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O Auto da barca do Inferno, de Gil Vicente, uma das obras mais divertidas de toda a Literatura Portuguesa. A rir se dizem as verdades, a rir se castigam os costumes assim o parece provar, mas bem sua maneira, com um humor que oscila entre o cmico puro e a mais fina ironia, o autor desta moralidade dramtica. Os alunos sabem que Gil Vicente utiliza trs processos de cmico nas suas peas: o cmico de linguagem, de situao e de carter. Mas importa saber a que outros meios recorre ele, no Auto da barca do Inferno, para construir toda a fantasia de juzos morais que condicionaro o destino das almas, nesse fim da vida terrena que leva ao julgamento dos atos praticados no mundo. A mitologia crist instituiu trs tipos de sentenas para as almas: o Paraso como prmio daquelas que na terra praticaram o bem e que por isso merecem a santidade (caso dos quatro Cavaleiros da Ordem de Cristo, que no chegam alis a ser julgados, pois que morreram combatendo ao servio de Deus); o Purgatrio (do latim purgare: limpar), para as almas que pecaram sem gravidade e que disso se arrependeram, sendo-lhes ento dada a oportunidade de se purificarem e de seguirem depois para o Paraso (parece ser o caso de Joane, o Parvo); por fim, o Inferno, castigo eterno dos pecadores sem perdo nem arrependimento (todos os outros: Fidalgo, Onzeneiro, Sapateiro, Frade, Alcoviteira, Judeu, Corregedor, Procurador e Enforcado). Fora, porm, desta mitologia crist, o Auto da barca do Inferno deriva de um conjunto de smbolos que provm da mais antiga tradio da Literatura de Homero, o grego, e sobretudo de Virglio, poeta latino, autor da Eneida. Virglio o criador da imagem visvel e material do Inferno e dos Campos Elsios (Paraso para os Cristos), e tambm do caminho para ambos. Trata-se de um rio que desce at s profundezas do mundo inferior, separando-se a em dois outros rios, e cuja travessia se faz numa barca a barca de Caronte: a ele se tem de pagar o 1 Prof. Isabel Pessoa