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comentários À legislação aplicável Às pessoas portadoras de deficiência

sumÁrio
izabel maria madeira de loureiro maior: "prefácio" . . . . . . . . . . . vii
maria paula teperino: "apresentação" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .ix
regina quaresma: "comentários à legislação constitucional aplicável às
pessoas portadoras de deficiência" . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1
nagib slaibi filho:
"o direito civil e as pessoas portadoras de deficiência" . . . 23.
diogo de figueiredo moreira neto: "aspectos administrativos da proteção e
integração das pessoas portadoras de deficiência" . . . . . . . . . . . . . .91
jorge franklin alves felipe: "direito previdenciário" . . . . . . . . . . . . . . 107
arionsayãoromita:
"direito do trabalho e a pessoa portadora de deficiência" . . 137
sacha calmon: "comentários à legislação tributária aplicável às pessoas
portadoras de deficiência" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
joão mestieri: "aspecto penal da lei n° 7.853/89". . . . . . . . . . . . . . . . . .209

prefÁcio
ao introduzir o livro comentários à legislação federal aplicável às pessoas
portadoras de deficiência, desejo ressaltar a importância desta obra que
faltava na literatura especializada brasileira, visto que a análise escrita e o
comentário apropriado, feito por quem entende mais, serão sempre os
instrumentos impulsionadores das mudanças socioculturais.
aqueles que participam do movimento social das pessoas portadoras de
deficiência conhecem as conquistas coletivas do grupo, obtidas através de
várias décadas, de idas e vindas e de momentos de aceleração: nos anos 40 e
50, quando profissionais e pais empunharam bandeiras para gerar iniciativas
na saúde, reabilitação, educação especial, trabalho protegido e as bases de
ações assistenciais; nos anos 70, quando as pessoas portadoras de
deficiências despontaram como atores sociais emergentes e iniciaram uma
nova onda progressista de conquistas de direitos, equiparação de
oportunidades e autonomia. assim, o ano internacional das pessoas com
deficiência, comemorado em 1981 foi o resultado das lutas anteriores e
serviu de apoio para novas aquisições.
o processo histórico tem avançado no sentido da busca de igualdade e de
eqüidade nas políticas públicas gerais e específicas para o segmento de
pessoas portadoras de deficiência.
com a constituição da república de 1988 houve a consagração dos direitos de
cidadania. todavia, apesar dos avanços introduzidos na carta magna,
continuamos perplexos com a sua pouca efetividade, visto que inúmeros
dispositivos ainda aguardam regulamentação, implantação e implementação.
esta obra, coordenada pela doutora maria paula teperino, representante das
lideranças do movimento das pessoas portadoras de deficiência e membro da
carreira jurídica, revela-se de grande valor e imensa responsabilidade. os
diversos capítulos, criteriosamente escolhidos, trazem a reflexão e os
comentários de famosos autores e trabalhadores do direito no brasil. acredito
que este livro disseminará a informação e tornar-se-á literatura de referência
para os alunos das ciências jurídicas e para aqueles que estão à frente de
causas envolvendo os direitos das pessoas portadoras de deficiência.
se um tema permanece restrito aos interessados não há evolução e
aprimoramento; cria-se um ciclo vicioso de descumprimento e descrédito
para a própria ordem jurídica. por outro lado, ao surgir uma obra capaz de
suscitar o debate e ampliarem qualidade e quantidade os envolvidos com a
mesma causa, passamos a dispor de respostas certas para os direitos das
pessoas portadoras de deficiência em nosso país.
para mim, é uma grande honra prefaciar trabalho tão denso, oriundo da
dedicação e do compromisso já assumido de juristas de renome. como os
demais leitores desta obra, pretendo retirar da leitura atenta o melhor
proveito para planejar políticas públicas, gerenciar projetos, fomentar ações
envolvendo a área governamental e a sociedade, sabendo utilizar

apresentaÇÃo
o conceito de deficiência se confunde com a história do próprio homem. não
da forma como passamos a enxergar os diversos tipos de deficiências, a
partir da segunda metade do século xx, onde a tutela estatal sobre o tema
começou a existir, mas com a conotação de menos valia, já descrita na
bíblia, onde termos como aleijado, surdo, cego, leproso aparecem de forma a
denominar pessoas que necessitavam da piedade de outrem ou que
precisavam "ser curados".
por anos a fio esse foi o conceito de deficiência, algo a ser eliminado, a ser
combatido, a ser excluído.
o progresso da ciência impediu que doenças e acidentes acabassem por
tornar-se fatais, mas não conseguiu eliminar todas as seqüelas resultantes,
fazendo, assim, com que pessoas que outrora morreriam, sobrevivam,
portando alguma deficiência.
com a 2" grande guerra, pela primeira vez, os países, principalmente os da
europa e os eua, passaram a ter que responder de forma eficaz as demandas
de um grande número de cidadãos com diferentes tipos de deficiências.
acrescente-se, ainda, o fato de, em sua maioria, serem heróis de guerra,
pessoas que perderam sua saúde e forma fisica defendendo a pátria. além de
todas as necessidades, inerentes às deficiências, tais como reabilitação,
aposentadorias, tratamentos especializados, soma-se ainda a necessidade de
continuar participando ativamente da sociedade. sobreviver sempre é muito
pouco, o homem necessita interagir, participar, dar sentido à própria vida, e
dessa forma associar-se, criar núcleos etc.
assim, os países considerados desenvolvidos, desde a segunda metade do
século passado, passaram a investir de forma efetiva na qualidade de vida
das pessoas portadoras de deficiência. programas governamentais foram
implementados, prédios de uso público adaptados, empresas apostaram na
mão-de-obra dos portadores de deficiência, enfim, perceberam que, embora
com suas especificidades, é possível garantir a esse segmento o direito de
uma vida plena e feliz.
o brasil, como país em desenvolvimento, entrou (ou está entrando) tarde
nessa corrida por tornar mais digna a vida de seus portadores de deficiência,
que, segundo estatísticas da oms, são em torno de 10% de sua população, ou
seja, cerca de 1? milhões de habitantes.
com a promulgação da carta constitucional de 1988, muito se avançou no
que tange à legislação aplicável aos portadores de deficiência, porém, o
desrespeito a essas leis, por vezes, chega a ser vergonhoso.
basta andar pelas principais capitais deste pais, para se ver que tudo ainda
está por fazer, a começar por garantir que esses cidadãos possam sair às ruas.
não há ônibus adaptado, rampas nos principais prédios de uso público,
sinalização em braile, enfim, cada portador de deficiência que sai às ruas,
que trabalha, estuda, trava diariamente uma batalha solitária, contando
apenas com sua força de vontade e com a ajuda de algumas pessoas bem
intencionadas.
temos consciência que uma nação não se constrói da noite para o dia, e que a
questão dos portadores de deficiência está longe de ser prioritária em um
país com tantas dificuldades e desigualdades sociais como o brasil.
porém, em algum momento tem que se começar. sinceramente, achamos que
já começou, pois a partir do momento que, com todas essas dificuldades,
temos um número considerável de portadores de deficiência produzindo,
estudando, participando socialmente, constatamos que o caminho não é
outro senão o de continuar lutando por respeito, cidadania e principalmente
dignidade.
com esse intuito, resolvemos, sem nenhuma pretensão, mas com a certeza do
ineditismo, levar os operadores do direito a se debruçarem sobre a matéria,
juntando em uma única obra comentários sobre as principais leis federais
aplicáveis ao tema, reunidas pelas diversas áreas do direito.
podemos afirmar que, a partir dos anos 80, o legislativo contribuiu de forma
decisiva para a integração dos portadores de deficiência. temos leis
avançadas e modernas, que já estão acabando por virar letra morta, tal tem
sido negligenciada sua aplicação, deixando se perder um trabalho de anos a
fio das entidades de luta, representativas desse segmento.
entendemos que é chegada a hora de o judiciário, uma vez provocado,
garantir o cumprimento dessa legislação.
o intuito da presente obra não é outro, senão o de, por um lado, fomentar nos
portadores de deficiência e/ou em seus familiares, elementos para buscarem
no poder judiciário, uma forma de garantia desses direitos e, por outro, levar
aos operadores do direito não só o manancial legislativo sobre a matéria,
assim como mostrar de forma mais clara as reais necessidades do grupo, na
garantia de seus direitos.
aproveitamos, ainda, para agradecer a todos os ilustres autores, que tão
gentilmente aceitaram o desafio e, como se verá a seguir, debruçaram-se
com afinco nesse tema tão antigo, mas ao mesmo tempo tão atual.
incluir os excluídos deve ser nosso lema para este milênio que se inicia,
pois, afinal, somos diferentes, para podermos nos completar.

comentÁrios À legislaÇÃo
constitucional aplicÁvel Às pessoas
portadoras de deficiÊncia
regina quaresma
mestre em teoria geral do estado e direito constitucional. professora da
universidade cândido mendes e da puc-rj.

sumário: 1. introdução. 2. a igualdade como princípio fundamental. 3. a


igualdade na constituição de 1988. 4. aspectos constitucionais específicos.
4.1. competência. 4.2. educação. 4.3. acesso. 4.4. assistência social. 4.5.
trabalho e integração. 5. considerações sobre o decreto n° 3.298, de 20 de
dezembro de 1999. 6. conclusão. 7. anexo.
1. introduÇÃo
"um mapa do mundo que não inclua a utopia, disse oscar wilde, não é digno
de receber uma olhada, porque omite justamente o país em que a
humanidade está sempre desembarcando. e quando a humanidade nele
desembarca, vê mais longe um país melhor, para o qual se dirige. o
progresso é a realização das utopias."
will durant
ao iniciarmos estes breves comentários sobre a legislação constitucional
aplicável às pessoas portadoras de deficiência, devemos destacar a
relevância de temas extraídos da constituição, uma vez que estamos
interpretando o texto que fundamenta a vida jurídica, em razão da
supremacia hierárquica das normas ali estabelecidas.
a constituição está no vértice do sistema jurídico do país, sendo a lei
suprema do estado, pois é nela que se encontram insculpidas sua estrutura e
organização; é nela que encontramos as normas e princípios fundamentais
do estado.
tomando como base a superioridade do elenco normativo constitucional
estabelecido em 1988, optamos por desenvolver o trabalho desbastando os
aspectos constitucionais específicos atinentes ao tema in examine. para
tanto, o estudo, mesmo que superficial, do princípio da igualdade foi
necessário, na medida em que o tema tratado se baseia fundamentalmente na
noção de igualdade e de dignidade da pessoa.
serão analisadas normas constitucionais federais e estaduais a respeito do
tema que tratam da matéria objeto de nossa temática, com a finalidade de
buscar entender melhor quais os mecanismos jurídicos existentes para a
efetivação da integração das pessoas portadoras de deficiência na sociedade
brasileira.

2. a igualdade como princÍpio fundamental

a idéia de igualdade se vincula intimamente com a de democracia. não é


possível falar de democracia sem que se aborde a complexa questão da
igualdade. trata-se de princípio que norteia a discussão de como se
compreender o estado democrático de direito.
antes de adentrar com maior profundidade na temática, é necessário frisar a
importância de se debater e de se defender a igualdade atualmente. a
doutrina neoliberal conquistou sua hegemonia ao longo das décadas de
oitenta e noventa. apesar de não ser mais enxergada como a única solução,
continua obtendo conquistas notáveis nas áreas econômica e política. tal
doutrina prega abertamente a desigualdade como um valor em si mesmo;
algo que era impensável no início do século, hoje é dito por nozic, hayek e
fukuyama com a maior tranqüilidade. por esta razão devemos ressaltar
qualquer iniciativa de defesa da igualdade como princípio indispensável para
a estruturação da democracia.
o debate acerca da igualdade não é novidade; há alguns séculos já faz parte
da agenda política. a título de exemplo, foi inspirado neste intrigante tema
que rousseau redigiu seu "discurso sobre a origem da desigualdade entre os
homens", publicado pela primeira vez em 1755. É um assunto que também
inquietava a filosofia grega, além de estar presente nos fundamentos do
cristianismo. assim, percebe-se o quão relevante e complexa é a questão da
igualdade.
circunscrevendo-se esta noção no pensamento jurídico-político da
modernidade européia, nota-se que foi a revolução francesa o grande fato
político que primeiramente se orientou segundo o postulado da igualdade
entre os homens. a liberdade, a igualdade e a fraternidade compunham o
tripé sob o qual se fundou a ação revolucionária. naquele momento, a
intenção principal era a derrubada do antigo regime (feudalismo) e de sua
forma de enxergar o mundo. os privilégios que a nobreza e o clero detinham
eram o principal alvo daqueles que compunham o chamado terceiro estado. a
igualdade perante a lei era de fundamental importância para a burguesia
emergente, que visava a trazer para suas mãos o poder político, gerando o
novo regime (capitalismo).
o princípio da igualdade era visto sob uma perspectiva meramente formal à
época da revolução francesa. apenas se intentava alcançar igualdade perante
a lei, isto é, que o ordenamento jurídico tratasse todos os cidadãos
isonomicamente, sem quaisquer distinções, eliminando-se os privilégios da
nobreza e do clero. formalmente, portanto, a ordem jurídica terminou por
reconhecer a igualdade de todos os cidadãos.
esta concepção de igualdade não tardou para apresentar suas fissuras. o
simples reconhecimento legal de que todos eram iguais não foi suficiente
para eliminar as desigualdades fáticas. a concretude dos fatos expunha a
ilusão da formalidade do direito. de que adiantava serem todos iguais
perante a lei se, na realidade, esta igualdade inexistia? o surgimento de uma
classe operária e o conseqüente inchaço dos grandes centros urbanos durante
o século xix expôs uma contradição social violentíssima: a riqueza
convivendo lado a lado com a pobreza; os operários livres e iguais
juridicamente tendo de se submeter aos mandos e desmandos dos industriais;
qualquer condição de trabalho por estes imposta era aceita de pronto pelos
operários que "viviam da mão à boca."'
os movimentos operários vão se estruturando, o pensamento comunista
ganhando notoriedade, o que leva a burguesia ater de ceder às reivindicações
do operariado, sob pena de ver ruir aquilo que havia construido. as
conquistas do operariado visavam à estruturação de um estado mais sensível
às causas sociais, à desigualdade econômica. era necessária uma nova
concepção de igualdade.
surge para o mundo do direito o que se conhece por isonomia material. não é
mais suficiente considerar todos iguais perante a lei; agora é preciso tratar
os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na exata medida de sua
desigualdade. além disto, exige-se que o estado institua políticas públicas
orientadas à redução da desigualdade econômica. surgem os direitos sociais,
que passam a impor ao estado uma diferente forma de agir. não mais se
admite a simples passividade do estado frente às questões sociais. a
educação, a saúde, o trabalho digno são assuntos da maior relevância, pelos
quais deve o estado zelar, permitindo o acesso por parte de todos a estes
bens. o estado não é mais gestor de interesses; é um dos atores na promoção
do bem comum, na constituição de uma sociedade igualitária.
em que se constitui a igualdade, portanto? de onde provém esta noção? se
considerarmos que as sociedades do ocidente desenvolveram ao longo de
sua história uma concepção de justiça, podemos notar que esta contém
dentro de si a idéia de igualdade, de que os homens são iguais uns perante os
outros. o sentimento de igualdade está além da concepção hobbesiana de
igualdade, segundo a qual os homens são iguais porque podem matar uns
aos outros (isto é, até o mais fraco dos homens pode aniquilar com a vida do
mais forte), que se baseia na observação pura e simples.
a igualdade não pode ser reduzida a um fato físico, por assim dizer, como o
fez hobbes. trata-se de uma compreensão cultural do ocidente que se baseia
na intuição de que todos os seres humanos têm uma condição em comum:
todos são humanos, detêm certas potencialidades e devem ser tratados com
dignidade e de maneira a estimular a expressão destas potencialidades.
a igualdade está fundada no altruísmo, e não no egoísmo. neste sentido, a
intuição de rousseau é bem mais palatável. o autor, ao identificar o
sentimento da piedade no interior de cada ser humano, verifica haver uma
característica altruísta em cada um; mesmo percebendo que o egoísmo
termina por dominar este traço de altruísmo na maioria dos casos, há
altruísmo. isto é, existe solidariedade, os seres humanos são capazes de
enxergar o outro, a diferença.
o reconhecimento da necessidade da igualdade, portanto, passa pela
solidariedade, pelo altruísmo. a igualdade, diferentemente da liberdade, é
conceito eminentemente relativo. uma pessoa só é igual (ou desigual) se
houver outra a ser comparada com ela. ninguém é absolutamente igual ou
desigual, apenas relativamente. a igualdade pressupõe a existência do outro,
o seu reconhecimento enquanto pessoa, enquanto ser humano. podemos
afirmar, portanto, que o princípio da igualdade está intimamente vinculado à
idéia de solidariedade; exatamente neste sentido dispôs a constituição
federal de 1988. ao dizer, em seu art. 3°, i, que é objetivo fundamental da
república federativa do brasil a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, entende-se que na justiça e solidariedade se encontram os
pressupostos para se efetivar a igualdade, que será mencionada no caput do
art. 5°. sem compreensão de justiça que carregue em si a necessidade da
igualdade e sem solidariedade, não se estrutura uma sociedade igualitária.
a igualdade, na medida em que se funda na solidariedade, pressupõe a
adoção de políticas inclusivas. sem inclusão é impossível haver igualdade.
uma sociedade igualitária é aquela onde os seres humanos têm amplas
possibilidades de desenvolver as suas potencialidades; não apenas todos os
seres humanos individualmente, mas também os segmentos étnicos, sociais,
culturais e de gênero que são excluídos de certos âmbitos de uma
determinada sociedade (minorias) devem ser reconhecidos, incluídos, de
modo a se preservarem estes grupos e sua originalidade, preservar a
diversidade e as potencialidades de cada um destes segmentos, permitindo
sua expressão.
talvez por envolver tantas questões de dificil solução (exclusão social e
econômica, discriminação etc.) seja de enorme complexidade e de dificil
efetivação o princípio da igualdade. uma sociedade igualitária é aquela onde
não há qualquer tipo de dominação, sendo, por isto, seus cidadãos livres.
aqui está a questão fundamental: a igualdade real, concreta, é pressuposto
para que exista liberdade. não há como se considerar o pleno exercício das
liberdades por todos os seres humanos se todos não se encontram incluídos
socialmente, culturalmente, economicamente e politicamente.
o princípio da igualdade se choca frontalmente com a concepção de mundo
individualista. de acordo com esta, os seres humanos agem e devem agir de
acordo com seu interesse, pura e simplesmente. não há espaço para o
reconhecimento do outro. a perspectiva da condição humana é extremamente
egoísta; não existe qualquer possibilidade de diálogo, na medida em que
aquele que de fato dialoga parte do pressuposto do reconhecimento do
interlocutor enquanto pessoa, enquanto ser humano, sendo necessário o
respeito à sua dignidade para se estabelecer um vínculo comunicativo
qualquer.
sob esta ótica, portanto, é extremamente importante o estudo das situações
de desigualdade existentes na sociedade brasileira atualmente e também dos
mecanismos jurídicos a serem utilizados para se alcançar uma concreta e
efetiva inclusão de todos. neste sentido se orienta o presente trabalho,
visando a verificar quais as posições tomadas pelo constituinte de 1988 na
busca de possibilitar o máximo desenvolvimento das potencialidades das
pessoas portadoras de deficiência, concretizando-se o princípio da dignidade
da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade e da justiça social. 3. a
igualdade na constituiÇÃo de 1988
a constituição federal de 1988, fiel à sua missão de reencontro com as águas
da democracia e pagando alto preço pelo longo atraso imposto à sociedade
brasileira pelos intermináveis anos de chumbo, tão caros à sociedade,
abarcou em seu texto importantes avanços no caminho pela concretização do
postulado da igualdade, tão reclamado pelas democracias de massa
contemporâneas, neste século findante.
superando a declaração do princípio da igualdade meramente formal,
conquista patrocinada pelo liberalismo clássico, que prega o tratamento
igualitário a todos perante a lei, como já demonstrado no item anterior, o
legislador constituinte brasileiro de 1987-88 foi mais adiante e consagrou no
texto maior também a igualdade material.
esta cláusula supralegal, robustecida pela fusão dos seus aspectos formal e
material, não apenas impede que seja conferido tratamento desigual aos
iguais ou àqueles que se encontram em uma mesma circunstância fática,
como também impõe sejam tomadas medidas reparadoras, a partir de um
horizonte de isonomia real ou material, visando à redução das desigualdades
de fato, através do tratamento diferenciado àqueles que se encontram em
circunstâncias de desigualdade, tal como ordena a mais basilar das idéias de
justiça.
foi neste contexto que o legislador constituinte, impregnado pelo espírito de
inegável inspiração isonômica e impulsionado pelos movimentos sociais,
naquele momento razoavelmente bem articulados, reservou a devida atenção
à questão relacionada aos direitos pertinentes às pessoas portadoras de
deficiência, às quais dispensou um tratamento visivelmente protetivo ao
estabelecer normas que não apenas previnem eventuais discriminações,
como também determinam prestações de caráter positivo a serem realizadas
pelo poder público, sempre visando à integração deste contingente de seres
humanos à vida social. por esta razão, houve por bem o legislador
constituinte se desviar da declaração meramente formal do princípio da
igualdade jurídica - com efeito, de pouca valia à resolução do problema em
comento - e, atingindo o âmago da questão, determinar a obrigação do poder
público em conferir tratamento diferenciado às pessoas portadoras de
deficiência, a partir de ações, direitos e deveres, bem como princípios e
diretrizes, positivados em diversos dispositivos constitucionais.
as constituições, ao longo do século xx abrigaram em seus textos novos
direitos, de inspiração socialista, tais como o direito ao trabalho, à saúde e à
educação. entretanto, a mera declaração, ou até mesmo a efetivação destes
direitos, ignorava os interesses das pessoas portadoras de deficiência.
embora assegurasse o direito à educação, dando maior ênfase ao aspecto da
gratuidade do ensino, esqueceu-se, ao não abordar de forma específica,
como seria efetivado este direito às pessoas portadoras de deficiência.
desse modo, uma parcela da população praticamente não acompanhou a
transição do estado liberal ao estado social, permanecendo excluída do gozo
dos predicados da cidadania, eis que a extensão do direito à educação e ao
trabalho para as pessoas portadoras de qualquer tipo de deficiência exige do
poder público uma prestação mais específica, escapando à sua mera
declaração de indiscutível caráter genérico.
por estas razões, é de grande importância não só a dilatação que a
constituição federal de 1988 conferiu ao princípio da isonomia, como
também a proteção, de clareza solar, que conferiu às pessoas portadoras de
deficiência.

4. aspectos constitucionais especÍficos

neste item iremos efetuar uma abordagem, ainda que tênue, da legislação
constitucional aplicável às pessoas portadoras de deficiência. serão
transcritas e brevemente comentadas as normas da constituição da república
federativa do brasil e da constituição do estado do rio de janeiro que
asseguram educação, acesso, assistência social, trabalho e integração às
pessoas portadoras de deficiência.'
4.1. competência
para o bom desenvolvimento deste trabalho, é necessário alertar à divisão de
competências que o estado federal brasileiro adota.
o pacto federativo brasileiro estabelece que as receitas arrecadadas pela
união federal serão devidamente distribuídas conforme as despesas
necessárias nas demais entidades federadas. isto aduz ao que denominamos
divisão de competências - É este o sistema que divide entre os estados e
municípios a renda que a união arrecada.
no que se refere ao tema aqui abordado, cabe asseverar que a constituição
federal de 1988, ao determinar a competência comum entre a união, estados,
distrito federal e municípios, conferiu merecido destaque à matéria referente
à saúde e assistência pública, bem como à proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência, conforme dispõe seu artigo 23, inciso ii, in verbis:

"art 23. É competência comum da união, dos estados, do distrito federal e


dos municípios:
ii- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência; (..)"
nesse mesmo sentido, estabeleceu a competência legislativa concorrente
entre a união, estados e distrito federal para proteção e integração social das
pessoas portadoras de deficiência, como resta claro na leitura do artigo 24,
inciso xiv:

"art. 24. compete à união, aos estados e ao distrito federal legislar


concorrentemente sobre:
xiv -proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; (...) "

este dispositivo põe termo a qualquer dúvida quanto ao caráter integralizador


das medidas adotadas pelo poder público em favor das pessoas portadoras de
deficiência, afastando a equívoca interpretação de que o estado, ao adotar
prestações integradoras, estaria paternalizando ou privilegiando o cidadão
portador de deficiência em detrimento dos demais, eis que esta interpretação
enxerga o cidadão portador de deficiência tal como um objeto e não como
um sujeito de direitos.
4.2. educação
o caráter integralizador a que nos referimos é carecedor de um tempero
fundamental em qualquer democracia. a ciência da cidadania é uma visão
esclarecida da vida de direitos e deveres e depende, precipuamente, de
educação. este é o pressuposto básico para qualquer mudança.
o texto constitucional de 1988, sintonizado com esta necessidade, estabelece
em seu artigo 208, inciso 111, como uma garantia à efetivação do dever do
estado de prestar educação:

"art. 208. o dever do estado com a educação será efetivado mediante a


garantia de:
iii - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
esclarece, ainda que:

"art. 227. (..)

§ 1. ° o estado promoverá programas de assistência integral à saúde da


criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não
governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:

ii-criação deprogramas de prevenção e atendimento especializado para os


portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de
integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência e a facilitação do acesso aos
bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos
arquitetônicos.

§ 2. °a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos


edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo,
afim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. "
atento a este dispositivo e, portanto, em consonância com a vocação que o
constituinte imprimiu em 1988, o ministério da educação, houve por bem
determinar, pela portaria n° 1.679, de 2 de dezembro de 1999, que sejam
incluídos nos instrumentos destinados a avaliar as condições de oferta de
cursos superiores, para fins de sua autorização e reconhecimento e para fins
de credenciamento de instituições de ensino superior, bem como para sua
renovação, requisitos que garantam às pessoas portadoras de deficiência o
essencial acesso à educação.
diante da importância desta decisão ministerial, transcrevemos alguns de
seus trechos:'

"diário oficial da união, 03 de dezembro de 1999:


dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de
deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento
de cursos, e de credenciamento de instituições.

o ministro de estado da educaÇÃo, no uso de suas atribuições, considerando


o disposto na lei n° 9.131, de 24 de novembro de 1995, na lei n° 9.394, de 20
de dezembro de 1996, e no decreto n° 2.306, de 19 de agosto de 1997, e
considerando ainda a necessidade de assegurar aos portadores de deficiência
física e sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior, de
mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações das instituições de
ensino, resolve:

art. 1° determinar que sejam incluídos nos instrumentos destinados a avaliar


as condições de oferta de cursos superiores, para fins de sua autorização e
reconhecimento e para fins de credenciamento de instituições de ensino
superior, bem como para sua renovação, conforme as normas em vigor,
requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de necessidades especiais.
art. 2° a secretaria de educação superior deste ministério, com o apoio
técnico da secretaria de educação especial, estabelecerá os requisitos, tendo
como referência a norma brasil 9050, da associação brasileira de normas
técnicas, que trata da acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências e
edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos.

art. 3° a observância dos requisitos estabelecidos na forma desta portaria


será verificada, a partir de 90 (noventa) dias de sua publicação, pelas
comissões de especialistas de ensino, responsáveis pela avaliação a que se
refere o art. 1°, quando da verificação das instalações físicas, equipamentos,
laboratórios e bibliotecas dos cursos e instituições avaliados.

art. 4° esta portaria entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as


disposições em contrário."

consoante à dicção constitucional federal, o constituinte fluminense de 1989


declinou todo um capítulo da constituição do estado do rio de janeiro à
pessoa portadora de deficiência.
nesse sentido, ordena a cerj/89 sobre a educação:

"art. 338-É dever do estado assegurar às pessoas portadoras de qualquer


deficiência a plena inserção na vida econômica e social e o total
desenvolvimento de suas potenciafdades, obedecendo os seguintes
princípios:
i - assegurar às pessoas portadoras de deficiência o direito à assistência
desde o nascimento, incluindo a estimulação precoce, a educação de
primeiro e segundo graus e profissionalizante, obrigatórias e gratuitas, sem
limite de idade;
ii-assegurar a formação de recursos humanos, em todos os níveis,
especializados no tratamento, na assistência e na educação dos portadores de
deficiência;

art. 340 - o estado implantará sistemas de aprendizagem e comunicação para


o deficiente visual e auditivo, de forma a atender às suas necessidades
educacionais e sociais."
4.3. acesso
o acesso adequado, leia-se adaptado, às pessoas portadoras de deficiência é
básico. cioso disso, o constituinte de 1988 determinou:

"art. 244. a lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de
uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes afim
de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme
disposto no art. 227, §2.°."
assegurar a eliminação de obstáculos arquitetônicos e a obrigação da
regulamentação acerca da construção dos logradouros e dos edifícios de uso
público, bem como da fabricação de veículos de transporte coletivo, é
matéria de fundamental importância para as pessoas portadoras de
deficiência, eis que o acesso adequado é, após a preliminar conscientização,
literalmente, o próximo passo para alcançar os demais direitos.
como nos esclarece cretela jr.:

"como toda pessoa, o portador de deficiência (a) transita por logradouros,


ruas, jardins, parques e praças, (b) penetra em edifícios, bens públicos de uso
especial, como escolas e hospitais públicos e, por fim, (c) utiliza veículos de
transporte coletivo como ônibus e metrô. a fim de facilitar o acesso aos
mencionados logradouros, edifícios e meios de transportes, serão editadas
normas a respeito, sobre construção dos dois primeiros - logradouros e
edificios - e de fabricação dos segundos -veículos de transporte, ou então,
determinarão as normas editadas sobre a adaptação do que já existe para o
acesso dos deficientes (art. 244).
a jurisprudência tem se manifestado de forma progressista com relação ao
tema, entendendo, em muitos casos, que se deve prover acesso não apenas a
logradouros públicos, mas também a condomínios privados,
fundamentando-se na base principiológica da constituição federal de 1988:
igualdade, livre locomoção, função social da propriedade, razoabilidade etc.
como exemplo, citamos o lúcido voto do juiz renato lima charnaux sertã,
relator do recurso de apelação n.° 993518-4 da l.a turma recursal cível do
tribunal de justiça do estado do rio de janeiro, de onde se exara a seguinte
ementa:

"voto do relator: condomÍnio - direito de ir e vir - obras para prover o acesso


À pessoa com dificuldade de locomoÇÃo - obrigatoriedade -inteligÊncia dos
artigos 3. °e 10, inciso ivda lei 4.591/64-interpretaÇÃo consentÂnea com o
espÍrito da constituiÇÃo federal, em seus artigos 5. °, incisos 1, xv e xxiii,
227, parÁgrafo 2. °, e 244, "caput" critÉrio da razoabilidade - resgate da
cidadania sentenÇa que se reforma - honorÁrios de 10% sobre o valor da
causa, pelo recorrente. vencido. "

a constituição estadual do rio de janeiro estabelece com clareza solar as


normas regionais pertinentes à acessibilidade. neste sentido, podemos
constatar:

"art. 338 -
iii -garantir às pessoas portadoras de deficiências o direito à habilitação e
reabilitação com todos os equipamentos necessários;
(...
v- elaborar lei que disponha sobre normas de construção dos logradouros e
dos edifcios de uso público e de fabricação de veículos de transporte
coletivo, afim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência;
vi- garantir às pessoas portadoras de deficiência física, pela forma que a lei
estabelecer, a adoção de mecanismos capazes de assegurar o livre acesso aos
veículos de transporte coletivo, bem assim, aos cinemas, teatros e demais
casas de espetáculos públicos;
ix-garantir o direito à informação e à comunicação, considerando-se as
adaptações necessárias às pessoas portadoras de deficiência;
x -conceder gratuidade nos transportes coletivos de empresas públicas
estaduais para as pessoas portadoras de deficiência, com reconhecida
dificuldade de locomoção, e seu acompanhante;
g)

art. 342 - cabe ao poder público celebrar os convênios necessários a garantir


aos deficientes fisicos as condições ideais para o convívio social, o estudo, o
trabalho e a locomoção, inclusive mediante reserva de vagas nos
estacionamentos públicos.

parágrafo único. a gratuidade nos gastos inerentes dar-se-á à vista de passes


especiais expedidos por autoridade competente. "

4.4. assistência social

o artigo 203 da constituição federal de 1988 trata da assistência social -


direito do cidadão e dever do estado - assegurando que ela será prestada a
quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e assinala como seus objetivos, dentre outros, a habilitação e
reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária, bem como a garantia de um salário mínimo
de beneficio mensal à pessoa portadora de deficiência que comprove não
possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, como se comprova, in verbis:

"art. 203. a assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

iv- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a


promoção de sua integração à vida comunitária;
v - a garantia de um salário mínimo de beneficio mensal à pessoa portadora
de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a
lei. "

nesse sentido e no intuito de melhor atingir os objetivos supramencionados,


a lei n° 8.742/93 (lei orgânica da assistência social) previu a adoção de ações
descentralizadas, contando, destarte com a participação dos estados, distrito
federal e municípios, devendo cada ente federativo instituir os respectivos
conselhos de assistência social, com composição paritária entre governo e
sociedade civil, cujo funcionamento é imprescindível para o repasse dos
recursos previstos.

4.5. trabalho e integração

este inventário de dispositivos constitucionais, bem demonstra a


preocupação do legislador constituinte com este número significante de
brasileiros desprovidos dos predicados da cidadania. todavia, cabe ainda
destacar os avanços consagrados pelo texto constitucional no que tange ao
acesso das pessoas portadoras de deficiência ao mercado de trabalho,
tormentosa questão, sobretudo em tempos em que o desemprego ocupa a
ordem do dia nos estados tomados pela onda do neoliberalismo.
com efeito, a constituição federal dispensou proteção especial ao acesso das
pessoas portadoras de deficiência ao mercado de trabalho, tanto em âmbito
público como em nível de iniciativa privada. conforme reza o artigo 7.°,
xxxi, in verbis:

"art. 7°. são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
xxxi-proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência; (..)"

importante salientar que a pessoa portadora de defciência deve estar


plenamente habilitada para o emprego ou função que pretenda exercer, pois,
de outro modo, estará abandonando a esfera de proteção conferida pela
norma constitucional. nesse sentido, uma pessoa portadora de deficiência
visual não pode se candidatar a um cargo de motorista, onde a habilidade
visual é fundamental.
o dispositivo supramencionado, ao proibir expressamente a discriminação no
tocante a critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência,
impede que seja dado tratamento diferenciado em função de deficiência,
quando esta não impedir o pleno exercício da função. por exemplo, uma
pessoa portadora de paraplegia não pode ser impedida de concorrer a um
cargo de digitador, para o qual esteja habilitada.

ainda na seara do acesso ao mercado de trabalho, a constituição federal de


1988 abarcou em seu texto a chamada "reserva de mercado de trabalho" às
pessoas portadoras de defciência no âmbito da administração pública, ao
elencar no art. 37, que trata dos princípios regentes da administração
pública, o inciso viii, que assim dispõe:

"art. 37. a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da


união, dos estados, do distrito federal e dos municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
g)
viii- a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as
pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
(..)"

seguindo esta orientação, o estatuto dos servidores públicos civis da união


passou a prever percentual de vagas reservadas para pessoas portadoras de
deficiência, quando da realização de concurso público. da mesma forma,
legislações estaduais e municipais têm tratado da matéria em seu âmbito de
atribuição legislativa. a lei estadual n.° 7.875 fixou o percentual de 5%
(cinco por cento) do quadro da administração pública no estado do paraná,
para pessoas portadoras de deficiência. também a lei municipal n.° 7.600/91
reservou 5% (cinco por cento) dos cargos da administração municipal de
curitiba, às pessoas portadoras de deficiência.
ainda, a lei que trata dos planos de beneficios da previdência social, lei n.°
8.213/91, obriga a empresa com até 200 empregados a empregar 2% (dois
por cento) de pessoas portadoras de deficiência ou beneficiários da
previdência reabilitados; as empresas com mais de 200 até 500 empregados,
3% (três por cento); mais de 500 até 1.000, 4% (quatro por cento); acima de
1.000, 5% (cinco por cento).
vale destacar que a previsão normativa da chamada reserva de mercado de
trabalho apenas há de causar espécie aos espíritos que se encontram
desconectados dos movimentos em favor das minorias que têm tomado o
mundo há algumas décadas, rompendo preconceitos e obrigando os estados
mais avançados a reverem seus ordenamentos jurídicos, dando, inclusive, o
caminho a ser seguido na construção e solidificação institucional dos blocos
econômicos regionais.
ressalte-se que esta idéia de reserva de mercado de trabalho encontra-se em
consonância com uma nova concepção de igualdade, como bem
asseveramos no início destas breves considerações. esta nova vertente
igualitária ganha impulso na jurisprudência da suprema corte norte-
americana, que ofereceu, pela via pretoriana, um novo paradigma de estado,
ao atribuir nova interpretação ao princípio da igualdade, conferindo ênfase à
idéia das ações afirmativas e acelerando o processo de transição da
igualdade formal à igualdade material, a partir de uma atuação positiva do
poder público.
este período, marcado pela superação da simples proibição de discriminação
às minorias, a partir de uma visão mais dinâmica acerca do princípio da
igualdade, impondo ao estado exigências de ações positivas, tanto pelos
particulares, quanto pelo próprio poder público, em favor destas mesmas
minorias discriminadas, retrata o momento de transição do estado liberal
para o estado social.
por oportuno, devemos salientar que o impacto desta nova corrente
igualitária possui caráter indubitavelmente integrador, conferindo, no plano
pragmático, a uma massa carente de meios dignos de vida, a possibilidade de
exercer a cidadania plena, da qual já é titular no plano normativo.
assim, podemos concluir este item do trabalho observando que a legislação
pertinente às pessoas portadoras de deficiência, editada a partir da
promulgação da constituição de 1988, tem sido enfática a respeito do seu
objetivo de integração social, não restando margem a interpretações que
atribuam às medidas adotadas a partir de suas determinações qualquer
caráter de cunho paternalista.
em relação a normas referentes a trabalho e integração, cabe mencionar que
a constituição do estado do rio de janeiro estabelece:

"art. 338 - (..)

i -proibir a adoção de critérios diferentes para a admissão, a promoção, a


remuneração e a dispensa no serviço público estadual garantindo-se a
adaptação de provas, na forma de lei; g)
iv -com a participação estimulada de entidades não-governamentais, prover
a criação de programas de prevenção de doenças ou condições que levem à
deficiência, e atendimento especializado para os portadores de deficiência
física, sensorial ou mental; e de integração social do adolescente portador de
deficiência, mediante treinamento para o trabalho e a convivência;
xi-regulamentar e organizar o trabalho das oficinas abrigadas para pessoas
portadoras de deficiência, enquanto estas não possam integrar-se no mercado
de trabalho competitivo;

5. consideraÇoes sobre o decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999

merece destaque a festejada edição do decreto presidencial n.° 3.298, de


20.12.1999, que em boa hora adentrou no ordenamento jurídico pátrio, não
apenas regulamentando a lei n.° 7.853, de 24.10.1989, como também
instituindo a política nacional para a integração da pessoa portadora de
deficiência e, sobretudo, consolidando as normas para sua proteção. com
efeito, este decreto compreende um verdadeiro compêndio sistematizado da
legislação até então em vigor sobre o tema não se restringindo, todavia, à
simples repetição dos diplomas legais vigentes, mas, antes, aperfeiçoando e
adequando-os à realidade atual, abrigando, ainda, em seu texto, dispositivos
oriundos de projetos de lei.' entretanto, ainda devemos perguntar: será isso
suficiente para garantir efetividade aos direitos legalmente reconhecidos?
o decreto n.° 3.298 consagrou como princípios da política nacional para a
integração da pessoa portadora de deficiência, in verbis:

"art. s°. a política nacional para a integração da pessoa portadora de


deficiência, em consonância com o programa nacional de direitos humanos,
obedecerá aos seguintes princípios:

1- desenvolvimento de ação conjunta do estado e da sociedade civil, de


modo a assegurar a plena integração da pessoa portadora de deficiência no
contexto sócio-econômico e cultural;

11- estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e operacionais que


assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus
direitos básicos que, decorrentes da constituição e das leis, propiciam o seu
bem-estar pessoal, social e econômico;

111- respeito às pessoas portadoras de deficiência, que devem receber


igualdade de oportunidades na sociedade por reconhecimento dos direitos
que lhes são assegurados, sem privilégios ou paternalismos. " (grifo nosso!)
assegurou, ainda, como suas diretrizes:

"art. 6°. são diretrizes da política nacional para a integração da pessoa


portadora de deficiência:

i- estabelecer mecanismos que acelerem e favoreçam a inclusão social da


pessoa portadora de deficiência;
ii - adotar estratégias de articulação com órgãos e entidades públicos
eprivados, bem assim com organismos internacionais e estrangeiros para a
implantação desta política;

ill -incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas


peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à
educação, à saúde, ao trabalho, à edificação pública, à previdência social, à
assistência social, ao transporte, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer;

iv- viabilizar a participação da pessoa portadora de deficiência em todas as


fases de implementação dessa política, por intermédio de suas entidades
representativas;
v - ampliar as alternativas de inserção econômica da pessoa portadora de
deficiência, proporcionando a ela qualificação profissional e incorporação no
mercado de trabalho; e

vi-garantir o efetivo atendimento das necessidades da pessoa portadora de


deficiência, sem o cunho assistencialista."

impende assinalar que o inciso 1 do artigo acima transcrito alterou de forma


sutil o que dispunha o decreto n.° 914, de 6.09.1993, até então em vigor, que
assim previa em seu art. 5.°, i, in verbis:

"art. 5°

i - estabelecer mecanismos que acelerem e favoreçam o desenvolvimento


das pessoas portadoras de deficiência;" (grifo nosso!)

esta alteração, embora tênue, representa bem a orientação adotada pelo


decreto n.° 3.298, que externou de forma expressa seu manifesto obj etivo de
integração social das pessoas portadoras de deficiência.
6. conclusÃo
ao concluirmos estes breves comentários sobre a legislação constitucional
aplicável às pessoas portadoras de deficiência, devemos sintetizar o que aqui
desbastamos. na intenção fundamental de oferecer aos operadores do direito
material para transmudar vigência em efetividade, traçamos a linha
diferencial de temas relacionados à constituição e sua supremacia diante dos
demais. em seguida demos ênfase ao princípio basilar que norteia o tema - a
igualdade - verificando em que medida tal princípio se relaciona com a
questão da integração social das pessoas portadoras de deficiência.
com base na superioridade das normas constitucionais, optamos por
sistematizar o trabalho enumerando e comentando, quando necessário, os
aspectos constitucionais específicos, estampados na constituição federal de
1988 e na constituição estadual do rio de janeiro de 1989, observando quais
os avanços obtidos pelos respectivos documentos. foi também objeto de
análise o decreto presidencial n°. 3298 que visou a especificar como se
realizará a integração das pessoas portadoras de deficiência à sociedade
brasileira.
o festejado decreto presidencial objetiva sistematizar as normas atinentes às
pessoas portadoras de deficiência, para inclusive facilitar a operacionalidade
e a efetivação de seus dispositivos. É instrumento importante aos operadores
do direito. É inequívoco seu sentido de efetividade, mas é também
transparente a existência, nos níveis da federação e em suas funções de
estado (legislar, executar e julgar) a abundância de leis do estado,
legalizando o direito conquistado pelas pessoas portadoras de deficiência;
entretanto, são leis que não se incorporaram à vida do estado, em outras
palavras não "colaram". têm vigência, mas longo é o caminho à sua
efetividade. dizer o direito, para acalentar movimentos sociais de parcelas
hipossuficientes e inconformadas com o status quo e fazer leis retóricas para
acalmar e até desarticular os detentores do direito é prática corriqueira na
história legislada do homem.
feitas as considerações que acima ficam, nos permitimos afirmar que não
cansaremos de repetir, e neste trabalho, de maneira enfática e pertinente, que
não bastam leis espetaculares, decretos esmiuçantes e encantadores, se forem
apenas retóricas fabuladoras. normas meramente formais e não materiais,
como uma espécie de conquista "cala a boca", uma lei que amordace e
desestimule a organização para a concretização dos direitos. É necessário dar
um passo adiante.
toda pessoa necessita de espaço, estímulo, saúde, trabalho, lazer. ser cidadão
é poder escolher a escola, o hospital, o médico, o espaço público ou privado
que se deseja e prescisa ocupar. É poder ir, vir e permanecer, com
integração, sem protecionismo, mas com respeito e dignidade.
constituiÇÃo da repÚblica federativa do brasil de 1988

1. artigo 7°, xxxi - igualdade de direitos no trabalho;


2. artigo 23, ii - competência comum da união, estados, distrito federal e
municípios no que concerne aos cuidados com a pessoa portadora de
deficiência;
3. artigo 24, xiv - proteção e integração social: competência concorrente para
legislar da união, estados e distrito federal;
4. artigo 37, vii - admissão em cargo/emprego público;
5. artigo 203, iv - assistência social: habilitação e reabilitação;
6. artigo 203,v-beneecio mensal: garantia de um salário mínimo;
7. artigo 208 - ensino especializado;
8. artigo 227, inciso ii - criação de programa especializado e eliminação de
preconceitos e obstáculos arquitetônicos;
9. artigo 227, parágrafo 2° - locomoção e acesso;
10. artigo 244 - adaptação de logradouro, edifícios e veículos para transporte
coletivo.
constituiÇÃo do estado do rio de janeiro de 1989

1. artigo 338, caput - estabelece princípios para inserção na vida econômica


e social;
2. artigo 338, i - isonomia para admissão no trabalho;
3. artigo 338, ii - ampla educação;
4. artigo 338, iii - habilitação e reabilitação, com equipamentos necessários;
5. artigo 338, iv - integração pelo treinamento para o trabalho e a
convivência;
6. artigo 338, v - elaborar lei sobre acessibilidade coletiva;
7. artigo 338, vi-livre acesso ao transporte coletivo e locais de lazer;
8. artigo 338, viii-formação de recursos humanos para tratamento,
assistência e educação;
9. artigo 338, ix - direito à informação e comunicação adaptadas;
10. artigo 338, x - acesso gratuito a transportes coletivos;
11. artigo 338, xi - regulamenta e organiza o trabalho nas oficinas abrigadas;
12. artigo 340 - implementação de sistemas de aprendizagem e comunicação
para o deficiente visual e auditivo;
13. artigo 342, caput - obriga o poder público a celebrar convênios para
garantir a isonomia aos deficientes físicos;
14. artigo 342, parágrafo único - gratuidade de passes especiais.
1. conteÚdo do direito civil
o direito civil é o direito da cidadania.
É na cives (latim: a cidade, a comuna, a comunidade onde vivem os
cidadãos) que a pessoa vive, realiza os seus sonhos, satisfaz as suas
peculiares necessidades, projeta o seu espírito na realização do seu trabalho,
busca os bens essenciais à sua existência e ao seu desenvolvimento através
do relacionamento com os demais seres viventes.
o direito civil é o ramo jurídico que regula os direitos e deveres concernentes
a todas as pessoas, pretendendo impor-lhes as condutas através das quais
elas atuam buscando os bens da vida que interessam a todos os membros da
comunidade.
daí a importância do direito civil quando se fala a respeito dos direitos do
deficiente, pois este ramo do direito, conforme o sistema jurídico que
herdamos da europa continental, é aquele que descreve a trajetória do
indivíduo durante a sua peregrinação neste mundo.
o direito civil regula a vida do indivíduo, expressa a sua cidadania.
no aspecto de tentar regular toda a vida da pessoa, veja-se como o nosso
velho código civil de 1916, inspirado no modelo francês de 1804, está
organizado em suas diversas partes.
a parte geral, que incide genericamente, assim está dividida:
- o livro 1 trata das pessoas, naturais e jurídicas, do sujeito do direito,
daquele que tem poder de atuar no mundo jurídico, do domicílio (clomus, a
casa, o lugar onde vive);
- o livro ii refere-se aos bens (ou tudo o que possa satisfazer uma
necessidade), isto é, os objetos do direito, sobre o qual incide o poder do
indivíduo, bens patrimoniais e bens extrapatrimoniais;
-o livro 111 está dedicado aos fatos jurídicos, os eventos que interessam ao
direito, produzem efeitos jurídicos e, entre eles, os atos jurídicos, a constituir
os meios de comunicação entre os sujeitos de direitos, os atos ilícitos2 e,
finalmente, sobre a prescrição (aí incluída a decadência) ou a devastadora
influência do tempo sobre os homens e os seus direitos.

a parte especial também está dividida em diversos livros:

- o livro i trata do direito de família (do latim famulus, que signifca o servo,
o servidor), o núcleo básico ou o grupo social que se constitui em torno do
indivíduo e que lhe fornece o atendimento às necessidades mais essenciais,
desde a sua infância, formação e desenvolvimento, até a ancianidade;
• o livro ii está dedicado ao direito das coisas (os bens tangíveis e
mensuráveis) onde se destaca a situação fática da posse e os efeitos
jurídicos do título de propriedade, instrumento jurídico a serviço do
poder econômico do seu titular de excluir os restantes membros da
comunidade do uso e gozo da coisa;
• -o livro iii refere-se ao direito das obrigações, o vínculo jurídico a
relacionar aquele que tem o poder (o credor) de exigir de outrem (o
devedor) uma prestação de dar coisa, fazer ou não fazer. nesta parte está
também o direito dos contratos, a se referir à constituição das obrigações
que vinculam as partes através da manifestação de vontade; e, finalmente,
• - o livro iv diz respeito ao direito das sucessões, ou o complexo de
relações jurídicas que devem ser reguladas em face do fato inexorável da
morte do titular dos direitos.

