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Entre Flores & Insetos

(Um Anjo Sem Asas)


I - Parte

Felipe Steve Ost

São Paulo, 20 de Setembro de 2008


“A uma estrela que brilha em meus sonhos.”
Estava caminhando sem rumo por uma estreita trilha
na floresta quando ouvi o som de vozes. Pensei que se tratava
de um menino que talvez, houvesse se perdido na floresta.
Como se eu pudesse ajudá-lo, segui na direção de sua voz e
encontrei um anjo no meio de uma clareira, agachado próximo
a uma flor.
- Por que você é tão vermelha? –Ouvi o anjo perguntar a flor
- Por que você é tão enigmático?-Respondeu a flor
O pequeno anjo colocou-se de pé. Como quem temesse a
resposta, perguntou baixinho:
- Passeia comigo?
A flor desabrochou com seus anseios de conhecer o mundo:
- Vai me levar para conhecer um pouco mais do teu mundo?
- Vou te levar para descobrir o mundo com você! Você vem?
A flor fez que sim com suas pétalas e o anjo saiu a procura de
alguns gravetos que o pudessem auxiliar na remoção da flor.
Com cuidado, revolveu a terra em volta das raízes e pegando-a
nas mãos com carinho, colocou-a junto ao peito:
- Aqui vai estar protegida, prende bem suas raízes ai!
A flor fez como o anjo pediu, afundou suas raízes no coração
dele e apenas tomou cuidado para não ferir-lo com seus
espinhos.
- Muito melhor do que meu velho vaso! – disse a flor mais
vermelha do que antes.
O anjo, que já se colocara a caminhar pela trilha, sorriu-lhe um
riso puro enquanto eu os seguia:
- Se quiser, pode morar ai! O que acha?
- Acho que precisa me regar! Tem um rio mais a frente, posso
ouvir o barulho da água nas pedras, podemos parar para
descansar?
O anjo atendeu ao pedido da flor. Com suas pequenas mãos,
pegou um pouco de água e jogou sobre as pétalas aveludadas
dela.
- Esta bem assim? – Perguntou com a voz suave.
A flor desabrochou preguiçosa:
- Assim meu anjo, você vai me deixar mal acostumada!
Ele sorriu ao ouvir o gracejo da flor, secou o excesso de água
de suas pétalas e como se pedisse autorização, perguntou-lhe:
- Podemos continuar? Quero te mostrar a cidade!
- Estamos longe? – Perguntou a flor enquanto prendia mais
forte, as suas raízes no coração do anjo.
- Apenas mais alguns dias de caminhada e chegaremos lá!
- E por que não vamos voando?
O anjo consternou-se:
- Não sei voar.
- Mas você é um anjo! O que aconteceu com suas asas?
Ele desconversou:
- Melhor continuarmos! Esta bem onde esta?
A flor respondeu com um tom irritado:
- Já disse que sim!
- Então vamos!
Continuaram pela trilha que se formava entre as arvores em
silêncio. Seguindo-os de longe, podia ver o anjo, lançando
olhares perdidos para o horizonte, mas não conseguia divisar o
que ele via.
No meio daquela noite, o anjo deu algumas gotas de água para
a flor se alimentar, colocou-a para dormir e se embrenhou na
floresta. Cansado, me arrumei no chão com algumas folhas
secas, e acabei pegando no sono.
Não sei ao certo a que horas ele voltou, mas pelo tom da flor, o
anjo chegara junto ao sol:
- Onde você estava?
- Procurando com que me alimentar! – exclamou o anjo com
um tom cínico - Preciso um pouco mais do que água para
viver.
- E encontrou o que procurava?
- Sim! Uma camélia que encontrei no caminho me indicou
onde encontrar alimento.
A rosa contorceu-se:
- Uma camélia? Sei! E você esta saciado?
O anjo deu um sorriso sem fitar os olhos da flor:
- Sinto-me mais disposto! Vamos continuar?
A flor com as lagrimas escorrendo-lhe como orvalho, suspirou:
- O que mais posso fazer? Vamos a tua cidade!
O anjo ofereceu-se para ajudar a flor a se arrumar em seu
peito, mas ela com um aspecto orgulhoso, o espetou com seus
espinhos.
- Sei como me virar. Agora anda, vamos sair logo daqui, não
gosto deste espécime de Rosa-do-Japão.
O anjo fez como ela pediu, continuou o caminho, optando por
um desvio para se afastar de outras plantas e, seguindo um
pequeno riacho, reconciliou-se com a flor:
- Tens razão! – disse ele quebrando o silêncio - Fui tolo em ter
ouvido aquela outra planta.
A rosa o olhou com indiferença:
- E por que diz isso?
O anjo parou para olhar a flor.
- Por que percebo que você é a mais bela das flores, a única
que perfuma o meu caminho e, só você, me faz bem!
A rosa riu ainda acanhada:
- Te deu indigestão o alimento que a outra te indicou?
O anjo retribui o riso, mas com olhos arrependidos:
- Aprendi minha lição!
- Espero que sim! – disse a rosa mais amena – Agora vamos
deixar tudo isto pra lá e aproveitar nosso passeio!
Eles pareciam não ver o tempo passar. Seguiam animados pelo
caminho, conversavam sobre muitas coisas, dormiam
abraçados nas noites mais frias e sorriam mesmo nos dias de
chuva.
Alguns dias depois, chegamos à beira de uma estrada que
separava a floresta da cidade. O anjo animou-se:
- Chegamos minha flor!
- Meu anjo! – disse ela com receio nos olhos - Creio que nesta
cidade não aja água para alimentar uma flor!
- Fique tranqüila, eu hei de te regar todos os dias e você pode
continuar morando em meu peito.
- Ainda assim meu querido, você não pode me dar tudo o que
preciso neste lugar. Nesta cidade o sol se esconde atrás de
edifícios e a chuva é sempre evitada, é melhor que me deixe
aqui e continue o seu caminho – neste ponto a flor tinha a voz
embargada – você deve fazer esta escolha do meu modo.
O anjo parecia ter perdido o encanto. Seus olhos, que antes
brilhavam, marejaram com lagrimas que logo não puderam
mais ser contidas:
- Mas minha linda flor! Viemos de tão longe, sonhamos tanto
com este momento e agora, você me diz, que este momento
não deve acontecer? Cuidei de ti por todo o caminho e lhe dei
meu peito como casa para agora você me dizer que este não é
seu lugar?
A flor empalidecia:
- Eu entendo como se sente! Já tive um sentimento parecido
quando larguei meu antigo vaso para te acompanhar neste
trecho de sua jornada, ainda assim não me lamentei e não me
arrependo de ter vindo com você até aqui.
- Mas não se trata de seu vaso, ou de qualquer outro lugar...
A flor o interrompeu:
- Por favor, não torne mais difícil o momento de dizer adeus!
O anjo caiu de joelhos diante da flor acomodada na terra,
beijou suas pétalas, abraçou-lhe os espinhos e regou-a com
algumas lagrimas. Levantou-se cambaleante e atravessou a
estrada para se misturar e se perder com as outras pessoas da
cidade.
A flor o viu se afastando e secou quase até a morte. Suas
pétalas, antes vermelhas, tingiram-se de um amarelo pálido e
pensei que aquele seria o fim dela.
Lançou um olhar para onde o anjo partira e como se delirasse
em sua agonia, sussurrou:
- Eu vou lembrar de você sempre que pensar nos anjos, não se
esqueça de mim quando olhar para as rosas!

