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O INVERNO NUCLEAR
Tradução João Guilherme Linke
1985
SUMÁRIO
Colaboradores
Prefácio
Advertência LEWIS THOMAS
Introdução DONALD KENNEDY
PREFÁCIO
Em junho de 1982, dois executivos de fundações, Robert W. Scrivner
do Rockefeller Family Fund e Robert L. AlIen da Henry P. Kendall
Foundation, tiveram um encontro com Russell W. Peterson,
presidente da Sociedade Nacional Audubon, para tratar de uma
crescente preocupação comum: nos debates públicos sobre a guerra
nuclear e os efeitos destrutivos imediatos de explosões e radiações
sobre vidas humanas e cidades, estaria sendo dada atenção
suficiente aos efeitos biológicos de mais longo prazo? O que faria
uma guerra nuclear à atmosfera, à água, aos solos - aos sistemas
naturais de que toda a vida depende?
Allen, Peterson e Scrivner concordaram em que se deveriam buscar
meios de levar o movimento de defesa ambiental a examinar o
assunto, e se propuseram apurar que progressos estaria fazendo a
comunidade científica. Eles conheciam o relatório de 1975 da
Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, "Efeitos
Mundiais à Longo Prazo de Detonações Múltiplas de Armas
Nucleares", e o relatório de 1979 da Comissão de Avaliação
Tecnológica do Congresso dos Estados Unidos, "Os Efeitos de uma
Guerra Nuclear". Haviam também estudado uma edição especial da
revista Ambio (voI. XI, no. 2-3, 1982), órgão da Real Academia Sueca
de Ciências, que acabava de ser publicada e continha dados
científicos novos sobre os impactos climáticos e biológicos de uma
guerra nuclear.
Scrivner, Allen e Peterson reuniram alguns cientistas e ecologistas
para tratar da organização de uma conferência pública sobre os
efeitos a longo prazo de uma guerra nuclear. Entre eles estava Carl
Sagan, professor de Astronomia e Ciências Espaciais e diretor do
Laboratório de Estudos Planetários da Universidade Comell. Ele
informou que um pequeno grupo de cientistas estava empenhado num
estudo possivelmente importante ligado aos efeitos climáticos de uma
guerra nuclear. Esse estudo, "Conseqüências Atmosféricas e
Climáticas a Longo Prazo de um Conflito Nuclear", por Richard P.
Turco, Owen B. Toon, Thomas P. Ackerman, James B. Pollack e
Sagan, ficou depois conhecido como o relatório TTAPS, iniciais dos
sobrenomes dos autores.
O grupo TTAPS começara por examinar os efeitos atmosféricos de
grandes quantidades de poeira, e ampliara o estudo para incluir a
fumaça e a fuligem produzidas por incêndios extensos, depois de
verem dados sobre o tema publicados na Ambio por Paul J. Crutzen,
do Instituto de Química Max Planck de Mogúncia, República Federal
da Alemanha, e John W. Birks, da Universidade do Colorado ("A
Atmosfera depois de uma Guerra Nuclear: Crepúsculo ao Meio-Dia").
O novo e vital fator do estudo TTAPS foi o impacto da enorme
quantidade de pó e fumaça gerada por explosões nucleares e pelos
incêndios resultantes; esse manto de pó e fumaça, imaginaram eles,
teria efeitos atmosféricos que alterariam o clima e se propagariam a
grandes distâncias das áreas de explosão. O estudo quantificava,
através de modelos matemáticos, os efeitos de uma guerra nuclear
quanto ao grau em que partículas em suspensão impediriam a luz
solar de alcançar a Terra. Foram utilizados vários cenários para
indicar os níveis de megatonagem e locais de detonação, quer no ar
quer no solo. As respostas que vinham surgindo apontavam para
uma série potencialmente catastrófica de conseqüências
atmosféricas, climáticas e radiológicas. As temperaturas reduzir-se-
iam dramaticamente, mesmo no verão, a níveis bem abaixo do ponto
de congelamento da água; a luz do dia seria na maior parte reduzida;
essas condições poderiam durar vários meses e possivelmente
estender-se muito além das regiões atacadas, inclusive ao
Hemisfério Sul.
Allen, Scrivner, Peterson e o seu grupo animaram-se ao tomarem
conhecimento de que havia outro trabalho científico em curso. Um
novo estudo sobre o assunto estava sendo levado a efeito pela
Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. E o Comitê
Científico de Problemas do Meio Ambiente (SCOPE) do Conselho
Internacional de Uniões Científicas planejava um estudo sobre
"Conseqüências Ambientais de uma Guerra Nuclear".
Aquele grupo informal evoluiu para um Comitê de Orientação com o
fim de examinar a conveniência de promover uma grande conferência
pública através da qual o estudo TTAPS e as conclusões sobre as
conseqüências biológicas de uma guerra nuclear pudessem ser
conhecidas por educadores, cientistas, administradores de empresas,
autoridades civis e outros líderes comunitários e representantes de
outras nações, bem como por ecologistas. Entre os quais acederam
em formar o Comitê de Orientação estavam vários cientistas
altamente reputados: Paul R. Ehrlich, professor de ciências biológicas
e de estudos populacionais na Universidade Stanford; Peter H.
Raven, diretor do Jardim Botânico do Missouri, em Saint Louis;
Walter Orr Roberts, presidente emérito da Corporação Universitária
para Pesquisas Atmosféricas; Carl Sagan, e George M. Woodwell,
diretor do Centro de Ecossistemas do Laboratório Biológico Marinho
de Woods Hole, Massachusetts. Woodwell foi nomeado presidente
da Conferência. O Comitê designou Chaplin B. Barnes, ex-membro
da Sociedade Nacional Audubon e do Conselho de Qualidade
Ambiental, para diretor-executivo da Conferência e coordenador do
empreendimento.
Por sugestão do Dr. Sagan, resolveu-se submeter o relatório TTAPS
a um exame crítico minucioso num simpósio de eminentes
especialistas em ciências físicas. A seguir os dados seriam
mostrados a um grande número de experientes biólogos e
ecologistas para que estes se pronunciassem quanto à extensão dos
impactos mundiais à longo prazo sobre a espécie humana e os
sistemas de sustentação de vida do planeta. Ficou entendido que
somente se os dados fossem sancionados nesse exame a
conferência pública proposta seria programada.
Uma Junta Científica Consultiva composta de sessenta e um
cientistas dos Estados Unidos e de mais oito países foi constituída
para auxiliar na preparação da Conferência e colaborar na
disseminação de informações após a mesma. Preparando o programa
dos trabalhos, o Comitê de Orientação decidiu que discussões
políticas, referências a desarmamento, controle de armas e fatores
sociais, que de ordinário seriam relevantes num debate a respeito dos
impactos de uma guerra nuclear, não teriam lugar na conferência
proposta. Na organização do programa científico da Conferência,
ficou decidido que se trataria unicamente das conseqüências físicas,
atmosféricas e biológicas de uma guerra nuclear. O Comitê achou que
a inclusão de outras considerações como estratégia nuclear e
implicações econômicas, políticas e sociais desviariam a atenção da
mensagem científica central.
Em fins de abril de 1983, cerca de cem cientistas dos Estados Unidos
e de outros países reuniram-se para o processo do exame prévio na
Academia Americana de Artes e Ciências em Cambridge,
Massachusetts. Os cientistas convidados representavam uma grande
variedade de campos. Depois da primeira assembléia, organizada e
presidida pelo Dr. Sagan (que ainda convalescia das complicações
quase fatais de uma apendicectomia a que se submetera no mês
anterior), cerca de quarenta físicos e dez biólogos analisaram e
avaliaram a minuta preliminar do estudo TTAPS. Em termos gerais, o
grupo concordou com as conclusões do relatório quanto ao potencial
de reduções consideráveis na quantidade de luz solar que chega à
superfície da Terra e de alterações climatológicas de vulto, embora
sugerindo alguns pequenos ajustes. Em aditamento aos efeitos
climatológicos de temperaturas glaciais e virtual escuridão, o grupo de
ciências físicas discutiu agressões como a exposição à radiação e a
precipitações, exposição à radiação ultravioleta da luz solar devida ao
empobrecimento da camada de ozônio e ação deletéria de gases
tóxicos desprendidos pela combustão de materiais sintéticos.
Terminada a reunião dos especialistas em ciências físicas, o Dr.
Raven convocou um grupo de biólogos, juntamente com dez dos
cientistas presentes à reunião anterior, para examinarem os impactos
potenciais das condições de pós-guerra nuclear nos sistemas de
sustentação vital da Terra. Foram considerados a escuridão
prolongada e alterações climáticas extremas, e os respectivos efeitos
sobre o fitoplâncton e o zooplâncton, sobre outras formas vivas
vegetais e animais e sobre a agricultura. Trocaram-se idéias sobre os
efeitos sinérgicos das condições de pós-guerra nuclear sobre
elementos de ecossistemas marinhos, de água doce e terrestres.
Analisaram-se os efeitos sobre a vida,animal e vegetal da exposição
prolongada a radiação ionizante e à luz ultravioleta. Outras
discussões centraram-se na interrupção em grande escala dos
serviços normais de ecossistemas naturais, imprescindíveis à
sustentação da vida humana e da sociedade, inclusive a produção de
alimentos para o homem bem como para os animais de criação e para
os animais selvagens; clima e condições de tempo; eliminação de
resíduos e reciclagem de fertilizantes; preservação do solo e controle
de pragas das lavouras. Ao deixarem as reuniões de Cambridge, os
biólogos estavam todos de acordo em que esses efeitos sobre a
biosfera podiam ser devastadores num grau anteriormente não
previsto, e haviam concluído que não se podia afastar a possibilidade
de os efeitos biológicos a longo prazo de uma guerra nuclear virem a
acarretar a exterminação da humanidade e da maior parte das
espécies selvagens do planeta.
Com a afirmação dos cientistas congregados de que a análise era
válida, e de que as condições tinham de ser encaradas com muita
seriedade, o Comitê de Orientação decidiu levar avante os planos
para a Conferência, e trinta e uma instituições ou organizações
científicas, ambientais e populacionais, nacionais e internacionais,
dispuseram-se a contribuir para patrociná-Ia:
Amigos da Terra
Associação das Nações Unidas dos Estados Unidos da América
Associação Nacional dos Professores de Ciências
Causa Comum
Centro de Ligação do Ambiente
Coalizão Global Amanhã
Conselho de Defesa dos Recursos Naturais
Consórcio de Terras Públicas
Crescimento Demográfico Zero
Federação Americana de Paternidade Planejada
Federação Canadense da Natureza
Federação dos Cientistas Americanos
Federação Internacional de Institutos de Estudos Superiores
Federação Nacional da Vida Selvagem
Fundo de Defesa Ambiental
Instituto Americano de Ciências Biológicas
Instituto do Espaço Aberto
Instituto de Política Ambiental
Instituto de Recursos Mundiais
O Instituto de Ecologia (TIE)
Programa do Ambiente das Nações Unidas
Sierra Club
Smithsonian Institution
Sociedade Americana de Microbiologia
Sociedade Ecológica da América
Sociedade do Mundo Silvestre
Sociedade Nacional Audubon
União dos Cientistas Engajados
União Internacional de Ciências Biológicas
União Internacional para a Conservação da Natureza e dos
Recursos Naturais
Universidade das Nações Unidas
Durante o verão de 1983, um grupo de vinte biólogos sob a direção
do Dr. "Ehrlich ampliou a definição dos efeitos das alterações do
clima sobre a biosfera.Nesse mesmo intervalo, o grupo TTAPS
aprimorou seus dados e entregou-os à publicação científica. E nesse
ínterim, na União Soviética, o Dr. Vladimir V. Aleksandrov, do Centro
de Computação de Modelagem de Climas da Academia de Ciências
da URSS em Moscou (um dos cientistas que participaram das
reuniões de Cambridge), comprovou as principais projeções do
estudo TTAPS através de modelos de computador por ele próprio
elaborados.
Cerca de seis semanas antes da Conferência, Allen, do Comitê de
Orientação, em conversa com Kim Spencer e Evelyn Messinger da
Internews, desenvolveu a idéia de adicionar uma nova dimensão à
Conferência aproveitando a tecnologia disponível de um link
bidirecional de satélite com cientistas soviéticos em Moscou. Allen,
Spencer e Messinger propuseram-se organizar e produzir um
programa de noventa minutos que permitiria a cientistas de alto nível
dos Estados Unidos e da União Soviética debater as teses da
Conferência sobre as conseqüências climáticas e impactos biológicos
de uma guerra nuclear.
Spencer entabulou entendimentos com a Gosteleradio, a única rede
de televisão da União Soviética, e Allen promoveu diversas
comunicações pessoais de alto nível entre cientistas americanos e
soviéticos com o fim de obter a participação de especialistas da
Academia Nacional de Ciências da URSS.
Quando da abertura de O Mundo após a Guerra Nuclear, ou
Conferência sobre as Conseqüências Biológicas Globais a Longo
Prazo de uma Guerra Nuclear, em 31 de outubro, no Hotel Sheraton
Washington em Washington, D.C., estavam presentes mais de
quinhentos participantes e uma centena de representantes da mídia.
Entre os participantes contavam-se cientistas e embaixadores ou
outros representantes de mais de vinte países, bem como autoridades
civis, educadores, conservacionistas e líderes religiosos, cívicos,
empresariais, filantrópicos, diplomáticos, militares e de controle de
armas vindos de todas as partes do território americano. A
Conferência teve ampla cobertura dos meios de informação dos
Estados Unidos, da União Soviética e de outros países.
A Conferência foi oficialmente encerrada com a fala do Dr. Roberts
(ver p. 183), mas quase ninguém deixou o recinto. Pois, naquele
ponto, os participantes se reuniram para o histórico evento subsidiário
que foi a Conexão Moscou. Era a primeira vez que as comunicações
por satélite eram usadas para pôr em contato, ao vivo, um grupo de
cientistas de Moscou com um grupo de cientistas nos Estados Unidos
para um amplo intercâmbio de informações científicas.
Às 4h da tarde, hora de Moscou (8 da manhã em Washington), de 1º.
de novembro, as exposições de Sagan e Ehrlich no dia da abertura
foram transmitidas para um grupo de cientistas soviéticos, que a
seguir se reuniram para discutir seus comentários. Às 10 da noite,
hora de Moscou, teve início a Conexão Moscou entre o grupo
soviético, reunido num estúdio de TV em Moscou, e quatro cientistas
norte-americanos num salão de conferências em Washington.
Os participantes do grupo americano eram o Dr. Thomas Malone,
diretor emérito do Instituto de Pesquisas Holcomb, da Universidade
Butler, Paul Ehrlich, Walter Orr Roberts e Carl Sagan. Os principais
debatedores em Moscou eram o acadêmico Yevgeniy Velikhov, vice-
presidente da Academia de Ciências da URSS, Yuri Israel, membro da
mesma Academia e chefe da Comissão de Hidrometeorologia e
Controle do Meio Ambiente, Alexander Bayev, especialista em biologia
e genética molecular, secretário do Departamento de Fisiologia
Biofísica, Bioquímica e Química da Academia de Ciências da URSS, e
Nikolai Bochkov, acadêmico da Academia de Ciências Médicas e
diretor do Instituto de Genética da Academia de Ciências da URSS.