• 2. o direito civil transborda dos limites do cÓdigo civil

• napoleão bonaparte, imperador dos franceses, pretendeu substituir por um
único diploma legal, o código civil, todas as antigas normas das diversas
regiões que regulavam a vida do cidadão francês.
• daí veio o código civil de 1804, ambicioso de nele se esgotar a previsão
das condutas de todos os franceses, posto sobre o princípio filosófico
individualista, politicamente liberal e economicamente do livre mercado,
assim atendendo ao belo projeto de vida expresso no dístico "liberté,
egalité e fraternité" que motivou a revolução francesa de 1789.
• produto da lei, fundado na vontade da maioria parlamentar, o código civil
tinha a grandiosa pretensão de tentar resumir na letra da lei toda a história
do indivíduo; daí por que portalis, célebre jurista francês do século xix
podia trombetear que não ensinava direito civil, mas o código civil ....
• o nosso código civil tomou como paradigma o código civil francês de
1804, correspondendo aos princípio individualista (e, conseqüentemente,
do ideário racional- iluminista) então em voga no final do século xix e no
princípio do século xx.
• também buscou nos postulados individualistas a afirmação da igualdade
formal, regulando em suas normas o que até hoje os juristas mais
conservadores gostam de designar como o padrão de conduta do homem
médio, e considerando todos aqueles que não se encontrassem em tal
padrão como desvios da normalidade, a merecer, de um lado, a proteção
do direito e, de outro, a perda da capacidade de atuar dentro do próprio
direito.
• É assim que se considerava, por exemplo, a mulher casada, considerada
relativamente incapaz, tal como os índios, e que dependia da autorização
marital para realizar os seus atos da vida civil. aliás, em nosso país,
somente em 1932 as mulheres ganharam em nível nacional o direito de
voto e somente em 1961 é que veio a lume o estatuto da mulher casada,
que, alterando o código civil, lhes tirou a pecha infamante da
incapacidade jurídica.
• até hoje, o nosso código civil não registra a palavra "deficiente", e
somente uma vez a palavra "doença", embora conte quarenta vezes a
palavra "incapaz" e sete vezes a palavra "louco".
• ao surgir em 1916, o código civil aspirava a existência de um mundo em
que imperava a igualdade formal, elemento necessário para a competição,
mas que somente ensejava o sucesso a quem fosse o mais capaz, superior
em armas de riqueza, inteligência e fulgor fisico...
• somente em 1923 é que veio a lei eloy chaves, sob o paradigma britânico,
com o embrião de seguridade social para os empregados das vias férreas;
quanto aos outros assalariados, estavam condenados a se finar quando
doentes ou velhos, pois o contrato de trabalho era aquele previsto no
código civil em que imperava a autonomia da vontade e vicejava o patrão
econômica e socialmente mais forte que o operário que a ele se curvava
genuflexo.
• em 1934, mais um notável avanço agora em favor daqueles que o decreto
n° 24.559, de 3 de julho daquele ano, denominou de "psicopatas" e que
compreendia os deficientes mentais e os toxicômanos. este foi um
momento em que se viu a impossibilidade do código civil de regular
exaustivamente as situações que não fossem as consideradas típicas das
pessoas "normais".
• a história demonstrou a impossibilidade de regulação, através de leis
-ainda que sistematizadas como são os códigos-de todas as situações que
podem ocorrer nos casos concretos: a vida é muito mais rica que nossas
vãs previsões. a lei produz comandos que somente atentam para as
situações genéricas e hipotéticas, o administrador e o juiz estão sob os
influxos das situações individuais e concretas que, não raras vezes, se
mostram imprevisíveis para o legislador.
• assim, cada vez mais as leis se tornam declarações de princípios, com a
afirmação dos valores que devem predominar nas soluções dos casos
concretos.
• exemplo de tal postura é o que está no art. 1° da lei n 7.853, de 24 de
outubro de 1989, cujo § 1° proclama os valores predominantes e cujo §
2° afirma os objetivos ou tarefas.
• cada vez mais o código civil se mostra insuficiente como repositório das
leis que asseguram os direitos e deveres civis, bastando que tal se
demonstre com o número crescente da chamada "legislação
extravagante".

• 3. dificuldade de definiÇÃo do conteÚdo do direito civil

• há quinze séculos, desde a época do imperador justiniano, é que se
começou a distinguir no direito, ontologicamente uno como ciência, arte
e técnica, dois grandes ramos: o direito público, em que predomina o
interesse da coletividade, e assim indisponível a cada um de seus
integrantes, e o direito privado, em que predomina o interesse do
indivíduo, que pode abdicar dos direitos ditos à sua disposição ou
disponíveis.
• no direito privado estaria o direito civil e o direito comercial, ficando
para o direito público, como o direito administrativo e o direito tributário,
o que interessa ao estado.
• mas nem sempre as normas do código civil são meramente de direito
privado e disponíveis para o interessado. por exemplo, as regras sobre
família e sucessão são claramente indisponíveis, simplesmente deixando
aos interessados pequeno campo de atuação da vontade, como, e. g., a
escolha do regime de bens do casamento, se este está disponível pela lei
para o nubente...
• de qualquer forma, parece cruel para os românticos verificar que o
casamento, como celebração solene descrita no código civil, está previsto
em normas que, embora postas no código civil, têm conteúdo
administrativo, e que a celebração do casamento é ato jurídico que não se
restringe aos nubentes, mas exige necessariamente para a sua existência e
validade a atuação do poder do estado que se encarna na pessoa do
ofciante.
• em conseqüência, mais uma dificuldade se apresenta ao estudioso do
tema: estabelecer os limites do direito civil para verem que o mesmo dia.
respeito ao portador de deficiência.
• aqui se optou por seguir, tanto quanto possível, os caminhos indicados
pela constituição e pelas leis, pois se percebe que é descabido limitar o
que se mostra desde logo incomensurável na sua extensão: os direitos da
pessoa não podem ser restringidos sob o fundamento de necessidades
didáticas pois o universo individual é abrangente e ontologicamente
ilimitado.

• 4. tendÊncia atual do direito da cidadania

• assim se constata a tendência atual do direito pátrio em tema da proteção
dos direitos de cidadania do portador de deficiência:

• - a insuficiência do código civil, como sistema de normas sistematizadas,
para regular todas as situações individuais e concretas que mereçam
proteção legislativa;
• - a ampliação e o aprofundamento da denominada "legislação
extravagante", isto é, as leis que regulam os direitos de cidadania do
deficiente e que, embora aparentemente de conteúdo civil, não raras
vezes transbordam para outros ramos do direito; - a salutar convivência
de normas dos mais variados ramos do direito - havendo tal divisão em
ramos como meramente didática- em que os valores postos como
essenciais são garantidos por normas não só civis, mas também
processuais e administrativas e, até mesmo, penais.

• 5. a legislaÇÃo do portador de deficiÊncia

• 5.1. a proteção constitucional ao portador de deficiência

• a constituição democrática confere especial atenção aos portadores de
deficiência.
• implementando os princípios fundamentais ou estruturantes da nossa
organização social, e, entre eles principalmente o valor da dignidade
humana, como declarado no art. 1°, iii, e a tarefa de extinção das
discriminações, como se vê no art. 3°, iv, dispõe a constituição de 1988,
em seu art. 23, ao tratar das competências comuns aos entes federativos
(união, dos estados, do distrito federal e dos municípios), que a estes
compete, desde logo, no inciso i, zelar pela guarda da constituição, das
leis e do patrimônio público; e, no inciso seguinte, o ii, que devem cuidar
da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência.
• nesta escala de prioridades, se vê que a constituição erigiu a proteção e
garantia das pessoas portadoras de deficiência como um dos primeiros
encargos da sociedade e do estado.
• na verdade, ao conferir superioridade jurídica a quem se está em
inferioridade social, a constituição intenta simplesmente preservar o valor
da dignidade humana.
• É o valor da dignidade humana o fundamento da proteção jurídica ao
portador de deficiência.
• tal valor está sob a garantia da sociedade e do estado, que é a organização
de poder através do qual atua o grupo social.
• daí por que a constituição erigiu em objetivo fundamental da sociedade
brasileira (não só do estado!) ou como tarefa social o que está no art. 3°,
iv: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
• como tarefa social é que se colocou em patamar constitucional (e assim
imune às alterações legislativas procedidas por eventuais maiorias
parlamentares) as disposições constitucionais do art. 7°, xxxi (na relação
empregatícia, a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário
e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência), do art. 24,
xiv (poder legiferante concorrente dos entes federativos quanto à
proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência), do
art. 37, viii (dever da administração pública de qualquer dos poderes das
entidades federativas de reservar percentual dos cargos e empregos
públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definição dos
critérios de sua admissão), do art. 244, a repetir o que está na disposição
permanente do art. 227, § 2°, quanto à adaptação dos logradouros, dos
edificios de uso público e dos veículos de transporte público a fim de
garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
• mas a constituição não pode conter todos os comandos necessários à
sociedade e ao estado para que se concretize a proteção dos valores que
erigiu como essenciais à vida da sociedade organizada.
• o conteúdo da constituição e dos demais textos genéricos e abstratos está
expresso em normas ou regras de conduta que se traduzem em comandos
ou ordens em que o verbo é o núcleo, pois este é a expressão que indica a
conduta.
• lei das leis, ou norma geradora de todas as outras, a constituição necessita
de ser explicitada nos valores que protege, nas condutas que deseja
imprimir à sociedade, nas tarefas que impõe para que se atenda aos seus
fins legitimadores do uso da força do poder. não se diga que a norma
constitucional só terá eficácia se e quando houver lei ou ato de vontade
parlamentar que regulamente o que a constituição declara.
• o § 1 ° do art. 5° enuncia que "as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata" e o § 2° que "os direitos
e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a república federativa do brasil seja parte".
• os direitos constitucionais, que decorrem da supremacia da constituição,
têm aplicabilidade imediata, ainda que não existam leis explicitadoras. É
certo que elas podem contê-los, mas não podem escamoteá-los, nem
inibir a sua força.
• mas a dispensabilidade das leis para a aplicabilidade dos direitos
constitucionais exige que a atuação conjunta do poder público (através
das entidades federativas ou esferas governamentais) e da sociedade se
faça de forma consciente e integrada, em atenção a uma política que seja
abrangente o suficiente para permitir que atenda à diversidade
sociológica e à grandeza territorial do país e que seja concentrada o
suficiente para não ensejar a dispersão dos esforços que integram a
atividade de tantos agentes sociais.
• eis a importância da lei federal n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, ora
regulamentada pelo decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, pois
estabelece a política que a sociedade e as diversas esferas governamentais
devem cumprir em tema de tanta relevância.
• compete à união, aos estados e ao distrito federal legislar
concorrentemente sobre a proteção e integração social das pessoas
portadoras de deficiência (cf, art. 24, xiv), limitando-se a competência da
união a estabelecer normas gerais (art. 24, § 1°), o que não exclui a
competência legislativa supletiva dos estados e do distrito federal (art. 24,
§ 2°), respeitando estes, evidentemente, a orientação dada pelas normas
gerais ditadas pela união. no mesmo diapasão, os municípios, no âmbito
da regulação dos interesses locais, têm o poder de suplementar a
legislação federal e a estadual no que couber (cf, art. 30, ii), assim
vinculados à orientação ditada pelas leis federais e estaduais.
• compete, então, à lei federal estabelecer as normas gerais sobre a
proteção e a integração social das pessoas portadoras de deficiência,
jungindo aos seus comandos não só os órgãos federais, como os dos
estados, do distrito federal e dos 5.507 municípios, nos poderes
executivo, legislativo e judiciário, e, acima do próprio poder público,
todos os agentes sociais. 5.2. Âmbito de incidência da lei n° 7.853

• note-se que embora posicionada como lei ordinária, a lei n. 7.853/89 tem
conteúdo complementar às normas constitucionais. tal conteúdo
complementar também impregna as normas constantes do decreto n.
3298, de 20 de dezembro de 1999, que o regulamenta, pois compete ao
chefe do poder executivo baixar decreto regulamentando as leis
(constituição, art. 84, iv).
• em face do conteúdo complementar à constituição, a lei n. 7.853 e o
decreto n. 3.298 constituem diplomas normativos que harmonicamente se
integram ao sistema constitucional, sem que se possa vislumbrar a
existência de separadores ou limites compartimentais entre as normas
constitucionais, legais e regulamentares, pois a fonte normativa da
proteção e da integração social do deficiente é - como tantas vezes j á
referido - a constituição.
• não se pense desta integração normativa entre a constituição, a lei n°
7.853 e o decreto n. 3.298 que daí decorra o status de supremacia
constitucional para os comandos legais e regulamentares. o que se deve
pensar é que a lei e o decreto explicitam os comandos constitucionais,
deles extraindo não só as opções que a constituição permite às leis como
a política de tratamento que se deve dar ao tema de deficientes no
momento atual.
• a constituição tem sentido de perenidade, e por isso os seus comandos
são genéricos o suficiente para permitir ao legislador as opções
necessárias no sentido de se adaptar às mudanças sociais para, em cada
momento histórico, dispor os comandos ao estado e à sociedade no
sentido de atender aos parâmetros constitucionais.
• mas também as leis, votadas pelo poder legislativo, necessitam de certa
generalidade para que possam ser obedecidas pelos destinatários da
norma, problema que em nosso país merece grande atenção em face da
diversidade cultural e das múltiplas necessidades de nossa sociedade que
se pretende abrangente dos interesses de milhões de brasileiros.
• daí se vê que o intérprete da constituição, da lei e do decreto não pode
limitar a sua visão do campo de conhecimento que está a investigar, pois
deve levar em consideração a integração normativa entre a constituição,
as leis federais, os decretos governamentais que as regulamentam e, até
mesmo, eventuais atos administrativos que intentam atingir os objetivos
visados pelas normas de maior densidade. 6. comentÁrios À lei n°
7.853/89

• 6.1. a ementa da lei n° 7.853

• a ementa é a parte do diploma legal que enuncia, logo antes dos
comandos expressos nos dispositivos, os temas que são tratados no ato
legislativo.
• a ementa não integra os dispositivos das leis (os artigos e parágrafos) e
visa, tão-somente, enunciar os temas para fins de classificação do ato e
para permitir a quem consulte o texto legal um sumário de suas
disposições.
• assim, a ementa não tem força normativa própria, mas normatividade
decorrente das respectivas disposições e do sentido que delas se pode
extrair:

• "dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua
integração social, sobre a coordenadoria nacional para integração da
pessoa portadora de deficiência - corde, institui a tutela jurisdicional de
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do
ministério público, define crimes, e dá outras providências.

• como adiante se verá, a longa ementa da lei n. 7.853/89 se mostra
compatível com as suas disposições pois no enunciado se encontram os
temas tratados nos dispositivos.
• a seguir da ementa, vêm as expressões que tradicionalmente abrem os
atos normativos brasileiros, dizendo qual a autoridade que introduz a
norma no mundo jurídico (no caso, o presidente da república), e a
declaração dos respectivos motivos, isto, do fato de que a norma decorreu
da vontade do congresso nacional. 6.2. o objetivo da lei n° 7.853/89:
estabelecer normas gerais

• o art. 1° compõe-se do caput e de dois parágrafos.
• o caput enuncia a finalidade ou objetivo da lei n. 7.853/89 que é o de
estabelecer normas gerais que assegurem o pleno exercício dos direitos
individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva
integração social.
• pelo caput, desde logo se vê que o objetivo' do diploma legislativo é o de
cumprir o dever que a constituição impõe à união, no seu art. 24, xiv, de
estabelecer as normas gerais para o cumprimento da tarefa imposta no
inciso 11, última parte, do art. 23, a todas as entidades federativas e a
todos os poderes da república.
• como antes referido, tais normas gerais são de observância obrigatória
dos estados, do distrito federal e dos municípios, bem como, o que é
óbvio, dos respectivos poderes que os integram.

• 6.3. o conteúdo da lei n° 7.853: assegurar o pleno exercício dos direitos
individuais e sociais dos portadores de deficiência

• está no art. 1° da lei ora em comento que são estabelecidas normas gerais
que asseguram "...o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das
pessoas portadoras de deficiência...".
• eis o objeto ou conteúdo da lei n. 7.853: assegurar o pleno exercício dos
direitos individuais e sociais dos portadores de deficiência.
• desde logo, é necessário afirmar, como já antes referido, que a fonte dos
direitos dos portadores de deficiência é a constituição da república, não
as leis; estas, simplesmente, explicitam tais direitos e o modo de seu
exercício.
• nem se pretenda extrair da expressão "nos termos desta lei " também
encontrada no art. 1°, que os direitos dos portadores de deficiência
necessitem da explicitação legal para a sua aplicabilidade e efetividade.
como já mencionado, os direitos constitucionais ou fundamentais
declarados na constituição somente podem ser restritos nos termos
constantes da própria constituição. assim, a expressão "nos termos desta
lei" merece a denominada interpretação conforme a constituição - isto é,
uma interpretação que dê compatibilidade da lei com a constituição e não
no intento de colocar a lei em confronto com a lei maior - no sentido de
que os meios previstos nos demais artigos da lei n. 7.853/89 não excluem
outros que visem assegurar o exercício dos referidos direitos.
• 6.4. os direitos individuais e sociais dos portadores de deficiência
• quais são os direitos dos portadores de deficiência?
• o art. 1 ° enuncia que são os direitos individuais e sociais, cujo conteúdo
seja a efetiva integração social da pessoa portadora de deficiência.
• necessário explicitar tais termos.
• os direitos podem ser vistos pelo prisma subjetivo, isto é, da pessoa que
os titularizam: direito subjetivo é o poder atribuído à vontade para
satisfação de interesse juridicamente protegido (andreas von thur); é o
interesse juridicamente protegido, na expressão de von ihering).
• também podem os direitos serem percebidos pelo prisma objetivo, ou de
conteúdo: direito objetivo é a proteção que a ordem jurídica concede a
determinado interesse.
• o interesse é a relação entre o indivíduo e o bem que vai satisfazer a sua
necessidade.
• os interesses dos portadores de deficiência estão protegidos de forma
genérica em nível constitucional e legal; a tal proteção é que se denomina
de direitos objetivos; com referência aos portadores de deficiência, e
desde que se encontrem na situação prevista na ordem jurídica, se diz que
são titulares de direitos subjetivos.
• direito subjetivo é, assim, a situação concreta e individual de determinada
pessoa ou determinado grupo no sentido de alcançar um bem de vida que
lhe seja necessário e que seja previsto pela constituição e pelas leis.
• por exemplo, josé, paraplégico, tem o direito de acesso aos ediflcios, aos
logradouros e aos meios de transporte existentes em sua comuna.
• direito objetivo, em tal hipótese, é o direito declarado no art- 2°,
parágrafo único, v, "a".
• como titular de direito subjetivo, na hipótese, josé tem o direito
potestativo (é a espécie de direito em que o titular tem o poder de influir
na si
• tuação jurídica de outrem, sem que este possa ou deva fazer algo, senão
se sujeitar) de exigir da empresa de transportes coletivos ou do órgão
estatal
• de transportes públicos os meios para o exercício de seu direito. diz-se
em estado de sujeição aquele que se encontra na posição de devedor do
direito potestativo. o direito subjetivo ou objetivo compreende diversas
faculdades ou poderes, como, por exemplo, no art. 2°, parágrafo único,
inciso 1, os diversos aspectos que compreendem o direito à educação do
portador de deficiência.
• o caput do art. 1° da lei n° 7.853/89 refere-se aos direitos individuais e
sociais.
• tal classificação de direitos é a mesma que está na constituição, como se
vê no art. 6°, a se referir aos direitos sociais, em antinomia aos direitos
individuais.
• tal classificação se remete aos fins do estado e à ideologia política que é
expressa na constituição e, por derivação desta, nas leis.
• neste sentido, os direitos individuais ou direitos liberais são aqueles cujo
conteúdo é o de preservar a atuação da pessoa na busca dos bens
necessários à sua existência e desenvolvimento, interditando ao estado, e
em menor grau também a sociedade, atuações que possam inibir o livre
desenvolvimento individual.
• os direitos liberais também são denominados de direitos da 1' geração, na
classificação que karal vlasak anunciou em conferência que pronunciou
em 1979 e que levou em conta o trinômio "liberdade, igualdade e
fraternidade" que foi divulgado pela revolução francesa.'
• os direitos liberais ou direitos da la geração visam garantir ao indivíduo a
liberdade de atuação e por isso também são chamados de liberdades
públicas, como, por exemplo, o direito de ir e vir, de não ter a
correspondência censurada e outros. todos eles têm conteúdo negativo, de
não ingerência na liberdade individual.
• já os direitos sociais, ou direitos da 2' geração, ou "novos direitos" (na
classificação de pontes de miranda), visam assegurar o atendimento às
necessidades diárias e permanentes do indivíduo e correspondem a um
programa para implementar e conservar a igualdade material entre os
membros da sociedade política. têm conteúdo positivo - direito à
educação, saúde, justiça, lazer, trabalho etc., obrigando não só o estado
como a sociedade.
• os direitos da 3a geração têm por conteúdo a solidariedade ou
fraternidade que deve unir todos os membros da comunidade, em defesa
de valores que preponderam sobre os indivíduos e os grupos sociais
determinados, como o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio
ambiente e à cultura.
• 6.5. critérios de interpretação jurídica
• dispõe o § 1° do art. 1° da lei n. 7.853/89:

• "na aplicação e interpretação desta lei, serão considerados os valores
básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do
respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros indicados
na constituição ou justificados pelos princípios gerais do direito ".

• aplicar a lei é fazer incidir os efeitos da norma a determinado caso
concreto.


• interpretar é apreender o significado da norma.
• a hermenêutica é a ciência da interpretação.
• do § 1° extrai-se norma de conduta que impele o intérprete a não se
restringir aos modos comuns de interpretação (literal ou gramatical,
sistemática, histórica e finalista) e a levar em conta os valores protegidos
pelas normas constitucionais e pela própria lei. introduz, assim, a
interpretação axiológica ou dos valores.
• a interpretação literal ou gramatical ou filológica é a que leva em
consideração os símbolos gráficos contidos na norma, como, por
exemplo, a regra bíblica "não matarás".
• tal modalidade de interpretação é insuficiente pois, como se vê no
exemplo acima, do significado lingüístico não se pode extrair a
permissão da morte em legítima defesa.
• a interpretação sistemática leva em consideração não só o significado
lingüístico do dispositivo, mas também outros dispositivos que possam,
de alguma forma, indicar o significado da norma que se pretende
compreender. tal forma de interpretação parte do pressuposto de que as
disposições legais estão inseridas em um sistema (a ordenação das partes
no todo) que, no caso, seria o sistema nacional de proteção e de
integração da pessoa portadora de deficiência.
• tal idéia, aliás, não escapou ao legislador da lei n° 7.853, em cujo art. 1°'
§ 1°, parte final, não deixou de se socorrer do apelo aos "princípios gerais
do direito" sem que, no entanto, assim como o legislador do código de
processo civil, no art. 126, ousasse enunciar quais seriam tais princípios
de tanta densidade .
• a interpretação histórica é a que considera a necessidade de atualizar os
comandos expressos nos dispositivos levando-se em conta as alterações
sociais, como, por exemplo, o código civil, no art. 1081, ao dizer que se
considera presente quem contrata por telefone, de onde se extrai o
entendimento de que tal também se aplica aos meios mais modernos,
como, por exemplo, a comunicação através do correio eletrônico, o que
seria impensável para o venerando clóvis bevilacqua.
• a interpretação finalista, também chamada teleológica, é a que leva em
conta os fins visados pela norma. aliás, o § 2° da lei ora em comento é
expressão de tal modo de interpretação, ao explicitar os fins visados pela
lei:

• "as normas desta lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência
as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais
disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as
discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a
matéria como obrigação nacional a cargo do poder público e da
sociedade."

• 6.6. supremacia da interpretação axiológica: o valor que predomina na
questão da pessoa portadora de deficiência

• mas a interpretação axiológica vai muito mais longe que a interpretação
teleológica, atuando em uma dimensão que transcende os limites dos
meios de interpretação literal, sistemático e histórico.
• há de se distinguir entre dispositivo, norma e valor.
• o dispositivo é o conjunto gráfico ou texto da lei, como, por exemplo, no
art. 121 do código penal, a expressão: "matar alguém - pena de seis a
vinte anos de reclusão", ou o símbolo gráfico com um cigarro,
atravessado por uma faixa diagonal, dentro de um círculo. a norma é o
comando que se extrai do dispositivo: do art. 121 do código penal se
extrai o comando "não matar" e do antes mencionado símbolo gráfico o
comando de "não fumar".
• ao proibir matar, o código penal protege o valor da vida humana; ao
proibir fumar em determinado ambiente, pretende-se garantir o valor da
saúde.
• o valor protegido pela norma é o objeto da interpretação axiológica.
• os valores básicos que a lei n. 7.853/89 destaca são:
• - a igualdade de tratamento e oportunidade;
• - a justiça social,
• - o respeito à dignidade da pessoa humana;
• - o bem-estar e
• - outros indicados pela constituição ou justificados pelos princípios gerais
do direito.
• os valores descritos no diploma legal em comento mostram-se
compatíveis com as normas constitucionais e devem merecer a antes
mencionada "interpretação conforme a constituição", de forma a garantir
a supremacia da lei das leis.
• evidentemente, em determinado caso concreto (e nunca hipoteticamente,
pois somente na verificação do fato concreto é que se pode selecionar o
valor que vai predominar!), havendo conflito entre os valores antes
mencionados, de forma tal que ao intérprete pareça que um valor exclua a
precedência do outro, deve o mesmo se socorrer do critério de
interpretação axiológica denominado de "teoria da proporcionalidade" ou
"teoria da adequação dos meios".
• tal critério tem por conteúdo sopesar os valores em conflito em cada caso
e fazer valer aquele que, motivadamente, deve predominar no caso em
julgamento.
• entre tantos valores (os enunciados pela lei n. 7.853/89, no art. 1°, § 1°,
inclusive os indicados na constituição e os justificados pelos princípios
gerais do direito) é natural que incorra o intérprete no risco de se perder
entre tantos comandos legislativos e, ainda que busque amparo no critério
hermenêutico da proporcionalidade, certamente irá sempre investigar
qual o valor que predomina entre tantos outros.
• o que predomina, em todos estes casos, é o critério do respeito à
dignidade da pessoa humana, não por que está declarado no art. 1°, § 1°,
da lei ora em comento, mas em face de sua sede e origem no art. 1°, 111,
da constituição de 1988, de conteúdo individualista, a fazer valer os
direitos individuais em prol da realização de cada pessoa. o credo liberal
é que posicionou a dignidade da pessoa humana como o valor que deve
prevalecer sobre todos os demais.

• 6.7. o núcleo dos direitos da pessoa portadora de deficiência: o
• direito à integração social

• qual é o núcleo dos direitos da pessoa portadora de deficiência, aquele
que conduziu a lei n. 7.853/89, no seu art. 2°, a longamente expor as
diversas medidas que entendeu necessárias para o atendimento ao dever
constitucional de proteção?
• ao dispor no art. 24, xiv, que compete à união, aos estados e ao distrito
federal legislar concorrentemente sobre a proteção e integração social das
pessoas portadoras de deficiência, a constituição percebeu o portador de
deficiência como aquele que tem dificuldade de se relacionar, de se
inserir no contexto social e econômico, de realizar os seus direitos de
cidadania:

• "o que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um
membro nem a visão ou audição reduzidas. o que caracteriza a pessoa
portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na
sociedade. o grau de dificuldade para a integração social é que definirá
quem é ou não portador de deficiência. "

• aliás, tal é o conceito e o valor posto como maior pela lei n. 7.853/89, ao
se referir no art. 1°, caput, à "integração social", no § 1° à "igualdade de
tratamento e oportunidade," da justiça social,` do respeito à dignidade da
pessoa humana, do bem-estar;" no § 2° "afastadas as discriminações e os
preconceitos de qualquer espécie".
• o decreto n. 3.298/99, em seu art. 3°, inciso i, considerou a deficiência
como "... toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o
ser humano " e a incapacidade como "... uma redução efetiva e acentuada
da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos,
adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de
deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu
bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida
".
• daí se vê que o direito gerador do feixe dos direitos do portador de
deficiência é o direito de se integrar à sociedade, vencendo os obstáculos
e os entraves que inibem o seu poder, inerente a todo ser humano, de
garantir a sua existência e de realizar o seu desenvolvimento pessoal e
alcançar a felicidade.
• mas a extensão do direito de integração somente pode ser percebida no
caso concreto, de acordo com as necessidades de cada um grupo de
deficiências, ou mesmo levando em conta a situação individual da
pessoa.
• assim, há uma contradição imanente ao tema da proteção e de integração
social da pessoa portadora de deficiência.
• da constituição e das leis podemos extrair normas que intentam tal
desiderato, mas somente no caso concreto, pesquisando as condições
sociais, econômicas, culturais - e tudo o que for relevante.`
• somente na percepção dos fatos, da própria história, no caso concreto, é
que se pode afirmar se incidem os efeitos constitucionais e legais de
proteção e de integração social ao portador de deficiência. 6.8. tarefa do
estado e da sociedade: a integração social da pessoa portadora de
deficiência

• o § 2° do art. 1° da lei n° 7.853/89 expressa os objetivos das normas
baixadas pelo mesmo diploma legal:

• ` as normas desta lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência
as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais
disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as
discriminações e preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria
como obrigação nacional a cargo do poder público e da sociedade".

• ao dizer que as normas visam garantir ao portador de deficiência as ações
governamentais, a disposição não pode ser interpretada no sentido de
somente instituir dever aos órgãos governamentais, assim excluindo os
demais agentes sociais.
• É certo que somente a lei poderia se dirigir aos órgãos governamentais
pois o governo" é que impõe as condutas à sociedade, pois impor
condutas é o ato próprio do poder.
• contudo, logo a seguir, o mesmo dispositivo enuncia: " ... entendida a
matéria como obrigação nacional a cargo do poder público e da
sociedade", assim instituindo dever jurídico de todos os agentes sociais e
não somente ao poder público, em norma perfeitamente adequada às
tarefas da sociedade ou os objetivos fundamentais da república federativa
do brasil enunciados no art. 3°, mormente o inciso iv, da constituição de
1988.

• 7. comentÁrios ao art. 2° da lei n° 7.853/89

• 7.1. medidas de implementação dos direitos da pessoa portadora de
deficiência

• do direito à integração social decorre o direito específico ao portador de
deficiência de obter os meios necessários para vencer os entraves
decorrentes da própria deficiência. É o que está expresso no art. 2° da lei
n° 7.853/89, ao dispor sobre o que denomina "medidas", atividades ou
condutas a cargo do poder público e da sociedade com o desiderato de
alterar as condições vigentes em determinado momento histórico.

• 7.2. as medidas previstas no art. 2° da lei n° 7.853/89 têm caráter
exemplificativo e não excluem outras providências

• no parágrafo único do art. 2° são estabelecidas diversas providências que
não esgotam as medidas de proteção e integração do portador de
deficiência menos por que está expresso no dispositivo a expressão "sem
prejuízo de outras" como pela relevante circunstância de que tais medidas
como antes reiteradamente mencionado - não têm fonte na lei mas na
própria constituição e, assim, imune às limitações legais.

• 7.3. as medidas do art. 2° são tendentes a viabilizar o exercício dos
direitos do portador de deficiência nos seus diversos papéis sociais

• enquanto no século xix, com a predominância do ideal liberal clássico,
poder-se-ia imaginar que o indivíduo exercitasse plenamente, em pé de
igualdade absoluta com os demais integrantes da comunidade, os direitos
econômicos e sociais, e assim prevalecendo o princípio da igualdade
formal de todos perante a ordem jurídica, no século xx - e certamente
muito mais neste século xxi que agora se inicia - a pessoa humana poderá
ser percebida na imensidão de seu universo pessoal, que a faz
absolutamente distinta dos outros seres humanos.
• o universo que existe em cada um de nós é absolutamente individual, e
todos nós temos o inalienável direito de resguardar a nossa
personalidade, lutarmos pelos nossos sonhos, alcançar os bens da vida
postos à disposição de toda a comunidade, exercitarmos, com plenitude, a
nossa cidadania.
• e assim importa o indivíduo não pela hipócrita igualdade formal, mas
pelos papéis que exerce nos diversos grupos sociais em que está inserido,
daí advindo as conseqüências jurídicas do respectivo estatuto.
• o código civil intentou regular a vida do indivíduo desde o nascimento
até a morte; a legislação do século xxi cada vez mais atentará para as
características da pessoa, para o seu status pessoal, considerando o seu
específico papel de consumidor/fornecedor de serviços, de estudante/
professor, pai/filho, marido/mulher, companheiro/companheira etc.
• e a legislação de proteção e de integração do portador de deficiência é,
justamente, o exemplo de tal situação, pois regula o status daquele que,
em face de determinada condição pessoal, ganha superioridade jurídica
para compensar, tão-somente no que for necessário, a sua inferioridade
social.
• o disposto no art. 2° é expresso ao apontar os diversos papéis sociais da
pessoa a ser favorecida para a sua plena inserção na sociedade:
• "ao poder público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de
deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos
direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social,
ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da
constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e
econômico."
• assim, o fato da deficiência pode conduzir à proteção jurídica específica
em determinado papel social do indivíduo - como por exemplo, na
educação - mas sem acarretar as mesmas conseqüências em face de outro
papel social que pelas características dispense tal proteção - como, por
exemplo, no trabalho.
• o que a lei fala é em "direitos básicos, inclusive dos direitos à...", a
indicar que, se o rol não é exaustivo, as medidas ali referidas também não
dispensam outras, posto que a incidência da proteção somente pode ser
apurada no caso concreto.
• a incidência da proteção no caso concreto, ou aplicação tópica` dos
direitos ora em comento, também não dispensa, antes exige, que não se
perca de vista o caráter multidisciplinar da proteção prometida pela
ordem jurídica, pela óbvia impossibilidade de se retratar o indivíduo
através de padrões ou conceitos que se mostram, na verdade, meramente
pedagógicos. por exemplo, não há como cindir de forma absoluta as
medidas de proteção e de integração social referentes à educação e ao
trabalho, posto que aquela, como conceituado no art. 205 da constituição,
intenta formar o indivíduo para o exercício de sua cidadania. 7.4. caráter
personalíssimo dos direitos de proteção e de integração social dos
portadores de deficiência

• note-se: os direitos do portador de deficiência são determinados pelos
fatos que indiquem a necessidade de especial proteção visando à sua
integração social.
• são direitos topicamente determináveis, a depender da peculiar situação
individual em determinado momento histórico.
• assim, têm natureza de direitos personalíssimos, oponíveis erga omnes,
na classificação divulgada por giuseppe chiovenda,'9 que considera os
direitos subjetivos como direitos relativos (direitos obrigacionais e
direitos de família, pois somente são oponíveis a determinadas pessoas) e
direitos absolutos (direitos reais e direitos personalíssimos, oponíveis
contra todos).
• de seu caráter personalíssimo, emerge o seu conteúdo indisponível, a
significar que não admitem que o titular deles renuncie.
• 7.5. inexistem direitos adquiridos na relação estatutária de amparo ao
portador de deficiência
• É o fato da deficiência que deflagra os direitos do respectivo portador à
proteção e à integração social.
• os efeitos que o direito constitucional e as leis prevêem para a incidência
de tal fato são indisponíveis` para o beneficiado, pois dele não pode
abdicar, posto que tais direitos não decorreram de sua autonomia privada
mas sim lhe foram conferidos por normas constitucionais.
• e caso se constate a deficiência quando já estabelecida determinada
relação jurídica, como, por exemplo, um contrato de prestação de
serviços pelo portador da deficiência que se torna para ele extremamente
dificultoso para o seu cumprimento?
• em tal caso, deve as condições do contrato serem revistas ou pela vontade
das partes ou pela sentença judicial, pois, em contratos de trato sucessivo
e dependência do futuro, as coisas devem ser entendidas se assim
permanecerem. e se a deficiência já se constatara mas mesmo assim o
portador da deficiência aceitou alugar um apartamento no 10° andar de
um edificio cujo elevador antigo freqüentemente não funciona?
• poderia o locador, em tal caso, alegar o seu direito adquirido e exigir o
cumprimento do contrato ou a indenização do inquilino pela extinção do
mesmo antes do prazo estipulado?
• É tema do direito intertemporal, tratado em grande parte nas disposições
iniciais da lei de introdução ao código civil, a qual, pode-se dizer, na
realidade nada introduz ao código civil, porque verte, em suas diversas
disposições, sobre os conflitos temporais e espaciais da aplicação da lei,
incidindo, assim, em todas as relações jurídicas, não só as decorrentes da
lei comum.
• ensina josé da silva pacheco:

• "os contratos e os processos, como todo ato ou fato, ao se constituírem,
atenderam às disposições da lei vigente na época de sua constituição,
formação ou nascimento. todos os efeitos verificados ou conseqüências
produzidas, inclusive os direitos, pretensões e ações, deles decorrentes,
durante o período de vigência dessa lei, a ela se sujeitam. entretanto,
quando os efeitos e conseqüências explendem, após a edição da nova lei,
insta determinar se continuam adstritos à lei anterior, ou se passam a ser
objeto da nova lei. daí as normas de direito intertemporal, fixando os
limites de cada uma das leis consecutivas, sobre a mesma matéria.
• para denominá-las, conceberam-se diversos nomes ligados aos títulos das
obras dos autores que dela trataram, tais como teoria dos direitos
adquiridos, teoria da retroatividade ou da irretroatividade das leis, direito
transitório, conflito de leis no tempo, ou no direito intertemporal.
• tanto as teorias subjetivas como as objetivas, têm em comum o respeito
pelos fatos e efeitos consumados, sob o regime da lei anterior, bem como
o reconhecimento da lei nova para os fatos e efeitos futuros, que
nascerem sob o seu agasalho. o problema é sobre os fatos, atos, contratos
ou processos pendentes ou em curso. enquanto as primeiras teorias
enfocam os direitos subjetivos, as segundas colocam as câmaras sobre as
situações, efeitos ou conseqüências. "

• o princípio da irretroatividade das leis tem, em nosso país, sede
constitucional, o que o torna intangível ao legislador comum
(constituição, art. 5°, xxxvi); em interpretação mais draconiana, em face
do que está no art. 60, § 4°, da constituição, há quem diga que nem a
emenda constitucional poderia alcançar o direito adquirido, por ser
cláusula pétrea, imune às reformas constitucionais.
• as teorias subjetivistas enfatizam a manifestação de vontade das partes,
tornando-a imune à influência da nova legislação; as teorias objetivistas
enfocam as conseqüências fáticas e os efeitos da norma e, para muitos,
poderia até mesmo parecer que ignoram o princípio da irretroatividade da
lei.
• no entanto, não se deve esquecer que o contrato de locação, firmado na
época da legislação anterior, produz seus efeitos além da época de
origem. seria demasiado simplista exigir que tais efeitos continuassem
absolutamente imutáveis, alheios às novas situações fáticas.
• veja-se a lição de pontes de miranda

• :`já no nosso século léon duguit e gaston jèze procuraram fri-
• sar a distinção entre situações jurídicas subjetivas e situações
• jurídicas objetivas, para que sobre ela pudesse repousar a
• construção do direito intertemporal. aquelas situações são
• particulares; essas, gerais. a situação do proprietário, do ho-
• mem casado, a do viúvo, são legais, portanto, gerais, pois a lei
• fixa a todas e só há um tipo de situação para qualquer dessas
• espécies de situações jurídicas. o legatário não está nas mes-
• mas condições: o seu direito, a sua situação jurídica, depende
• do ato do testamento e da lei - não só da lei. a situação jurídica
• do locador é da mesma natureza: provém do ato jurídico (a lo-
• cação) e da lei; não só, portanto, da lei. as situações jurídicas
• objetivas, legais, são permanentes; as situações jurídicas sub-
• jetivas - individuais, temporárias. a lei nova poderia sempre
• modificar aquelas; esbarra antes essas. aquelas são irrenun-
• ciáveis; essas, suscetíveis de renúncia. na esteira de duguit e jèze, embora
sob o risco da acusação de excessiva simplicidade, podemos concluir que
não há que se falar em direito adquirido sobre situação regida pelo
império da lei, intangível à autonomia de vontade das partes.
• em conseqüência, só se buscará o amparo do princípio da irretroatividade
da lei no direito material (com exceção da aplicação in bonam partem
para a área penal e repressiva) quando fugiu, com liberdade, a vontade
das partes, em situação que a ordem jurídica não limitou a autonomia das
partes.

• 7.6. as medidas referidas no art. 2° atuam também em face dos
• particulares e não somente obrigam o poder público

• destinatário da norma que se extrai do disposto no art. 2° da lei ora em
comento é o poder público (união, estados, distrito federal e municípios e
respectivos poderes, inclusive autarquias, fundações, estatais e
delegatários) pois a norma diretamente institui o poder público como
garantidor das medidas ali estabelecidas.
• ocorre que as medidas ali descritas dizem respeito não somente às
atividades do poder público, mas também das pessoas e entidades
privadas, como se vê, por exemplo, no tema da educação, cujas medidas
incidem não só nos estabelecimentos oficiais de ensino como nos
particulares.
• repita-se: o poder público foi instituído como garantidor das medidas
referidas, o que não significa que tais medidas somente tenham efeitos
em face do próprio poder público, pois as pessoas e entidades privadas
estão obrigadas a cumprir o que a lei determina em face do princípio da
liberdade ou, como dizia pontes de miranda, o princípio da
legalitariedade.

• 7.7. o caráter regulamentar do decreto n° 3.298/99 não confronta com a
lei n° 7.853/89 ao inovar algumas medidas de proteção e de integração
social ao portador de deficiência

• adotando a república federativa do brasil o sistema presidencialista de
governo, ao presidente da república compete, como chefe do governo,
nos termos do art. 84, iv, última parte, dispor em decretos para o
cumprimento das leis pois em tal sistema o presidente da república
acumula as funções de chefe de estado e de chefe de governo que no
regime parlarnentarista são cindidas em órgãos diversos.
• não se vê na lei n. 7.853/89 disposição expressa autorizando o chefe de
governo a baixar decreto de regulamentação, mas tal não se mostra
necessário em face da antes referida autorização constitucional.
• ocorre que o decreto em comento, assim como todos os demais decretos
regulamentares, não pode se limitar a simplesmente reproduzir as
disposições legais, pois, se assim fosse, nenhuma utilidade prática teria,
posto que a força de seus comandos não têm fonte no próprio decreto,
mas no caráter inovador da lei que pretende regulamentar.
• daí poderia parecer que o decreto n° 3.298/99, justamente quando não
reproduz os mesmos termos da lei n. 7.853/89, investe em zona de
ilegalidade ao transbordar de seus limites de inovação em face da regra
constante do art. 5°, ii, da constituição, de que somente a lei formal
(aprovada pelo órgão legislativo) tem a autoridade de jungir a sociedade
aos seus comandos.
• contudo, mostra-se válida a legalidade do decreto n° 3.298/99 que nada
inova legislativamente mas simplesmente explicita as medidas de
proteção e de integração social constantes da lei n. 7.853/89 que, aliás,
nada mais são que explicitações legais dos comandos genéricos e
abstratos constantes da própria constituição da república.
• aliás, veja-se a ementa do decreto n. 3.298/99 para se descortinar o seu
conteúdo normativo:

• "regulamenta a lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a
política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência,
consolida as normas de proteção e dá outras providências."

• como ato do chefe do governo federal, o mencionado decreto prescinde
de arrimo em lei para dispor sobre o funcionamento dos órgãos federais,`
pois ao presidente da república compete dispor sobre a administração
federal (constituição, art, 84, ii e iv).
• por outro lado, o conteúdo complementar material da lei n. 7.853/89,
explicitando comandos constitucionais genéricos, lhe concede caráter
nacional isto é, de observância obrigatória não só pela união (que editou
o ato) como pelos demais entes federativos (estados-membros, distrito
federal e municípios) e respectivos poderes, entidades da administração
direta e indireta e até mesmo delegatários de serviço público.
• assim, o decreto n. 3.298/99 apresenta multifárias funções que, de resto,
se apresentam compatíveis com a ordem jurídico-constitucional:

• - regulamenta a lei n. 7.853/89, tendo nas disposições desta a fonte de
suas disposições regulamentares;
• - dispõe sobre política nacional para a integração da pessoa portadora de
deficiência, aí também se fundando na constituição e na lei n° 7.853/89;
• - vincula os demais agentes sociais ao consolidar as normas de proteção
postas na constituição e na lei n. 7.853/89.
• - estrutura órgãos da administração pública federal, aí em caráter de
decreto autônomo, em face da atribuição que a constituição, no art. 84, iv,
defere ao presidente da república; e
• - ao regular a atividade dos órgãos federais, sinaliza atuações simétricas
aos órgãos e entidades dos estados, distrito federal e municípios, pois
assim permitem a constituição e a lei n° 7.853/89, esta com caráter
complementar à lei maior nestes aspectos.

• 7.8. os caracteres integrativo e suplementar do decreto 3.298/99 na
previsão das atividades governamentais e sociais

• as medidas de proteção constantes da lei n. 7.853/89 são explicitadas no
decreto n. 3.298/99, mas não se esgotam nas disposições da lei e do
decreto regulamentar, posto que não constituem numerus clausus e ali
estão dispostas em mero caráter exemplificativo, o que permite aos
agentes sociais e aos órgãos governamentais a atuação necessária para o
eficiente cumprimento da tarefa constitucional que lhes foi imposta.
• o caráter suplementar do decreto n° 3.298/99 mais se destaca em
considerar que dispõe sobre temas que envolvem não só atividades de
esferas governamentais que não a federal como atividades privadas -
notadamente nas vitais áreas de saúde e educação - em atenção à situação
fática existente no momento de sua edição.
• tal adequação - e conseqüente permeabilidade - da política nacional aos
fatores sociais, culturais, econômicos, políticos e administrativos se
torna evidente quando se compara a redação do art. 2° da lei n° 7.853,
editada no final da década de 80, com a redação do decreto 3.298, este no
final da década de 90.

