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Educativas Inclusivas Escolares e NãoEscolares
Hiran Pinel 1
Alex Sandro C. Sant’Ana 2
(...) eu sei que o mundo
é um fluxo sem leito
e é só no oco do seu peito
que corre um rio... 3
A pergunta “O que é ‘inclusão’?“, nada mais é do que uma interrogação4
, pois não
suscita, na dimensão deleuziana a que estamos a descrever, problematizações.
Pensamos que uma questão 5 que talvez ajude a pensar a prática da inclusão, seja
ela escolar ou nãoescolar, seria “como promover práticas educativas inclusivas
que suscitem desejos 6 no outro e outra e que, por sua vez, desvelem o prazer de
aprender no ambiente escolar ou nãoescolar?”.
Esse artigo emergiu de uma investigação bibliográfica fenomenológicoexistencial
(Forghieri, 2001; Pinel, 2006) onde se procurou, pelo envolvimento existencial e
distanciamento refletivo, descrever o que é e como é “inclusão” na intencional
produção científica de Deleuze.
Nesta perspectiva, a inclusão nunca é em função de um âmbito social. Ela
também não é digital. Não é para ler e escrever. Não é para se comunicar com
1
Professor Adjunto Doutor do Centro de Educação, Programa de PósGraduação em Educação da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
2
Pedagogo, Especialista em Educação e Mestrando em Educação no Programa de Pós
graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
3
Trecho da letra da canção popular de Caetano Veloso “Ele me deu um beijo na boca”.
4
“É difícil dizer... Na mídia, na maior parte do tempo e nas conversas correntes, não há questões,
não há problemas. Há interrogações. Se eu digo "Como vai você?", isso não é um problema,
mesmo se você estiver mal. Se eu digo "Que horas são?", isso não é um problema. Tudo isso são
interrogações. No nível da televisão habitual, mesmo em programas muito sérios, temos
interrogações. "O que você acha disso?". Isso não é um problema. É uma interrogação (...)”.
(DELEUZE, Disponível na Internet).
5
Aquilo que fazpensar e criar novas possibilidades de vida.
6
Entendase desejo como uma vontade de possuir ou de gozar; como um anseio, aspiração.
1
outros e outras. Não é para ter acesso, seja para consumir, chegar a uma
dependência física e usar serviços governamentais ou privados. Tudo o que foi
mencionado só pode ser considerada uma prática educativa ou psicopedagógica
inclusiva caso suscite desejos e prazeres. Uma pessoa está incluída quando sente
desejo 7 e este, por sua vez, resulte em prazer.
Tratase, freqüentemente, de práticas caracterizadas pela recusa de um modo de
“vida nômade”.
“Certa manhã – eu era um menino agitado, de uns dez anos – acordei com
uma sensação inusitada, profunda e doce, de alegria e bemestar, que me
iluminava inteiro como um sol interior (...) Eu nada sabia de ontem nem de
amanhã, estava rodeado e inundado daquele hoje feliz. Aquilo fazia bem,
e meus sentidos e minha alma o saborearam sem curiosidade nem
justificação. Aquilo me invadia e tinha um gosto magnífico”. (Hermann
Hesse, 1999; p. 1).
O nômade. “Alegria prática de Deleuze” (Misoczky, 2003). Vida nômade como
“rizoma” que não tem início e tampouco fim, estando sempre no meio, entre as
coisas; uma entrega aos experienciamentos, parafrasearíamos Rogers (in Gobbi e
Missel et al., 1999).
O nomadismo e os modos de ser sendo nômade não significa não ter território,
pois o território desse são seus próprios trajetos mesmos, indo (e deixando
rastros) de um ponto a outro. Nômades respeitam as fronteiras reinventandoas
abertas e dialógicas bem como as inserindo nos modos de ser sendo nômade. Um
ser sendo acostumado com os trajetos que lhe são familiares – ir, vir, vaivem
7
Deleuze torce a concepção de desejo entrelaçado com as idéias de Nietzsche, de vontade de
potência, inventando outros jeitos de ser, pensar e viver, intensamente atravessados por
acontecimentos, intensidades nesses acontecimentos como experimentações.
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bem. Não, ele não ignora esses pontos (apenas os reinventa, bem já o dissemos).
Pontos capturados e compreendidos: pontos de água, de habitação, de
assembléia ou outro qualquer. O ponto do nômade só existe como alternância:
"ainda que os pontos determinem trajetos, eles estão estritamente subordinados
aos trajetos que eles determinam" (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 50). Assim, há
que se diferenciar: a) o princípio vital da vida nômade; b) a conseqüência apenas
da vida nômade.
Na primeira perspectiva (a do princípio vital), a “pessoa incluível” precisa ser
reterritorializada (mudar, retornar ou pertencer a um território) para não ser
devidamente resignado (isolado) pelos outros e outras do mundo, pelo Capitalismo
Mundial Integrado (globalização), pelas pressões sociais para ler e escrever, pela
repressão da sociedade e instituições socialmente massacrantes, como a escola
moderna, os anacrônicos manicômios ou as igrejas fundamentalistas
histericizadas, etc.