Durante os noventa minutos do link de satélite, os cientistas soviéticos
e americanos trocaram perguntas e comentaram trabalhos em curso.
E alguns dados sobre efeitos de uma guerra nuclear obtidos pelos
soviéticos complementaram e ampliaram as exposições feitas na
Conferência.
Georgiy Skryabin, primeiro-secretário científico da Academia de
Ciências da URSS, expressou sentimentos "ambivalentes". "Por um
lado", disse Skryabin, "há o sentimento de grande preocupação com
respeito à possível tragédia que nos defronta, que paira sobre todos
nós mulheres, crianças, velhos, e sobre toda a vida da Terra. Por
outro, há nesta Conferência um grande motivo de satisfação, que é o
fato de que os grandes cientistas aqui presentes - nossos colegas
americanos e cientistas russos - chegaram a um consenso. Estão
todos unidos na opinIão de que não deve haver uma guerra nuclear,
de que esta significaria desastre e morte para a humanidade. Eu,
pessoalmente, sinto-me contente e confortado com isso, pois hoje em
dia a autoridade dos cientistas é considerável, e todos nós devemos
procurar fazer valer nossa influência para pôr um termo à corrida
armamentista, para que não venha a ocorrer jamais uma guerra
nuclear".
Alexander Kuzin, membro correspondente da Academia de Ciências
da URSS, declarou: "É assim responsabilidade direta dos cientistas
da União Soviética e dos Estados Unidos levar ao conhecimento de
todos os enormes perigos que acompanhariam a deflagração de
qualquer espécie de conflito nuclear, de modo a prevenir a própria
possibilidade de uma guerra nuclear, que sem dúvida nenhuma não
só resultaria na ruína da atual civilização senão que ameaçaria a vida
como tal neste planeta que amamos." Quando a Conexão Moscou se
aproximava do final, Malone observou que a troca de opiniões
proporcionada pela Conferência "poderá vir a ser vista em anos
vindouros - justificadamente - como a virada decisiva nos rumos da
humanidade, e haverá de elevar o nível de consciência entre os
condutores da política".
ADVERTÊNCIA
LEWIS TROMAS, M.D.
As descobertas científicas descritas neste livro poderão vir a revelar-
se, num mundo que tenha a boa sorte de continuar a sua história,
como tendo sido os mais importantes resultados de pesquisa em toda
a longa história da ciência.
A primeira descoberta já é largamente conhecida na comunidade
científica de climatologistas, geofísicos e biólogos aqui e no
estrangeiro, e foi confirmada em detalhe por cientistas soviéticos das
mesmas áreas. Modelos de computador demonstram que uma guerra
nuclear envolvendo o emprego de uma simples fração do total das
bombas americanas e russas poderia transformar o clima de todo o
Hemisfério Norte, mudando-o bruscamente do seu presente estado
sazonal para uma longa noite escura e gélida. Esta será seguida,
passados alguns meses, pelo assentamento da poeira e fuligem
nucleares, e depois por uma espécie nova e maligna de luz solar com
proporção aumentada da sua faixa ultravioleta, potencialmente capaz
de cegar muitos dos animais terrestres. O ozônio da atmosfera, que
normalmente protege a Terra da perigosa radiação ultravioleta, seria
substancialmente reduzido por uma guerra nuclear. Nas mesmas
pesquisas, novos cálculos da extensão e intensidade das
precipitações radioativas indicam a exposição de grandes extensões
de território a níveis de radiação muito mais altos do que se julgava.
O relatório é conhecido como TTAPS, sigla derivada dos nomes dos
pesquisadores: Turco, Toon, Ackerman, Pollack e Sagan.
O segundo trabalho, elaborado por Paul R. Ehrlich e outros dezenove
biólogos respeitados, demonstra que as predições do TTAPS
significam nada menos que a extinção de grande parte da biosfera
terrestre, muito possivelmente envolvendo o Hemisfério Sul tal como o
Norte.
Em conjunto, essas duas descobertas mudam radicalmente as
perspectivas de um conflito termonuclear. Elas foram submetidas a
um exame crítico minucioso por cientistas representantes das
disciplinas envolvidas, aqui e em outros países. Estudos paralelos e
suplementares vêm sendo feitos, e já se evidencia um grau de
concordância inusitado com respeito aos pormenores técnicos e às
conclusões tiradas. Na opinião de alguns juízes, o relatório TTAPS
teria até talvez minimizado os danos climatológicos implicados pelos
dados. O relatório dos vinte biólogos, sumariado pelo Professor
Ehrlich, representa o consenso a que chegaram quarenta
especialistas em ciências biológicas num simpósio realizado em
Cambridge, Massachusetts, na primavera de 1983.
É um mundo novo, a demandar uma nova diplomacia e uma nova
lógica.
Até aqui, a comunidade internacional de estadistas, diplomatas e
analistas militares tem-se inclinado a encarar a perspectiva de uma
guerra nuclear como um problema unicamente dos adversários
possuidores das armas. O controle de armamentos e as negociações
intermináveis visando à redução dos explosivos nucleares têm sido
considerados responsabilidade, e até prerrogativa, das poucas nações
em confronto definido. Agora tudo isso mudou. Nenhum país da Terra
está livre do perigo da destruição se duas nações quaisquer, ou
grupos de nações, se aventurarem num reencontro nuclear. Se a
União Soviética e os Estados Unidos, e seus respectivos aliados do
Pacto de Varsóvia e da OTAN, se pusessem a lançar seus mísseis
além de um mínimo dúbio e ainda indeterminado, estados neutros
como a Suécia e a Suíça sofreriam os mesmos efeitos dilatados, a
mesma morte lenta que os participantes diretos. A Austrália e a Nova
Zelândia, o Brasil e a África do Sul, têm quase tanto por que se
preocupar quanto a Alemanha Ocidental se uma conflagração em
grande escala se verificar no extremo norte.
Até aqui, todos temos tendido a ver num conflito com armas nucleares
um esforço de um par de opositores de resolver pendências como
domínio territorial ou disputa ideológica. Agora, com os novos
conhecimentos diante de nós, ficou claro que qualquer território
conquistado será ao cabo um deserto estéril, e que qualquer ideologia
será consumida na morte da civilização e na perda permanente da
memória humana da cultura.
Até agora, os riscos de uma guerra dessa espécie foram
convencionalmente calculados pelo número de mortos de um e de
outro lado ao final da batalha, soldados e não-combatentes somados.
As expressões "aceitável" e "inaceitável", significando tantos ou tantos
milhões de baixas humanas, têm sido utilizadas para estabelecer
julgamentos frios sobre a necessidade de novos e mais precisos
sistemas de armas. Daqui por diante, as coisas são diferentes. É
desnecessário falar da estimativa inquestionável de que em um
conflito total de, por exemplo, 5.000 megatons, algo como um bilhão
de pessoas morreriam imediatamente por ação das explosões, do
calor e da radiação. Por outro lado é desnecessário citar o fato
provável de que outro bilhão viria a morrer depois, em conseqüência
dos efeitos retardados sobre os sistemas de sustentação vital e da
precipitação radioativa.
Algo mais terá acontecido ao mesmo tempo, algo em que os seres
humanos deveriam ver um risco igual ao da perda de suas vidas. O
complexo, coerente, belamente organizado ecossistema da Terra -
aquilo que alguns denominam biosfera e a que outros chamam
natureza - terá sofrido um golpe mortal, ou quase. Algumas de suas
partes hão de persistir, é razoavelmente certo, e a vida do planeta irá
continuar, mas talvez unicamente em nível comparável ao que existia
por volta de um bilhão de anos atrás, quando os procariontes
(criaturas semelhantes às bactérias atuais) se uniram em
combinações simbióticas e criaram as células nucleadas de que nós
somos sem dúvida os descendentes diretos.
A última grande extinção de vida planetária ocorreu há cerca de 65
milhões de anos, quando os dinossauros e inúmeras outras criaturas
terrestres e marinhas desapareceram simultaneamente. Supõe-se
geralmente que esse evento tenha sido provocado por uma vasta
explosão de pó, que teria escurecido o sol por um período longo o
bastante para deter a fotossíntese, provavelmente em conseqüência
da colisão de um asteróide com a Terra. É esse gênero de evento que
predizem os modelos usados nestes estudos.
A persistência e multiplicação de armas nucleares, a provável
proliferação de tais armas em outros países que hoje não as
possuem, e os esforços bloqueados, adiados e fracassados de livrar-
nos dessas ameaças à vida do planeta, inclusive à nossa própria,
parecem-me hoje uma ordem de problemas diferente do que parecia
até recentemente. Já não é um assunto de política, a ser deixado à
sensatez e previdência de uns poucos estadistas e de uns poucos
chefes militares, nuns poucos Estados nacionais. É um impasse
global, que envolve toda a humanidade.
Minha esperança agora é que a comunidade científica internacional
em todos os países analise cuidadosamente os dados e conclusões a
que chegamos, que amplie esses estudos de todas as maneiras que
possa imaginar e que aconselhe seus governos adequadamente e
insistentemente. E espero que os jornalistas do mundo achem modos
de informar os cidadãos da Terra, em detalhe e reiteradamente, sobre
os riscos futuros.
Já não temos escolhas a fazer ou as opções de alguns meses atrás a
questionar. Simplesmente temos de parar, e logo, e livrar a Terra de
uma vez por todas dessas armas que na verdade não são armas,
senão instrumentos de pura danação. No pé em que estão as coisas,
nós colocamos em perigo muito mais que a humanidade em si.
Arriscamos infligir um dano permanente à vida de toda a admirável
criação.
A coisa mais linda que já vi numa fotografia, em toda a minha vida, é o
planeta Terra visto da Lua, suspenso no espaço, evidentemente vivo.
Embora à primeira vista ele pareça feito de uma multiplicidade de
coisas vivas diferentes, melhor reparando, cada peça que nele
trabalha, nós inclusive, está ligada por interdependência a todas as
demais. Segundo um modo de dizer, é o único ecossistema
autenticamente fechado que nos é dado conhecer. Em outras
palavras, é um organismo. Nasceu, calcula-se, há 3,8 bilhões de
anos, e eu lhe desejo feliz aniversário e uma longa existência futura,
para os nossos filhos, e os seus netos, e os netos de seus netos.
Tenho em alta conta a nossa espécie, com todo o seu verdor e
imaturidade como membro da biosfera. Na escala do tempo evolutivo,
nós só chegamos alguns instantes atrás e ainda temos muito que
crescer. Se formos bem-sucedidos, podemos tornar-nos uma espécie
de mente coletiva da Terra, o pensamento da Terra. No momento,
apesar da nossa juventude como espécie, somos sem dúvida a mais
engenhosa e inteligente das peças componentes do sistema. Confio
em que teremos a vontade de continuar funcionando, e de manter o
melhor que possamos a vida do planeta. Por isso, vejo estes
relatórios não apenas como uma advertência, mas também, se
devidamente divulgados e reconhecidos a tempo, como uma
extraordinária boa nova. Acredito que a humanidade como um todo,
conhecendo a verdade dos fatos, saberá o que tem de ser feito com
as armas nucleares.
Mas se os fatos permanecerem obscuros, ou forem erroneamente
tomados por fantasias teóricas arcanas, que se podem calmamente
desprezar, nesse caso não vejo esperança para nós.
INTRODUÇÃO
DONALD KENNEDY
Este não é um assunto agradável. Em primeiro lugar, as
conseqüências de uma guerra nuclear são realmente pavorosas, e
não é nada divertido dizer às pessoas que são mais pavorosas ainda
do que lhes disseram antes. Depois, infelizmente não existe uma
saída simples para as dificuldades em que nos colocam as armas
nucleares - embora alguns teimem que existe. Ao contrário, há uma
necessidade contínua de lidar com o perigo, e de enfrentar uma
política de segurança nacional que se mostra terrivelmente refratária
ao raciocínio lógico. É nessas circunstâncias desanimadoras que se
discutem as conseqüências biológicas a longo prazo de uma guerra
nuclear.
Antes de começar, quero levar ao conhecimento do leitor algumas
qualificações que me faltam para o meu papel de introdutor, e em
seguida expor uma ou duas convicções. Não sou um veterano do
movimento anti-nuclear, nem tenho experiência em matéria de
desarmamento ou de controle de armas. Ademais, é com prazer que
deixo a outros a proficiência técnica na disciplina inexata que é a
estratégia nuclear - a base tecnológica e aleatória da détente. Quanto
às convicções, devo dizer que conservo a crença antiquada de que
continuaremos a necessitar de um organismo de defesa no país, de
que, queiramos ou não, as armas nucleares continuarão por algum
tempo a exercer uma função integrante na nossa estratégia de
segurança nacional e na de outros, e de que, em vista disso, teremos
de seguir nos esforçando em compreender tais armas se quisermos
finalmente controlá-Ias e negociar racionalmente com a outra parte.
Estas revelações devem mostrar, penso eu, que não sou nem uma
fonte técnica indicada para uma conferência de controle de
armamentos, nem um candidato promissor a chefe de claque num
comício pela paz. Este volume não se destina a refletir nenhum
desses propósitos. É, sim, um relatório de análises científicas sérias
das conseqüências de uma guerra nuclear. E para introduzir esse
assunto eu tenho uma perspectiva que imagino relevante. Durante um
período em que prestei serviços ao governo, chefiei um órgão de
regulação que se ocupava em grande parte com os perigos ligados a
produtos químicos tóxicos, e de modo mais geral com as
conseqüências da introdução prematura de novas tecnologias. No
curso daqueles anos, e nos tempos imediatamente precedentes e
seguintes, estive intimamente envolvido em atividades de estimativa
de riscos: avaliação das conseqüências do uso de defensivos
agrícolas, definição de tolerâncias para contaminação por poluentes
industriais, estimativa de efeitos de aditivos alimentares, etc. Nessa
função, era uma preocupação considerável a forma de estimar os
riscos, tanto mais em circunstâncias em que os dados são
necessariamente incompletos.
Creio que três lições tiradas dessa experiência são aplicáveis ao
assunto em pauta. Primeiro, um dos grandes desafios da metodologia
de avaliação de riscos é formular decisões com o máximo de
segurança possível em face de grandes incertezas. Para levar a bom
termo esse princípio, é essencial que se tenha tanta consciência
daquilo que não se sabe quanto daquilo que se sabe.
Esse desafio torna-se muito mais difícil pela atitude do público em
relação ao risco. É esta a segunda lição: as pessoas são
ambivalentes com respeito ao risco. Aplicam-se enormes recursos
pessoais e sociais na salvação de uma vida identificada em perigo,
mas consigna-se muito menos para proporcionar uma proteção
estatisticamente muito maior a indivíduos não identificados da
população global. Aprovamos entusiasticamente leis que previnem
riscos involuntários de pequena monta; mas as revogamos
prontamente se elas restringem liberdades pessoais. Em suma, não
hesitamos em gastar grandes somas para tirar uma garotinha do poço
em que ela caiu, mas relutamos em diminuir o limite de velocidade, ou
até em proibir certos produtos cancerígenos se eles são do agrado
das pessoas.
