cachorros frescos e gente de grana. Era caro criar um
cachorro na base da ração. Eu fazia todos os dias aquele panelaço de comida
para os dois cachorros marmanjos e eles pareciam nunca estarem satisfeitos
com o que comiam, sempre queriam mais. Eles não eram como o meu antigo
cachorro vira latas, o Bob. O Bob é que era cachorro de pobre de verdade. Comia
qualquer resto de comida que sobrava, ia para a rua para caçar sua propria
comida e nào enchia o saco com este negócio de ficar cozinhando arroz integral
com pescoço de frango, que foi o que me recomendaram a dar aos dois
marmanjos. Mas o Bob havia morrido velho pelado e tremendo. Pegou sarna
braba bem na época de frio. Eu ainda tentei safar o pobre da doença cuidando
dele com banhos anti sarna e passando óleo queimado com enxofre na pele nua
do bicho mas acho que ele estava mesmo na hora de ir depois de fiéis 15 anos
vivendo ao meu lado. Eu vim descobrir que o Bob era caçador quando os
pequenos coelhos fugiam da gaiola e ele os caçava pelo quintal e os segurava
latindo até que eu os capturasse. a principio pensei que ele estava caçando os
bichinhos para comer, mas depois vi que ele apenas os estava segurando com as
patas e esperando por mim. Era já um cachorro desdentado mas ainda guardava
seu brio de caçador. Vezes sem conta eu havia saido com o Bob para os matos
perto de casa e ele havia se embrenhado por uma trilha qualquer e ficava
latindo. Eu nunca havia me ligado nisto, mas provavelmente caçava preás e os
segurava para que eu fosse pegar. Como eu não ia ele acabava soltando os
bichos. Bom, mas estavamos na historia dos dois cachorros não é mesmo?
Dias antes de entrarem pela primeira vez em casa, os ladroes abriram os portoes
da casa, que ficavam fechados só com o trinco e os dois cães, o hoof e a keff,
fugiram para a rua e nunca mais voltaram. Eu, para dizer a verdade, não sabia
se dava graças a deus ou se ficava furioso, afinal fazer comida para aqueles bruta
montes não era nada fácil. Sem contar que eles pegavam bernes, suas orelhas
eram comidas por moscas e eu tinha que ficar cuidando incessantemente destas
coisas com um spray roxo que fedia pacas, além de todo o trabalho que já tinha
com os coelhos.
Dias depois do sumisso dos caes vieram os ilustres visitantes e me levaram até
roupa e sapato novos que eu havia acabado de comprar. O que mais me doeu foi
que levaram um violão que minha màe havia me dado quando eu tinha uns 15
anos no qual eu tinha aprendido a tocar. se aqueles abutres não tivessem me
roubado o violào Di Giorgio, eu o teria até o dia em que vos escrevo.Bom,
roubaram a casa, e dai? o que eu devia fazer? Contratar outro guardião não é?
Pergunto daqui e de lá, me deram um cachorro enorme e horroroso. Tinha
tamanho de hotwille e cara de buldog. Era um bicho que fazia qualquer um
tremer só de olhar para ele. Porém era um bunda mole. Nem latia, acho que
tinha preguiça de se esforçar para produzir algo que não fosse enormes torpedos
que deixava para todos os lados no quintal. Era em fim uma mosca morta, uma
joaninha reencarnada. Bom, joaninha ele não era não pois no segundo dia em
que estava em casa o bruto aprontou uma que me fez dar-lhe as contas. Imagine
que cheguei do trabalho e fui até o coelhario para verificar se estava tudo bem
com meus animaizinhos. Eu tinha uma encomenda de alguns coelhos feita por
um português que morava perto de casa e fui conferir quais coelhos seriam
abatidos. Quando cheguei perto das gaiolas notei que haviam uns cinco coelhos
aleijados. Uns sem uma das patas da frente outros sem as patas de tras. Pelos
para todos os lados. Pois é, o guardião dos coelhos havia feito sua refeição
complementar indo por debaixo das gaiolas e comendo do fruto do meu
trabalho. Naquele mesmo dia coloquei-o na rua dispensando-o dos seus
serviços. Depois disto nunca mais o vi. Amigo do homem uma ova, amigo da
onça.
Pouco depois de eu ficar mais uma vez sem cão para cuidar da casa, entraram
novamente em casa e desta vez levaram todos os coelhos. Lembro-me que
chamei a policia e era já de noite. Vieram cinco viaturas cinzas. Achei aquilo o
máximo. Pensei que iam entrar na favela em frente e recuperar as gaiolas que
eram faceis de encontrar pelo rastro dos pelos de coelho que os ladroes
deixaram. A conversa com o policial responsável foi mais ou menos assim:
---Foi o senhor que nos chamou?
Fiquei até lisonjeado, um policial me chamando de senhor, eu que tinha apenas
vinte e poucos anos.
---Sim. Os favelados entraram em casa e me roubaram gaiolas e coelhos. Já fui
no rastro e sei até onde estão minhas coisas.
---Bom, nós não vamos entrar nesta favela para lhe devolver seus coelhos nem
que a vaca tussa. Veja, quando eu sai de casa eu dei tchau para minha esposa e
não adeus.
---Mas, até eu já entrei ai hoje e vi onde estavam as gaiolas. Vocês só vào pedir
para me entregarem.
---Nada feito amigo. Nós vamos embora daqui é agora antes que os traficantes
comecem a atirar.
E assim eu vi mais uma vez a heróica ação da policia. Heroicamente todos os
motoristas dos camburões ligaram os carros e rapidamente sumiram assim
como apareceram.
Eu, que já havia sido roubado algumas vezes antes fiquei putissimo, mas me
lembrei que quando fui dar parte do roubo do meu carro, os que estavam
fazendo o boletim de ocorrencia, (outra coisa inutil que serve apenas para
provar que não foi você que praticou um roubo com seu proprio carro caso os
"irmão" tenham roubado o carro para assaltar) riu descaradamente da minha
cara dizendo que eu fui ingenuo ao deixar meu carro estacionado na rua. Os
ladroes roubam e com uma velocidade que não imaginamos eles desmontam o
carro em pequenos pedaços vendáveis. Em resumo, tenho o B.O. e o documento
do fusca até os dias de hoje e nunca mais o encontraram.É claro que se eu fosse
um Juiz ou um milionario os policiais teriam corrido ao menos atras para
encontrar o carro. Mas um fusca? Quem liga para o roubo de um fusca que
custou o trabalho de quatro anos para ser pago?
Quando o J.M. morreu, que o inferno o tenha queimando aos poucos, o filho,
ou os filhos do filho da puta, tiveram o bom senso de desistir da causa pois uma
casa velha que ficou bem em frente de uma das maiores favelas de São Paulo
não valia nada. Ao todo, foram uns vinte anos de luta ou mais e zero de
objetividade e decisão da justiça para um ou outro lado. O malvado J.M. ficou
com a posse legal do inferno e foi para lá e nós, ficamos com a posse de fato de
um tipo de inferno na terra.Inferno que se fazia na incerteza da permanência ou
não naquela casa. Incerteza esta produzida pela tal justiça. Esta é a historia do
meu primeiro contato com a justiça brasileira. Uma causa muito simples, onde a
documentação do INCRA estava claramente atrasada e fora de validade e a ma
fé podia ser evidentemente comprovada pela rapidez com que o J.M. tirou a
escritura .O contrato também fora feito como contrato de venda e não de
permuta. Isto mostrava a má fé do coletor de impostos para com meu pai. Nós
tínhamos testemunhas de que o negócio fora feito como permuta. Um amigo de
meu pai, um japonês, o acompanhara até Rondônia na data do fechamento do
contrato. Esta causa rolou por anos a fio dentro de uma justiça lerda, omissa,
emperrada, velha, mofa, cretina, puta e talvez por isto cega ao ponto de não ver
o que estava muito obvio.
Minha outra decepção com a justiça veio ocorrer a uns 6 anos atrás,
quando o baiano maluco me convidou para ir até as terras em Rondônia. Falo
assim, mas eu realmente amava aquele velho sei lá porque. Na verdade ele foi
um pai distante, omisso e me abandonou quando eu tinha idade para sustentar
a casa. Mas tirando estas coisas que a gente até entende depois de um certo
tempo de vida, e perdoa mas não esquece nunca, Isaias era um cara legal. Era
divertido, brincalhão e esforçado. Morreu pobre assim como veio ao mundo,
deixando algumas terras sem escritura e uns poucos pertences que de tão
poucos quase caberiam naquela trouxa que ele trouxe consigo para São Paulo na
sua viagem de pau de arara. Mais ou menos, pelos idos de 1999, a virada do
milenio, fui até Rondônia passar umas férias, depois de muitos anos sem ver o
velho. Foi uma viagem muito boa. Eu já tinha uma filha pequena e uma visão
um pouco diferente de mundo. Nunca me conformei com a idéia de ter um pai
morando tão distante, mas, por umas e outras que passei com o baiano doido,
me acostumei com a distancia. Ele , certa vez, tentara me expulsar da casa na
beira da favela para alugar e usufruir do aluguel. Eu, um filho que sustentei a
casa desde que ele saiu na sua aventura, me vi ameaçado de ir para a rua. O
melhor conselho recebi de um amigo que me disse: “Isto aqui não é seu, saia
desta briga por esta migalha e vá para o mundo conseguir o que é seu. Deixa isto
aqui para o teu pai que você vai conseguir muito mais. Enquanto ficar brigando
com ele vai estar só estar atrasando o processo de conseguir suas coisas”. Alguns
anos depois deste ocorrido eu acabei acatando o conselho do meu amigo de
infância, o Durval. Fui para a Inglaterra buscar meu tesouro onde trabalhei
clandestino por dois anos e quando voltei, abominei a idéia de voltar a morar
naquele muquifo. Nestas férias em Rondônia tudo pareceu uma grande
coincidência. Depois de tantos anos, me dar na louca de ver meu pai e de passar
lá alguns dias e ele me dizer com todas as letras que estava indo embora, que
iria morrer, foi muita coincidência. Eu não levei a sério quando ele falou, é
claro. Achei que fosse mais uma de suas visões de Deus dizendo:
‘’Baiano, ta na hora de cantar para subir”. Mas não era. Ele me mostrou o limite
das terras. Me explicou que aquelas terras foram dadas pelo INCRA mas que
não tinham nenhuma documentação. Se eu quisesse assumir a “Fazenda”
deveria ter uma casa na cidade mais próxima e intercalar a estadia entre a
cidade e a fazenda. Gado ele não tinha, mas estava esperando um dinheiro que
podia transformar em gado. Casa ele não tinha, vivia num rancho de pau a pique
e chão batido. Mas estava fazendo uma casa. Condução para ir a cidade ele
também não tinha, a não ser um cavalo, o moreno que me derrubou num dos
passeios pelas terras e me pisou na mão deixando uma marca que perdura até os
dias de hoje. Ao ver o estado imutável de pobreza do velho, eu propus lhe deixar
um dinheiro para que comprasse uma ou duas vaquinhas e começasse a criar.
Achei que poderia ajuda-lo na cria de “ameia”como dizem por lá. Assim ele teria
seu gado com alguns anos e eu teria também algum retorno, se as cobras não
picassem ou as doenças não levassem o investimento pelo ralo. Depositei na
conta do velho R$ 1.200,00 , numa poupança que abrimos juntos em seu nome
no Banco Bradesco. O fato é que uma semana depois de eu ter deixado
Rondônia, o meu velho veio a ter um derrame. Passou capengando pela estrada
de 18 quilômetros que ligava a estrada de asfalto a fazenda. Aquele caminho que
tantas vezes ele percorreu com um saco de limão nas costas para vender na
cidade, ou um saco de látex que tomava-lhe o formato dos ossos e pisava a
carne, fazendo lhe o esforço da vida bem penoso. Aquele mesmo caminho que,
para quem não estava acostumado, como eu, a andar longas distancias, parecia
interminável. Naquela tarde seria o ultimo caminho a ser percorrido na vida
para o meu velho pai, que não era nem tão velho assim. Quando o vizinho o viu
cambaleando logo o acudiu. Mas, ele era muito teimoso, não quis dormir por ali.
Ainda andou 3 quilômetros até chegar no rancho onde morava com os pássaros
e as cobras. Pediu ao vizinho que fosse vê-lo no outro dia, pois não estava nada
bem. O homem, sertanejo rústico do campo, nem pensou em dormir na tapera
junto ao moribundo. Certamente, como era amigo de muitos anos e nunca vira
meu pai doente, achou que era algo passageiro e cumpriu o que o velho lhe
disse. No outro dia, pela manhã, já encontrou o baiano estirado ao pé da
tarimba. Dormira ali no chão frio e úmido por não ter conseguido chegar até a
cama. A tapera nem porta tinha. O velho sempre me dizia que não tinha medo
de bicho, tinha sim medo de gente. Dali do chão frio, foi removido ainda com
vida para o hospital de Vilhena. Acharam os médicos que os recursos para
lidarem com o derrame cerebral do homem eram muito limitados. A custa de
R$ 2.800,00 conseguiram uma ambulância que levou Isaias para Cuiabá. Me
ligaram de Rondônia, mal coloquei os pés em casa.
---Seu pai está muito mal. Você tem que vir cuidar dele aqui em Cuiabá. Dizia a
mulher do pastor da igreja pentecostal de Vilhena.
Lá fui eu para Cuiabá. Sorte que o emprego que eu tinha era com um primo,
muito compreensivo aliás e, depois de um mês de férias, fiquei mais um 15 dias
cuidando do velho em Cuiabá. Foram várias experiências diferentes que tive ali.
Vi meu pai sendo morto pela precariedade do atendimento do hospital publico
de Cuiabá. Quando eu cheguei ele estava numa enfermaria e logo foi liberado,
mesmo sem estar bom. O médico disse que não podia mantê-lo ali, tinha que
liberar o leito. Lá foi o doente para casa do pastor de uma igreja em Cuiabá. Um
homem que não tinha condições de andar, não falava direito, não sabia nem
onde estava e não defecava o que comia havia dias. Depois piorou novamente.
Levamos para o hospital no dia em que intensionavamos leva-lo de volta para
Rondônia para que ele morresse perto dos seus. Uma semana esperando UTI.
Judiaram do Homem. Entubaram-no a sangue frio em cima de uma maca
qualquer e o deixaram ali sem maiores cuidados. Depois, quando conseguiu
uma vaga na UTI não durou duas semanas e se foi. Quando fui fazer o atestado
de óbito, o homem que atendia perguntou se ele havia deixado bens a declarar e
se tinha mais herdeiros. Eu cai na besteira de dizer que sim. A frase que o
homem escreveu no atestado de óbito do meu pai fez com que o Bradesco
herdasse o meu dinheiro de imediato. Depois de ter enterrado meu velho numa
das cenas mais tristes que já passei na vida, só me restava ir para Rondônia para
ajustar as coisas. Tenho uma meia irmã a quem devia satisfações de alguns
valores que me foram confiados.Haviam as terras sem documentação que ele
deixou para vender e repartir com ela e havia a briga com o Bradesco para
reaver o dinheiro que eu havia emprestado a meu pai. Quando o Homem do
banco soube que meu pai havia morrido e que eu precisava resgatar o dinheiro
foi logo pedindo o atestado de óbito. Quando leu que o finado tinha bens a
inventariar, foi dizendo:
---Este dinheiro você só tira por via judiciária depois de fazer o inventário.
Ali estava assinada a sentença de morte do meu dinheiro. O Bradesco ficou com
a quantia que me foi tão suada para ganhar porque a justiça, mais uma vez me
atrapalhou. Fui a um advogado que me disse que para fazer um inventario iria
pedir muito mais que os R$ 1.200,00. Fui no pequenas causas de Vilhena onde
me pediram para voltar depois de 15 dias. Quando voltei, me disseram que eu
devia voltar dali mais 15 dias porque a pessoa que cuidava do meu tipo de caso
estava viajando. Em São Paulo, fui num desses órgãos que informam sobre
direitos e me disseramque eu teria que lidar com a causa lá em Rondônia.
Imagine, com esta complicação toda se eu vou ter alguma chance de ver meu
rico dinheirinho de volta. Faça bom proveito Bradesco. Provavelmente você
precisa mais do que eu do meu suado dinheirinho.
Mas, isto não é tudo e, se o que eu disse acima lhe pareceu o inicio de um
conto, então lhe dei uma clara idéia do que este texto pretende ser. Começa
agora uma das histórias mais revoltantes sobre a injustiça que virou uma sina.
Nos anos 90 fui sócio de uma empresa com mais 6 colegas de trabalho.
Trabalhávamos todos em empreiteiras da Multicanal T.V. a cabo, onde nos
conhecemos. Abrimos a empresa sem termos um tostão furado. O sócio que
tinha a situação financeira menos precária era o que vos escreve. Eu não morava
de aluguel graças a uma casa construída por minha esposa, tinha meu carro,
velhinho, mas meu. Também tinha uma casa na praia que havia comprado com
o dinheiro que trouxe da Inglaterra, após passar dois anos de escravidão por lá.
Passando-se uns 6 meses em que eu permaneci nesta sociedade, percebi que
nem tão cedo veríamos nossas contas particulares pagas por algum provento. O
dinheiro que tirávamos mal dava para pagar o sócio majoritário, o governo, os
empregados e as demais contas. Num belo dia, quando dois sócios estavam se
batendo até sangrar por causa de dinheiro, os seis vieram até mim e me pediram
contas do dinheiro que eu administrava. Eu provei que nós não tínhamos salário
porque o dinheiro não dava mesmo. Dos R$ 12.000,00 que ganhávamos por
mês, 5.000 ficava para o governo e o resto, mal dava para pagar as despesas e os
funcionários. Como eles insistiram em tirar proventos e para isto escolheram
não pagar os impostos, imediatamente, ao ver o que eu tinha ameaçado virei as
costas e sai da sociedade. A principio só sai de boca, mas alguns meses depois,
quando eles estavam muito bem por terem achado o caminho das pedras, me
pediram que eu assinasse os papeis para sair definitivamente da sociedade. Isto
foi em julho de 1996, a quase 10 anos atrás, visto que escrevo isto em abril de
2006.
Em abril de 2005, quando abandonei o emprego para poder estudar e passei
assim um dos maiores apertos da vida, me apareceu um lançamento estranho
na conta corrente. Estava escrito “bloqueio” e tinha um numero. R$ 400,00
reais era tudo o que eu tinha na conta para as despesas do mês. Sumiram de-
repente sem prévio aviso. Quando procurei saber o pessoal do Unibanco me
disse que era um bloqueio judiciário e que eu deveria procurar um advogado
para resolver o problema. Procurei um dos sócios, o Antonio e expliquei o
problema. Ele ficou muito surpreso com o assalto á minha conta bancária
depois de 10 anos fora da empresa, mas não fez absolutamente nada para me
ajudar a reaver o dinheiro. Por ser uma soma pequena, decidi que não
compensava envolver um advogado na historia porque eu teria que pagar mais
do que este valor para resolver o problema que poderia ser isolado. Um ano
depois, em 06 de abril de 2006 fui ao Bradesco tirar dinheiro e qual a minha
surpresa? Novamente a “Justiça” entrou na minha conta e surrupiou tudo o que
eu tinha. O mesmo aconteceu com todas as contas e subcontas que eu tinha no
Unibanco. A justiça entrou na conta e limpou meu ordenado, minhas reservas,
tudo. R$ 1.400,00 no total foram para uma conta paralela sem a menor
intenção de retornar. Agora que a água me bateu mais diretamente na bunda,
resolvi procurar um advogado para levantar o tamanho da bronca, ou seja, ver
quanto é que a firma com a qual eu não lucrei deve na praça para funcionários e
outros. Sai antes de eles sucumbirem, bem antes. A empresa foi constituída em
fevereiro de 1995 e tem uma história interessante que vale a pena tentar
resumir.

