“A uma estrela que brilha em meus sonhos.” Estava caminhando sem rumo por uma estreita trilha na floresta quando ouvi o som de vozes. Pensei que se tratava de um menino que talvez, houvesse se perdido na floresta. Como se eu pudesse ajudá-lo, segui na direção de sua voz e encontrei um anjo no meio de uma clareira, agachado próximo a uma flor. - Por que você é tão vermelha? –Ouvi o anjo perguntar a flor - Por que você é tão enigmático?-Respondeu a flor O pequeno anjo colocou-se de pé. Como quem temesse a resposta, perguntou baixinho: - Passeia comigo? A flor desabrochou com seus anseios de conhecer o mundo: - Vai me levar para conhecer um pouco mais do teu mundo? - Vou te levar para descobrir o mundo com você! Você vem? A flor fez que sim com suas pétalas e o anjo saiu a procura de alguns gravetos que o pudessem auxiliar na remoção da flor. Com cuidado, revolveu a terra em volta das raízes e pegando-a nas mãos com carinho, colocou-a junto ao peito: - Aqui vai estar protegida, prende bem suas raízes ai! A flor fez como o anjo pediu, afundou suas raízes no coração dele e apenas tomou cuidado para não ferir-lo com seus espinhos. - Muito melhor do que meu velho vaso! – disse a flor mais vermelha do que antes. O anjo, que já se colocara a caminhar pela trilha, sorriu-lhe um riso puro enquanto eu os seguia: - Se quiser, pode morar ai! O que acha? - Acho que precisa me regar! Tem um rio mais a frente, posso ouvir o barulho da água nas pedras, podemos parar para descansar? O anjo atendeu ao pedido da flor. Com suas pequenas mãos, pegou um pouco de água e jogou sobre as pétalas aveludadas dela. - Esta bem assim? – Perguntou com a voz suave. A flor desabrochou preguiçosa: - Assim meu anjo, você vai me deixar mal acostumada! Ele sorriu ao ouvir o gracejo da flor, secou o excesso de água de suas pétalas e como se pedisse autorização, perguntou-lhe: - Podemos continuar? Quero te mostrar a cidade! - Estamos longe? – Perguntou a flor enquanto prendia mais forte, as suas raízes no coração do anjo. - Apenas mais alguns dias de caminhada e chegaremos lá! - E por que não vamos voando? O anjo consternou-se: - Não sei voar. - Mas você é um anjo! O que aconteceu com suas asas? Ele desconversou: - Melhor continuarmos! Esta bem onde esta? A flor respondeu com um tom irritado: - Já disse que sim! - Então vamos! Continuaram pela trilha que se formava entre as arvores em silêncio. Seguindo-os de longe, podia ver o anjo, lançando olhares perdidos para o horizonte, mas não conseguia divisar o que ele via. No meio daquela noite, o anjo deu algumas gotas de água para a flor se alimentar, colocou-a para dormir e se embrenhou na floresta. Cansado, me arrumei no chão com algumas folhas secas, e acabei pegando no sono. Não sei ao certo a que horas ele voltou, mas pelo tom da flor, o anjo chegara junto ao sol: - Onde você estava? - Procurando com que me alimentar! – exclamou o anjo com um tom cínico - Preciso um pouco mais do que água para viver. - E encontrou o que procurava? - Sim! Uma camélia que encontrei no caminho me indicou onde encontrar alimento. A rosa contorceu-se: - Uma camélia? Sei! E você esta saciado? O anjo deu um sorriso sem fitar os olhos da flor: - Sinto-me mais disposto! Vamos continuar? A flor com as lagrimas escorrendo-lhe como orvalho, suspirou: - O que mais posso fazer? Vamos a tua cidade! O anjo ofereceu-se para ajudar a flor a se arrumar em seu peito, mas ela com um aspecto orgulhoso, o espetou com seus espinhos. - Sei como me virar. Agora anda, vamos sair logo daqui, não gosto deste espécime de Rosa-do-Japão. O anjo fez como ela pediu, continuou o caminho, optando por um desvio para se afastar de outras plantas e, seguindo um pequeno riacho, reconciliou-se com a flor: - Tens razão! – disse ele quebrando o silêncio - Fui tolo em ter ouvido aquela outra planta. A rosa o olhou com indiferença: - E por que diz isso? O anjo parou para olhar a flor. - Por que percebo que você é a mais bela das flores, a única que perfuma o meu caminho e, só você, me faz bem! A rosa riu ainda acanhada: - Te deu indigestão o alimento que a outra te indicou? O anjo retribui o riso, mas com olhos arrependidos: - Aprendi minha lição! - Espero que sim! – disse a rosa mais amena – Agora vamos deixar tudo isto pra lá e aproveitar nosso passeio! Eles pareciam não ver o tempo passar. Seguiam animados pelo caminho, conversavam sobre muitas coisas, dormiam abraçados nas noites mais frias e sorriam mesmo nos dias de chuva. Alguns dias depois, chegamos à beira de uma estrada que separava a floresta da cidade. O anjo animou-se: - Chegamos minha flor! - Meu anjo! – disse ela com receio nos olhos - Creio que nesta cidade não aja água para alimentar uma flor! - Fique tranqüila, eu hei de te regar todos os dias e você pode continuar morando em meu peito. - Ainda assim meu querido, você não pode me dar tudo o que preciso neste lugar. Nesta cidade o sol se esconde atrás de edifícios e a chuva é sempre evitada, é melhor que me deixe aqui e continue o seu caminho – neste ponto a flor tinha a voz embargada – você deve fazer esta escolha do meu modo. O anjo parecia ter perdido o encanto. Seus olhos, que antes brilhavam, marejaram com lagrimas que logo não puderam mais ser contidas: - Mas minha linda flor! Viemos de tão longe, sonhamos tanto com este momento e agora, você me diz, que este momento não deve acontecer? Cuidei de ti por todo o caminho e lhe dei meu peito como casa para agora você me dizer que este não é seu lugar? A flor empalidecia: - Eu entendo como se sente! Já tive um sentimento parecido quando larguei meu antigo vaso para te acompanhar neste trecho de sua jornada, ainda assim não me lamentei e não me arrependo de ter vindo com você até aqui. - Mas não se trata de seu vaso, ou de qualquer outro lugar... A flor o interrompeu: - Por favor, não torne mais difícil o momento de dizer adeus! O anjo caiu de joelhos diante da flor acomodada na terra, beijou suas pétalas, abraçou-lhe os espinhos e regou-a com algumas lagrimas. Levantou-se cambaleante e atravessou a estrada para se misturar e se perder com as outras pessoas da cidade. A flor o viu se afastando e secou quase até a morte. Suas pétalas, antes vermelhas, tingiram-se de um amarelo pálido e pensei que aquele seria o fim dela. Lançou um olhar para onde o anjo partira e como se delirasse em sua agonia, sussurrou: - Eu vou lembrar de você sempre que pensar nos anjos, não se esqueça de mim quando olhar para as rosas!