Qual a resignação que é forjada para a “pessoa incluível” que por ventura recusa
as práticas sociais institucionalizadas de inclusão? (In)tentase internalizálas uma
“identidade nos modos de ser sendo de fracasso”, do tipo dito por um “cidadão” (?)
“nós [sociedade] demos a oportunidade, mas ela não aceitou porque não quis!”.
Ela não desejou ser sendo incluída – desse modo que lhe impigem ser sendo
desejante. É como se o desejo fosse constituído pela repressão, imposição... Uma
prática social nãoalegre, uma espécie, se vista como panorama da ponte, como
“alegria triste”.
A sociedade institucionalizada pensa, freqüentemente, que incluir é territorizalizar
(criar fronteiras e habitar um território) uma pessoa dentro de seus “manicômios
abertos à visitação”. Essa sociedade coercitiva, assim, cria fronteiras para cercear
a subjetividade do sujeito, forçandoa a compor uma paisagem estática e passível
de manipulação maquínica. Alguns exemplos (im)pertinentes desses espaços
fronteiras: escolas e demais instituições que filantropizamse para se tornar um
3
dispositivo de enquadramento dos/as outros/as. Logo, incluir não é cercear um
indivíduo em função de ler e escrever Braile ou aprender LIBRAS: isso somente
será uma prática psicopedagógica inclusiva, caso essa ecologia cognitiva 8 , ou
seja, esse ambiente criado intencionalmente para gerar aprendências 9 , suscite
desejos e prazeres. São impulsos alegres e atrevidos que forjam ações que
corrompem fronteiras e inventam possibilidades de “vontade de sentido” (Frankl,
1981), coisas do querer. Eis ai uma prática inclusiva!
Fazse importante frisar que numa prática inclusiva intencional, como as
promovidas pelos trabalhadores sociais, por exemplo, deve haver sim um
comprometimento sóciopolítico com a (trans)formação contínua da pessoa que ali
se encontra: nesta atual era, que muitos denominam de pósmodernidade, é
preciso se pensar a formação de um cidadão póscrítico (Sant’Ana, 2006): um
8
É um termo de Pierre Lévy para caracterizar as interações do sujeito com o meio numa relação
de construção de conhecimento. O movimento das ecologias cognitivas em seu processo de
construção/desconstrução está sempre reorganizando as fundações culturais que dizem respeito à
apreensão do real. Na escola, a noção de ecologia cognitiva coloca desafios epistemológicos
(formas de conhecer), mas, sobretudo pedagógicos (ambientação e clima propício às
experiências). (ASSMANN, 1998, p. 152)
9
Todo tipo de participação ativa em processos cognitivos, desde a célula viva até os processos
sócioculturais. (ASSMANN, 1998, p. 129)
10
Procura basicamente trabalhar os diferentes aspectos técnicos e coletivos da cognição, levando
em conta o seu caráter múltiplo e complexo (Pierre Lévy). Fazendo uma breve aproximação com
Félix Guattari, seria aquilo que promove as verdadeiras condições da vida humana, e que é
necessário tratar de modo ético, político e estético. A ecologia cognitiva compreende três
diferentes tipos de ambientes: o meioambiente propriamente dito (a ecologia ambiental), as
relações sociais (a ecologia social) e a subjetividade humana (a ecologia mental).
11
Entendase corporal aqui, como envolvendo cérebro, mente, o meio ambiente no qual esse
corpo se encontra, enfim, todos os órgãos dos sentidos experimentando “o viver” simultaneamente.
4
cidadão cosmopolita, com um conhecimento local e total, que subverte, burla,
insurge, (trans)forma e (re)inventa o cotidiano diariamente, num sersendo sujeito
participativo, com discursos de poder intrínsecos e extrínsecos, dentro de um meio
ambiente sóciohistoricamente determinado mas cujos determinantes são forjados
por todos e todas a cada dia. Assim, a perspectiva de inclusão que (in)tentase
forjar aqui possui também um viés políticosocial.
Consideramos que a proposta de prática inclusiva suscitada aqui exija dos
educadores algo que denominamos de subjetividade inclusiva (PINEL, SANT’ANA,
COLODETE et al., 2005), que seria uma aceitação incondicional do/a outro/a
enquanto pessoa “incluível”, acolhendoa com suas múltiplas formas sersendo
pessoa em seus (des)encontros com o mundo real (plano de imanência) ou seu
mundo psíquico (no caso dos autistas, por exemplo).
Educação inclusiva e processos vitais são, no fundo, as mesmas coisas. Vida é
experimentação que suscita o desejo de estar no mundo e vivêlo com prazer
corporal, logo a prática inclusiva deve ter, por princípio, fazerviver o/a outro/a, de
forma planejada e intencional, pois reconhecemos que a prática do trabalhador
social é profissional, envolvendo técnicas e tecnologias que são criadas e
apropriadas pelos mesmos para promover uma educação escolar ou nãoescolar
inclusiva.