Assim que a flor se calou um inseto pousou ao seu


lado:
- Se vai sentir tanta saudade, por que não vai com ele?
A rosa lançou um olhar imponente:
- O coração dele já não era tão fértil como quando o conheci,
acabaria murchando!
- Ora, logo vejo pra que servem as rosas! Fixam suas raízes e
extrai tudo o que precisam para viver, mas será que você, rosa,
se lembrou de perfumar o jardim que a abrigou?
A rosa pareceu consternar-se:
- Você me acusa sem nunca se prender a lugar nenhum, por
ventura já deixou alguém tocar suas asas? Acaso já parou pra
pensar no que isto significaria?
- Não me amole com seu papo florido, posso muito bem voar
atrás de quem quero e...
A rosa interrompeu
- Mas será capaz de fazer voar junto a você, alguém que gosta
de ter os pés no chão?
- Hei de te mostrar! – respondeu o inseto alçando vôo em
direção a cidade.
Corri atrás do inseto com suas asas azuis e costas da cor do
fogo.
Na cidade era fácil distingui-lo entre as pessoas que passavam
apressadas em seus afazeres e não lhe dedicavam mais que um
olhar desinteressado.
De quando em quando, voava mais alto para tentar avistar o
anjo, até que por fim, o encontrou sentado a beira de um
abismo com um olhar pensativo enquanto olhava para baixo:
- Quanto tempo vai levar este vôo sem volta?
- Se aprender a voar, pode levar o tempo que quiser! – disse o
inseto que pousara ao seu lado.
- E por que deveria prolongar meu vôo, se o que me parece
melhor são as profundezas da terra?
- Por que você é um anjo! Você, como eu, nasceu para estar
nas alturas e pode escolher quando quer sujar ou não seus pés
na terra.
O anjo olhou para o inseto com esperança:
- E você pode me ensinar a voar?
- Só eu posso! – disse o inseto com um bater de asas – Venha
comigo!
O anjo, que parecia muito mais velho, afastou-se do abismo
seguindo de perto o inseto. Seus olhos, ainda vermelhos,
carregavam as marcas de lagrimas que secam, mas não
cicatrizam e seus ombros arqueavam-se com pesos invisíveis.
O inseto o guiou pelas ruas da cidade e revelou-lhe a
localização de um bosque de arvores retorcidas. Lá chegando,
pousou sobre uma pedra e lançando um olhar para o anjo
instruiu:
- Vê esta pedra? - o anjo fez que sim com a cabeça – Suba e
salte!
- Mas eu hei de cair, quem sabe o que há de me acontecer?
- Não seja tão idiota – irritou-se o inseto – ainda pouco queria
saltar de um abismo e agora esta com medo de alguns
centímetros? Anda, faça como estou mandando! Se quiser
aprender a voar, suba e salte!
O anjo fez como lhe foi ordenado. Vez após outra, subiu no
alto da pedra e se lançou ao ar para encontrar o chão. O inseto,
que planava entre algumas arvores, ria a cada queda e esperava
a próxima com impaciência:
- Anda pequeno anjo, tente novamente!
- Estou tentando! – respondia ele de pé, sujo de terra – Estou
tentando!
Somente quando o sol já começava a se esconder, o inseto se
aproximou do anjo.
- Veja bem, para voar é preciso que não carregue nenhum peso
desnecessário, o que pesa tanto em seus bolsos?
O anjo mentiu:
- Não tenho nada nos bolsos!
- E o que fez com aquela pétala que segurava no abismo?
O inseto fitava o anjo com olhos irritados enquanto ele, com a
mão envolvendo a pétala dentro de seu bolso, tentava disfarçar
o tom de sua voz:
- Não sei do que fala! Além disso, que diferença faria o peso
de uma pétala?
- Você pensa que pode me usar para aprender voar, sem querer
voar para mim? Não é a pétala que te pesa, mas teus
pensamentos. Enquanto pensar no que esta na terra, é a terra
que vai encontrar!
O anjo tentou negociar:
- Venha cá para me dar um abraço? Mostre-me como pode ser
bom voar do teu lado?
Um calafrio percorreu o corpo do inseto:
- Nasci para voar e você me oferece a prisão de seus braços?
Fique com tuas seguranças e me deixe partir!
O anjo, um tanto confuso, apertava a pétala em seu bolso com
mais força enquanto o inseto voava para longe lhe lançando
ofensas:
- Você merece tudo o que tem! – gritou o inseto já distante.
- Você também! – respondeu o anjo com convicção – Em sua
ambição por estas asas que tem, devorou jardins e destruiu
muitas flores agora tem suas asas, mas nunca poderá ser
tocada! Era melhor que tivesse permanecido em seu casulo,
mas acabou se tornando uma borboleta!