Essa ambivalência torna-se ainda mais definida quando a
probabilidade e a gravidade dos riscos são consideradas
separadamente. Há uma diferença de atitudes em relação a riscos
estatísticos modestos amplamente distribuídos, como o aumento de
mortes por câncer devido a uma toxina ambiental, e a riscos de baixa
probabilidade com conseqüências desastrosas generalizadas, como
um conflito com armas nucleares. Embora estejamos apenas
começando a desenvolver uma ciência das atitudes humanas com
respeito à aversão ao risco, os resultados até aqui obtidos sugerem
que as pessoas tratam eventos de baixa probabilidade com
conseqüências altamente negativas de um modo que se afasta
acentuadamente das opções que seriam de prever com base nas
teorias correntes de "expectativa utilitária". Tais pesquisas podem vir a
revelar alguma coisa de grande utilidade sobre as atitudes da
população em relação à guerra nuclear. E podem ser mais
importantes ainda no que toca à questão crucial de como os
responsáveis pelas decisões, nos terríveis últimos momentos, irão
decidir.
A terceira e última lição que me seria dado tirar do domínio mais
convencional da estimativa de riscos tem a ver com a escala de tempo
em que nós reconhecemos as conseqüências. Aqui a analogia com o
mundo das substâncias tóxicas é de fato perfeitamente exata.
Quando, depois da guerra, a revolução da indústria química começou
a causar preocupação com os riscos humanos ligados a substâncias
tóxicas, a preocupação era quase inteiramente limitada aos efeitos
imediatos ou "agudos". Os primeiros programas de ensaios criados
para avaliar esses perigos foram os chamados testes LD50, que
mediam a quantidade de um determinado composto que se constituía
em dose letal para 50 por cento dos organismos utilizados no teste.
Mais tarde, foi-se aos poucos chegando à conclusão de que os efeitos
"crônicos" à longo prazo - a possibilidade de produzir câncer, ou de
aumentar a propensão de um indivíduo para cardiopatias e infarto, ou
de gerar defeitos congênitos na prole - eram muito mais importantes,
e inteiramente impossíveis de medir empregando os testes usuais de
curto prazo. A subseqüente experiência confirmou que esses riscos
crônicos são muitíssimo mais sérios que os agudos, e hoje em dia não
passa pela cabeça de ninguém avaliar a segurança de uma
substância nova sem realizar experiências de longa duração para
avaliar o seu potencial carcinogênico, efeitos fetais, etc.
É a posição em que nos encontramos com respeito à guerra nuclear:
estamos começando a compreender os efeitos retardados - os
equivalentes, para o ambiente, do câncer, das cardiopatias, do infarto.
CARL SAGAN
Hoje é o Dia das Bruxas do ano que precede 1984, e sInceramente eu
gostaria que o que irei dizer-lhes em seguida fosse apenas uma
histÓria de fantasmas, apenas algo inventado para assustar crianças
por um dia. Infelizmente, não é uma simples história. Nossas últimas
pesquisas revelaram o fato surpreendente de que uma guerra nuclear
pode arrastar em sua esteira uma catástrofe climática, a que damos o
nome de "inverno nuclear", sem precedentes durante a ocupação da
Terra pelo homem.
Foi por acidente que esbarramos com esses resultados, por uma via
tortuosa, por uma dessas circunstâncias não raras na ciência em que
estudando alguma coisa pelo interesse puramente intelectual que ela
oferece se é levado a conclusões de inesperada utilidade prática.
Para mim, a coisa começou em 1971, com a exploração de Marte
pela Mariner 9. A Mariner 9 foi a primeira espaçonave a orbitar ao
redor de outro planeta. Os engenheiros do projeto garantiram que ela
só funcionaria por três meses após a entrada em órbita. Chegando a
Marte, a nave encontrou o planeta completamente coberto por uma
tempestade global de pó. Ao fim de um mês, durante o qual foi
fotografado um disco quase inteiramente desprovido de detalhes,
passamos a alimentar sérios receios de que quando a poeira
assentasse por completo, limpando a atmosfera marciana, a nave já
estaria inoperante. Com efeito, a tempestade levou três meses para
dissipar-se, mas a nave funcionou muito melhor do que disseram os
engenheiros - e por todo o ano seguinte foi-nos dado examinar o
planeta de um pólo a outro no primeiro reconhecimento orbital
detalhado de outro planeta.
Durante aqueles três primeiros meses, pouca coisa houve a observar,
além da poeira em suspensão. Havia a bordo da nave um instrumento
chamado espectrômetro interferométrico de infravermelho, capaz de
examinar a atmosfera em vários comprimentos de onda e assim
sondar os diferentes níveis da atmosfera - desde as grandes altitudes
até a superfície. Pudemos observar a temperatura da atmosfera e a
da superfície variarem com o tempo. Os resultados mostraram que a
atmosfera estava consideravelmente mais quente do que é
normalmente em Marte, e a superfície consideravelmente mais fria. À
medida que a poeira assentava, a atmosfera foi arrefecendo e a
superfície esquentando - ambas as temperaturas caminhando para os
seus valores usuais, ou "ambientes" - Não foi difícil entender as
razões disso. Os ventos haviam arrastado uma grande quantidade de
poeira dos desertos marcianos para a atmosfera. A luz do sol fora
absorvida pelo pó na alta atmosfera, que com isso se aquecera. Da
mesma forma, a luz do sol fora impedida de alcançar a superfície, e
esta esfriara. Um espectador em Marte teria observado, depois que a
tempestade de poeira se desencadeou, o frio e a escuridão se
propagando sobre a face do planeta. Após vários meses (a
tempestade começara alguns meses antes da chegada da Mariner 9 a
Marte), quase toda a poeira se depositara, e as condições voltaram ao
normal.
Essas tempestades de poeira são comuns em Marte, e por mais de
um século têm sido observadas da Terra. Caracteristicamente, elas
surgem sempre nos mesmos poucos locais do planeta, propagam-se
primeiro em longitude, depois em latitude, e em questão de poucas
semanas no máximo cruzam tipicamente o equador marciano,
passando ao outro hemisfério. Ora, a pressão atmosférica na
superfície de Marte é mais ou menos a mesma da estratosfera da
Terra. Marte gira, como a Terra, uma vez em 24 horas, e o seu eixo de
rotação é inclinado em relação ao seu plano orbital de um ângulo
quase igual ao da Terra. Há, é claro, diferenças entre Marte e a Terra -
entre elas a ausência de mares em Marte e o fato de ele estar mais
afastado do Sol. Mas pareceu-nos que a experiência marciana podia
ser relevante para a Terra.
Alguns de nós, tendo pouca coisa a ver nos primeiros três meses
depois da entrada em órbita além da tempestade de poeira, ocupamo-
nos em calcular o grau de aquecimento atmosférico e de esfriamento
superficial para uma dada quantidade de poeira levantada. Um cálculo
aproximado não era muito difícil, e vários diferentes grupos puderam
determinar não só qualitativa como quantitativamente as mudanças de
temperatura que a tempestade de poeira temporariamente produzira
em Marte. Meus colegas (e ex-alunos) James B. Pollack e O. Brian
Toon, ambos hoje no Centro de Pesquisas Ames da NASA, estavam
ansiosos por aplicar esse repositório computacional a problemas
terrestres. Aplicamo-nos a tentar compreender o que acontece com o
clima da Terra quando um grande vulcão entra em erupção e distribui
aerossóis estratosféricos à volta do planeta. Em alguns casos,
conhecemos a quantidade de poeira introduzida na alta atmosfera, as
dimensões das partículas de pó (em geral menos de um micro [um
décimo milésimo de centímetro]) e a sua composição (geralmente
ácido sulfúrico e silicatos). Como a estratosfera é muito seca, a chuva
não remove esses aerossóis; e como a convecção na estratosfera é
muito atenuada, os movimentos do ar não tendem a transportá-Ios
para fora. Dessa forma, eles descem lentamente pelo próprio peso
-lentamente porque as suas dimensões são muito reduzidas -,
levando mais de um ano para que a estratosfera fique limpa. Ao
mesmo tempo, existem medições, para muitas explosões vulcânicas,
de um declínio pequeno porém definido da temperatura global - para
todas as explosões vulcânicas dos últimos poucos séculos, um
esfriamento de um grau ou menos. Verificamos que era possível
calcular esses declínios de temperatura com razoável precisão; os
métodos desenvolvidos para Marte, e desde então consideravelmente
ampliados, funcionaram bastante bem para a Terra.
Foi proposto então por Alvarez e outros que a extinção dos
dinossauros e muitas outras espécies 65 milhões de anos atrás, no
limite entre os períodos cretáceo e terciário, ter-se-ia dado devido à
colisão com a Terra de um asteróide de 10 quilômetros de diâmetro, e
a conseqüente efusão na atmosfera de enormes quantidades de
poeira. Com o concurso de Richard Turco da R&D Associates de
Marina deI Rey, Califórnia, Pollack e Toon calcularam que essa
colisão teria acarretado um escurecimento e um esfriamento de
grandes proporções. Devo frisar, no entanto, que a nossa tese sobre
as conseqüências climáticas de uma guerra nuclear não está
vinculada a essa explicação das extinções do cretáceo/terciário. Os
dinossauros podem ter morrido de gripe sem afetar a validade das
nossas conclusões.
Nós sabíamos, naturalmente, que explosões nucleares arremessam
grandes quantidades de poeira fina na atmosfera, e durante anos
havíamos falado em calcular os efeitos climáticos prováveis que daí
adviriam. Num seminário realizado no Centro de Pesquisas Ames
(dedicado em parte à questão da origem da vida), em 1981, decidimos
dar andamento àquele estudo. Um ano mais tarde o nosso esforço
recebeu novo impulso por obra de um trabalho muito interessante
realizado por Paul Crutzen, do Instituto de Química Max Planck de
Mogúncia, República Federal da Alemanha, e John Birks, da
Universidade do Colorado. Crutzen e Birks tinham feito uma
estimativa preliminar da quantidade de fumaça produzida pela queima
de florestas e cidades que seria descarregada na atmosfera numa
guerra nuclear. Evidentemente esta seria uma importante fonte
adicional de partículas finas capazes de obscurecer a luz do sol.
Chego assim à questão dos efeitos de uma guerra nuclear. As
conseqüências imediatas da explosão de um único artefato
termonuclear são conhecidas e bem documentadas - radiação da bola
de fogo, emissão primária de nêutrons e raios gama, deslocamento de
ar e incêndios. A bomba de Hiroxima, que matou entre 100.000 e
200.000 pessoas, era um artefato de fissão com potência de cerca de
12 quilotons (o equivalente explosivo de 12.000 toneladas de TNT).
Uma ogiva termonuclear moderna emprega um mecanismo mais ou
menos parecido com o da bomba de Hiroxima como detonador - o
"fósforo" que acende a fusão nuclear. Uma arma termonuclear
americana típica pode ter uma potência em torno de 500 quilotons (ou
0,5 megaton, sendo um megaton o equivalente explosivo de um
milhão de toneladas de TNT). Hoje existem muitas armas na faixa de
9 a 20 megatons nos arsenais estratégicos dos Estados Unidos e da
URSS. A arma mais potente até hoje detonada tinha 58 megatons.
Armas nucleares estratégicas são aquelas projetadas para serem
transportadas por mísseis lançados de bases terrestres ou de
submarinos, ou por bombardeiros, até alvos situados nos territórios
inimigos. Numerosas armas de potência aproximadamente igual à da
bomba de Hiroxima são hoje reservadas para missões militares
"táticas" ou "de teatro", ou são designadas "munições" e relegadas a
mísseis ar-ar ou terra-ar, torpedos, cargas de profundidade e
artilharia. Se bem que as armas estratégicas tenham em geral maior
potência do que as armas táticas, nem sempre é este o caso Os
modernos mísseis (por exemplo, Pershing 2, SS-20) e aviões (por
exemplo, F-15, MIG-23) táticos ou de teatro têm raios de ação
suficientes para tornar cada vez mais artificial a distinção entre armas
"estratégicas" e ''táticas" ou "de teatro". Ambas as classes de armas
podem ser expedidas por mísseis lançados de bases terrestres, do
mar e de aviões, e por sistemas de alcance tanto intermediário como
intercontinental. Não obstante, pela contagem usual existem cerca de
18.000 armas termonucleares estratégicas e de teatro e um número
igual de detonadores de fissão nos arsenais estratégicos americano e
soviético, com uma potência total de cerca de 10.000 megatons. O
número total de armas nucleares (estratégicas mais táticas e de
teatro) nos arsenais dos dois países está próximo de 50.000, com
uma potência somada de quase 15.000 megatons. Para simplificar,
eliminaremos aqui a distinção entre armas estratégicas e de teatro e
adotaremos, sob a rubrica "estratégicas", uma potência acumulada de
13.000 megatons. As armas nucleares do resto do mundo -
principalmente Inglaterra, França e China - montam a muitas centenas
de ogivas e algumas centenas de megatons de potência total
adicional.
Ninguém sabe, é claro, quantas ogivas com que total de potência
seriam detonadas numa guerra nuclear. Em decorrência de ataques a
aviões e mísseis estratégicos, e em decorrência de falhas
tecnológicas, é certo que menos que a totalidade do arsenal do
mundo seria detonado. Por outro lado, é geralmente admitido, mesmo
entre a maioria dos planejadores militares, que seria quase impossível
conter uma "pequena" guerra nuclear antes que ocorresse uma
escalada no sentido de incluir grande parte dos arsenais mundiais.
(Fatores de aceleração são mau funcionamento de comandos e
controles, falhas de comunicações, a necessidade de decisões
instantâneas sobre os destinos de milhões de pessoas, medo, histeria
e outros fatores referentes a uma guerra nuclear real, travada por
homens de carne e osso.) Basta esta razão para que qualquer
tentativa séria de estudar as possíveis conseqüências de uma guerra
nuclear deva contemplar de preferência um conflito em grande escala,
na faixa de 5.000 a 7.000 megatons - entre aproximadamente um
terço e metade dos estoques estratégicos do mundo -, e é o que
várias investigações têm feito. Contudo, muitos dos efeitos adiante
referidos podem ser deflagrados por guerras muito menores.
Aeroportos estratégicos, silos de mísseis, bases navais, submarinos
no mar, fábricas e depósitos de armas, centros de comando e de
controle civil e militar, instalações de detecção de ataque e alarme
antecipado, etc., são objetivos prováveis ("ataque de contra-força").
Embora se declare com freqüência que cidades não seriam visadas
per se, muitos dos objetivos acima referidos estão localizados nelas
ou nos seus arredores, principalmente na Europa. Além disso, existe
a classe dos alvos industriais ("ataque de contra-valor"). As modernas
doutrinas nucleares requerem que instalações de "apoio bélico" sejam
atacadas. Muitas dessas instalações são necessariamente industriais
por natureza, e empregam uma força de trabalho de dimensões
consideráveis. Quase sempre estão localizadas nas proximidades de
grandes centros de transporte, de modo que matérias-primas e
produtos acabados possam ser eficientemente transferidos para
outros setores de indústria ou para tropas no campo. Assim, essas
instalações são, quase por definição, cidades, ou se encontram perto
ou no interior de cidades. Outros objetivos classificados como de
"apoio bélico" podem ser os próprios sistemas de transporte
(estradas, canais, rios, ferrovias, aeroportos civis, etc.), refinarias,
depósitos e dutos de petróleo, usinas hidrelétricas e nucleares,
emissoras de rádio e televisão, e assim por diante. Um ataque
cruzado de contra-valor poderia assim envolver a quase totalidade
das grandes cidades dos Estados Unidos e da União Soviética, e
possivelmente a maior parte das grandes cidades do Hemisfério
Norte. Existem no mundo menos de 2.500 cidades com população
acima de 100.000 habitantes, portanto a destruição de todas essas
cidades está perfeitamente dentro da capacidade dos arsenais
nucleares do mundo.