Assim que a flor se calou um inseto pousou ao seu
lado: - Se vai sentir tanta saudade, por que não vai com ele? A rosa lançou um olhar imponente: - O coração dele já não era tão fértil como quando o conheci, acabaria murchando! - Ora, logo vejo pra que servem as rosas! Fixam suas raízes e extrai tudo o que precisam para viver, mas será que você, rosa, se lembrou de perfumar o jardim que a abrigou? A rosa pareceu consternar-se: - Você me acusa sem nunca se prender a lugar nenhum, por ventura já deixou alguém tocar suas asas? Acaso já parou pra pensar no que isto significaria? - Não me amole com seu papo florido, posso muito bem voar atrás de quem quero e... A rosa interrompeu - Mas será capaz de fazer voar junto a você, alguém que gosta de ter os pés no chão? - Hei de te mostrar! – respondeu o inseto alçando vôo em direção a cidade. Corri atrás do inseto com suas asas azuis e costas da cor do fogo. Na cidade era fácil distingui-lo entre as pessoas que passavam apressadas em seus afazeres e não lhe dedicavam mais que um olhar desinteressado. De quando em quando, voava mais alto para tentar avistar o anjo, até que por fim, o encontrou sentado a beira de um abismo com um olhar pensativo enquanto olhava para baixo: - Quanto tempo vai levar este vôo sem volta? - Se aprender a voar, pode levar o tempo que quiser! – disse o inseto que pousara ao seu lado. - E por que deveria prolongar meu vôo, se o que me parece melhor são as profundezas da terra? - Por que você é um anjo! Você, como eu, nasceu para estar nas alturas e pode escolher quando quer sujar ou não seus pés na terra. O anjo olhou para o inseto com esperança: - E você pode me ensinar a voar? - Só eu posso! – disse o inseto com um bater de asas – Venha comigo! O anjo, que parecia muito mais velho, afastou-se do abismo seguindo de perto o inseto. Seus olhos, ainda vermelhos, carregavam as marcas de lagrimas que secam, mas não cicatrizam e seus ombros arqueavam-se com pesos invisíveis. O inseto o guiou pelas ruas da cidade e revelou-lhe a localização de um bosque de arvores retorcidas. Lá chegando, pousou sobre uma pedra e lançando um olhar para o anjo instruiu: - Vê esta pedra? - o anjo fez que sim com a cabeça – Suba e salte! - Mas eu hei de cair, quem sabe o que há de me acontecer? - Não seja tão idiota – irritou-se o inseto – ainda pouco queria saltar de um abismo e agora esta com medo de alguns centímetros? Anda, faça como estou mandando! Se quiser aprender a voar, suba e salte! O anjo fez como lhe foi ordenado. Vez após outra, subiu no alto da pedra e se lançou ao ar para encontrar o chão. O inseto, que planava entre algumas arvores, ria a cada queda e esperava a próxima com impaciência: - Anda pequeno anjo, tente novamente! - Estou tentando! – respondia ele de pé, sujo de terra – Estou tentando! Somente quando o sol já começava a se esconder, o inseto se aproximou do anjo. - Veja bem, para voar é preciso que não carregue nenhum peso desnecessário, o que pesa tanto em seus bolsos? O anjo mentiu: - Não tenho nada nos bolsos! - E o que fez com aquela pétala que segurava no abismo? O inseto fitava o anjo com olhos irritados enquanto ele, com a mão envolvendo a pétala dentro de seu bolso, tentava disfarçar o tom de sua voz: - Não sei do que fala! Além disso, que diferença faria o peso de uma pétala? - Você pensa que pode me usar para aprender voar, sem querer voar para mim? Não é a pétala que te pesa, mas teus pensamentos. Enquanto pensar no que esta na terra, é a terra que vai encontrar! O anjo tentou negociar: - Venha cá para me dar um abraço? Mostre-me como pode ser bom voar do teu lado? Um calafrio percorreu o corpo do inseto: - Nasci para voar e você me oferece a prisão de seus braços? Fique com tuas seguranças e me deixe partir! O anjo, um tanto confuso, apertava a pétala em seu bolso com mais força enquanto o inseto voava para longe lhe lançando ofensas: - Você merece tudo o que tem! – gritou o inseto já distante. - Você também! – respondeu o anjo com convicção – Em sua ambição por estas asas que tem, devorou jardins e destruiu muitas flores agora tem suas asas, mas nunca poderá ser tocada! Era melhor que tivesse permanecido em seu casulo, mas acabou se tornando uma borboleta!