A empresa

Para contar como a empresa apareceu eu tenho que mergulhar em passado


recente onde vejo um homem desempregado. Este homem que vejo sou eu
mesmo com menos aniversários e portanto menos rugas. E, para sair da
mesmice da primeira pessoa onde tudo aparece em um tom monótono e cinza,
vou chamar-me de “ele” sem é claro querer enganar o leitor dizendo que “ele” é
outra pessoa que não eu mesmo.
Ele havia voltado da Inglaterra em 1992. Época difícil para o Brasil de
Fernando Color de Melo. As notícias que teve na Inglaterra sobre o novo
presidente eleito no Brasil foram de que o primeiro presidente eleito após a
ditadura militar não passava de um playboy. Desfilava com carros novos,
lanchas e jet-skis para os paparazis que sempre o colocavam em destaque como
jovem, arrojado. Abriu caminho á importação de produtos de informática, que
antes pagavam impostos absurdos para chegarem até o consumidor brasileiro.
Na verdade, enquanto ele andava pelas ruas frias de Londres ele as vezes ficava
tentando entender para que servia um computador. Já ouvira falar que era coisa
muito boa ter um PC, mas que milagre era este que o computador fazia nas
vidas das pessoas? Para que afinal serviria uma maquina de escrever eletrônica
que tinha que ficar parada ali sobre a mesa com seu tamanho enorme, maior do
que uma maquina portátil? Mas o fato é que no Brasil na época ele era um dos
milhões de habitantes que não conhecia a informática, a cara dos novos tempos.
Mas o Brasil de Color era um Brasil com um alto índice de desemprego e isto
este homem iria sofrer na pele assim que tentasse procurar um ganha pão.
Quando desceu do avião com a namorada apenas os parentes dela a esperavam.
A ele ninguém fora buscar. Já não tinha mãe e o pai morava em Rondônia. Os
irmão de sangue haviam todos morrido de algum tipo de mal. O dollar valia
pouco. Tinha trazido uns U$18.000 que havia ganhada trabalhando muito nas
cozinhas de restaurantes da inglaterra , fazendo faxina em hotel ou como garçon
de ricos bufets judeus. Tivera contato tanto com gente fútil, os ricos a quem
servira nos bufets quanto com gente como ele. Gente estrangeira que estava ali
porque queria fugir da miséria do seu pais e da mesmice da pobresa. U$18.000
não era muito para quem não tinha nada na vida e tinha que começar tudo de
novo. Foi morar com uma tia, uma pessoa que o incentivara a ir para a
inglaterra correr atrás dos seus sonhos. Mulher de fibra que sempre ajudara
parentes e amigos com o que podia. O ônibus que saia do aeroporto de cumbica
e chegava no centro da cidade demorou. Ele se entretia olhando as revistas das
bancas. Na TV do aeroporto os repórteres falavam umportuguês que ele notou
ser muito mais rápido do que o português falado nas ruas. Não sabia que futuro
o esperava naquela cidade onde nascera. O futuro agora em sua mente não
passava de um imenso borrão de tinta escura. Pensou em comprar alguns carros
e vender. Desistiu da idéia assim que viu que veículos automotores não eram
mais um bom investimento. Depois, como passou a morar com a tia que tinha
um pequeno imóvel comercial para alugar, montou com uns amigos uma
lancheria. Vendiam lanches nas ruas do itaim bibi. Bons tempos aqueles, mas
tempos de incerteza. Ele havia se separado da namorada com a qual viveu na
ingleterra. Haviam combinado de viver suas vidas separados por um tempo.
Tudo era muito novo nesta nova fase de sua reconquista do Brasil. Em criança
quando tinha apenas 7 já vendia sonhos nas ruas e engraxava sapatos para
arranjar alguns trocados e ajudar em casa. Sonhava em fazer muitos bons
negócios. Catava esterco de cavalo nos matos para as donas colocarem no
jardim, fazia colares de sementes e pintava com esmalte de unha para vender.
Mal sabia que os colares que fazia eram terços e que eram usados pelos católicos
para repetirem incessantemente um palavreado sem muito sentido nas próprias
palavras. Depois, quando adolescente escrevia seu “livro” andando. Achava uma
perda enorme o tempo que tinha que dispender andando pelas ruas do IPT na
cidade universitária para entregar envelopes aos devidos setores. Então, para
aproveitar o tempo ia escrevendo. Escrevia em um pequeno livrinho de capa de
cartolina verde encadernado por ele mesmo. Escrevia de sua revolta contra o pai
que o abandonara. De sua raiva da pobreza em que vivia e do seu
desconhecimento do porque justo ele tinha que ser um filho de uma família tão
diferente. Mãe paralítica, irmã mongolóide e pai ausente. Nesta época
trabalhava no PauliPetro, um consórcio entre IPT e CESP em que o governador,
na época o Maluf, dizia que iria achar petróleo em São Paulo. Petróleo não
achou não, mas gastou um bom dinheiro tentando. Tinha 15 anos, já se aplicava
no estudo autodidata do inglês. Tinha planos de sair do pais. Seu livrinho verde
seria perdido em algum ponto do tempo. Em alguma mudança. Aos 43 pagaria
um bom dinheiro para ter seus escritos de volta, mas não teria esperanças de
conseguir recupera-los. Depois da época do PauliPetro, onde vendia relógios
comprados na Galeria Pajé para os colegas de trabalho, foi transferido por força
do fim do mandato do Maluf para a Eletro Paulo. Ao fim o Maluf não encontrou
petróleo. Os jornais de um mês antes de sua saída colocaram uma charge onde o
governador tinha um grande nariz de Pinóquio. A cada dia que passava o
mandato do governador ia se extinguindo e o petróleo nunca era encontrado. No
jornal a charge do governador ia tendo o nariz cada vez maior. Colocaram o
desenho na diagonal e ele foi ocupando a folha toda, depois virou para a outra
pagina e só deixaram o nariz do governador em paz quando finalmente o
mandato acabou e ficou provado que o consórcio Pauli Petro era uma grande
mentira e uma fachada para movimentar o dinheiro público de forma duvidosa.
Nosso personagem, criado pelas políticas publicas da “maravilhosa”ditadura
militar, tinha uma certa revolta contra o Brasil. Não sabia porque. Muita raiva
contida por nadar, nadar e não conseguir sair da praia. Passou a ter ódio até do
Brasil. Estudava inglês cada vez com mais afinco para poder sair do país assim
que pudesse. Não sabia o que deveria fazer com sua mãe e sua irmã, mas tinha
certeza de que devia se preparar para viajar para o exterior onde valorizassem
mais as pessoas e o trabalho. Ouvia historias de gente que havia ido para os
EUA e tinham feito a vida lá. Pensava que o Brasil só lhe tinha dado pobreza,
miséria e problemas. Não podia depender do poder público para nada. A escola
que freqüentava era um exemplo disto. Professores mau humorados que davam
a matéria nas coxas. A Escola estadual se mostrava apenas mais um tipo de
clube onde os alunos se reuniam para conversar do que um lugar que realmente
instigasse a pesquisa ou ao aprendizado real e profundo das coisas. Os militares
acabaram com a educação no pais. Esta era a sua opinião. Fora a ditadura ele
pregava, mas não sabia nem porque. Na Eletropaulo causou um grande
desconforto um pouco depois que foi jogado naquela agencia suja de Osasco. O
cenário era de buteco. Rua Minas Bogasian esquina com a Antonio Agu. Filas
imensas de gente querendo resolver problemas com a companhia de
eletricidade de São Paulo. Entre pedidos de ligação nova, desligamentos
temporários para reforma, constatações de fraudes e outros serviços
requisitados ele ficava observando seus companheiros trabalharem feito
escravos para ao fim do mês receber a merreca de sempre. O poder aquisitivo
havia caído muito com a inflação disparada e havia muito descontentamento.
Mas as pessoas que tinham emprego ainda davam graças a deus de poder
alimentar suas famílias. Junto com ele, ali naquela agência fétida trabalhavam o
Jéferson, o Guimarães, o Paulão, o Ricardo e havia o chefe e o subchefe. O chefe
era o Armando, um homem que acreditava na dominação pelo terror. Um bom
aprendiz dos generais. Implicava com o Guimarães, um senhor que já tinha lá
seus 50 anos de idade e dizia que ele era velho e molenga. Dizia que o Jéferson,
um negro distinto e jovem que trabalhava por dois, era mole e preguiçoso.
Desrespeitosamente chamava o Jéferson de “Negão” sem perguntar se
agradava-lhe o apelido. Creio que o colega negro detestava tanto o apelido
quanto o mau chefe, mas precisava do emprego para sustentar a família e ia
agüentando as chacotas e humilhações que o Armando, o rei da cocada preta
que trabalhava bem pouco fazia frequentemente.Não era só com os dois que o
chefe implicava, era só um dos colaboradoes virar as costas que ele já começava
a falar mal e defecar suas chacotas e asneiras. Era moreno escuro mas se achava
branco pois vivia contando piada de “preto”. Era gordo preguiçoso e se achava
muito engraçado. Os funcionários que tinham que conservar o emprego a
qualquer custo riam de suas piadinhas sem graça. Não tinha cultura e não fazia
questão de mudar sua ignorância inerte e arrogante. Havia também o subchefe,
muito esforçado e puxa saco do chefe. Era o Gilberto, o Giba. Era até um homem
bom mas se deixava levar pela ambição de um dia ser chefe daquela pocilga de
arquivos cebosos e velhas mesas de atendimento. Gilberto era calvo e magro.Os
funcionários da agencia apelidaram a dupla de chefes de “O gordo e o Magro”.
Carne e unha os dois, um afagava e dava uma de amigo com uma conversinha
mole e o outro batia e dava as piores broncas. Ambiente bem diferente aquele da
Eletro Paulo. No Paulipetro ele trabalhara com gente culta e inteligente. Ali, a
maioria, inclusive o chefe não tinha nem o colegial completo. Poucos
estudavam. Ele entrou no cursinho do Anglo assim que iniciou o ano. Trabalhou
por um tempo próximo da avenida Paulista. Parecia um outro mundo aquele
das vizinhanças da Paulista. Bons restaurantes de quilo, boa comida. Quando
freqüenta os restaurantes imundos que há nas redondezas da Minas Bogasian
ele se lembra do restaurante chinês onde comeu frango xadrez pela primeira vez
na Berrini onde era a cede do consorcio Paulipetro. O ticket que o consorcio lhe