Estimativas recentes de mortes imediatas por efeito de explosão,
radiação primária e incêndios num conflito de grandes dimensões em
que cidades fossem alvejadas variam de algumas centenas de
milhões a - mais recentemente, num estudo da Organização Mundial
de Saúde em que se supôs que os objetivos não se restringiriam
exclusivamente aos países da OTAN e do Pacto de Varsóvia - 1,1
bilhão de pessoas. É possível, portanto, que algo como a metade da
população do planeta fosse morta ou seriamente lesada pelos efeitos
diretos de uma guerra nuclear. Anarquia social; falta de eletricidade,
combustíveis, transportes, abastecimento de alimentos,
comunicações e outros serviços civis; ausência de atendimento
médico; interrupção de medidas sanitárias; multiplicação de doenças
e de distúrbios psíquicos graves - fariam sem dúvida um número
considerável de vítimas a mais. Mas uma série de outros efeitos -
alguns inesperados, alguns impropriamente analisados em estudos
precedentes, alguns por nós só recentemente descobertos - torna o
quadro ainda muito mais sombrio.
A destruição de silos de mísseis, instalações de comando e controle e
outros locais resguardados requer - dadas as atuais limitações de
precisão dos mísseis - armas nucleares de potência bastante
apreciável detonadas no solo ou a pequena altura. Explosões de alta
potência no solo vaporizarão, fundirão e pulverizarão a superfície da
área de impacto e propelirão grandes quantidades de vapores
condensados e poeira fina para a região superior da troposfera e para
a estratosfera. As partículas são carreadas principalmente na bola de
fogo ascendente; algumas sobem pela coluna da nuvem em
cogumelo. Contudo, em sua maioria os alvos militares não são muito
resguardados. A destruição de cidades pode ser realizada, como se
viu em Hiroxima e Nagasáqui, por explosões de potência inferior a
menos de 1.000 metros acima da superfície. Explosões de baixa
potência no ar sobre cidades ou florestas próximas tenderão a
provocar incêndios extensos, em alguns casos cobrindo uma área
total de 100.000 quilômetros quadrados, ou mais. Incêndios em
cidades geram enormes quantidades de fumaça negra que se eleva
pelo menos à camada superior da baixa atmosfera, ou troposfera (Fig.
1A). Se ocorrerem tempestades ígneas, a coluna de fumaça sobe
vigorosamente, como a tiragem de uma chaminé, e possivelmente (a
questão ainda não foi esclarecida) arrasta parte da fuligem para a
parte inferior da alta atmosfera, ou estratosfera. A fumaça produzida
por incêndios em florestas ou capim ficaria a princípio restrita à baixa
troposfera.
Caso 17: Neste caso são empregados cerca de 3/4 dos arsenais
estratégicos americanos e russos, numa combinação de ataques a
silos e a cidades. Depois de mais de dois meses, atingem-se
temperaturas mínimas de -47ºC (-53ºF) - temperaturas típicas da
superfície de Marte. A fuligem assenta-se com relativa rapidez, sendo
que a lentidão da recuperação é devida à poeira estratosférica. As
temperaturas não voltam ao ponto de congelamento antes de um ano.
E assim voltamos ao Dia das Bruxas. Este encontro sobre "O Mundo
após a Guerra Nuclear" está sendo realizado, em função de
circunstâncias corriqueiras como a disponibilidade de acomodações
de hotel em Washington, num 31 de outubro. O Dia das Bruxas é
comemorado hoje como um festival de duendes e fantasmas e coisas
que sabemos que não são reais. Os horrores da guerra nuclear, ao
contrário, não são fantasias, não são projeções do nosso inconsciente,
mas realidades que temos de enfrentar no mundo das emoções
pessoais e da prática política. A guerra nuclear merece, e muito, a
nossa preocupação, e não somente em 31 de outubro.
De qualquer modo, se devêssemos realizar esta reunião numa data de
significado simbólico, o Dia das Bruxas parece-me uma boa escolha.
Originalmente, na era pré-cristã, era um festival dos celtas chamado
Samhain. Assinalava o começo do inverno. Era celebrado com
enormes fogueiras. Tirava o seu nome do Senhor dos Mortos e era a
ele consagrado. O Dia das Bruxas em sua forma original combinava
os três elementos capitais do cenário TTAPS: fogo, inverno e morte.
As armas nucleares são feitas por criaturas humanas. O confronto
estratégico global entre os Estados Unidos e a União Soviética foi
concebido e executado por criaturas humanas. Não há nisso nada
inevitável. Se formos suficientemente motivados, poderemos livrar a
espécie humana dessa armadilha que insensatamente armamos para
nós mesmos. Mas o tempo é muito curto.
AGRADECIMENTOS
Este artigo não teria sido possível sem a alta competência científica e
dedicação dos meus co-autores do relatório TTAPS, Richard Turco,
Brian Toon, Thomas Ackerman e James Pollack. Também sou grato,
por estimulantes discussões e/ou cuidadosas revisões de uma versão
anterior deste artigo, a Hans Bethe, Mark Harwell, John P. Holdren,
Eric Jones, Carson Mark, Theodore Postol, Joseph Rotblat, Stephen
Schneider, Edward Teller e Albert Wohlstetter; e agradeço
encarecidamente o incentivo, as sugestões e as apreciações criticas
de Lester Grinspoon, Steven Soter e, especialmente, Ann Druyan.
Shirley Arden, Mary Maki, Mary Roth e Joanne Vago prestaram, com
sua habitual e grande competência, serviços logísticos essenciais à
preparação deste trabalho e à organização da conferencia
preparatória de Cambridge, Massachusetts. Finalmente, minha
gratidão aos companheiros do Comitê de Conseqüências Mundiais à
Longo Prazo de uma Guerra Nuclear.
Perguntas
DR. VIKAS SAINI (Junta Diretora, Nuclear Free America): Eu tenho
duas perguntas sobre as suposições do modelo. A primeira é quanto
aos efeitos no Hemisfério Sul: trata-se estritamente da transferência
de efeitos de detonações no Hemisfério Norte, ou o senhor inclui
objetivos no Hemisfério Sul?
SAGAN: Sim. Esta é uma das muitas partes do nosso estudo a que o
Dr. Turco emprestou a sua grande competência. Creio que a resposta
é, possivelmente, uma semana; meses, não. As proporções dos
incêndios seriam consideráveis por causa da enorme concentração de
depósitos de combustíveis nas cidades.
SAGAN: Não sei bem o que isso significa. Mas não há dúvida que
o inverno nuclear traz fortes implicações políticas, embora, ao
começarmos o estudo, não tivéssemos idéia de que isto iria acontecer.
Efeitos Diretos
Vou-me concentrar de modo especial nas conseqüências indiretas
geralmente ignoradas de uma guerra dessa espécie para o ser
humano, as quais se transmitiriam através de efeitos em sistemas
ecológicos. Mas não vou minimizar os efeitos diretos possíveis, por
bem conhecidos que sejam, pois estes serão realmente horríveis.
Vejam o que estudos recentes indicam que aconteceria numa grande
guerra termonuclear, em que entre 5.000 e 10.000 megatons de armas
fossem detonados - a maior parte no Hemisfério Norte. (para pôr essa
guerra em perspectiva, consideram que isso equivaleria grosso modo
à explosão de entre meio e três quartos de milhão de bombas
atômicas do tamanho da de Hiroxima, o que representa não mais que
uma fração dos arsenais nucleares atuais dos Estados Unidos e União
Soviética.)
Até certo ponto, os efeitos irão depender da dimensão da guerra,
distribuição das explosões, número de explosões no solo e de
explosões no ar, e outros fatores. Mas quero frisar novamente o que o
Dr. Sagan tão bem sublinhou: que os resultados biológicos são
pujantes. Isto significa que é sumamente difícil conceber uma guerra
nuclear em grande escala que não levasse a um desastre ecológico
de dimensões sem precedentes.
Em nosso artigo para a revista Science, nós nos concentramos mais
que o relatório TTAPS numa guerra de 10.000 megatons, porque
achamos que a população devia ser informada dos efeitos dessa
hipótese plausível. Por isso demos atenção especial ao caso de
10.000 megatons. Mas as descrições gerais dos efeitos aplicam-se a
todos os cenários de guerra em grande escala.
A previsão, segundo uma das estimativas, é de que somente as
explosões causariam 750 milhões de mortes. Um número de pessoas
igual ao que existia no planeta quando a nossa nação foi fundada
seria vaporizado, desintegrado, esmagado, reduzido a polpa e
espalhado na paisagem pela força explosiva das bombas. Outro
estudo prediz que 1,1 bilhão de pessoas seriam mortas e outras tantas
lesadas pelas explosões, pelo calor e pela radiação. Vale dizer, quase
a metade da atual população do mundo - compreendendo a maior
parte dos habitantes das nações ricas do Hemisfério Norte - poderia
converter-se em baixas no espaço de poucas horas.
Também é cristalinamente claro que a própria estrutura da sociedade
industrial seria destruída por um tal tipo de guerra. Praticamente todas
as áreas metropolitanas - que são os centros políticos, industriais,
financeiros, de transportes, de comunicações e culturais das
sociedades simplesmente deixariam de existir. Grande parte do saber
da humanidade desapareceria com elas. Atendimento médico e outros
serviços de socorro essencialmente não mais existiriam - não haveria
de onde partir assistência. Os sobreviventes das nações um dia ricas
não somente enfrentariam as cargas psicológicas esmagadoras de
terem testemunhado a maior catástrofe da história humana, como
saberiam não haver esperança de remédio.
Uma situação como essa é de tal modo estarrecedora que muitos a
entenderão como uma estimativa de pior hipótese do mal potencial
causado ao Homo sapiens na Terceira Guerra Mundial. Ao contrário,
como veremos a seguir, eu descrevi somente a ponta visível do
iceberg. Os destinos dos dois ou três bilhões de pessoas que não
morressem imediatamente inclusive as de nações muito distantes dos
objetivos - poderiam sob vários aspectos ser piores. Essas, é claro,
sofreriam a ação direta das temperaturas glaciais, da escuridão e da
precipitação radioativa à médio prazo de que falou o Dr. Sagan. Mas
os efeitos de maior alcance à longo prazo seriam produzidos
indiretamente pelo impacto destes e de outros fatores sobre os
sistemas ambientais do planeta.
Ecossistemas
Para entender isso, é preciso saber alguma coisa a respeito de
sistemas ecológicos - ecossistemas na forma abreviada da biologia.
Um ecossistema é uma comunidade biológica - todos os vegetais,
animais e micróbios que vivem numa certa área - combinada ao meio
físico em que vivem esses organismos. O meio abrange a radiação
solar, os gases da atmosfera, águas correntes, fragmentos de rocha
no solo, e assim por diante. E a essência de um ecossistema é uma
teia de processos que ligam os organismos uns aos outros e ao seu
ambiente físico.
Esses processos incluem um fluxo unidirecional de energia através do
ecossistema e um movimento cíclico de materiais no seu interior.
Muitos dos senhores estão familiarizados com o processo da
fotossíntese, pelo qual as plantas verdes "captam" a energia do sol.
Parte dessa energia é a seguir transferida ao longo de "cadeias
alimentares", sendo utilizada primeiro pelas plantas no seu
crescimento e para acionar seus outros processos vitais, depois pelos
herbívoros que comem essas plantas, depois pelos carnívoros que
comem os herbívoros e uns aos outros, e finalmente por agentes de
decomposição que desagregam resíduos e organismos mortos.
A energia do sol alimenta todos os ecossistemas importantes, não
apenas através da fotossíntese como também de processos
puramente físicos, como o de evaporar a água da superfície dos
mares e das terras de modo que esta continue a circular. Assim, vê-se
de imediato por que qualquer evento que impeça o acesso da luz solar
à superfície da Terra pode ter efeitos catastróficos sobre o
funcionamento dos ecossistemas.
Mas, e daí? É preciso entender que todos os seres humanos estão
encerrados em ecossistemas e deles dependem totalmente para a
produção agrícola e para uma série de outros "serviços públicos"
gratuitos. Esses serviços incluem a regulação dos climas e
manutenção da composição gasosa da atmosfera; suprimento de
água doce; remoção de resíduos; reciclagem de elementos nutrientes
(inclusive os indispensáveis à agricultura e à silvicultura); geração e
preservação de solos; controle da grande maioria das pragas
potenciais das lavouras e vetores de enfermidades humanas;
suprimento de alimentos do mar; e manutenção de uma vasta
"biblioteca" genética, da qual a humanidade já tirou a própria base da
civilização - inclusive todas as plantas cultivadas e animais de criação.
A danificação de ecos sistemas significa a interrupção desses
serviços. E os dois ou três bilhões de indivíduos que sobrevivessem
aos efeitos instantâneos de uma guerra termonuclear precisariam
deles mais ainda do que precisamos hoje.
Gelo e Trevas
Temperaturas reduzidas teriam efeitos dramáticos sobre populações
animais, muitas das quais seriam aniquiladas pelo frio inusitado.
Contudo o fator central dos efeitos nos ecossistemas é o impacto da
guerra sobre as plantas verdes. A atividade destas dá origem à
chamada produção primária - a apropriação de energia (através da
fotossíntese) e a acumulação de substâncias nutritivas necessárias ao
funcionamento de todos os componentes biológicos dos ecossistemas
naturais e cultivados. Sem a atividade fotossintética das plantas,
virtualmente todos os animais, seres humanos inclusive, cessariam de
existir. Toda carne é na verdade "erva".
Tanto o frio como a escuridão são adversos às plantas e à
fotossíntese. O Quadro 1 mostra as modificações de luz e temperatura
que podem decorrer de uma guerra nuclear. Note-se que, por
exemplo, as temperaturas superficiais nos continentes, longe das
costas, podem ficar abaixo do ponto de congelamento da água em
todo o Hemisfério Norte durante um ano inteiro, e que um frio próximo
desse ponto também pode assolar o Hemisfério Sul durante meses.
Os impactos de temperaturas tão baixas sobre as plantas
dependeriam, entre outras coisas, da época do ano em que
ocorressem, da sua duração, e da tolerância das diferentes espécies
vegetais ao resfriamento. Um resfriamento brusco é particularmente
prejudicial. Depois de uma guerra nuclear, prevê-se que as
temperaturas cairiam verticalmente em curto espaço de tempo; assim,
é improvável que plantas normalmente resistentes ao frio se
aclimatassem antes de serem expostas a temperaturas letais. Além
disso, mesmo temperaturas bem acima do ponto de congelamento
podem ser nocivas a algumas plantas, e outras agressões não
mostradas no Quadro 1 intensificariam os danos infligidos à vegetação
pelo resfriamento ou congelação. Acresce que plantas doentes ou
lesadas têm uma capacidade reduzida de aclimatar-se ao frio.