O anjo deitou-se entre as folhas secas que cobriam
o chão do bosque e dormiu cansado de tantas quedas. Fiz o mesmo. O cansaço daquela viagem, fez com que eu dormisse pesadamente por toda a noite, e só fui acordar quando ouvi alguns galhos se partindo com os passos do pequeno anjo que saia do bosque apressadamente. Corri para alcançá-lo, indo na direção do abismo. Seus olhos, pareciam inchados de tanto chorar e temi que o pequeno anjo se rendesse a um único vôo sem volta. Vi quando ele olhou para o chão a centenas de metros de distancia preparando-se para saltar, mas uma nuvem que estava passando por ali interrompeu o feito: - O que um anjo faz olhando para o chão tão triste? – perguntou a nuvem com sua voz de algodão – Acaso não sabe que sua alegria esta no céu? O anjo não pareceu interessado na conversa da nuvem - Não vou ouvi-la, sei que logo vai passar! Esta na natureza das nuvens, talvez até esteja na natureza das coisas. A nuvem ficou cinza de raiva - Talvez quem passe seja você. As coisas estão sempre no lugar que deveria estar! - Afinal nuvem, o que quer comigo? A nuvem, que já se afastava do anjo, não respondeu, cedeu seu lugar a uma estrela atrevida que se pôs a brilhar antes do sol desaparecer por completo. -Ola pequeno anjo! O que faz na beira deste abismo? - perguntou a estrela ainda se espreguiçando. -E você? O que faz no céu antes da hora?- retrucou o anjo olhando para cima. A estrela brilhou um pouco mais amarela ao responder: - O mesmo do que você! - Então também esta perdida!- disse o anjo lançando um olhar triste. A estrela que quase oscilou, mudou de assunto: - E por que você está tão sujo? - Tropecei em algumas raízes! Ela franziu as sobrancelhas - Mas você não voa? Como pode encontrar o chão? - Mente-se muito sobre nós! - disse o anjo tentando se justificar - Também mentem sobre as estrelas? - Só quando dizem que estamos longe! O anjo, que já se sentara na beira do abismo, parou de balançar seus pés no ar, seus olhos fitaram a estrela por um instante: - Nunca havia reparado nas estrelas, são tão lindas! - Sinto-me consternada!- disse a estrela sorrindo - O que tens na mão? O anjo empalideceu enquanto a estrela apontava a pétala amassada em sua mão. -Lembranças! - E te faz bem lembrar? - insistiu ela - Ainda não vejo nenhum beneficio em esquecer! - Verá! - disse ela enquanto desaparecia na aurora - vejo-te amanhã? - Quem há de saber? - Respondeu o anjo dando os ombros A estrela apagou-se no céu claro enquanto o anjo acomodou-se sobre algumas pedras e pegou no sono. Acordei com uma gargalhada da estrela: - Você é um louco! - Não me importo! - O anjo parecia descansado e pude ver seus olhos brilhando com um ar jovial enquanto se equilibrava com um só pé na beira do penhasco - Agora sai logo dai! Fico agoniada de te ver assim! O anjo atendeu ao pedido - Só porque me pede! Se fosse outra eu saltaria! Vi, junto ao anjo, a estrelas brilhar com o rosto avermelhado: - Assim você me deixa sem graça! O anjo que se encostara a uma pedra afastada do abismo, disse sorrindo. - Sonhei com você esta noite! - E o que sonhou?- perguntou a estrela com curiosidade. - Não me lembro, mas acordei com bom humor! - Percebo! - disse a estrela - E gosto de te ver sorrir! Por um minuto, nem o anjo nem a estrela, encontraram palavras para continuar e o silêncio da noite só foi interrompido quando a lua inflou-se como um grande balão branco. - Gosto da lua - disse o anjo - às vezes esconde alguns pensamentos meus lá! - Eu prefiro jogar os meus em buracos negros!- respondeu a estrela - Fica bem mais fácil... A estrela interrompeu sua frase e o anjo, com sua curiosidade, pediu para que ela terminasse a frase, mas ela fingiu não se lembrar: - Seria mais fácil te entender se eu souber o que pensa! - Suplicou o anjo olhando para estrela - Talvez seja melhor que não me entenda!- a estrela parecia confusa - O sol já esta nascendo, vejo-te de noite? O anjo olhou para o céu a procura do sol, mas a estrela o avisou: - Vou um pouco mais cedo hoje, prometi dar adeus a uma prima cadente! A estrela piscou antes de desaparecer e o anjo terminou adormecendo sobre o reflexo da lua. -Anda acorda - dizia a estrela impaciente O anjo sentou-se, se esticou pelo ar e com um sorriso dirigiu- se a estrela. - Agradece tua prima por mim? - Mas o que ela fez para merecer essa gratidão vespertina? - Você sabe! Toda aquela historia de pedidos! O meu já se realizou! A estrela eufórica quase gritou: - Criou asas meu anjo? Já pode voar? O rosto do anjo corou. - Não consegui pensar nisto, minha cabeça esta cheia de outra coisa! - E o que foi que pediu? - Ora, você sabe! - a estrela fez que não com a cabeça e o anjo ainda mais rubro completou - Só pedi que voltasse esta