O anjo deitou-se entre as folhas secas que cobriam


o chão do bosque e dormiu cansado de tantas quedas. Fiz o
mesmo.
O cansaço daquela viagem, fez com que eu dormisse
pesadamente por toda a noite, e só fui acordar quando ouvi
alguns galhos se partindo com os passos do pequeno anjo que
saia do bosque apressadamente.
Corri para alcançá-lo, indo na direção do abismo. Seus olhos,
pareciam inchados de tanto chorar e temi que o pequeno anjo
se rendesse a um único vôo sem volta.
Vi quando ele olhou para o chão a centenas de metros de
distancia preparando-se para saltar, mas uma nuvem que
estava passando por ali interrompeu o feito:
- O que um anjo faz olhando para o chão tão triste? –
perguntou a nuvem com sua voz de algodão – Acaso não sabe
que sua alegria esta no céu?
O anjo não pareceu interessado na conversa da nuvem
- Não vou ouvi-la, sei que logo vai passar! Esta na natureza
das nuvens, talvez até esteja na natureza das coisas.
A nuvem ficou cinza de raiva
- Talvez quem passe seja você. As coisas estão sempre no
lugar que deveria estar!
- Afinal nuvem, o que quer comigo?
A nuvem, que já se afastava do anjo, não respondeu, cedeu seu
lugar a uma estrela atrevida que se pôs a brilhar antes do sol
desaparecer por completo.
-Ola pequeno anjo! O que faz na beira deste abismo? -
perguntou a estrela ainda se espreguiçando.
-E você? O que faz no céu antes da hora?- retrucou o anjo
olhando para cima.
A estrela brilhou um pouco mais amarela ao responder:
- O mesmo do que você!
- Então também esta perdida!- disse o anjo lançando um olhar
triste.
A estrela que quase oscilou, mudou de assunto:
- E por que você está tão sujo?
- Tropecei em algumas raízes!
Ela franziu as sobrancelhas
- Mas você não voa? Como pode encontrar o chão?
- Mente-se muito sobre nós! - disse o anjo tentando se
justificar - Também mentem sobre as estrelas?
- Só quando dizem que estamos longe!
O anjo, que já se sentara na beira do abismo, parou de balançar
seus pés no ar, seus olhos fitaram a estrela por um instante:
- Nunca havia reparado nas estrelas, são tão lindas!
- Sinto-me consternada!- disse a estrela sorrindo - O que tens
na mão?
O anjo empalideceu enquanto a estrela apontava a pétala
amassada em sua mão.
-Lembranças!
- E te faz bem lembrar? - insistiu ela
- Ainda não vejo nenhum beneficio em esquecer!
- Verá! - disse ela enquanto desaparecia na aurora - vejo-te
amanhã?
- Quem há de saber? - Respondeu o anjo dando os ombros
A estrela apagou-se no céu claro enquanto o anjo acomodou-se
sobre algumas pedras e pegou no sono.
Acordei com uma gargalhada da estrela:
- Você é um louco!
- Não me importo! - O anjo parecia descansado e pude ver
seus olhos brilhando com um ar jovial enquanto se equilibrava
com um só pé na beira do penhasco
- Agora sai logo dai! Fico agoniada de te ver assim!
O anjo atendeu ao pedido
- Só porque me pede! Se fosse outra eu saltaria!
Vi, junto ao anjo, a estrelas brilhar com o rosto avermelhado:
- Assim você me deixa sem graça!
O anjo que se encostara a uma pedra afastada do abismo, disse
sorrindo.
- Sonhei com você esta noite!
- E o que sonhou?- perguntou a estrela com curiosidade.
- Não me lembro, mas acordei com bom humor!
- Percebo! - disse a estrela - E gosto de te ver sorrir!
Por um minuto, nem o anjo nem a estrela, encontraram
palavras para continuar e o silêncio da noite só foi
interrompido quando a lua inflou-se como um grande balão
branco.
- Gosto da lua - disse o anjo - às vezes esconde alguns
pensamentos meus lá!
- Eu prefiro jogar os meus em buracos negros!- respondeu a
estrela - Fica bem mais fácil...
A estrela interrompeu sua frase e o anjo, com sua curiosidade,
pediu para que ela terminasse a frase, mas ela fingiu não se
lembrar:
- Seria mais fácil te entender se eu souber o que pensa! -
Suplicou o anjo olhando para estrela
- Talvez seja melhor que não me entenda!- a estrela parecia
confusa - O sol já esta nascendo, vejo-te de noite?
O anjo olhou para o céu a procura do sol, mas a estrela o
avisou:
- Vou um pouco mais cedo hoje, prometi dar adeus a uma
prima cadente!
A estrela piscou antes de desaparecer e o anjo terminou
adormecendo sobre o reflexo da lua.
-Anda acorda - dizia a estrela impaciente
O anjo sentou-se, se esticou pelo ar e com um sorriso dirigiu-
se a estrela.
- Agradece tua prima por mim?
- Mas o que ela fez para merecer essa gratidão vespertina?
- Você sabe! Toda aquela historia de pedidos! O meu já se
realizou!
A estrela eufórica quase gritou:
- Criou asas meu anjo? Já pode voar?
O rosto do anjo corou.
- Não consegui pensar nisto, minha cabeça esta cheia de outra
coisa!
- E o que foi que pediu?
- Ora, você sabe! - a estrela fez que não com a cabeça e o anjo
ainda mais rubro completou - Só pedi que voltasse esta noite.
- Não acredito meu anjo! Este pedido eu mesma poderia
realizar, por que não me pediu?
O anjo abriu os braços e erguendo os ombros suspirou:
- E o que pediria se não fosse isto?
A estrela brilhou tímida ao perguntar
- E afinal, por que quis que eu voltasse esta noite?
O anjo que limpava os olhos com suas pequenas mãos falou
impaciente
- Você sabe! Já disse que não consegui pensar em outra coisa.
- Pensei que houvesse um motivo a mais - suspirou a estrela
com um brilho decepcionado
- Quem sabe haja! - O anjo respondeu enquanto se levantava -
Passeia comigo?
A estrela sorriu
- Pensei que nunca ia me chamar! Para onde quer me levar?
Lembre-se que tenho que voltar antes de amanhecer e...
O anjo a interrompeu:
- Sabe linda estrela, às vezes você reage como uma menina!
Ela contestou com um brilho
- Não pareço não!
O anjo percebeu no tom de voz da estrela um
descontentamento e corrigiu apressado.
- Mas só às vezes parece uma menina, na maior parte do
tempo parece mais que uma constelação!
A estrela deixou escapar um riso
- Sempre tentando agradar, assim eu acabo ficando mal
acostumada!
- Já ouvi isso! - suspirou o anjo ao tocar a pétala vermelha em
seu bolso - Logo vai enjoar de mim! E vai passar como tantas
coisas.
- Algumas coisas não passam! - protestou a estrela - E outras
só passam se deixar-mos!