fornecia para almoçar também valia mais do que aqueles valinhos improvisados
que a eletropaulo lhe dava. Tão improvisados que um funcionário teve a idéia
infeliz de copiar numa xérox e comer a valer as custas da eletropaulo. Foi preso
é claro o funcionário ladrão de comida, mas a culpa maior era da precariedade
do sistema de alimentação que a Eletropaulo fornecia aos funcionários. Eram
restaurantes pequenos e normalmente os tais “sujinhos” que tinham uma
comida gordurosa e uma higiene duvidosa. Como ele fora transferido para a
Eletropaulo sem poder escolher seu novo local de trabalho, ali estava naquele
pequeno inferno e mal podia esperar para entrar na faculdade e se formar para
deixar aquele lugar de opressão. Certa feita resolveu enfrentar o chefe Armando.
Ocorre que sua mesa ficava bem próxima da mesa de Armando e ele podia ouvir
dali todas as chacotas e reclamações indevidas que o chefe fazia. Não suportava
mais aquele idiota falando mal dos seus colegas, principalmente do Jéferson.
Havia travado boa amizade com o afrodecendente e se doía cada vez que o
malvadão do chefe mentia sobre o amigo. Ele presenciava o ritmo de trabalho
do colega e via que era o mais esforçado de todos os que ali trabalhavam.
Naquele dia ele jogou o futuro para o alto. Não se importava se o despedissem
mas não podia continuar ouvindo aquele arrogante falar. Foi quando disse:
---Armando, preciso falar com você.
---O que é, não vê que estou ocupado agora, dá um tempo.
---Bom, é que você sempre está ocupado, então eu quero falar agora.
---EEEE....o que deu em você ô boysinho do Rio Pequeno?
---O que deu em mim? Bom o que deu em mim, disse ele chegando mais perto
da mesa de Armando. O que deu em mim é que eu estou cansado de ouvir suas
piadinhas preconceituosas e de ouvi-lo reclamar sobre os funcionários que estão
dando o melhor de si.
---Como assim?
---Bom, eu falo como assim. Vamos reunir todos os funcionários que eu digo
como assim.
---Há. Ele quer uma reunião geral. Ta bom. Vamos lá pessoal, reunião geral.
Armando, numa tentativa de envergonhar o rapaz chamou a todos os
funcionários e disse.
---Ai pessoal, o Boysinho do Rio Pequeno chamou uma reunião com todos,
parece que ele tem alguma coisa para falar que é de muita importância. Fala
agora ô Boysinho.
---Bom, eu quero dizer a vocês, ele começou a dizer calmamente, que nosso
chefe, o Armando, quando vocês viram as costas, fala mal de todo mundo aqui.
Do Guimarães ele diz que é um velho molenga, você se acha mole no trabalho
Guimarães?
---Claro que não. Eu faço todos os dias o melhor que posso. Penso em meus
filhos e não quero perder meu emprego.
---Pois é, para o Armando o que você faz é sempre merda! Sim, merda porque
sempre que você vira as costas ele diz: Olha, já fez merda de novo.
---Poxa, disse Guimarães, porque você nunca me disse que achava que eu fazia
coisas erradas Armando? Eu confiava tanto em você e o tinha como amigo.
---E não é só isto, o Jéferson ele chama de negro preguiçoso e de outros apelidos
pejorativos. Diz que é confuso e lerdo no que faz. Você acha que é isto mesmo
Jéferson?
---Claro que não. Eu também sôo a camisa todos os dias no meio destes
arquivos empoeirados para conseguir atender a todos os pedidos. Por que você
acha que eu sou lerdo Armando.
---E você Paulo? Acha que seu trabalho é falho tanto quanto ele fica falando.
E assim, o rapaz foi enumerando vários episódios em que o Armando falava mal
de cada um dos funcionários. Todos ficaram perplexos e muito irados com o
Armando. Por sai vez Armando ficava sem poder falar nada pois como era um
ambiente aberto e, mais funcionários já o haviam ouvido reclamar injustamente
dos colegas, não deixaram o rapaz na mão.
---Eu também ouvi o Armando falando que o Jéferson era mole, disse Ricardo.
Nunca concordei com isto, afinal o negão, como diz o Armando, é um dos caras
que mais trabalha duro por aqui.
E assim foi o diálogo esquentando e as roupas sujas sendo lavadas.
Um dia depois do ocorrido o Rapaz dava o seu emprego por perdido. Quando
voltou a trabalhar foi transferido para uma seção da Eletropaulo onde se faziam
requisições de braçadeiras e parafusos. Foi na verdade enconstado em um canto
qualquer como se enconsta um lixo. Não podia ser despedido porque não fizera
nenhum roubo ou coisa grave, mas podia ser transferida para o pior setor que a
Eletropaulo tivesse.
Ele aceitou com resignação, mas seu plano era estudar e assim sair daquele
ambiente de opressão. No outro setor encontrou um chefe mais compreensivo e
culto. Um Negro chemado Pio. Viria a reconhecer que a antipatia que mantinha
por Pio era apenas uma arma que desenvolvera contra os chefes. Pio se mostrou
um homem muito bom quando lhe permitiu que fosse as seções de psicoterapia.
Por ter a família toda deformada sua cabeça estava quase estourando. Não
conseguia ver um futuro. Sua mãe era muito boa mulher, mas era paralítica e
dependia dele totalmente. As seções de psicanálise o ajudavam a lidar com
aquela situação. Sua casa ainda era na beira daquela favela e ainda estava sob
demanda judicial. Não podia fazer nada na casa que caia aos pedaços a não ser
esperar dias melhores. Não tinha namorada porque fazia questão de levar todas
as que arranjava em casa e mostrar sua situação. Mãe paralítica, irmã
mongolóide e pai que abandonou o barco. A maioria das meninas que levava em
casa e mostrava esta situação sumiam no outro dia. Elas não se viam tendo uma
sogra paraplégica e uma cunhada com síndrome de down. Elas vislumbravam
um futuro melhor do que morar na beira daquela favela. Não queriam saber se
as coisas um dia poderiam mudar ou não. Pio dava bronca quando ele chegava
atrasado. Ele por sua vez chegava atrasado todos os dias. Esta era a época em
que criava coelhos em casa. Alimentava os coelhos pela manha e a noite e
sempre achava mais importantes os coelhos do que seu próprio trabalho.
Estudava sem parar. Tornou-se amigo dos livros e inimigo de quem inventou o
vestibular. Entrou no cursinho mas nem sempre assistia todas as aulas. As vezes
saia da aula e ia para casa estudar. Sua mãe achava que estava ficando louco de
tanto estudar. Seu quarto era cheio de livros, pilhas deles por todos os lados.
Quando tinha duvidas gostava de estar cercado de muito material para
consultar e dirimir duvidas. Em meio a toda esta batalha resolveu ser
veterinário. Talvez apenas por gostar de bichos. Prestou vestibular na USP.
Morava perto da universidade e quantas vezes não havia passeado por suas ruas
e brincado em suas estátuas. A cidade universitária sempre fora um lugar
mágico para ele. Ele havia se apaixonado por aquele lugar e decidira que um dia
iria estudar ali. Prestou vestibular e faltaram vários pontos para passar na
primeira fase. Também prestou vestibular no mackenzie onde passou na quinta
lista. Porém, no Mackenzie não havia faculdade de veterinária e prestou para
biologia por achar que era algo parecido. Ledo engano. Quando se deparou com
a realidade foi tarde. Quando entrou no Mackenzie sua mãe adoeceu de câncer.
Primeiro a bixiga foi retirada, depois o câncer passou para o útero e por fim de
dois anos indo e voltando do hospital a metástase veio a chama-la para o
desaparecimento do mundo dos vivos. Ele já havia passado muito tempo sendo
o arrimo de família. Pio, seu bom chefe negro foi quem se mostrou mais
solidário na morte de sua mãe. Correu atrás de toda a documentação necessária
e deixou-o tranqüilo. Deu carona a todos os seus amigos da Eletropaulo que
quiseram ir até o enterro. Dispensou-o por alguns dias para que pudesse
refrescar a cabeça e voltar para o trabalho. Quando em fim ele voltou a trabalhar
lá estavam seus novos companheiros que lhe apoiaram e fizeram de tudo para
que ele se sentisse bem. Ele então chamou a pai que morava em Rondônia e
explicou que não poderia cuidar mais da irmã pois precisava trabalhar. As
vizinhas com quem deixava a irmã para ir ao trabalho não cuidavam dela
direito, não lhe davam banho e comida. Ela precisava de cuidados especiais. Ele
não encontrava forças para trabalhar, estudar e ainda cuidar da irmã quando
voltava a noite pelas tantas. O pai, vendo a situação do rapaz concordou em
levar a menina. Estava com mulher nova e ela disse que ajudaria a cuidar da
menina. Nos primeiros anos em que sua mãe adoeceu ele havia arrumado uma
namorada a qual não se assustou com a sua situação talvez por estar apaixonada
o suficiente. Quando sua mãe veio a falecer ele estava firme namorando com
esta garota. Mas seu desejo de viajar, de sumir daquela casa onde por varias
noites ouvira os passos arrastados da mãe pelo cimentado rústico, a necessidade
de voar para outras paradas e tentar uma nova chance de melhorar ia crescendo.
Com o tempo percebeu que se fisesse biologia iria parar em alguma escola do
Estado e dar aulas para pessoas tão desinteressadas como ele o fora. Repudiou
esta idéia depois que fez um pequeno estágio de dois meses dando aulas no
mesmo colégio em que estudara. Depois que fora obrigado a separar brigas de
meninos em sala de aula e que vira que sua voz rouca pouco adiantava para
conter a fúria infanto adolescente daquelas crianças desistiu totalmente da idéia
de ser professor. Desistiu então da faculdade e do emprego e, depois de vender
tudo o que tinha e de trabalhar de sol a sol como camelô nas ruas da cohabe
tiradentes para conseguir dinheiro para sua passagem, viajou, sumiu,
escafadeu-se para a inglaterra. Deixou para traz o pai que o rejeitara e a
namorada briguenta com quem não queria mais nada, a casa velha, a vida de
problemas e foi em busca de uma vida diferente. Uma vida melhor em outro
pais. Um pais frio mais que ao menos valorizava trabalho duro. Um primo, o
Wilson Macedo o levara ao aeroporto e dissera: “Que seja bom enquanto dure
primo, como diria o Vinicius” e Duraria 2 anos sua breve estadia na Inglaterra.
Agora estava ele ali de volta. O negócio de lanches logo chegou ao fim quando
seu amigo, o Wilson, resolveu ir cuidar da vida de outro jeito. Repartiram as
tralhas que compraram e