noite. - Não acredito meu anjo! Este pedido eu mesma poderia realizar, por que não me pediu? O anjo abriu os braços e erguendo os ombros suspirou: - E o que pediria se não fosse isto? A estrela brilhou tímida ao perguntar - E afinal, por que quis que eu voltasse esta noite? O anjo que limpava os olhos com suas pequenas mãos falou impaciente - Você sabe! Já disse que não consegui pensar em outra coisa. - Pensei que houvesse um motivo a mais - suspirou a estrela com um brilho decepcionado - Quem sabe haja! - O anjo respondeu enquanto se levantava - Passeia comigo? A estrela sorriu - Pensei que nunca ia me chamar! Para onde quer me levar? Lembre-se que tenho que voltar antes de amanhecer e... O anjo a interrompeu: - Sabe linda estrela, às vezes você reage como uma menina! Ela contestou com um brilho - Não pareço não! O anjo percebeu no tom de voz da estrela um descontentamento e corrigiu apressado. - Mas só às vezes parece uma menina, na maior parte do tempo parece mais que uma constelação! A estrela deixou escapar um riso - Sempre tentando agradar, assim eu acabo ficando mal acostumada! - Já ouvi isso! - suspirou o anjo ao tocar a pétala vermelha em seu bolso - Logo vai enjoar de mim! E vai passar como tantas coisas. - Algumas coisas não passam! - protestou a estrela - E outras só passam se deixar-mos! O anjo retirou a mão do bolso como se tivesse tocado em brasa. -Tens razão, algumas coisas precisam passar e outras eu preciso deixar ir! Pode me ensinar como guardar minhas lembranças em um buraco negro? - Esta me fazendo um pedido?- perguntou a estrela com um sorriso maroto - Sim! Pode me ensinar? - Pareço com uma estrela cadente? - Mas pensei que pudesse te pedir! - Só você pode!- afirmou a estrela que começava a bocejar - acho que nosso passeio fica para amanhã, o sol já acordou! A estrela já tinha desaparecido no céu, mas o anjo ainda acenava em sua direção como se esperasse ela olhar para trás. - Odeio ver-la partindo! - declarou o anjo voltando à pedra que passara a ultima noite. Demorou mais do que os outros dias para pegar no sono, ficou deitado olhando o sol colorir a manhã com tons de rosa até que eles se tornaram azuis, só então dormiu. A estrela parecia irritada: - Acorda anjo, quanta preguiça! Com um susto o anjo colocou-se de pé - O que te aconteceu estrela? Parece que o mundo vai acabar. A estrela acabou cedendo ao riso, com a voz mais calma continuou: - E bem poderia! Com a tempestade que se aproxima, tudo é possível! O anjo olhou para o céu, mas não viu nenhuma nuvem: - Não vejo nem sinal desta chuva! - Não é uma chuva - retrucou a estrela - é uma verdadeira tempestade. Chega ao fim desta noite, vejo-a daqui! - Mas então, por que a pressa? A estrela pareceu decepcionar-se: - Pensei que fosse me levar em um passeio. Já esqueceu teu convite? Foi a vez de o anjo frustrar-se - Vieste só pelo passeio? - Não seja bobo meu anjo, mas diga, onde pretende me levar? - Vou te levar ao meu lago! A estrela divertiu-se - Então tens um lago só seu? - Sim, o fiz com meus olhos! Não é tão grande, mas é do tamanho que preciso. - O que tem na cabeça?- perguntou a estrela preocupada. - Já vai ver, fica bem próximo! O anjo caminhou pelas ruas e a estrela o seguiu, acompanhei de longe os dois que caminhavam em silêncio. O anjo embrenhou-se entre em algumas arvores enquanto a estrela deslizou pelo céu. - Vejo teu lago, meu anjo! -exclamou a estrela que chegara antes dele - é lindo, como o fez? -Com lagrimas!- respondeu o anjo com um nó na garganta. -E porque me trouxe aqui? - interrogou a estrela que desviou o olhar das águas tremulas do lago. - Quero te mostrar uma coisa! Mas antes quero dizer como ele veio parar aqui. A estrela que ainda evitava olhar para a água, esforçou-se para encarar o anjo. - Isto será mesmo necessário? - Para que entenda corretamente o que quero te mostrar? Será sim! O anjo sentou-se em uma pedra disposta em uma das margens do lago, ficou em silêncio durante um minuto para finalmente começar sua história. - Foi neste bosque que cai na terra! O anjo passou a mão sobre a pedra fria, como se lhe fizesse um carinho, tomou fôlego e fitando a estrela continuou. - Na primeira noite que passei aqui, deitei no meio das folhas secas e adormeci cansado. Sonhei com meus tempos de menino e com as brincadeiras de minha infância, mas ao acordar percebi ter envelhecido. - Não diga bobagens, ainda é tão novo! - interrompeu a estrela O anjo calou-se contemplando os pequenos círculos que se formavam no lago. - Se tivesse me visto antes, perceberia o que estou a te dizer Ele piscou algumas vezes como se saísse de um transe. - Quando percebi que o tempo estava passando, uma lagrima rolou pelos meus olhos e caiu na terra. Logo em seguida, outra me escapou. Não podia conter-las e, como nunca fiz enquanto novo, chorei como uma criança. - O anjo olhou para a estrela e forçou um sorriso amarelo. - Também mentem sobre as lagrimas! - O que quer dizer?