• 7.9. medidas atinentes à Área de edificações e vias públicas

• a edição da lei n. 10.048, de 8 de novembro de 2000, cuja ementa 21 diz
qre dá prioridade de atendimento não só às pessoas portadoras de
deficiência fisica, aos idosos com idade igual ou superior a sessenta e
cinco anos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por
crianças de colo, no seu art. 4° determina que "os logradouros e sanitários
públicos, bem como os edificios de uso público, terão normas de
construção, para efeito de licenciamento da respetiva edificação, baixadas
pela autoridade competente, destinadas a facilitar o acesso e uso desses
locais pelas pessoas portadoras de deficiência" e no art. 5° que "os
veículos de transporte coletivo a serem produzidos após doze meses da
publicação serão planejados deforma a facilitar o acesso a seu interior das
pessoas portadoras de deficiência ".
• a lei n. 10.048/00, assim como a lei n° 7.853/89, de conteúdo
complementar, tem força obrigatória não só para a. união como para os
estados-membros, distrito federal e municípios, daí se verificando que a
norma sobre acessibilidade de prédios e logradouros públicos, decorrente
do disposto no art. 4° da lei n. 10.048/00, é obrigatória para o distrito
federal e os municípios a quem compete o exercício da polícia edilícia
sobre o licenciamento de construções e obras nos prédios.
• se o tema da acessibilidade, como previsto no decreto n. 3.298/99, ali só
incidia para os órgãos do governo federal, com a edição da lei n.
10.048/00, os municípios e o distrito federal poderão incorporar ao seu
sistema normativo - caso não disponham de outras previsões - do
arcabouço de princípios estabelecidos no capítulo ix do decreto n°
3.298/99, assim a demonstrar o caráter "nacional" e integrativo das
disposições legais federais sobre o tema.
• 7.10. medidas atinentes à educação
• em temas como saúde e educação, mais se avulta o caráter "nacional" do
antes mencionado decreto, pois a coordenação nacional das ações e o
estabelecimento das respectivas políticas setoriais incumbe à união.
• o inciso 1 do parágrafo único do art. 2° da lei n° 7.853/89 dispõe, em
diversas alíneas, as medidas atinentes à educação, o que é melhormente
explicitado - sem nenhum confronto, como antes ressaltado -pelo decreto
n 3.298/99, especialmente nos arts. 24 a 29.
• entre os princípios ali estabelecidos, destaca-se o da educação especial,
conceituada como "a modalidade de educação escolar oferecida
preferencialmente z' na rede regular de ensino para educando com
necessidades educacionais especiais, entre eles o portador de deficiência"
(art. 24, § 1 "), caracterizada "por constituir processo flexível, dinâmico e
individualizado, oferecido principalmente nos níveis de ensino
considerados obrigatórios" (art. 24, § 2°).
• dos mencionados parágrafos extraem-se normas que viabilizam o
comando contido no art. 208,111, da constituição, instituindo a garantia
aos portadores de deficiência do atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino, assim atendendo ao direito
instituído pelo disposto no art. 205.

• 7.11. medidas atinentes à saúde
• É amplo o leque de atividades que se abre para o estado e a sociedade em
face do disposto no art. 196 da constituição: "a saúde é direito de todos e
dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas qlie
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação ".
• o inciso 11 do parágrafo único do art. 2° da lei n. 7.853/89 enuncia em
numerus apertus - diversas medidas na área da saúde que são repetidas, e
rnuitas vezes ampliadas, nos arts. 16 a 23 do decreto n. 3.298/99.
• entre tais medidas, que evidentemente somente se concretizam no
atendimento individual, destacam-se a "garantia do atendimento
domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado " (lei n. 7.853/89,
parágrafo único, v; decreto n. 3.298/99, art. 16, v), o conceito de
prevenção "prevenção compreende as ações e medidas orientadas a evitar
as causas das deficiências que possam ocasionar incapacidade e as
destinadas a evitar sua progressão ou derivação em outras incapacidades
" (decreto n. 3.298/99, art. 16, § 1°) e a explicitação do direito de
"assistência integral à saúde e reabilitação da pessoa portadora de
deficiência a concessão de órteses, próteses, bolsas coletoras e materiais
auxiliares, dado que tais equipamentos complementam o atendimento
aumentando as possibilidades de independência e inclusão da pessoa
portadora de deficiência."
• a sentença, a seguir transcrita, confirmada em reexame necessário pelo
tribunal de justiça do rio de janeiro, apreciou o tema da responsabilidade
civil do estado em decorrência de imperfeita prestação de serviço de
saúde, acarretando indenização, inclusive com medida cautelar, em favor
de pessoa que demandou através da defensoria pública.
• juÍzo de direito da
• terceira vara da fazenda pÚblica
• sentenÇa
• processo n°95.001.089051-1 (5243)
• aÇÃo de indenizaÇÃo
• a: antonia nelma costa ferreira
• defensor público: doutora cláudia barroso
• r: universidade do estado do rio de janeiro
• advogado: doutor jorge luiz ribeiro de amorim
• ministério público: doutora ana cristina filgueiras
• "constitucional. responsabilidade civil do estado. autora que restou
paralítica após intervenção cirúrgica em hospital-escola estadual.
• a constituição de 1988 adota a responsabilidade objetiva do estado pela
teoria do risco administrativo, segundo a qual o dano sofrido pelo
indivíduo deve ser visualizado como conseqüência do funcionamento do
serviço público, não importando se esse funcionamento foi bom ou mau;
importa, sim, a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente
público.
• o dano é injusto, e como tal sujeito ao ressarcimento pela fazenda, se
tiver como causa exclusiva a atividade, ainda que regular, da
administração.
• "É cumulável a indenização por danos materiais e morais, nestes
compreendidos os estéticos, decorrentes do mesmo fato " (súmula n ° 15
do tribunal de alçada cível do rio de janeiro).
• na ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, é lícito ao
juiz, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado
receio de ineficácia do provimento final, providenciar desde já para a
eficácia da tutela requerida, pois decorre do direito fundamental de
acesso à justiça o dever da função jurisdicional de garantir a efetividade
de suas decisões.
• demanda procedente. "
• consta na petição inicial, ajuizada sob a gratuidade dos serviços
judiciários em 17 de agosto de 1995, que a autora foi atendida no hospital
universitário pedro ernesto, onde deu entrada para tratamento de
pneumologia, sem possuir quaisquer outras complicações, sendo
equivocadamente submetida a uma intervenção cirúrgica desnecessária, e
face ao obrar imprudente dos prepostos da ré, antes, durante e após o
operatório, viu-se lesionada irreparavelmente em sua saúde, paralítica,
em uma cadeira de rodas. pede, a final, a reparação dos danos
patrimoniais e morais.
• contestou a ré dizendo que a equipe médica atuou com dedicação
profissional, procedendo da melhor forma possível no intuito de
dispender à autora o melhor tratamento, visando a melhoria de sua saúde
que já se encontrava debilitada quando lá chegou, ocorrendo complicação
extremamente rara. destacou que a cirurgia foi realizada por professor
assistente da faculdade de ciências médicas, mestre em cirurgia torácica
pela ufrj, especialista pela sociedade brasileira de pneumologia, formado
há 20 anos. impugnou também, por excessivas, as verbas requeridas pela
autora.
• a réplica autoral destacou que a contestação não negou o nexo de
causalidade, antes o afirmou. realizou-se exame pericial pela
superintendência de saúde ocupacional da secretaria de estado de
administração, nos termos do art. 434 da lei processual civil (fls. 83 a
95).
• audiência a fls. 127/129, ouvindo-se duas testemunhas, e determinando-
se, a requerimento da sempre diligente representante do ministério
público, novo exame pericial, designando-se a clínica de cirurgia torácica
da santa casa de misericórdia. contudo, a perícia acabou parcialmente
prejudicada porque a autora evadiu-se da instituição (certamente levada
pela família...) como se vê a fls. 136, dizendo que não queria ser
submetida a nova cirurgia, o que, no caso, poderia parecer justificável em
face de suas experiências anteriores.
• as partes manifestaram-se sobre as peças, inclusive o ministério público,
em parecer conclusivo.
• É o relatório.
• o minucioso e percuciente parecer do ministério público (fls. 149/152),
de lavra da titular da curadoria da fazenda perante este juízo, a promotora
de justiça doutora ana cristina filgueiras, afigura-se imune a quaisquer
críticas ou aditamentos, e passa a integrar a presente sentença como a
motivação a que se refere o disposto no art. 93, ix, da constituição, como
se aqui estivesse transcrito, para todos os fins de direito.
• ressalte-se que os exames periciais foram realizados por duas instituições,
designadas graciosamente na forma referida no art. 434 da lei processual,
ambas adimplindo o dever coletivo expresso no art. 339 da mesma lei de
ritos, pois ninguém se exime do dever de colaborar com o poder
judiciário para a descoberta da verdade.
• na investigação da história da tragédia em que é centro a autora, nascida
em 1955 (fls. 15), mãe de família, doméstica e agora paraplégica, poderia
o juízo até mesmo determinar novas perícias em amplo espectro,
novamente requisitando o auxílio de órgãos públicos ou instituições
médicas privadas. contudo, no caso, tal é absolutamente desnecessário,
quer porque suficiente o que se contem nos autos, a demonstrar o nexo de
causalidade, como porque, em tema de responsabilidade objetiva do
estado, não há que se perquirir a eventual culpa do seu agente.
• quaisquer atividades públicas, inclusive aquelas prestadas pelo poder
público no exercício de sua relevante função de proteção da saúde
individual, podem ensejar a responsabilidade civil do estado:
• "tudo é serviço público: iluminara cidade, cuidar das árvores, varrer ruas,
prender, soltar, legislar. um varredor do supremo é um elemento técnico,
não jurídico do estado. se ele der uma vassourada na cabeça de um
visitante, dará origem à obrigação de o estado indenizar aquele em que
foi produzido o dano.
• o art. 15, do código civil, usando da expressão genérica de
"representante", refere-se a todos os instrumentos jurídicos e técnicos das
pessoas de direito público, e, a meu entendimento, não comporta
distinções, que ele não fez.
• a história do instituto da responsabilidade civil pode ser escrita como a
história de sua contínua e progressiva ampliação, desde a
responsabilidade pela culpa até a responsabilidade sem culpa, desde o
princípio the king does not do wrong até a responsabilidade do estado por
todos os seus agentes. e, já em nossos dias, avança o assalto dessa
melhoria ética e jurídica ao reduto mais defendido contra ela, a
responsabilidade do estado pelas leis injustamente danosas às situações
individuais legítimas" (aliomar baleeiro, trecho de voto, transcrito por
josé de aguiar dias, da responsabilidade civil, rio, forense, t. 11, 1995,
10a ed., p. 647).

• no princípio do século xx, já afirmava o ministro amaro cavalcanti:

• "... assim como a igualdade dos direitos, assim também a igualdade dos
encargos é hoje fundamental no direito constitucional dos povos
civilizados. portanto, dado que um indivíduo seja lesado nos seus
direitos, como condição ou necessidade do bem comum, segue-se que os
efeitos da lesão, ou os encargos de sua reparação, devem ser igualmente
repartidos por toda a coletividade, isto é, satisfeitos pelo estado, afim de
que, por este modo, se restabeleça o equilíbrio da justiça cumulativa:
quod omnes tangit ab omnibus debet suportari" (amaro cavalcanti,
responsabilidade civil do estado, citado por josé de aguiar dias, da
responsabilidade civil, rio, forense, t. 11, 1995, 10' ed., p. 579).
• eminente magistrado, que hoje honra o supremo tribunal federal, já
afirmou, em síntese modelar:
• "2. a evolução da responsabilidade civil do estado passou por quatro
fases distintas: da absoluta irresponsabilidade civil do poder público
passou-se à fase de responsabilidade subjetiva, em que predominava o
elemento culpa, por isso denominada de fase civilística; na 3°fase,
tivemos a responsabilidade com base na idéia da faute du service, dos
franceses, na qual se deu a publicização da culpa; finalmente, na 4°fàse,
chegou-se à responsabilidade objetiva, em que pouco importa a culpa,
exigindo-se, apenas, o fato do nexo causal entre o dano e o ato do agente.
• 3. a teoria do risco administrativo fez surgir a responsabilidade objetiva
do estado. segundo essa teoria, o dano sofrido pelo indivíduo deve ser
visualizado como conseqüência do funcionamento do serviço público,
não importando se esse funcionamento foi bom ou mau. importa, sim, a
relação de causalidade entre o dano e o ato do agente público.
• 4. no direito brasileiro, a responsabilidade civil do estado é objetiva, com
base no risco administrativo, que, ao contrário do risco integral, admite
abrandamentos: a responsabilidade do estado pode ser afastada se
comprovada a culpa exclusiva da vítima, ou mitigada a reparação na
hipótese de concorrência da culpa.
• 5. no direito brasileiro, convive a responsabilidade civil objetiva, com
base na teoria do risco administrativo, com a responsabilidade civil
subjetiva, na hipótese, por exemplo, de atos omissivos, determinando-se
a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta do serviço, que não
funcionou quando deveria normalmente funcionar, ou que funcionou mal
ou funcionou tardiamente. " (carlos mário da silva velloso, temas de
direito público, belo horizonte, del rey, 1994, p. 477.)
• necessário que se apure, em caso de responsabilidade civil do estado, a
ocorrência de seus pressupostos:
• `assentada tal premissa, cabe agora assinalar que a responsabilidade
objetiva de natureza constitucional não prescinde da análise das
circunstâncias que ocasionaram o dano. e aí incide a teoria da
causalidade, segundo a qual: a) o dano é injusto, e como tal sujeito ao
ressarcimento pela fazenda, se tiver como causa exclusiva a atividade,
ainda que regular, da administração; b) o dano deixa de qualificar-se
juridicamente como injusto, e como tal não autoriza a indenização, se
tem como causa exclusiva o ,fato da natureza ou do próprio prejudicado;
c) o dano é injusto, mas sujeito à responsabilidade atenuada, .se concorre
com a atividade regular ou irregular da administração, como causa, fato
da natureza ou do próprio prejudicado ' (yussef said cahali,
responsabilidade civil do estado in responsabilidade civil - doutrina e
jurisprudência).
• veja-se o que afirma o ilustre desembargador, até recentemente presidente
do tribunal de justiça de são paulo: ainda que regulares o~ procedimentos
administrativos (no caso, tratamento médico e cirurgia), ocorrendo danos,
há responsabilidade do estado.
• não caberia, aqui, perquirir a culpa do ilustre cirurgião e professor que
presidiu o procedimento médico: basta o dano e o nexo causal com à
atividade estatal, porque tal é a ratio da norma decorrente do disposto no
art. 37, § 6°, da constituição, neste aspecto repristinando o que já se
continha na carta de 67/69.
• como disse dworkm, o direito, e desde logo o direito constitucional, não
se inventa, descobre-se.
• não se estranhe a responsabilidade objetiva, como, por exemplo, m, caso
do art. 1.529 do código civil, basta a demonstração do dano e do nexo
causal também na condenação dos honorários em favor do advogado ver
cedor, em que não há perquirição da culpa do autor.
• desnecessário assim que se fizessem novas perícias em busca de irlir til
demonstração da culpa de cirurgião, mesmo porque os comemorativo, já
se perderam no tempo e nos mecanismos burocráticos.
• além do dano, há que se perquirir o nexo de causalidade:
• "responsabilidade civil do estado - nexo de ca usalidade - exegese.
• a responsabilidade do estado, embora objetiva por força do disposto no
art. 107 da ec 1/69- e atualmente no § 6°do art. 37 da cf-, não dispensa,
obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a
ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.
em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do cód.
civ., a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a do dano direto e
imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. não
obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à
impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele
também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por
ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta
os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equiva
• lência das condições e a da causalidade adequada (stf-ac. unân. da 1 ° t.
publ. no dj de 7.8.92 - re 130. 764-1-pr - rel.
• min. moreira alves -estado do paraná e outro vs. h. kaminski e cia. ltda. e
outros - advs.: claudio bonato fruet e hugo mósca).

• a lição do atual secretário de segurança pública de são paulo é im

• "o terceiro prejudicado não tenz que provar que o agente procedeu com
culpa ou dolo, para lhe ocorrer o direito ao ressar
• cizzzento dos danos sofridos. a doutrina do risco administrativo isenta-o
do ônus de tal prova, basta comprove o dano e que este
• tenha sido causado por agente da entidade imputada. a culpa ou dolo do
agente, caso haja, é problema das relações júncionais que escapa à
indagação do prejudicado. cabe à pessoa jurídica acionada verificar se
seu agente operou culposa ou
• dolosamente para o fim de mover-lhe ação regressiva assegurada no
dispositivo constitucional, visando a cobrar as importâncias despendidas
com o pagamento da indenização. se o
• agente não se houve com culpa ou dolo, não comportará ação regressiva
contra ele, pois nada tem de pagar" (josé afonso da silva, curso de direito
constitucional positivo, são paulo, malheiros, 1992, 9' ed., p. 575).
• adite-se que, ao teor da expressiva dicção da vigente carta da república,
tem a autora o direito à seguridade social, que compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência
• social (art. 194). por sua condição de deficiente fisico, ainda que
abstraíssemos a causa da paraplegia, tem direito à assistência estatal (art.
203, v).
• há uma solidariedade social pela simples condição de deficiência física;
nada mais justo que o ente estatal que causou a deficiência e a seqüela
irreversível na saúde seja aquele que se encarregue de expressar tal
solidariedade social.
• afirmada a relação de causalidade entre o fato estatal e o dano, procede a
demanda, passando-se ao exame das verbas para a reparação.
• o juiz está vinculado ao princípio da demanda (código de processo civil,
art. 2°) observando-se que a autora restringiu-se a pedir a reparação dos
danos materiais e morais.
• em se tratando de doméstica, como se qualificou na inicial, a reparação
do dano material submete-se á base de cálculo de um salário mínimo,
pelo que deixou de ganhar como profissional que, no entanto, deve ser
elevado de mais um salário pelas necessidades pessoais decorrentes de
sua condição de paraplégica, além de outro salário para ressarcir o
acompanhamento que necessitará durante o resto da existência.
• a pensão mensal, ora calculada, decorrente de pedido posto em ter-mos
amplos, remetendo o julgador ao poder de julgamento pela eqüidade,
como está no art. 1.553 da lei comum, leva em conta as necessidades (da
autora), a gravidade da doença e o seu estado de miserabilidade
econômica.
• evidentemente, também a reparação patrimonial abrange as verbas que,
apuradas em liquidação por arbitramento, sejam necessárias para custear,
até o final de sua existência, caso o progresso da medicina não permita
encontrar meios de reabilitação, tratamento médico, transporte, remédios
e aparelhos condizentes com a sua condição pessoal.
• É reconhecido o dano moral e a sua reparação, esta com fulcro no
dispositivo constitucional que assegura o direito fundamental da
dignidade humana.
• civil-ação de indenização -acidente ferroviário -reparação por dano
material e dano moral- cumulabilidade -responsabilidade contratual- ato
ilícito relativo -juros moratórios -incidência a partir da citação - cc, art.
1.536, § 2°.
• i - o entendimento afirmado pela melhor doutrina e jurisprudência do stjé
no sentido de admitir-se a indenização, cumulativamente, por dano moral
e dano material, ainda que derivados do mesmo fato (súmula n ° 37 - stj).
• ii-assentada, também, na jurisprudência da corte, a orientação segundo a
qual os juros moratórios, nas hipóteses de responsabilidade objetiva ou
culpa contratual, serão devidos a partir da data da citação inicial, nos
termos do art. 1.536, § 2 °, do código civil.
• iii - recurso conhecido e provido, em parte.
• (resp. n° 23.386-4 - sp. rel. min. waldemar zveiter. terceira turma.
unânime. dj30/11/92).
• a proteção que a constituição promete quanto à intimidade, à vida
privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 5°, x) é explicitação de
direito fundamental declarado no caput do art. 5°, pois todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade... "
• homem ou mulher, idoso ou infante, rico ou pobre, empresário ou
assalariado, milionário ou peão, cada um em sua individualidade, todos
têm direito à dignidade da pessoa humana que a carta política, no seu art.
1°, pôs como fundamento da organização social.
• no arbitramento da reparação, socorre-se o julgador da regra de eqüidade
referida no art. 1.553 do código civil:
• dano moral - arbitramento - critÉrio. o arbitramento do valor do dano
moral deve ficar a critério do juiz, pois não há outro modo razoável de
avaliá-lo (tj-rj-ac. unân. da 1 °câm. cív. reg. em 17-4-91-ap. 3.700/90 -rel.
des. renato maneschy - ultra cred serviço sic ltda. vs. maria josé martins
figueiredo). extrai-se, ainda, do voto: "dano moral, como se sabe, é todo
sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade. seu
conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral uma
dolorosa sensação experimentada pela pessoa. É o que polacco chama de
lesão da personalidade moral. não é possível negar que quem vê
injustamente seu nome apontado nos tais serviços de proteção ao crédito
que se difundem por todo o comércio sofre um dano moral que requer
reparação. mas a reparação do dano moral se há de fazer pelo prudente
critério do juiz, pois não há outro modo de avaliá-lo. afixação do
"quantum "ficará ao prudente arbítrio do juiz, mas este arbítrio, como
observa orozimbo nonato, é uma contingência inelutável, dadas a
crescente complexidade do comércio jurídico e a impossibilidade de
prever o legislador todos os casos que surgem daquele comércio. o fato
de não se poder estabelecer rigorosa equivalência entre o dano moral e a
indenização não pode ser motivo, como pondera o des. amilcar de castro,
de se deixar o direito sem sanção e sem tutela. ou, como dizia o ministro
pedro dos santos, no supremo tribunal, o que não é possível é que o
responsável por acidente daninho aos direitos e legítimos interesses de
outrem possa subtrair-se às conseqüências de seu ato por não serem direta
e exatamente reparáveis."
• limita-se a reparação ao dano moral a dois salários mínimos, pelo mesmo
critério antes adotado no arbitramento da pensão.
• inclui-se a verba de danos estéticos nos danos morais, ao teor da súmula
n° 15, do egrégio tribunal de alçada cível deste estado: "É cumulável a
indenização por danos materiais e morais, nestes compreendidos os
estéticos, decorrentes do mesmo fato." (fonte: a proposta de súmula n°
15/96, julgada em 25 de março de 1996, vencidos os juizes spyrides,
pimentel marques, asclepíades, dauro, roldão, paraguassú, azevedo pinto
e jayro). tal enunciado, ao ver deste decisor, restringe o alcance da
súmula n° 37, do superior tribunal de justiça: "são cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".
de qualquer forma, são incontrovertidos os danos estéticos em mulher
paralisada nos membros inferiores.
• embora posta sob o enfoque de condenação de dar dinheiro, na verdade a
demanda objetiva condenação em prestação de fazer, porque, em se
tratando a ré de pessoa jurídica de direito público, a reparação quanto às
pensões vencidas será procedida através da inscrição da autora como
pensionista para o recebimento das verbas, certamente através de
procurador, em face da sua condição de paraplégica.
• incide, assim, o disposto no art. 461 do código de processo civil, com a
redação que lhe foi dada pela lei n° 8.952, de 13 de dezembro de 1994,
norma de evidente conteúdo processual e que deve ser aplicada ex
officio.
• sobre a natureza jurídica da ação para cumprimento das obrigações de
fazer ou não fazer, basta se remeter ao excelente trabalho de ovídio a.
baptista da silva nos estudos de direito processual em memória de luiz
machado guimarães (coordenação de josé carlos barbosa moreira, rio de
janeiro, editora forense, 1997, pp. 261/268).
• o provimento final desta ação está submetido ao reexame necessário
porque a ré é fundação instituída pelo poder público, em face do disposto
no art. 10 da lei n° 9.469, de 10 de julho de 1997.
• incide, pois, o disposto no art. 461, § 3°, do código de processo civil:
• "sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. a medida
liminarpoderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão
fundamentada ".
• a relevância do fundamento da demanda está na irreversibilidade do
estado da autora.
• É desinfluente que a autora não tenha requerido, através da diligente
defensoria pública que a assiste, medida liminar para que, desde logo,
passasse a receber os valores de reparação. o requerimento específico de
liminar é exigido para os fins referidos no art. 273, do código de processo
civil, mas, em se tratando de ação para cumprimento das obrigações de
fazer e não fazer, como no caso, permite-se ao juiz antecipar a eficácia de
seu provimento final.
• a autora é pobre, mãe de família, paralítica.
• É possível e provável que alguns anos se passem antes que se chegue
finalmente ao dia do trânsito em julgado desta sentença, caso confirmada
nas instâncias revisionais. contudo, a procedência aqui proclamada é
suficiente elemento de plausibilidade em face do princípio geral de
presunção dos atos estatais e pela carga de autoridade que orna os atos
jurisdicionais em país que adotou a jurisdição universal ou judicial
review.
• o direito de acesso à justiça, posto como direito fundamental da pessoa
(art. 5°, xxxv, da constituição), tem como corolário lógico a eficácia da
decisão; a deficiência fisica e social da autora não pode vir em seu
desfavor, nem é suficiente a interpretação jurídica literal para a realização
do direito: a letra mata, o espírito vivifica, dizia outro magistrado há dois
mil anos.
• daí porque necessário prover, desde já, pela assistência à autora,
providência que se dá no dispositivo sentencial.
• pelo exposto, resolve-se
• julgarprocedenteademandaparadeterminaràré que inscreva a autora na sua
folha de pagamento, a título de pensão vitalícia, na verba equivalente a 5
(cinco) salários mínimos, condenando-a, ainda, ao pagamento das verbas
apuradas em liquidação de sentença, para tratamento médico, transporte,
remédios e aparelhos condizentes com a sua condição pessoal, como
referido na motivação desta sentença.
• c o n d e n a - s e também a ré a pagar à autora o que for apurado em
liquidação quanto às pensões vencidas desde o fato e até a implantação
do pagamento por folha, acrescidas de juros, estes desde a citação, e
correção mensal à taxa legal, descontando-se o que a ela forneceu nos
períodos de inernação, obedecido aí o limite pensionário.
• independemente da confirmação pela instância superior, da existência de
recurso voluntário e do trânsito em julgado, determina-se à ré implantar,
no prazo máximo de 30 dias a contar de notificação ao seu dirigente
máximo, o magnífico reitor, pensão no eqüivalente a 3 (três) salários
mínimos em favor da autora, estes referentes à reparação pelos danos
materiais.
• sem ônus sucumbenciais, porque a autora nada adiantou a título de
despesas processuais e a sua defesa foi procedida por órgão estatal
prometido pelo art. 5°, lxxiv, da constituição, como instrumento de
realização da dignidade humana.
• submete-se a presente a reexame necessário por órgão fracionário do
egrégio tribunal de justiça.
• p. r. i.
• rio de janeiro, 20 de outubro de 1997.
• nagib slaibi filho
• juiz de direito
• processo n° 1998.001.13425
• 7.12. medidas atinentes à Área de recursos humanos
• nesta área, as medidas previstas no inciso iv do parágrafo único do art. 2°
da lei n° 7.853/99 foram explicitadas pelo disposto no art. 45 do decreto
n° 3.298/99, ao implementar programas de formação e qualificação
profissional no âmbito do plano nacional de formação profissional
planfor.
• 8. a polÍtica para a integraÇÃo da pessoa portadora de deficiÊncia
• 8.1. o caráter nacional da política para a integração da pessoa
• portadora de deficiência
• estabelece o art. 9° da lei n. 7.853/89 o tratamento prioritário e
apropriado, por parte da administração pública federal," aos assuntos
relativos às pessoas portadoras de deficiência, para que lhes seja
efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e
sociais, bem como sua completa integração social.
• no § 1 ° do mesmo dispositivo, além de dizer o óbvio29 - de que os
assuntos serão objeto de ação coordenada e integrada pela administração
pública federal - diz, ainda, que tais assuntos se incluem em uma política
nacional para integração da pessoa portadora de deficiência.
• tal norma - sobre a referida política nacional - é complementada pelo
disposto no art. 10 da mesma lei, com a redação que ao caput foi dada
pela lei n. 8.028, de 12 de abril de 1990, ao atribuir a coordenação da
atividade à coordenadoria nacional para a pessoa portadora de
deficiência, a que também incumbe, como é natural, formular a política
nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência.
• desde logo se verifica que do antes mencionado caráter nacional da lei n°
7.853/89 - a despeito de não ser formalmente lei complementar- decorre
do seu caráter material de complemento à constituição e tal patamar
"nacional" (assim abrangente das esferas governamentais da união, dos
estados, do distrito federal e dos municípios) não lhe dispensa, antes
exige, que o conjunto das ações governamentais e da sociedade mereçam
critérios ou pressupostos postos sobre o que usualmente o direito pátrio
considera como "política".'°
• 9. comentÁrios aos arts. 3° a 7° da lei n° 7.853/89 - as aÇÕes civis
pÚblicas como garantia aos direitos de proteÇÃo e de integraÇÃo social
ao portador de deficiÊncia
• 9.1. distinção entre ação individual e pública
• jurisdição é a atividade do poder destinada a resolver os conflitos de
interesses. processo é a relação jurídica que se estabelece entre o
demandante, o demandado e o órgão do estado encarregado de dirimir a
lide.
• ação é o poder do indivíduo de deflagrar através do processo a atividade
jurisdicional do estado.
• tais são os conceitos básicos da ciência processual que o mestre italiano
redenti denominou de "trilogia estrutural do processo".
• a constituição de 1988 assegura, pelo que se extrai do disposto nc art. 5°,
xxxv, o direito fundamental de acesso aos tribunais, pois "a lei; não
excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito ".
• quem tem o poder de deflagrar a ação, ou quem está legitimado para
instaurar o processo, é, ordinariamente, aquele que é o titular do interesse
em disputa na demanda.
• excepcionalmente, em face da relevância do interesse, a ordem juridica
confere a quem não é o titular do direito o poder de atuar em sua defesa -
é o que se denomina de legitimação extraordinária ou, como dizem o.
processualistas, de "substituição processual".
• daí a importância das disposições encontradas nos arts. 3° a 7° da lei n.
7.853/89, que trata das ações civis públicas destinadas à proteção dos
interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência.
• através da ação civil pública, posta na defesa dos denominados interesses
coletivos e difusos das pessoas portadoras de deficiência, a sociedade e
os agentes estatais podem ser compelidos a atender as normas
constitucionais que garantem os mencionados interesses,
independentemente da atividade individual do portador de deficiência.
• 10. o interesse como fundamento do direito

• É o interesse o conceito básico do direito porque dele é que decorren, os
conceitos derivados de categorias jurídicas como direito subjetivo,
pretensão, lide e outros.
• ao buscar assegurar sua existência e o desenvolvimento, o indivíduo volta
seu interesse aos bens que possam suprir suas necessidades.
• bem é, assim, tudo aquilo que possa suprir uma necessidade e interesse, é
a exigência que o indivíduo faz de determinado bem.
• o interesse é a relação do indivíduo com o bem que vai satisfazer sua
necessidade; no conceito de groppali, interesse é a exigência de um bem
que se considera útil, apto para satisfazer uma necessidade.
• a maioria dos bens que o indivíduo busca não pode ser alcançada
somente com a sua atividade. volta-se, então, para o relacionamento com
os outros indivíduos e, quanto mais suas necessidades aumentam de
complexidade, mais intensifica o relacionamento social, buscando seus
semelhantes para, com eles, em interação, solidarizar-se na satisfação de
seus interesses.
• a relação social é o meio que o indivíduo tem para alcançar os bens que
sua própria atividade não pode alcançar.
• se a relação social é regulada pelo direito, diz-se que é relação jurídica.
• os bens podem ser, quanto ao seu conteúdo, coisas (que são os bens
tangíveis, mensuráveis, como, por exemplo, um lápis, um prédio) e
serviços (que são as atividades que suprem tais necessidades, como, por
exemplo, uma aula, o projeto de uma construção).
• quão mais complexas e sofisticadas as necessidades dos indivíduos, mais
complexos se tornam os bens que possam supri-ias e mais intensas as
relações sociais.
• no dizer de camelutti, o interesse é uma relação, como decorre da própria
palavra - quod inter est.
• em toda sua existência, o ser humano busca prover os meios que
possibilitem mantê-lo como indivíduo, isto é, sujeito de sua história e não
mero objeto dos interesses dos outros indivíduos.
• a busca dos bens que satisfaçam suas necessidades, morais ou
patrimoniais, constitui a estrada pela qual passa a história de cada
indivíduo. sua peregrinação na satisfação de seus interesses, na busca da
felicidade o estado ideal no qual verá supridas todas as suas carências - é
a causa suficiente que o impele a querer e agir.
• 10.1. modalidades do interesse
• o interesse pode apresentar diversas titularidades ou sujeitos, levando a
sua classificação subjetiva.

• 10.1.1. interesse individual, particular ou privado

• alguns interesses estão restritos às necessidades que não ultrapassam a
esfera de cada pessoa- são os interesses individuais ou privados ou
particulares.
• o interesse individual é a relação entre o indivíduo e o bem que vai suprir
sua necessidade, de forma direta ou imediata. o titular do interesse
individual pode ser uma pessoa fisica ou natural, a pessoa jurídica ou
moral e até mesmo órgãos despersonalizados, como o espólio, o
condomínio de edificio, a herança jacente etc.
• a capacidade de direito da pessoa fisica, antes de ser questão privada, é
questão pública, constitucional, direito fundamental, personalíssimo,
integrante de sua cidadania, no sentido sociológico (cc, art. 2°-todo
hotnent é capaz de direito e obrigações na ordem civil; constituição, art.
5°, capta - todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...) e não se confunde
com sua capacidade de fato, dispondo o art. 7° do código civil que a
capacidade, absoluta ou relativa, será suprida nos termos legais (cf. cc,
arts. 379, 384 v, 496, 154 e 156, quanto aos menores; arts. 446 a 461,
quanto aos loucos, surdo-mudos e pródigos; 463 a 468, sobre os ausentes;
sobre psicopatas, toxicômanos e viciados em substâncias entorpecentes,
ver o decreto n° 24.559, de 03.07.34 e decreto-lei n° 891, de 25.11.38;
sobre os silvícolas, o estatuto do Índio - lei n° 6.011, de 19.12.73 e 232,
da constituição).
• a determinação da ordem jurídica no sentido de se integrar à vontade do
incapaz a vontade do seu representante ou assistente, induz que não têm
eles o poder pleno de manifestar a sua vontade na defesa dos próprios
interesses, pelo que são representados (cc, art. 5°) ou assistidos (cc, art.
6°) ao atuarem no mundo jurídico. o representante e o assistente ao
incapaz, ao integrarem e complementarem sua manifestação de vontade,
fazem da própria consciência e vontade a vontade e consciência
suficientes para que os incapazes atuem no mundo jurídico.
• daí se constata que, sem consciência e sem vontade dos titulares dos
interesses, não há exercício de direitos.
• já as pessoas jurídicas ou morais, que se constituem ou passam a existir
com a sua inscrição no registro público específico (cc, art. 18) são
representadas, ativa e passivamente, nos atos judiciais e extrajudiciais,
por quem os respectivos estatutos designarem, ou não o designando,
pelos seus diretores (cc, art. 17).
• diverso, assim, o modo de aceitação, pelo direito, da atuação, em juízo ou
fora dele, das pessoas físicas e jurídicas: aquelas atuam
independentemente de seu reconhecimento pelo estado, pois o registro
civil é meramente declaratório, enquanto as pessoas jurídicas só existem,
com efeitos além daquelas pessoas que a constituem, quando o estado lhe
dá a existência, com os efeitos erga omnes do respectivo registro público.
as pessoas fisicas nascem para o direito no próprio momento em que
nascem com vida (cc, art. 4°); as pessoas jurídicas têm no registro
público o seu berço.
• a própria pessoa fisica manifesta, por si ou seu representante, a vontade,
enquanto a pessoa jurídica, por ser ideal, manifesta, ficticiamente, sua
vontade através de seus órgãos de representação previstos no respectivo
estatuto e, em falta de previsão, através de seus diretores, isto é, as
pessoas cuja vontade individual as movimentam e direcionam a sua
atuação na satisfação dos seus interesses.
• o órgão da pessoa jurídica deve demonstrar sua legitimação para atuar em
seu nome, em juizo ou fora dele, devendo as pessoas que com eles se
relacionam se precaver com a exigência da exibição dos comprovantes de
seus poderes - o juiz deve, verificando a irregularidade de representação
das partes, suspender o processo e marcar prazo razoável para ser sanado
o defeito (cpc, art. 13).
• o que impulsiona a criação da pessoa jurídica é a comunhão de interesses
individuais que só encontram, nessa conjugação dos esforços, os meios
para alcançar os seus fins. dispõe o código civil, art. 1.363 que "celebram
contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar
seus esforços ou recursos para lograr fins comuns". como o indivíduo é
limitado, no tempo e no espaço, para certos empreendimentos que são
exigidos pelas suas necessidades, busca outros seres que possam, com
ele, trabalhar no mesmo sentido, pois "logram fins comuns" (affectio
societatis).
• eis a diferença entre a comunhão de interesses e a sociedade - o fim
comum ou a affectio societatis unem os esforços daqueles que comungam
das mesmas necessidades, embora nem todos que tenham as mesmas
necessidades estejam irmanados no fim de supri-ias. o condômino é
comunheiro (cc, art. 623 e ss.) mas não tem com os outros a affectio
societatis, e tanto é assim que pode exigir a divisão da coisa comum, nem
se pode pactuar a indivisão por mais de cinco anos (cc, art. 629), mesmo
porque já diziam os antigos que o condomínio é a mãe da discórdia
(condomminium mater discordarum) pela constante tensão entre os
interesses individuais que sobre a coisa são exercidos.
• se a sociedade necessita de reconhecimento de sua existência, além do
contrato entre os sócios, aí vem o estado para constituir, com o registro
público (ato administrativo), a pessoa jurídica ou moral.
• alguns centros de interesses, ou seja, interesses que transbordam os
limites individuais mas que não constituem pessoas jurídicas, são
reconhecidos pelo direito, que lhes dá capacidade de atuar em
determinadas circunstâncias: são os órgãos despersonalizados.
representam tais órgãos comunhões de interesses que nem sempre
chegam a se constituir em sociedade, como se vê, por exemplo, no art.
12, do cpc, com a massa falida (comunhão dos interesses dos credores
sobre os bens do insolvente), o espólio, o condomínio, ou o cabecel,
previsto no art. 690, do cc, quando o prédio submetido à enfiteuse
pertencer a várias pessoas.
• observe-se que só o estado (através do ato legislativo formal -
constituição, art. 5°, inciso li, princípio da legalidade) é que pode obrigar
o indivíduo a atuar em conjunto com os outros, salvo se a tal não se
dispôs pela própria vontade.
• 10.1.2. interesse público
• o interesse público, de todo o povo, como fundamento de toda a
organização social, é manifestado e defendido, ordinariamente, pelo
estado, de acordo com a previsão legal.
• o conceito de interesse público só pode ser entendido após ser
vislumbrada a idéia de bem comum.
• são tomás de aquino, em célebre expressão, considerou o bem comum
como "a soma do bem coletivo com cada bem individual.
• a conceituação tomista foi difundida através da igreja católica, pelo que
se diz hoje que a atuação do estado, em um regime democrático, visa a
atingir o bem comum, pois o poder é exercido visando à satisfação dos
interesses que são reconhecidos como aqueles aspirados pelo povo,
agente titular e nominal do poder.
• lembrando que o conceito de bem comum é próprio do pensamento
político católico, como base do solidarismo, niccola mateucci fez o
seguinte comentário no verbete que elaborou para o dicionário de
política, coordenado por norberto bobbio: o bem comum se distingue do
bem individual e do bem público. enquanto o bem público é um bem de
todos por estarem unidos, o bem comum é dos indivíduos por serem
membros de um estado; trata-se de valor comum que os indivíduos
podem perseguir somente em conjunto, em concórdia. além disso, com
relação ao bem individual, o bem comum não é um simples somatório
destes bens; não c tampouco a negação deles; ele se coloca unicamente
como sua própria verdade ou síntese harmoniosa, tendo como ponto de
partida a distinção entre indivíduo, subordinado à comunidade, e à
pessoa, que permanece o verdadeiro e último fim. toda atividade do
estado, quer política, quer económica, deve ter como objetivo criar uma
situação que possibilite aos cidadãos desenvolverem suas qualidades
como pessoas; cabe aos indivíduos, singularmente impotentes, buscar
solidariamente em conjunto este fim cornum.


• o interesse público, do povo, tem fundamento, em um estado
democrático, no próprio titular do poder (todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta constituição - art. 1 °, parágrafo único, da constituição).
• os países ocidentais exigem que a atuação do estado, na defesa ou
persecução do interesse público, seja prevista em lei, obedecendo ao
denominado princípio da legalidade, que decorre do princípio da
liberdade, por entenderem, de acordo com a corrente liberal, que toda a
atuação estatal só pode depender de previsão legislativa, porque o estado,
ao agir, sempre restringe a autonomia privada ou a conduta individual.
• diferente é a solução nos países socialistas, em que predomina o princípio
da legalidade socialista, como se viu no art. 4° da constituição da urss de
7 de outubro de 1977: "o estado soviético e todos os seus órgãos atuam
na base da legalidade socialista, asseguram a proteção da ordem jurídica,
dos interesses da sociedade e dos direitos e liberdades dos cidadãos. as
organizações estatais e sociais e os funcionários públicos são obrigados a
observar a constituição da urss e as leis soviéticas ".
• necessário fazer constar o que habermas escreveu sobre a "contraditória
institucionalização da esfera pública no estado de direito burguês",
referindo-se à vinculação das funções estatais a normas gerais, isto é, a
aplicação do princípio da legalidade: "as garantias jurídicas, ou seja,
vincular as funções do estado a normas gerais, protegem, junto com as
liberdades codificadas no sistema de direito privado burguês, a ordem do
`mercado-livre'. intervenções estatais sem autorização através de uma lei
não são, da perspectiva de seu sentido sociológico, primariamente
condenáveis por ferirem princípios de justiça estatuídos por direito
natural, mas simplesmente porque seriam imprevisíveis e, por isso,
quebrariam a espécie e a extensão de racionalidade que há no interesse
das pessoas privadas operando capitalisticamente. senão faltariam
exatamente aquelas `garantias da previsibilidade' que já max weber
descobriu no capitalismo industrial: o cálculo das chances de lucro exige
um intercâmbio que transcorra de acordo com as expectativas de
probabilidade. por isso é que estar no âmbito da competência e de acordo
com uma justiça formal se tornaram critérios do estado de direito
burguês: administração `racional' e justiça `independente' são, a nível da
organização, os seus pressupostos. a própria lei, a que o executivo e a
justiça precisam se ater, tem de ser igualmente obrigatória para todos: não
deve, em principio, permitir nenhuma dispensa ou privilégio.""
• em decorrência do princípio da legalidade (aliás institucionalizado no art.
37 da constituição, como princípio da administração pública, bem como
no art. 5°, caput e inciso ii, como fundamento dos direitos individuais), o
estado só pode ingressar em juízo para exercitar a pretensão de interesse
previamente previsto em lei: por exemplo, a pretensão punitiva, nas ações
penais públicas ou a pretensão para impedir a construção não legalizada,
no art. 934, ii, do código de processo civil.