Quando sai tudo parecia sob controle. Hoje nenhum dos sócios tem conta
bancária, só eu, que não sabia dos processos e nem que a justiça seria tão cega
ao ponto de não ver o que os documentos provam, iria me crucificar em favor
dos outros 6 e pegar o pãozinho ganhado com suor para pagar sei lá quem, que
nem empregado meu nunca foi.
Daí se fala em responsabilidade social. Se você abriu uma empresa e
mexeu com gente, deve estar pronto para arcar com as conseqüências. No
documento expedido pela junta comercial diz que ao sair da sociedade o ativo e
o passivo da empresa ficariam sob a responsabilidade dos que ficaram. Sim,
daqueles que ficaram e ganharam muito dinheiro depois que eu sai. Eles
deveriam ter mantido um caixa para saudar as dividas com empregados.
Deveriam ter pago os impostos em dia, apesar de que su só apóio isto por ser a
coisa mais tranqüila a se fazer. O governo não merece que nós, os súditos
miseráveis e sem direito a dizer não paguemos os impostos. Não merece porque
aplica mau e não nos consulta quando coloca nosso dinheiro nos fura filas da
vida ou em obras faraônicas que acabam abandonadas. Não há conselhos
compostos por cidadãos que consiga reverter um investimento absurdo de uma
prefeitura ou de um governos estadual ou federal. Elegemos aqueles que tem
dinheiro para aparecer na mídia ou aqueles que tem um discurso bonitinho e
mais elaborado.Depois estas pessoas, se é que podemos chama-los assim,
entram na panelinha da política e, ou são obrigados a fazer falcatruas para
sobreviver, ou já entram lá com a intenção de se dar bem mesmo e dane-se o
povo. Longe de querer fazer aqui um tratado sobre a política, assunto do qual
eu, como bom brasileiro medíocre sei muito pouco, quero fazer deste texto um
protesto contra a lentidão da justiça, contra a nossa ignorância a respeito dos
nossos direitos e contra abusos contra o patrimônio alheio que podem ser
causados por advogados bem intencionados que não consultam as evidencias
como deviam e usam de prerrogativas generalistas para conseguir ganhar
causas e também ganhar dinheiro.