- balbuciou a estrela que se perdera olhando o lago. - Chorar não faz tão bem como dizem, tu deves saber! A estrela concordou. -Sei do que fala! - Pois a cada lagrima derramada, uma nova se preparava em meus olhos, e sem conseguir evitar, tudo que me fazia mal, voltava aos meus pensamentos, o que me fazia chorar ainda mais. - Deve ter tido muitos pensamentos ruins - disse a estrela indicando o tamanho do lago - Não eram muitos, apenas eram freqüentes - explicou-se o anjo - e durante um dia inteiro fiquei aqui, chorando minhas tristezas e remoendo minha dor. - E porque não fugiu? - Onde poderia me esconder de mim mesmo? A estrela se calou. - Quando finalmente consegui controlar minhas lagrimas corri apressado para fora do bosque, jurando não mais voltar. - Mas então esta quebrando sua promessa? - perguntou a estrela com olhos reprovadores. - Não exatamente - defendeu-se o anjo ficando de pé na rocha- vim para lhe mostrar algo, se aproxime! A estrela, um tanto desconfiada, fez o que o anjo pediu. - Olhe para minhas lagrimas! A estrela protestou: - Não quero ver teu lago de lagrimas! - Mas é preciso, e rápido! A tempestade esta chegando! A estrela cedeu: - E o que quer que eu veja? O anjo apontou para seu reflexo sorridente: - Vê? Graças a você, posso sorrir em meio a minhas lagrimas! A estrela olhou atentamente o reflexo do anjo que sorria e ficou sem palavras. As primeiras nuvens da tempestade se apressavam pelo céu e o anjo, como se fosse capaz de ler os pensamentos da estrela, a tranqüilizou. - Sei que não vou te ver quando as nuvens cobrirem o céu, e terei que enfrentar a tempestade sem você, não se preocupe comigo! - Mas o que fará sozinho em meio à tempestade? - Vou olhar para as nuvens negras no céu e sorrir! - Você deve ser louco! - exclamou a estrela com medo dos primeiros relâmpagos - Por que vai sorrir? Olhando nos olhos da estrela o anjo falou: - Por que sei que atrás das cortinas negras da chuva você vai continuar brilhando! - Te vejo depois da tempestade? - perguntou a estrela com os olhos marejados - Quem há de saber? - respondeu o anjo ainda sorrindo - Agora vai antes que a tempestade comece! A estrela brilhou tentando esconder as suas lagrimas que escapavam e se misturavam às primeiras gotas da chuva - Pensarei em ti! O anjo sorriu enquanto acenava a estrela - Não vou te esquecer! As nuvens esconderam o brilho da estrela lançando pesadas gotas de chuva sobre o anjo, que sorria para o céu.
Rapidamente a tempestade invadiu o firmamento e
era tão densa e negra, que até o sol decidiu brilhar noutro lugar. - Veio só, pequeno anjo?- Perguntou a tempestade com um vento que quase o derrubou. -Ninguém esta só- respondeu o anjo que parecia olhar em minha direção- mas vou te enfrentar sozinho. A tempestade relampeou: - Por que não desiste e se esconde? - Pois sei que depois da tempestade vem a calmaria! - De fato - disse a tempestade que trovejava furiosa - mas a calma é premio de quem supera o desespero. Você não vai conseguir. O anjo riu amarelo - Tu não me conheces! Se soubesse o que já passei... - Também já passei por muitos lugares – disse a tempestade – e sempre se esconderam de mim, com você não vai ser diferente! O anjo ponderou: - Se é como diz, deve se sentir muito sozinho! - Não preciso de ninguém! – trovejou a tempestade com fúria – Se procurasse amigos seria uma garoa ou uma chuva de verão, mas não procuro companhia por isto posso ser uma tempestade! - Já fui como você! Mas não se pode ir muito longe sozinho! - Pois já rodei o mundo muitas vezes! Inundei rios em todos os lugares, devastei plantações e levantei ondas em todos os mares, isto não é longe para você? - Você já sentiu o perfume de uma rosa? – perguntou o anjo como se mudasse de assunto. - Não! Elas se escondem quando me olham! – respondeu a tempestade surpresa. - Já sentiu o vento das asas de uma borboleta? - Não! Elas fogem quando me aproximo! - E acaso já conheceu uma estrela? - Eu as cubro com minhas nuvens, mas o que isto importa? O pequeno anjo sentou-se na pedra: - Então pra que rodou tantas vezes o mundo? A tempestade se calou. Fiquei preocupado com o anjo, ali sentado, enfrentando uma tempestade rancorosa que parecia preparar um raio fatal, mas ele parecia tranqüilo. Tinha um sorriso no rosto e seus olhos pareciam ver através das nuvens que pouco a pouco se dissiparam e embranqueceram deixando a mostra um céu azul. - Então pra que conhecer o mundo? – Repetiu o anjo olhando seu reflexo nas águas do lago transbordado pelas lagrimas da tempestade.