O anjo retirou a mão do bolso como se tivesse tocado em
brasa.
-Tens razão, algumas coisas precisam passar e outras eu
preciso deixar ir! Pode me ensinar como guardar minhas
lembranças em um buraco negro?
- Esta me fazendo um pedido?- perguntou a estrela com um
sorriso maroto
- Sim! Pode me ensinar?
- Pareço com uma estrela cadente?
- Mas pensei que pudesse te pedir!
- Só você pode!- afirmou a estrela que começava a bocejar -
acho que nosso passeio fica para amanhã, o sol já acordou!
A estrela já tinha desaparecido no céu, mas o anjo ainda
acenava em sua direção como se esperasse ela olhar para trás.
- Odeio ver-la partindo! - declarou o anjo voltando à pedra que
passara a ultima noite.
Demorou mais do que os outros dias para pegar no sono, ficou
deitado olhando o sol colorir a manhã com tons de rosa até que
eles se tornaram azuis, só então dormiu.
A estrela parecia irritada:
- Acorda anjo, quanta preguiça!
Com um susto o anjo colocou-se de pé
- O que te aconteceu estrela? Parece que o mundo vai acabar.
A estrela acabou cedendo ao riso, com a voz mais calma
continuou:
- E bem poderia! Com a tempestade que se aproxima, tudo é
possível!
O anjo olhou para o céu, mas não viu nenhuma nuvem:
- Não vejo nem sinal desta chuva!
- Não é uma chuva - retrucou a estrela - é uma verdadeira
tempestade. Chega ao fim desta noite, vejo-a daqui!
- Mas então, por que a pressa?
A estrela pareceu decepcionar-se:
- Pensei que fosse me levar em um passeio. Já esqueceu teu
convite?
Foi a vez de o anjo frustrar-se
- Vieste só pelo passeio?
- Não seja bobo meu anjo, mas diga, onde pretende me levar?
- Vou te levar ao meu lago!
A estrela divertiu-se
- Então tens um lago só seu?
- Sim, o fiz com meus olhos! Não é tão grande, mas é do
tamanho que preciso.
- O que tem na cabeça?- perguntou a estrela preocupada.
- Já vai ver, fica bem próximo!
O anjo caminhou pelas ruas e a estrela o seguiu, acompanhei
de longe os dois que caminhavam em silêncio.
O anjo embrenhou-se entre em algumas arvores enquanto a
estrela deslizou pelo céu.
- Vejo teu lago, meu anjo! -exclamou a estrela que chegara
antes dele - é lindo, como o fez?
-Com lagrimas!- respondeu o anjo com um nó na garganta.
-E porque me trouxe aqui? - interrogou a estrela que desviou o
olhar das águas tremulas do lago.
- Quero te mostrar uma coisa! Mas antes quero dizer como ele
veio parar aqui.
A estrela que ainda evitava olhar para a água, esforçou-se para
encarar o anjo.
- Isto será mesmo necessário?
- Para que entenda corretamente o que quero te mostrar? Será
sim!
O anjo sentou-se em uma pedra disposta em uma das margens
do lago, ficou em silêncio durante um minuto para finalmente
começar sua história.
- Foi neste bosque que cai na terra!
O anjo passou a mão sobre a pedra fria, como se lhe fizesse
um carinho, tomou fôlego e fitando a estrela continuou.
- Na primeira noite que passei aqui, deitei no meio das folhas
secas e adormeci cansado. Sonhei com meus tempos de
menino e com as brincadeiras de minha infância, mas ao
acordar percebi ter envelhecido.
- Não diga bobagens, ainda é tão novo! - interrompeu a estrela
O anjo calou-se contemplando os pequenos círculos que se
formavam no lago.
- Se tivesse me visto antes, perceberia o que estou a te dizer
Ele piscou algumas vezes como se saísse de um transe.
- Quando percebi que o tempo estava passando, uma lagrima
rolou pelos meus olhos e caiu na terra. Logo em seguida, outra
me escapou. Não podia conter-las e, como nunca fiz enquanto
novo, chorei como uma criança. - O anjo olhou para a estrela e
forçou um sorriso amarelo.
- Também mentem sobre as lagrimas!
- O que quer dizer?- balbuciou a estrela que se perdera
olhando o lago.
- Chorar não faz tão bem como dizem, tu deves saber!
A estrela concordou.
-Sei do que fala!
- Pois a cada lagrima derramada, uma nova se preparava em
meus olhos, e sem conseguir evitar, tudo que me fazia mal,
voltava aos meus pensamentos, o que me fazia chorar ainda
mais.
- Deve ter tido muitos pensamentos ruins - disse a estrela
indicando o tamanho do lago
- Não eram muitos, apenas eram freqüentes - explicou-se o
anjo - e durante um dia inteiro fiquei aqui, chorando minhas
tristezas e remoendo minha dor.
- E porque não fugiu?
- Onde poderia me esconder de mim mesmo?
A estrela se calou.
- Quando finalmente consegui controlar minhas lagrimas corri
apressado para fora do bosque, jurando não mais voltar.
- Mas então esta quebrando sua promessa? - perguntou a
estrela com olhos reprovadores.
- Não exatamente - defendeu-se o anjo ficando de pé na rocha-
vim para lhe mostrar algo, se aproxime!
A estrela, um tanto desconfiada, fez o que o anjo pediu.
- Olhe para minhas lagrimas!
A estrela protestou:
- Não quero ver teu lago de lagrimas!
- Mas é preciso, e rápido! A tempestade esta chegando!
A estrela cedeu:
- E o que quer que eu veja?
O anjo apontou para seu reflexo sorridente:
- Vê? Graças a você, posso sorrir em meio a minhas lagrimas!
A estrela olhou atentamente o reflexo do anjo que sorria e
ficou sem palavras.
As primeiras nuvens da tempestade se apressavam pelo céu e o
anjo, como se fosse capaz de ler os pensamentos da estrela, a
tranqüilizou.
- Sei que não vou te ver quando as nuvens cobrirem o céu, e
terei que enfrentar a tempestade sem você, não se preocupe
comigo!
- Mas o que fará sozinho em meio à tempestade?
- Vou olhar para as nuvens negras no céu e sorrir!
- Você deve ser louco! - exclamou a estrela com medo dos
primeiros relâmpagos - Por que vai sorrir?
Olhando nos olhos da estrela o anjo falou:
- Por que sei que atrás das cortinas negras da chuva você vai
continuar brilhando!
- Te vejo depois da tempestade? - perguntou a estrela com os
olhos marejados
- Quem há de saber? - respondeu o anjo ainda sorrindo - Agora
vai antes que a tempestade comece!
A estrela brilhou tentando esconder as suas lagrimas que
escapavam e se misturavam às primeiras gotas da chuva
- Pensarei em ti!
O anjo sorriu enquanto acenava a estrela
- Não vou te esquecer!
As nuvens esconderam o brilho da estrela lançando pesadas
gotas de chuva sobre o anjo, que sorria para o céu.