Capitulo 4
Nos capítulos anteriores vomitei tudo o que pensei, mesmo que de uma
forma bem leiga sobre as três situações em que me vi as voltas com a justiça
brasileira.Acho que durante o decorrer deste texto eu não vou conseguir separar
a razão dos fatos da minha indignação contra o que acho que são injustiças. Vou
dar um exemplo do que acho injustiça mesmo que o ocorrido pareça algo
totalmente justo. Eu costumo me locomover na cidade de São Paulo de
motocicleta. É um meio maravilhoso e perigoso de chegar rapidamente onde se
quer chegar numa cidade onde as pessoas preferem ficar paradas em suas jaulas
sobre rodas do que utilizar a moto, a bicicleta, o ônibus, o metrô ou uma forma
muito antiga de se locomover mas que ajudaria muito resolver o problema do
excesso de carros, a carona. Seu carro tem lugar para cinco pessoas, mas você
anda com apenas um quinto da capacidade. O volume de ar que você carrega
todos os dias para lá e para cá faz muita diferença quando juntam milhares de
pessoas como você que também carregam ar ao invés de dividir o carro e as
despesas com outras pessoas e o resultado é o que chamamos de
congestionamento. Cada um por si, esta é a lei do transito. Então, eu ia
descendo a Raposo Tavares, sentido Pinheiros, Na sua ultima descida que fica
antes de um farol. Ia pelo corredor e resolvi mudar de faixa, cruzando assim a
pista do meio para chegar no outro corredor. Quando eu estava quase chegando
no outro corredor, uma perua Van brecou em minha frente fazendo sair fumaça
dos pneus. Eu fiz de tudo para desviar, mas bati com a moto no pára-choque da
Van. Erro meu por calcular que o motorista da frente iria continuar andando.
Eu bati atrás, teoricamente eu estava errado. Mas por um reflexo do motorista
da frente, que até saiu e perguntou se eu estava bem, eu paguei R$ 500,00
(quinhentos reais) no concerto da moto. Na hora não deu para ver o estrago que
a batida tinha feito no chassi da moto. Foi causado um prejuízo, que não é o
primeiro do gênero, com o qual eu arquei porque mesmo que eu pegasse o
telefone ou endereço do motorista da frente não ia ter como aciona-lo na justiça.
Se o fizesse, além de pagar os estragos feitos pela brecada seca e inadvertida que
ele deu, iria ter que pagar um advogado para mover uma causa a qual eu, como
leigo, não tenho a mínima ilusão de que ganharia. Afinal quem bateu no carro
dele fui eu. Não é a primeira vez que pago caro pelo concerto da moto quando
um motorista me derruba no corredor, então já estou meio acostumado a levar
este tipo de prejuízo .
A demanda que originou este texto certamente vai ser longa e difícil e
pretendo registrar aqui minha luta por conquistar novamente o direito de ter
uma conta bancária sem desconfiar que a justiça do trabalho irá a qualquer
momento entrar na conta e subtrair tudo o que ganhei durante o mês de
trabalho. Parece que a justiça, por uma infeliz coincidência, sempre escolhe
épocas em que eu estou saindo de um buraco profundo, causado por percauços
da vida, para diminuir minha auto estima e poder de consumo. Em abril do ano
passado, como eu contei acima foi quando eu sai do emprego para estudar
biblioteconomia. Neste abril passado, foi quando, sofrivelmente me livrei do
IPVA, que eu acho um imposto absurdo(afinal é um imposto extorcivo e não
serve para melhorar as ruas) e das despesas com dentista. O fato é que naquele
sábado em que trabalhei para o bem da justiça, fui ao banco e minha conta havia
sido saqueada. O que eu fico impressionado é que meu dinheiro sumiu porque a
justiça pegou e eu não tenho sequer o direito de mostrar uma documentação
que prover que foi um engano da justiça. Ou será que não foi? Será que depois
de ter saído a 10 anos da firma quando esta ainda estava em dia com
funcionários, eu tenho que arcar sozinho com o pagamento de uma dívida que
deveria ser dividida em 7? Fiz estas perguntas a um advogado cujo nome não
pretendo divulgar porque ele passa a fazer parte integrante das minhas
observações daqui para a frente. Vamos ver quanto me cobra um advogado para
me defender de um problema que ao que me consta não passa de um erro
judiciário. Ou seja, eu perdi dinheiro e ainda tenho que arrumar mais para
pagar o advogado. Isto ainda suscita uma outra pergunta. Quem garante que um
dia vou ver meu dinheiro de volta?