A terra ainda cheirava a chuva quando a noite
tomou seu lugar. O anjo olhava para o céu na expectativa de encontrar sua estrela, mas naquela noite apenas a lua surgiu no céu. O anjo decepcionado perguntou ansioso: - Minha estrela vem vindo? - Não a vejo daqui! E você, por acaso viu o sol passar? O anjo ficou confuso: - Sim! Ele sempre passa antes de você! A lua minguou: - Nunca sei se ele me procura ou se foge de mim! - E você, o que faz atrás dele? A lua inchou-se e ficou vermelha: - Se te disser, pode dar um recado para ele? O anjo concordou: - Procuro-o! Sei que pode parecer loucura, mas eu o amo! - O que é o amor? - Ora meu anjo, você sabe bem o que é! Agora mesmo, encheu mais uma cratera com seus pensamentos! O anjo enrubesceu: - Meus pensamentos, são de amor? - A maior parte deles! - Mas não sei o que é amar! O que é o amor? A lua pareceu crescente enquanto falava: - O amor é querer ao outro mais do que se quer a si mesmo. O amor é o que nos motiva a continuar, a fazer, a querer e a viver. O amor, meu anjo, é tudo que existe de bom! - Eu entendo o que você me diz, mas não sei se já amei alguma coisa! A lua, com um jeito maternal, sorriu ao anjo: - Você já amou muitas coisas, e amou de muitas maneiras! - Quer dizer que existe mais de um tipo de amor? - Sim, mas não são tipos de amor e sim maneiras de amar! O anjo suspirou: - O amor me parece bastante complicado! Você parece saber muito sobre esse assunto, pode me falar um pouco mais sobre ele? A lua ficou cheia de si: - De fato, sei muito sobre o amor! Não só você, mas quase todos que amam vivem com a cabeça na lua! E isto deve me tornar uma especialista no assunto, não é verdade? – Ela esperou o anjo concordar para continuar a falar – Pois então saiba que amamos a muitas coisas! - Como o quê? – perguntou o anjo. - Como tudo! – disse a lua com um brilho – Pode-se amar tudo que se quer bem, coisas, lugares, pessoas... - Mas quais são as maneiras de amar? - Bem ai as coisas se complicam mesmo! A lua terminou de falar e ficou olhando o anjo impaciente: - Que foi? Já não te respondi? - Não! Você ainda não me disse quais são as maneiras de amar! - Não disse por que é impossível definir a forma que alguém ama. Só quem ama, sabe como ama! - Mas pelo menos me diga como você ama o sol? - Oh anjo! Quem me dera conseguir definir ao trágico destino que me é submetido. Sempre em lados opostos e em situações diferentes. - Como assim? – Perguntou o anjo incentivando-a falar. - Sempre estamos em lados opostos, em situações diferentes. Sabes como é? Enquanto eu sou obrigada a me esconder, ele surge e lança sobre mim aquele brilho, aquele calor... Fico pálida e quase perco minhas forças. - E o que faz quando o vê? - Corro! - Você foge? - Não meu anjo! Corro atrás dele, louca para encontrá-lo, mas quando chego, ele já foi. Muitas vezes o vejo onde eu estava antes, e sinto até um arrepio ao imaginar que ele foi a minha procura. Outras vezes choro pensando que ele fugiu de mim. - Por que corre atrás dele? – indagou o anjo sem entender. - Por que ele brilha! Brilha tanto que tenho até medo que ele me cegue. Sabe que às vezes tenho até que fechar meus olhos? Mas toda vez que o faço, penso que ele esta me aquecendo em seus braços e chego a imaginar que ele sussurra ao meu ouvido, pedindo apenas um pouco mais de paciência. O anjo olhava espantado para a lua que passava de uma fase a outra enquanto falava do sol: - Graças a estes meus devaneios, continuo buscando dele, mais do que olhares furtivos e beijos imaginários. E corro atrás dele, para mostrar as semelhanças que nosso contraste carrega. - E o que ele pensa disto? - Ele não sabe! Por isto vivo procurando em minhas fases, uma que chame a sua atenção. Se precisasse, seria eternamente crescente ou até mesmo minguante. - Mas vale a pena este amor? - A mim, meu anjo, valeria a existência ouvir da boca dele um te amo, quando nos encontrássemos num próximo eclipse. - Agora percebo como ama! A lua olhou curiosa para o anjo que já se preparava para dormir junto a uma arvore. - E como é? - Loucamente! - Diga isto a ele? Faz-me este favor? - Amanhã bem cedo o farei! - Obrigada! Agora durma e sonho com os anj...- a lua minguou sem graça – Com o que sonham os anjos? Bocejando, o anjo respondeu: - Ultimamente, só com uma estrela!