• 10.1.3. distinção entre interesse público e interesse estatal

• não há identidade absoluta entre o interesse público (de toda a
organização social, o bem comum) com o interesse estatal: a congruência
entre o interesse estatal e o interesse público foi corolário necessário no
estado liberal, de democracia representativa ou indireta, em que o
exercício do poder era privativo dos indivíduos escolhidos pelos
cidadãos. hoje, no entanto, não mais ocorre tal identidade, a partir do
momento em que se vê o estado menos distante da própria sociedade.
• os países mais modernos adotam agora um sistema de organização
política de democracia mista, também chamada participativa,
combinando elementos da democracia indireta ou representativa (a
decisão e a execução da atividade estatal por representantes do povo)
com elementos da democracia direta (as decisões são tomadas pelo
próprio corpo político).
• a constituição, em seu art. 1° parágrafo único, proclama que o poder é
exercido pelo povo, através de representantes eleitos, ou diretamente, nos
termos da lei maior, a qual prevê, em diversos dispositivos, a atuação
direta do cidadão (o titular do direito de participar do governo):
plebiscito, referendo, iniciativa legislativa popular, ações populares
(como o habeas corpus e a ação popular para anular atos lesivos ao
patrimônio público, ao meio ambiente), o controle do estado pelas
entidades da sociedade civil (por exemplo, a titularidade da ordem dos
advogados do brasil, na ação de inconstitucionalidade), a participação
dos empregados nos órgãos estatais onde se discutem seus interesses, etc.
• o interesse estatal, no nosso regime federativo, tem como agentes a união,
os estados-membros, o distrito federal e os municípios, que são entes
federativos (constituição, art. 1° caput) dotados da capacidade política de
decidir autonomamente, nos limites que lhes são dados pela constituição,
podendo mesmo elaborar normas genéricas e abstratas, obrigando toda a
sociedade, quanto aos interesses que lhes são previstos na constituição
(autonomia legislativa). através de ato legislativo, podem os entes
federativos instituir outras pessoas secundárias, administrativas, para
gerenciar, sob sua vinculação e controle, determinados interesses
públicos específicos.
• tais pessoas administrativas podem ser pessoas jurídicas de direito
público (usufruindo de tratamento preferencial perante as outras pessoas,
como as autarquias) ou mesmo pessoas jurídicas de direito privado (como
as empresas públicas e sociedades de economia mista), mas todas criadas
por lei do ente federativo a que estão vinculadas (constituição, art. 37,
incisos xix e xx, o qual exige lei específica inclusive para a criação de
subsidiárias de qualquer delas, e até mesmo para que elas participem em
empresa privada).
• o interesse estatal é manifestado pelo órgão público a que a lei deferiu a
competência para tal - a competência é, assim, um trecho da atividade
estatal que a lei imputa à determinada unidade estatal para a sua
prosecussão.
• como instrumento da soberania popular, exercitando o controle externo
sobre a atividade estatal, nem só aos órgãos públicos, com exclusividade,
cabe atuar na busca da satisfação do interesse público.
• o interesse público é defendido não só pelo estado como também pelos
cidadãos ou mesmo por entidades não-estatais. em não poucos
momentos, a própria constituição, como instrumento de democracia
participativa, confere legitimidade de atuação para a defesa do interesse
público à pessoa fisica ou a entidade não-estatal: art. 5°, xxxiii (direito a
receber dos órgãos públicos informações do interesse coletivo ou geral);
lix (admissibilidade de ação penal privada subsidiária da ação pública, se
esta não for intentada no prazo legal); lxxi (mandado de injunção, para a
defesa das prerrogativas inerentes à soberania popular); lxxi11(ação
popular para a defesa do patrimônio público, da moralidade
administrativa, do meio ambiente); art. 14, § 10 (ação de impugnação de
mandato eletivo); art. 37, § 3° (reclamações relativas à prestação de
serviços públicos); 58, § 2° (petições e reclamações contra atos ou
omissões das autoridades ou entidades públicas); 74, § 2° (denúncia por
irregularidades ou ilegalidades perante o tribunal de contas) etc.
• 10.1.4. interesses difusos e interesses coletivos
• já vimos que nem toda a comunhão de interesses significa a existência de
uma sociedade e que nem toda sociedade induz a existência de uma
pessoa jurídica para atuar na busca da satisfação desses interesses. alguns
interesses são comuns a mais de uma pessoa sem perderem, qualidade de
serem interesses individuais compartilhados, corno se vê, por exemplo,
no regime patrimonial existente entre os cônjuges ou entre condôminos
de um prédio. outros interesses supra-individuais, afetando mais de uma
pessas, mas que não chegam a alcançar o interesse público, ficam sob a
tutela de determinados grupos sociais a que a lei expressamente confere
tal legitimação: corporações profissionais como a ordem dos advogados
do brasil), sindicatos, federações e confederações profissionais
(consolidação das leis trabalhistas, art. 513, alínea "a", embora tal
legitimidade não ultrapasse a esfera trabalhista, segundo entendia a
jurisprudência, antes da previsão do art. 8°, inciso iii, da nova
constituição, que simplesmente repete princípio do art. 5°, xxi),
associações privadas constituídas há mais deu; _ ano quando do
ajuizamento da ação, com finalidades institucionais especificas (lei n°
7.347, de 24 de julho de 1985). tais entidades estão, extraordinariamente,
legitimadas a defender em juizo o interesse do respectivo grupo. observe-
se que tais entidades atuam em nome próprio, mas na defesa dos
interesses de seus associados.
• É conhecido o conceito de andreas von thür de que os interesses di
• fusos: "... são situações jurídicas protegidas sem que se chegue à
subjetivação do direito na pessoa ou grupo de pessoas que,
eventualmente, no plano processual, poderiam invocar a tutela
jurisdicional".
• deve-se a mauro capeletti, a partir de meados da década de 70, a honra de
ter iniciado a sistematização do estudo dos interesses em sede processual,
mesmo porque, sem processo, não há como se garantir o interesse no
estado democrático de direito. 35
• josé carlos barbosa moreira, em relatório nacional para o v11 congresso
internacional de direito processual, em 1983, aponta que as
denominações "interesses difusos" e "interesses coletivos" são em regra
usadas promiscuamente, embora alguns autores tentem distingui-los por
critérios diversos, entre os quais o de considerar como interesses difusos
aqueles que não tenham uma organização de interessados a defendê-los.
para esses autores, o interesse dos advogados quanto ao exercício da
profissão seria interesse coletivo, porque há a ordem dos advogados do
brasil, enquanto que o interesse da comunidade quanto às condições
ambientais da baía da guanabara seria interesse difuso, caso não haja uma
associação cuja finalidade institucional seja, justamente, a proteção de
tais condições ambientais.
• ada pellegrim grinover nos dá, também, a distinção: "embora
considerando ambos meta individuais, não referíveis a um determinado
titular, a doutrina designa como `coletivos' aqueles interesses comuns a
uma coletividade de pessoas e a elas somente, quando exista um vínculo
jurídico entre os componentes do grupo: a sociedade mercantil, o
condomínio, a família, os entes profissionais, o próprio sindicato, dão
margem ao surgir de interesses comuns nascidos em função de uma
relação, base que une os membros das respectivas comunidades e que,
não se confundindo com os interesses estritamente individuais de cada sz
jeito, permite sua identificação. por interesses propriamente difusos
entendem-se aqueles que, não se fundando em um vínculo jurídico,
baseiam-se sobre dados de fatos genéricos e contingentes, acidentais e
mutáveis: como habitar na mesma região, consumir iguais produtos,
viver em determinadas circunstâncias sócio-econômicas, submeter-se a
particulares empreendimentos."
• lúcia valle figueiredo coloca como características do interesse coletivo,
em primeiro lugar, o que denomina despersonalização do interesse
individual, isto é, após o agrupamento das pessoas na busca da satisfação
do interesse coletivo, pode ocorrer que tal interesse coletivo nem mais
corresponda, ao menos em parte, ao interesse individual; em segundo
lugar, observa que tais interesses têm como característica a
impossibilidade de serem fruídos individualmente, deforma exclusiva, o
que lhes evidencia caráter indisponível, ao menos para cada integrante do
grupo, embora tal indisponibilidade seja relativa, em face de potencial
capacidade de ser transacionada, dependendo do caso concreto.
• quanto aos interesses difusos, a mesma juíza e professora da puc-sp
observa que eles são indivisíveis, trazendo, em apoio, a pergunta que
mauro cappeletti fez: de quem é o ar que respiro? a resposta, aí, só pode
ser: de todos e de cada um, de cada um e de todos. daí por que o direito
decorrente do interesse difuso é indisponível, de forma absoluta, que é a
sua segunda grande característica.
• tal diferenciação, entre interesse coletivo e difuso, se torna uma questão
mais premente a partir do momento em que a sociedade moderna passa a
exigir do estado uma atuação mais transparente, com um controle mais
efetivo, que não dispensa a tutela de interesses relevantes, como, por
exemplo, o meio ambiente, que a constituição de 1988, em seu art. 225,
coloca em termos peremptórios: todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
• na defesa de tais interesses, prevê a ordem jurídica não só ações deferidas
às associações cuja destinação seja o fim específico (art. 5°, inciso xxi)
como também a ação popular, legitimando qualquer cidadão e, até
mesmo, órgãos estatais como o ministério público, através de ação
pública civil.
• poderia parecer tentadoramente mais simples fazer a seguinte distinção:
interesse coletivo é aquele específico de determinado grupo, como, por
exemplo, o interesse defendido por um sindicato ou uma associação de
moradores de determinado bairro; já o interesse difuso seria aquele que
transcendesse o interesse coletivo, como, por exemplo, os direitos do
consumidor, ao meio ambiente, bens de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, como referido no art. 1° da lei n° 7.347/85.
• no entanto, quid finde, se se tratar de um interesse do meio ambiente que
se inclua no interesse local de uma associação de ecologistas?
• haverá, aí, simultaneamente, interesse difuso, protegido pela ação civil
pública (lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, arts. 1°, 5° e 6°); interesse
coletivo, amparável via mandado de segurança coletivo e pelo poder da
associação de, judicial e extrajudicialmente, persegui-lo (constituição,
art. 5°, inciso xxi); interesse público não estatizado, defensável por
qualquer cidadão, através de ação popular constitucional (constituição,
art. 5°, lxxiii); interesse público estatizado no ministério público, a quem
cabe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis
(constituição, arts. 127 e 129, inciso iii; lei n° 7.347/85) e até mesmo
interesse individual do morador que provasse ali residir e que demonstre
o dano emergente ou potencial (código civil, art, 75, código de processo
civil, art, 3°).
• mais prudente que se aprecie, em cada caso em concreto, o âmbito do
interesse colocado em questão, independentemente do remédio jurídico
processual que o leva à cognição da função jurisdicional. qualquer
limitação apriorística poderá representar grave violação de direito
fundamental previsto no art. 5° da nova constituição, em seu inciso xxxv,
assegurando o pleno acesso à justiça.
• o código de defesa do consumidor (lei n. 8.078, de 11 de setembro de
1990), ao tratar no título iii da defesa do consumidor em juízo, se viu
compelido, no art. 81, à perigosa tarefa de expor conceitos sobre tema
que, ainda hoje, não merecem uniformidade de tratamento principalmente
no próprio direito legislado:

• art. 81. a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poder ser exercida em juízo individualmente, 39 ou a título coletivo.
• parágrafo único. a defesa coletiva será exercida guando se tratar de.
• i- interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
• ii-interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular
grupo, categoria ou classe de persas ligadas entre si ou com aparte
contrária por uma relação jurídica base; iii - interesses individuais
homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. "

• adotando-se a classificação e conceituação legal, embora não infensa à
crítica, daí extraímos que os interesses coletivos, em sentido amplo,
compreendem os interesses e direitos;
• - difusos, que são aqueles decorrentes de uma situação fática, como, por
exemplo, os portadores de deficiência fisica de determinada comunidade
que se vêm obstados em seu acesso a determinado prédio ou logradouro;
• coletivos que são aqueles decorrentes de uma relação jurídica básica que
liga entre si seus integrantes ou que os vincula à outra parte;
- individuais homogêneos, os que têm origem comum.
a dicotomia entre interesse individual e interesse público é imanente ao
estado liberal de democracia representativa e torna-se anacrônica em estado
intervencionista e de democracia participativa.
veja-se, por exemplo, o disposto na constituição, no art. 204, inciso 11,
assegurando à participação popular, através de organizações representativas,
um papel na formulação das políticas e no controle das ações em todos os
níveis de assistência social. da mesma forma, prevê o art. 29, x, a
cooperação das associações representativas no planejamento municipal, ou o
mesmo artigo, no inciso seguinte, a iniciativa legislativa popular de interesse
específico de bairros através de manifestação da vontade de, pelo menos,
cinco por cento do eleitorado. como distinguir claramente, aí, entre interesse
público, coletivo e difuso? o que a constituição quis, nesses casos, foi
desestatizar o interesse público, entregá-lo à sociedade civil, através de
órgãos representativos que não podem ser ignorados em sua atuação, a qual,
certamente, desaguará com o ingresso de medidas judiciais.
a lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico,
em seu art. 5°, na defesa de tais interesses, legitima o ministério público,
autarquias, empresas públicas, fundações instituídas pelo poder público,
sociedades de economia e associação privadas que atendam os requisitos ali
previstos, que podem, inclusive, atuarem em litisconsórcio.
em face da complexidade das relações sociais, econômicas e políticas hoje
existentes em uma sociedade dinamizada pela tecnologia e pela carga
imensa de informações, de forma avassaladora e quase mesmo intuitiva, o
homem busca o relacionamento com seus semelhantes que estejam em
situações idênticas, que comunguem do mesmo interesse ou que, mesmo
eventualmente, também estejam tentando compreender a intensidade das
relações sociais e jurídicas que se tornam necessárias para sua existência e
desenvolvimento.
daí por que as chamadas entidades da sociedade civil, grupos sociais com
interesses comuns, ainda que eventuais, cada vez mais atuam não só
intervindo nas relações de poder geradas pelo estado mas, e principalmente,
mobilizando grupos de pressão de dezenas de indivíduos ou até mesmo
milhões de pessoas.
o desenvolvimento tecnológico nas comunicações e informações
transformou o quadro social de pressão e de manipulação da opinião pública,
a qual, em qualquer regime que se diga democrático, não pode ser
desconsiderada nos atos governamentais.
tais grupos ou entidades, pelo fenômeno da repetição e por ironia da história,
ressuscitam a descentralização de poder que existia na idade média, com a
atuação de corporações profissionais, da igreja, das cidades e feudos. tal
descentralização cessou com a formação dos grandes estados nacionais, mas
agora é vista como a fórmula de permitir que o estado leviatã moderno não
sufoque, com seus tentáculos, o indivíduo.
a democracia, como processo de organização da sociedade brasileira, passa,
necessariamente, pela atuação das entidades de sociedade civil, como os
sindicatos, corporações profissionais, grupos confessionais, e até mesmo
entidades com base territorial de atuação como as associações de moradores.
integrar tais entidades no processo decisório estatal é uma premente
necessidade para legitimar a própria atividade estatal, o que pode ter seu
início com o reconhecimento de sua capacidade de ingresso em juízo.
o primeiro passo para a integração de tais entidades no processo judicial é
reconhecer-lhes a legitimidade processual, jurisdicionalizando os conflitos
de interesses. distinguir entre interesse individual, coletivo, difuso, público e
estatal passa a ser questão que exige a pesquisa do julgador, em cada caso
concreto.
10.2. impossibilidade do interesse ser imparcial

não poucos julgadores deixam escapar, ao decidirem ações em que o cidadão


ou a entidade privada atua no interesse público, que estão frustrados pelo
que entendem ser a parcialidade do interesse - por exemplo, é muito comum
que em ação popular seja o autor o desafeto político do agente público que
teria cometido o ato lesivo.
ora, o interesse é sempre parcial pois parte é aquele que tem participação no
interesse. não se pode confundir a motivação com o interesse embora toda a
ação humana tenha um motivo. não há tal imparcialidade pretendida no agir
individual: "a satisfação que espera aquele que quer, é o fim de seu querer.
nunca a ação em si mesma é um fim, mas simplesmente um meio de o
atingir. em verdade, aquele que bebe quer beber, mas só quer beber para
alcançar o resultado que desse fato espera. por outras palavras: em cada ação
nós queremos, não essa mesma ação, mas somente o efeito que dela nos
resulta. isto equivale a dizer que em toda e qualquer ação nós apenas
miramos a alcançar o fim dela."
os limites entre direito e moral nem sempre são evidentes: "para uma melhor
compreensão da distinção entre direito e moral, interessa ter presente que na
racionalidade jurídica tem um lugar decisivo a tutela dos interesses, de
resolução dos conflitos de interesses e de interesses juridicamente tutelados.
de modo que apenas será juridicamente relevante aquela conduta que afete
os interesses (ou bens) juridicamente tutelados, os lese ou ponha em perigo.
para que uma conduta seja juridicamente censurável deve afetar um dos
interesses tutelados e afetá-lo numa medida socialmente relevante. donde
decorre que, mesmo quando o direito tutela os sentimentos do povo e a
"moral pública" (como freqüentemente acontece), estes valores éticos não
são afinal protegidos por si mesmos, mas na medida em que a sua violação
se converte numa perturbação prejudicial à sociedade como ordem de
convivência. o que está em causa é mais o "dano social" que a defesa dos
valores éticos por si mesmos. por outro lado, uma excessiva tutela de normas
éticas pelo direito corre o risco de se converter numa tutela moral da
sociedade pelo estado, numa "tutela " capaz de propiciar uma `
pedagogização " da mesma sociedade e de promover a intolerância geral. "

10.3. conflito de interesses


como titular do interesse, o indivíduo relaciona-se com os outros em busca
desses bens e daí surge o conflito: o indivíduo necessita ser livre para
garantir sua existência e alcançar o desenvolvimento e a plenitude que sua
natureza humana e individual exige. como é incapaz de alcançar todos os
bens com a própria atividade, busca o relacionamento com outros seres,
vivendo em sociedade. porém, a vida em sociedade inibe sua conduta,
forçando-o a adaptar-se ao relacionamento com os outros, restringindo sua
liberdade.
eis o conflito maior: indivíduo e sociedade relacionam-se de forma constante
e instável. o interesse do indivíduo nem sempre é a antítese do interesse
social - ambos são prismas do mesmo conteúdo do interesse.
em seu monopólio de organização da sociedade, o estado criminaliza o
exercício arbitrário das próprias razões, isto é, através da proibição pelo art.
345 do código penal, impede que o indivíduo solucione, por sua própria
atividade, o conflito de interesses com outro indivíduo, sem que seja por
composição ou acordo entre os interessados.
o conflito de interesses, qualificado (ou adjetivado) por uma pretensão
resistida ou insatisfeita, é o que se denomina de lide ou litígio.
10.4. legitimação ativa das ações civis públicas destinadas à proteção de
interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência
em se tratando de ação civil comum, destinada à defesa de interesse
individual do portador de deficiência, terá este a legitimação ad causam de
demandar, ainda que no processo não tenha condições de atuarem face de
eventual incapacidade, caso em que será representado pelo curador que o
represente ou assista nos atos civis ou, não havendo, pelo curador que o j uiz
da causa designar para o processo.
em se tratando, no entanto, de interesses coletivos ou difusos, transcendam
os interesses individuais do portador de deficiência, o art. 3° da lei
n. 7.853/89 enumera aqueles que, em legítimação extraordinária ou
substituição processual, atuarão, em nome próprio, na defesa de tais
interesses: o ministério público, a união, os estados, o distrito federal e os
municípios, bem como as associações constituídas há mais de um ano, e os
entes estatais (autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de
economia mista) que incluam, entre suas finalidades institucionais, a
proteção das pessoas portadoras de deficiência.
10.4.1. o ministério público como agente e interveniente
nas ações individuais, salvo quando incapaz uma das partes ou não se
tratando de determinadas lides, tem considerado a jurisprudência que
descabe a interveniência ou a custodia legis do órgão ministerial. tal
posicionamento, no entanto, parece se confrontar com o caráter da
indisponibilidade de atuação do ministério público (constituição, art. 127,
caput) no que se refere aos interesses do portador de deficiência protegidos
em normas constitucionais que impõem tarefas à sociedade e ao poder
público.
além do mais, se de um determinado fato, como, por exemplo, os óbices ao
acesso a transporte público, pode ensejar a propositura de ação individual
pelo interessado (e ai, pela orientação majoritária não haveria a
interveniência ministerial) não se pode compreender o motivo pelo qual o
mesmo tema, proposto agora em ação civil pública por um dos legitimados
pelo caput do art. 3" ora em comento, seria obrigatória a intervenção
ministerial, como, aliás, se vê no art. 5° da lei n° 7.853/89: "oiliinistério
público intervirá obrigatoriamente nas ações públicas, coletivas ou
individuais, em que se discutam interesses relacionados à deficiência das
pessoas.
a indisponibilidade dos direitos do portador de deficiência decorre dos
vigorosos termos postos pela constituição, mas não, simplesmente, da
própria lei ordinária que ora se examina.
se o ministério público demandou a ação civil pública, dela não poderá
desistir, em face da obrigatoriedade de sua atuação, embora logo depois
possa se manifestar pala improcedência da demanda ou por sua extinção,
posto que tal decorre de sua autonomia funcional, prevista no art. 127 da
constituição.
ao ministério público, quanto à propositura das ações cíveis e penais, impera
o brocardo in dubio pro societate, pois sua atividade, de caráter
administrativo, deve propiciar ao poder jurisdicional, de caráter político e
assim com poder de decisão com definitividade, a apreciação dos temas. se
outro foi o demandante e caso este manifeste desistência ou entre em
contumácia," o ministério público o substituirá no pólo ativo, anotando-se na
distribuição e recebendo a causa no estado em que se encontrar, nos termos
da lei n. 7.347/85, art. 5°, § 3° ("em caso de desistência infundada ou
abandono da ação por associação legitimada, o ministério público ou outro
legitimado assumirá a legitimidade ativa').
a ação civil pública a que se refere o disposto no art. 3° da lei n 7.853/89
também admite, como nos demais casos de interesses difusos c coletivos` a
instauração do inquérito civil, meio de sindicância ou de apuração de fatos
que visem instruir a ação a ser posta em juizo em que o parquet exerce os
seus poderes de investigação que lhe foram deferidos pela lei das leis."
dispõe o art. 6° da lei n. 7.853/89 sobre o inquérito civil e sobre o poder
ministerial de investigação sobre os fatos que poderão constituir o
fundamento da ação civil pública. as disposições ali constantes, inclusive os
respectivos parágrafos, mostram desnecessárias, pois o tema, no que couber,
é regulado - o que é enfatizado pelo art. 7° da mesma lei n° 7.853/89 pela lei
n° 7.347/85 que, por sua vez, se remete, no art. 21, ao código de defesa do
consumidor.
10.4.2. a associação constituída há mais de um ano
na partilha da tutela em juizo dos interesses difusos e coletivos dos
portadores de deficiência, cabe às entidades da sociedade civil ou
"organismos não governamentais", juridicamente denominadas associações,
o relevante papel de atuar como expressão da vontade da sociedade, assim
desestatizando a garantia desses interesses de superlativa importância.
na linha da tradição iniciada pela lei n° 7.347/85, exige o art. 3° da lei n.
7.853/89 da associação:
a) instituição regular, através do registro público competente, nos termos da
lei (mas a associação está imune à interferência estatal em seu
funcionamento, nos termos do art. 5°, xviii, da constituição`);
b) constituição há pelo menos um ano antes do ajuizamento da demanda;
c) inclusão, entre seus fins institucionais, do objetivo de defesa dos
interesses e direitos da pessoa portadora de deficiência;
d) prévia autorização em assembléia-geral para o ingresso em juizo, se não
houver autorização genérica nos estatutos.
a associação defende, em juizo, não o interesse próprio, mas o interesse para
o qual foi constituída, pois atua, como antes referido, em legitimação
extraordinária ou "substituição processual".
mas há que se distinguir se a atuação da associação é na defesa do interesse
difuso ou no interesse coletivo.
se o interesse a ser resguardado é o difuso, decorrente de determinada
situação fática (como, por exemplo, determinada associação cujo fim
institucional seja a proteção de interesses de não-associados, como a apae,
cujos beneficiados, aliás, não têm capacidade civil de se associar...) a
sentença que conhecer do mérito (salvo a de improcedência por falta de
provas - art. 4° da lei n° 7.853/89) terá eficácia de coisa julgada oponível
erga omnes.
se o interesse a ser resguardado é o coletivo, decorrente de uma relação
jurídica básica que une os associados ou que vincula a associação à outra
parte (como, por exemplo, associação dos deficientes fisicos do bairro x), a
petição inicial deverá obrigatoriamente ser instruída com a ata da assembléia
da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal de
seus associados e indicação dos respectivos endereços, pois a sentença
alcançará apenas os substituídos que tenham na data da propositura da ação
domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
o deferimento da legitimação às associações é corolário lógico do disposto
no art. 203, iv, última parte, da constituição, que se remete ao art. 204, em
cujo inciso ii se garante a participação da população, por meio de
organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das
ações em todos os níveis. o controle que a população exercita enseja sua
legitimação para as ações civis.`
quanto ao poder da associação de requerer administrativamente, tal é
conseqüência do disposto no art. 5°, incisos xxi e xxxiv, da lei maior.
10.4.3. as pessoas estatais
o caput do art. 3° da lei n° 7.853/89 guarda estreita relação com o art. 5° da
lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985 (que disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico) e
o art. 82 da lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 (cria o código de
proteção e defesa do consumidor, de forma a distribuir a legitimação,
concorrentemente, entre o poder público (através das pessoas federativas), o
ministério público (inclusive permitindo o litisconsórcio entre os ministérios
públicos da união e dos estados, a despeito dos princípios constitucionais da
unidade e indivisibilidade - art. 127, § 1°) e a sociedade civil (através das
associações).
a união, os estados, os municípios e o distrito federal, suas autarquias,
fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista poderão
ingressar em juizo para a defesa dos direitos mencionados nestes
comentários.
tais pessoas federativas têm previsão constitucional (título iii, da
organização do estado, arts. 18 a 33), aurindo, do próprio art. 3° da lei n.
7.853/89, pelo princípio da legalidade da administração pública (art. 37, da
constituição) a força para irem juizo na defesa de tais interesses, ainda que
não existam leis nos estados, municípios e distrito federal que autoarizem tal
ingresso em juízo.
quanto às autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e
fundações, independentemente da respectiva esfera governamental, somente
terão interesse processual para demandará' em juizo quando houver
pertinência subjetiva entre os seus fins institucionais (declarados, na lei que
os criou ou em diploma legal posterior, em face do princípio da,
especialização do serviço público que vincula a atuação dos entes da
administração indireta) e os interesses e direitos dos portadores de
deficiência.
vale recordar que as entidades governamentais são criadas por lei específica
(art. 37, xix, da constituição), a qual lhe atribuirá uma faixa determinada da
atividade do ente federativo o que não exclui o poder legiferante de dispor
ex novo sobre a mesma matéria.
10.5. ações de defesa dos interesses do portador de deficiência

a seguir, um pequeno rol, não exaustivo, das ações de defesa do inateresse


do portador de deficiência, reiterando que não importa a "ação", mias o
conteúdo do direito ou da res in judicio deducta:
a) habeas corpus (cf, art. 5°, lxviii, cpp, art. 647 e segs.);
b) habeas data (cf, art. 5°, lxxii, em que só há legitimação ordi:nária);
c) mandado de segurança individual (cf, art. 5°, lxix, lei n° 1.533/51, só para
a defesa do interesse individual);
d) mandado de segurança coletivo (cf, art. 5°, lxx, a despeito do nome, serve
também para a defesa de interesses difusos, além dos coletivos, para o qual
há a legitimação extraordinária da associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, na defesa dos interesses
institucionais);
e) mandado de injunção (cf, art. 5°, lxxi, tanto para a defesa dos interesses
individuais, como coletivos ou difusos, desde que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade e à cidadania,
esta, justamente, o conteúdo do direito do portador de deficiência);
f) ação popular (cf, art. 5°, lxxiii, lei n° 4.717/65, para a qual está legitimado
extraordinariamente cidadão, isto é, o inscrito como eleitor, inclusive na
defesa do património público ou da moralidade administrativa); g) ação civil
pública (leis n° 7.347/85 e 7.853/89);
h) ações de procedimento comum (ordinárias, sumárias e as sumaríssimas,
ou reclamações individuais junto ao juizado especial (constituição, art. 98, i,
lei n° 9.099/95);
i) ações especiais, tanto aquelas previstas no código de processo civil (como
a ação de consignação em pagamento) como na legislação extravagante,
como, por exemplo, a ação mandamental do art. 212 § 2° do estatuto da
criança e do adolescente.
10.6. direito de informação do interessado
certamente não ignorando os padrões culturais nacionais, muitas vezes a
emprestar o vezo de segredo a assuntos que exigem a mais ampla
transparência, os §§ 1° a 4° do art. 3° da lei n. 7.853/89 longamente dispõem
sobre os meios de instrução dos processos de defesa dos interesses coletivos
e difusos dos portadores de deficiência, onde se extraem normas que, pelo
patamar legislativo, se mostram absolutamente desnecessárias em face dos
vigorosos comandos constitucionais que se vêem no art. 5°:
xxxiii - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no
prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo
seja imprescindível à segurança da sociedade e do estado;
xxxiv - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal.
o § 3° declara que "somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá
ser negada certidão ou informação", hipótese em que, como está no
parágrafo posterior, a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles
documentos, cabendo ao juiz requisitá-los, como, aliás, está no art. 399 da
lei processual civil.
o direito de informação tem, assim, limitações, tanto do ponto de vista da
legitimação do requerente, quando do ponto de vista objetivo, pois seu
conteúdo não abrange o sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do
estado (cf, art. 5°, xxxiii) e a intimidade, a vida privada e a honra de cada
pessoa (cf, art. 5°, x).

10.7. subsidiariedade do código de processo civil

há uma gradação da subsidiariedade - sem, evidentemente, se desprezar a


supremacia das normas constitucionais - em tema das ações de defesa dos
interesses difusos e coletivos do portador de deficiência:
a- em face da similaridade das disposições sobre as ações coletivas, socorra-
se o intérprete, em primeiro lugar, das regras da lei n° 7.347/85;
b - a seguir, em face do disposto no art. 21 da lei n. 7.347/85, do contido no
título iii da lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o código de
defesa do consumidor;
c - finalmente, em caso de lacuna, aplicam-se as regras do código de
processo civil.

aspectos administrativos da proteÇÃo e


integraÇÃo das pessoas
portadoras de deficiÊncia
diogo de figueiredo moreira neto

procurador do estado do rio de janeiro. professor titular da universidade


cândido mendes.
1. fundamentos constitucionais

1.1. a assistência social como atividade administrativa pública

as sociedades humanas enfrentam imemorialmente os angustiantes


problemas suscitados pelas desigualdades entre as pessoas, por vezes tão
graves que incapacitam algumas de satisfazer, ainda que minimamente, suas
necessidades vitais.
as soluções históricas variaram, distinguindo-se, simplificadamente, três
etapas, nesse longo processo civilizatório.
a primeira caracterizou-se pela ação individual, que era casual, dispersa, de
baixa eficiência e movida pela caridade dos indivíduos mais compadecidos.
ainda assim, essa etapa levaria milênios de evolução para ser ultrapassada e
a humanidade passar a uma segunda experiência, caracterizada pela ação
coletiva, esta, já institucionalizada, permanente, com maior eficiência e
movida pela solidariedade dos grupos mais conscientes e mais sensíveis,
geralmente prestada através de instituições privadas, a maior parte delas,
religiosas.
mas essa nova etapa logo seria superada sob as pressões sociais geradas pela
primeira revolução industrial, assomando a consciência de que a eficiência
das ações conduzidas para eliminar ou reduzir as desigualdades iniciais e
para combater velhos preconceitos, dependiam mais do que da solidariedade,
demandando planejamento, coordenação e até uma certa dose de coerção,
características da ação pública, próprias da instituição estatal.
assim é que a passagem, da ainda limitada, embora meritória, fase da
caridade solidária privada, à moderna atividade de assistência social,
sistemicamente estruturada, como um dever do estado compartilhado com a
sociedade, foi a derradeira e auspiciosa etapa vencida no rumo do
aperfeiçoamento moral e funcional das sociedades contemporâneas, dando
surgimento a legislações e a atividades administrativas públicas voltadas ao
atendimento das pessoas hipossuficientes.
embora muito varie, de país a país e de época a época, o que se possa
entender como o mínimo de amparo devido pelo poder público e de
contrapartidas da sociedade, e quais as categorias de pessoas devam ser
atendidas, há um nítido núcleo de carências consideradas com certa
regularidade, como as que se referem à peculiar situação dos seres humanos
na infância, na adolescência, na maternidade, na velhice, no desemprego, na
situação dos egressos de penitenciárias e, aqui chegamos ao tema central
deste breve ensaio, das pessoas portadoras de deficiência.
1.2. o estado brasileiro e o problema assistencial

o estado brasileiro passou a incluir políticas públicas, editando normas sobre


assistência social, como mandamentos constitucionais, a partir de 1934,
época em que já se havia difundido a consciência da necessidade de
conduzir-se uma atuação solidária, coordenada e racionalizada, do estado e
da sociedade, para minorar certas dificuldades extraordinárias, que impedem
as pessoas de prover adequadamente a todas as suas normais necessidades
convivenciais, notadamente as essenciais a uma existência digna e valiosa.
tornou-se, assim, a assistência social, de início, ainda integrada à previdência
social, mas, a partir da constituição de 1988, dela totalmente destacada, uma
atividade administrativa pública, inserida na seguridade social, lado a lado às
suas congêneres, a saúde e a, já referida, previdência social.
coerentemente, a constituição de 1988 tratou, assim, da assistência social, no
título viii-da ordem social, para o qual se propôs, como base, "o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais" (art. 193), em seu
capítulo ii-da seguridade social, entre "o conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes públicos e da sociedade" (art. 194), na sua seção iv-da
assistência social, que abrange ações "de proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice" (art. 203, 1); de amparo às crianças e
adolescentes carentes (art. 201, ii); de "promoção da integração ao mercado
de trabalho" (art. 201, ii); de "habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiências físicas e promoção de sua integração à vida
comunitária" (art. 201, iv) e de "garantia de um salário mínimo de benefício
à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei" (art. 201, v).

1.3. princípios e objetivos constitucionais atinentes à atividade


administrativa pública de assistência social das pessoas portadoras de
deficiência

o princípio fundamental, que norteia todas as atividades no campo do


ordenamento social do estado, é a igualdade, orientada a reduzir ou eliminar
as diferenças de oportunidade entre as pessoas.
todos os seres são diferentes, mas a vida em sociedade faz com que algumas
diferenças negativas, porque são redutoras da capacidade física ou mental de
quem as tem, dificultem ou impeçam que certas pessoas desfrutem uma
existência condigna, ou, até mesmo, tenham acesso ao essencial para
sobreviverem.
são essas as deficiências que devem ser compensadas por ações solidárias e
acompanhadas de medidas destinadas a evitar que, ainda, sobre os agravos
do infortúnio de seus portadores, somem-se as baldas do preconceito e da
discriminação.
as pessoas portadoras de deficiências são, assim, beneficiárias da aplicação
do princípio da igualdade, tomado em sua mais nobre expressão
constitucional fundamental, que é o principio da dignidade humana (art. 1°,
i1i), e, por isso, dos objetivos fundamentais, de construir uma sociedade
solidária (art. 3°,1) e de promover o bem de todos sem preconceitos e
quaisquer outras formas de discriminação (art. 3°, iv).
sobre essa densa e dignificante principiologia fundamental, o legislador
constitucional ergue os princípios gerais da seguridade social, dos quais se
destacam: o princípio da generalidade (art. 194, parágrafo único, i) e o
princípio da participação (art. 194, parágrafo único, vii).
especificamente, quanto à assistência social devida a pessoas portadoras de
defciência, destacam-se dois princípios setoriais: o princípio protetivo,
voltado ao suprimento das carências dos assistidos, de modo a reequilibrar a
igualdade de oportunidades, pela "habilitação e reabilitação" (art. 203, iv), e
o princípio integrativo, dirigido à promoção da reincorporação dos assistidos
à vida social plena, pela "integração à vida comunitária" (art. 203, iv, in
fine); ambos inseridos entre outros princípios e objetivos correlatos,
relativos a todos os demais beneficiários de ações assistenciais.

1.4. preceitos indicativos de atividades administrativas públicas referentes às


pessoas portadoras de deficiência

a constituição, além desse denso travejamento da atividade de ordenamento


social no campo da assistência social e, especificamente, da que é devida às
pessoas portadoras de deficiência, não deixa apenas por conta do legislador
ordinário a preceituação de ações administrativas públicas que, assim, por
virem expressadas na mais alta hierarquia normativa, correspondem a
direitos constitucionais em favor dos eventuais beneficiários.
também aqui, pode-se distinguir os preceitos protetivos, ou
predominantemente protetivos, dos preceitos integrativos, ou
predominantemente integrativos.
1.4.1. preceitos protetivos
a proibição de discriminação no trabalho, no tocante a salários e critérios de
admissão de pessoas portadoras de deficiência fisica (art. 7°, xxxi), é um
preceito que gera não apenas um direito de natureza trabalhista, diretamente
oponível ao empregador que o violar, mas de natureza administrativa, face à
união, de manter a fiscalização do trabalho atenta e vigilante no tocante à
sua observação.
outra proteção, como direito das pessoas portadoras de deficiência, também
se dirige à união, garantindo sua habilitação e reabilitação específica para
superá-las, tanto quanto possível, segundo o estado de arte da medicina
especializada (art. 203, iv).
finalmente, ainda no nível constitucional, o preceito que determina ao poder
público prestar atendimento educacional especializado a pessoas portadoras
de defciência, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208,111),
atribuindo aos educandos nessa situação, um direito subjetivo público
constitucional de exigi-los.
1.4.2. preceitos integrativos
a constituição erige, também, a dever do estado, a ser cumprido por ações
administrativas, a serem desenvolvidas pelos três níveis federativos, a
assistência integral à saúde da criança e do adolescente portador de
deficiência fisica, sensorial ou mental, mediante programas de prevenção e
de atendimento especializado; a assistência específica, dirigida à integração
social do adolescente portador de deficiência, mediante treinamento para o
trabalho e a convivência, e a assistência genérica, consistente na facilitação
do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e
obstáculos arquitetõnicos (art. 227, § 1°, ii).
o dispositivo constitucional não deixa margem a dúvidas, a partir de sua
densificação preceitual, quanto à sua eficácia plena e aplicabilidade
imediata, oponível, portanto, às entidades públicas e seus delegados,
conforme o caso, até mesmo pelos remédios constitucionais.
no mesmo dispositivo constitucional, há um comando, ao legislador federal
para que, no uso de sua competência para legislar sobre normas gerais de
direito urbanístico (art. 24, i) e de competência privativa para legislar sobre
trânsito e transporte (art. 22, xi), baixe normas sobre a construção dos
logradouros e dos edificios de uso público e de fabricação de veículos de
transporte coletivo, a fim de garantir o acesso adequado às pessoas
portadoras de deficiência (art. 227, § 2°).
esse preceito, que ficou deslocado, no capítulo dedicado à família, à criança,
ao adolescente e ao idoso, se reitera, afinal, nas disposições constitucionais
gerais, com maior amplitude, pois determina a adaptação de logradouros,
edifïcios e veículos de transporte coletivo (art. 244).
1.5. os preceitos definitórios de competências referidas às
atividades administrativas públicas

as competências legislativas relativas às pessoas portadoras de deficiência


são explícitas para a união: a competência é privativa, no que toca aos
aspectos civis, penais, do trabalho (art. 22, i) e trânsito (art. 22, xi), e
concorrente, para legislar sobre direito urbanístico (art. 24,1) e,
especificamente, para dispor sobre proteção e integração social das pessoas
portadoras de deficiência (art. 24, xiv).
as competências administrativas são comuns, ou seja, todas as entidades
estatais têm o dever de proteger e de garantir as pessoas portadoras de
deficiência (art. 23,11, in fine).
este preceito torna mandatório que os poderes públicos dêem cumprimento,
no que lhes couber, às normas preceituais de assistência, de caráter protetivo,
constitucionais e infraconstitucionais.

2. legislaÇÃo infraconstitucional assistencial dirigida as pessoas portadoras


de deficiÊncia

2.1. resenha da legislação infraconstitucional

toda legislação assistencial vigorante para a proteção e integração de pessoas


portadoras de deficiência foi editada sob a vigência da constituição de 1988.
são 3 leis específicas sobre as pessoas portadoras de deficiência e 3 leis
gerais, em que são encontrados dispositivos de proteção ou de integração.
em ordem cronológica, é a seguinte a legislação infraconstitucional relevante
sobre a matéria: lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989; lei n° 8.112, de 11
de dezembro de 1990; lei n° 8.883, de 8 de junho de 1994; lei n° 8.899, de
29 de junho de 1994; lei n° 9.533, de 10 de dezembro de 1997 e lei n° 9.867,
de 10 de novembro de 1999.
nessas seis leis, há um relativo equilíbrio entre normas de inspiração
protetiva e normas de inspiração integrativa, sendo comum as de natureza
mista, embora com prevalência de um ou do outro princípio informativo.
2.2. apreciação geral da legislação infraconstitucional

segue-se, na ordem acima exposta.


1° - lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989
trata-se de uma lei específica, dispondo sobre o apoio às pessoas portadoras
de deficiência e sua integração social, sobre a coordenadoria nacional para
integração da pessoa portadora de deficiência - corde; sobre a tutela
jusrisdicional de interesses difusos dessas pessoas; sobre a atuação do
ministério público; sobre crimes e sobre outras providências, todas, com
ênfase no princípio integrativo, mas sem descurar de atendimento ao
princípio protetivo.
essa lei havia sido regulamentada pelo decreto n° 914, de 6 de setembro de
1993, veio a ser posteriormente revogado pelo decreto n° 3.298, de 20 de
dezembro de 1999, que está atualmente em vigor.
este decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, define, entre outras
providências, a nomenclatura especial para o setor, os princípios operativos,
as diretrizes, os objetivos e os instrumentos administrativos da política
nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, sendo dois, no
campo do fomento público, um, no do ordenamento social, e um, no do
poder de polícia (dec. cit., art. 8°,11, 111, iv e v).
2° - lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990
esta é uma lei geral, que dispõe sobre regime estatutário de servidores da
união, na qual se encontram preceitos protetivos a pessoas portadoras de
deficiência, assegurando o direito de inscrição em concurso público para
provimento de cargo, cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência
de que são portadoras tais pessoas, reservando-lhes até 20% (vinte por
cento) das vagas oferecidas (art. 5°, § 2°).
3° - lei n° 8.883, de 8 de junho de 1994
outra lei geral, que altera a sistemática das licitações e contratações públicas,
na qual há previsão de norma protetiva, pela dispensa de licitação para a
contratação de associação de portadores de deficiência física, que não tenha
fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da
administração pública, para prestação de serviços ou fornecimento de mão-
de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no
mercado (art. 1 ° da lei citada, que altera o art. 24, xx da lei n° 8.666, de 21
de junho de 1993).
4° - lei n° 8.899, de 29 de junho de 1994
novamente, uma lei específica que, inspirada no princípio protetivo, concede
passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte
coletivo interestadual.
5° - lei n° 9.533, de 10 de dezembro de 1997
ainda uma lei geral, também com inspiração protetiva, que dispõe sobre o
apoio financeiro a municípios que instituírem programas de renda mínima
associados a ações socioeducativas (art. 1°), podendo ser computados, como
participação do município e do estado no financiamento do programa
grama, os recursos municipais e estaduais destinados à assistência
socioeducativa em horário complementar ao da freqüência no ensino
fundamental, para os filhos e dependentes das famílias beneficiárias,
inclusive portadores de deficiência (art. 3°), comprovadas, pelos
responsáveis, a matrícula e a freqüência de todos os seus dependentes, entre
sete e quatorze anos, em escola pública ou programas de educação especial
(art. 5°,111).
essa lei foi regulamentada pelo decreto n° 3.117, de 13 de julho de 1999,
disciplinando o seu instrumento de ação, que é o convênio, a ser firmado
entre o fundo nacional de desenvolvimento da educação fnde, autarquia
vinculada ao ministério da educação, o município interessado e, se o caso, o
estado de que faz parte.
6° - lei n° 9.867, de 10 de novembro de 1999
esta é uma lei específica, que trata do novo instituto das cooperativas sociais,
visando à integração social das pessoas portadoras de deficiência, com a
finalidade de inserir essas pessoas em desvantagem no mercado econômico,
tratando-se, portanto, de lei de caráter integrativo.
a cooperativa social, embora um instrumento recente, é adequadamente
talhado para proporcionar, simultaneamente, a auto-ajuda das pessoas
portadoras de deficiência, que são estimuladas a se associar em cooperativas,
e a inserção no mercado, em condições vantajosas, ainda porque o
cooperativismo já goza de incentivos próprios, a começar da própria
constituição (art. 5°, xviii e 174, § 2°).
2.3. normas específicas de proteção
além das indicações acima feitas, em nível constitucional (item 1) e
infraconstitucional (item 2), devem ser destacadas, na legislação indicada,
algumas normas protetivas, por sua importância para a plena realização dos
princípios assistenciais examinados
com a lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, que, como se expôs, é uma lei
específica, destinada a dar apoio às pessoas portadoras de deficiência, bem
como a atuar para sua integração social, objetiva-se garantir às pessoas
portadoras de deficiência as ações governamentais devidas (art. 1°, § 2°) em
cinco áreas: na área da educação, na área da sáude, na área de formação
profissional e do trabalho, na área de recursos humanos e na área das
edificações.
na área da educação, há quatro regras protetivas, que exigem ações
administrativas públicas e geram correlatos direitos subjetivos públicos para
as pessoas portadoras de deficiência. a) a inclusão da modalidade educativa
própria (art. 2°, parágrafo único, i, a);

b) a inserção de escolas especiais, que deverão ser públicas à falta de escolas


privadas (art. 2°, parágrafo único, 1, b e c); e
c) o oferecimento obrigatório de programas de educação especial em nível
pré-escolar, em unidades hospitalares ou congêneres nas quais estejam
internados, por prazo igual ou superior a um ano, educandos portadores de
deficiência (art. 2°, parágrafo único,i, c).

na área da saúde, há três regras protetivas:

a) o desenvolvimento de programas especiais de prevenção de acidente do


trabalho e de trânsito, e de tratamento adequado às suas vítimas (art. 2°,
parágrafo único, ii, b);

b) a criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e


habilitação (art. 2°, parágrafo único, ii, c); e

c) a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não


internado (art. 2°, parágrafo único, ii, b, e).

na área da formação profissional e do trabalho, há duas regras protetivas sob


forma de duas correlatas recomendações:

a de empenho do poder público para fomentar as oportunidades de emprego,


mesmo de tempo parcial, adequado às pessoas portadoras de deficiência que
não tenham acesso aos empregos comuns (art. 2°, parágrafo único, iii, b); e

b) a de adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado,


nas entidades da administração pública e do setor privado, em favor das
pessoas portadoras de deficiência, e a regulamentação da organização de
oficinas e congêneres, integradas ao mercado de trabalho, e a situação que
nelas devem ter as pessoas portadoras de deficiência (art. 2°, parágrafo
único, iii, d).
na área de recursos humanos, há três regras protetivas:
a) a formação de professores de ensino médio para a educação especial, de
técnicos de ensino médio especializados na habilitação e reabilitação, e de
instrutores para formação profissional (art. 2°, parágrafo único, iv, a);
b) a formação e a qualificação de recursos humanos que, nas diversas áreas
de conhecimento, inclusive de nível superior, atendam à demanda e às
necessidades reais das pessoas portadoras de deficiência (art. 2°, parágrafo
único, iv, b); e
c) o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, em todas as
áreas do conhecimento, relacionadas às pessoas portadoras de deficiência
(art. 2°, parágrafo único, iv, c).

2.4. normas específicas de integração


do mesmo modo, além das indicações acima feitas, em nível constitucional
(item 1) e infraconstitucional (item 2), devem ser destacadas, por sua
importância para a plena realização dos princípios assistenciais examinados,
certas normas de natureza integrativa, na legislação arrolada.
assim, na referida lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, que, como já se
expôs, é uma lei específica, objetiva-se garantir às pessoas portadoras de
deficiência, as ações governamentais devidas (art. 1°, § 2°), para que
desfrutem, ao máximo, seus direitos básicos de cidadãos e de membros da
comunidade, discriminando, também, importantes ações nas mesmas cinco
áreas: na da educação, na da sáude, na da formação profissional e do
trabalho, na de recursos humanos e na das edificações.
na área da educação, há duas regras integrativas, que exigem ações
administrativas públicas e geram correlatos direitos subjetivos públicos para
as pessoas portadoras de deficiência:

a) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios


conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar. merenda
escolar e bolsas de estudo (art. 2°,i, e) e

b) a matrícula compulsória, em cursos regulares de estabelecimentos


públicos e particulares, de pessoas portadoras de deficiência capazes de se
integrarem no sistema regular de ensino (art. 2°, i,f).

na área da saúde, há três regras integrativas:


a) a promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento
familiar, ao aconselhamento genético, ao acompanhamento da gravidez, do
parto e do puerpério, à nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao
controle da gestante e do feto de alto risco, à imunização, às doenças do
metabolismo e do seu diagnóstico e ao encaminhamento precoce de outras
doenças causadoras de deficiências (art. 2°, ii, a);
b) a garantia de acesso das pessoas portadoras de deficiência aos
estabelecimentos de saúde pública públicos e privados, e de seu adequado
tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados (art.
2°, ii, d); e
c) o desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas
portadoras de deficiência, executados com a participação da sociedade, que
lhes ensejem a integração social (art. 2°, ii, f).

na área da formação profissional e do trabalho, há duas regras integrativas,


sob forma de duas recomendações:
a) o apoio governamental á formação profissional, e a garantia de acesso aos
serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação
profissional (art. 2°, iii, a); e
b) a promoção de ações eficazes, que propiciem a inserção, nos setores
públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência (art. 2°, iii, c).
finalmente, na área de edificações, há uma regra integrativa, que determina a
efetiva execução de normas que garantam a funcionalidade das edificações e
vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas portadoras de
deficiência, e que permitam o acesso destas a edificios, a logradouros e a
meios de transporte (art. 2°, v, a).
3.conclusÕes

3•1. princípios instrumentais da cidadania: publicidade e eficiência


É extremamente importante, para que todas essas normas logrem
efetividade) que dois princípios instrumentais sejam, de um lado,
rigorosamente mente observados pelo poder público, enquanto
administrador e, portanto, executor necessário das ações administrativas, de
todos os tipos referidos e em todos os níveis federativos, por si sós ou com a
participação da sociedade, e, de outro lado, sejam também permanentemente
considerados pelas pessoas portadoras de deficiência, que são as
beneficiárias e diretamente interessadas no cumprimento das normas de
proteção e de integração: a publicidade e a eficiência.
quanto à publicidade, se o direito é, por definição, um sistema de normas de
conduta social gerais, abstratas e previamente conhecidas, indica-se que a
publicidade é, por extensão e do mesmo modo, um requisito lógico da
atividade de administração pública, uma vez que ela é a execução de oficio
do direito pelo estado, o que realiza praticando quaisquer outros atos,
abstratos ou concretos.
resta claro que, apenas contando-se com uma adequada divulgação de tais
atos, se poderá deles ter ciência, como condição de se determinar se
obedeceram ao que em abstrato para eles se prescreveu para, finalmente,
submetê-los a controle.
por isso, no direito público e no administrativo, em particular, a publicidade
assoma como o mais importante princípio instrumental, realmente
indispensável para a sindicabilidade da legalidade, da legitimidade e da
moralidade da ação do poder público, pois será pela transparência dos seus
atos, ou, como mais adequadamente expressado, por sua visibilidade, que se
tornará possível constatar a sua conformidade ou desconformidade com a
ordem jurídica e, em conseqüência, serem exercidas as várias modalidades
de controle nela previstos.
sob outro aspecto, a publicidade, no direito público, constitui-se também
como um direito fundamental do administrado, extensivo às entidades de sua
criação, uma vez que, sem ela, tornar-se-ia impossível controlar a ação
estatal, e, em última análise, seria uma falácia, a sustentação dos direitos
fundamentais e do próprio estado de direito.
quanto à eficiência, recém introduzida por emenda, como princípio da ação
administrativa pública, em 1998, no texto da constituição, acrescentado ao
rol de princípios explícitos do art. 37, caput, este novo princípio substantivo
resultou da convergência de duas linhas de desenvolvimento.
de um lado, o conceito de eficiência foi elaborado fora da ciência do direito,
a partir da revolução industrial, quando começou a ser definido como a
relação entre um produto útil e aquele teoricamente possível, com os meios
empregados, daí passando a economia, onde se aproximou e, até certo ponto,
se confundiu com o conceito de produtividade, ou seja, de uma relação
mensurável ou estimável entre produto e insumos, daí chegando à sua
aplicação à administração privada e à pública. de outro lado, destaca-se outra
diferente origem nos estudos jurídicos doutrinários de vanguarda,
desenvolvidos desde meados do século xx por juristas do porte de raffaele
resta e de guido falzone, no sentido de superar o conceito de poder-dever de
administrar, como então era afirmado pela administração burocrática,
empenhada apenas em lograr a eficácia, para estabelecer, como um passo
evolutivo adiante, o dever da boa administração, o que passou a ser
respaldado pelos novos conceitos gerenciais, voltados à eficiência da ação
administrativa pública.
realmente, com o desenvolvimento dos conceitos da administração pública
gerencial, que revelam, por sinal, grande influência do pragmatismo do
direito público anglo-saxônico, passou-se a reconhecer não ser o bastante, a
prática de atos que, simplesmente, estejam aptos a produzir os resultados
juridicamente dele esperados, o que atenderia apenas ao conceito clássico de
eficácia.
exigiu-se mais, que esses atos deveriam ser praticados com tais qualidades
intrínsecas de excelência, que possibilitassem lograr o melhor atendimento
possível das finalidades para ele previstas em lei.
essas exigíveis qualidades intrínsecas de excelência haverão, por certo, de
ser diversificadas e numerosas, tornando-se, assim, imprescindível, tê-las
definidas através de parâmetros objetivos, previamente fixados, destinados à
aferição dos resultados alcançados pela ação administrativa.
esses parâmetros tanto poderão ser estabelecidos pela lei, como pelo ato
administrativo, como pelo contrato administrativo ou como pelo ato
administrativo complexo, tudo sob critérios de tempo, de recursos utilizados,
de generalidade do atendimento ou de respostas de usuários (f'eed-back),
tendo, porém, sempre em linha de conta, que o conceito jurídico de
eficiência jamais poderá ser subjetivo, pois, de outro modo, chegar-se-ia ao
arbítrio no controle.
entendida, assim, a eficiência, como a melhor realização possível da gestão
dos interesses públicos, em termos de plena satisfação dos administrados,
com os menores custos para a sociedade, ela se apresentará, na ação
administrativa pública, simultaneamente, de três modos: como um atributo
técnico da gestão, como uma exigência ética a ser atendida, no sentido
weberiano de resultados, e como uma característica jurídica exigível, de boa
administração dos interesses públicos.
mais importante, porém, para que as pessoas portadoras de deficiência o
tenham sempre presente, é que, esse princípio, embora já conhecido e
observado no âmbito privado, nas normas de proteção do consumidor, e
doutrinariamente reconhecido nas obras dos administrativistas mais recentes,
tes, é que, uma vez constitucionalmente consagrado, o dever de eficiência do
setor público, como gestor de interesses da sociedade, sempre que possa ser
objetivamente aferível, passou a ser um direito difuso da cidadania.
3.2. a via administrativa
na linha dos princípios instrumentais acima expostos, a vigilância e a
cobrança, por parte dos cidadãos e dos interessados em geral, passa a ser
fundamental, para exigir dos poderes públicos as ações administrativas
previstas.
essa dúplice cobrança, de eficácia e de eficiência, tanto pode ser feita pela
via administrativa como pela via judicial.
na via administrativa, a lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, confere uma
prioridade legal no tratamento dos assuntos relativos às pessoas portadoras
de deficiência (art. 9°, caput), para tanto existindo, no mais alto nível
federal, um órgão de coordenação nacional, o corde (arts. 10 e 11), embora,
lamentavelmente, sua lei de criação não haja disposto sobre os instrumentos
de participação do administrado portador de deficiência, nem de sua
associações, para que lhe fossem levados os problemas, abstratos e
concretos, decorrentes do cumprimento, do mal cumprimento ou do
descumprimento da legislação.
não obstante, essa carência pode e deve ser superada pela aplicação direta do
direito constitucional de petição (art. 5°, xxxiv, a), sempre que houver ensejo
ou necessidade de defender direitos, perante aquele órgão, como, de resto,
perante qualquer outro ente, órgão ou agente público.
3.3. a via judiciária
sem entrar em detalhes quanto ao acesso das pessoas portadoras de
deficiência ao judiciário, que é também uma garantia constitucional
permanente aberta às suas entidades associativas, sempre que houver lesão
ou ameaça de lesão a direito (art. 5°, xxxv), a lei n° 7.853, de 24 de outubro
de 1989, institui, em reforço, a legitimidade do ministério público para
intervir em ações públicas, coletivas ou individuais, em que se discutam
interesses relacionados às deficiências das pessoas (art. 5°), para instaurar,
sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa, fisica
ou jurídica, pública ou particular, certidões, informações, exame ou perícias,
no prazo que assinalar, não inferior a dez dias úteis (art. 6°), e propor ação
civil pública, se estiver convencido de seu cabimento, aplicando-se, a essa
modalidade, os dispositivos da lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985 (art. 7°).
destarte, além da existência de interesses individuais e de interesses
coletivos, há, categorizadamente expressos pelo legislador, interesses difusos
de proteção e de integração das pessoas portadoras de deficiência.
3.4. a via da consciência
nenhuma via, porém, destinada à defesa dos direitos dos administrados
portadores de deficiência, seja ela administrativa ou judicial, poderá ser útil,
sem que exista a disposição de empregá-la.
tudo, portanto, começa com o conhecimento dos direitos e, a partir daí, a
disposição de reverter o quadro de apatia conformada, ainda hoje existente.
esta é a via da consciência: pois é preciso conhecer para atuar, ainda porque
o estado é tão-somente um instrumento da vontade dos cidadãos, despido de
vontade e de ética próprias que o mova.
assim, essa vontade, que está latente nas leis, bem como o conteúdo moral
que as legitima, são atributos do cidadão; e não apenas dos dez por cento
portadores de deficiência, mas, igualmente, dos demais noventa por cento,
que só se elevam e se enobrecem com o engrandecimento e a dignificação de
todos.
direito previdenciÁrio
jorge franklin alves felipe
juiz de direito do estado de minas gerais.