Rapidamente a tempestade invadiu o firmamento e


era tão densa e negra, que até o sol decidiu brilhar noutro
lugar.
- Veio só, pequeno anjo?- Perguntou a tempestade com um
vento que quase o derrubou.
-Ninguém esta só- respondeu o anjo que parecia olhar em
minha direção- mas vou te enfrentar sozinho.
A tempestade relampeou:
- Por que não desiste e se esconde?
- Pois sei que depois da tempestade vem a calmaria!
- De fato - disse a tempestade que trovejava furiosa - mas a
calma é premio de quem supera o desespero. Você não vai
conseguir.
O anjo riu amarelo
- Tu não me conheces! Se soubesse o que já passei...
- Também já passei por muitos lugares – disse a tempestade –
e sempre se esconderam de mim, com você não vai ser
diferente!
O anjo ponderou:
- Se é como diz, deve se sentir muito sozinho!
- Não preciso de ninguém! – trovejou a tempestade com fúria
– Se procurasse amigos seria uma garoa ou uma chuva de
verão, mas não procuro companhia por isto posso ser uma
tempestade!
- Já fui como você! Mas não se pode ir muito longe sozinho!
- Pois já rodei o mundo muitas vezes! Inundei rios em todos os
lugares, devastei plantações e levantei ondas em todos os
mares, isto não é longe para você?
- Você já sentiu o perfume de uma rosa? – perguntou o anjo
como se mudasse de assunto.
- Não! Elas se escondem quando me olham! – respondeu a
tempestade surpresa.
- Já sentiu o vento das asas de uma borboleta?
- Não! Elas fogem quando me aproximo!
- E acaso já conheceu uma estrela?
- Eu as cubro com minhas nuvens, mas o que isto importa?
O pequeno anjo sentou-se na pedra:
- Então pra que rodou tantas vezes o mundo?
A tempestade se calou. Fiquei preocupado com o anjo, ali
sentado, enfrentando uma tempestade rancorosa que parecia
preparar um raio fatal, mas ele parecia tranqüilo.
Tinha um sorriso no rosto e seus olhos pareciam ver através
das nuvens que pouco a pouco se dissiparam e
embranqueceram deixando a mostra um céu azul.
- Então pra que conhecer o mundo? – Repetiu o anjo olhando
seu reflexo nas águas do lago transbordado pelas lagrimas da
tempestade.