O anjo acordou com o sol batendo-lhe no rosto,
passou o recado da lua e viu o sol sair correndo apressado pelo céu, deixando a noite chegar mais cedo. Antes que o céu fosse tingido de negro, colocou-se a caminho de onde encontrou a estrela pela primeira vez: - Quem sabe ela esteja me esperando lá! - Acho que não! – Disse uma voz rouca que se esgueirava pelas arvores. - Quem está ai? – Perguntou o anjo assustado - Não se assuste, não quero lhe fazer mal! - Mas o que faz me seguindo? - Só queria ter certeza de que ela não viria te procurar. O anjo contorceu-se em raiva: - E o que ganha com isso? - Diversão – disse o diabrete que saiu do lugar que se escondia. Seu rosto, uma grande bola vermelha, tinha um riso cínico espontâneo e dois chifrinhos saltavam de sua testa suada. - Acho que ela acreditou na minha história – disse o diabrete em meio a uma risada que mais parecia um chiado – bobinha! O anjo ficou quase tão vermelho como o diabrete enquanto perguntava entre os dentes: - O que foi que disse a ela? - Nada demais! – rindo um pouco mais alto – só falei que você tinha fugido da tempestade e se escondido na floresta... - Mas eu não fugi! - Eu sei! Mas como você não apareceu no lugar que vocês se encontravam, ela acabou acreditando na minha piada. Com os olhos injetados o anjo fitou o diabrete: - Pois volte lá e fale a verdade! - Bem que gostaria! – respondeu o diabrete que tinha dificuldade de falar em meio às risadas – Mas ela era muito sensível, começou a chorar e com um soluço desapareceu no céu! Você tinha que ver, foi tão engraçado! - E por que eu me esconderia na floresta? - Esta, foi uma sacada de gênio! – disse o diabrete batendo na testa – Imagina que assim que eu falei que você tinha fugido ela olhou para os lados da floresta para ver se te via correndo por lá! E os olhos dela eram tão cômicos te procurando entre as arvores, que falei que ela não te encontraria entre as flores e os insetos! Você sabe, não da pra ver nada no meio daquele mato! O anjo não queria se convencer: - Se você é tão piadista, como posso saber que não esta tentando me pregar uma peça? - Vá lá e veja com seus próprios olhos! – disse o diabrete que teve outra crise de riso – Mas vai voando! Sem fôlego o diabrete caiu no chão segurando a barriga: - Vai voando! Esta foi de matar! O anjo correu até a beira do abismo e olhando para o céu, viu apenas o breu no lugar da estrela. - Por que fez isto comigo? – perguntou ao diabrete que se arrastava atrás dele. - Você sabe! Nós os diabretes vivemos pregando peças! Não é nada pessoal, é apenas diversão! O anjo explodiu: - Diversão! Quem pensa que é para se divertir comigo? - Calma! Afinal não foi com você a piada, foi com ela! Se fosse com você, muito provavelmente, você VOARIA no meu pescoço – o diabrete engasgou com suas risadas. O anjo olhou para o diabrete como se houvesse gostado da idéia. O diabrete por sua vez, controlou o riso e com uma reverência, despediu-se. - O prazer foi todo meu, vejo-te por ai! O anjo sentiu um nó se formando na garganta e por fim, chorou lagrimas de saudade.
Antes que a noite findasse, o anjo seguiu rumo à
floresta, e seus passos eram tão firmes e obstinados que assim que o sol apareceu no céu, estávamos caminhando por uma trilha em meio a arvores, em algum ponto distante do que havíamos nos despedido da flor. Mesmo com a respiração arfante, o anjo continuava abrindo caminho entre os arbustos que pareciam cada vez mais secos e cheios de espinhos. - Aonde vai tão apressado, pequeno anjo? – perguntou uma velha arvore que teve um galho partido ao ser empurrado. - Encontrar minhas asas! – respondeu o anjo que parou para tomar água em um riacho próximo – O que faz aqui? Com um estalo, a arvore respondeu: - Procuro um tesouro! O anjo lançou um olhar severo para a arvore: - Então porque esta parada? - Não estou! – respondeu a arvore balançando suas folhas – Minhas raízes nunca descansam! - E onde estão elas que não as vejo? A arvore dobrou-se com o vento: - Cavando! - E já encontrou alguma coisa? Os frutos da arvore amadureceram: - Ainda não! Mas sinto que estou próxima. Ao ver as frutas balançando entre as folhas mal cuidadas, o anjo sentiu sua boca salivar: - Não me lembro da ultima vez que comi – disse com os olhos vidrados – o que faz com tuas frutas? A arvore lançou um olhar desinteressado para a ponta de seu galho mais carregado: - Você esta falando destas pelotas que brotam em meus galhos? Não servem para nada! - São venenosos? - Não sei, nunca prestei atenção neles! O anjo olhou ao redor da arvore e viu algumas frutas apodrecidas. - E porque continua os fabricando, se não vê serventia neles? A arvore farfalhou: - Não tenho como conter-los, eles aparecem sempre que está muito calor. Deve ser algum tipo de alergia! O anjo riu: - Não se faça de tola, suas brotoejas valem para alguns, mais do que o ouro! - Isto? – respondeu a arvore soltando uma maçã vermelha nas mãos do anjo – Só me servem para dar coceira! O anjo que se preparava para morder a fruta foi interrompido pela arvore: - Espere um pouco, pequeno anjo! Assim que descobrir meu tesouro, compro-lhe um banquete! O que acha? - Acho que esta cega! – respondeu o anjo dando uma mordida na fruta – Se pudesse ver o tesouro que tem, se ocuparia com uma tarefa mais produtiva do que cavar! A arvore sorriu com menosprezo: - Só você e os pássaros, enxergam utilidade para estas coisas! O anjo, limpando a boca com a manga de sua roupa, respondeu com pena: - Então, encontramos o tesouro antes de você! - Cavando um buraco próximo a arvore, enterrou as sementes ainda presas ao miolo da maça. - O que esta fazendo, pequeno anjo? - Lhe dando uma irmã! – respondeu o anjo que jogava um pouco de água sobre a terra - Espero que quando crescer, ela perceba o que realmente é importante. - Até lá eu já terei descoberto meu tesouro! - Espero que sim! – respondeu o anjo que já caminhava por entre outras arvores – Espero que sim!