Tudo isso se resume em que virtualmente todas as plantas terrestres
no Hemisfério Norte seriam lesadas ou destruídas numa guerra que
ocorresse durante a estação do crescimento ou pouco antes.
Provavelmente a maior parte das culturas anuais seria prontamente
exterminada, e muitas plantas perenes sofreriam igualmente danos
graves se a guerra ocorresse no período do seu crescimento ativo.
Obviamente, os danos seriam menores se ela acontecesse na fase de
hibernação.
Se fosse no outono ou no inverno, as fontes principais de alimento
para a humanidade - trigo, arroz, milho e outros cereais - teriam sido
colhidas. Mas provavelmente o tempo permaneceria anormalmente
frio por muitos meses, impedindo o cultivo na primavera e no verão
subseqüentes, ainda que outras condições fossem favoráveis.
Outrossim, como as temperaturas de inverno estariam muito abaixo
das mínimas normais, muitas plantas perenes (por exemplo, árvores
frutíferas e componentes importantes da vegetação natural)
provavelmente morreriam. De modo geral, as sementes estocadas de
plantas de zonas temperadas não seriam afetadas pelo frio, mas as de
muitas plantas tropicais o seriam.
Se bem que em latitudes mais setentrionais uma guerra no outono ou
no inverno teria provavelmente um impacto menos violento sobre as
plantas do que na primavera ou no verão, ainda assim poderia haver
um sério impacto nos trópicos, onde as plantas crescem o ano inteiro.
As únicas partes do Hemisfério Norte onde as plantas não seriam
devastadas por um frio intenso seriam zonas costeiras e ilhas, onde a
temperatura seria moderada pelos oceanos. As faixas costeiras,
porém, experimentariam condições atmosféricas de extrema
turbulência, em vista das enormes diferenças de temperatura que se
criariam entre a terra e o mar.
Lembrem-se de que o frio é apenas um dos castigos a que as plantas
verdes seriam submetidas. O bloqueio da luz solar, causa do frio,
também reduziria ou eliminaria a atividade da fotossíntese. Isto traria
inúmeras conseqüências, que se transmitiriam em cascata através das
cadeias de alimento, inclusive as que dão sustento à espécie humana.
A produtividade primária diminuiria mais ou menos na proporção da
diminuição da luz, ainda que a vegetação não sofresse outras
espécies de danos. Se o nível de iluminação caísse a 5% ou menos
dos níveis normais - como provavelmente aconteceria por vários
meses nas latitudes médias do Hemisfério Norte -, a maioria das
plantas teria o seu crescimento interrompido. Assim, mesmo se as
temperaturas permanecessem normais, a produtividade das culturas e
dos ecossistemas naturais seria enormemente reduzida pela
intercepção da luz do sol decorrente de uma guerra. Combinados, o
frio e a escuridão constituiriam uma catástrofe sem precedentes para
esses sistemas.
Luz Ultravioleta
Quando o frio e a escuridão abrandassem, as plantas verdes
passariam a sofrer outro sério insulto. As bolas de fogo nucleares
introduziriam na estratosfera grandes quantidades de óxidos de
nitrogênio. A conseqüência seria uma forte redução do escudo protetor
estratosférico de ozônio - da ordem de 50%. Normalmente, o ozônio
filtra a radiação UV-B. Nas semanas ou meses imediatamente
seguintes à guerra, a fuligem e a poeira em suspensão impediriam
essa UV-B acrescida de alcançar o solo. Mas a escassez de ozônio
persistiria por mais tempo que a fuligem e a poeira, e, quando a
atmosfera limpasse, os organismos seriam submetidos a níveis de
radiação UV-B muito mais altos que os considerados perigosos para
os ecossistemas e para os seres humanos.
Uma das respostas das plantas ao aumento da UV-B é a redução da
fotossíntese. Além disso, folhas que se desenvolvem em baixa
luminosidade são duas ou três vezes mais sensíveis à UV-B do que as
desenvolvidas em plena luz do sol. Dessa forma, a UV-B irá potenciar
os danos antes causados por baixos níveis de luz. Sabe-se que os
sistemas imunológicos do Homo sapiens e de outros mamíferos são
suprimidos mesmo por doses baixas de UV-B. Assim, os mamíferos
submetidos a radiação ionizante acrescida (que também inibe o
sistema imunológico), a doenças e a uma série de outras agressões
num mundo de pós-guerra teriam comprometida uma de suas
principais defesas. Há também indicações de que a exposição
prolongada a um excesso de UV-B poderia provocar de modo
generalizado a perda da visão. As pessoas e outros animais
sobreviventes poderiam ver-se novamente em trevas pouco tempo
depois que o céu tivesse clareado.
Precipitação Radioativa
Os ecos sistemas do Hemisfério Norte seriam também submetidos a
níveis muito mais altos de radiação ionizante originada da precipitação
radioativa do que se imaginava antes. Uma estimativa sugere que um
total de uns 5 milhões de quilômetros quadrados estendendo-se dos
pontos de detonação na direção do vento ficariam expostos a 1.000 ou
mais rems de radiação, principalmente nas primeiras 48 horas. Esses
níveis de radiação seriam letais para todas as pessoas expostas e
para muitas outras espécies animais e vegetais sensíveis.
Até 30% das áreas continentais de médias latitudes do Hemisfério
Norte seriam expostas a mais de 500 rems de radiação no primeiro
dia. Tal dose causaria a morte de cerca de metade dos indivíduos
adultos sadios a ela expostos. No entanto, submetidos a outros fatores
de debilitação, poucos adultos nessas áreas se manteriam sadios, e a
radiação poderia acabar de liquidar muitos milhões de sobreviventes
feridos, doentes, enregelados, famintos e sedentos. Os que não
morressem ficariam doentes por semanas e propensos ao câncer pelo
resto de suas vidas. O número total de pessoas afetadas certamente
passaria de um bilhão, podendo mesmo abranger a totalidade das
populações do Hemisfério Norte - dependendo dos detalhes do
conflito nuclear.
Níveis mais baixos de exposição anormal, ainda centenas de vezes
maiores que a radiação normal "de fundo", ocorreriam em metade ou
mais do hemisfério, tornando os sobreviventes mais suscetíveis à
doença, acarretando a produção de câncer e provocando mutações
genéticas.
Os efeitos ecossistêmicos de níveis elevados de radiação são mais
difíceis de prever. Organismos não-humanos são diferentemente
suscetíveis a lesões por radiação. Entre os mais vulneráveis estão a
maioria das coníferas que formam florestas extensas nas zonas mais
frias do Hemisfério Norte. É possível que sobreviesse a morte de
coníferas numa superfície equivalente a 2% de toda a área de terras
do Hemisfério Norte. Isto, por sua vez, criaria condições propícias à
propagação de incêndios de enorme extensão.
Além das coníferas, aves e mamíferos destacam-se entre os grupos
mais sensíveis. Combinada a outras agressões, a precipitação, em
muitas regiões, poderia agravar a ruptura da mecânica normal de
ecossistemas. Além do que, isótopos radioativos entrariam em ciclos
alimentares, ganhando no processo maior concentração, e talvez
somando novos riscos para os sobreviventes humanos.
Fogo, Smog e Sinergismos
Essa narrativa de modo algum esgota os impactos que os
ecossistemas experimentariam. É claro que muitos deles seriam
destruídos ou lesados pelas explosões, pelo fogo e pela radiação de
milhares de detonações de armas nucleares. Poços de petróleo,
jazidas e depósitos de carvão, turfeiras, etc., poderiam continuar
queimando por meses ou anos. Incêndios florestais secundários,
cobrindo talvez 5% ou mais da área continental do Hemisfério Norte,
teriam efeitos devastadores diretos sobre os ecossistemas -
especialmente aqueles não adaptados a queimas periódicas.
Explosões múltiplas no ar sobre a Califórnia no fim do verão ou
princípio do outono poderiam calcinar grande parte do estado,
ocasionando enchentes e erosão de dimensões calamitosas durante a
estação chuvosa subseqüente. Assoreamento, escoamentos tóxicos e
chuvas radioativas poderiam causar a mortandade de uma grande
parte da fauna de águas doces e costeiras. Sobreviventes humanos
procurando alimentar-se de mariscos como mexilhões a beira-mar
provavelmente verificariam estarem eles mortos ou com radioatividade
concentrada de tal ordem que seria letal consumi-los.
Há grande incerteza com respeito à extensão de tempestades ígneas,
porque as condições de combustível e de inflamação que as originam
são pouco conhecidas. Em certas circunstâncias, essas conflagrações
gigantescas podem aquecer o solo o suficiente para matar as
sementes dormentes nele contidas - os "bancos de sementes" dos
quais depende a regeneração da flora. A tempestade ígnea
relativamente pequena que destruiu Hamburgo na Segunda Guerra
Mundial lançou labaredas no céu a 4.500 metros de altura e fumaça a
12.000 metros. A temperatura do fogo foi suficiente para fundir
alumínio, e abrigos subterrâneos ficaram tão quentes que quando se
abriram, dando entrada ao oxigênio, materiais inflamáveis e até
cadáveres explodiram em chamas. Essa tempestade cobriu cerca de
15 quilômetros quadrados; as muitas tempestades ígneas produzidas
numa guerra nuclear provavelmente seriam cada qual cem ou mais
vezes maior.
Os incêndios e as tempestades ígneas gerariam um smog hemisférico
de espessura variável, enriquecido a sotavento de cidades
incendiadas por diversas substâncias altamente tóxicas, como os
cloretos de vinil. Uma provável conseqüência da injeção na atmosfera
de óxidos de enxofre e nitrogênio produzidos por incêndios seriam
chuvas fortemente ácidas localizadas. E a modificação da dinâmica da
atmosfera poderia resultar em estiagens prolongadas noutras regiões.
Em geral, a sujeição de ecossistemas a várias combinações de
escuridão, frio, fogo, radiação ultravioleta, smog, chuvas ácidas e seca
seria de molde a provocar surtos sem precedentes de doenças e
pragas das plantas, os quais poderiam estender-se, no espaço e no
tempo, muito além da devastação direta produzida pela guerra.
Em muitos casos, como dito atrás, o impacto de dois fatores adversos
simultâneos seria muito maior que a soma dos seus efeitos se eles
ocorressem separadamente. Alguns desses sinergismos são fáceis de
identificar. Por exemplo, a falta de luz solar é de molde a intensificar
os efeitos de outros fatores adversos sobre as plantas porque se
requereria energia (e portanto insolação) adicional para resistir a
esses efeitos e para reparar os danos por eles provocados. Não temos
meios de quantificar outros sinergismos que sem dúvida nenhuma
ocorreriam em ecossistemas radicalmente alterados em virtude de um
ataque. No entanto tudo indica que podemos prever com segurança
que haveria muitos deles - e que de modo geral eles se revelariam
muito mais destrutivos do que alguns dos efeitos isolados.
Sumário
Permitam-me uma breve recapitulação. Uma guerra nuclear em
grande escala, ao que nos é dado prever, deixaria quando muito
sobreviventes esparsos no Hemisfério Norte, e esses sobreviventes
enfrentariam frio intenso, fome, falta de água, smog espesso, etc.,etc.,
e enfrentariam tudo isso na penumbra ou no escuro, e sem o apoio de
uma sociedade organizada.
Os ecossistemas de que em grau extremo eles seriam dependentes
sofreriam fortes distorções, transformando-se em modos que
dificilmente podemos predizer. Seus processos seriam entravados. Os
ecologistas não conhecem suficientemente esses sistemas
complicados para poderem prever a sua exata condição depois de
"recuperados". Se a biosfera voltaria a ser um dia algo parecido ao
que é hoje, ninguém é capaz de dizer.
É altamente improvável que a sociedade do Hemisfério Norte
perdurasse. Na zona tropical do Hemisfério Sul, os eventos
dependeriam em grande parte do grau de propagação dos efeitos
atmosféricos do norte para o sul. Mas podemos estar certos de que,
ainda que não houvesse essa propagação, as populações que vivem
nessas áreas seriam fortissimamente afetados pelos efeitos da guerra
- pelo simples fato de ficarem isoladas do Hemisfério Norte.
E, repetindo, se os efeitos atmosféricos se alastrassem por todo o
planeta, não podemos ter certeza de que o Homo sapiens
sobreviveria.
Figura 1. Deslocamento urbano provável: Uma semana após uma
guerra nuclear, a quantidade de luz solar ao nível do solo a grandes
distâncias dos objetivos do Hemisfério Norte possivelmente se
reduziria a uma pequena percentagem da normal. Os sobreviventes
urbanos defrontar-se-iam com frio intenso, falta de água, falta de
alimentos e de combustíveis e pesadas cargas de radiação, poluentes
e doenças. Provavelmente tentariam abandonar as cidades em busca
de comida.
Perguntas
DR. OWEN CHAMBERLAIN (professor de Física da Universidade da
Califórnia em Berkeley; Prêmio Nobel de Física de 1959): O senhor
pode fazer o favor de repetir alguns pontos capitais sobre a cultura do
trigo? Que queda de temperatura se requer para eliminá-Ia? Imagino
que é fácil perder-se a produção de um ano simplesmente porque o
sol foi insuficiente para operar um ciclo vital completo do trigo, mas o
senhor mencionou alguns dados com respeito à queda de
temperatura.
PAINEL SOBRE AS
CONSEQÜÊNCIAS ATMOSFÉRICAS E CLIMÁTICAS
DR. GEORGE M. WOODWELL (presidente da Conferência): Neste
momento tenho o prazer de abrir este tópico a novos debates, como
parte do processo geral de apressar a difusão e verificação das
conclusões. Agora será a vez das perguntas difíceis.
O primeiro painel é presidido pelo meu colega Dr. Thomas F. Malone.
Dose externa
corporal
Estudo Área e Tipo de Radiação (rems)
_______________________________________________________
Perguntas
DR. THOMAS MALONE: Este painel mostrou que existem análises
científicas amplas e diversificadas que corroboram a apresentação de
Carl Sagan.
DR. JOHN HOLDREN: Como foi dito várias vezes ontem, os testes
realizados, embora somando uma megatonagem bastante
considerável, representam eventos isolados e foram todos levados a
efeito em condições que não produziram grandes incêndios. Um dos
pontos capitais que deve ser repetidamente enfatizado é a fonte
primária da diferença entre os cálculos apresentados nesta
Conferência e cálculos anteriores. Os novos cálculos levam em conta
os incêndios em grande escala e a grande produção de fuligem que,
naturalmente, não ocorreu nas circunstâncias de nenhum teste
nuclear, mas que ocorreria numa ampla gama de circunstâncias em
caso de uma guerra nuclear real.
DR. JOSEPH ROTBLAT (professor emérito de Física da Universidade
de Londres; Conferências do Conselho Pugwash sobre Ciência e
Assuntos Mundiais): Que hipóteses foram adotadas com respeito à
duração do conflito nuclear? Levaria uma hora, dias, semanas? E qual
a sensibilidade do seu modelo à duração do conflito?