A terra ainda cheirava a chuva quando a noite


tomou seu lugar. O anjo olhava para o céu na expectativa de
encontrar sua estrela, mas naquela noite apenas a lua surgiu no
céu.
O anjo decepcionado perguntou ansioso:
- Minha estrela vem vindo?
- Não a vejo daqui! E você, por acaso viu o sol passar?
O anjo ficou confuso:
- Sim! Ele sempre passa antes de você!
A lua minguou:
- Nunca sei se ele me procura ou se foge de mim!
- E você, o que faz atrás dele?
A lua inchou-se e ficou vermelha:
- Se te disser, pode dar um recado para ele?
O anjo concordou:
- Procuro-o! Sei que pode parecer loucura, mas eu o amo!
- O que é o amor?
- Ora meu anjo, você sabe bem o que é! Agora mesmo, encheu
mais uma cratera com seus pensamentos!
O anjo enrubesceu:
- Meus pensamentos, são de amor?
- A maior parte deles!
- Mas não sei o que é amar! O que é o amor?
A lua pareceu crescente enquanto falava:
- O amor é querer ao outro mais do que se quer a si mesmo. O
amor é o que nos motiva a continuar, a fazer, a querer e a
viver. O amor, meu anjo, é tudo que existe de bom!
- Eu entendo o que você me diz, mas não sei se já amei alguma
coisa!
A lua, com um jeito maternal, sorriu ao anjo:
- Você já amou muitas coisas, e amou de muitas maneiras!
- Quer dizer que existe mais de um tipo de amor?
- Sim, mas não são tipos de amor e sim maneiras de amar!
O anjo suspirou:
- O amor me parece bastante complicado! Você parece saber
muito sobre esse assunto, pode me falar um pouco mais sobre
ele?
A lua ficou cheia de si:
- De fato, sei muito sobre o amor! Não só você, mas quase
todos que amam vivem com a cabeça na lua! E isto deve me
tornar uma especialista no assunto, não é verdade? – Ela
esperou o anjo concordar para continuar a falar – Pois então
saiba que amamos a muitas coisas!
- Como o quê? – perguntou o anjo.
- Como tudo! – disse a lua com um brilho – Pode-se amar tudo
que se quer bem, coisas, lugares, pessoas...
- Mas quais são as maneiras de amar?
- Bem ai as coisas se complicam mesmo!
A lua terminou de falar e ficou olhando o anjo impaciente:
- Que foi? Já não te respondi?
- Não! Você ainda não me disse quais são as maneiras de
amar!
- Não disse por que é impossível definir a forma que alguém
ama. Só quem ama, sabe como ama!
- Mas pelo menos me diga como você ama o sol?
- Oh anjo! Quem me dera conseguir definir ao trágico destino
que me é submetido. Sempre em lados opostos e em situações
diferentes.
- Como assim? – Perguntou o anjo incentivando-a falar.
- Sempre estamos em lados opostos, em situações diferentes.
Sabes como é? Enquanto eu sou obrigada a me esconder, ele
surge e lança sobre mim aquele brilho, aquele calor... Fico
pálida e quase perco minhas forças.
- E o que faz quando o vê?
- Corro!
- Você foge?
- Não meu anjo! Corro atrás dele, louca para encontrá-lo, mas
quando chego, ele já foi. Muitas vezes o vejo onde eu estava
antes, e sinto até um arrepio ao imaginar que ele foi a minha
procura. Outras vezes choro pensando que ele fugiu de mim.
- Por que corre atrás dele? – indagou o anjo sem entender.
- Por que ele brilha! Brilha tanto que tenho até medo que ele
me cegue. Sabe que às vezes tenho até que fechar meus olhos?
Mas toda vez que o faço, penso que ele esta me aquecendo em
seus braços e chego a imaginar que ele sussurra ao meu
ouvido, pedindo apenas um pouco mais de paciência.
O anjo olhava espantado para a lua que passava de uma fase a
outra enquanto falava do sol:
- Graças a estes meus devaneios, continuo buscando dele, mais
do que olhares furtivos e beijos imaginários. E corro atrás
dele, para mostrar as semelhanças que nosso contraste carrega.
- E o que ele pensa disto?
- Ele não sabe! Por isto vivo procurando em minhas fases, uma
que chame a sua atenção. Se precisasse, seria eternamente
crescente ou até mesmo minguante.
- Mas vale a pena este amor?
- A mim, meu anjo, valeria a existência ouvir da boca dele um
te amo, quando nos encontrássemos num próximo eclipse.
- Agora percebo como ama!
A lua olhou curiosa para o anjo que já se preparava para
dormir junto a uma arvore.
- E como é?
- Loucamente!
- Diga isto a ele? Faz-me este favor?
- Amanhã bem cedo o farei!
- Obrigada! Agora durma e sonho com os anj...- a lua minguou
sem graça – Com o que sonham os anjos?
Bocejando, o anjo respondeu:
- Ultimamente, só com uma estrela!