O documento propositivo do III Seminário Internacional de Educação Inclusiva já
menciona que a Organização das Nações Unidas (ONU) prevê para o ano de
2010 a consolidação de um modelo de sociedade no qual todas as pessoas
tenham acesso a todos os recursos da comunidade, que a igualdade constitui um
princípio comum a todos e às diferenças são uma condição humana que requer
oportunidades diferenciadas para que tenhamos o gozo de tal princípio.
Entendase a prática educacional inclusiva como um dispositivo de transformação
social, no qual confluem desejos de superação e resistência à institucionalização
5
da exclusão e a repressão do desejo e do prazer. Fontana (2006, Disponível na
Internet), lança alguns questionamentos (im)pertinentes para se pensar a
educação inclusiva na pósmodernidade: Como tem se produzido o encontro entre
desejos e prescrições relativos a uma prática pedagógica inclusiva e os desejos,
metas, saberes e compreensões dos professores? No contexto da educação
inclusiva, quais os "sentidos" da "atividade educativa" para os professores?
Os episódios vividos em sala de aula, no caso da educação escolar, ou os
cotidianos informais de rua, no caso da educação nãoescolar, forjam novas
possibilidades de focalizar as questões suscitadas por Fontana (2006), desde que
se procure apreender com os “indícios” 12 que ali emergem e com os usos que os
professores fazem das práticas pedagógicas em circulação (“instituída” 13 ) ou das
que eles forjam como “instituintes” 14 , bem como entre si mesmos em termos de
transformação contínua das atividades educativas que propõem e que estão,
simultaneamente mas não contraditoriamente, inseridos e inseridas.
12
Indícios do latim indiciu. “Indícios são pistas, são sinais acerca de algovivido pelo investigador
que, por us intenção se envolveu existencialmente e de lá se distanciará reflexivamente num indo e
vindo constante. Para isso, seguindo propostas do Método Indiciário de Ginzburg, o pesquisador
deve estar atento para os ‘detalhes tão pequenos de nós dois” que ‘são coisas muitos grandes de
esquecer’, olhandosentindo de um lugartempo de onde menos espera. Tibúmm... O pesquisador
captura e compreende” (PINEL, 2006, p, 211).
13
O instituído é o que está dado, entendido como o sistema. explicitado para a organização e
condução da educação.
14
Gadotti (1992) mostra que o instituinte é composto pelas pessoas envolvidas na vida da
instituição, expressando suas vontades, construindo e reconstruindo espaços de ações num
processo interativo no meio em que atuam.
6
REFERÊNCIAS
ASSMANN, Hugo. Reencantar a Educação: Rumo à sociedade aprendente. 8.
ed. Petrópolis: Vozes, 2004. 251 p. ISBN 8532620248.
DELEUZE, Gilles. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Editora
34, 1992.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.
5. Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.
240 p. (Coleção TRANS). ISBN 8573260173.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Trad. Bento Prado Jr. e
Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
FONTANA, Roseli Aparecida Cação. A inclusão dos professores na educação
inclusiva. Disponível em: <http://www.anped.org.br/24/te3.doc>. Acesso em: 8 jul.
2006.
GADOTTI, Moacir. Indicadores de qualidade da educação escolar. São Paulo:
Instituto Paulo Freire/ USP, 1992.
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 7. ed.
rev. Petrópolis: Cortez, 2005. 439 p. ISBN 85.326.10390.
PINEL, Hiran; COLODETE, Paulo Roque; SANT’ANA, Alex Sandro C. et al. Dora e
Josué: (Pró)curando uma “subjetividade inclusiva” em contextos não escolares
informais a partir dos escolares, na fílmica de Walter Salles, “Central do Brasil”. In:
Seminário Capixaba de Educação Inclusiva, 9., 2005, Vitória. Anais
Ressignificando conceitos e práticas: a contribuição da produção científica.
Vitória: Fórum Permanente de Educação Inclusiva/ES, 2005. v. 1, p. 304306.
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PósGraduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória,
2006.
HESSE, Hermann. Felicidade. Rio de Janeiro: Record, 1999.
MISOCZKY, Maria Ceci Araujo. Pelo primado das relações nos estudos
organizacionais: algumas indicações a partir de leituras enamoradas de Marx,
Bourdieu e Deleuze. In: ENANPAD, 2003, Atibaia. Anais do XXVII ENANPAD,
2003. v. 1.
GUATARRI, Félix. Três ecologias. Campinas: Papirus, 1991.
HESSE, Herman (1949). Felicidade. Publicado na Folha de S.Paulo, sextafeira, 2
de abril de 1999.
PINEL, Hiran. Apenas dois rapazes & uma Educação Social; cinema, psico
pedagogia e existencialismo; processos afetivos e aprendizagem. Vitória: Do
Autor, 2006.
PINEL, Hiran. Nascimentos! In: JESUS, Denise Meyrelles et al. Pesquisa em
Educação Especial: Mapeando Produções. Vitória: EDUFES, 2006. p. 269309.
ISBN 8567106961.
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