A CONEXÃO MOSCOU
UM DIÁLOGO ENTRE CIENTISTAS NORTE-
AMERICANOS E SOVIÉTICOS
DR. THOMAS F. MALONE (presidente): A Conferência sobre o Mundo
após a Guerra Nuclear é uma iniciativa científica que visa reunir
conclusões existentes e novas sobre os efeitos atmosféricos e
climáticos globais à longo prazo de uma guerra nuclear e suas
conseqüências para a vida. Os organizadores da Conferência
evitaram rigorosamente extrair quaisquer implicações políticas das
suas conclusões. Nosso objetivo é esclarecer questões e não advogar
tal ou qual ponto de vista. Todos os participantes deste programa
entendem e concordam que a Conferência não é um fórum para
discutir linhas de ação ou temas de política. Um compromisso
semelhante está subentendido nesta troca de pareceres entre
Cientistas reunidos em Washington e em Moscou.
Comigo na tribuna estão o Dr. Carl Sagan, astrônomo e cientista
espacial da Universidade Cornell; o Dr. Paul Ehrlich, ilustre biólogo da
Universidade Stanford; e o Dr. Walter Orr Roberts, meu velho amigo,
astrônomo, meteorologista e ex-presidente da Associação Americana
para o Progresso da Ciência.
Essa comunhão de preocupações entre cientistas e entre a
comunidade científica e o público é mais um passo num processo que
começou há mais de um ano em Roma, quando os líderes científicos
do mundo fizeram em uníssono esta declaração: “A partir de 1945 a
natureza da guerra mudou tão profundamente que o futuro da espécie
humana, de gerações ainda por nascer, está em risco". O debate das
questões científicas relevantes terá prosseguimento brevemente em
Estocolmo, sob os auspícios do Conselho Internacional de Uniões
Científicas.
Agora tenho o prazer de apresentar um velho amigo, o
acadêmico Yevgeniy Velikhov, vice-presidente da Academia de
Ciências da URSS.
VELIKHOV (em Moscou): Está aqui comigo hoje o Dr. Yuri Israel,
membro correspondente da Academia de Ciências da URSS e diretor
do Comitê de Hidrometeorologia e Controle do Ambiente. Quero
apresentar também o acadêmico Alexander Bayev, especialista em
biologia e genética molecular e secretário do Departamento de
Fisiologia Bioquímica, Biofísica e Química da Academia de Ciências
da URSS; e Nikolai Bochkov, acadêmico da Academia Médica de
Ciências e diretor do Instituto de Genética da Academia de Ciências
da URSS. Agora gostaríamos de ouvir o Dr. Carl Sagan, do outro lado
do Atlântico.
EHRLICH: Que mais podemos dizer senão que todos nós aqui
partilhamos esse desejo ardentemente? Esperamos que os povos do
mundo e os dirigentes do mundo prestem atenção ao fato de que o
confronto Leste-Oeste ameaça não só a União Soviética, os Estados
Unidos e seus aliados diretos, como ameaça todos os seres humanos
do planeta, pelo menos com grandes sofrimentos e provavelmente,
para a grande maioria, com a morte.
Acho que esta deve ser a base de considerações para os chefes polí-
ticos do mundo.
CONCLUSÃO
WALTER ORR ROBERTS
William D. Ruckelshaus, diretor da Agência de Defesa Ambiental dos
Estados Unidos, em recente artigo na revista Science, disse que o
debate de questões ambientais é freqüentemente dominado por um
clima de medo. Ele recomenda aos cientistas que façam maiores
esforços no sentido de explicar ao público de modo simples e
fundamentado as conclusões subjacentes das pesquisas, incluindo a
exposição das incertezas das noções fundamentais, e portanto dos
riscos estimados. Entre as opções com que a humanidade se
defronta, nenhuma ilustra melhor essa recomendação que as
conseqüências biológicas de uma guerra nuclear em escala mundial.
Nenhum prejuízo ambienta! para a vida do planeta representa uma
ameaça potencial maior, principalmente quando combinada à
consideração da destruição e da perda de vidas diretamente
decorrentes de uma guerra nuclear.
Em seu artigo, Ruckelshaus cita estas palavras de Thomas Jefferson:
"Se julgamos [o povo] insuficientemente esclarecido para exercitar o
seu controle com discrição razoável, o remédio não é arrebatá-Io dele,
mas informar a sua discrição.”
Esse propósito norteou magnificamente a Conferência sobre o Mun .
do após a Guerra Nuclear. Nosso objetivo foi informar os povos do
mundo, na convicção de que o esclarecimento levará ao exercício de
uma discrição universal razoável. Nós nos propusemos ater-nos
estritamente a questões científicas, explicar algumas descobertas
novas, não previstas, de alta relevância para a higiene do planeta, e
reexaminar, na perspectiva de trabalhos mais recentes, algumas das
pesquisas precedentes sobre o assunto. Basicamente estamos de
acordo no que diz respeito aos temas físicos e biológicos tratados na
Conferência.
Provavelmente há menos unanimidade quanto a como lidar com as
questões políticas levantadas por essas verificações científicas. Estou
certo de que muitos de nós divergem quando se trata de optar entre
as alternativas sociais, econômicas, políticas e mesmo éticas que nos
defrontam como membros que somos de nações-Estados e da
comunidade universal dos povos. Por isso evitamos propositalmente o
debate de questões e opções de ordem política nesta Conferência. É
claro que as questões políticas são de suma importância, e devem ser
profundamente meditadas, extensamente discutidas e finalmente
aplicadas à ação. E o que é mais, há urgência em mudar para um
novo terreno na área da política.
Thomas W. Wilson, Jr. enfatizou recentemente a prioridade dessas
questões políticas numa excelente análise intitulada "Conceitos
Modificados de Segurança Nacional", da qual citarei uma breve
passagem:
Finalmente esse tema [segurança nacional] corre solto no domínio
público - mais ou menos fora dos limites estritos do isolamento
burocrático, do sigilo oficial e da complexidade esotérica dos cálculos
estratégicos... ainda estamos nos estágios preliminares de um
reexame cabal das nossas crenças, teorias, tradições, doutrinas e
idéias feitas em que se baseiam a política e a estratégia no campo da
segurança das nações e dos povos. e provável que este venha a
revelar-se um processo doloroso, demorado e turbulento - às vezes,
talvez, raiando pelo trauma - pois o que está em jogo é muito grande,
e os temas muito emocionais...
No mundo real de hoje os interesses nacionais dos diferentes Estados
convergem na necessidade de suster e defender os sistemas vivos do
planeta Terra - e isso nos inclui. O que vale dizer que o único modo de
salvar a nossa própria pele a tornar a Terra segura. E assim a
segurança do mundo é uma política para pragmáticos - e também
para poetas. Oferece uma estratégia talhada para santos e também
para soldados.
APÊNDICE
O INVERNO NUCLEAR:
CONSEQÜÊNCIAS GLOBAIS DE EXPLOSÕES MÚLTIPLAS
NUCLEARES
Cenários
Um balanço dos arsenais nucleares do mundo mostra que as armas
primárias estratégicas e de teatro representam 12.000 megatons (MT)
de potência transportados por 17.000 ogivas. Em potência explosiva
esses arsenais equivalem aproximadamente a um milhão de bombas
de Hiroxima. Embora o número total de ogivas de alta potência esteja
diminuindo com o tempo, cerca de 7.000 MT ainda correspondem a
ogivas de mais de 1 MT. Existem também 30.000 ogivas táticas e
munições de baixa potência, que não são consideradas nesta análise.
Os cenários de emprego possível de armas nucleares são complexos
e discutíveis. Historicamente, os estudos dos efeitos à longo prazo de
uma guerra nuclear têm-se concentrado num conflito em grande
escala, na faixa de 5.000 a 10.000 MT. Esses conflitos são possíveis,
tendo em vista os arsenais atuais e a natureza imprevisível de uma
guerra, particularmente de uma guerra nuclear, em que poderia
ocorrer uma escalada maciça do conflito.
O Quadro 1 mostra um sumário dos cenários adotados neste estudo.
Nosso cenário de referência supõe um conflito de 5.000 MT. Os
demais casos cobrem uma gama de potência total de 100 a 25.000
MT. Muitas instalações industriais e militares de alta prioridade
localizam-se nas vizinhanças ou dentro de zonas urbanas. Em vista
disso, a fração da potência total atribuída a objetivos urbanos ou
industriais (15-30%) é modesta. Tendo em vista a grande potência das
ogivas estratégicas (em geral mais de 100 quilotons [KT]), ataques
"cirúrgicos" contra objetivos isolados são difíceis; por exemplo, uma
explosão aérea de 100 KT pode arrasar e queimar uma área de 50
km2, e uma explosão aérea de 1 MT, uma área 5 vezes maior, o que
implica estragos colaterais extensos em quaisquer ataques de "contra-
valor", e em muitos dos de "contra-força".
As propriedades da poeira e da fumaça nucleares são fatores críticos
para a presente análise. A fixação dos parâmetros básicos é mostrada
nos Quadros 2 e 3, respectivamente; detalhes podem ser encontrados
na Ref. 15. Para cada cenário de detonações, as quantidades
fundamentais que têm de ser conhecidas para efeito de previsões
óticas e climáticas são as injeções atmosféricas totais de poeira fina
(raio menor ou igual a 10 u) e fuligem.
Explosões nucleares no solo ou próximas do solo podem gerar
partículas finas por vários mecanismos: (i) ejeção e desagregação de
partículas de solo, (ii) vaporização e renucleação de terra e rocha, e
(iii) assopramento e arrastamento vertical de poeira e fumaça da
superfície. Análises de dados de testes nucleares indicam que
aproximadamente 1 x 10 elevado a 5 a 6 x 10 elevado a 5 toneladas
de poeira por megaton de potência explosiva são contidas nas nuvens
estabilizadas de detonações superficiais em terra.
Além disso, a análise de dimensões de amostras de poeira recolhidas
em nuvens nucleares indica uma fração submicrométrica substancial.
Detonações nucleares na superfície podem ser muito mais eficientes
em gerar poeira fina do que erupções vulcânicas, que foram
impropriamente utilizadas no passado para estimar os impactos de
uma guerra nuclear.
A intensa luz emitida pela bola de fogo nuclear é suficiente para iniciar
a combustão de matérias inflamáveis numa extensa área. As
explosões sobre Hiroxima e Nagasáqui atearam incêndios de grandes
proporções. Em ambas as cidades, a região pesadamente destruída
pelo sopro foi também consumida pelo fogo. Avaliações feitas nestes
últimos 20 anos sugerem fortemente que ocorreriam incêndios
extensos na maior parte dos casos de detonações sobre florestas e
cidades. O Hemisfério Norte tem 4 x 10 elevado a 7 km2 de áreas
florestais, que contêm matérias combustíveis na proporção média de
2,2 g/cm2. As zonas urbanas e suburbanas do mundo cobrem uma
área de 1,5 x 10 elevado a 6 km2. Os centros de cidades, que ocupam
entre 5 e 10% da área urbana total, contêm entre 10 e 40 g/cm2 de
matérias combustíveis, enquanto as áreas residenciais contêm
entre 1 e 5 g/cm2.
A emissão de fumaça de incêndios florestais e de incêndios urbanos
de grandes proporções situa-se provavelmente na faixa de 2 a 8% em
massa do combustível queimado. A fração fuliginosa, de alto
coeficiente de absorção (principalmente carbono grafítico) pode
chegar a 50% da emissão em peso. Em incêndios florestais, e
provavelmente em incêndios urbanos, mais de 90% da massa de
fumaça são constituídos de partículas de menos de 1u de raio. Nos
cálculos relativos à faixa de luz visível, atribuiu-se à parte imaginária
do índice de refração da fumaça o valor 0,3 elevado a 50.
Simulações
De modo geral, as previsões de modelo aqui referidas representam
efeitos médios no Hemisfério Norte (HN). As explosões nucleares e
incêndios iniciais seriam na maior parte circunscritos às latitudes
setentrionais médias (30º a 60ºN). Assim sendo, a opacidade média
prevista por efeito da poeira e fumaça poderia ser duas a três vezes
maior nas latitudes médias, e menores em outras partes. As
profundidades óticas médias hemisféricas nos comprimentos de onda
visíveis para as nuvens mistas de poeira e fumaça nucleares
correspondentes aos cenários do Quadro 1 são mostradas na Figura
1. A profundidade ótica vertical é um diagnóstico útil das propriedades
da nuvem nuclear, e pode ser utilizada de modo aproximado para
calcular os níveis de luminosidade e temperatura atmosféricas para os
diversos cenários.
No cenário de referência (Caso 1, 5.000 MT), a profundidade ótica
inicial no HN é 4, sendo 1 devido à poeira estratosférica 3 à fumaça
troposférica. Depois de um mês a profundidade ótica ainda é 2. Ao fim
de dois a três meses, a poeira domina os efeitos óticos, pois a maior
parte da fuligem é arrastada ou lavada pela chuva. No caso de
referência, cerca de 240.000 km2 de áreas urbanas são parcialmente
queimados (50%) por 1.000 MT de explosões (apenas 20% da energia
total liberada). Isso corresponde aproximadamente a 1/6 da área
continental urbanizada do mundo, a 1/4 da área desenvolvida do HN e
à metade da área dos centros urbanos de mais de 100.000 habitantes
dos países da OTAN e do Pacto de Varsóvia. A quantidade média de
matérias combustíveis consumidas na área incendiada é1,9 g/cm2.
Incêndios florestais ateados pelos restantes 4.000 MT de energia
queimam outros 500.000 km2 de árvores, campos e pastos,
consumindo dessa forma 0,5 g/cm2 de matérias combustíveis
Testes de Sensibilidade
Um grande número de testes de sensibilidade foi efetuado como parte
deste estudo. Os resultados são resumidos a seguir. Variações
razoáveis nos parâmetros da poeira nuclear no cenário de referência
produzem profundidades óticas médias hemisféricas iniciais de poeira
que variam aproximadamente de 0,2 a 3,0. Assim, a poeira nuclear por
si só poderia produzir um impacto climático importante. No caso de
referência, a opacidade da poeira é muito maior que a opacidade total
de aerossol associada às erupções do El Chichón e do Agung; mesmo
quando se atribuem aos parâmetros de poeira os seus valores menos
adversos dentro da faixa plausível, os efeitos são comparáveis aos de
uma grande explosão vulcânica.
A Figura 5 compara profundidades óticas de nuvens nucleares para
algumas variações dos parâmetros de fumaça do modelo de
referência (com a poeira incluída). No caso de referência, admite-se
que tempestades ígneas injetem somente uma pequena fração (5%)
da emissão total de fumaça na estratosfera. Assim, os Casos 1 e
3 (sem tempestades ígneas) são muito semelhantes. Numa digressão
extrema, toda a fumaça nuclear é injetada na estratosfera e
rapidamente difundida a toda a volta da Terra (Caso 26);
profundidades óticas elevadas podem persistir por um ano (Fig. 5).
Também se obtém um prolongamento dos efeitos óticos no Caso 22,
em que o tempo de eliminação troposférica das partículas de fumaça
aumenta de 10 a 30 dias próximo do solo. Em contraste, quando a
fumaça nuclear se mantém inicialmente próximo do solo e se supõem
processos dinâmicos e hidrológicos de remoção inalterados, a
eliminação da fumaça ocorre muito mais depressa (Caso 25). Mas,
mesmo neste caso, parte da fumaça ainda se difunde para a alta
troposfera e ali permanece durante vários meses.