O anjo acordou com o sol batendo-lhe no rosto,


passou o recado da lua e viu o sol sair correndo apressado pelo
céu, deixando a noite chegar mais cedo.
Antes que o céu fosse tingido de negro, colocou-se a caminho
de onde encontrou a estrela pela primeira vez:
- Quem sabe ela esteja me esperando lá!
- Acho que não! – Disse uma voz rouca que se esgueirava
pelas arvores.
- Quem está ai? – Perguntou o anjo assustado
- Não se assuste, não quero lhe fazer mal!
- Mas o que faz me seguindo?
- Só queria ter certeza de que ela não viria te procurar.
O anjo contorceu-se em raiva:
- E o que ganha com isso?
- Diversão – disse o diabrete que saiu do lugar que se
escondia.
Seu rosto, uma grande bola vermelha, tinha um riso cínico
espontâneo e dois chifrinhos saltavam de sua testa suada.
- Acho que ela acreditou na minha história – disse o diabrete
em meio a uma risada que mais parecia um chiado – bobinha!
O anjo ficou quase tão vermelho como o diabrete enquanto
perguntava entre os dentes:
- O que foi que disse a ela?
- Nada demais! – rindo um pouco mais alto – só falei que você
tinha fugido da tempestade e se escondido na floresta...
- Mas eu não fugi!
- Eu sei! Mas como você não apareceu no lugar que vocês se
encontravam, ela acabou acreditando na minha piada.
Com os olhos injetados o anjo fitou o diabrete:
- Pois volte lá e fale a verdade!
- Bem que gostaria! – respondeu o diabrete que tinha
dificuldade de falar em meio às risadas – Mas ela era muito
sensível, começou a chorar e com um soluço desapareceu no
céu! Você tinha que ver, foi tão engraçado!
- E por que eu me esconderia na floresta?
- Esta, foi uma sacada de gênio! – disse o diabrete batendo na
testa – Imagina que assim que eu falei que você tinha fugido
ela olhou para os lados da floresta para ver se te via correndo
por lá! E os olhos dela eram tão cômicos te procurando entre
as arvores, que falei que ela não te encontraria entre as flores e
os insetos! Você sabe, não da pra ver nada no meio daquele
mato!
O anjo não queria se convencer:
- Se você é tão piadista, como posso saber que não esta
tentando me pregar uma peça?
- Vá lá e veja com seus próprios olhos! – disse o diabrete que
teve outra crise de riso – Mas vai voando!
Sem fôlego o diabrete caiu no chão segurando a barriga:
- Vai voando! Esta foi de matar!
O anjo correu até a beira do abismo e olhando para o céu, viu
apenas o breu no lugar da estrela.
- Por que fez isto comigo? – perguntou ao diabrete que se
arrastava atrás dele.
- Você sabe! Nós os diabretes vivemos pregando peças! Não é
nada pessoal, é apenas diversão!
O anjo explodiu:
- Diversão! Quem pensa que é para se divertir comigo?
- Calma! Afinal não foi com você a piada, foi com ela! Se
fosse com você, muito provavelmente, você VOARIA no meu
pescoço – o diabrete engasgou com suas risadas.
O anjo olhou para o diabrete como se houvesse gostado da
idéia. O diabrete por sua vez, controlou o riso e com uma
reverência, despediu-se.
- O prazer foi todo meu, vejo-te por ai!
O anjo sentiu um nó se formando na garganta e por fim,
chorou lagrimas de saudade.

Antes que a noite findasse, o anjo seguiu rumo à


floresta, e seus passos eram tão firmes e obstinados que assim
que o sol apareceu no céu, estávamos caminhando por uma
trilha em meio a arvores, em algum ponto distante do que
havíamos nos despedido da flor.
Mesmo com a respiração arfante, o anjo continuava abrindo
caminho entre os arbustos que pareciam cada vez mais secos e
cheios de espinhos.
- Aonde vai tão apressado, pequeno anjo? – perguntou uma
velha arvore que teve um galho partido ao ser empurrado.
- Encontrar minhas asas! – respondeu o anjo que parou para
tomar água em um riacho próximo – O que faz aqui?
Com um estalo, a arvore respondeu:
- Procuro um tesouro!
O anjo lançou um olhar severo para a arvore:
- Então porque esta parada?
- Não estou! – respondeu a arvore balançando suas folhas –
Minhas raízes nunca descansam!
- E onde estão elas que não as vejo?
A arvore dobrou-se com o vento:
- Cavando!
- E já encontrou alguma coisa?
Os frutos da arvore amadureceram:
- Ainda não! Mas sinto que estou próxima.
Ao ver as frutas balançando entre as folhas mal cuidadas, o
anjo sentiu sua boca salivar:
- Não me lembro da ultima vez que comi – disse com os olhos
vidrados – o que faz com tuas frutas?
A arvore lançou um olhar desinteressado para a ponta de seu
galho mais carregado:
- Você esta falando destas pelotas que brotam em meus
galhos? Não servem para nada!
- São venenosos?
- Não sei, nunca prestei atenção neles!
O anjo olhou ao redor da arvore e viu algumas frutas
apodrecidas.
- E porque continua os fabricando, se não vê serventia neles?
A arvore farfalhou:
- Não tenho como conter-los, eles aparecem sempre que está
muito calor. Deve ser algum tipo de alergia!
O anjo riu:
- Não se faça de tola, suas brotoejas valem para alguns, mais
do que o ouro!
- Isto? – respondeu a arvore soltando uma maçã vermelha nas
mãos do anjo – Só me servem para dar coceira!
O anjo que se preparava para morder a fruta foi interrompido
pela arvore:
- Espere um pouco, pequeno anjo! Assim que descobrir meu
tesouro, compro-lhe um banquete! O que acha?
- Acho que esta cega! – respondeu o anjo dando uma mordida
na fruta – Se pudesse ver o tesouro que tem, se ocuparia com
uma tarefa mais produtiva do que cavar!
A arvore sorriu com menosprezo:
- Só você e os pássaros, enxergam utilidade para estas coisas!
O anjo, limpando a boca com a manga de sua roupa,
respondeu com pena:
- Então, encontramos o tesouro antes de você! - Cavando um
buraco próximo a arvore, enterrou as sementes ainda presas ao
miolo da maça.
- O que esta fazendo, pequeno anjo?
- Lhe dando uma irmã! – respondeu o anjo que jogava um
pouco de água sobre a terra - Espero que quando crescer, ela
perceba o que realmente é importante.
- Até lá eu já terei descoberto meu tesouro!
- Espero que sim! – respondeu o anjo que já caminhava por
entre outras arvores – Espero que sim!