Capitulo 2
Eu peguei o telefone e disquei o número que havia anotado em
minha pequena agenda preta. Há vários dias eu tinha me programado para ligar
para Raige mas seus horários nunca permitiam. De segunda a sexta ele ia para a
faculdade pelas 8 da manha e depois da aula, fazia os trabalhos academicos que
conseguis nas poucas horas que o separavam de ir para o trabalho. Lia andando
os livros obrigatoris das disciplinas para ganhar tempo. Do estacionamento á
sala de aula e do estacionamento á biblioteca em que trabalhava ele ia andando
e lendo. Sempre virava algumas páginas durante o dia. Um pouco de um livro,
um pouco de outro, assim ia, de vagar construindo a sua bibliografia e o seu
pensamento. Mas, naquela sexta feira ele havia reservado um tempo para ligar
para Raige. Ele iria trabalhar a tarde e não tinha aula pela manha.
---Alô, quem está falando?
---Raige.
---Olá Raige, meu nome é Ras, tudo bem?
---Claro, me desculpe Ras por não ter ligado antes. Eu soube do seu caso pela
minha irmã. Você respondeu meu e-mail com as perguntas sobre o caso, mas eu
ainda não tive um tempo para levantar os dados.
---Fui até a junta comercial ontem e peguei uns documentos que comprovam
que eu sai da firma em 96, quase exatamente a 10 anos. Passei na mensagem o
numero do processo e o banco me disse o numero da vara onde ele está.
---Há, estou vendo a sua mensagem aqui. Está na 60ª não é?
---Sim. Também pedi ao banco que me enviasse um comprovante de quanto foi
sacado da conta pela justiça e estou aguardando.
---Isto é importante. Eu vou levantar de quanto é a bronca para ver se compensa
mexer-mos nisto ou não. Talvez o que você vai gastar para tentar reaver o
dinheiro não compense.
---Isto significa que eu perdi o dinheiro? Ele perguntou mei atordoado.
---Não, mas quem sabe fazer algum acordo.
---Bom, a única coisa que posso pensar, se a divida for muito grande é que,
como tenho uma casa no meu nome que na verdade vendi para um dos sócios e
não passei a escritura por falta de pagamento, poderia penhorar esta casa no
valor da dívida.
O advogado do outro lado fez um silencio que o deixou pensando. “acho
que ele está pensando que sou desonesto por querer pagar o prejuízo com a
casa....sei lá o que está pensando, ele não me conhece...”
Ras Voltou a falar:
---Olha, eu sei que esta proposta parece esquisita e controversa, mas o sócio que
me comprou esta casa o fez com o lucro que obteve da empresa. Eu entrei e sai
sem ganhar nada e estou pagando o prejuízo. Nada mais justo do que o sócio
que lucrou arcar com o prejuízo.
Raige não disse uma palavra sobre isto do outro lado. Ras refletiria depois que
havia se precipitado em dizer aquilo. Todos aquém mencionava aquela idéia
achavam um absurdo. Agora ele acabava de crer também que era um absurdo
oferecer a casa á justiça, mas não era um absurdo perder o salário inteiro de
dois meses por um erro judicial. Ele realmente estava confuso.
---Bom, Disse Raige, eu vou pedir que levantem a bronca no fórum central e
conversamos depois.
---Se eu não puder ligar, por favor me ligue no serviço.
Ras havia levado duas semanas, três talvez, ruminando o ódio que sentira
quando viu o desfalque em sua conta. Tinha planos de viajar para um congresso
na Bahia em julho, tinha planos de quitar algumas dividas pendentes a meses.
Mas agora, toda a economia que tinha em sua conta havia evaporado como num
passe de magia negra. Como podia. Tinha raiva cada vez que lembrava daquele
sábado em que foi ao banco Bradesco e viu um saldo zero onde devia ter no
mínimos 200 reais. Desconfiou. Foi até o Unibanco, onde tinha conta e verificou
o saldo. Maldita coincidência. Também não tinha nada. Nas subcontas de
poupança? Zero. O convenio de sua filha para pagar, o cartão de crédito, contas
de água, luz, telefone e eletricidade, licenciamento do carro, gasolina do mês,
tudo por pagar. Mas a justiça é cega. A esta hora o advogado da outra parte já
deve estar fazendo a festa com o salário de 2 meses que conseguiu saquear via
judiciaria da conta de Sar. Voltou para a moto branco, pálido. Parecia um filme
que havia assistido onde bagunçaram a vida de um homem acabando com a sua
identidade. Seu cartão não funcionava mais, seu dinheiro fora tirado todo do
banco ou bloqueado pela justiça.Ocorre que no filme a justiça vigente era
corrupta e estava mantendo o personagem principal numa prisão domiciliar e o
vigiando para que ele não revelasse segredos que poderiam destruir o sistema.
Total Recal era o nome do filme, com Arnold Shwazneger. Mas no caso de Sar
não havia segredo nenhum. O que poderia haver era um mal entendido. Será
que depois de 10 anos ele era responsável por ações trabalhistas que
funcionários que trabalharam depois da sua saída da empresa moveram? Mas
agora, ali naquele sábado frio e nublado de abril, restava a ele o sentimento de
abandono e descaso. Os outros sócios nem sabiam da sua situação e nem
queriam saber. Ele não teria dinheiro para pagar todas aquelas contas, mas
quem se importava com ele? Problema seu.
Subiu na moto e foi para casa pela Vital Brasil afora. Sentimentos muito
ruins o acompanhavam. Se ele pudesse, chingaria muito o juiz que decidiu,
talvez sem analizar os autos do processo com cautela, assaltar sua conta
bancária porque um dia ele foi sócio daquela empresa falida. Percebeu que não
podia ter conta bancária enquanto não resolvesse o problema. Certamente a
justiça iria caçar cada centavo que estivesse em uma conta sua e lhe roubar. Não
era um sem terra, mas em breve seria um Sem conta. Perderia o direito a todos
os benefícios que sua conta de cinco anos no Unibanco lhe dava. Cheque
especial, talvez perderia o cartão de crédito e outras coisas das quais agora não
conseguia se lembrar. Tudo por uma historia que começou a pouco mais de 10
anos atrás quando resolveu ser patrão sem a mínima experiência nisto. Ser
patrão foi uma experiência terrível para Sar. Era mais ou menos igual a ter um
monte de filhos. O governo torna os empregados filhos dos patrões. Filhos mau
criados, que a qualquer divergência fazem o patrão enfrentar audiencia e mais
audiências para se defender das historias que inventam. Na verdade os filhos
não inventam nada. Quem inventam são os advogados que eles contratam.
Perguntam mil coisas para tentar extrair o máximo da situação e se darem bem.
Sar não tivera na vida muita sorte com este tipo de coisa. Dois patrões que ele
colocou na justiça por causa de valores não devidamente recebidos nem
compareceram a audiência e portanto não pagaram nada. Para ele a justiça não
valeu quando era empregado, mas para os outros estava valendo. Subiu a
primeira ladeira da raposo ainda notando o caminho, depois, colocou no piloto
automático e veio se dar conta de que estava quase chegando em casa e não se
lembrava de ter passado por vários pontos da estrada de tão absorto em
pensamentos que andava.
---Tudo bem? Disse lhe a mulher quando entrou em casa.
---Não, respondeu Sar. Eles me tiraram dinheiro da conta novamente.
---Ai meu deus! Quanto?
---Desta vez foi R$ 200,00 de uma e R$1200,00 da outra.
---Não acredito.
---Pois pode acreditar.
---Poxa. Eu te falei que você deveria ter mexido com isto antes. Porque esperou
tanto? Agora veja só o estrago.
---Bom, é que da outra vez, respondeu ele, foram 400 pratas. E por causa deste
dinheiro eu teria que gastar sabe deus quanto com um advogado. Eu estava
duro, ao me rançarem R$ 400,00 da conta, me deixaram pior. Agora se eu fosse
ter que gastar com um advogado, imagine quanto pior eu estaria.
---Mas veja agora. Você no fim das contas está muito pior agora.
---Tem razão. Não sei o que vou fazer. Tenho muitas dúvidas e nenhuma
resposta. Será que eles podem tomar nossa casa mesmo ela estando em seu
nome? Será que eles podem tomar meu carro mesmo estando alienado? Será
que eu nunca mais vou poder ter conta bancária?
---Temos que perguntar a um advogado.
---Mas quem, onde, como? Tenho medo deste tipo de profissional. Tem que ser
alguém de confiança.
Depois de pensar um tempo, Lara disse:
---Aquela sua amiga que te ajudou ano passado a desvendar o sumisso dos R$
400,00. Será que ela não pode te ajudar?
---Sei lá. Eu não sei se devo importuna-la com o mesmo assunto novamente.
---Seu primo talvez, disse Lara. Ele poderia ao menos te dar uma luz. Talvez
dizer a quem procurar. Talvez ele conheça alguém de confiança.
---A luta vai ser pesada. Tenho que reunir forças para lutar desta vez. Não posso
deixar que tomem conta de minha vida e me roubem o tempo todo sem fazer
nada.
---Isto mesmo. Levante-se e lute.
Sar dizia que iria se comportar de forma diferente desta vez, mas no fundo ele
estava destruído. Todo o esforço que vinha fazendo havia meses tinha ido pelo
ralo num só dia. Passaria dias e dias sem falar muito, pensativo. Pensaria em
todas as saídas possíveis daquele embrolio em que se metera por inexperiência.
Devia ter exigido dinheiro para sair da sociedade. Devia ter guardado aquele
dinheiro para este tipo de eventualidade. Talvez jamais devesse ter entrado de
sócio com pessoas que mal conhecia. Lembrou-se de quando, depois de ter saído
da empresa, trabalho de empregado para os ex-socios. Nunca fora tão
humilhado na vida. Os sócios o admitiram apenas para que ele assinasse a saída
do contrato social. Quando ele assinou os papéis, advinha. Pé na bunda. Foi
dispensado. Não lhe perguntaram se a esposa que estava grávida tinha abortado
e precisava de cuidados. Não lhe perguntaram se tinha condições de se virar
sozinho. Mas ele parece que sabia que isto iria acontecer. Tinha se preparado.
Havia montado sua própria gráfica rápida. Faria cartões de visita, panfletos e
imprimiria camisetas. Sim, ele teria sua própria empresa. E agora sozinho, sem
a ajuda de ninguém. Mas, as coisas não caminharam para um lado bom. Depois
de um bom tempo tentando sobreviver fazendo camisetas para eventos e com
sua gráfica rápida, ele viu que o futuro estava ficando obscuro. Desistiu. Passou
a trabalhar de empregado novamente. Um tanto derrotado a principio. Passou a
trabalhar com um primo ganhando R$ 500,00 por mês. Devia até o osso na
praça, conseqüência do negócio falido que abriu e de uma construção de umas
casinhas de aluguel que fizera. Estava por baixo mesmo. Sua filhinha para
nascer em breve. E ele ganhando o que dava apenas para comer e mais nada.
Abençoado foi um vizinho que um dia, ao vê-lo desanimado e preocupado
demais com a vida lhe disse:
---Veja, dever, todos nós devemos. Nascemos devendo a divida eterna criada
pelos governos que tivemos neste pais. Mas o importante é que você está com
saúde e pode reverter a situação e pagar o que deve. Isto é o que conta. Amanha
será outro dia. Não esquenta que isto passa.
Foi levando assim que Sar havia conseguido pagar suas enormes dívidas
trabalhando de empregado. Havia até comprado um carro zero a prestação. Mas
agora, depois dos 40 anos, onde devia estar estabilizado, levar um tombo
desses... Isto era demais. As vezes entendia porque seu pai desistira de lutar
depois de um certo tempo. O guerreiro cansa um dia, pensou. Nascera pobre.
Engraxara sapatos muitas vezes para ter o que comer em casa quando ainda
pequeno. Depois de tantos anos, algo o ameaçava. Não só a ele como a sua
família. Perder tudo e morar na casa dos outros. Este era um dos seus piores
medos. Ficar miserável novamente como era quando criança. Lera um livro que
falava dos seis piores medos de um homem. Um deles era o medo da miséria.
Terrível sentir este medo. Mas ele se recomporia. Depois de um tempo
remoendo e planejando como sair deste labirinto, por fim se levantaria.

---Raige me disse que vai levantar a bronca. Vai ver quanto a justiça acha que eu
devo. Daí então pensaremos no que fazer.
---Puxa vida! Muito bom que você está se recobrando. Estou muito preocupada
com você, detesto te ver triste assim, respondeu Lara.
---Estou procurando por informações em todas as fontes possíveis. Entrei em
algumas comunidades do orkut e pedi ajuda. Entrei em vários sites da justiça e
contei meu caso para ver se alguém me orienta. Desta vez vou resolver isto.