1. seguridade, previdÊncia e assistÊncia social


registramos em nossa previdÊncia social na prÁtica forense:
"a incerteza dos dias futuros, mesmo em face de todos os progressos da
ciência, traz ao homem a preocupação de criar meios que possam vir a
ampará-lo e à sua família, quando lhe ocorrerem certos infortúnios. ninguém
é imune à morte, à doença, à prisão e à velhice. e esses eventos impedem o
homem de, através do trabalho próprio, prover a sua manutenção e a dos
familiares. É imaginando esses acontecimentos que o homem reserva parte
de seus bens e rendas para deles defender-se.
uma das formas usuais de prevenção é o seguro, contrato pelo qual uma das
partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a
indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros previstos no contrato. a
princípio em forma de iniciativa privada, o seguro adquiriu aspecto
predominantemente social e revestiu-se de caráter obrigatório, quando o
estado, reconhecendo a necessidade comum de todos os homens de garantir
uma estabilidade para o futuro, instituiu o seguro social. intervindo na ordem
econômica e social, arrecada contribuições de seus participes e, por ocasião
do infortúnio, os ampara.
o seguro social é realizado no brasil pela autarquia federal instituto nacional
do seguro social.
ao lado do seguro social previdenciário, o estado presta, também, assistência
social em certas circunstâncias (velhice, doença, etc.), em caráter
normalmente geral e de forma voluntária, posto que não retribuiu, nesses
casos, contribuições vertidas.`
falamos de previdência e assistência social. e o que seria a seguridade
social?
a conceituação é complexa. em vários países os conceitos de previdência e
seguridade se identificam. como anotou celso barroso leite:
"recentemente participei no uruguai de uma reunião latino-americana da
associação internacional de seguridade social (aiss), de genebra. o tema era
previdência social, mas quase ninguém falava em "previsión", como seria
mais exato, e sim em "seguridad". talvez isso concorra um pouco para a
complexidade da matéria."
assim, embora muitos se utilizem do conceito de seguridade como sinônimo
de previdência social, a carta constitucional de 1988, em seu art. 194, caput,
considerou a seguridade como o gênero e a previdência como uma de suas
espécies, ao lado da assistência social e da saúde. vejamos o dispositivo
constitucional:
"a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".
não faz muito tempo, no entanto, a legislação previdenciária contemplava a
assistência médica e a renda mensal vitalícia como prestações, as quais,
hoje, fogem ao âmbito de seu sistema.
a previdência social, pública e obrigatória (salvo nos casos do segurado
facultativo), não se confunde com a previdência privada, explorada pelas
entidades abertas e fechadas de previdência e entregues à iniciativa
particular. nestas, o indivíduo participa livremente dos planos
previdenciários de acordo com a sua conveniência.
dentro da previdência social destaca-se, com disciplina diferenciada, a
previdência acidentária, que ampara os casos de acidente de trabalho e
equiparados, e que perdeu substancialmente o interesse, em razão da
uniformidade no tratamento dado, em inúmeras situações, aos trabalhadores
acidentados no trabalho ou não. assim é que, por exemplo, há tempos atrás,
um trabalhador aposentado por invalidez, na previdência acidentária, recebia
o beneficio de acordo com o salário-dia do acidente e ainda fazia jus a um
pecúlio. enquanto isso um outro segurado, não submetido às normas de
acidente do trabalho, não recebia pecúlio e tinha sua renda mensal calculada
de acordo com o salário-de-beneficio, menos vantajoso que o salário-dia do
acidente. após gradativa melhoria nos beneficios não acidentários e redução
das vantagens antes concedidas ao trabalhador acidentado, a aposentadoria
por invalidez , hoje, é igualem ambas as situações: 100% do salário-de-
beneficio, sem direito a pecúlio. não há falar-se em carência em nenhuma
das duas modalidades de aposentadoria: previdenciária ou acidentária por
invalidez.
mas vamos à assistência social. há décadas já pontificava armando de
oliveira assis:
"por seguro social, ou previdência social, devemos entender um sistema de
proteção mediante o qual as pessoas amparadas adquirem certos direitos
(prestações ou beneficios) em troca de certos deveres (pagamento de
contribuições). e por assistência social, também às vezes denominada
assistência pública, devemos entender aquela série de medidas que os
governos costumam adotar em favor dos necessitados, sem, porém, que haja
da parte destes qualquer direito a exigir tais medidas; especificamente, nada
pagam estes para usufruírem dos beneficios da assistência social, que só são
outorgados pelos governos na medida dos recursos disponíveis."
a lei n° 8.742/93(lei orgânica da assistência social), em seu art. 1°, define
assistência social como sendo
"direito do cidadão e dever do estado, é política de seguridade social não
contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
atendimento às necessidades básicas". do dispositivo legal extrai-se, sem
maiores dificuldades, que a assistência social:
1 - não é contributiva, como ocorre no regime previdenciário, que visa a
retribuir, em beneficios, contribuições que o segurado verteu ao sistema;
2 - a assistência provê os mínimos sociais, como, na espécie, o amparo aos
deficientes e idosos, a fim de que não vivam na mendicância;
3 - objetiva atender a necessidades básicas, essenciais à existência digna.
os princípios que orientam o aplicador da lei na previdência social não são,
necessariamente, os mesmos a inspirá-lo nas normas relativas à assistência
social. não obstante tenha, a primeira, também o propósito de amparar, parte
a previdência de um sistema contributivo, em que o efetivo pagamento das
contribuições é imprescindível à sobrevivência do próprio regime. daí,
embora a lei previdenciária deva ser aplicada de acordo com os fins a que se
dirige e, dentre eles, o de amparar, certo é que os recursos previdenciários
são fruto do pagamento de inúmeras pessoas que, por certo, mais tarde
também terão direitos a exercer. na assistência social o estado cumpre o seu
dever de amparar os mais necessitados e, pois, a interpretação deve ser
muito elástica ou liberal. pensamos, assim, que o princípio do in dúbio pro
mísero deve ser invocado nos casos previstos na lei de assistência social,
tendo sua aplicação restrições na área previdenciária.
de qualquer forma, tanto para uma, quanto para outra, parece atual o
prejulgado ministerial n° 1, baixado pela portaria mpas n° 3.286, de 27 de
setembro de 1973:
"constituindo uma das finalidades primordiais da previdência social
assegurar os meios indispensáveis de manutenção do segurado, nos casos
legalmente previstos, deve resultar, sempre que ele venha a implementar as
condições para adquirir o direito a um ou outro beneficio, na aplicação do
dispositivo mais benéfico e na obrigatoriedade de o instituto segurador
orientá-lo, nesse sentido".
2. polÍtica nacional de amparo ao deficiente

a assistência social é dever do estado.


o estado, no exercício do seu poder de soberania, cobra impostos, institui
taxas e exerce o seu poder de polícia, inclusive com a exigência de multas.
impõe condutas aos cidadãos através das leis que edita.
assume, em decorrência, também, o papel de intervir na ordem econômica e
social, nesta última, para tutelar aqueles que carecem do seu amparo.
voltar-se, assim, para a criança, os enfermos, os idosos, os deficientes, não é
favor nenhum do ente estatal. É dever, previsto no texto constitucional e
disciplinado a nível de legislação ordinária.
reconheça-se, contudo, que muitos desses deveres não saem do campo
filosófico, à falta de norma específica a regulamentá-los. são comuns os
comandos ao legislador para que faça alguma coisa. o tempo passa e nada de
concreto se realiza.
a constituição federal de 1988 assegura inúmeros direitos em prol dos
deficientes fisicos e mentais, não apenas no objetivo de ampará-los, quando
necessário, mas também no de permitir-lhes o pleno exercício de seus
direitos e da cidadania. assim é que, sinteticamente os deficientes:
1 - não podem ser discriminados no tocante a salário e critérios de admissão
(c.f., art. 7°, inciso xxxi);
2 - quando comprovem não possuir meios de prover a sua manutenção ou de
tê-la provida por sua família, têm a garantia de um salário mínimo mensal
(art. 203,v);
3 - têm direito a reserva de percentual de cargos e empregos (art. 37, viii);
4 - têm direito, na forma do que a lei dispuser, à adaptação de logradouros
públicos e veículos de transporte coletivo (art. 244).
dispõe o art. 2°, caput, da lei n° 7.853/89:
"ao poder público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de
deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à
educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à
infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da constituição e das
leis, propiciem bem-estar pessoal, social e econômico. recentemente foi
editada a lei n° 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelecendo normas
gerais e critérios básicos para a promoção de pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida. em seu art. 1°, caput, a referida lei
bem define o que busca disciplinar:
"esta lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e
espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edificios
e nos meios de transporte e de comunicação."

3. amparo assistencial: o benefÍcio mensal de


prestaÇÃo continuada
3.1. considerações gerais
aos deficientes devem ser dadas oportunidades de integração no trabalho,
através de oportunidades de emprego. quantas pessoas deficientes
conquistam o merecido espaço à mercê de seu preparo, cultura e
especialmente força interior e vontade de vencer. há até os que se destacam
em caráter extraordinário. muitos, no entanto, em razão do grau da
deficiência, não podem exercer atividade produtiva, ao mesmo tempo em
que não dispõem de outra forma de manutenção. a esses se destina uma
renda mensal, paga pela união, objetivando preservar-lhes a existência
digna, satisfazendo, no mínimo, as suas necessidades básicas. nesse sentido,
o art. 20 da lei n° 8.742/93 assegura aos idosos e deficientes o beneficio
mensal de prestação continuada, corresponde ao salário mínimo. É essa a
disposição legal:
"o beneficio de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos
ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção e nem de tê-la provida por sua família."
o limite de idade foi reduzido para 67 anos.
o comentário ao dispositivo legal é feito desdobradamente, a seguir. quanto
ao valor do beneficio, que tem sede constitucional, a matéria dispensa
maiores considerações ante a sua clareza.
3.2. a extinta renda mensal vitalícia
o amparo estatal às pessoas portadoras de deficiência não é recente. antes
mesmo da constituição federal e da lei n° 8.742/93, o direito brasileiro
conhecia o beneficio da renda mensal vitalícia, instituída pela lei n° 6.179,
de 11 de dezembro de 1974, e cujo art. 1° prescrevia:
"os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente
incapacitados para o trabalho que, num ou noutro caso, não exerçam
atividade remunerada, não aufiram rendimento, sob qualquer forma, superior
ao da renda mensal fixada no artigo 2°, não sejam mantidos por pessoa de
quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao
próprio sustento, passam a ser amparados pela previdência social, urbana ou
rural, conforme o caso, desde que:
i-tenham sido filiados ao regime do inps, em qualquer época, no mínimo por
12 (doze) meses, consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de
segurado; ou
ii - tenham exercido atividade remunerada atualmente incluída no regime do
inps ou do funrural, mesmo sem filiação à previdência social, no mínimo por
5 (cinco) anos consecutivos ou não; ou, ainda
iii - tenham ingressado no regime do inps após completar 60 (sessenta) anos
de idade, sem direito aos benefícios regulamentares."

o valor do beneficio era, na época, de 50% (cinqüenta por cento) do salário


mínimo (art. 2°, i). a lei n° 8.213/91, em atendimento a preceito
constitucional, segundo o qual nenhum beneficio pode ter valor inferior ao
salário mínimo (art. 201, § 2°), elevou o valor da renda mensal vitalícia,
inclusive aquelas concedidas antes de sua vigência, para 1 (um) salário
mínimo (art. 139, §2°).
vê-se, assim, que a antiga renda mensal vitalícia era um pouco diferente do
atual beneficio de renda mensal de prestação continuada. primeiro, porque,
sem perder a sua natureza assistencial, tinha boa dose de caráter
previdenciário, quando exigia contribuição por determinado tempo à
previdência social ou filiação, ainda que sem ela, o que, para muitos autores,
não lhe dava caráter oneroso, senão tornava um pouco menor o universo dos
beneficiários. a atual lei orgânica da assistência social não cogita, no que faz
bem numa lei assistencial, desse pressuposto. segundo, porque não faz
expressa referência ao deficiente, amparando, sim, o inválido, embora, como
tal, deva ser considerado o deficiente incapacitado para o trabalho. num
particular nos parecia, no entanto, muito melhor a disciplina da renda mensal
vitalícia do que a do atual beneficio mensal de prestação continuada. para a
concessão da renda mensal vitalícia o necessitado não poderia auferir
rendimento superior ao valor dela e nem ter outra fonte de sustento. e
inexistia o complicado critério da renda per capita de'/4 do salário minimo,
previsto na atual lei de assistência social.
a renda mensal vitalícia foi extinta com a implantação do beneficio mensal
de prestação continuada previsto no art. 20 da lei n° 8.742/93.
3.3. conceito de deficiente
tecnicamente deficiente é toda pessoa portadora de determinada deficiência,
fisica ou mental.
para a enciclopédia e dicionário ilustrado koogan /houaiss:
"diz-se de uma pessoa que tem diminuídas as faculdades fisicas ou
intelectuais."
conceito muito bem lançado pode ser extraído da enciclopédia delta
universal:
"as pessoas com incapacidade fisica ou mental são chamadas deficientes.
uma menina cega, um rapaz surdo, um homem que perdeu um braço, uma
criança débil mental - são todos deficientes. necessitam de ajuda especial
para poderem levar uma vida produtiva, feliz.
cerca de uma entre cada sete pessoas em todo o mundo sofre de algum tipo
de incapacidade. É grande o número de deficientes, em nosso país. mas
dentre eles somente cerca de metade têm incapacidades que podem impedi-
los de levar uma vida normal e útil.
com um treinamento especial, até as pessoas que sofrem de uma grave
deficiência podem ter uma vida produtiva. os cegos podem aprender a ler.
pessoas sem pernas podem aprender a andar com membros artificiais.
assim, a sociedade ganha muitos talentos e habilidades pessoais que de outra
forma se perderiam.
os diplomas legais procuram conceituar o deficiente:
art. 20, § 2°, lei n° 8.742/93: "... a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
os /inss n° 562/97, item 1.2: "considera-se pessoa portadora de deficiência
aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de
anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou
adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do
trabalho".
embora disciplinando a fiscalização de reserva de vagas, nas empresas, para
o beneficiário reabilitado ou portador de deficiência habilitada, a ordem de
serviço conjunta n° 90, de 27 de outubro de 1998, expedida pelas diretorias
de arrecadação e fiscalização e do seguro social, do inss, tece amplas
considerações sobre a pessoa do deficiente. considera a referida norma três
formas de deficiência: deficiência fisica, deficiência sensorial auditiva e
visual e deficiência mental, além das deficiências múltiplas. nas deficiências
fisicas estariam as alterações completas ou parciais de um ou mais
segmentos do corpo humano, tendo como conseqüência o comprometimento
da função motora. exemplos: paraplegia, perda total das funções motoras dos
membros inferiores ou amputação, perda total de um determinado segmento
de um membro superior ou inferior. na deficiência sensorial auditiva e visual
estariam os quadros de disacusia e perda ou redução da capacidade de visão
de ambos os olhos, quando não se possa melhorar ou corrigir com uso de
lentes ou tratamento clínico ou cirúrgico. exemplo: portador de cegueira. a
deficiência mental, segundo a mesma norma, refere-se a padrões intelectuais
reduzidos, apresentando comprometimento de nível leve, moderado, severo
ou profundo e inadequação no comportamento adaptativo, tanto maior
quanto o grau do comprometimento (dificuldades cognitivas). e a deficiência
múltipla consiste na concomitância de duas ou mais deficiências na mesma
pessoa.
o conceito de deficiente, pois, é amplo. toda pessoa que tem alguma forma
de deficiência, fisica ou mental, é um deficiente. nem só por isso, no entanto,
será considerado deficiente para o efeito do beneficio da renda mensal de
prestação continuada, pois terá que preencher os demais requisitos previstos
em lei. o beneficio não é propriamente do deficiente, mas daquele quele
incapacitado para a vida independente e para o trabalho. afastam-se, pois, as
situações de deficiência não incapacitante.
a avaliação da deficiência não é tarefa simples. segundo o disposto no § 6°
do art. 20 da lei n° 8.742/93:
"a deficiência será comprovada através de avaliação e laudo expedido por
serviço que conte com equipe multiprofissional do sistema único de saúde -
sus - ou do instituto nacional do seguro social - inss - credenciados para esse
fim pelo conselho municipal de assistência social".
o decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a lei n°
7.853, de 24 de outubro de 1989, em seu art. 3°, defne deficiência,
deficiência permanente e incapacidade. a deficiência consiste em toda perda
ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou
anatõmica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do
padrão considerado normal para o ser humano. a incapacidade consiste numa
redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com
necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para
que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir
informações necessárias ao seu bem-estar e ao desempenho de função ou
atividade a ser exercida. assim, não é todo deficiente que a lei coloca sob sua
tutela especial, mas só aqueles com incapacidade, requisito que, aliás, é
expresso no beneficio da renda mensal de prestação continuada, em cuja
área o decreto não adentrou e no que fez bem. o conceito de deficiência traz
implícita a concepção de incapacidade, no seu conceito regulamentar.
segundo o disposto no art. 4° do mesmo decreto a deficiência pode ser fisica
(exemplo, amputação ou ausência de membro), auditiva (surdez), visual,
mental e múltipla.
3.4. incapacidade para o trabalho
Às pessoas portadoras de deficiência devem ser dadas, em princípio,
oportunidades de trabalho produtivo. não tem sentido tolher com o beneficio
assistencial, a liberdade de iniciativa dos que querem ser alguém, ocupar
com merecimento um lugar ao sol.
o benefício assistencial previsto na lei n° 8.742/93 se destina ao deficiente
incapaz para o trabalho e enquanto nessa condição. Àquele que, pelo
trabalho, não pode prover a própria subsistência. a avaliação da incapacidade
é matéria técnica na área médica. caberá à perícia administrativa verificar,
ante o quadro de deficiência apresentado, a incapacidade laboral, isso é, se o
deficiente faz jus ou não ao beneficio assistencial. É natural que tal perícia
não seja definitiva. em juizo, em ação movida pelo deficiente, caberá ao juiz
nomear perito, que apresentará o seu laudo e suas conclusões. o juiz, no
entanto, não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção
com outros elementos ou fatos constantes dos autos (art. 436, cpc). deve o
juiz, de modo expresso, justificar o não acolhimento da perícia, pois, não
sendo técnico, em princípio deveria acolhê-la. na esfera judicial não há que
se cogitar de prevalência do laudo médico do inss.

3.5. inexistência de outros meios de manutenção


pretende a lei assistencial que o benefício mensal de prestação continuada
seja concedido apenas às pessoas que não disponham de outros meios de
manutenção. É curial. se o deficiente, embora impossibilitado para o
trabalho, dispõe de bens e rendas, como por exemplo, percebe razoáveis
aluguéis de imóvel que possua, não se justifica a concessão de auxílio
pecuniário pelo estado, o que não afasta a obrigação estatal, noutros
aspectos, de promover a sua integração social.
como ensina wladimir novaes martinez:
"o necessitado, diferentemente do segurado, é incapaz de, em condições
normais, prover a si próprio ou a sua família. apela para a assistência social
para subsistir e, principalmente, quando a capacidade mínima desfrutada é
diminuída ou desaparece, ameaçando-o de perecimento."
contudo, além de se aferir a ausência de condições do deficiente, o legislador
recomenda também seja verificada a situação de sua família. a lei é expressa
nesse sentido "nem de tê-la provida por sua família".
o benefício, nos termos da lei, será devido se a família (assim entendido o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da lei n° 8.213/91 e que vivam sob
o mesmo teto), tiver renda mensal per capita inferior a '/4 (um quarto) do
salário mínimo. assim, à letra fria da lei, se a mãe tem em sua companhia um
filho deficiente e recebe pensão igual ao salário mínimo, não poderá o filho
postular o beneficio mensal de prestação continuada. pelo critério legal é
preciso que uma família, que viva com o salário mínimo, tenha pelo menos 5
(cinco) integrantes para que um deles possa perceber o amparo assistencial.
o critério legal é extremamente injusto, complexo e rigoroso, ainda que
atenuado na prática, pelos meios de prova instituídos. uma interpretação ção
menos literal e mais social, no entanto, foi dada ao dispositivo pelo superior
tribunal de justiça. ao que dela se infere a renda per capita inferior a'/4 do
salário mínimo presume objetivamente a necessidade do beneficio, que pode
ser demonstrada de outros modos. merece ser transcrita a ementa da decisão:
"previdenciário. renda mensal vitalícia - cf, art. 203, v. lei n° 8.742/93.
legitimidade do inss. renda familiar inferior a'/4 do salário mínimo.
interpretação conforme a constituição.
1- Órgão responsável pela execução e manutenção dos beneficios de
prestação continuada, é o inss parte legítima para figurar no pólo passivo da
ação buscando o recebimento da renda mensal vitalícia.
2 - a lei n° 8.742/93, art. 20, § 3°, quis apenas definir que a renda familiar
inferior a'/4 do salário mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente
para a subsistência do idoso ou portador de deficiência; tal regra não afasta,
no caso em concreto, outros meios de prova da condição de miserabilidade
da família do necessitado.
3 - recurso não conhecido."
não cogitou o legislador da hipótese do deficiente ter sua manutenção
provida por membro de sua família, que lhe deve alimentos, nos termos da
lei, mas que viva em outra residência. seria a hipótese, por exemplo, de um
deficiente viver com os pais, sem rendimentos, mas tendo o avô abastado,
com condições suficientes de assistir-lhe. esse eventual direito a alimentos
afasta a pretensão ao beneficio mensal de prestação continuada? duas
interpretações se apresentam. uma mais literal, apegada aos termos da lei. se
o parente não vive sob o mesmo teto não pode ser tal circunstância levada
em consideração. não obstante o propósito de amparar entendemos que, em
tal caso, não há direito ao beneficio. quem pode legitimamente pleitear
alimentos de pessoa abastada, como, no exemplo, o avô, não é um
necessitado. É preciso que o necessitado comprove não possuir meios de
prover a sua manutenção e os alimentos prestados por quem os deve
constituem meio de manter o necessitado.
mais ou menos dentre dessa linha de entendimento a decisão, a seguir, do
superior tribunal de justiça:
"constitucional. previdenciÁrio. renda mensal vitalÍcia. requisitos legais.
- ao miserável inválido, sem atividade remunerada e sem meios de prover a
própria manutenção ou tê-la provida por família, é assegurado pela
previdência social o pagamento de uma renda mensal vitalícia, nos termos
do parágrafo único do 139, da lei n° 8.213/.91, até a regulamentação do art.
203, v, da constituição federal.
-não tem direito ao mencionado beneficio quem é mantido sob dependência
do filho e do marido, este beneficiário da previdência social.
- recurso especial não conhecido."
a situação fática, no entanto, deve ser verificada no caso concreto. com
efeito, o simples fato de um dos cônjuges perceber modestos rendimentos de
aposentadoria que, hoje, não podem ser inferior ao salário mínimo, não pode
afastar, só por si, do outro, o direito ao beneficio, de que necessita para
suprir suas necessidades básicas.
decidiu a 2a turma do tribunal regional federal da terceira região:
"não constitui óbice à concessão do beneficio o fato de ser a autora
casada, vez que o valor recebido por seu cônjuge a título de aposentadoria é
insuficiente para a sua própria subsistência.""
não obstante toda essa interpretação restritiva sustentada, é preciso
mencionar que o supremo tribunal federal já decidiu:
"medida cautelar em aÇÃo direta de inconstitu
cionalidade. conceito de "famÍlia incapaz de prover a manutenÇÃo da
pessoa portadora de deficiÊncia ou idosa" dado pelo § 3° do art. 20 da lei
orgÂnica da assistÊncia social (lei n° 8.742, de 07.12.93). para regulamentar
o art. 203, v, da constituiÇÃo federal.
1 - argüição de inconstitucionalidade do § 3° do art. 20 da lei n°
8.742/93, que prevê o limite máximo de 1/4 do salário mínimo de renda
mensal per capita da família para que seja considerada incapaz de prover a
manutenção do idoso e do deficiente fisico, ao argumento de que esvazia ou
inviabiliza o exercício do direito ao beneficio de um salário mínimo
conferido pelo inciso v do art. 203 da constituição.
2 -a concessão da liminar, suspendendo a disposição legal impugnada, faria
com que a norma constitucional voltasse a ter eficácia contida, a qual, por
isto, ficaria novamente dependente de regulamentação legal para ser
aplicada, privando a administração de conceder novos benefícios até o
julgamento final da ação.
3 - o dano decorrente da suspensão cautelar da norma legal é maior do que a
sua manutenção no sistema jurídico.
4 - pedido cautelar indeferido.

3.6. inaplicabilidade das regras sobre benefício

o beneficio de prestação mensal continuada previsto na lei de assistência


social não se confunde com os beneficios previdenciários. assim, não se
aplicam a eles as regras próprias do regime previdenciário. daí se infere, por
exemplo, que o beneficiário não faz jus ao abono anual (art. 17 do decreto n°
1.744/95), somente devido aos segurados da previdência social. como
também não se cogita, para a sua concessão, de carência, pagamento ou
qualquer outro requisito previsto na lei previdenciária. não existe
transformação do beneficio em pensão de dependentes, porque o
beneficiário da lei n° 8.742/93 não comporta dependentes. há normas, no
entanto, que, por sua natureza, podem ser invocadas, como as relativas a
pagamento e garantia de beneficios.
3.7. intransmissibilidade do benefício
essa questão é, na verdade, um simples desdobramento da tratada no item
anterior. se a relação assistencial não é previdenciária, daí conclui-se que o
beneficio não se transfere, em forma de pensão, para eventuais dependentes.
não há que se cogitar de dependentes na estrutura da lei n° 8.742/93. o
beneficio é concedido ao deficiente e, com a sua morte, extinto. a lei é
expressa nesse sentido (art. 21, § 1°).'3 não se pode confundir, no entanto, o
direito ao beneficio, com o direito às parcelas vencidas antes da morte do
beneficiário. se o beneficiário falece, por exemplo, no dia 20 de determinado
mês, seus sucessores fazem jus ao recebimento da importância relativa ao
mês em curso. não há, a nosso ver, que se reverter o valor aos cofres da
previdência, posto que, por força do direito sucessório, o numerário pertence
aos herdeiros. como também não há, a nosso ver, que se efetuar o pagamento
a dependentes, porque não há dependentes no regime da lei n° 8.742/93. a lei
foi omissa, nesse particular, mas o decreto que a regulamentou é expresso no
sentido de que "o beneficio é intransferível, não gerando direito a pensão ou
pagamento de resíduo a herdeiro ou sucessor". a nosso ver é manifesta a
ilegalidade da parte final do dispositivo. se o direito ao resíduo resulta de
normas legais de sucessão não pode ser afastado por dispositivo
regulamentar.
3.8. cumulação com outros benefícios previdenciários
esse requisito, na verdade, decorre da própria regra de que só faz jus à renda
mensal assistencial os deficientes que não disponham de rendimentos
próprios. por isso é expresso o art. 21, § 4°, da lei n° 8.742/93, no sentido de
que o beneficio de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo
beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro
regime, salvo o da assistência médica. desnecessária a referência à
assistência médica, que não é considerada como beneficio, sendo hoje
direito gratuito e universal de todos, no termos do que dispõe o art. 196, da
constituição federal. assim, se o deficiente vier a receber aposentadoria ou
pensão, por exemplo, perderá o direito ao beneficio mensal de prestação
continuada. a hipótese de aposentadoria é factível mas rara, mas a de pensão
facilmente ocorrível.
3.9. o deficiente internado
muitas vezes o deficiente, não tendo família que o acolha, ou, mesmo tendo,
não sendo por essa acolhida, é entregue a estabelecimentos de internação
(hospitais, asilos, sanatórios, etc.). não são poucos os deficientes mentais
nessa condição. por isso, sabiamente, o legislador assegura o direito ao
beneficio mesmo nos casos de estar internado o deficiente. se a deficiência
for física, sem incapacidade para os atos da vida civil, o próprio deficiente
ou seu procurador receberá o beneficio. em se tratando de deficiência mental
incapacitante haverá necessidade de se nomear curador para representá-lo
nos atos da vida civil. e esse curador deverá dar a efetiva assistência ao
deficiente. aqui entra a necessidade de um criterioso exame do magistrado
na nomeação do curador, evitando recaia o encargo em pessoas que,
valendo-se da internação do curatelado, acabem por não administrar bem o
seu dinheiro, tirando proveito da situação. importante nesse particular é a
atuação do serviço de assistência social dos hospitais, que, quando
solicitado, pode levar aos juizes ou aos representantes do ministério público
encarregados dos processos de curatela importantes informações relativas à
atuação dos curadores.
3.10. o menor deficiente
sendo a finalidade do beneficio amparar as pessoas que não podem prover a
subsistência pelo trabalho seria de se indagar se o menor deficiente a ele
faria jus. não vemos razões para afastar do beneficio o menor deficiente, que
carece da mesma assistência que o deficiente maior. no caso avalia-se
potencialmente a sua capacidade para o trabalho. a os/inss n° 562/97 é
expressa ao dispensar limite mínimo de idade (item 111, letra "b"). o art. 27
do decreto n° 1.744 cuida da representação dos menores deficientes, logo,
admitindo sejam titulares do beneficio. portanto, atendidos os pressupostos
legais, o recém-nascido deficiente, em tese, pode ser aquinhoado com o
beneficio. independentemente da orientação administrativa é preciso não se
esquecer de consagrada regra de interpretação jurídica segundo a qual onde a
lei não distinguiu o intérprete não deve fazer a distinção.
3.11. revisão e manutenção do benefício
o beneficio, uma vez concedido está sujeito à permanente revisão e poderá
cessar, segundo dispõe o art. 21, § 1°, da lei n° 8.742/93, se superadas as
condições para a sua concessão. ou seja, houve recuperação da capacidade
de trabalho do deficiente, passou ele a perceber beneficio previdenciário ou
recebeu uma herança. em tais casos, injustificável persistir o beneficio. de
qualquer forma a lei recomenda avaliação do beneficio de dois em dois anos.
3.12. outros benefícios assistenciais
na verdade a lei n° 8.742 /93 contém muitos princípios e recomendações,
mas, no fundo, contempla, basicamente, o beneficio de renda mensal de
prestação continuada que, de outro modo, já existia no direito brasileiro. não
evoluiu, assim, de forma substancial em relação ao direito anterior. mais dois
benefícios, no entanto, são contemplados por essa lei, mas seus destinatários
não são os deficientes, nem os idosos, e, sim, famílias de pequena renda: o
auxílio-funeral e o auxílio-natalidade. esses beneficios não são concedidos
pelo inss e dependem dos conselhos de assistência social dos estados e
municípios. dispõe o art. 22, § 2°, da mesma lei, ainda, que poderão ser
estabelecidos outros beneecios eventuais para atender necessidades advindas
de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, o
idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de
calamidade pública.
3.13. prova dos requisitos previstos na lei
quem vive o dia-a-dia da ciência jurídica sabe que uma coisa é ter o direito;
outra, bem diversa, é possuir meios de comprovar os fatos para prova de
suas alegações.
a pessoa deficiente amparada pela lei é, em princípio, uma pessoa simples. o
decreto n° 1.744 criou, para comprovar a inexistência de atividade
remunerada, uma declaração firmada pelos conselhos de assistência social
dos estados, distrito federal e municípios. admitiu, também a lei que, por
atestado de autoridades locais, essa inexistência de atividade remunerada
possa ser comprovada. assim, declararão o fatos os juízes, promotores, etc.
nenhuma dificuldade existe quando essas autoridades conhecem
pessoalmente o interessado. mas, e quando não o conhecem? a declaração
deverá consignar essa circunstância. o que não é possível é que, por ausência
do conselho local e por não conhecer as autoridades, a pessoa humilde e
simples não possa perceber o beneficio a que tem direito nos termos da lei. o
art. 13 do decreto disciplina a comprovação da renda familiar, especificando
os documentos necessários, mas abre alternativa a que, por declaração da
mesma entidade e pessoas acima relacionadas, também se possa comprovar
a renda mensal per capita da família. de certa forma os meios probatórios
parecem favorecer mais as pessoas bem relacionadas e nem tanto as
carentes.
com a nova redação dada ao § 8° da lei n° 8.742.93 pela lei n° 9.720/98, "a
renda familiar mensal a que se refere o § 3° deverá ser declarada pelo
requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais
procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido".
andou bem o legislador, especialmente quando veio facilitar o exercício da
prova por pessoas efetivamente carentes.

3.14. pluralidade de benefícios na mesma família

cada ser humano é titular de direito próprio. dentro de uma mesma unidade
familiar podem existir várias pessoas portadoras de deficiência. em tese,
todas elas fazem jus ao beneficio. surge, no entanto, o problema da
necessidade. cada beneficiário leva para a unidade familiar a renda de 1(um)
salário mínimo e, assim, acaba por dificultar a concessão do beneficio ao
outro. dispõe sobre a matéria o art. 19 do regulamento:
"o beneficio de prestação continuada será devido a mais de um membro da
mesma família, enquanto for atendido o disposto no inciso 111 do art. 2°
deste regulamento, passando o valor do benefício a compor a renda familiar,
para a concessão do segundo beneficio".
a regra é polêmica e é preciso interpretá-la com boa dose de interesse social,
para não deixar de serem acolhidas legítimas pretensões.
4. amparo previdenciÁrio
4.1. auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez
faremos, nesse particular, apenas breves considerações, sob pena de
transformar o trabalho num curso de direito previdenciário, desviando,
assim, a finalidade da obra.
há beneficios previdenciários que não se destinam de modo específico ao
deficiente, mas podem, perfeitamente, tê-lo como beneficiário. são os
beneficios por invalidez, que podem ser concedidos, pois, ao deficiente
inválido, incapaz para o trabalho.
o auxílio-doença é concedido em razão de incapacidade total temporária
para o trabalho, por mais de 15 dias, nos termos do que dispõe o art, 5 9 da
lei n° 8.213/91. essa incapacidade é aferida por laudo médico da previdência
social, que pode ser revisto em juizo, em ação ajuizada pelo segurado contra
a previdência.
exige carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo se a doença for
uma daquelas referidas no art. 151 da lei n° 8.213/91 ou se a invalidez for
resultante de acidente. nestes casos, a lei dispensa o cumprimento do período
de carência, bastando que a doença tenha sido contraída quando o segurado
ostentava essa condição. não será devido o auxílio-doença se a pessoa já
ingressa na previdência social portadora da enfermidade que vem a ser
invocada como causa para a concessão do beneficio. assim, um segurado
portador da popular ler que ingressar na previdência social não pode, depois,
pretender auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez com base nessa
doença. o que se ressalva é a situação do que ingressa doente, mas com
condições de trabalho e a incapacidade sobrevém do agravamento da
doença.
o valor mensal do beneficio é igual a 91% do salário de beneficio (art. 61, lei
n° 8.213/91), calculado na forma da legislação previdenciária.
assim, enquanto houver a incapacidade permanente e parcial será devido o
auxílio-doença. com o tempo a doença, se não houver cura total, evoluirá
para uma incapacidade permanente, total ou parcial. se total, o segurado fará
jus à aposentadoria por invalidez, sujeita à mesma carência e a sua dispensa
nos mesmos casos do auxílio-doença, com renda mensal igual a 100% do
salário-de-beneficio, calculado na forma da legislação previdenciária (v. arts.
42 e segs. da lei n° 8.213/91). se a incapacidade for permanente, porém
parcial, o beneficio cessará tão logo o segurado esteja em condições de
exercer atividade que lhe garanta a subsistência. não há, na previdência
comum, nenhum beneficio que contemple a incapacidade parcial e
permanente para o trabalho. essa incapacidade parcial e permanente,
contudo, se a situação houver sido decorrente de acidente do trabalho,
doença do trabalho ou profissional, ensejará ao segurado o recebimento do
auxílio-acidente, no valor de 50% do salário-de-beneficio (art. 86 da lei n°
8.213/91), calculado na forma da legislação previdenciária.
o deficiente, se necessitar da assistência permanente de outra pessoa, terá o
valor da aposentadoria por invalidez acrescido de 25% do salário-de-
beneficio, nas condições previstas no art. 45 da lei n° 8.213/91. não importa
que a aposentadoria seja previdenciária ou acidentária.
4.2. pensão ao deficiente
o beneficio da pensão independe de carência, bastando, para tanto, a
condição de segurado, por ocasião do evento morte (art. 26, 1, lei n°
8.213/91).
o beneficio corresponde a 100% do valor da aposentadoria recebida pelo
segurado na época do óbito ou da mais favorável (art. 75).
são dependentes do segurado e, pois, têm direito à pensão decorrente de sua
morte os filhos menores de 21 anos ou inválidos (conceito em que se pode
incluir o deficiente art. 16,1, lei n° 8.213/91). se não houver dependente
preferencial, pode o irmão deficiente inválido receber a pensão, desde que
comprovada a dependência econômica. sendo, assim, o filho deficiente e
inválido fará jus à pensão previdenciária pela morte do pai ou da mãe,
independentemente de sua idade. essa invalidez é aferida pela previdência
social no momento do óbito (art. 108, decreto n° 3.048/99 - regulamento da
previdência social).
também na lei do regime jurídico único (lei n° 8.112, de 11 de dezembro de
1990), a aposentadoria por invalidez, a licença para tratamento de saúde e a
licença por acidente de serviço são beneficies devidos ao funcionário e que
pressupõem invalidez. aos dependentes do servidor é devida a pensão, do
valor correspondente ao da remuneração ou proventos. dentre os
dependentes há expressa previsão em prol do filho inválido, tal como no
regime geral (art. 217,11, "a"), o que implica beneficiar o deficiente
incapacitado.
no regime geral de previdência não existe mais lugar para a pessoa
designada, que é aquele que vive às expensas do segurado, que lhe designa
como dependente, por não ter dependente preferencial. no regime da lei n°
8.112/90 ainda existe possibilidade de designação de dependente deficiente
que viva sob a dependência econômica do funcionário, sem limite de idade
(art. 217, "e").
4.3. reabilitação profissional
reabilitação é "recuperação da capacidade fisica, intelectual, profissional ou
material; recuperação do equilíbrio emocional, psicológico; recuperação de
uma pessoa para o convívio social".'
tão importante quanto a concessão de beneficio ao deficiente incapaz para o
trabalho é a recuperação para a atividade laboral daqueles que, para tanto,
têm condições, o que se faz através da reabilitação profissional. com a
reabilitação permite-se ao deficiente o exercício de atividade que lhe garanta
a subsistência, estimulando-o a promover a melhoria das suas condições de
vida. do ponto de vista psicológico faz bem a auto-estima do deficiente
como a de qualquer um saber que é útil à comunidade.
dispõe o art. 89, caput, da lei n° 8.213/91:
"a habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao
beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas
portadoras de deficiência, os meios para a re (educação) e de (re) adaptação
profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do
contexto em que se vive".
a reabilitação constitui condição para a revogação do auxílio-doença, nos
termos do que dispõe o art. 62, da lei n° 8.213/91:
"o segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para
sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação
profissional para o exercício de outra atividade. não cessará o beneficio até
que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe
garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, for
aposentado por invalidez".
É profundamente lamentável o ato administrativo de baixa no beneficio
previdenciário quando, não obstante cessada a doença, não se promoveu a
habilitação do segurado para o desempenho de nova atividade que lhe
garanta a subsistência.
o decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, disciplina o direito à
habilitação ou reabilitação profissional do deficiente, objetivando capacitá-
lo, conservá-lo ou fazê-lo progredir no trabalho, independentemente de
vínculo com a previdência social, inclusive com fornecimento de órteses,
próteses, bolsas coletoras e materiais auxiliares.
4.4. pensão especial às vítimas da talidomida