Num grupo de cálculos ópticos, fez-se variar o índice de refração
imaginário da fumaça entre 0,3 e 0,01. As profundidades ópticas
calculadas para índices entre 0,1 e 0,3 praticamente não mostram
diferenças (Casos 1 e 27 na Fig. 5). Com um índice de 0,05, a
profundidade ótica de absorção se reduz em apenas 50%, e com 0,01
em 85%. Por outro lado, a opacidade total (absorção mais dispersão)
aumenta em 5%. Esses resultados mostram que a absorção de luz e o
aquecimento nas nuvens de fumaça nuclear permanecem elevados
até que a fração de carbono grafítico da fumaça caia abaixo de uns
poucos pontos percentuais.
Um dos testes de sensibilidade (Caso 29, não figurado) considera os
efeitos óticos no Hemisfério Sul (HS) da poeira e fuligem
transportadas da estratosfera do HN. Nesse cálculo, a fumaça do
Caso 13 (300 MT, HS) se soma à metade da poeira e fumaça
estratosféricas do caso de referência (com dispersão global rápida na
estratosfera). A profundidade ótica inicia! é 1 no HS, caindo para 0,3
em três meses. As temperaturas médias preditas nas superfícies
continentais do HS caem 8ºK em algumas semanas e permanecem
pelo menos 4ºK abaixo do normal por quase oito meses. No entanto, a
influência sazonal deve ser levada em conta. Por exemplo, as piores
conseqüências para o HN resultariam de um conflito de primavera ou
de verão, quando as plantações são vulneráveis e o perigo de fogo é
maior. O HS, que estaria então no outono ou no inverno, seria nesse
caso menos sensível ao escurecimento e esfriamento. Não obstante,
as implicações deste cenário para as regiões tropicais de ambos os
hemisférios parecem sérias e merecedoras de uma análise
suplementar. Fatores sazonais também podem modular a resposta
atmosférica às perturbações pela fumaça e poeira, e devem ser
consideradas.
Outros Efeitos
Foram considerados também, com menos detalhe, os efeitos à longo
prazo da precipitação radioativa, do NOx gerado pelas bolas de fogo,
e dos gases tóxicos e pirogênicos. A física da precipitação radioativa é
bem conhecida. Nossos cálculos referem-se principalmente à
acumulação externa na escala intermediária de tempo da precipitação
devida ao arrastamento e deposição seca da poeira nuclear dispersa.
Para estimar níveis possíveis de exposição, adotamos uma fração de
energia de fissão de 0,5 para todas as armas. Quanto à exposição
apenas à emissão gama da poeira radioativa, que no cenário de
referência (5.000 MT) começa a precipitar depois de dois dias, a dose
total média hemisférica acumulada por humanos em alguns meses
seria de 20 rads, supondo-se ausência de abrigo e de remoção da
poeira por agentes meteorológicos. Durante esse tempo a precipitação
ficaria restrita principalmente às latitudes médias do HN; ali, portanto,
a dose poderia ser 2 a 3 vezes maior. Considerando a ingestão de
radionuclídeos biologicamente ativos e exposição ocasional a
precipitação localizada, a dose crônica total média nas latitudes
médias de radiação ionizante no caso de referência seria mais de 50
rads de radiação gama externa no corpo inteiro, somados a mais de
50 rads em órgãos internos específicos, provenientes de emissores
internos de radiações beta e gama. No caso de 10.000 MT, com as
mesmas suposições, as doses médias seriam multiplicadas por dois.
Estas doses sõao mais ou menos uma ordem de grandeza maiores
que as das estimativas precedentes, que desprezaram o arrastamento
e precipitação na escala intermediária de tempo de resíduos nucleares
troposféricos produzidos por detonações de baixa potência (menos de
1 MT).
O problema do NOx produzido nas bolas de fogo das explosões de
alta potência, e da resultante redução do ozônio atmosférico, foi
tratado em vários estudos. No nosso caso de referência, encontrou-se
para o empobrecimento médio hemisférico de ozônio um valor máximo
de 30%. Este seria bem menor se as potências das ogivas individuais
fossem todas reduzidas a menos de 1 MT. Considerando a relação
entre o acréscimo da radiação UV-B e o decréscimo de ozônio, são
previstas doses de UV-B aproximadamente iguais ao dobro do normal
no primeiro ano após o conflito no caso de referência (depois de
dissipadas a poeira e a fuligem). Efeitos maiores de UV-B resultariam
de ataques com ogivas de maior potência (ou artefatos
multidetonantes).
Os incêndios nucleares gerariam uma grande variedade de gases
tóxicos (piratoxinas), inclusive CO e HCN. Segundo Crutzen e Birks,
uma densa capa de poluição atmosférica, incluindo concentrações
aumentadas de ozônio, poderia recobrir o HN durante vários meses.
Preocupam-nos também as dioxinas e os furanos, compostos
extremamente tóxicos e persistentes que são liberados na combustão
de substâncias orgânicas sintéticas de largo emprego. Num conflito
nuclear poderiam ser geradas centenas de toneladas de dioxinas e
furanos. As conseqüências ecológicas à longo prazo dessas
pirotoxinas nucleares merecem estudos mais aprofundados.
Perturbações Meteorológicas
Variações horizontais da absorção de luz solar na atmosfera e na
superfície são as forças impulsoras básicas da circulação atmosférica.
Em vários dos casos considerados neste estudo são indicadas
modificações de vulto nessas forças. Por exemplo, desigualdades de
temperatura superiores a 10ºK entre áreas continentais do HN e os
oceanos contíguos podem induzir uma forte circulação do tipo
monção, análoga em certos aspectos ao padrão de inverno nas
vizinhanças do subcontinente Indiano. Do mesmo modo, o contraste
de temperaturas entre regiões atmosféricas carregadas de resíduos e
regiões adjacentes ainda não ocupadas pela fumaça e poeira deve
produzir novas modalidades de circulação.
Assim, pois, as nuvens de poeira e fumaça nucleares poderão
ocasionar perturbações climáticas de monta e efeitos
correspondentes, através de mecanismos variados: reflexão de
radiação solar para o espaço e absorção de luz solar na alta
atmosfera, resultando em esfriamento superficial generalizado;
modificação dos padrões de absorção da luz solar e aquecimento que
promovem a circulação atmosférica em pequena escala e em grande
escala; introdução de maior quantidade de vapor de água e de
núcleos de condensação de nuvens, que afetam a formação de
nuvens e o regime de chuvas; e alteração do albedo superficial por
incêndios e fuligem. Esses efeitos conjugam-se intimamente para
determinar a resposta atmosférica geral a uma guerra nuclear. Por ora
não é possível prever em detalhe as alterações nos campos
combinados da circulação atmosférica e da radiação, e no
comportamento do tempo e dos microclimas, que resultariam das
injeções maciças de poeira e de fumaça aqui analisadas. Portanto, a
especulação tem de limitar-se a considerações muito gerais.
A evaporação dos oceanos é uma fonte contínua de umidade para a
camada marinha Iimítrofe. Uma camada densa semipermanente de
bruma ou nevoeiro poderia recobrir grandes porções de água. As
conseqüências para a precipitação pluviométrica marinha não são
claras, principalmente se os ventos dominantes normais
forem grandemente alterados pelo agente solar perturbado. Algumas
regiões continentais poderiam sofrer nevadas contínuas durante vários
meses. As chuvas podem promover a remoção da fuligem, se bem
que o processo possa não ser muito eficiente no caso de nuvens
nucleares. É provável que, em média, as taxas de precipitação
pluviométrica fossem em geral menores que na atmosfera ambiente: a
principal fonte restante de energia para a formação de tempestades é
o calor latente da evaporação oceânica, e a atmosfera superior fica
mais quente que a inferior, o que elimina a convecção e a formação de
chuvas.
Apesar da possibilidade de grandes nevadas, não é provável que uma
guerra nuclear desencadeasse uma glaciação. O período de
esfriamento (menos de um ano) provavelmente é curto demais para
vencer a considerável inércia do sistema climático da Terra. O
reservatório de calor que são os oceanos haveria de forçar o clima no
sentido dos padrões contemporâneos nos anos seguintes à guerra. Do
ponto de vista climatológico, a introdução de CO2 pelos incêndios
nucleares não é expressiva.
Transporte Inter-Hemisférico
Em estudos anteriores foi admitido que um transporte inter-hemisférico
significativo de detritos nucleares e radioatividade demandaria um ano
ou mais. Isto com base em observações de transporte em condições
ambientes, inclusive a dispersão de nuvens de detritos produzidas por
testes nucleares atmosféricos isolados. No entanto, nuvens densas de
poeira e fumaça produzidas por milhares de explosões quase
simultâneas seriam de molde a provocar distúrbios dinâmicos intensos
em seguida a uma guerra nuclear. Podo-se estabelecer uma analogia
aproximada com a evolução das tempestades de poeira de escala
global em Marte. A baixa atmosfera marciana assemelha-se em
densidade à estratosfera da Terra, e o período de rotação é quase
igual ao da Terra (embora a insolação seja apenas metade da
terrestre). As tempestades de poeira que se formam em um dos
hemisférios de Marte não raro se intensificam e se propagam
rapidamente ao planeta inteiro, cruzando o equador num tempo médio
de 10 dias. Aparentemente, a explicação está no aquecimento da
poeira levantada, que passa a suplantar outras fontes de calor e a
determinar a circulação. Haberle e outros empregaram um modelo
bidimensional para simular a evolução das tempestades de poeira em
Marte e concluíram que a poeira em baixas latitudes, no núcleo da
circulação de Hadley, é o fator mais Importante de modificação dos
ventos. Num conflito nuclear, a maior parte da poeira e fumaça seria
injetada em latitudes médias. Entretanto, Haberle e outros não
conseguiram encaixar em seus cálculos as ondas de escala
planetária. Perturbações da amplitude de ondas planetárias podem
influir consideravelmente no transporte de detritos nucleares entre
médias e baixas latitudes.
Efeitos atmosféricos de vulto poderiam produzir-se no HS (i) pela
injeção de poeira e fumaça resultante de explosões em objetivos do
HS, (ii) pelo transporte de detritos do HN através do equador meteoro
lógico por ventos do tipo monção 4, e (iii) por transporte inter-
hemisférico na alta troposfera e na estratosfera, promovido pelo
aquecimento solar das nuvens de poeira e fumaça nucleares.
Observações fotométricas da nuvem produzida pela erupção do
vulcão El Chichón (origem 14ºN) pelo satélite Solar Mesosphere
Explorer mostraram que 10 a 20% do aerossol estratosférico foram
transportados para o HS após 7 semanas.
Discussão e Conclusões
Os estudos aqui esboçados sugerem efeitos climáticos sérios à longo
prazo como conseqüência de um conflito nuclear de 5.000 MT. Apesar
das incertezas no que se refere às quantidades e propriedades da
poeira e da fumaça produzidas por explosões nucleares, e das
limitações dos modelos usados para análise, podem tirar-se em
primeira aproximação as seguintes conclusões:
(1) Em desacordo com a maior parte dos estudos anteriores (p. ex.,
Ref. 2), nós concluímos que uma guerra nuclear global produziria um
grande impacto sobre o clima - manifestado em escurecimento
considerável da superfície durante muitas semanas, temperaturas
continentais glaciais persistindo por até vários meses, grandes
perturbações nos padrões de circulação global e alterações
dramáticas de condições meteorológicas locais e regimes de chuvas -
um rigoroso "inverno nuclear" em qualquer estação. Transporte inter-
hemisférico acelerado de detritos nucleares na estratos fera também
poderia ocorrer, embora se façam necessários estudos de modelo
para quantificar esse efeito. Com a rápida mistura inter-hemisférica, o
HS poderia sofrer grandes injeções de detritos nucleares pouco tempo
depois de um conflito no HN. Antes, supunha-se que os efeitos no HS
seriam de pouca monta. Embora se preveja que os distúrbios
climáticos durem mais de um ano, parece improvável que fosse
deflagrada uma transformação climática de vulto à longo prazo, como
uma glaciação.
Temperatura
O impacto de temperaturas dramaticamente reduzidas sobre as
plantas dependeria da época do ano em que elas ocorressem, da sua
duração e dos limites de tolerância de cada espécie vegetal.
Particularmente importante é a queda brusca de temperatura. O trigo
de inverno, por exemplo, pode suportar temperaturas de até -15º a
-20ºC quando pré-condicionado a baixas temperaturas (como ocorre
naturalmente nos meses de outono e de inverno), mas uma
temperatura de -5ºC pode matar as mesmas plantas se expostas
durante o crescimento ativo de verão. Até plantas de regiões
alpinas, como por exemplo o Pinus cembra, que toleram temperaturas
de até -50ºC no meio do inverno, podem ser mortas por temperaturas
de -5ºC a -10ºC ocorridas no verão. Os cálculos do TTAPS indicam
que as temperaturas cairiam em tempo curto aos seus níveis mínimos
(Quadro 1); nessas circunstâncias é improvável que plantas
normalmente resistentes ao frio pudessem "endurecer" (desenvolver
tolerância ao congelamento) antes de alcançadas temperaturas letais.
Outros traumas infligidos às plantas pela radiação, por poluentes do ar
e por baixos níveis de iluminação imediatamente após a guerra
multiplicariam os danos provocados pelo esfriamento. Além disso,
plantas doentes ou danificadas têm reduzidas a sua capacidade de
suportar condições de frio extremo.
Mesmo temperaturas bem acima do ponto de congelamento podem
ser danosas para certas plantas. Por exemplo, a exposição do arroz
ou do sorgo a uma temperatura de apenas 13ºC na época crítica pode
inibir a formação de grãos porque o pólen produzido é estéril. O milho
(Zea mays) e a soja (Glycine max), duas culturas importantes na
América do Norte, são muito sensíveis a temperaturas de menos de
10ºC.
Se bem que uma guerra nuclear no outono ou no inverno teria
provavelmente efeitos menores sobre as plantas do que na primavera
ou no verão, a vegetação tropical é vulnerável às baixas temperaturas
em todas as épocas do ano. As únicas regiões em que as plantas
terrestres poderiam escapar à devastação pelo frio extremo seriam
aquelas situadas junto às costas e em ilhas, onde as temperaturas
seriam moderadas pela inércia térmica dos mares. Contudo, essas
áreas experimentariam condições meteorológicas excepcionalmente
violentas devido ao forte gradiente lateral de temperatura entre os
oceanos e o interior dos continentes.
Luz Visível
A ruptura da fotossíntese pela atenuação da luz solar incidente teria
conseqüências que se propagariam em cascata ao longo das cadeias
alimentares, muitas das quais incluem o homem como consumidor. A
produtividade primária se reduziria mais ou menos na proporção do
grau de atenuação da luz, mesmo na hipótese pouco realista de que a
vegetação não fosse afetada de outros modos.