Nova investida da injustiça

Olhos verdes tinha a moça que girava a identidade do consulente


velozmente em cima da superfície lisa da mesa. Enquanto conversavam, sem
que ela percebesse eu olhava o movimento da carteira de identidade que a
pouco lhe entregara e me sentia tonto como se fosse aquela foto girando. Minha
vida era o espelho daquele documento que girava sem parar nas mãos da
advogada loura e linda que estava descontraidamente em minha frente me
dando instruções de como me defender da ultima investida da lei contra mim.
No dia anterior aquela consulta que eu estava fazendo a uma advogada da
O.A.B. havia ido até em casa uma oficial de justiça com a intenção de avaliar
minha moto. Como não me achara, deixou o numero de seu celular para que eu
entrasse em contato.
---Alo, Elisabeth?
---Sim, quem fala?
---Aqui é Sar, você esteve em casa me procurando para avaliar minha honda biz.
---Ah, foi agora pouco.
---Sim.
---E o que você não entendeu do recado que deixei?
---Esta moto foi tudo o que encontraram em meu nome?
---Sim, claro.
---Por acaso não encontraram um imóvel que também está em meu nome?
---Não fui eu quem fiz a pesquisa, mas certamente não encontraram.
---Há, a moto foi mais fácil não é?
---Olha, eu entendo que esteja preocupado e chateado porque a justiça me
mandou até sua casa, mas tenho que avaliar sua moto. Na verdade ela já está
bloqueada e você é o fiel depositário. Deve ter cuidado de que não roubem esta
moto ou vai ter problemas no futuro. Pode pedir, quando for apresentar a sua
defesa, que substituam o bem avaliado, decisão que vai caber ao juiz que estiver
julgando o processo. Despois da minha avaliação você tem trinta dias para
entrar com o pedido de embargo desta penhora. Deve arrumar um advogado
para se defender. Sua mulher me disse que você saiu da empresa antes dela
contrair as dividas fiscais, mas se não saiu no papel ou se não deram entrada
nos papeis a tempo, você ainda é responsável pela divida que seus sócios
fizeram.
---A empresa foi constituída em1995 e eu sai em 96. Tenho os papéis que
comprovam isto e que foram tirados da junta comercial.
---Então deve ir até o fórum de Cotia e procurar justiça gratuita se não puder
pagar um advogado, ou contratar um advogado. Daí, na sua defesa ele deve
apresentar estes papéis.
---Quando você poderá ver a moto?
---Segunda feira. Peço que me ligue no sábado para confirmar a hora e local.
Tudo bem pra você?
---Está bem se for segunda pela manhã.
---Eu darei um jeito.
---Então até mais e obrigado pelas informações.
---Até mais e boa sorte.
Depois da ligação, meu coração estava meio disparado. A raiva de minha
ingenuidade e esquecimento por não ter tirado a moto do meu nome se
misturavam com a revolta de ver a possibilidade de perder meu meio de
locomoção para uma causa tão injusta.
---Onde procuro a justiça gratuita? Perguntei no fórum de Cotia no dia seguinte
pela manhã.
---Bom, o Senhor desce sta rua em frente e vira a direita e já vai ver o prédio da
O.A.B.
---Obrigado, respondi. E agora, ali estava eu na frente de uma linda advogada
contando novamente meu caso.
---Tive uma empresa com mais seis sócios. Foi contituida em 95 e sai dela em
96. Ontem foi uma oficial de justiça em casa para penhorar minha moto de disse
que tenho uma dívida de 77000,00 com a fazenda.
---O senhor saiu da empresa no papel? Perguntou enquanto girava minha
identidade gostosamente e a vontade por sobre a superfície lisa da mesa.
---Sim, veja estes documentos que trouxe.
---Eu não consigo entender. Se o Senhor saiu em 96 porque é que esta demanda
o está atingindo.
---Bom, deve ser porque a justiça pegou o primeiro contrato social e processou
por ele.
---Olha, quando a gente sai de uma sociedade, a lei diz que somos responsáveis
pelas suas dividas até dois anos depois da nossa saída da empresa. Pelo que
estou vendo aqui nestes documentos que o senhor me trouxe a empresa é de São
Paulo não é?
---Sim, teve cede no Rio Pequeno e depois foi para o Parque Novo Mundo.
---Pois é. Eu não vou conseguir ajuda-lo daqui de Cotia. A probabilidade do
processo ser de Cotia é quase zero. O Senhor tem que procurar ajuda na
defensoria publica de São Paulo.
---Sei. Bom, mais do que isto tenho duas frentes de batalha. Tem a questão fiscal
e também a trabalhista.
Ela continuava girando a foto na mesa deixando-me completamente tonto. Eu
não queria olhar para a identidade girando porque achei que iria inibi-la e que
acharia que eu a estava reprimindo. Queria deixa-la a vontade para que me
ajudasse da melhor forma possível.
---há um ano atrás, continuei tentando não pensar na foto que girava. Há dois
ano atrás eu notei que faltavam 400 reais na minha conta bancária. Quando
apurei os fatos para ver porque o banco havia subtraído o valor de minha conta
obtive a noticia de que fora um proceso trabalhista que causou o bloqueio do
dinheiro.
---Sim, continue.
Acho que de repente parei de falar e cedi a tentação de olhar a identidade
rodando, o que me emudeceu pela tontura.
---Bom, esta era uma conta no Unibanco. Sumiu o dinheiro mas não era um
valor que fosse suficiente para que eu gastasse não sei quanto com um advogado
para reaver. Depois de um ano exatamente, em abril de 2006 sumiram novos
valores. R$ 200,00 da conta do Bradsco e R$ 1.200,00 da conta do unibanco.
Eu tinha acabado de receber meu salário e fiquei sem nada na conta para pagar
o que devia. Depois de um tempo, uns meses em que fiquei tirando todos os dias
praticamente o saldo daquela conta, o dinheiro da conta do unibanco
reapareceu. R$ 1600,00 . Eu, assim que vi o valor de volta na conta
simplesmente paguei o que devia e tirei o resto. Transferi tudo para uma conta
em nome de minha filha a qual uso até hoje. O valor de R$ do Bradesco porém
voltou e eu não vi. Depois de uns dias, veio um mandato e levou meus R$
200,00 reais embora. Daí eu sei que não posso ter mais nenhuma conta
bancaria ou perderei o dinheiro que colocar nela.
---Bom, o senhor tem que levantar nos fóruns de São Paulo de quanto é a divida
e de Quando que ela é. O juiz deve ter desconfigurado a empresa e deve ter
chegado aos sócios.
---Como assim?
---bom, vê este arquivo de metal aqui na nossa frente?
---Sim.
---Pense nele como a empresa. A empresa é a mascara, mas dentro das gavetas
tem os sócios. Se a empresa não tiver mais cede ou não tiver bens, os sócios são
solidários na divida.
---Mas se eu tinha sete sócios, tenho que pagar tudo sozinho?
---bom, isto pode ser questionado na defesa.
Depois de me dar alguns endereços onde eu poderia ir para levantar os
processos e de me dar instruções de como conseguir informações que
adiantariam para o advogado que fosse atender minha causa, eu agradeci e
guardei tudo dentro de minha mochila, inclusive a caneta dela, que logo
protestou.
---Hei, a caneta é minha.
---Poxa, desculpe. Você me ajuda dando todas estas informações e eu ainda
roubo a sua caneta. Que bonito não? Me desculpe.
---Não tem de que. Boa sorte pro senhor.
Agradeci mais uma vez pelas informações de sai da O.A.B. mais desnorteado do
que entrei. Agora eu teria a missão de ir em um monte de fóruns até descobrir
qual era a bronca contra a Sintonia comercio e serviços elétricos ltda. Depois
que eu descobrisse o que estava acontecendo, ainda ia ter que pegar uma fila
imensa para levar tudo mastigadinho para um advogado que provavelmente ia
me mandar voltar dali um mês, se não me dispensasse por eu não ser miserável.
Eu queria manter minha esperança de sair daquele rolo sem ter que pagar mais
do que eu estava pagando com a perda de tempo, de sono e tudo mais. Queria
pensar que seria tão bem atendido em São Paulo quanto fui pela O.A.B. de
Cotia, mas não conseguia intuir isto. O que eu intuía eram horas e horas de
canseira na fila da defensoria publica onde os velhinhos, as grávidas, os
deficientes, os adoentados e sei la mais quem teriam prioridade. Também
imaginava que nos fóruns ia ser mau recebido pelos funcionários publicos
medíocres que iriam me dizer depois de fazerem uma fichinha qualquer:
---só aguardar que a gente chama pelo nome
E la iriam horas e mais horas de espera. Já devia ir prepara do para estas
repartições. De preferência com meu romance predileto para ler e um estepe,
caso o romance acabasse. Uma maçanzinha, uma bolachinha e algo mais que
achasse importante para passar o tempo enquanto esperaria por ser chamado
“pelo Nome”. O importante é que me chamariam de Senhor Sar para depois
talvez me dispensar por eu não encaixar no perfil dos que precisavam de ajuda
gratuita.
----O senhor tem imóvel próprio. Perguntariam. Há, então tem que pagar um
advogado.
Poxa, a justiça me processa mesmo eu tendo feito tudo certo, ou seja. Garanti
que os impostos fossem pagos até o dia em que sai da empresa. Como é que eu
podia garantir que depois de minha saída eles continuariam pagando tudo
certo? Como é que eu podia garantir que pagassem os empregados corretamente
se eu havia saído em contrato da empresa? Bom, daí vem a justiça, penhora
minha moto, me tira o direito de ter uma conta bancaria e eu ainda tenho que
pagar um advogado para provar que sou inocente? E quem vai me ressarcir o
que paguei para o advogado? Acho assim. Se o governo me processa, tem que
me dar justiça gratuita para que eu me defenda e se eu for culpado, ai sim eu
teria que pagar o que devo. Mas a coisa começa da forma inversa. Primeiro me
tomam, depois conversam sobre o que me tomaram e eu não tenho garantia
nenhuma de que vou receber aquilo de volta.