Caminhamos durante algumas horas desbravando a


floresta, que naquele ponto parecia intocada. O anjo seguia na
frente, com a mesma vontade de antes empurrava os galhos
retorcidos que atrapalhavam o caminho e não se importava
com a dor dos espinhos que se cravavam em sua pele.
Vi, enquanto lutava com alguns ramos que se enrolaram em
minhas pernas, o anjo parar na frente de uma fonte
abandonada:
- Enfim a encontrei! – disse o anjo com os olhos brilhantes.
Com euforia retirei o mapa de meu bolso e, após verificar as
anotações, repeti a frase do anjo. Enfim havia encontrado a
fonte que marcava o inicio de minha jornada rumo ao tesouro
que me era destinado. Livrei-me dos ramos com pressa e corri
para encontrar o anjo.
Ele estava parado olhando uma mancha verde escuro no centro
das águas límpidas da fonte tomada por musgos. Tamanha era
minha euforia, que corri e fiquei ao seu lado, fitando a mancha
que abrindo os olhos coaxou:
- O... Que... Quer?
Senti meu estomago se contorcendo ao ver a aparência do sapo
que se ajeitava com dificuldade nas margens da fonte. Ele
repetiu:
- O... Que... Quer?
O anjo, que resolvera admitir minha existência me olhou por
um segundo:
- Esta fonte – disse ele apontando as paredes de pedra mal
cuidadas – é conhecida pelos moradores da floresta, como a
fonte dos desejos.
- Vi isto em meu mapa! – respondi vacilante.
O anjo continuou a falar como se falasse para si mesmo:
- Nesta fonte, escravos conquistaram reinos, sapos viraram
príncipes e demônios alcançaram o perdão, tudo porque
pediram aquilo que mais queriam.
O sapo interrompeu:
- O... Que... Quer?
- Agora, finalmente encontrei a fonte dos desejos, mas é
incrível como a possibilidade parece me cegar!
Entendendo a insegurança do anjo, falei olhando em seus
olhos:
- Peça o que sempre sonhou!
O anjo sacudiu a cabeça enquanto o sapo insistia:
- O... Que... Quer?
- Este é o problema! Posso ter o que quiser, mas será que terei
o que me quer?
- Não consigo entender! – respondi confuso ao anjo – O que
quer dizer?
O anjo começou a andar em volta da fonte:
- Poderia pedir riquezas inesgotáveis...
- E isto não seria bom? – perguntei interrompendo o anjo.
- Talvez! – disse ele sem me olhar – Mas odiaria a quantidade
de pessoas que me procurariam por gostar mais de ouro do que
de outra coisa em mim!
- Talvez fosse melhor pedir sabedoria? – arrisquei olhando
para o anjo.
- E de que me adiantaria saber fazer de tudo, se tivesse medo
de começar a fazer?
- Então peça coragem!
- Lembra-se da tempestade? – perguntou o anjo de cabeça
baixa – Pois o que ela mais tinha era coragem, mas faltavam-
lhe amigos.
- Seus amigos são importantes assim?
O anjo olhou com um ar decepcionado:
- Você sabe muito bem que sim! Estava lá quando enfrentei a
tempestade e mesmo sem saber seu nome o protegi.
Olhei espantado para o anjo:
- Me protegeu? Como assim?
- Se a tempestade soubesse que você estava lá, com certeza iria
provocá-lo.
Estufei o peito:
- Bem poderia dar uma lição nela!
- Mas poderia aprender sua lição?
Voltei ao assunto me sentindo sem graça:
- Então peça amigos!
- Para prendê-los junto a mim sem que eles queiram estar
comigo? Não se lembra da borboleta?
O anjo pareceu distrair-se com um arbusto que nascia em uma
rachadura da fonte. Ele tinha razão, cada dádiva trazia um
pouco de maldição.
- Peça asas! – disse a ele, após lembrar de sua conversa com a
arvore.
Ele pareceu ponderar:
- Não me parece uma má idéia! – porem fechou a cara logo em
seguida – Mas elas já são minhas.
- E onde as deixou?
- Não estou certo! Creio que em algum lugar do caminho que
passei.
- E por que faria isto?
O anjo olhou em meus olhos:
- Você não imagina como é difícil, ter sempre que ser bom!
- Então foi você quem as largou pelo caminho? Escolheu não
poder voar?
- Toda dádiva carrega um pouco de maldição!
Assustei-me:
- Você pode ler pensamentos?
- Não de quem gostaria!
- É isto pequeno anjo! Onde gostaria de estar agora?
Os olhos do anjo brilharam:
- Junto à estrela! É isto mesmo meu amigo, sei o que quero!
O sapo coaxou:
- O... Que... Quer?
O anjo fechou os olhos com força, arriscou a falar, mas
interrompeu seu desejo:
- Ela pode não querer me ver!
- Tenho certeza que quer! – disse incentivando o anjo
- Ainda assim, acaba de passar outra coisa pela minha cabeça.
- Então diga! O que vai querer!
O sapo no mesmo tom repetiu:
- O... Que... Quer?
- Quero tudo que eu faça por merecer!
Entendi o desejo do anjo, e o repeti:
- Tudo que eu faça por merecer!
O sapo mergulhou na fonte levando nossos desejos. O anjo me
olhou com olhos contrariados:
- Por que pediu o mesmo que eu pedi?
Sorri para o anjo consciente de minha escolha:
- Você me convenceu que devo ter apenas o que merecer!
Ele sorriu e estendeu-me sua mão:
- Desejo-lhe sorte em sua busca!
Cumprimentei o anjo que se colocou em direção ao caminho
que viemos:
- E para onde vai agora? – perguntei ao pequeno anjo antes
dele desaparecer.
- Procurar uma estrela! – respondeu enquanto se embrenhava
entre as flores e os insetos da floresta.

(Continua...)

Entre Flores & Insetos, tudo é possível!

Capítulos Selecionados (Até 30/09/2008)

- O Enigma do Anão - O Labirinto da Vida


- Um Anjo Sem Asas – I Parte - Sonhos Reais
- A Caverna dos Espelhos - Um Anjo Sem Asas – II Parte

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