Vários estudos têm examinado os efeitos do escurecimento sobre o
ritmo da fotossíntese, o crescimento das plantas e o rendimento das
safras. Embora folhas individuais possam ser saturadas por níveis de
luz abaixo da metade da luz solar normal, plantas inteiras, que têm
várias camadas de folhas orientadas em diferentes ângulos em
relação ao sol e sombreando parcialmente umas as outras,
geralmente não são saturadas. Assim, uma redução de luz de apenas
10%, ainda que não reduzisse a fotossíntese numa folha inteiramente
exposta, poderia reduzi-la no conjunto da planta devido à presença de
folhas não saturadas no folhame. Aliás, visto que as plantas também
respiram, é provável que na maioria dos casos todo crescimento seria
interrompido se o nível de luz caísse uns 5% abaixo dos níveis
ambientes normais do habitat (ponto de compensação). Nos níveis
previstos para os primeiros meses seguintes a um conflito nuclear de
vulto, as plantas seriam seriamente afetadas e muitas morreriam pela
redução substancial de sua produtividade causada unicamente pela
redução de luz.
Radiação lonizante
A exposição à radiação ionizante num conflito nuclear seria o
resultado direto do fluxo de nêutrons e raios gama da bola de fogo,
dos detritos radioativos depositados na direção do vento. e da parte
dos detritos que seria transportada pelo ar e circularia globalmente.
O grau de dano dos organismos dependeria do tempo e intensidade
da exposição, sendo os efeitos tanto mais graves quanto maiores o
tempo e a exposição total. A exposição letal média para o homem é
geralmente calculada em 350 a 500 R recebidos no corpo inteiro em
menos de 48 horas. Para a maior parte dos outros mamíferos e para
algumas plantas a exposição letal média é inferior a 1.000 R. Se o
tempo de exposição diminui, a dose letal média aumenta.
A área submetida à radiação intensa produzida pela bola de fogo
também seria diretamente afetada pelo sopro e pelo calor. O raio
dentro do qual a pressão do sopro ultrapassa cinco libras por
polegada quadrada é definida como a zona letal de sopro, e a área em
que o fluxo térmico ultrapassa 10 cal/cm2, como a zona letal de calor.
O raio dentro do qual se calcula que a radiação ionizante da bola de
fogo seria letal para o homem é menor que os raios de letalidade
definidos pela pressão ou pelo calor. Não se deu aqui atenção
especial adicional aos efeitos da radiação ionizante produzida pelas
bolas de fogo.
Uma estimativa, baseada no cenário da revista Ambio e parecida com
o caso de referência do TTAPS, envolve a liberação de 5.742 MT e
cerca de 11.600 detonações, sem superposição de campos de
precipitação; sugere que cerca de 5 x 10 elevado a 6 km2 seriam
expostos a 1.000 R ou mais em áreas situadas na direção do vento.
Cerca de 85% dessa exposição total seriam recebidos em 48 horas.
Essa exposição é letal para todas as pessoas expostas, e pode causar
a morte de espécies vegetais sensíveis como a maioria das coníferas -
árvores que formam florestas extensas na maior parte das zonas mais
frias do Hemisfério Norte. Se reatores, depósitos de rejeitos
radioativos e usinas de reprocessamento de combustível nuclear
fossem atingidos num ataque, a área afetada e os níveis de radiação
ionizante poderiam ser ainda maiores.
Na hipótese de que mais ou menos a metade da área afetada por
radiação de precipitação na faixa de 1.000 a 10.000 R fosse coberta
de florestas, seriam aproximadamente 2,5 x 10 elevado a 6 km2
dentro dos quais ocorreria extensa mortalidade de árvores e muitas
outras plantas. Com isso criar-se-ia a possibilidade de incêndios de
grandes proporções. A maior parte das coníferas morreria numa área
equivalente a cerca de 2,5% de toda a superfície terrestre do
Hemisfério Norte.
A possibilidade de até 30% da área continental de latitudes médias ser
exposta a 500 R ou mais de radiação gama acentua a escala e a
gravidade do perigo (Quadro 1A). Uma exposição total de 500 R,
embora tivesse pouco efeito sobre a maior parte das populações
vegetais, provocaria mortalidade generalizada entre todos
os mamíferos, seres humanos inclusive. Os sobreviventes expostos
ficariam doentes por semanas, e mais propensos ao câncer pelo resto
de suas vidas. O total de pessoas afetadas excederia um bilhão.
Radiação UV-B
Nas semanas seguintes ao conflito, a poeira e fuligem troposféricas e
estratosféricas absorveriam o fluxo de UV-B que sem isso seria
transmitido pela ozonosfera parcialmente destruída. Mas quando,
alguns meses passados, a poeira e a fuligem se dissipassem, os
efeitos da rarefação de O3 far-se-iam sentir na superfície. No
Hemisfério Norte, o fluxo de UV-B aumentaria aproximadamente duas
vezes no caso de referência do TTAPS e quatro vezes no da guerra de
10.000 MT considerado no Quadro 1A. Tal como acontece no caso de
uma ozonosfera inaIterada, a dose de UV-B seria bem maior nas
latitudes equatoriais do que nas temperadas.
Mesmo empobrecimentos bem menores de O3 são considerados
perigosos para os ecossistemas e para o homem. Se a banda inteira
de UV-B aumentasse em cerca de 50%, a quantidade de UV-B no
extremo de energia mais alta da banda, em torno de 295 nm,
aumentaria umas 50 vezes. Essa região tem importância biológica
especial devido à fone absorção de energia nesses comprimentos de
onda pelos ácidos nucléicos, pelos aminoácidos aromáticos e pela
ligação peptídica. Em grandes doses, a UV-B é muito destrutiva para
as folhas, enfraquecendo as plantas e reduzindo a sua produtividade.
Sabe-se que a produtividade do plâncton marinho próximo à superfície
é consideravelmente deprimida por níveis ambientes atuais de UV-B;
aumentos mesmo pequenos poderiam ter "conseqüências profundas"
para a estrutura das cadeias alimentares marinhas.
Em pelo menos quatro outros modos, níveis acrescidos de UV-B são
sabidamente prejudiciais aos sistemas biológicos: (i) sabe-se que os
sistemas imunológicos do Homo sapiens e de outros mamíferos são
suprimidos mesmo por doses relativamente baixas de UV-B18.
Particularmente em condições de radiação ionizante aumentada e
outras sobrecargas fisiológicas, essa supressão dos sistemas
imunológicos conduz a um aumento de incidência de doenças. (ii)
Folhas que atingem a maturidade sob baixas intensidades de luz são
duas ou três vezes mais sensíveis à UV-B do que as que se
desenvolvem sob iluminação intensa. (iii) A sensibilidade das bactérias
à UV-B é aumentada por temperaturas baixas, que suprimem o
processo normal de reconstituição do ADN, processo esse que
depende da luz visível. (iv) Exposição prolongada a doses excessivas
de UV-B pode induzir danos da córnea e cataratas, produzindo
cegueira no homem e em mamíferos terrestres. Assim, os efeitos
do aumento de UV-B podem estar entre as mais sérias conseqüências
antes não previstas de uma guerra nuclear.
Efeitos Atmosféricos
Numa guerra nuclear, grandes quantidades de poluentes do ar, entre
eles Co, O3, NOx, cianetos, cloretos de vinil, dioxinas e furanos,
seriam liberadas junto à superfície. Haveria smog e chuvas ácidas em
extensas áreas depois do conflito. Talvez essas toxinas não tivessem
efeitos imediatos significativos sobre uma vegetação já devastada;
entretanto, dependendo da sua persistência, poderiam certamente
obstar a sua recuperação. Por outro lado, o seu transporte pelos
ventos para ecossistemas mais distantes, de início não afetados,
poderia ser um importante efeito adicional. Incêndios em grande
escala conjugados a uma interrupção da absorção do CO2
fotossintético produziriam um aumento a curto prazo da concentração
atmosférica de CO2. A quantidade atual de CO2 na atmosfera
equivale à que é consumida por vários anos de fotossíntese e recebe
a influência estabilizadora das reservas de carbono inorgânico dos
oceanos. Dessa forma, se o clima global e a produtividade
fotossintética dos ecossistemas se restabelecessem em níveis
próximos do normal no curso de alguns anos, é improvável que viesse
a ocorrer uma alteração de longo prazo na composição da atmosfera.
Contudo, não é fora dos domínios do possível que um evento
abrangendo os dois hemisférios, com os conseqüentes danos aos
organismos fotossintéticos, causasse um brusco aumento de
concentração de CO2 e assim alterações climáticas duráveis. Para
efeito de comparação. o tempo de reciclagem de O2 através da
biosfera é de aproximadamente 2.000 anos.
Sistemas Agrícolas
As reservas de alimentos básicos nos centros de população humana
são pequenas, e a maior parte da carne e dos produtos frescos é
suprida diretamente pelas fazendas. Somente grãos de cereais são
armazenados em quantidades expressivas, mas os locais de
armazenagem situam-se com freqüência em pontos distantes dos
centros urbanos. Em seguida a uma guerra na primavera ou no
princípio do verão, as safras do ano seriam quase certamente
perdidas. Numa guerra de outono ou de inverno os grãos teriam sido
colhidos, mas como o clima permaneceria extremamente frio por
muitos meses, a época seguinte de plantio seria também desfavorável
ao crescimento das plantas.
Em suma, após uma guerra nuclear as fontes potenciais disponíveis
de alimentos no Hemisfério Norte seriam destruídas ou contaminadas,
ou estariam em locais inacessíveis, ou logo se esgotariam. Nos países
diretamente envolvidos na guerra haveria escassez de alimentos em
muito pouco tempo. Outrossim, países que hoje precisam de grandes
importações, ainda que não atingidos por explosões nucleares,
sofreriam uma pronta interrupção de abastecimento, o que os
obrigaria a contar unicamente com seus ecossistemas agrícolas e
naturais locais. Este seria um seríssimo problema para muitas nações
menos desenvolvidas, principalmente nas regiões tropicais.
Em sua maior parte, as principais culturas são anuais, e dependem
em alto grau de subsídios energéticos e nutritivos fornecidos por
sociedades humanas. Além disso, a fração da sua produção utilizável
para consumo humano requer a fixação de um excesso de energia
acima das necessidades respiratórias das plantas, o que exige
insolação abundante e minimização de agressões ambientais por
pragas, insuficiência de água, partículas em suspensão no ar,
poluição, etc. Depois de uma guerra nuclear, proporcionar tais
condições seria muitíssimo difícil, se não impossível, na maior parte
da Terra ou possivelmente em toda ela. Portanto, para todos os efeitos
práticos, a agricultura tal como a conhecemos deixaria de existir.
Como na maior parte das culturas norte-americanas, européias e
soviéticas as sementes são colhidas e armazenadas não em fazendas
individuais mas predominantemente em áreas-objetivos ou em seus
arredores, os estoques de sementes para anos subseqüentes seriam
quase com certeza seriamente desfalcados, e é provável que a
variabilidade genética dessas culturas, já limitada, fosse drasticamente
reduzida. Além do mais, as áreas potenciais de cultura
experimentariam modificações climáticas locais, altos níveis de
contaminação radioativa e solos empobrecidos ou erodidos. A
recuperação da produção agrícola teria de ocorrer na ausência de
subsídios maciços de energia (especialmente sob a forma de
combustível de trator e de fertilizantes) aos quais a agricultura das
nações desenvolvidas veio a adaptar-se.
Exceto ao longo das costas, os regimes continentais de chuvas
reduzir-se-iam substancialmente durante algum tempo após um
conflito nuclear. Mesmo hoje, a precipitação pluviométrica é o principal
fator condicionante da produção agrícola em muitas áreas, e a
irrigação, com seus requisitos de energia e de sistemas de suporte
humano para bombeamento de água do solo, não seria exeqüível
depois de uma guerra. Ademais, nos meses seguintes à guerra a
maior parte da água disponível estaria congelada, e o
restabelecimento das temperaturas em seus níveis normais seria
lento.
Ecossistemas Aquáticos
De modo geral, os organismos aquáticos são protegidos contra
oscilações extremas de temperatura do ar pela inércia térmica da
água. Não obstante, muitos sistemas de água doce congelariam a
profundidades consideráveis ou totalmente em virtude das alterações
climáticas causadas por uma guerra nuclear. O efeito da escuridão
prolongada em organismos marinhos já foi estimado. Produtores
primários na base da cadeia alimentar marinha são particularmente
sensíveis a níveis baixos de luz demorados; níveis tróficos superiores
sofrem com retardo efeitos propagados de menor intensidade. Além
disso, a produtividade do plâncton marinho próximo à superfície é
consideravelmente deprimida pelos níveis atuais de UV-B; mesmo
pequenos aumentos de UV-B podem ter conseqüências profundas
para a estrutura das cadeias alimentares marinhas. Muitos imaginam
que as margens Oceânicas seriam uma fonte importante de sustento
para os sobreviventes de uma guerra nuclear; no entanto, os efeitos
combinados da escuridão, da UV-B, das tempestades litorâneas, da
destruição de navios na guerra e da concentração de radionuclídeos
em sistemas marinhos de águas rasas lançam fortes dúvidas sobre
essa possibilidade.
Conclusões
Os prognósticos de mudanças climáticas são bastante sólidos, e
indicam que, qualitativamente, de uma guerra limitada de 500 MT ou
menos em que se atacassem cidades decorreriam os mesmos tipos
de agressões que de uma guerra em grande escala de 10.000 MT. Em
essência, todos os serviços de suporte dos ecossistemas seriam
seriamente comprometidos (Quadros 2 e 3). Acentue-se que os
sobreviventes, ao menos no Hemisfério Norte, enfrentariam frio
extremo, escassez de água; falta de alimentos e de combustíveis,
fortes cargas de radiação e poluentes, doenças e enormes tensões
psíquicas - tudo isso em penumbra ou em completa escuridão.
Existe a possibilidade de que o escurecimento e as baixas
temperaturas se propagassem ao planeta inteiro. Se isso
acontecesse, poderia resultar um processo acentuado de extinção,
que deixaria uma Terra grandemente transformada e biologicamente
empobrecida. Poder-se-ia esperar a extinção da maior parte das
espécies vegetais e animais tropicais, da maior parte dos vertebrados
terrestres das regiões temperadas do norte, de um grande número de
plantas, de muitos organismos de água doce e de alguns marinhos.
Parece, entretanto, improvável que mesmo nessas circunstâncias o
Homo sapiens fosse de pronto levado à extinção. Quanto à
possibilidade de alguns indivíduos persistirem muito tempo em face de
comunidades biológicas grandemente alteradas, de climas
modificados, de sistemas agrícolas, sociais e econômicos desfeitos,
de tensões psíquicas inusitadas e de todo um séquito de outras
dificuldades, é uma questão em aberto. É evidente que os efeitos de
uma guerra termonuclear em grande escala sobre os ecossistemas
seriam por si sós suficientes para destruir a civilização presente, pelo
menos no Hemisfério Norte. Somada às baixas diretas, em número
superior a um bilhão, a combinação dos efeitos intermediários e a
longo prazo de uma guerra nuclear sugere que ao fim de algum tempo
poderiam não restar sobreviventes no Hemisfério Norte. Além do mais,
o cenário aqui descrito não é em absoluto o pior que se possa
imaginar, tendo em vista os arsenais mundiais existentes e os
previstos para um futuro próximo. Qualquer conflito nuclear em grande
escala entre as superpotências seria de molde a produzir
modificações ambientais globais suficientes para causar a extinção de
uma fração considerável das espécies animais e vegetais da Terra.
Nesse caso, a possibilidade da extinção do Homo sapiens não pode
ser excluída.
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