Coincidencia

Depois de ter ouvido as instrucoes da advogada que rodopiou minha foto e que
ao menos me apontou uma direção a seguir montei na minha honda biz verde
da cor dos olhos dela e fui para o trabalho pensando nos rumos que tomaria nos
dias posteriores. Eu deveria ir até o forum trabalhista tirar uma certidão para
ver quanto a minha ex empresa devia para os trabalhadores que entraram com
processo. Tinha que ir até o forum central para tentar levantar a bronca do fisco
e iria ao forum de Pinheiros para ver se havia alguma coisa pendente lá também,
já que a empresa ficava no inicio mais proximo deste forum. Minha cabeça
rodava perdida em pensamentos de como eu iria fazer para sair da encrenca.Eu
procuraria a O.A.B. de São Paulo ou a defensoria e tentaria pedir ajuda. Quando
cheguei no trabalho comentei com uma amiga sobre o que havia ocorrido. Ela
disse que teve um problema parecido e que uma advogada estava cuidando do
caso e poderia me ceder o telefone da mesma. A principio eu, que iria tentar
ajuda gratuita não dei muito valor ao que ela oferecia. No outro dia de manhã eu
bateria na porta das casas da justiça e teria uma outra visão do inferno.
quando o dia amanheceu, logo me levantei para ir até os foruns. Dificil foi
esxplicar a minha filha de 8 anos onde é que eu ia. O que vem a ser um forum.
enquanto alguns poderiam dizer aos filhos que um forum é um lugar onde a
justiça é promovida, eu teria que dizer que um forum é um lugar onde eu estava
sendo obrigado a ir porque um juiz malvado estava querendo tirar meu meio de
transporte. Eu diria que ia até aquele lugar para levantar informaçoes sobre as
coisas que me acusavam de dever, mas que eu não devia. Quando ela perguntou
desconversei e disse que ia deixa-la com a empregada porque tinha que ir
trabalhar mais cedo. Sai virado num vento sobre a moto pensando que devia
aproveitar enquanto tinha uma moto para andar por São Paulo. Abri a viseira do
capacete enquanto passava pela estradinha que dá no jardim Barbacena que é
ladeada por arvores e ainda conserva cheiro de mato. Me perguntei até quando
teremos o privilégio de sentir cheiro de mato por aqui? Até quando o amado
progresso não vira derrubar todas estas arvores maravilhosas e troca-las por um
condominio de classe média?. Cheguei ao forum de Pinheiros justamente
quando os portoes se abriram. Encostei a moto sem muita dificuldade do outro
lado da rua, travei-a e atravessei os portoes do forum pegando logo uma fila
para chegar até a pessoa que estava na porta dendo informaçòes. Se a fila
demorasse um pouco não havia problema pois eu estava com um livro na mão o
qual eu leria até chegar minha vez. Felizmente não demorou muito e, quando
pensei que ia conseguir o que queria a funcionaria da porta perguntou:
---O que o senhor deseja?
---Eu preciso fazer uma pesquisa.
---Pesquisa só depois do meio dia senhor, a não ser para advogados. O senhor é
advogado?
---Não.
---Então é lá naquele outro portão só depois do meio dia. Proximo.

bom, como eu entrava no trabalho ao meio dia não poderia ficar ali plantado
esperando que me deixassem fazer a pesquisa. Resolvi ir para o forum da Barra
Funda fazer a pesquisa trabalhista. depois de dar umas voltas pela barra funda
procurando o prédio do Juiz Lalau eu acabei dando em frente da livraria da
Disal que fica do outro lado da rua, em frente ao forum trabalhista. sem mais
delongas entrei no suntuoso conjunto de predios. Aquilo mais parece um
cupinzeiro do que um forum. São dois prédios muito altos construidos um ao
lado do outro e com uma estrutura metalica como telhado. Fila para entrar nos
elevadores, fila para pegar um papel em branco e cartazes dizendo: Estamos
modificando nossas rotinas de trabalho. agradecemos a sua compreensão. Bom,
não há muito o que compreender quando a maquina do estado está sempre
atras da tecnologia. Peguei uma das filas onde me informaram que era o local
que fazia as certidoes. Quando cheguei ao balcão, uma senhora atenciosa me
deu um formulario de disse:
----Preencha seu nome aqui, depois na linha de baixo, coloque o nome e o cnpj
da sua empresa. Depois pague 5 reais e 70 centavos no banco, suba a rampa em
frente ao mesmo e pegue uma senha para tirar a certidão. Depois, falou com
uma ponta de orgulho: Sai hoje mesmo.
Agradeci e fiz exatamente o que ela me instruiu. Um dos bancos que tenho
pavor de entrar é o Banco do Brasil. Sempre que entro numa das agencias me dá
até um frio na espinha. Acho o atendimento péssimo. Idosos de mais e caixas de
menos. Mas, por sorte, naquele dia não havia ninguem na fila e um caixa
atendia um homem enquanto outro caixa parecia estar se aprontando em plenas
11 horas da manha para comecar a atender. Esperei por longos 15 minutos até
que o caixa dispensou o cliente que estava atendendo e me chamou. Paguei a
taxa e subi a rampa. Quando avistei a fila que havia em frente a uma porta de
vidro logo percebi que não teria muita chance de sair dali com a certidao que
fora buscar. Conversei com um pessoal na fila que me disse que na posiçào da
fila em que eu estava provavelmente eu ficaria por umas duas horas mofando
numa cadeira esperando me chamarem. A senha era distribuida as 11:20 hs.
Depois, só deus sabe como é que as pessoas eram distribuidas la dentro. Não
cheguei nem a pegar a senha e fui me retirando para voltar no outro dia a ser o
primeiro daquela maldita fila. Assim pelo menos eu tentaria chegar no trabalho
ao meio dia.
Cheguei uns minutos atrasado no estagio mas passou batido. Comentei com
minha colega de trabalho o que havia conseguido e que no dia seguinte teria que
ir mais cedo para pegar a tal da fila. Foi o que fiz. No dia seguinte, voltei ao
complexo Lalau e em fim fui o primeirão da fila. Que alegria a minha. Fiquei das
10 até as 11:20 em pé lendo um livro que levei. Quando chegou a hora de entrar,
do nada aparecem dois velhinhos e pegam a frente na fila.
---Bem na hora heim vovó, pensei. eu acabara de ver a filha ou a neta daquela
mulher lhe dar instruçoes para pegar a frente da fila. Bom, pensei, ao menos a
velhinha saiu de casa para tirar o mofo, mesmo que seja para entrar na frente da
fila e me impedir de chegar a tempo ao emprego, foi por uma boa causa. Afinal
ninguém merece ficar curtindo mofo dentro de casa.
Perguntei ao rapaz do atendimento se demoraria a ser chamado depois de pegar
a senha.
---O senhor será o primeiro, disse rindo.
Não foi bem assim. Chamaramos dois velhinhos, e mais uns quatro que estava
na fila e chegaram depois de mim porque provavelmente nos cubiculos que
somo atendidos uma coisa é uma coisa e outra coisa ;e outra coisa. Ou seja. As
pessoas que passaram na minha frente, surrupiando meu primeiro lugar na fila
tinham problemas diferentes do meu a resolver. Pode parecer normal, mas
quando se está com pressa de ser atendido isto é algo inexplicável. Em fim
consegui ser atendido e fui correndo para o trabalho. Minha vida agora se
resumia em correr atras do prejuizo de manha e trabalhar a tarde. Não estava
conseguindo nem ler bem a noite porque os pensamentos rodavam de uma certa
forma que não havia concentraçào suficiente para ler ou escrever nada.
---Consegui a certidão, agora é só pesquisar no site e ver o que cada processo
indicado tem para me cobrar.
Eu disse a minha colega logo que cheguei no trabalho.
---Bom, se quiser eu te ajudo a digitar na internet e achar os processos.
Lutamos a tarde inteira com os sites do tribunal de justiça sem conseguir
resultado algum. Não encontramos jeito de caberem aqueles numeros que
tinhamos em mãos nas lacunas que o site indicava para digitar os numeros de
processo.
Era uma sexta feira. Peguei no telefone e comecei discar uns numeros para me
informar sobre ajuda gratuita. A defensoria disse que não poderia me ajudar
porque meu caso éra de pessoa juridica e eles não ajudavam pessoa juridica.
Bom, eu tenho a maquina do estado me processando e me tirando meus bens e
ela me vem com esta historia de que eu era uma pessoa juridica. Liguei para
varios outros numeros onde recebi um não como resposta. Depois de tanto não
e de tanto tentar levantar os processos sem conseguir absolutamente nada eu
finalmente valorizei a proposta que minha colega de trabalho havia feito.
---sim eu quero o telefone de sua advogada.
Eu já tinha passado um dia antes na oficina de um amigo que concerta motos.
Ao comentar meu problema com ele, me indicou um advogado que era seu
amigo. Só que já foi logo avisando que apesar de ser simples o cara era meio
roleiro. O que já me deixou de pé atras em procurar tal profissional. Liguei por
duas vezes para o tal advogado sem encontra-lo. Decidi-me então por procurar a
advogada de minha colega.

Sabado pela manhã eu havia combinado de levar minha esposa e filha no


CPUSP, o clube da USP. Passei por lá, deixei as duas e segui rumo a uma rua no
centro onde ficava o escritorio da advogada. Estacionei o carro, subi a ladeira
que dava na rua e só quando cheguei no cruzamento lembrei-me de que
precisava do endereço que ficara no carro. Como já estava meio atrasado para a
consulta, resolvi achar o local confiando em minha memoria pois eu vira o
numero havia poucos instantes.
---Confie em sua memoria, pensei. Acho que o numero era 177...
Não havia tal numero na rua. Avistei um prédio Que tinha o nome de minha
colega que me mandara ali. Achei que teria alguma chance de ser o que
procurava. Perguntei ao porteiro se teria algum escritorio de advocacia no
quinto andar e a resposta foi negativa mas o porteiro me indicou um prédio logo
a frente que era o endereço correto. não que o porteiro soubesse, me indicou o
prédio para que eu perguntasse se era e deu certo, era o proprio.
Subi até o quinto e ultimo andar. Ela estava ao telefone quando abriu a porta.
Ao entrar senti que parecia conhece-la de algum lugar, mas não tive a chance de
dizer nada. Fiquei por bons minutos esperando ela desligar o telefone. Comecei
a pensar que ela não estava se importando muito com a minha presença, já que
não dispensava quem estava do outro lado da linha de jeito algum. A conversa
fluia aos bons ventos enquanto eu tentava ler uma pagina do livro que eu não
estava conseguindo acabar. Meus pensamentos iam a milhão. Cheguei a pensar
em ir embora mas me acalmei. Ja que estava ali, deveria ir até o fim. Eu havia
gravado a consulta que fiz a advogada da OAB no dia anterios. Pensei em gravar
nossa conversa também. a gravação não tinha nenhum intuito de prejudicar
ninguém, era só para poder re-escutar caso ela desse alguma instrução mais
minunciosa. Durante o caminho eu ouvira a gravação anterior e notara que nào
havia prestado atenção em alguns detalhes. Quando ela desligou, apertei o mp3
para iniciar a gravação.
---Então, que calor está fazendo heim, disse ela.
Após frases corriqueiras sobre o tempo, entramos no motivo de minha visita.
Quando ela ouviu a palavra Sintonia exclamou.
---Mas, não é possivel, Sintonia é minha cliente. Você conhece o João, o José e o
Antonio?
---Claro que sim.
---Pois são meus clientes faz muito tempo.Que coincidencia não? Como pode?
Sua colega me indica para você e você é justamente um dos sócios da Sintonia.

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