a lei n° 7.070, de 20 de dezembro de 1982, autorizou o poder executivo a


conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, aos portadores
da deficiência fisica conhecida como "síndrome da talidomida". a pensão
tem natureza indenizatória.
5. saÚde
enquanto a previdência social se dirige aos segurados e a assistência social
aos necessitados, a saúde é direito universal e gratuito de todos, nos termos
do que dispõe o art. 196 da constituição federal:
"a saúde é direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação".
a lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, em seu art. 2°, caput, dispõe que a
saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício. não são apenas os hospitais
próprios e convenentes que cumprem o dever estatal de assistir à saúde.
existem, ainda, as medidas preventivas, como as vacinações públicas,
orientações sobre doenças, como ocorre com a aids e tantos outros aspectos
relativos à política estatal na área da saúde.
mas para ter direito ao atendimento, diretamente na rede hospitalar, não mais
se cogita de contribuição como já ocorreu alhures. o acesso é gratuito e
universal.
a saúde é prestada aos cidadãos, hoje, através do sistema único de saúde, o
conhecido sus, disciplinado pela lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990.
não existe, em princípio, restrição ao direito constitucional à saúde. tudo
quanto for indispensável à preservação da vida pode ser exigido do estado.
surge, aí, um contraste: enquanto alguns conseguem, judicialmente, até
mesmo procedimentos cirúrgicos onerosos, quando não tratamento no
exterior, a maioria esmagadora das pessoas não alcança sequer o essencial,
caracterizado pelo atendimento ambulatorial e hospitalar. crianças morrem,
nos grandes centros, por falta de vaga na uti infantil.
a responsabilidade na área da saúde constitui encargo não apenas da união,
mas também dos estados e municípios, embora, esses últimos, não possam
responder por encargos de outros municípios.
a questão relativa a tratamento no exterior é bastante complexa. se, de um
lado, a medida pode ser necessária para preservação da vida, em
excepcionais situações, por outro parece conflitar com o tratamento
igualitário que o sistema deve prestar a todos.
o tribunal de justiça de minas gerais, no julgamento da apelação cível n°
115.501-9, rel. des. páris pena, em 18.08.98, desacolheu pedido de
tratamento de doença no exterior, em ação movida contra o estado de minas
gerais. no caso, o tribunal admitiu a legitimidade passiva do estado de minas
gerais e a auto-aplicabilidade da regra prevista no art. 196 da constituição
federal, mas negou a pretensão do autor, especialmente em função da
ausência de prognóstico efetivo favorável. merece ser transcrita a ementa do
acórdão:
"ação ordinária-menor portador de distrofia muscular de duchenne - custeio
do tratamento pelo poder público - direito fundamental à saúde -
legitimidade passiva do estado de minas gerais - sus - descentralização de
atribuições e custeio - acesso universal e integral à saúde - cf/88, arts. 196 e
227 - leis n. s 8.069/90 e 8.080/90 - transplante de mioblastos inexistência de
prognóstico científico favorável - improcedência. dispõem os cidadãos
brasileiros, especialmente as crianças e adolescentes, de direito público
subjetivo à promoção, proteção e recuperação da saúde, oponível ao poder
público por força dos arts. 196 e 227 da carta de 1988 e das leis ris 8.080/90
e 8.069/90; isso não significa, contudo, deva o estado arcar com custos do
engajamento de enfermos em projetos experimentais estrangeiros, despidos
de prognósticos científicos favoráveis."'s
realmente, o pedido de tratamento no exterior, inclusive com pedido de
liminar, deve ser criteriosamente avaliado, no caso concreto, porque, ao
dispensar recursos, em geral significativos, para aquele que postula em juízo,
o sistema se desfalca do necessário ao atendimento de prioridades tão quanto
urgentes, dentro do território nacional.
em análise crítica da concessão dessas liminares lourdes frazão, assessora
jurídica do ministério da saúde, pondera:
"a lei n° 8.080/90, regulamentando aquele preceito, usa o termo
"universalidade" para enfatizar a abrangência desse direito, em todos os
níveis, dentro do território nacional, evidentemente, até porque não seria
razoável pretender-se extrapolar as fronteiras do pais com esse escopo, por
resultarem absoluta impossibilidade de planejamento e sustentação
econômica do sistema. ,16
o mesmo tribunal de justiça de minas gerais, noutra oportunidade, entendeu
que não poderia impor ao município de belo horizonte a obrigação de
fornecer vagas em cti infantil de alto risco, sob pena de arcar com a criação
imediata de novos leitos ou com os custos de internamento, em clínica
particular não conveniada ao sus, de criança trazida de outros municípios ou
estados, por extrapolar as obrigações previstas na constituição federal e na
lei orçamentária municipal."
sendo a saúde um direito universal de todos, muito mais ênfase deve ser
dado ao deficiente que, em princípio, carece não apenas de assistência
médica, como de tratamento diferenciado.
a lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, em seu art. 2°, ii, traça princípios
de atuação do poder público, na área da saúde, em prol dos deficientes:
"a) a promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento
familiar, ao aconselhamento genético, ao acompanhamento da gravidez, do
parto e do puerpério, à nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao
controle da gestante e do feto de alto risco, á imunização, às doenças do
metabolismo e seu diagnóstico e ao encaminhamento precoce de outras
doenças causadoras da deficiência;
b) o desenvolvimento de programas especiais de prevenção de acidentes do
trabalho e de trânsito, e de tratamento adequado a suas vítimas;
c) a criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e
habilitação;
d) a garantia de acesso das pessoas portadoras de deficiência aos
estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado
tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados;
e) a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não
internado;
f) o desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas
portadoras de deficiência, desenvolvidos com a participação da sociedade e
que lhes ensejem a integração social".
o art. 16 do decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, cuida da ação
estatal na área da saúde em defesa dos deficientes, inclusive com relação à
reabilitação, já vista em outra unidade. o art. 20 do mesmo decreto faz
referência ao fornecimento de medicamentos e o art. 16, v, fala de
atendimento médico domiciliar ao portador de deficiência grave não
internado.
ao examinarmos o direito à saúde gostaríamos de fazer mais algumas
considerações sobre o tema:
1. fornecimento de remédios
a lei n° 9.313, de 13 de novembro de 1996, assegura aos portadores do hiv e
aos doentes de aids o recebimento, gratuito, do sistema único de saúde, de
toda a medicação necessária ao seu tratamento. o objetivo da lei é permitir a
preservação da vida desses pacientes. se o sistema não atender ao
necessitado poderá esse acionar a união, o município ou o estado para tal
fim, uma vez que o sus não tem personalidade jurídica. nesse sentido,
decisão do tribunal de justiça do rio de janeiro:
"saÚde - ação visando compelir o estado a fornecer medicamento específico
para tratamento de síndrome de imunodeficiência adquirida aids.
o estado do rio de janeiro é legitimado passivo uma vez que é integrante do
sus, com atribuições e competência reguladas por lei n° 8.080/90. direito à
saúde. (cf, artigo 196, da cf/88). lei n° 9.313/96, que assegurou aos
portadores de hiv e doentes da aids o recebimento gratuito, do sus, de
medicamentos necessários ao tratamento. o bem jurídico a proteger é a
vida."
no mesmo sentido despacho do ministro josÉ delgado, no agravo de
instrumento n° 253846/rs, em 25.10.99:
"agravo de instrumento. improvimento. fornecimento gratuito de
medicamentos. aids. responsabilidade solidÁria do estado e municÍpio.
1 - são responsáveis, solidariamente, o estado e o município pelo
fornecimento gratuito de medicamentos para o tratamento de doentes de aids
e portadores do vírus hiv.
2 - agravo de instrumento improvido".
consignou, em seu despacho, o eminente ministro relator:
"portanto, ao acolher o pedido pleiteado, a v. decisão hostilizada, de acordo
com seus fundamentos, não reconhece a desnecessidade de regulamentação,
mas entende necessário o atendimento, por parte do estado e do município,
das despesas decorrentes do fornecimento de medicamento aos carentes, em
face das circunstâncias apresentadas. tal atendimento se resume na assertiva
posta por decisões a respeito proferidas por este tribunal, no sentido de que
"não poderia previsão regulamentar restringir o âmbito de cobertura
claramente posta na lei regulamentada".
no supremo tribunal federal é a mesma a orientação. o direito à saúde não
compreende, apenas, o fornecimento de médicos e hospitais, mas também os
medicamentos necessários à preservação da vida. merece serem transcritas a
ementa de dois acórdãos da corte maior:
saÚde - promoÇÃo - medicamentos - o preceito do artigo 196 da
constituição federal assegura aos necessitados o fornecimento, pelo estado,
dos medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde, de,
especialmente quando em jogo doença contagiosa como é a síndrome de
imonodeficiência adquirida".
"mandado de seguranÇa - adequaÇÃo - inciso lxix, do artigo 5°, da
constituiÇÃo federal. uma vez assentado no acórdão proferido o concurso da
primeira condição da ação mandamental - direito líquido e certo - descabe
concluir pela transgressão ao inciso lxix do artigo 5° da constituição federal.
saÚde - aquisiÇÃo e fornecimento de medicamentos - doenÇa rara. incumbe
ao estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde,
especialmente quando envolvida criança e adolescente. o sistema único de
saúde torna a responsabilidade linear alcançando a união, os estados, o
distrito federal e os municípios."
2. cirurgia decorrente de câncer de mama:
recentemente a lei n° 9.797, de 6 de maio de 1999, assegurou, através do
sus, às mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial de mama,
decorrente de técnica de tratamento de câncer, o direito à cirurgia plástica
reconstrutiva. o mandamento legal autoriza o pleito de obrigação de fazer,
contra as entidades do sus, no caso de recusa ao atendimento.
3. paciente do sus. atendimento diferenciado:
questão constantemente levantada no plano do direito à saúde diz respeito à
possibilidade ou não dos estabelecimentos convenentes de darem tratamento
diferenciado aos internados pelo sus mediante sistema de complementação.
há decisões do stj admitindo esse procedimento." existem argumentos contra
e favor da medida, naturalmente. os fundamentos favoráveis , colhidos das
decisões do superior tribunal de justiça, se assentam na idéia de que não há
prejuízo para o sus, nesses atendimentos que, por outro lado, buscam um
melhor tratamento para a saúde dos pacientes. há quem veja no tratamento
diferenciado uma forma de discriminação aos demais pacientes do sus. no
julgamento, pelo supremo tribunal federal, do re n° 226.835, não conhecido,
ficou consignado na ementa do acórdão:
"... inocorrência de quebra da isonomia: não se estabeleceu tratamento
desigual entre pessoas numa mesma situação, mas apenas facultou-se
atendimento diferenciado, sem ampliar direito previsto na carta e sem
nenhum ônus extra para o sistema público..."
6. aspectos processuais
a matéria diz respeito a processo civil e, de certa forma, fugiria ao
âmbito do direito previdenciário. vamos apresentar, a seguir, apenas breves
considerações sobre o tema.
a ação do deficiente objetivando obter o beneficio mensal de presta
ção continuada deve ser ajuizada segundo o rito ordinário, atendidos os
requisitos constantes do art. 282, do cpc. convém que o interessado formule
previamente o pedido administrativo e ingresse em juízo após o indeferi
mento do pedido, embora não seja obrigado a esgotar as vias recursais
administrativas. o pedido formulado na inicial será a concessão do beneficio,
com o pagamento das parcelas devidas a partir do requerimento
administrativo, quando formulado ou da citação,24 devidamente corrigidas.
em se tratando de deficiente fisico deverá ele próprio outorgar procuração a
advogado para figurar no pólo ativo da ação. se a deficiência for mental e
incapacitante para os atos da vida civil, o deficiente deverá ser representado
por seu curador, nomeado em processo regular de interdição. o pagamento
mensal do beneficio de prestação continuada vem sendo pago pelo inss.
portanto, contra ele a ação pode e deve ser ajuizada, como vem
reiteradamente decidindo o superior tribunal de justiça. transcrevemos, a
seguir, algumas decisões, dentre as muitas existentes:
"previdÊncia social. benefÍcios de prestaÇÃo continuada. art. 203 da cf/88.
lei 8.742/93.
1 - o inss é parte legítima para figurar no pólo passivo, nas causas que visem
ao beneficio de prestação continuada. 2 - na dicção do art. 106, inciso 111,
da lei n° 8.213, a declaração do sindicado dos trabalhadores rurais,
homologada pela promotoria de justiça, constitui início de prova do
exercício de atividade rural.
3 - recurso não conhecido."
"previdenciÁrio. constitucional. renda mensal vitalÍcia. legitimidade passiva
do inss. cf art. 203. lei n° 8.742/93.
- embora o art. 12 da lei n° 8.742/93 atribua à união o encargo de responder
pelo pagamento dos benefícios de prestação continuada, à autarquia
previdenciária continuou reservada a operacionalização dos mesmos,
conforme reza o art. 32, § único, do decreto n° 1.744/95.
- descabida a alegação de ilegitimidade da autarquia previdenciária para
figurar no pólo passivo da presente demanda.
- embargos de divergência rejeitados."
com efeito, embora não hajam dúvidas de que, tendo natureza assistencial o
beneficio previsto na lei n° 8.742/93, deveria ser pago pela união, certo é
que toda a estrutura administrativa transferiu o pagamento do mesmo ao
inss, que concede e mantém o beneficio à conta do tesouro nacional.
outra questão comumente colocada em debate diz respeito ao foro
competente para as ações que objetivem a concessão do beneficio mensal de
prestação continuada, previsto na lei n° 8.742/93.
poderia o autor se valer da regra constante do art. 109, § 3°, da constituição
federal, ou seja, ajuizar a ação na justiça estadual do foro de sua residência,
quando a comarca não sediar vara da justiça federal? vejamos a disposição
legal:
"serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos
segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de
previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara
do juizo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que
outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual".
não vislumbramos motivos para não aplicar o foro especial também para as
ações da assistência social. se o objetivo do legislador constitucional foi
facilitar a ação do segurado da previdência social, muito mais razões existem
para criar tal privilégio em prol dos pretendentes ao beneficio assistencial e
que, por presunção, gozam de carência material. além disso, tal dispositivo
já constava na carta constitucional de 1967, ocasião em que não se fazia a
atual distinção entre assistência e previdência social. e lá já se achava a
antiga renda mensal vitalícia.
decidiu a 1' turma do trf da 3a região, em acórdão cuja ementa parcial
transcrevemos:
"... ii - a ação visando à obtenção do beneficio previsto no art. 203, v, da
constituição federal pode ser proposta na justiça estadual, no foro do
domicílio do autor. inteligência do art. 109, § 3°, da carta magna..."
com a vigência da lei n° 9.720/98, em seu art. 29, parágrafo único, parece
não mais se poder cogitar da ilegitimidade do inss, pois,
"os recursos de responsabilidade da união destinados ao financiamento dos
benefícios de prestação continuada, previstos no art. 20, poderão ser
repassados pelo ministério da previdência e assistência social diretamente ao
inss, órgão responsável pela sua execução e manutenção".

direito do trabalho e a pessoa


portadora de deficiÊncia
arion sayão romita
membro da academia nacional de direito do trabalho.
1. introduÇÃo
há personagens famosas, na mitologia e na história, portadoras de
deficiências.
na mitologia greco-romana, algumas personagens podem ser lembradas.
vulcano (nome romano de hefestos), um dos doze deuses do olimpo, filho de
júpiter e juno, personifica o brilho do raio e o fogo devorador e produtivo.
era disforme e coxo, o que não o impediu de desposar vênus, deusa do amor
e da beleza feminina.
tirésias era um dos adivinhos mais famosos da antigüidade. numa disputa
entre júpiter e juno, tirésias decidiu contrariamente à opinião de juno, que o
puniu tirando-lhe a visão. júpiter, para compensá-lo do prejuízo da perda dos
olhos, deu-lhe o dom da profecia.
Édipo, ao tomar conhecimento da tragédia que vitimara jocasta e a ele
próprio, vazou os próprios olhos e passou a viver em colona, perto de atenas,
num bosque consagrado às eumênides. lá cumpriu o destino anunciado pelo
oráculo: o povo que possuísse sua pessoa ou mesmo suas cinzas, teria
assegurada a vitória sobre os inimigos.
inúmeros estadistas, poetas, prosadores, compositores, pintores, foram
portadores de deficiência. uma casa patrícia da antiga roma era a família
cláudia. o sabino atta clausus fixou-se em roma e foi chamado claudius, que
significa coxo. arrastar o pé ao andar, arrastar o pé como os velhos é
claudicar.
além dessa personagem da antigüidade, outros célebres deficientes fisicos
apresentavam a mesma característica, como byron (1788-1824), poeta
inglês, que era clubfoot, isto é, portador de um pé deformado, torto.
toulouse-lautrec (1865-1901), pintor francês, sofreu duas quedas de cavalo,
o que o deixou anão e estropiado das pernas.
milton (1608-1674), poeta e ensaísta inglês, compôs, entre outras obras,
paradise lost (paraíso perdido, 1667) sendo deficiente visual, totalmente
cego. camões (1524-1580), o maior poeta lírico e épico da língua
portuguesa, perdeu o olho direito numa batalha contra os mouros em ceuta,
em 1547. antonio feliciano de castilho (1800-1875), poeta, prosador, ensaísta
e pedagogo português, padeceu de cegueira desde os seis anos.
cervantes (1547-1616), o maior dos escritores espanhóis, autor entre outras
obras de dom quixote, perdeu a mão esquerda na batalha de lepanto (1571).
antonio francisco da costa lisboa (1730-1814), mais conhecido como o
aleijadinho, foi o maior escultor do período barroco brasileiro. sofreu uma
doença desconhecida, que lhe causou a perda dos dedos dos pés, ao mesmo
tempo em que os dedos das mãos se atrofiaram, curvando-se.
beethoven (1770-1827), compositor alemão, por muitos considerado o maior
nome da historia da música, autor de nove sinfonias, uma ópera e outras
magníficas obras instrumentais, era deficientes auditivo.
se no conceito de defciência for incluída a redução ou perda das faculdades
mentais, diversos pintores, escritores, filósofos, músicos, seriam
considerados deficientes. basta lembrar benvenuto cellini (1500-1571),
joalheiro, cinzelador e escultor italiano; francisco de goya (1746-1828),
pintor espanhol; gérard de nerval (1808-1855), poeta e prosador francês;
friedrich nietzsche (1844-1900), filósofo alemão; vincent van gogh (1853-
1890), pintor holandês; robert schumann (1810 -1856), compositor alemão;
vaslav nijinsky (1888-1950), bailarino russo.
os deuses, heróis mitológicos e gênios certamente dispensam proteção. o
comum dos mortais, porém, necessita de providências legais que
compensem a redução ou a perda de faculdades fisicas causadoras de
desvantagens. medidas legislativas tornam-se indispensáveis para sanar as
desigualdades geradas pela deficiência em cada caso, de tal modo que sejam
restabelecidas as condições de primitiva igualdade, como se deficiência não
houvera. 2. direito estrangeiro
a partir dos anos 70 e com intensidade crescente a partir dos anos 80, a
legislação de diversos países passa a dispensar proteção especial ao trabalho
de deficientes fisicos. na maioria dos casos, o legislador se preocupa com o
acesso ao emprego, vale dizer, assegura aos deficientes o direito a certo
número de postos de trabalho nas empresas, quer do setor público quer do
privado.
Às vezes, a lei tem por objeto garantir a igualdade de salários dos deficientes
em relação aos dos trabalhadores válidos. É o caso, por exemplo, da lei
belga de 11 de março de 1977, que torna obrigatória a convenção coletiva de
trabalho n° 26, de 15 de outubro de 1975, cujo artigo 1° assegura aos
trabalhadores deficientes remuneração que seja pelo menos equivalente aos
salários convencionais mínimos fixados pelas comissões paritárias para os
trabalhadores válidos.
quase sempre, porém, a finalidade perseguida pelo legislador é de fato a
garantia de obtenção de emprego pelo deficiente. cientes das dificuldades
práticas de incrementar medidas impositivas dessa natureza, alguns países
consagram a possibilidade para o empregador de substituir a oferta direta de
vagas de deficiente pelo pagamento de contribuição em dinheiro,
especificamente destinada a organismos de formação, readaptação e
reeducação profissional dos deficientes.
na argentina, a lei de emprego (lei n° 24.013, de 17/12/1991) prevê, no art.
86, os programas para descapacitados (programas para deficientes), que
deverão observar os tipos de atividades que as pessoas puderem
desempenhar, segundo sua qualificação. ditos programas deverão
contemplar, ente outros aspectos, os seguintes: a) promoção de oficinas
protegidas de produção e apoio ao trabalho dos deficientes mediante regime
de trabalho no domicílio; b) determinar o cumprimento da obrigação de dar
trabalho a pessoas deficientes que reunam condições de aptidão em uma
proporção não inferior a 4% do pessoal nas entidades públicas nacionais,
incluídas as empresas e sociedades do estado; c) fomentar a inclusão nas
convenções coletivas de cláusulas de reserva de postos de trabalho para
deficientes no setor privado. na alemanha, segundo o art. 5° (§ 5°) da
schwbg (gesetz zur sicherung der eingliederung schwerbehinderter in arbeit,
beruf und gesellschaft, conhecida como schwerbehindetengesetz, de
26/08/1986), ou seja da lei de garantia de integração do deficiente no
trabalho, na profissão e na sociedade, as empresas com mais de dezesseis
empregados são obrigadas a preencher pelo menos seis por cento dos postos
de trabalho com a admissão de deficientes. trata-se, porém, como observa
wilhelm dütz, de uma obrigação assumida em face do estado, a qual não
confere ao deficiente o direito de pleitear um emprego em determinada
empresa. o cumprimento dessa obrigação pode ser substituído pelo
pagamento de módica quantia mensal, gerando fundos destinados a
instituições de reabilitação de deficientes, o que leva manfred weise a tecer o
seguinte comentário: "esse regulamento ilustra bem o dilema: de um lado, há
um interesse de se integrar o deficiente ao mercado de trabalho. por outro
lado, porém, essa integração pode gerar dificuldades econômicas. o temor
resultante leva, pois, ao enfraquecimento das obrigações trabalhistas."
no canadá, a legislação tendente a promover o acesso ao emprego consagra
restrições à faculdade de não contratar, ou seja, impõe limites à recusa do
empregador de admitir certas pessoas, que resultam, além das proibições
voltadas para este efeito (que no momento não interessam), da previsão de
obrigações positivas, isto é, dar emprego a determinadas pessoas. assim, a
lei federal conhecida como loi conccrnant l'équité en matière d'emploi (lei
concernente à eqüidade em tema de emprego), de 1984-1986, no art. 4°,
promove a igualdade no ambiente de trabalho, de modo que (entre outras
providências) sejam corrigidas as desvantagens sofridas pelos deficientes.
para atingir este objetivo de igualdade, os empregadores que tenham a seu
serviço pelo menos cem empregados são obrigados a determinar mediante
consulta aos representantes dos trabalhadores regras específicas. a chamada
loi assurant 1 'exercice des droits des personnes handicapés (lei de garantia
do exercício dos direitos das pessoas portadoras de deficiência), de quebec,
no art. 63, impõe a todo empregador que tenha mais de cinqüenta
empregados a obrigações de submeter à repartição das pessoas deficientes de
quebec, em colaboração com o representante da associação dos empregados
respectivos, um "plano destinado a garantir a admissão de pessoas
deficientes". observa robert p. gagnon que esta obrigação, embora provida
de sanção penal, visa apenas à apresentação do plano à repartição. a lei não
prevê pena alguma para o descumprimento das medidas planejadas.
o ordenamento jurídico espanhol consagra o instituto das reservas e
preferências de emprego. segundo o disposto no artigo 17.2 do estatuto dos
trabalhadores da espanha, de 1980 (texto aprovado e refundido pelo real
decreto legislativo 1/1995, de 24 de março), podem ser estabelecidas
"reservas e preferências" para ser contratado como empregado. como
observa antonio martin valverde, a garantia formal exigida para tornar
efetiva essas medidas de "discriminação positiva" é a necessidade de
regulação por leis um caso de reserva é contemplado pelo artigo 38.1 da lei
13/1982, de 13 de abril, de integração social de minusválidos: "as empresas
públicas ou privadas que derem emprego a um número de trabalhadores
fixos superior a cinqüenta são obrigadas a empregar um número de
empregados deficientes (minusválidos) não inferior a dois por cento do
pessoal."
a legislação francesa também reconhece há tempos as "prioridades de
emprego". as normas que obrigam os empregadores a reservar, no pessoal
das empresas, certo número de postos de trabalho a pessoas privilegiadas no
tocante à admissão são tradicionais. no passado, visavam aos inválidos de
guerra (lei de 1924), pais de famílias numerosas (lei de 1940).
hoje em dia, visam principalmente aos deficientes (handicapés). uma lei de
1957 instituiu pela primeira vez uma prioridade de emprego em favor de
pessoas reconhecidas como deficientes por uma comissão técnica de
orientação e reclassificação profissional. essa legislação foi alterada diversas
vezes. uma lei de 10 de julho de 1987 deu eficácia maior às medidas
destinadas a conferir prioridade de emprego a certas categorias de pessoas.
todo empregador que tiver a seu serviço pelo menos vinte empregados
assume uma obrigação "de resultado": de acordo com o disposto no artigo l.
323-1, al. 1, do código do trabalho, é obrigado a empregarem tempo integral
ou tempo parcial deficientes na proporção de seis por cento do efetivo total
dos empregados.' para cumprir esta obrigação, o empregador pode
naturalmente admitir o número de deficientes previsto em lei. mas ele pode
também exonerar-se dessa obrigação mediante a celebração de contratos de
sous-traitance (subempreitada) ou de prestação de serviços com empresas do
"setor protegido", isto é, empresas habilitadas que empregam deficientes
(art. l. 323-8). pode ainda dar cumprimento à obrigação aplicando um acordo
coletivo de ramo ou de empresa que estabeleça um programa em favor dos
deficientes - plano de admissão, plano de inserção, e de formação, plano de
adaptação às mudanças tecnológicas (art. l. 323-8-1 do código do trabalho).
pode finalmente exonerar-se da obrigação mediante o pagamento, por
emprego não preenchido, de uma contribuição para um fundo de
desenvolvimento destinado à inserção profissional dos deficientes (art. 323-
8-2 a l. 323-8-4 do código do trabalho).
na itália, ao lado do sistema de colocação ordinária, existe o de colocação
obrigatória, regulado pela lei n° 482, de 2 de abril de 1968. esta lei com fins
de solidariedade social e para ensejar a inserção na vida laborativa de
algumas categorias especiais de pessoas, impõe aos empregadores a
obrigação de admitir certo número de integrantes dessas categorias. as
empresas que tiverem a seu serviço mais de 25 empregados são obrigadas a
admitir, entre pessoas que integram as "categorias protegidas", quinze por
cento do pessoal, abrangidos operários a empregados de escritório e
excluídos os aprendizes.'
no peru, a constituição de 1993 (art. 7°) declara que a pessoa incapacitada
para velar por si própria por causa de uma deficiência física ou mental tem
direito ao respeito de sua dignidade e a um regime legal de proteção,
atenção, readaptação e seguridade. a lei de trabalho para pessoas com
limitações fisicas, sensoriais e intelectuais (lei n° 23.285, de 15 de outubro
de 1981) dispõe (art. 1°) que as entidades e empresas do setor público e não
público que derem emprego a pessoas com limitações fisieas, sensoriais e
intelectuais têm direito, para fim de dedução no pagamento de impostos, a
uma bonificação contábil de 50 por cento sobre o montante integral da mão-
de-obra que contratar com este grupo de pessoas. acrescenta o art. 2° que o
mínimo de trabalhadores a serem computados para a bonificação contábil
não excederá 10 por cento dos servidores de cada empresa.
em portugal, a lei de emprego protegido (decreto-lei n° 40/83, de 25 de
janeiro), no art. 1°, define emprego protegido como "toda a atividade útil e
remunerada que integra no conjunto da atividade econômica nacional e
beneficiando as medidas especiais de apoio por parte do estado, visa
assegurar a valorização pessoal e profissional das pessoas deficientes,
facilitando a sua passagem, quando possível, para um emprego não
protegido". o trabalho em regime de emprego protegido pode ser prestado
em centros próprios, em meio normal de produção ou no domicílio do
deficiente. a lei define "centro de emprego protegido": de acordo com o
disposto no art. 4°, trata-se de unidade de produção, de caráter industrial,
artesanal, agrícola, comercial ou de prestação de serviços, integrada na
atividade econômica nacional, que vise assegurar aos deficientes o exercício
de uma atividade remunerada, assim como a possibilidade de formação e ou
aperfeiçoamento profissional que permitam, sempre que possível, a sua
transferência para o mercado normal de trabalho.'

3. a aÇÃo da organizaÇÃo internacional do trabalho

a oit, desde os anos 50, preocupa-se com a grave questão do trabalho dos
deficientes fisicos. já aprovou uma convenção (n° 159, de 1983) e três
recomendações (n°s 99, de 1955; 168, de 1983; e 169, de 1984), que tratam
do assunto.
a recomendação n° 99, sobre a adaptação e a readaptação profissional dos
deficientes, de 1955, levou em conta que a adaptação e a readaptação das
pessoas portadoras de deficiência são imprescindíveis para que possam
recuperar sua capacidade fisica e mental e reintegrar-se à função social,
profissional e econômica que puderem desempenhar. considera deficiente
qualquer pessoa cujas possibilidades de obter e conservar emprego adequado
se acham realmente reduzidas em virtude de uma diminuição de sua
capacidade fisica ou mental. preconiza a consagração, nos ordenamentos
jurídicos internos, de princípios e métodos relativos à orientação
profissional, formação profissional e colocação dos deficientes, além de
medidas para aumentar as oportunidades de emprego. estas medidas
deveriam observar as seguintes prescrições: a) os deficientes devem ter a
mesma possibilidade que os trabalhadores não inválidos de ingressar nos
empregos para os quais estejam qualificados; b) os deficientes devem ter
plenas oportunidades de aceitar um emprego que lhes convenha com um
empregador de sua escolha; c) deve dar-se mais atenção às aptidões e à
capacidade de trabalho dos interessados do que à sua deficiência. as
autoridades competentes devem adotar medidas, em colaboração com as
organizações privadas interessadas, para criar e desenvolver meios de
formação e de trabalho protegidos para os deficientes que não tenham
capacidade para competir no mercado normal de emprego. entre esses meios
deve figurar a criação de "oficinas protegidas".
a conferência internacional do trabalho realizada em genebra em 1893 (69a
reunião) aprovou a convenção n° 159 e a recomendação n° 168.
a convenção n° 159 entrou em vigor no plano internacional em 20 de junho
de 1985. no brasil, seu texto foi aprovado pelo congresso nacional mediante
o decreto legislativo n° 51, de 25 de agosto de 1989. foi ratificada em 18 de
maio de 1990, promulgada pelo decreto n° 129, de 22 de maio de 1991 e
entrou em vigorem 18 de maio do mesmo ano. portanto, integra o
ordenamento jurídico pátrio, ocupando a mesma posição de uma lei
ordinária.
a convenção n° 159, sobre reabilização e emprego de pessoas deficientes,
define "pessoa inválida" (pessoa deficiente) como aquela cuja possibilidade
de obter e conservar um emprego adequado e de nele progredir fiquem
substancialmente reduzidas por causa de uma deficiência de caráter fisico ou
mental devidamente reconhecida. a finalidade da readaptação profissional é
permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego adequado e
nele progrida, promovendo-se desta maneira e a integração ou a reintegração
dessa pessoa na sociedade. o estado-membro que ratificar a convenção
(neste caso se encontra o brasil) se obriga a formular, aplicar e revisar
periodicamente a política nacional sobre a readaptação profissional e o
emprego de deficientes. tal política se baseia no princípio de igualdade de
oportunidade entre os deficientes e os trabalhadores em geral, devendo ser
respeitada a igualdade de oportunidade e de tratamento para os trabalhadoras
deficientes. as medidas positivas especiais adotadas com a finalidade de
atingir a igualdade efetiva de oportunidade e de tratamento entre os
trabalhadores inválidos e os demais trabalhadores não devem ser
consideradas discriminatórias com relação a estes últimos.
no mesmo ano de 1983, a conferência internacional do trabalho aprovou a
recomendação n° 168, sobre a readaptação profissional e o emprego das
pessoas deficientes, que complementa a convenção 159. a recomendação,
como se sabe, não constitui objeto de ratificação e, em conseqüência, não
integra o ordenamento interno, mas deve ser submetida ao congresso
nacional, a fim de inspirar a legislação a ser votada sobre a matéria.
segundo a recomendação 168, os deficientes devem dispor de igualdade de
oportunidade e de tratamento relativamente ao acesso, conserva ção e
promoção em um emprego que, sendo possível, corresponda a sua escolha e
as suas aptidões individuais. entre a medidas destinadas a promover
oportunidades de emprego para os deficientes, devem ser incluídas, além de
outras medidas apropriadas para criar oportunidade de emprego no mercado
regular, adotando-se incentivos econômicos que estimulem os empregados a
proporcionar formação e emprego aos deficientes; ajuda governamental
adequada para criar diversos tipos de emprego protegido; estímulo à
cooperação entre oficinas protegidas e oficinas de produção; estímulo à
criação e desenvolvimento de cooperativas integradas por deficientes, etc.
no ano seguinte (1984), a 70' reunião da organização internacional do
trabalho aprovou a recomendação n° 169, sobre política de emprego. esta
norma internacional reitera a recomendação no sentido de que os paises-
membros adotem medidas tendentes a satisfazer as necessidades de todas as
categorias de pessoas que tenham freqüentemente dificuldades para
encontrar emprego permanente, como (entre outras classes de trabalhadores)
os deficientes.
4. no brasil
a partir da promulgação da constituição de 5 de outubro de 1988,
multiplicaram-se no brasil as normas de proteção às pessoas portadoras de
deficiência. entre essas normas, não poderiam faltar as que têm por
finalidade proteger o trabalho dos deficientes.
os preceitos constitucionais não visam apenas à proteção do trabalho:
cuidam também de outros aspectos da vida do deficiente.
É a seguinte a relação dos dispositivos da constituição que se referem aos
deficientes: art. 7°, xxxi: proibição de qualquer discriminação no tocante a
salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; 23, ii:
competência federativa comum para cuidar da "proteção e garantia das
pessoas portadoras de deficiência"; 24, xiv: competência federativa
concorrente para legislar sobre "proteção e integração social das pessoas
portadoras de deficiência"; 37, viii: a lei reservará percentual dos cargos e
empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os
critérios de sua admissão; 203, iv: é objetivo da assistência social "a
habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração à vida comunitária; 208, iii: garantia, através do estado, da
efetivação de seu dever com a educação de "atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino"; 227, § 1°, ii: promoção pelo estado, de prograrnas de
assistência integral à saúde da criança e do adolescente, com a criação de
programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de
deficiência fisica, sensorial ou material, bem como de integração social do
adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho
e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com
a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetõnicos"; 227, § 2°:
previsão de disposição legal sobre normas de construção dos logradouros e
dos edificios de uso público e de fabricação de veículos de transporte
coletivo, com garantia de acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência; 224: determina que a lei disponha sobre a adaptação dos
logradouros, dos edificios de uso público e dos veículos de transporte
coletivo existentes em 1988 a fim de garantir acesso adequado às pessoas
portadoras de deficiência.
no que diz respeito especificamente ao trabalho, há dois grupos de normas:
as que protegem o deficiente no âmbito do setor público e as que o protegem
no setor privado.
quanto ao primeiro aspecto - setor público - vale lembrar que o art. 37,
inciso viii, da constituição determina a reserva de percentual de cargos e
empregos públicos em favor dos deficientes abrangendo em seu campo de
aplicação não só a administração direta como também a indireta. a lei n°
8112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico único
dos servidores públicos civis da união, das autarquias e das fundações
públicas federais, dispõe no art. 5°, § 2°: "Às pessoas portadoras de
deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para
provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência
de que sejam portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20 por cento
das vagas oferecidas no concurso."
duplo, portanto, é o alcance do disposto no art. 37, viti da constituição,
explicitado pelo § 2° do art. 5° da lei de regime jurídico único: a) veda-se a
discriminação no tocante a critérios de inscrição nos concursos públicos; b)
reserva-se um percentual das vagas em favor dos deficientes.
o alcance dessa normatividade é explicado por sérgio de andréa ferreira:
"verifica-se que, quanto ao acesso aos cargos e empregos públicos (as
funções estão incluídas), o deficiente poderá concorrer, em igualdade de
condições - como ocorre no setor privado - com as demais pessoas, e. nessa
hipótese, deverá obter a pertinente habilitação isonomicamente com elas.
diversa é a situação no que concerne às vagas reservadas para os deficientes,
a abranger, tão-somente, cargos e empregos (dada a natureza das funções).
essa reserva é exatamente para atender a deficientes que não lograriam êxito
competindo, em igualdade de condições, com os demais canditados. É
reserva que visa a ensejar o acesso, atendidas condições menos rígidas para
atendimento a certas atividades que o permitam, excluídos os absolutamente
incapacitados e os cargos e empregos que não ensejam essa seleção de
atividades."
a lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre o apoio às pessoas
portadoras de deficiência e sua integração social, estabelecendo normas
gerais que assegurem o pleno exercício dos direitos individuais e sociais
naquelas, consideradas, entre outros valores básicos, o da igualdade de
tratamento e oportunidades. entre as medidas impostas aos "órgãos e
entidades da administração direta e indireta", situa-se, "na área da formação
profissional e do trabalho", a da "adoção de legislação específica que
discipline a reserva de mercado de trabalho", isto "nas entidades da
administração pública e do setor privado" (art. 2°, parágrafo único, iii, "d").
prevê o diploma normativo em tela ações civis públicas para a proteção de
interesses coletivos ou difusos dos deficientes, as quais poderão ser
propostas pelo ministério público e por entidades várias. É certo que o
ministério público intervirá, obrigatoriamente, nos órgãos públicos, coletivos
ou individuais, em que se discutem interesses relacionados à deficiência das
pessoas (art. 5°). constitui crime punível com reclusão de 1 a 4 anos e multa
"obstar, em justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por
motivos derivados de sua deficiência."
prevê-se uma política nacional para integração da pessoa portadora de
deficiência, e foi reestruturada a coordenadoria nacional para integração da
pessoa portadora de deficiência - corde.
no tocante ao segundo aspecto - setor privado - cabe observar que a
proibição de discriminação entre trabalho manual, técnico e intelectual ou
entre os profissionais respectivos (constituição, art. 7°, xxxii) já era
contemplada por constituições anteriores e promana da legislação
infraconstitucional (consolidação das leis do trabalho, art. 3°, parágrafo
único). a mesma regra de vedação de discriminação aplicável apenas aos
deficientes (constituição, art. 7°, xxxi) constitui, porém, novidade
introduzida pelo estatuto básico de 1988.
no que tange à reserva de postos de trabalho em beneficio dos portadores de
deficiência no setor privado, inexiste previsão constitucional. todavia, a
legislação infraconstitucional se ocupou do tema: o art. 93 da lei n° 8.213, de
24 de julho de 1991 dispõe que a empresa com 100 ou mais empregados está
obrigada a preencher de 2 por cento a 5 por cento dos seus cargos com
beneficiários reabilitados ou portadores de deficiência, habilitados, na
seguinte proporção: i - até 200 empregados, 2%; ii - 201 a 500, 3 %;111- de
501 a 1.000, 4%; iv - de 1.001 em diante, 5%.
a vedação de discriminação abrange os portadores de deficiência
relativamente ao exercício de diversos outros direitos trabalhistas. assim, por
exemplo, a eles se aplica o disposto no art. 461 da consolidação das leis do
trabalho, que regula o instituto da equiparação salarial (para trabalho igual,
salário igual): sendo idêntica a função, a trabalho de igual valor
corresponderá igual salário, em nada importando se o reclamante for
deficiente. a lei também dispensa proteção no que diz respeito à dispensa: de
acordo com o disposto no § 1° do art. 93 da lei n° 8.213, a dispensa de
deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de
90 dias, e a injustificada, no contrato por tempo indeterminado, só poderá
ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. o preceito é
válido mesmo para o contrato por tempo determinado regulado pela lei n°
9.601, de 28 de janeiro de 1998.
há casos em que a pessoa portadora de deficiência trabalha, mas esta
atividade não configura relação de emprego. atendendo a esta circunstância,
o secretário nacional do trabalho baixou a instrução normativa n° 5. de 30 de
agosto de 1991, com o seguinte teor: "considerando que o processo de
habilitação, de reabilitação e de integração no mercado de trabalho da pessoa
portadora de deficiência deve ser uma preocupação do estado e requer
atendimento especializado nas áreas de educação e da formação profissional;
considerando que, mesmo nos casos em que a deficiência seja irreversível, o
trabalho poderá ter fins terapêuticos, devendo por isso ser facilitado ao
deficiente; considerando a necessidade de orientar os agentes &. inspeção do
trabalho quanto às situações em que o trabalho do deficiente não caracteriza
vínculo de emprego, resolve: art. 1°-o trabalho da pessoa portadora de
deficiência não caracterizará relação de emprego quando atender aos
seguintes requisitos: i-realizar-se sob assistência e orientação de entidade
sem fins lucrativos, de natureza filantrópica, que tenha como, objetivo
assistir o deficiente; ii - destinar-se a fins terapêuticos ou de
desenvolvimento da capacidade laborativa do deficiente. parágrafo único- o
trabalho referido neste artigo poderá ser realizado na própria entidade que
prestar assistência ao deficiente ou no âmbito de empresa que, para o rnesmo
fim, celebrar convênio com a entidade assistencial." com a finalidade de
proporcionar a integração social dos cidadões em desvantagens no mercado
econômico por meio do trabalho, a lei n° 9.867, de 10 de novembro de 1999
dispõe sobre a criação e o funcionamento das cooperativas sociais. essas
cooperativas fundamentam-se no interesse geral da comunidade em
promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos e incluem
entre suas atividades: i-a organização e gestão de serviços sócios sanitários e
educativos; ii - o desenvolvimento de atividades agrícolas, industriais,
comerciais e de serviços. ditas cooperativas organizarão seu trabalho,
especialmente no que diz respeito a instalações, horários e jornadas de
maneira a levar em conta e minimizar as dificuldades gerais e individuais
das pessoas em desvantagem que nelas trabalharem. entre as pessoas
consideradas em desvantagem, para os efeitos da referida lei, incluem-se os
deficientes fisicos e sensoriais (art. 3°, i).
especialmente em relação ao adolescente portador de deficiência, o art. 66 da
lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (estatuto da criança e do adolescente)
dispõe que a ele é assegurado trabalho protegido.
o decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999 regulamenta a lei n° 7.853
(anteriormente citada), dispõe sobre a política nacional para a integração da
pessoa portadora de deficiência e consolida as normas de proteção.
a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência
compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o
pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de
deficiência.
o decreto em apreço define deficiência: toda perda ou anormalidade de uma
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere
incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado
normal para o ser humano. quando a deficiência ocorreu ou se estabilizou
durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter
probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos, é considerada
permanente. define-se incapacidade como uma redução efetiva e acentuada
da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos,
adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de
deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-
estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
o conceito de deficiência abrange pessoas enquadradas nas seguintes
categorias: i - deficiência fisica; ii - deficiência auditiva; iti - deficiência
visual; iv - deficiência mental; v - deficiência múltipla.
É instituído o conselho nacional dos direitos da pessoa portadora de
deficiência - conade, no âmbito do ministério da justiça, como órgão
superior de deliberação colegiada. a este órgão incumbe, entre outras
relevantes vantes funções, zelar pela efetiva implantação da política
nacional para integração da pessoa portadora de deficiência. ele é
constituído, paritariamente, por representantes de instituições
governamentais e da sociedade civil.
cuida o decreto da equiparação de oportunidades, abrangendo os seguintes
aspectos: 1- saúde; ii - acesso à educação; iii - habilitação e reabilitação
profissional; iv - acesso ao trabalho; v - cultura, desporto, turismo e lazer.
no que diz respeito especificamente ao acesso ao trabalho, o decreto dispõe
que é finalidade primordial da política de emprego a inserção da pessoa
portadora de deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação ao
sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido.
são modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência: i -
colocação competitiva; ii - colocação seletiva; iii - oficina protegida de
produção; iv - oficina protegida terapêutica.
o decreto regulamenta as disposições do plano de beneficios da previdência
social (lei n° 8.213) e da legislação pertinente ao regime jurídico dos
servidores públicos civis no que refere ao acesso aos empregos no setor
privado e cargos no setor público.
determina ainda o decreto que sejam implementados programas de formação
e qualificação profissional voltados para a pessoa portadora de deficiência
no âmbito do plano nacional de formação profissional planfor.
a legislação brasileira tem seguido à risca as recomendações da oit e as
ponderações da melhor doutrina. a propósito, valem citação as belas palavras
de ricardo tadeu marques da fonseca: "o repúdio preconceituoso ou a
segregação caridosa, vem cedendo passo à compreensão de que a limitação
para o trabalho não se constitui em estigma intransponível, mas, ao
contrário, é um aspecto meramente instrumental, cuja superação é mister que
se faça por meio da ação social e estatal. deve a sociedade propiciar
prioritariamente os meios aptos a inserir o portador de deficiência no
convívio social, valorizando o seu trabalho e as suas qualidades pessoais." 5.
a proteÇÃo do trabalho das pessoas deficientes e o princÍpio de igualdade