Caminhamos durante algumas horas desbravando a
floresta, que naquele ponto parecia intocada. O anjo seguia na frente, com a mesma vontade de antes empurrava os galhos retorcidos que atrapalhavam o caminho e não se importava com a dor dos espinhos que se cravavam em sua pele. Vi, enquanto lutava com alguns ramos que se enrolaram em minhas pernas, o anjo parar na frente de uma fonte abandonada: - Enfim a encontrei! – disse o anjo com os olhos brilhantes. Com euforia retirei o mapa de meu bolso e, após verificar as anotações, repeti a frase do anjo. Enfim havia encontrado a fonte que marcava o inicio de minha jornada rumo ao tesouro que me era destinado. Livrei-me dos ramos com pressa e corri para encontrar o anjo. Ele estava parado olhando uma mancha verde escuro no centro das águas límpidas da fonte tomada por musgos. Tamanha era minha euforia, que corri e fiquei ao seu lado, fitando a mancha que abrindo os olhos coaxou: - O... Que... Quer? Senti meu estomago se contorcendo ao ver a aparência do sapo que se ajeitava com dificuldade nas margens da fonte. Ele repetiu: - O... Que... Quer? O anjo, que resolvera admitir minha existência me olhou por um segundo: - Esta fonte – disse ele apontando as paredes de pedra mal cuidadas – é conhecida pelos moradores da floresta, como a fonte dos desejos. - Vi isto em meu mapa! – respondi vacilante. O anjo continuou a falar como se falasse para si mesmo: - Nesta fonte, escravos conquistaram reinos, sapos viraram príncipes e demônios alcançaram o perdão, tudo porque pediram aquilo que mais queriam. O sapo interrompeu: - O... Que... Quer? - Agora, finalmente encontrei a fonte dos desejos, mas é incrível como a possibilidade parece me cegar! Entendendo a insegurança do anjo, falei olhando em seus olhos: - Peça o que sempre sonhou! O anjo sacudiu a cabeça enquanto o sapo insistia: - O... Que... Quer? - Este é o problema! Posso ter o que quiser, mas será que terei o que me quer? - Não consigo entender! – respondi confuso ao anjo – O que quer dizer? O anjo começou a andar em volta da fonte: - Poderia pedir riquezas inesgotáveis... - E isto não seria bom? – perguntei interrompendo o anjo. - Talvez! – disse ele sem me olhar – Mas odiaria a quantidade de pessoas que me procurariam por gostar mais de ouro do que de outra coisa em mim! - Talvez fosse melhor pedir sabedoria? – arrisquei olhando para o anjo. - E de que me adiantaria saber fazer de tudo, se tivesse medo de começar a fazer? - Então peça coragem! - Lembra-se da tempestade? – perguntou o anjo de cabeça baixa – Pois o que ela mais tinha era coragem, mas faltavam- lhe amigos. - Seus amigos são importantes assim? O anjo olhou com um ar decepcionado: - Você sabe muito bem que sim! Estava lá quando enfrentei a tempestade e mesmo sem saber seu nome o protegi. Olhei espantado para o anjo: - Me protegeu? Como assim? - Se a tempestade soubesse que você estava lá, com certeza iria provocá-lo. Estufei o peito: - Bem poderia dar uma lição nela! - Mas poderia aprender sua lição? Voltei ao assunto me sentindo sem graça: - Então peça amigos! - Para prendê-los junto a mim sem que eles queiram estar comigo? Não se lembra da borboleta? O anjo pareceu distrair-se com um arbusto que nascia em uma rachadura da fonte. Ele tinha razão, cada dádiva trazia um pouco de maldição. - Peça asas! – disse a ele, após lembrar de sua conversa com a arvore. Ele pareceu ponderar: - Não me parece uma má idéia! – porem fechou a cara logo em seguida – Mas elas já são minhas. - E onde as deixou? - Não estou certo! Creio que em algum lugar do caminho que passei. - E por que faria isto? O anjo olhou em meus olhos: - Você não imagina como é difícil, ter sempre que ser bom! - Então foi você quem as largou pelo caminho? Escolheu não poder voar? - Toda dádiva carrega um pouco de maldição! Assustei-me: - Você pode ler pensamentos? - Não de quem gostaria! - É isto pequeno anjo! Onde gostaria de estar agora? Os olhos do anjo brilharam: - Junto à estrela! É isto mesmo meu amigo, sei o que quero! O sapo coaxou: - O... Que... Quer? O anjo fechou os olhos com força, arriscou a falar, mas interrompeu seu desejo: - Ela pode não querer me ver! - Tenho certeza que quer! – disse incentivando o anjo - Ainda assim, acaba de passar outra coisa pela minha cabeça. - Então diga! O que vai querer! O sapo no mesmo tom repetiu: - O... Que... Quer? - Quero tudo que eu faça por merecer! Entendi o desejo do anjo, e o repeti: - Tudo que eu faça por merecer! O sapo mergulhou na fonte levando nossos desejos. O anjo me olhou com olhos contrariados: - Por que pediu o mesmo que eu pedi? Sorri para o anjo consciente de minha escolha: - Você me convenceu que devo ter apenas o que merecer! Ele sorriu e estendeu-me sua mão: - Desejo-lhe sorte em sua busca! Cumprimentei o anjo que se colocou em direção ao caminho que viemos: - E para onde vai agora? – perguntei ao pequeno anjo antes dele desaparecer. - Procurar uma estrela! – respondeu enquanto se embrenhava entre as flores e os insetos da floresta.
(Continua...)
Entre Flores & Insetos, tudo é possível!
Capítulos Selecionados (Até 30/09/2008)
- O Enigma do Anão - O Labirinto da Vida
- Um Anjo Sem Asas – I Parte - Sonhos Reais - A Caverna dos Espelhos - Um Anjo Sem Asas – II Parte