a palavra grega isos significa igual, mesmo, correspondente, justo. portanto,


a noção de igualdade abrange, desde a antigüidade clássica, a de justiça.
desta raiz (isos) derivam inúmeros vocábulos, como isonomia (igualdade
perante a lei); isotimia (igual direito dos cidadãos de ocupar cargos
públicos); isegoria (mesmos direitos em falar, igualdade judicial).`
interessam-nos, apenas, os aspectos relacionados com os dois primeiros
tópicos: a igualdade perante a lei (a lei é igual para todos) e a igualdade dos
cidadões de ocupar cargos públicos, ou privados.
o vocábulo igual difere de simile, pois enquanto este se refere às qualidades
e aos atributos, o primeiro alude à quantidade e à grandeza." esta distinção
se refletirá na evolução histórica do conceito de igualdade.
em as leis, platão fala de duas igualdades: a que leva em conta a medida, o
peso e o número, e a atribuída a desiguais tal como a exige a natureza.
segundo o filósofo, para os que não têm os mesmos títulos, a igualdade pode
tornar-se desigualdade, se faltar ajusta medida.` as duas igualdades são a
igualdade aritmética e a igualdade geométrica: esta se funda na proporção, e
não em o número, como a igualdade aritmética." a noção de medida é
importante no pensamento platônico, se se der o que é grande demais ao que
é pequeno, ultrapassando a medida, como velas para os navios, alimentos
para o corpo ou autoridade para as almas, tudo se malogra, e pelo excesso
uns sofrerão doenças e outros, a injustiça que nasce da falta de medida.`
também na lição de aristóteles a justiça está relacionada com a igualdade,
havendo dois tipos de igualdade: a aritmética e a geométrica. o justo deve
ser ao mesmo tempo intermediário, igual e relativo. o justo é o proporcional
e o injusto é o que viola a proporção." a igualdade admite que se trate
desigualmente o desigual, na exata proporção da diferença. o princípio de
igualdade não é um produto da razão, imutável no tempo e indiferente à
lição da história. pelo contrário, baseado essencialmente na afirmação da
dignidade do homem, revela-se no curso da história como uma idéia
dinâmica, constantemente adaptada à exigência da evolução da sociedade.
na idade média, solidificou-se o entendimento de que o princípio de
igualdade, imposto pelo sentimento de justiça, deveria associar-se à idéia de
generalidade inerente ao conceito de lei, apartado em conseqüência do
privilégio, concessão de caráter pessoal e individual.
após o surgimento do estado moderno, dá-se a constitucionalização do
princípio de igualdade. a noção de igualdade perante a lei assumirá, no curso
da evolução histórica, três diferentes feições, que se manifestarão em etapas
distintas e aderentes a circunstâncias sociais mutantes: primeiro, o princípio
de igualdade afirma-se como meramente formal; segundo, aspira a
concretizar-se numa acepção material; terceiro, tende a converter-se em uma
noção real.
o conceito formal de igualdade perante a lei é típico das constituições do
século xix, caracterizadas pelo liberalismo tendente a defender o cidadão
burguês da prepotência do estado, entendida como o único poder apto a
ameaçar a liberdade do indivíduo. a lei deve ser igual para todos, sem
qualquer tipo de distinção. os privilégios são abolidos e são vedadas as
discriminações baseadas no sexo, raça, religião etc.
a igualdade concebida como uma noção puramente formal não evitou as
injustiças e sofreu o irônico ataque de anatole france, que, em le lys rouge, a
ela se referiu como "a majestosa igualdade da lei, que proíbe tanto aos ricos
quanto aos pobres dormir debaixo das pontes, mendigar nas ruas e furtar um
pão."" não se podia mais falar de igualdade em termos de igualdade de
tratamento: tornaram-se necessárias medidas de acomodação, como se
expressa juanita westmoreland-traore.
a idéia de igualdade deve converter-se em igualdade material. deve inspirar
medidas legislativas que reconheçam as situações concretas desse
melhantes, a fim de lhes dispensar tratamento diferenciado. esta é a noção
consagrada pelo estado social de direito, que assimila a possibilidade
material da existência de desigualdades fáticas existentes na vida real. a
igualdade permite o tratamento diferenciado de situações desiguais, a fim de
restabelecer o equilíbrio rompido pela situação de inferioridade ou de
debilidade de indivíduos econômicos socialmente desfavorecidos. procura
dispensar proteção a estes indivíduos, em busca de um equilíbrio social.
a terceira etapa surge na seqüência histórica, acrescentando-se às duas
anteriores, sem contudo substituí-ias nem eliminá-las. trata-se da igualdade
real, que tende à abolição das desigualdades pela adoção de medidas
corretivas mediante discriminações positivas. a eliminação da discriminação
não resulta apenas na igualdade de tratamento, mas inspira medidas de
acomodação, como por exemplo as que visam à integração das pessoas
deficientes. trata-se, como diz guilherme machado dray, de conceber o
princípio de igualdade "como uma concretização da idéia de justiça social,
como um ponto de chegada e não como um ponto de partida".
com fundamento nessas considerações, o princípio de igualdade prima sobre
o caráter de generalidade das leis. o conceito de igualdade de oportunidades
em sentido material assume nova feição quando necessário, por motivos de
justiça social, regular determinados casos concretos em particular, e não
conjunto indeterminado de situações abstratas. a recomendação do estado de
direito, em sentido formal, de expedir normas dotadas de eficácia geral e
abstrata cede ao imperativo de considerar hipóteses concretas, formando-se a
consciência de que leis-providência, típicas do estado social ou estado-
previdência, justificam-se para dispensar tratamento particular a
determinadas situações, quando comparadas com outras. a lei específica
deve orientar-se por um só critério: não ser arbitrariamente discriminatória.
os motivos que inspiram a edição desse tipo de normas só não podem criar
diferenças discriminatórias injustificáveis à luz dos princípios de
razoabilidade e de proporcionalidade. o princípio de igualdade passa a ser
entendido como proibição de arbítrio. o fato de não ser a norma geral e
abstrata não viola o princípio de igualdade. o princípio de igualdade passa a
ser encarado em vertente negativa: o princípio da não-discriminação. a
necessidade de consagrar diferenças de tratamento cria as chamadas
"discriminações positivas com vistas a alcançar a igualdade substancial",
como esclarece joão caupers.
o princípio de igualdade em sua nova versão, adaptada às exigências sociais
do welfare state, começou a ser instituído no início do século xx pelo
supremo tribunal dos estados unidos da américa, mediante jurisprudência
burilada e desenvolvida pela doutrina alemã do período weimariano,
plenamente acolhida pelos tribunais.
proíbe-se a distinção que não assente num fundamento razoável. a distinção
é lícita, desde que razoável, não arbitrária. a distinção é aceitável, é
plenamente justificável quando não for discriminatória, podendo mesmo ser
fator de igualdade.
para estabelecer as distinções justifcáveis, cabe atentar para as diferenças e
semelhanças essenciais existentes na sociedade. dois critérios são assentados
pela doutrina: o primeiro manda atender "à existência de um fundamento
razoável; de tal forma que é contrária à igualdade perante a lei a diferença ou
identidade de tratamento que não se baseie num fundamento razoável o
segundo critério é o que decorre de existência do arbítrio", como preleciona
guilherme machado dray.z'
o que ressalta nesta nova visão do princípio de igualdade é a vedação geral
do arbítrio, isto é, a proibição de medidas legislativas arbitrárias. entende-se
por arbitrária a lei que trate desigualmente situação objetivamente iguais ou
igualmente situações objetivamente desiguais, sem que haja uma razão que
justifique a diferença ou a identidade de tratamento. deve haver uma
igualdade proporcional.
o princípio de proporcionalidade não se restringe ao terreno da aferição de
compatibilidade das restrições estabelecidas por lei. o princípio da
proporcionalidade foi invocado inicialmente para justificar a imposição de
restrições a determinados direitos, hipótese em que se averiguava a
adequação dos meios empregados para a consecução dos objetivos
pretendidos.` neste sentido, inspira o princípio da proibição do excesso, de
que fala canotilho. mais tarde, o princípio de proporcionalidade, em uma
visão positiva, passa a justificar a necessidade de acomodação de diversos
interesses existentes na sociedade. a distribuição dos deveres e ônus
correlatos, como diz willis santiago guerra filho, "deve se dar obedecendo a
igualdade relativa ou proporcionalidade" e surge como mais importante do
que o princípio de isonomia, pois "enquanto este último determina,
abstratamente, a extensão a todos dos direitos fundamentais, é aquele que
permite, concretamente, a distribuição compatível dos mesmos."2" sendo o
direito ao trabalho um dos "direitos fundamentais" (constituição, art. 6°) - já
que proclamado pelo capítulo ii (dos direitos sociais) do título ii (dos direitos
e garantias fundamentais) - a "distribuição compatível" desse direito que
contemple também os deficientes observará, obrigatoriamente, o princípio
de proporcionalidade. a distribuição eqüitativa e proporcional dos cargos e
empregos quer no setor público quer no privado reservará, em conseqüência,
uma quota destinada aos deficientes. cabe lembrar aqui as noções, acima
expostas, de "medida igual" ou "justa medida", de platão e aristóteles.
para alcançar o objetivo de proporcionar aos deficientes o acesso aos cargos
e empregos públicos e privados, é necessário que o estado-legislador adote
medidas niveladoras, a fim de remover os obstáculos que as opções ao livre
desenvolvimento da personalidade dessas pessoas, assim como dos demais
membros das classes sociais desfavorecidas, não se cogita de colocar todas
as pessoas nas mesmas "posições de partida": impende conceder aos que se
encontram em posição desvantajosa meios para tentar compensar essa
desvantagem.
cabe reconhecer então, com john rawls, os princípios de diferença e de
compensação. como expressão da tendência à igualdade, o princípio da
compensação pressupõe o reconhecimento das diferenças e afirma que "as
imerecidas desigualdades requerem uma compensação e, desde que as
desigualdades de nascimento e dons naturais são imerecidas, terão de ser de
algum modo compensadas. assim, o princípio afirma que visando tratar
igualmente todas as pessoas e cuidando de proporcionar uma autêntica
igualdade de oportunidade, a sociedade terá de conceder maior atuação aos
que tiverem menos dons naturais e aos que nasceram nas posições sociais
menos favorecidas. a idéia é compensar as desvantagens contigentes rumo à
igualdade."
pode-se cogitar, então, de um princípio de equalização social, como versão
do princípio de compensação das desigualdades sociais, no sentido de
promover a promoção das pessoas socialmente desfavorecidas em confronto
com outras pessoas de condição social mais favorável, o que importa a
concessão aos deficientes de alguma vantagem positiva. sob este aspecto, o
princípio de equalização social seria, em face do princípio de igualdade
perante a lei, como o que a outra face da mesma moeda, visto o que se tratar
da mesma maneira os deficientes e as demais pessoas, o se resultado seria a
transformação dos desfavorecidos sociais em desfavorecidos jurídicos, com
desmentido da igualdade perante a lei.
(n. a. o vocábulo equalização não tem uso nos escritos jurídicos. trata-se de
um empréstimo à eletrônica. diminuição da distorção de um sinal por meio
de circuitos que compensem as deformações, reforçando a intensidade de
algumas freqüências e diminuindo a de outras).
cabe analisar agora a questão da aplicabilidade do princípio de igualdade no
campo das relações entre particulares. inicialmente concebido como
afirmação de uma liberdade pública em defesa do cidadão contra a
prepotência do estado, o princípio de igualdade, na versão do princípio de
não discriminação, quando aplicado no domínio interprivado, afeta as
relações que se estabelecem na sociedade civil, entre os particulares. nesta
ocasião, acarreta limitações à autonomia da vontade quando da celebração
de contratos individuais de trabalho.
observa-se, desde logo, que a "igualdade" está mencionada no preâmbulo da
constituição da república como um dos "valores supremos" da sociedade, em
que o estado democrático se funda para assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais. e o direito ao trabalho constitui um dos direitos sociais.
logo, para assegurar o direito ao trabalho, o estado democrático brasileiro
lastreia sua ação social, entre outros, no "valor supremo" da igualdade. a
igualdade, no ordenamento constitucional brasileiro, não é apenas um direito
fundamental (constituição, art. 5°) mas também um critério orientador na
aplicação dos direitos fundamentais. a norma que consagra o direito ao
trabalho não pode desligar-se do princípio de igualdade, entendido como
princípio estruturante e conformador dos direitos fundamentais.
a questão da vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais
sugere a indagação a respeito da possibilidade de "alargamento da eficácia
desses direitos às relações cidadão-cidadão, indivíduo-indivíduo", como
explica j. j. gomes canotilho. inicialmente, essa questão era debatida pela
doutrina alemã sob a rubrica drittwirkung (eficácia externa ou eficácia em
relação a terceiros) dos direitos, liberdades e garantias. mais tarde, passou a
reunir preferências a fórmula efeitos horizontais (horizontalwirkung) ou
eficácia dos direitos, liberdades a garantias na ordem jurídica privada
(geltung der grundrechte in der privatirechtsordnung)." os direitos
fundamentais não são oponíveis apenas em relação aos poderes do estado,
mas sua eficácia se estende ou dilata para alcançar também as relações entre
particulares. a questão é relevante no que diz respeito ao princípio de
igualdade, pelas evidentes restrições ou limitações a serem impostas à
autonomia da vontade ou à liberdade de contratar: em princípio, o
empregador é livre de contratar ou não e, uma vez que se decida pela
admissão de um empregado, é livre também para contratar quem quiser.
a necessidade de compensar a inferioridade da posição jurídica do deficiente
(no confronto com as demais pessoas), no instante da celebração do contrato
de trabalho, fala alto em favor do reconhecimento da vinculação das
entidades privadas aos direitos fundamentais. as empresas privadas não
podem deixar de vincular-se às normas que consagram esses direitos. como
sustenta joão josé nunes abrantes, os direitos, liberdades e garantias dos
trabalhadores "são elementos fundamentais da ordem jurídico-
constitucional, tendo por isso de valer em todos os ramos do direito", e não
apenas contra os poderes do estado. por tal motivo, "a referida vinculação
aos direitos fundamentais prevalece sobre a autonomia privada."
não há dúvida de que - como quer ana prata - a oponibilidade interprivada do
princípio da igualdade tem o seu âmbito circunscrito às situações em que a
validade da manifestação de vontade privada esteja dependente de
fundamentação ou aqueles em que, sendo discricionária, o seu autor tenha
situado a sua motivação num fundamento contraditório com o princípio de
igualdade. É claro que, em certas hipóteses, a extensão da eficácia imediata
dos direitos fundamentais às relações privadas pode conduzir ao
aniquilamento da liberdade individual e à debilitação da autonomia privada.
mas, no caso da admissão forçada de pessoas deficientes pelas empresas
privadas - uma vez que sejam observadas as regras de razoabilidade e
proporcionalidade - não se fazem presentes os resultados certamente
indesejados pelos próprios defensores da teoria: inexiste cerceamento
inadmissível da liberdade e da autonomia privada individual, ante o
manifesto interesse social na adoção da medida. não se rompe, assim, o
necessário equilíbrio entre a liberdade negocial (corolário do princípio da
autonomia privada) e a igualdade, entendida como imperativo e intenção de
justiça.
certa idéia de igualdade exige para sua realização uma disponibilidade
ilimitada dos bens destinados a satisfazer as necessidades das pessoas. basta
que se pense na fórmula "a cada qual segundo suas necessidades". projetada
sobre o bem "trabalho", a igualdade, por essa ótica, só se realizaria em
regime de pleno emprego. o princípio de não discriminação, porém, autoriza
a superação dessa idéia mesmo quando o trabalho é um "bem escasso",
como sucede na atualidade. todos gozam da garantia de acesso ao trabalho -
direito de trabalho - mesmo quando ele não é suficiente para todos
(deficientes ou não)."
o princípio de igualdade não atua apenas quando ocorrer disponibilidade
integral dos bens sobre os quais recai a demanda, mas também em caso de
penúria ou escassez. nesta hipótese, dar-se-á ajusta e proporcional repartição
dos bens existentes. quanto mais grave for a falta de bens essenciais, tanto
mais necessário se faz aplicar a igualdade de tratamento.
6. conclusÃo
a legislação brasileira de proteção aos direitos das pessoas portadoras de
deficiência inclui-se entre as melhores do mundo.
não basta, contudo, legislar para obter os resultados socialmente desejáveis:
é de rigor cumprir e fazer cumprir as leis. em de l'esprit des lois ("o espírito
das leis"), montesquieu escreveu que, "quando vou a um país, não procuro
saber se ele tem boas leis, mais se as leis existentes são executadas, porque
boas leis existem em toda parte."
as leis brasileiras sobre a proteção dos direitos dos deficientes são boas, mas
precisam ser cumpridas. de nada vale a excelência da lei quando sua
execução é negligenciada.
como em toda parte - para repetir montesquieu - no brasil existem boas leis,
mas o problema não reside na busca da boa qualidade de legislação, e sim
em sua eficácia. lei eficaz é aquela que se cumpre espontaneamente.
para ser executada, a legislação exige sintonia com o momento e o estágio
de evolução em que se encontra a sociedade na qual ela pretende atuar. a
sociedade brasileira está perfeitamente amadurecida para acatar cumprir e
fazer cumprir - as leis de proteção aos direitos dos deficientes.
em suas "memórias", o cardeal de richelieu adverte que "fazer uma lei não
fazê-la executar é autorizar aquilo que se quer proibir". aí está o grande
desafio: eliminar a discriminação que ronda o respeito aos direitos dos
deficientes. pretende-se proibir a discriminação, mas ela será tacitamente
autorizada se as leis não foram executadas.

comentÁrios À legislaÇÃo tributÁria


aplicÁvel Às pessoas portadoras
de deficiÊncia
sacha calmon
professor de direito tributário da ufmg. diretor do departamento de direito
tributário do iab - seção minas gerais.
colaboradoras:
mariana correia pereira
mariana fernandes gontijo
taísa oliveira maciel
1. introduÇÃo
os deficientes fisicos e mentais são, muitas vezes, vítimas de preconceito,
discriminação e até mesmo exclusão por parte da sociedade. em decorrência
de suas dificuldades não possuem acesso livre ao trabalho e são poucas as
oportunidades de emprego, especialmente em um país como o nosso onde a
taxa de desemprego já é bastante alta. face a essas diferenças, as pessoas
portadoras de deficiências acabam por se tornarem desiguais, não estão
inseridas por completo na sociedade. conseqüentemente, cabe ao
ordenamento jurídico tornar-lhes possível uma maior integração social,
diminuindo a desigualdade existente. a esse respeito, vale citar texto de
ricardo lobo torres:
"o aspecto mais intrincado da igualdade se relaciona com a sua polaridade.
enquanto nos outros valores (justiça, segurança, liberdade) a polaridade
significa o momento da sua negação (injustiça, insegurança, falta de
liberdade), na igualdade o seu oposto não a nega, senão que muitas vezes a
afirma. aí está o paradoxo da igualdade. a desigualdade nem sempre é
contrária à igualdade, como definiu brilhantemente rui barbosa: a regra da
igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na
medida em que se desigualam. nesta desigualdade social, proporcionada à
desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. "'
concluímos, portanto, que o tratamento desigual dos deficientes esicos e
mentais nada mais é que uma forma de garantia do princípio da igualdade,
consagrado no caput do artigo 5°, da constituição federal e tantas outras
vezes por ela contemplado. inclusive no inciso ii do artigo 150, ao tratar das
limitações ao poder de tributar, o poder constituinte originário deixou bem
claro que o princípio da igualdade deve ser observado também pelo direito
tributário, sendo defeso o tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente.
mais uma vez, fica claro que a igualdade de tratamento deverá ocorrer entre
pessoas sujeitas a condições semelhantes, daí podermos concluir que a
própria constituição federal estabelece que será possível instituirmos
tratamentos desiguais para pessoas que estejam em situações desiguais.
posto que a exigência de tratamento igual, no âmbito de direito tributário,
apenas é feita entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.
pois bem, os deficientes fisicos e mentais, muitas vezes, não se encontram
em situação equivalente a de pessoas que não possuem qualquer deficiência.
no entanto, não é toda e qualquer situação vivida pelos deficientes que o
tornam desiguais, até mesmo porque apesar de suas deficiências, muitos
deles são absolutamente capazes para todos os atos civis e podem, inclusive,
estar em situação equivalente ou melhor à de pessoas não possuidoras de
deficiências. sendo assim, podemos observar pela leitura da legislação ora
apresentada e discutida, que são estabelecidos certos requisitos para a
concessão de beneficios fiscais aos deficientes, de forma a realmente
beneficiar aqueles que se façam desiguais.
pode-se comprovar tal exigência de desigualdade através da análise de
legislação do estado do rio de janeiro que estabelece o conceito de deficiente
fisico, demonstrando que não basta possuir deficiência, é necessário que esta
acarrete uma situação de desvantagem perante as pessoas ditas normais:
"lei n ° 623/82

art. 1 °- o deficiente físico a que se refere a alínea b do art. 147 da


constituição do estado é toda pessoa em estado de incapacidade de prover
por si mesma, inteiramente ou em parte, às necessidades de uma vida
pessoal ou social normal, em conseqüência de uma deficiência, congênita ou
não, seja de natureza física ou mental. "
no presente trabalho, abordaremos as exonerações objetivas e subjetivas
conferidas às pessoas portadoras de deficiência. ressaltamos que as
exonerações objetivas são aquelas conferidas a determinadas instituições sob
a forma de imunidades, tendo como fonte formal a constituição federal. as
exonerações subjetivas aparecem sob a forma de isenções e são conferidas às
pessoas fisicas dos beneficiários através de lei ordinária.

2. os deficientes fÍsicos e as entidades beneficentes


2.1. introdução: razão de ser da imunidade
em nosso país, sempre preponderou o horror ao lucro e aos juros, de forma
que a assistência social e a filantropia são vistas como se só pudessem provir
do estado todo-poderoso ou do amor e da caridade absolutos. do estado se
admite até que cobre de uns para dar quase nada a outros. dos particulares se
exige espírito católico e caridade. a assistência social e a filantropia,
conforme pensam alguns, só podem ser pias e caritativas, como por
exemplo as santas casas de misericórdia, o lar das mães solteiras, os asilos
de idosos, os orfanatos, a sociedade são vicente de paula, os irmãos de
emaús e assim por diante. nada além.
esse conceito de assistência social e de filantropia é seiscentista e dista
séculos de outras manifestações da mesma natureza, praticadas em outros
países e também no brasil, aqui, porém, cobertas pelo manto da desconfiança
e pelo furor da inquisição fiscal, que substitui, à perfeição, a dos antigos
inquisidores clericais.
com efeito, o conceito de assistência social auto-sustentada, onde é possível
coligar atividades cobradas de uns para dar assistência e filantropia a outros,
ainda não transita no meio jurídico com a aceitação que era de se esperar.
essas razões extrajurídicas impedem a pura visão jurídica com que a matéria
deveria ser tratada.
atento a esse fato, o legislador constituinte concedeu imunidade tributária às
instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos. o
beneficio abrange tanto os impostos (e para alguns, taxas e contribuições de
melhoria), a teor do art. 150, vi, "c", como as contribuições sociais, a teor do
art. 195, §7°, ambos da carta magna.
ao contrário do que pensam alguns, a imunidade aí não está ligada à análise
da capacidade contributiva dessas entidades. algumas delas, inclusive,
possuem até um significativo patrimônio, uma conta bancária considerável.
mas essa "riqueza" não é dirigida a fins privados. É dirigida à
complementação de ações governamentais, naquela idéia de que a sociedade
civil organizada pode ajudar o estado na eterna busca do bem-comum e da
proteção ao bem-estar social. a imunidade, nesse caso, é um dos aspectos da
proteção ao mínimo existencial. procura resguardar a educação, a saúde, a
cultura e a assistência social que, em sua expressão mínima, constituem
direitos humanos inalienáveis e imprescritíveis, ainda que implícitos no art.
5° da constituição. assevera ricardo lobo torres, na obra tratado de direito
constitucional, financeiro e tributário, vol. iii:
"o fundamento da imunidade das instituições de educação e assistência
social é a proteção da liberdade. pouco tem a ver com a capacidade
contributiva, que é princípio de justiça.
defeito, a imunidade visa proteger os direitos da liberdade compreendidos no
mínimo existencial, nas condições iniciais para a garantia da igualdade de
chance. as instituições de educação e de assistência social são imunes aos
impostos em consideração ao direito à sobrevivência dos pobres e dos
desassistidos. É necessário que atuem desinteressada e altruisticamente na
proteção das camadas desprivilegiadas da sociedade. a justificativa da
imunidade, por conseguinte, está em que não se pode cobrar imposto sobre
atividade que substancialmente se equipara à própria ação estatal ou que a
substitui no amparo à pobreza (.) ".
3. requisitos para que as entidades beneficentes obtenham a imunidade
tributÁria

a constituição federal estabeleceu apenas dois requisitos à obtenção da


imunidade: ausência de fins lucrativos e observância aos requisitos de lei.
em relação ao primeiro, é bastante difícil definir o alcance da ausência de
fins lucrativos. o que se pode afirmar é a não-necessidade de que os serviços
oferecidos sejam gratuitos, pois toda entidade, almeje lucros ou não, precisa
de recursos para sobreviver. o que se exige é que elas não visem o lucro, que
sejam non profits, desinteressadas, jamais distribuindo lucro ou patrimônio a
particulares, e que realizem uma atividade essencial, de natureza pública, em
complemento às atividades estatais.
com relação aos requisitos legais, o ctn estabelece, em seu art. 14, três
requisitos à imunidade: não-distribuição de lucros, aplicação integral de
recursos no país e manutenção de escrituração contábil. todavia, a lei n°
9.532/97 e a lei n° 8.212/91, esta última alterada pela lei n° 9.732/98,
trouxeram outras exigências, extrapolando o disposto no art. 14 do ctn. cabe,
pois, de antemão, analisar cada um desses requisitos, sua constitucionalidade
e seus efeitos. É o que passaremos a expor.

4. requisitos para que as instituiÇÕes de assistÊncia social obtenham a


imunidade prevista no art. 150, vi, c, da constituiÇÃo

4.1. observância aos requisitos da lei


o código tributário nacional estabelece, em seu art. 14, três requisitos à
obtenção da imunidade: não-distribuição de lucros, aplicação integral de
seus recursos no país, manutenção de escrituração contábil. a lei n° 8.212/91
(lei orgânica da previdência), em seu art. 55, contudo, estabeleceu outros
requisitos, destacando-se a obtenção, junto à previdência, do certifcado de
fins filantrópicos e a obtenção de dois decretos (um federal e outro estadual
ou municipal) declarando a utilidade pública daquela instituição. a lei n°
9.532/98 trouxe algumas inovações, como a não-remuneração dos dirigentes
dessas instituições. finalmente, a lei n° 9.732/98, que regulamentou o art.
195, § 7°, veio falar de gratuidade em caráter exclusivo. mais adiante
veremos um pouco mais sobre tais exigências.
3. requisitos para que as entidades beneficentes obtenham a imunidade
tributÁria

a constituição federal estabeleceu apenas dois requisitos à obtenção da


imunidade: ausência de fins lucrativos e observância aos requisitos de lei.

em relação ao primeiro, é bastante difícil definir o alcance da ausência de


fins lucrativos. o que se pode afirmar é a não-necessidade de que os serviços
oferecidos sejam gratuitos, pois toda entidade, almeje lucros ou não, precisa
de recursos para sobreviver. o que se exige é que elas não visem o lucro, que
sejam non profits, desinteressadas, jamais distribuindo lucro ou patrimônio a
particulares, e que realizem uma atividade essencial, de natureza pública, em
complemento às atividades estatais.

com relação aos requisitos legais, o ctn estabelece, em seu art. 14, três
requisitos à imunidade: não-distribuição de lucros, aplicação integral de
recursos no país e manutenção de escrituração contábil. todavia, a lei n°
9.532/97 e a lei n° 8.212/91, esta última alterada pela lei n° 9.732/98,
trouxeram outras exigências, extrapolando o disposto no art. 14 do ctn. cabe,
pois, de antemão, analisar cada um desses requisitos, sua constitucionalidade
e seus efeitos. É o que passaremos a expor.

4. requisitos para que as instituiÇÕes de assistÊncia social obtenham a


imunidade prevista no art. 150, vi, c, da constituiÇÃo

4.1. observância aos requisitos da lei

o código tributário nacional estabelece, em seu art. 14, três requisitos à


obtenção da imunidade: não-distribuição de lucros, aplicação integral de
seus recursos no país, manutenção de escrituração contábil. a lei n° 8.212/91
(lei orgânica da previdência), em seu art. 55, contudo, estabeleceu outros
requisitos, destacando-se a obtenção, junto à previdência, do
o requisito constitucional da ausência de fins lucrativos leva a esse outro. até
10.01.2001, assim preconizava o art. 14 do ctn:

"art. 14: (...) i - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de


suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado" (destacamos).
não obstante, a lei n° 9.532, de 10.12.1997,estabeleceu em seu art. 12: "art.
12. para efeito do disposto no art. 150, inciso vi, alínea `c' , da constituição,
considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que
preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à
disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do
estado, sem fins lucrativos.
§ 1 "não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e os de capital
auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
§ 2"para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo
estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:
a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços
prestados;
b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos
seus objetivos sociais;
c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros
revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;
d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da
emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a
efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos
ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial;
e) apresentar, anualmente, declaração de rendimentos, em conformidade
com o disposto em ato da secretaria da receita federal;
f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou
creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados,
bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes;
g) assegurara destinação de seu patrimônio a outra instituição que às
condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou
de encerramento de suas atividades, ou a órgão público;
h) outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o
funcionamento das entidades a que se refere este artigo.
§ 3 ° considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit
em suas contas ou, caso o apresente em determinando exercício, destine
referido resultado integralmente ao incremento de seu ativo imobilizado"
(grifamos e destacamos).
como se nota, a lei n° 9.532/97 trouxe novas exigências, ampliando o leque
de requisitos dispostos no ctn. a questão é que ela não poderia ter feito isso,
pois o ctn já havia regulado a matéria e, além do mais, regular imunidade é
matéria sob reserva de lei complementar.
ocorre, todavia, que a lei complementar n° 104, de 10 de janeiro de 2001,
alterou a redação do art. 14 do ctn, que ficou assim redigido:
"art. 14. (.) i -não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas
rendas, a qualquer título" (destacamos).
a redação original era, sem dúvida, melhor. deixava claro que apenas a título
de lucro ou participação é que a sociedade não podia remunerar. deve
prevalecer que a vedação não se estende, é claro, à remuneração de cargos
técnicos. sem profissionais como contadores, secretárias, psicólogos,
professores, as entidades não poderiam exercer seu objeto social. apenas nas
quanto aos cargos de confiança, tais como diretores e conselheiros, é que
não se admite a remuneração.
nesse sentido, decidiu a 2a câmara do conselho de recursos da previdência
social, nos autos do processo n° 4044762/95, sendo relator o cons. antonio
lisboa cardoso:
"não vislumbro, no mundo jurídico, qualquer impedimento para que o
diretor da entidade filantrópica exerça, nesta, atividade técnico-
administrativa com percepção de remuneração, pois, de acordo com o
estabelecido no art. 55 da lei n ° 8.212/91, c% o inciso viii do art. 30 do
decreto 612/92, a vedação é em relação à função de diretor ou conselheiro ".
4.1.2. aplicação de recursos no país
o inciso ii do ctn fala em aplicação de recursos no país, para que a entidade
mantenha seus fins sociais. o dispositivo tem razão de ser. se por um lado,
busca-se facilitar a criação dessas instituições, não as tributando, em
contrapartida, não seria razoável permitir que aplicassem seus recursos em
outros países. seria até ilógico. o mesmo acontece com a isenção de imposto
na aquisição de veículos por deficiente fisico. a jurisprudência vem
entendendo que não se deve admitir o beneficio na aquisição de veículos
importados, porque o objetivo da isenção não justifica que se prejudique,
ainda que indiretamente, a indústria nacional.
a lei n° 9.532/98, todavia, dispôs em seu art. 12, § 2°, "b", que os recursos
devem ser aplicados integralmente na manutenção e no desenvolvimento dos
objetivos sociais, completando ainda que os rendimentos e os de capital
obtidos em aplicações financeiras de renda fixa ou variável não estariam
abrangidos pela imunidade. bastante discutível é o dispositivo em questão,
uma vez que se trata de lei ordinária posterior à lei complementar de normas
gerais, de forma que não poderia revogá-la.
4.1.3. escrituração contábil
já no que tange à escrituração, a lei n° 9.532/98 apenas detalhou o
dispositivo do ctn, sem extrapolar os limites ali contidos. o que se quer é que
a entidade mantenha uma escrituração limpa, capaz de assegurar a exatidão
das informações prestadas.
diz a lei n° 9.532/98, em seu art. 12, § 2°, "c":
"art. 12: (.) c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em
livros revestidos de formalidades que assegurem a respectiva exatidão ".
5. requisitos relativos Às contribuiÇÕes sociais
para obterem o beneficio em relação às contribuições sociais, as entidades
filantrópicas estão sujeitas a uma série de exigências estabelecidas pelas leis
n°` 8.212/91 e 9.732/98.
dispõe a lei n° 8.212/91, em seu art. 55:
"art. 55: fica isenta de contribuições de que tratam os artigos 22 e 23 desta
lei a entidade beneficente de assistência social que atenda os seguintes
requisitos cumulativamente:
i - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do
distrito federal ou municipal;
ii - seja portadora do certificado ou do registro de fins filantrópicos,
fornecido pelo conselho nacional de serviço social, renovado a cada três
anos;
iii-promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de
saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;
iv- não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou
benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer
título;
v- aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e
desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente
ao conselho nacional da seguridade social relatório circunstanciado de suas
atividades ".
5.1. a declaração de utilidade pública e a obtenção do certificado de fins
filantrópicos

para requerer o certificado de fins filantrópicos, é necessário que a entidade


seja declarada de utilidade pública (decreto n° 3.504, de 13.06.2000)
o requerimento do decreto federal é feito ao presidente da república, e
tramita perante o ministério da justiça.
em relação ao certificado, o decreto n° 752/93 dispõe em seu art. 2°:

"art. 2° faz jus ao certificado de entidade de fins filantrópicos a entidade


beneficente de assistência social que demonstre cumulativamente:
i - estar legalmente constituída no país e em efetivo funcionamento nos três
anos anteriores à solicitação do certificado de fins filantrópicos;
ii- estar previamente registrada no conselho nacional de serviço social, de
conformidade com o previsto na lei n ° 1.493, de 13 de dezembro de 1951;
a lei n° 8.742/93 estabelece a competência do conselho nacional de
assistência social (cnas), órgão do ministério da previdência e assistência
social, para fixar normas para a concessão do registro e certificado de fins
filantrópicos.
várias resoluções vieram regulamentar a matéria, sendo a última a resolução
n° 177, de 10.08.2000, alterada em alguns dispositivos pela resolução n° 02,
de 04.01.2001. vejamos os principais artigos:
"art. 2° considera-se entidade beneficente de assistência social, para os fins
dessa resolução, a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que
atue no sentido de:
i - protegera família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice;
ii- amparar crianças e adolescentes carentes;
111-promover ações de prevenção, habilitação e reabilitação e pessoas
portadoras de deficiência;
iv-promover gratuitamente assistência educacional ou de saúde;
v- promover a integração ao mercado de trabalho;
vi-promover o atendimento e o assessoramento aos beneficiários da lei
orgânica da assistência social e a defesa e a garantia de seus direitos.
art. 3 ° o certificado de entidade de fins filantrópicos somente poderá ser
concedido ou renovado para entidade beneficente de assistência social que
demonstre, nos três anos anteriores ao requerimento, cumulativamente:
i - estar legalmente constituída no país e em efetivo funcionamento; ii- estar
previamente inscrita no conselho municipal de assistência social do
município de sua sede, se houver, ou no conselho estadual de assistência
social, ou conselho de assistência do distrito federal; iii - estar previamente
registrada no cnas; iv - seja declarada de utilidade pública federal (decreto
3.504/2000); v- constar de seu estatuto social disposições que determinem
que a entidade: a) aplica suas receitas, rendas, rendimentos e o eventual
resultado operacional integralmente no território nacional e no
desenvolvimento de seus objetivos institucionais; b) (excluída, pela
resolução n ° 02/01); z c) (excluída pela resolução n ° 02/01); 3 d) não
percebem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou
equivalentes, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente,
por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou
atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; e)
destina, sem seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, o
eventual patrimônio remanescente a entidade congênere registrada no cnas
ou a entidade pública; j) (excluída pela resolução n° 02/01);4 vi - aplicar;
anualmente, em gratuidade, pelo menos 20% da receita bruta proveniente da
venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações financeiras,
de locação de bens, de venda de bens não integrante do ativo imobilizado e
de doações particulares, cujo montante nunca será inferior à isenção de
contribuições sociais usufruídas;
vii - as fundações particulares, que desenvolvam atividades previstas nos
incisos i a vi do art. 2°, constituídas como pessoas jurídicas de direito
privado, deverão apresentar seus contratos, atos constitutivos, estatutos ou
compromisso, inscritos junto ao registro civil de pessoas jurídicas, conforme
disposto no art. 16 do código civil e devidamente aprovados pelo ministério
público.
em sÍntese, o procedimento É o seguinte:
a) após três anos de funcionamento da entidade, ela pode requerer a
declaração de utilidade pública, o que é feito por meio de dois decretos: um
federal, outro estadual ou municipal. o reconhecimento federal é feito por
oficio dirigido ao presidente da república, e tramita no ministério da justiça.
o reconhecimento estadual é feito por pedido dirigido ao governador e
tramita no palácio do governo. uma vez publicados os dois decretos, faz-se o
pedido de registro.
b) publicado o decreto, encaminha-se o pedidos de registro. para faze-lo, é
necessário:
• ter sido declarada de utilidade pública;
• preencher o formulário fornecido pelo cnas;
• apresentar cópia autenticada de uma série de documentos, previstos no art.
4° da resolução n° 177, incluindo: cópia do estatuto social devidamente
registrado no cartório civil de pessoas jurídicas; comprovante de inscrição
municipal de assistência social do municipio de sua sede; declaração
assinada pelo dirigente da entidade de que ela está em pleno e regular
funcionamento, cumprindo suas finalidades estatutárias; apresentar relatório
de atividades; cópia da ata de eleição dos membros da atual diretoria.
c) o deferimento desse pedido será publicado no diário oficial da união
(dou). três anos após a publicação da concessão do registro, pede-se a
expedição do certificado, o qual deverá ser renovado a cada três anos. mas o
registro é suficiente à obtenção do beneficio, consoante o art. 55, ii, da lei n°
8.212/91.
5.2. gratuidade
uma das inovações trazidas pela lei n°9.732/98, que alterou o art. 55 da lei
n° 8.212/91, é a exigência de gratuidade para que seja concedido o beneficio
de "isenção" de contribuição social. confira-se o dispositivo:
"art. 55: (.)
iii-promova, gratuitamente em caráter exclusivo, a assistência social
beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e
portadores de deficiência;
g)
§ 3'para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a
prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar.
§ 4'instituto nacional do seguro social -inss cancelará a isenção se verificado
o descumprimento do disposto neste artigo.
§ 5° considera-se também de assistência social beneficente, para os fins
deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta
por cento ao sistema único de saúde, nos termos de regulamento
" (destacamos).
a nova redação do inciso iii, exigindo que a assistência prestada pela
entidade interessada na imunidade seja exclusivamente gratuita,
simplesmente anula o beneficio instituído pelo art. 195, § 7°, da
constituição. É que, conforme se demonstrou, nem as santas casas prestam
serviços assistenciais exclusivamente gratuitos: ao atender a indigentes, são
remuneradas pelo sus; para manter um maior número de pacientes atendidos
a preços subsidiados, cobram preços de mercado daqueles que podem pagar.
exigir exclusividade de serviço gratuito significa um retrocesso no conceito
de assistência social auto-sustentável. além disso, denota uma interpretação
equivocada, da parte do legislador infraconstitucional, do art. 195, § 7°, da
constituição, ao supor que detém total liberdade em sua regulamentação, a
ponto de jogá-lo por terra.
com efeito, o supremo tribunal federal, ao apreciar o pedido liminar na ação
direta de inconstitucionalidade n° 2028, suscitando a inconstitucionalidade
da lei n° 9.732/98, em seus arts. 1°, na parte que alterou o art. 55, iii, da lei
n° 8.212/91, 4°, 5° e 7°, entendeu pela inconstitucionalidade da mesma, em
decisum assim ementado:
`ação direta de inconstitucionalidade. art. 1 °, na parte em que alterou a
redação do artigo 55, iii, da lei n ° 8.212/91 e acrescentou-lhe os §§ 3°, 4°e
5°, e dos artigos 4°, 5°e 7°, todos da lei n°9.732, de 11 de dezembro de 1998.
preliminar de mérito que se ultrapassa porque o conceito mais lato de
assistência social - e que é admitido pela constituição - é o que parece deva
ser adotado para a caracterização da assistência prestada por entidades
beneficentes, tendo em vista o cunho nitidamente social da carta magna.
de há muito se firmou a jurisprudência desta corte no sentido de que só é
exigível lei complementar quando a constituição expressamente a ela faz
alusão com referência a determinada matéria, o que implica dizer que
quando a carta magna alude genericamente a `lei 'para estabelecer princípio
de reserva legal, essa expressão compreende tanto a legislação ordinária, nas
suas diferentes modalidades, quanto a legislação complementar.
no caso, o artigo 195, § 7°, da carta magna, com relação à matéria específica
(as exigências a que devem atender as entidades beneficentes de assistência
social para gozarem da imunidade aí prevista), determina apenas que essas
exigências sejam estabelecidas em lei. portanto, em face da referida
jurisprudência desta corte, em lei ordinária.
É certo, porém, que há forte corrente doutrinária que entende que, sendo a
imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar, embora o §
7°do artigo 195 só se refira à `lei'sem qualificá-la como complementar- e o
mesmo ocorre quanto ao artigo 150, vi, `c', da carta magna -, essa expressão,
ao invés de ser entendida como exceção ao princípio geral que se encontra
no artigo 146,11("cabe à lei complementar: ... ii - regular as limitações
constitucionais ao poder de tributar'), deve ser interpretada em conjugação
com esse princípio para se exigir lei complementar para o estabelecimento
dos requisitos a ser observados pelas entidades em causa.
a essa fundamentação jurídica, em si mesma, não se pode negar relevância,
embora, no caso, se acolhida, e, em conseqüência, suspensa provisoriamente
a eficácia dos dispositivos impugnados, voltará a vigorar a redação
originária do artigo 55 da lei n° 8.212/91, que, também por ser lei ordinária,
não poderia regular essa limitação constitucional ao poder de tributar, e que,
apesar disso, não foi atacada, subsidiariamente, como inconstitucional nesta
ação direta, o que levaria ao não-conhecimento destapara se possibilitar que
outra pudesse ser proposta sem essa deficiência.
em se tratando, porém, de pedido de liminar, e sendo igualmente relevante
atese contrária - a de que, no que diz respeito a requisitos a ser observados
por entidades para que possam gozar da imunidade, os dispositivos
específicos, ao exigirem apenas lei, constituem exceção ao princípio geral-,
não me parece que a primeira, no tocante à relevância, se sobreponha à
segunda de tal modo que permita a concessão da liminar que não poderia
dar-se por não ter sido atacado também o artigo 55 da lei n ° 8.212/91 que
voltaria a vigorar integralmente em sua redação originária, deficiência essa
da inicial que levaria, de pronto, ao não-conhecimento da presente ação
direta.
entendo que, em casos como o presente, em que há, pelo menos num
primeiro exame, equivalência de relevâncias, e em que não se alega contra
os dispositivos impugnados apenas inconstitucionalidadeformal, mas
também inconstitucionalidade material, se deva, nessa fase da tramitação da
ação, trancá-la com o seu não-conhecimento, questão cujo exame será
remetido para o momento do julgamento final do feito.
embora relevante a tese de que, não obstante o § 7° do artigo 195 só se refira
a `lei', sendo a imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar,
é de se exigir lei complementar para o estabelecimento dos requisitos a ser
observados pelas entidades em causa, no caso, porém, dada a relevância das
duas teses opostas, e sendo certo que, se concedida a liminar, revigorar-se-ia
legislação ordinária anterior que não foi atacada, não deve ser concedida a
liminar pleiteada.
É relevante o fundamento da inconstitucionalidade material sustentada nos
autos (o de que os dispositivos ora impugnados - o que não poderia ser feito
sequer por lei complementar- estabeleceram requisitos que desvirtuam o
próprio conceito constitucional de entidade beneficente de assistência social,
bem como limitaram a própria extensão da imunidade). existência, também,
do periculum in mora referendou-se o despacho que concedeu a liminar para
suspender a eficácia dos dispositivos impugnados nesta ação direta" (adimc
2028/df, pleno, rel. min. moreira alves, dj 16.06.2000).
a questão da gratuidade é bastante complexa, até mesmo pela nossa
mentalidade arcaica, como já mencionamos, que insiste em enxergar as
entidades filantrópicas como caritativas. com efeito, quando ouvimos a
palavra filantropia, imediatamente a associamos com "trabalho gratuito".
mas, essa concepção não se coaduna com uma análise jurídica do problema.
não há como as santas casas atenderem a todos gratuitamente. É claro que
para a saúde e a educação, preocupou-se o legislador com o aspecto da
gratuidade. num país com tamanha concentração de renda, não seria justo
admitir-se que somente os que podem pagar tenham acesso a esses direitos
tão fundamentais. daí se estabelecer um número mínimo de vagas gratuitas,
de bolsas escolares, de leitos gratuitos nos hospitais.
contudo, para os deficientes fisicos, a questão não é meramente financeira,
porque abarca todas as classes sociais, e todos devem ser protegidos.
infelizmente ainda existe muita discriminação quanto a essas pessoas, seja
na família, no mercado de trabalho, ou no meio social em que vivem. a
preocupação do legislador, por esse motivo, deve ser a de incentivar ao
máximo a criação de entidades que as protejam, desde que assegurem "livre
ingresso aos que solicitarem sua filiação como assistidos".
tamanha deve ser a preocupação com os deficientes fisicos que algumas
cidades já instituíram a isenção do iptu para os estabelecimentos onde elas
funcionam. confira-se o que diz a lei municipal n° 1.955/93, do rio de
janeiro:
"art. 1 ° o art. 61 da lei n ° 691, de 24 de dezembro de 1984, fica acrescido
dos seguintes incisos e parágrafos:

'art. 61- ...


xxv- os imóveis ocupados por entidades e associações representativas de
apoio e de integração a pessoas portadoras de deficiência, sem fins
lucrativos e declaradas de utilidade pública por legislação federal, estadual
ou municipal, cujas atividades estejam correlacionadas a uma ou a diferentes
áreas de deficiência física, sensorial, mental ou orgânica.'
todavia, o furor fiscal em nosso país vem assumindo proporções
assustadoras. tenta-se, de todo modo, restringir ao máximo a aplicação de
benefcios constitucionais em matéria tributária. nesse sentido, a medida
provisória n° 1.602/97 continha dispositivo prevendo que a instituição imune
teria que prestar somente serviços gratuitos. não foi acolhido pela lei n°
9.532/97. mas a lei n° 9.732/98, que regulamentou a imunidade do art. 195,
§ 7°, da constituição, estipulou a obrigatoriedade que a instituição "promova,
gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a
pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores
de deficiência". o dispositivo tem suscitado um grande debate doutrinário e
jurisprudencial, sobretudo porque a gratuidade não estava prevista nem na
constituição, nem no código tributário nacional.

6. o caminho do judiciÁrio: regulamentaÇÃo infraconstitucional da


imunidade do art. 150, vi, c, da constituiÇÃo federal

a par do que dissemos, vale ressaltar que, apesar do decreto n° 752/93 ter
explicitado o amparo aos portadores de deficiência no rol de atividades que
tocariam às instituições beneficentes de assistência social, aqueles que não
preencham todas essas exigências burocráticas poderão socorrer-se no
judiciário.
a lei n° 8.212, de 25 de julho de 1991, é uma lei ordinária da união, que
contém o plano de custeio da seguridade social. não é lei complementar. não
se presta assim a ditar os requisitos a serem observados pelas pessoas
imunes, questão que continua a ser disciplinada pelo ctn. evidente a
inaplicabilidade da lei n° 8.212/91, pois o art. 195, § 7°, consagra uma
imunidade como limitação constitucional ao poder de tributar, cuja
regulamentação - conforme dita o art. 146, il, da constituição- é matéria
privativa do legislador complementar.
cabe, portanto, definir, em consonância aos ditames constitucionais, quais os
requisitos necessários à configuração de tais instituições, para fins de
enquadramento na imunidade tributária prevista no art. 150, vi, "c", da
constituição, verbis:
"ari. 150. sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à união, aos estados, ao distrito federal e aos municípios:
vi - instituir impostos sobre:
c) património, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos
da lei " (grifos nossos).
a constituição outorgou a essas entidades a imunidade tributária, impondo
apenas dois pressupostos: não terem "fins lucrativos" e atenderem aos
"requisitos da lei".
e mais: a imunidade se estende não apenas em relação aos impostos, mas
também em relação às contribuições para o financiamento da seguridade
social, como disposto no art. 195:
"art. 195 (..)
§ 7° são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades
beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas
em lei".
apesar de o dispositivo ter mencionado o termo "isento", sabemos tratar-se
de imunidade. a constituição, tanto em seu art. 150, vi, c", como no art. 195,
§ 7°, exige do ente imune observância aos requisitos ou exigências
estabelecidas em lei. mas que espécie de lei?
antes do advento da constituição de 1988, já havia a jurisprudência fixado o
entendimento de que a regulamentação das imunidades somente poderia
advir de lei complementar federal. após a vigência da carta de 1988, ficou
mais claro ainda que o único veículo idôneo a regular a matéria seria a lei
complementar, genericamente prevista no art. 146 e especificamente referida
nos arts. 150 e 195, § 7°, citados. eis o teor do art. 146, 11:
"cabe à lei complementar:
i- ..............................
ii-regular as limitações constitucionais ao poder de tributar
o código tributário nacional, que foi neste particular recepcionado pela atual
constituição com o mesmo status de lei complementar, dispõe, por sua vez,
no seu artigo 14, com a redação dada pela lc n° 104, de 10.01.2001, os
seguintes requisitos:
"o disposto na alínea `c' do inciso iv do art. 9°é subordinado à observância
dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
i - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a
qualquer título;
ii- aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos
seus objetivos institucionais;
iii - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos
de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. "
a lei n° 8.212/91 expandiu as exigências do ctn, exigindo o cumprimento dos
seguintes requisitos:
"art. 55. fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta lei
a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes
requisitos cumulativamente:
i- seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do
distrito federal ou municipal;
ll - seja portadora do certificado ou do registro de entidade de fins
filantrópicos, fornecido pelo conselho nacional de serviço social, renovado a
cada três anos;
111-promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de
saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;
iv- não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou
benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer
título;
v - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e
desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente
ao conselho nacional da seguridade social relatório circunstanciado de suas
atividades.
§ 1 ° ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo
será requerida ao instituto nacional do seguro social (inss), que terá o prazo
de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.
como se observa facilmente, a lei n° 8.212/91 contém exigências claramente
inconstitucionais, porque expansivas das regras dispostas pelo código
tributário nacional.
com efeito, tratando da imunidade das atividades religiosas, políticas,
assistenciais e culturais, esclarece misabel derzi, em atualização à 7' ed. do
"limitações constitucionais ao poder de tributar", de aliomar baleeiro, p. 316:
`a constituição de 1988, no mesmo caminho traçado pelo texto anterior,
dispõe sobre a imunidade das atividades, uma vez atendidos os requisitos
previstos em lei complementar. À luz da constituição de 1988, não resta
dúvida de que somente a lei complementar da união pode cumprir os
ditames do art. 150, vi, `c', por força do que estabelece o art. 146, ii:
`cabe à lei complementar:

ii. regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.


não se deve sustentar mais a tese de que a lei ordinária possa cumprir o papel
de regular as imunidades porque:
• a constituição em vigor é expressa ao exigir a edição de lei complementar
no seu art. 146 supracitado;
• a imunidade não pode ser regulada por lei ordinária da pessoa estatal
competente para tributar, uma vez que os interesses arrecadatórios de tais
entes levariam à frustração da própria imunidade ".
em outra ocasião, a mesma autora afirma:
"não cabe ao intérprete - e essa tem sido a posição j.urisprudencial uniforme-
ou ao legislador ordinário criar outros requisitos não previstos em lei
complementar, tais como a declaração legal de utilidade pública; a exigência
da constituição de fundação como único veículo formal ao desenvolvimento
das atividades educacionais e assistenciais; a gratuidade dos serviços
prestados por seus diretores e administradores, etc. ".
em termos práticos, quanto mais instituições estiverem aptas a obter o
certificado de fins filantrópicos, melhor é para o país. com efeito, os
objetivos que justificam a concessão da imunidade são realmente nobres,
visam cumprir uma meta primordial ao estado de direito, qual seja a busca
pelo bem-comum e pela justiça social. o beneficio social do trabalho
realizado por essas entidades é muito maior do que poderia representar a
arrecadação fiscal.
a constituição exige, fundamentalmente, que a entidade imune seja
beneficente de assistência social, remetendo à lei complementar o
estabelecimento das exigências. o conceito de assistência social beneficente
não decorre da lei 8.212/91, nem de outro ato infraconstitucional, mas está
consagrado diretamente na carta magna.
7. as exoneraÇÕes subjetivas

7.1. os impostos municipais


7.1.1. o iptu
no iptu, capta-se os informes legislativos que formam a hipótese de
incidência, devendo-se considerar: a) a constituição na parte em que delineia
o fato jurígeno; b) as leis complementares, que tratam de fato jurígeno, e o
ctn; c) as imunidades previstas na constituição; d) as leis ordinárias
municipais, prevendo a tributação e as exclusões fiscais (principalmente
isenções).
aqui analisaremos, exemplificativamente, algumas legislações ordinárias
municipais, que prevêem isenções do iptu aos deficientes fisicos e mentais.
tomemos como primeiro exemplo a legislação do município do rio de
janeiro que versa sobre iptu. o artigo 61, § 2°, da lei n° 691/84, modificado
pelo artigo 1° da lei n° 1955/93, in verbis, concede isenção do iptu aos
deficientes fisicos. no entanto, não se estende tal isenção a todo e qualquer
deficiente, mas apenas àqueles que preencherem os requisitos ali previstos:
"lei n ° 1955/93 -município do rio de janeiro
art. 1 °- o art. 61 da lei 691, de 24 de dezembro de 1984, fica acrescido dos
seguintes incisos e parágrafos:
'art. 61- ...
xxiii - o contribuinte, com mais de sessenta anos aposentado ou pensionista,
com renda mensal total de até dois salários mínimos, titular exclusivo de um
único imóvel, utilizado para a sua residência, com área de até oitenta metros
quadrados, persistindo o direito à isenção após o seu falecimento, desde que
a unidade continua a servir de residência ao cônjuge supérstite e que seus
ganhos mensais sejam iguais ou inferiores a dois salários mínimos;
§ 11 °-a isenção tributária, de que trata o inciso xxiii, fica estendida ao
deficientefisico que por esta razão recebe beneficio de um salário mínimo de
qualquer instituto de previdência, desde que possua apenas um imóvel e
este seja o seu domicílio'.'
art. 4 °- o art.. 105 da lei 691, de 24 de dezembro de 1984, fica acrescido do
seguinte inciso:
'art. 105 - ...
iv- os contribuintes referidos nos incisos xxiv, xxiv, xxv e §§ 9°, 10 e 11 do
art. 61 desta lei.'
parágrafo Único -na regulamentação, para efeito de isenção tributária a
imóvel de propriedade de pessoa portadora de deficiência, o poder executivo
estabelecerá os critérios de caracterização e grau de deficiência para
concessão da exclusão tributária, ouvindo preliminarmente o conselho
municipal de defesa dos direitos da pessoa portadora de deficiência. "
no município de são paulo' existem três projetos de lei voltados à isenção de
iptu para deficientes físicos ou empresas que empreguem pessoas portadoras
de deficiências fisicas ou mentais. são eles: projeto de lei n° 00176 de 1994 -
dispõe sobre a isenção ao iptu aos deficientes físicos; projeto de lei n° 00712
de 1998 - isenta do pagamento do iptu os portadores de deficiência fïsica,
proprietários de um único imóvel residencial de uso próprio no município de
são paulo; e o projeto de lei n° 00853 - dispõe sobre a isenção parcial do
pagamento de iptu relativo aos imóveis de propriedade de empresas que
empreguem pessoas portadoras de deficiências físicas ou mentais.
há vários casos de isenções concedidas aos deficientes. essas isenções
podem ser consideradas como ratione personae, pois são concedidas a
determinados contribuintes, em decorrência de suas características próprias.
a princípio, o deficiente físico por ser proprietário de imóvel localizado na
zona urbana está enquadrado como sujeito passivo do iptu, mas é retirado do
campo de incidência pela legislação própria, em razão de certos caracteres.
pode-se observar, no entanto, que não se trata exclusivamente de uma
isenção subjetiva, afinal há requisitos a serem preenchidos que não são
inerentes às pessoas deficientes, mas que fazem referência ao aspecto
material da norma tributária- o fato gerador. exige-se que o beneficiário da
isenção possua apenas um imóvel e que este seja o seu domicílio. portanto,
não será qualquer deficiente fisico, em qualquer situação que terá direito ao
beneficio da isenção de iptu. apenas aqueles que recebam beneficio de um
salário mínimo de qualquer instituição de previdência e que possuam apenas
um imóvel, sendo este o seu domicílio farão jus à isenção concedida pelo
município do rio de janeiro.
7.2. os impostos estaduais

7.2.1. a isenção do icms e do ipva conferida aos veículos automotores de uso


exclusivo dos deficientes físicos

o icms e o ipva são impostos estaduais sujeitos, portanto, à legislação de


cada estado. inobstante, pode-se dizer, nos termos do convênio 43/94 e de
suas várias prorrogações, que são isentos de icms os veículos automotores
nacionais que se destinarem ao uso exclusivo de paraplégicos ou de pessoas
portadoras de defeitos fisicos, os quais fiquem impossibilitados de utilizar os
modelos comuns. É que os convênios resultam de um acordo dos estados-
membros para deliberarem sobre um assunto de interesse comum, de tal
forma que as normas dos convênios são comuns a todos eles.
veja-se o referido convênio, de 29.03.94:
"isenta do icms as saídas de veículos para portadores de deficiëncia física.
o ministro de estado da fazenda e os secretários de fazenda,
economia ou finanças dos estados e do distrito federal, na 73° reunião
ordinária do conselho nacional de política fazendária, realizada em brasília,
df, no dia 29 de março de 1994, tendo em vista o disposto na lei
complementar n ° 24, de 07 de janeiro de 1975, resolvem celebrar o
seguinte:
convÊnio
cláusula primeira - ficam isentas do imposto de circulação de mercadorias e
de prestação de serviços as saídas de veículo automotor que se destinarem a
uso exclusivo do adquirente, paraplégico ou portador de deficiência física,
impossibilitado de utilizar o modelo comum, nos termos estabelecidos na
legislação estadual.
§ 1 °-a isenção de que trata esta cláusula será previamente reconhecida pelo
fisco, mediante requerimento do adquirente, instruído de:
1- declaração expedida pelo vendedor, da qual conste o número de inscrição
do interessado no cadastro de pessoas físicas do ministério da fazenda - cpf:
a) que o beneficio seja repassado ao adquirente; b) que o veículo se destine a
uso de adquirente, paraplégico ou deficiente físico, impossibilitado de fazer
uso de modelo comum;
2 - laudo de perícia média, fornecida pelo departamento de trânsito do estado
- detran - ou de outro órgão a critério de cada estado, onde residir em caráter
permanente o interessado, que se ateste sua completa incapacidade para
dirigir automóveis comuns e sua habilitação para fazê-lo em veículos
especialmente adaptados, bem como se especifique o tipo de defeito físico e
as adaptações necessárias.
§ 2° - o adquirente do veículo deverá recolher o imposto com atualização
monetária e acréscimos legais, a contar da aquisição, na hipótese de:
1- transferi-lo a qualquer título, dentro do prazo de 3 (três) anos da data da
aquisição, à pessoa que não faça ao mesmo tratamento fiscal;
2 -modificação das características do veículo, para retirar-lhe o caráter de
especial;
reunião ordinária do conselho nacional de política fazendária, realizada em
brasília, df, no dia 29 de março de 1994, tendo em vista o disposto na lei
complementar n° 24, de 07 de janeiro de 1975, resolvem celebrar o seguinte:
convÊnio
cláusula primeira - ficam isentas do imposto de circulação de mercadorias e
de prestação de serviços as saídas de veículo automotor que se destinarem a
uso exclusivo do adquirente, paraplégico ou portador de deficiência fisica,
impossibilitado de utilizar o modelo comum, nos termos estabelecidos na
legislação estadual.
§ 1 °-a isenção de que trata esta cláusula será previamente reconhecida pelo
_fisco, mediante requerimento do adquirente, instruído de:
1- declaração expedida pelo vendedor, da qual conste o número de inscrição
do interessado no cadastro de pessoas físicas do ministério da fazenda - cpf:
a) que o beneficio seja repassado ao adquirente; b) que o veículo se destine a
uso de adquirente, paraplégico ou deficiente fïsico, impossibilitado de fazer
uso de modelo comum;
2 - laudo de perícia média, fornecida pelo departamento de trânsito do estado
- detran - ou de outro órgão a critério de cada estado, onde residir em caráter
permanente o interessado, que se ateste sua completa incapacidade para
dirigir automóveis comuns e sua habilitação para fazê-lo em veículos
especialmente adaptados, bem como se especifique o tipo de defeito esico e
as adaptações necessárias.
§ 2° - o adquirente do veículo deverá recolher o imposto com atualização
monetária e acréscimos legais, a contar da aquisição, na hipótese de:
1- transferi-lo a qualquer título, dentro do prazo de 3 (três) anos da data da
aquisição, à pessoa que não faça ao mesmo tratamento fiscal;
2 - modificação das características do veículo, para retirar-lhe o caráter de
especial;
3 - emprego do veículo em fnalidade que não seja a que justificou a isenção.
§3°-o estabelecimento que efetuar a operação isenta, nos termos desta
cláusula, deverá:
1- acrescentar ao documento fiscal o número de inscrição do adquirente no
cadastro de pessoas físicas do ministério da fazenda - cpf;
2 - entregar à repartição fiscal a que estiver vinculado, até o 15° dia útil,
contado da data da operação, cópia reprográfica de 1 ° via do respectivo
documento fiscal.
acrescentado o § 4° pelo convênio. icms 83/94, efeitos a partir de 26.07.94.
§ 4° - ressalvados os casos excepcionais em que ocorra a destruição
completa do veículo ou seu desaparecimento, o beneficio previsto nesta
cláusula somente poderá ser utilizado uma única vez.
cláusula segunda - este convênio entra em vigor na data da publicação de sua
ratificação nacional, produzindo efeitos até 31 de dezembro de 1994. " (grifo
nosso)
ressalte-se que em relação ao icms estão isentas as saídas de quaisquer
veículos, desde que para o uso exclusivo do paraplégico ou portador de
deficiência fisica.
cabe mencionar ainda que há no país lei concedendo isenção do icms nas
operações com equipamentos ou acessórios destinados aos portadores de
deficiência física ou auditiva (vg. convênio do icms n° 47/97 e lei 2.971/98 -
rj).
passando-se a análise do imposto sobre a propriedade de veículos
automotores (ipva), é preciso verificar a legislação de cada estado. note-se
que em alguns deles, a legislação acaba por restringir a isenção do ipva aos
veículos "adaptados" de propriedade dos deficiente físicos.
exemplificando, veja-se o art. 9°, viii, da lei 6.606, do estado de são paulo,
de 20 de dezembro de 1989, concedendo isenção de ipva:
"artigo 9°são isentos do pagamento do imposto:
viii - os veículos especialmente adaptados, de propriedade de deficientes
físicos. " (grifo nosso)
confira-se jurisprudência do supremo tribunal de justiça, que interpreta a
legislação do estado da paraíba no mesmo sentido:
"tributÁrio. icms. isenÇÃo. motorista com deficiÊncia fÍsica. estado da
paraÍba. enquanto esteve em vigor o convênio do icms n ° 43/94, o portador
de deficiência física tinha o direito de adquirir um veículo com direção
hidráulica e câmbio automático, ou com a alavanca manual adaptada, sem o
pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias
e prestação de serviços; já a isenção do imposto sobre a propriedade de
veículos automotores só aproveita ao portador de deficiência fisica se o
veículo, de fabricação nacional, foi especialmente adaptado (lei 5.698, de 29
de dezembro de 1992, do estado da paraíba, art. 9°, vii). recurso ordinário
provido em parte. (roms 9.051/pb, stj, segunda turma, min. ari pargendler, in
dj 22.02.99, p. 88).
"processual civil e trib utÁrio. recurso ordinÁrio em mandado de seguranÇa.
liquidez e certeza. prova prÉ-constituÍda. ip va e icms isenÇÃo. veÍculo
adaptado para deficiente fÍsico. convÊnio 43/94 e lei 5.698/92.

1. uma vez comprovado o direito líquido e certo da impetrante, nos termos


da legislação de regência, nada obsta que lhe seja concedido o beneficio
fiscal da isenção tributária.
2. recurso ordinário conhecido e provido. decisão unânime.
(roms n° 9.034/pb, stj, primeira turma, min. demócrito reinaldo, in dj
22.02.99, p. 71.)
o estado do rio de janeiro não fala em veículos especialmente adaptados,
mas em veículos terrestres especiais. confira-se o art. 5° da lei estadual
2.877/97:
"art. 5°. estão isentos do pagamento do imposto:
v- veículos terrestres especiais de propriedade de deficiente físico, desde que
únicos em cada espécie e categoria, nos termos da classificação constante da
legislação de ;rânsito e conforme a regulamentação disponha. "
7.3. os impostos federais

7.3.1. o imposto de renda


quanto à isenção do imposto de renda, a legislação federal é um pouco mais
rigorosa e não contempla os deficientes fisicos, apenas os portadores de
deficiência mental. como pode-se comprovar pela legislação compilada:
"lei n ° 8687/93
art. 1 ° não se incluem entre os rendimentos tributáveis pelo imposto sobre a
renda e proventos de qualquer natureza as importâncias percebidas por
deficientes mentais a título de pensão, pecúlio, montepio e auxílio, quando
decorrentes de prestações do regime de previdência social ou de entidades de
previdência privada.
parágrafo único. para fins do disposto nesta lei, considera-se deficiente
mental a pessoa que, independentemente da idade, apresenta funcionamento
intelectual subnormal com origem durante o período de desenvolvimento e
associado à deterioração do comportamento adaptativo.
art. 2° a isenção do imposto de renda conferida por esta lei não se comunica
aos rendimentos de deficientes mentais originários de outras fontes de
receita, ainda que sob a mesma denominação dos benefícios referidos no
artigo anterior. "
mais uma vez percebe-se um certo rigor para a concessão desse benefício, a
necessidade de se observar alguns requisitos, de forma que fique evidente a
situação desigual do deficiente mental.
quanto ao imposto de renda ainda, há a previsão legal de possibilidade de
dedução de despesas médicas quando da determinação da base de cálculo,
dentre as quais enquadram-se os gastos efetuados com o próprio contribuinte
e seus dependentes com aquisição de aparelhos ortopédicos e próteses
ortopédicas e também os gastos com instrução de portador de deficiência.
ambos regulados pelas instruções normativas n°s 65/96 e 25/96,
respectivamente.
"instrução normativa 65/96
art. 8-na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração
de ajuste anual das pessoas físicas poderão ser deduzidas, como despesas
médicas, os gastos efetuados com o próprio contribuinte e seus dependentes
com aquisição de aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas, assim
considerados: i -pernas e braços mecânicos;
ii - cadeiras de rodas
iii - andadores ortopédicos;
iv-palmilhas ou calçados ortopédicos;
v- qualquer outro aparelho ortopédico destinado à correção de desvio de
coluna ou defeitos dos membros ou das articulações.
§ 1 °-a dedução é condicionada à comprovação, mediante receituário médico
e nota fiscal em nome do beneficiário. "

"instrução normativa n ° 25/96


0
art. 42. consideram-se despesas médicas ou de hospitalização as despesas de
instrução com portador de deficiência física ou mental, condicionadas,
cumulativamente.
i- à existência de laudo médico, atestando o estado de deficiência;
ii - à comprovação de que a despesa foi efetuada em entidades destinadas a
deficientes físicos ou mentais. "
7.3.2. o ipi e o deficiente físico
É o ipi - imposto sobre produtos industrializados - imposto sobre o consumo
de bens industrializados, seletivo e não-cumulativo, tomando-se como
aspecto temporal a saída do produto do estabelecimento do fabricante, a sua
entrada no país e a sua arrematação. suas alíquotas são baixas ou altas
conforme a essencialidade dos produtos.
neste capítulo, basicamente trataremos das isenções do imposto sobre
produtos industrializados - ipi conferidas às pessoas portadoras de
deficiência física.
a isenção, como dito, é uma modalidade de exclusão do crédito tributário,
que se dá através de lei. diferentemente da imunidade, que tem como fonte
formal a norma constitucional, a isenção tem como fonte a lei ordinária. de
acordo com o artigo 176, do código tributário nacional, a isenção, ainda
quando prevista em contrato é sempre decorrente de lei que especifique as
condições. veja-se:
"art. 176. a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente
de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua
concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua
duração.
parágrafo único. (..) "
ressalte-se que o artigo supracitado, quando menciona a isenção prevista em
contrato, não está se contradizendo, mas se referindo, implicitamente aos
convênios celebrados, pelos estados e o distrito federal, na forma da lei
complementar n° 24, de 07.01.1975, para a concessão de isenções e outras
modalidades de exclusão do crédito tributário do icms, o que fora objeto de
nosso estudo no capítulo concernente àquele tributo.
passando-se à análise das leis que dispõem sobre a isenção do ipi na
aquisição de automóveis por deficientes fisicos, temos que a lei hoje vigente
é a lei n° 8.989 de 24.02.1995, que teve sua vigência prorrogada pela lei n°
9.144, de 08.12.1995, e posteriormente foi alterada, minimarmente, pela lei
n° 9.317, de 05.12.1996 (lei do simples).
deve-se ressaltar que a lei n° 9.144/95 apenas prorrogou a vigência da lei n°
8.989 até 31.12.1996. a partir daí, sua vigência passou a ser restaurada por
sucessivas medidas provisórias, mantendo-se, nesse interstício, as alterações
determinadas pela lei n° 9.317/96. hoje, depois de mais de dois anos de
medidas provisórias, a última delas - mp n° 2.068, em sua 3 8' reedição -
fora convertida na mais recente lei acerca do tema, a lei n° 10.182, de 12 de
fevereiro de 2001.
faz-se importante inicialmente transcrevermos a lei n° 8.989, de 24 de
fevereiro de 1995, arcabouço de toda legislação acerca da isenção do ipi na
aquisição de automóveis por deficientes físicos, já acrescida das alterações
trazidas pela lei n° 9.317/96. se não, vejamos:
"lei n° 8.989 - de 24 de fevereiro de 1995
'dispõe sobre isenção do imposto sobre produtos industrializados
(ipi) na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de
passageiros, bem como por pessoas portadoras de deficiência física e aos
destinados ao transporte escolar, e dá outras providências'.
faço saber que o presidente da república adotou a medida provisória n°856,
de 1995, que o congresso nacional aprovou, e eu, josÉ sarney, presidente do
senado federal, para os efeitos do disposto no parágrafo único do art. 62 da
constituição federal, promulgo a seguinte lei:
art. 1 °. ficam isentos do imposto sobre produtos industrializados (ipi) os
automóveis de passageiros de fabricação nacional de até 127hp depotência
bruta (sae), quando adquiridos por: i - motoristas profissionais que exerçam
comprovadamente em veículo de sua propriedade atividade de condutor
autônomo de passageiros, na condição de titular de autorização, permissão
ou concessão do poder público e que destinam o automóvel à utilização na
categoria de aluguel (táxi);
* inciso i com redação dada pela lei 9.317, de 05.12.1996.
ii - motoristas profissionais autônomos titulares de autorização, permissão
ou concessão para exploração do serviço de transporte individual de
passageiros (táxi), impedidos de continuar exercendo essa atividade em
virtude de destruição completa, furto ou roubo do veículo, desde que
destinem o veículo adquirido à utilização na categoria de aluguel (táxi);
111- cooperativas de trabalho que sejam permissionárias ou concessionárias
de transporte público de passageiros, na categoria de aluguel (táxi), desde
que tais veículos se destinem à utilização nessa atividade;
iv-pessoas que, em razão de serem portadoras de deficiência física, não
possam dirigir automóveis comuns.
art. 2°. o beneficio de que trata o art. 1 'somente poderá ser utilizado uma
única vez, salvo se o veículo tiver sido adquirido há mais de três anos, caso
em que o beneficio poderá ser utilizado uma segunda vez.
* artigo com redação dada pela lei 9.317 de 05.12.96
art. 3 °. a isenção será reconhecida pela secretariada receita federal do
ministério da fazenda, mediante prévia verificação de que o adquirente
preenche os requisitos previstos nesta lei.
art. 4°. fica assegurada a manutenção do crédito do imposto sobre produtos
industrializados (ipi) relativo às matérias-primas, aos produtos
intermediários e ao material de embalagem efetivamente utilizados na
industrialização dos produtos reféridos nesta lei.
art. 5°. o imposto incidirá normalmente sobre quaisquer acessórios opcionais
que não sejam equipamentos originais do veículo adquirido.
art. 6°. a alienação do veículo, adquirido nos termos desta lei ou das leis n 's
8.199, de 28 de junho de 1991, e 8.843, de 10 de janeiro de 1994, antes de
três anos contados da data de sua aquisição, a pessoas que não satisfaçam às
condições e aos requisitos estabelecidos nos referidos diplomas legais,
acarretará o pagamento pelo alienante do tributo dispensado, atualizado na
forma da legislação tributária.
parágrafo único. a inobservância do disposto neste artigo sujeita ainda o
alienante ao pagamento de multa e juros moratórios previstos na legislação
em vigor para a hipótese defraude ou falta de pagamento do imposto devido.
art. 7°. no caso de falecimento ou incapacitação do motorista profissional
alcançado pelos incisos i e ii do art. 1 ° desta lei, sem que tenha efetivamente
adquirido veículo profissional, o direito será transferido ao cônjuge, ou ao
herdeiro designado por esse ou pelo juízo, desde que seja motorista
profissional habilitado e destine o veículo ao serviço de táxi.
art. 8°. ficam convalidados os atos praticados com base na medida provisória
n ° 790, de 29 de dezembro de 1994.
art. 9°. esta lei entra em vigor na data de sua publicação, vigorando até 31 de
dezembro de 1995.
art. 10. revogam-se as leis n' 8.199, de 1991, e 8.843, de 1994. " (grifo
nosso)
a primeira observação que se deve fazer diz respeito à alteração dada pela lei
9.317/96 ao art. 2° da lei supra. o art. 2° da lei 8.989/95 dizia originalmente:
"art. 2°. o beneficio previsto no art. 1'somente poderá ser utilizado uma
única vez. "
o legislador, ao alterar o art. 2° da lei 8.989/95, nada mais fez que estender a
possibilidade de utilização do beneficio da isenção uma segunda vez. É
verdade que, ao conceder uma segunda oportunidade ao contribuinte, impôs
em contrapartida a condição de o veículo ter sido adquirido há mais de três
anos. deve-se ressaltar que o beneficio só pode ser concedido uma segunda
vez, não podendo ser concedido mais de duas vezes à mesma pessoa. veja-se
que há uma preocupação do legislador em evitar diversas e seguidas
aquisições por uma mesma pessoa, o que poderia ensejar aquisições com o
beneficio da isenção por terceiros não beneficiários da lei em comento.
o art. 3° da lei 8.989/95 indica o órgão competente para reconhecer a
isenção: a secretaria da receita federal do ministério da fazenda. dispõe,
ainda, que tal reconhecimento será feito "mediante prévia verificação de que
o adquirente preenche os requisitos previstos nesta lei ". a secretaria da
receita federal do ministério da fazenda, então, verificará se o adquirente da
isenção é de fato um dos beneficiários da lei.
ainda, diz seu art. 5° que o imposto deverá incidir normalmente sobre
quaisquer acessórios opcionais que não equipamentos originais do veículo
adquirido. ora, aqui, quis o legislador simplesmente evitar que a isenção
ultrapasse a finalidade almejada pela lei. há isenção na aquisição do veículo
em si e não sobre os acessórios que porventura possa ter, à livre escolha do
adquirente.
saliente-se que o art. 6° da lei n° 8.989/95 busca novamente evitar que haja
fraude na obtenção do beneficio da isenção. reveja-se o artigo:
"art. 6°. a alienação do veículo, adquirido nos termos desta lei ou das leis n s
8.199, de 28 de junho de 1991, e 8.843, de 10 de janeiro de 1994, antes de
três anos contados da data de sua aquisição, a pessoas que não satisfaçam às
condições e aos requisitos estabelecidos nos referidos diplomas legais,
acarretará o pagamento pelo alienante do tributo dispensado, atualizado na
forma da legislação tributária.
parágrafo único. a inobservância do disposto neste artigo sujeita ainda o
alienante ao pagamento de multa e juros moratóriosprevistos na legislação
em vigor para a hipótese defraude ou falta de pagamento do imposto devido.
"
veja-se que a alienação do veículo, antes de três anos da data de sua
aquisição, a pessoas que não satisfaçam às condições estabelecidas na lei n°
8.989/95, isto é, a pessoas que não sejam beneficiárias da lei, acarretará o
pagamento pelo alienante, beneficiário da lei, do tributo do qual houvera
sido dispensado através da isenção.
busca-se mais uma vez evitar que pessoas não qualificadas na lei como
beneficiárias da isenção do ipi adquiram indiretamente, através de
intermediários isentos, veículos com o beneficio. observa-se que,
inicialmente, o legislador estipula o prazo de três anos para que o adquirente
possa vender o veículo a pessoas não beneficiárias da lei.
ademais, a lei estipula sanções caso haja inobservância do disposto no artigo
em análise, isto é, caso haja alienação a pessoas não benefciadas pela
isenção nos três anos seguintes à aquisição do veículo pelo beneficiário da
lei. pagará o alienante caso não observe o disposto no artigo multa e juros
moratórios previstos na legislação em vigor para hipótese defraude ou falta
de pagamento do imposto devido. veja-se que, havendo alienação a pessoas
não beneficiadas pela lei em comento antes de completados os três anos da
aquisição do veículo, presume-se ter havido fraude na obtenção do beneficio
da isenção.
como mencionado, posteriormente a estes diplomas legais foram editadas
sucessivas medidas provisórias que vieram restaurar a vigência da lei n°
8.989/95, mantendo as alterações determinadas pela lei n° 9.317/96,
chegando-se hoje na nova lei n° 10.182, promulgada em fevereiro último (lei
n0 10.182/01).
É importante registrar algumas dessas medidas provisórias, apenas à guisa
de orientação de como ocorrera a evolução da legislação até a edição da
nova lei.
• medida provisória n° 1.640, de 27.02.1998 - apenas restaurou a vigência da
lei n° 8.989/95, com as alterações determinadas pela lei n° 9.317/96,
passando aquela a vigorar até 31.12.1998. esta medida provisória fora
reeditada até novembro de 1998.
sua nova e última edição, em 19.11.1998, assim previa em seus arts. 1 ° e 2°:
"art. 1 ° É restaurada a vigência da lei n ° 8.989, de 24 de fevereiro de 1995,
que, com as alterações determinadas pelo art. 29 da lei n ° 9.317, de s de
dezembro de 1996, passa a vigorar até 31 de dezembro de 1999.
art. 2 ° o disposto no caput do art. 2 ° da lei n ° 9.660, de 16 de junho de
1998, não se aplica aos veículos que venham a ser adquiridos com
incentivos fiscais nas condições do artigo anterior".
o art. 2° refere-se ao art. 2° da lei n° 9.660, de 16 de junho de 1998, que
dispõe sobre a substituição da frota oficial de veículos e outras providências.
vejamos o referido dispositivo:
"art. 2° todos os veículos leves com capacidade de motorização superior a
um mil centímetros cúbicos adquiridos por pessoas físicas com incentivos
fiscais ou qualquer outro tipo de subvenção econômica deverão ser movidos
a combustíveis renováveis.

§ 2 excluem--se da obrigatoriedade prevista no caput deste artigo os veículos


destinados a portadores de deficiências físicas.
a lei n° 9.960/98, diga-se, excluía a obrigatoriedade de que os veículos
destinados aos portadores de deficiências físicas fossem movidos a
combustíveis renováveis. a medida provisória n° 1.640/98 veio dizer que tal
exigência, prevista no art. 2° da lei n° 9.660/98, também não seria aplicável
aos outros beneficiários da lei n° 8.989/95. ou seja, através da medida
provisória n° 1.640/98 estendeu-se a não-obrigatoriedade a todos os
beneficiários da lei n° 8.989/95, englobando também os adquirentes de
automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros e no
transporte escolar.
medida provisória n° 1.743-16, de 02 de junho de 1999-trata-se
da 16a edição da mp n° 1.743, que restaurou a vigência da lei n° 8.989/99
até 31 de dezembro de 1999.
dispôs a referida mp que, a partir de 1° de outubro de 1999, a vigência da lei
n° 8.989/95 observaria as prescrições contidas no art. 2° da lei n° 9.660/98 e
em seu art. 1°, § 2°, insistiu de forma enfática:
"É mantida a isenção fiscal aos portadores de deficiência física na forma do
art. 1 °, iv, da lei n°8.989/95, tanto na aquisição de veículos movidos à
gasolina como a combustíveis de origem renovável ".
"É mantida a isenção fiscal aos portadores de deficiência física na forma do
art. 1 °, iv, da lei n°8.989/95, tanto na aquisição de veículos movidos à
gasolina como a combustíveis de origem renovável ".
"É mantida a isenção fiscal aos portadores de deficiência física na forma do
art. 1 °, iv, da lei n°8.989/95, tanto na aquisição de veículos movidos à
gasolina como a combustíveis de origem renovável ".
veja-se que voltou a vigorar a partir de 1° de outubro de 1999, a lei n°
8.989/95, observando-se as prescrições contidas no art. 2° da lei n° 9.660/98.
isto quer dizer que os outros beneficiários da lei n° 8.985/95, que não os
deficientes físicos, teriam que respeitar novamente o disposto no caput do
art. 2° da lei n° 9.660/98. caso adquirissem veículos leves, com capacidade
de motorização superior a um mil centímetros cúbicos, com o beneficio da
isenção do ipi, esses deveriam ser obrigatoriamente movidos a combustíveis
renováveis.
medida provisória n° 1.845-22, de 18 de novembro de 1999 trouxe
alterações significativas à legislação em debate.
inicialmente, deve-se dizer que a mp se preocupou em resguardar o período
entre 1° de outubro de 1999 a 31 de dezembro de 1999, em que, de acordo
com a mp anterior, dever-se-ia haver a observância das prescrições contidas
no art. 2° da lei n° 9.660/98.
entretanto, referida medida provisória excluiu, a partir de 1° de janeiro de
2000, a possibilidade dos defcientes fisicos adquirirem com isenção do ipi os
veículos de combustíveis de origem não renovável. ou seja, pôs-se fim a
não-obrigatoriedade de os deficientes físicos adquirirem veículos movidos a
combustíveis de origem renovável, respeitando-se, como dito, o lapso
temporal determinado na mp anterior.
vale mencionar que a mp n° 1.845/99 determinou que o automóvel objeto da
isenção deve possuir no mínimo quatro portas, inclusive a de acesso ao
bagageiro. excluiu, contudo, esta exigência relativamente às aquisições de
veículos pelos deficientes físicos.
confiram-se os arts. 1° e 2° da referida mp:
"art. 1 °É restaurada a vigência da lei n°8.989, de 24 defevereiro de 1995;
que, com as alterações determinadas pelo art. 29 da lei n°9.317, de 5 de
dezembro de 1996, passa a vigorar até 31 de dezembro de 2003.
§ 1 ° no período de 1 ° de outubro a 31 de dezembro de 1999, a vigência da
lei n° 8.989, de 1995, observará as prescrições contidas no art. 2° da lei n °
9.660, de 16 de junho de 1998.
§ 2°É mantida, até 31 de dezembro de 1999, a isenção fiscal aos portadores
de deficiência física na forma do art. 1 ° inciso iv, da lei n° 8.989, de 1995,
tanto na aquisição de veículos movidos à gasolina como a combustíveis de
origem renovável. art, 2 ° o art. 1 ° da lei n ° 8.989, de 1995, alterado pelo
art. 29 da lei n ° 9.317, de 5 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
"art. 1 ° ficam isentos do imposto sobre produtos industrializados (ipi) os
automóveis de passageiros de fabricação nacional de até 127 hp de potência
bruta (sae), de no mínimo quatro portas, inclusive a de acesso ao bagageiro,
movidos a combustíveis de origem renovável, quando adquiridos por:
parágrafo único. a exigência para aquisição e automóvel de quatro portas e
de até 127 hp de potência bruta (sae) não se aplica aos deficientes físicos de
que trata o inciso iv do caput deste artigo" (ar).
• medida provisória n° 1.939, de 6 de janeiro de 2000-restaurou a vigência
da lei n° 8.989/95 e reduziu o imposto de importação para os produtos que
específica. no que tange à legislação relativa à isenção do ipi, a mp 1.939,
em suas primeiras edições, mais especificamente até a reedição do dia
26.07.2000 - mp 1.939-30 - , em nada alterou a mp 1.845/99.
neste entretempo, entre as primeiras edições da mp n° 1.939 e a edição da
mesma mp no dia 26.07.2000, emitiu a secretaria da receita federal a
instrução normativa n° 32, que veio regulamentar a lei n° 8.989/95, o art. 29
da lei n° 9.317/96 e a medida provisória n° 1.939-27 de 30 de março de
2000. veja-se:
"instrução normativa srf n° 032 de 23 de março de 2000 dou de 20.03.2000,
pág. 15

o secretÁrio da receita federal, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o


que dispõe a lei n° 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, o art. 29 da lei n °
9.317, de 5 de dezembro de 1996, e a medida provisória n° 1.939-27 de 30
de março de 2000, resolve:
art. 1 °a aquisição de veículos destinados a pessoas portadoras de deficiência
física, com a isenção do imposto sobre produtos industrializados -ipi de que
trata a lei n ° 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, com as alterações do art. 29
da lei n ° 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e dos arts. 1 °, 2°, 4°e 9°, da
medida provisória n° 1.939-27, de 30 de março de 2000, dar-se-á de acordo
com o disposto nesta instrução normativa.
destinatários da isenção
art. 2° as pessoas portadoras de deficiência física, que não possam dirigir
veículos comuns, poderão adquirir, com isenção do ipi, automóvel de
passageiros ou veículo de uso misto, de fabricação nacional, movido a
combustível de origem renovável, classificado na posição 8703 da tabela de
incidência do imposto sobre produtos industrializados - tipi aprovada pelo
decreto n° 2.092, de 10 de dezembro de 1996, que apresente características
especiais.
parágrafo único. o beneficio somente poderá ser utilizado uma vez, salvo se
o veículo tiver sido adquirido há mais de três anos, caso em que o beneficio
poderá ser utilizado uma segunda vez.
art. 3°as características especiais referidas no artigo precedente são aquelas,
originais ou resultantes de adaptação, que permitam a adequada utilização do
veículo por pessoas portadoras de deficiência física, admitindo-se, entre tais
características, o câmbio automático ou hidramático e a direção hidráulica.
ari 4° a adaptação a que se refere o artigo anterior poderá ser efetuada na
própria montadora ou em oficina especializada.
art. s° o ipi incidirá normalmente sobre quaisquer acessórias opcionais que
não constituam equipamentos originais do veículo adquirido.
competência para reconhecimento da isenção
art. 6° fica delegada a competência para reconhecimento da isenção ao
delegado da receita federal ou ao inspetor da receita federal de inspetoria de
classe `a', com jurisdição sobre o local de domicílio do interessado, admitida
a subdelegação.
requisitos para habilitação ao beneficio
ari 7° para habilitar-se ao gozo de isenção de que trata esta instrução
normativa, o interessado deverá:
1- obter, junto ao departamento de trânsito do estado onde tiver domicílio ou
residência, de acordo com o art. 140 da lei n° 9.503, de 23 de setembro de
1997, que instituiu o código de trânsito brasileiro, os seguintes documentos:
a) laudo de perícia médica, atestando o tipo de deficiência física e a total
incapacidade para conduzir veículos comuns, indicando o tipo de veículo,
com as características especiais necessárias, que está apto a dirigir, de
acordo com resolução do conselho nacional de trânsito - contran;
b) carteira nacional de habilitação com a especificação do tipo de veículo,
com suas características especiais, que está autorizado a dirigir, conforme o
laudo de perícia médica, de acordo com resolução do conselho nacional de
trânsito contran.
ii-apresentar, na unidade da secretaria da receita federal de sua jurisdição,
requerimento (modelo anexo), em três vias, dirigido à autoridade fiscal
competente a que se refere o art. 6°, ao qual serão juntadas cópias
autenticadas dos documentos referidos no inciso anterior.
§ 1 °se o requerente não possuir o documento citado na alínea `b' do inciso
1, poderá, em substituição, firmar termo de responsabilidade em três vias,
mediante o qual se comprometa a entregar à secretaria da receita federal
cópia autenticada do referido documento, no prazo de cento e oitenta dias, a
contar da data de aquisição do veículo.
§ 2 ° caso o requerente pretenda efetuar no veículo a ser adquirido as
adaptações necessárias a dotá-lo das características especiais adequadas para
o seu uso, deverá apresentar juntamente com o requerimento, termo de
responsabilidade, em três vias, comprometendo-se a remeter à unidade da
secretaria da receita federal e ao revendedor autorizado, no prazo de cento e
oitenta dias, a contar da data da aquisição, cópia autenticada do registro de
licenciamento do veículo, do qual conste que este possui as mencionadas
características especiais.
§ 3° o não-cumprimento das obrigações assumidas nos termos de
responsabilidade referidos nos parágrafos anteriores sujeitará o adquirente
ao pagamento do tributo dispensado, acrescido dos encargos discriminados
no art. 12.
art. 8° a autoridade competente, se deferido o pleito, emitirá autorização, em
três vias, no próprio requerimento, para que o requerente adquira o veículo
com isenção ou suspensão do ip1, conforme o caso, de acordo com o
previsto no art. 9°, sendo que as duas primeiras vias serão entregues ao
interessado, mediante recibo aposto na terceira via, que ficará no processo. §
i ° os originais das duas vias serão entregues pelo interessado ao distribuidor
autorizado, com a seguinte destinação:
i - a primeira via (com cópia do laudo de perícia médica e, se for o caso, do
termo de responsabilidade refèrido no ,¢ 2°do art. 7°) será remetida pelo
distribuidor autorizado ao fabricante ou ao estabelecimento equiparado a
industrial; e
ii - a segunda via permanecerá em poder do distribuidor.
§ 2° o distribuidor autorizado deverá enviar, pelo correio ou por fax, á
autoridade que reconheceu o beneficio, cópia da nota fiscal relativa à
aquisição em nome do requerente, até o último dia do mês seguinte ao da
emissão.
§ 3° o indeferimento do pedido será efetivado por meio de despacho
decisório fundamentado.
§ 40no caso do parágrafo anterior; a unidade da secretaria da receita federal
reterá o requerimento, devendo ser anexadas ao processo cópias dos
documentos originais fornecidos pelo requerente, devendo estes serem a ele
devolvidos no ato da ciência do despacho.
normas aplicáveis aos fabricantes ou estabelecimentos equiparados a
industrial
art. 9° a saída do veículo do estabelecimento industrial dar-se-á da seguinte
forma:
i - com isenção do ipi, em se tratando de veículo que já apresente as
características especiais adequadas às condições fisicas do adquirente;
ii - com suspensão do ipi, em se tratando de veículo sujeito a posterior
adaptação em oficina especializada, caso em que a isenção do imposto ficará
condicionada a que o veículo, antes de licenciado pelo órgão competente,
seja adaptado para utilização pelo beneficiário.
art. 10. os estabelecimentos industriais ou equiparados a industrial somente
darão saída ao veículo com isenção ou suspensão do imposto quando de
posse da autorização da secretaria da receita federal (art. 8°), e após
verificação, no caso de saída com isenção, de que as características especiais
do veículo correspondem àquelas descritas no laudo de perícia médica.
parágrafo único. na nota fiscal de venda do veículo, para o distribuidor,
deverá constar a seguinte observação:
i - isento do imposto sobre produtos industrializados - lei n ° 8.989, de 1995
', no caso do inciso i do art. 9°; ou
ii - `saÍda com suspensÃo do imposto sobre produtos industrializados -lei n°
8.989, de 1995', no caso do inciso ii do art. 9°.
normas aplicáveis aos distribuidores
art. 11. na nota fiscal de venda do veículo, deverá constar a seguinte
observação:
i - `isento do imposto sobre produtos industrializados-lei n° 8.989, de 1995',
no caso do inciso i do art. 9°; ou
ii - `saÍda com suspensÃo do imposto sobre produtos industrializados - lei n°
8.989, de 1995', no caso do inciso ii do art. 9°.
restrições ao uso do beneficio
art 12. a aquisição do veiculo com o beneficio fiscal por pessoas que não
preencham as condições estabelecidas nesta instrução normativa, bem assim
a utilização do veículo por pessoa que não seja portadora de deficiência
fisica, sujeitará o adquirente ao pagamento do tributo dispensado, acrescido
dos encargos previstos na legislação, sem prejuízo das sanções penais
cabíveis.
art. 13. a alienação do veículo adquirido com o beneficio dependerá, se
efetuada antes de transcorridos três anos de sua aquisição, de autorização da
secretaria da receita federal, que somente a concederá se comprovado que a
transferência de propriedade dar-se-á a pessoa que satisfaça os requisitos
estabelecidos para o gozo da isenção, ou que foram cumpridas as obrigações
a que se refere o inciso ii do § 2°.
§ 1 °a competência para autorizar a alienação é do delegado da receita
federal ou do inspetor da receita federal de inspetoria de classe `a', que
reconheceu o direito à isenção.
§ 2°a autorização será concedida à vista dos seguintes documentos, a serem
apresentados pelo alienante:
i - no caso de transferência de propriedade do veículo a outra pessoa
portadora de deficiência física que a impossibilite de conduzir veículo
comum, os documentos citados no art. 7°, relativos ao novo adquirente;
ii - nos demais casos, uma via do darf mediante o qual haja sido efetuado o
recolhimento do ipi e dos acréscimos devidos, cópia da nota fiscal emitida
pelo estabelecimento industrial ou equiparado a industrial e cópia da nota
fiscal de venda ao adquirente, emitida pelo distribuidor.
§ 3 °na hipótese mencionada no inciso ii do parágrafo anterior, somente será
concedida a autorização após verificada a exatidão do recolhimento em face
dos elementos contidos nos documentos ali relacionados.
§ 4°a autorização de que trata este artigo valerá, quanto ao ipi, para fins de
comprovação junto ao órgão de trânsito com
petente.
§ 5 ° o distribuidor autorizado, mediante solicitação do interessado na
alienação do veículo, deverá fornecer-lhe cópia da nota fiscal emitida pelo
fabricante ou pelo estabelecimento equiparado a industrial, mencionada no
inciso ii do § 2°deste artigo.
§ 6°a alienação do veículo adquirido com isenção do ipi, sem prévia
autorização da srf, antes de transcorridos três anos da sua aquisição, ainda
que efetuada a pessoa que satisfaça os requisitos necessários à fruição do
beneficio, implica a perda do direito à isenção.
acréscimos legais
art. 14. no caso de alienação, antes de três anos, contados da data de
aquisição, a pessoa que não satisfaça os requisitos para gozo do beneficio de
que trata esta instrução normativa, o ipi dispensado deverá ser pago:
i -sem acréscimo de juros e multa de mora, se efetuada com a autorização a
que se refere o artigo anterior;
ii- com acréscimo de juros de mora e multa de oficio, se efetuada sem
autorização.
disposições gerais
art. 15. para os efeitos desta instrução normativa:
i- não se considera alienação a alienação fiduciária em garantia de veículo
adquirido pelo beneficiário da isenção, nem a sua retomada pelo proprietário
fiduciário, em caso de inadimplemento ou mora do devedor;
ii - considera-se alienação, sendo alienante o proprietário fiduciário, a venda
realizada por este a terceiro, do veículo retomado, na forma prevista no art.
66, § 4°, da lei n ° 4.728, de 14 de julho de 1965, com a redação dada pelo
art. 1 ° do decreto-lei n°911, de i° de outubro de 1969;
iii - não se considera mudança de destinação a tomada do veículo pela
seguradora, quando ocorrido o pagamento de indenização em decorrência de
furto ou roubo, o veículo furtado ou roubado for posteriormente encontrado;
iv- considera-se mudança de destinação se, no caso do inciso anterior;
ocorrer:
a) a integração do veículo ao património da seguradora; ou b) sua
transferência a terceiros que não preencham os requisitos previstos nesta in,
necessários ao reconhecimento do beneficio;
v- considera-se data de aquisição a da emissão da nota fiscal de venda ao
beneficiário, pelo distribuidor autorizado.
parágrafo único. no caso do inciso iv, a mudança de destinação do veículo
antes de decorridos três anos, contados da aquisição pelo beneficiário,
somente poderá ser feita com prévia autorização da secretaria da receita
federal, observado o disposto nos arts. 12 e 13.
art. 16. para os efeitos do disposto no art. 5° desta instrução normativa, não
se consideram opcionais as partes, peças e acessórios que confiram ao
veículo as características especiais aludidas no art. 3°.
art. 17. a delegacia da receita federal e a inspetoria da receita federal de
classe a' elaborarão programas específicos de exame das declarações do
imposto de renda de todos os contribuintes que se habilitarem ao beneficio
de que trata esta instrução normativa, com o objetivo de verificar o fiel
cumprimento de suas obrigações em relação a esse imposto.
art. 18. fica revogada a instrução normativa srf n 30, de 5 de junho de 1995.
art 19. ficam convalidados os atos praticados com base na instrução
normativa srf n°30, de 5 dejunho de 1995, alterada pela instrução normativa
srf n° 10, de 10 de fevereiro de 1999, observando-se, nos atos, a necessária
adequação às disposições introduzidas pela medida provisória n° 1.845-22,
de 18 de novembro de1999, reeditada com o n°1.939-27, de 2000.
art. 20. esta instrução normativa entra em vigor na data de
sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1 ° de janeiro de 2000" (grifo
nosso).
ressalte-se, inicialmente, que a instrução normativa n° 32, em seu art. 2°,
reafirma estarem também os deficientes fisicos obrigados a adqui
rir, para os efeitos da lei n° 8.989/95, veículos movidos a combustíveis de
origem renovável.
deve-se destacar ainda na instrução em comento a parte em que trata
dos "requisitos para habilitação ao beneficio": como dito anteriormente,
quando da análise da lei n° 8.989/95, é necessário que o suposto beneficiário
da lei o seja de fato. a instrução normativa n° 32, ao regulamentar o
procedimento para obtenção de isenção do ipi na aquisição de veículos por
pessoas portadoras de deficiência fisica, demonstra na prática a necessidade
de a pessoa portadora de deficiência fisica comprovar, através de laudo
de perícia médica, qual o tipo de deficiência fisica sofre e mais, a total
incapacidade de conduzir veículos comuns.
outro dado interessante, além de vários outros que poderiam ser ana
lisados com base nessa instrução normativa, refere-se aos acessórios do
veículo a ser adquirido com o beneficio da isenção. com base na lei n°
8.989/95, a instrução normativa prescreve, em seu art. 5°, que o ipi incidirá
normalmente sobre quaisquer acessórios opcionais que não constituam
equipamentos originais do veículo adquirido.
ocorre que no art. 16 da instrução normativa, esclarece o legislador:
"para os efeitos do art. 5° desta instrução normativa não se
consideram opcionais as partes, peças e acessórios que confiram ao veículo
as características especiais aludidas no art. 3.
por características especiais entende-se "aquelas, originais ou resul
tantes de adaptação, que permitam adequada utilização do veículo por
pessoas portadoras de deficiência física, admitindo-se, entre tais
características, o câmbio automático ou hidramático e a direção hidráulica
" (art. 3°, instrução normativa n° 32, dou 29.03.2000, p. 15). conclui-se,
pois, que não são consideradas opcionais, e, portanto, não incide o ipi sobre
as peças, acessórios ou partes do veículo, originais ou resultantes de
adaptação, que sirvam para adequar o veículo à sua utilização por deficientes
físicos.
a instrução normativa n° 32 regulamenta todo o procedimento para obtenção
da isenção do ipi na aquisição de automóveis por pessoas portadoras de
deficiência fïsica, de forma que se faz bastante útil para o presente estudo, e
para posterior manuseio pelos leitores.
ademais, se faz necessário frisar o fato de que a isenção que ora se discute
somente é válida na compra de veículos nacionais. isso está explícito nalei
n° 8.989/95, em seu art. 1 °, e na instrução normativa n° 32, em seu art. 2°.
nesse sentido, confira-se a jurisprudência do tribunal regional federal, 1°
região:
"tributÁrio - isenÇÃo de ipi para deficientes fÍsicos na compra de veÍculos
nacionais - lei n° 8.199/91 - descabimento da extensÃo do benefÍcio para
veÍculos importados.
1-no universo da ciência tributária, todo beneficio concedido pelo legislador
há de ser interpretado deforma restritiva, sempre.
2 - o judiciário não pode, a seu bel-prazer, estender isenção tributária, ato
discricionário do poder tributante. neste sentido o art. 111 do ctn
3 - só aproveitam ao similar estrangeiro as isenções objetivas, quais sejam,
aquelas concedidas em função da qualidade do objeto, da mercadoria
enquanto tal, não tendo nada a ver com a figura do sujeito passivo da
obrigação tributária.
4-no caso vertente, a isenção concedida pela lei n°8.199/91 é subjetiva, foi
dada intuitu personae, ou seja, em função da qualidade de deficiente fisico
da pessoa do contribuinte, sujeito passivo da obrigação tributária.
5 - apelação a que se nega provimento ".
finalmente, dever-se-á falar acerca da mp n° 1.939-30, de 26 de julho de
2000, e suas posteriores reedições, da medida provisória n° 2.068-37, de
27.12.2000, que fora convertida na nova lei n° 10.182, de 12 de fevereiro de
2001, todos estes diplomas juntos. ora, a medida provisória n° 1.939-30, de
26 de junho de 2000, voltou a conceder isenção do ipi na aquisição por
pessoas portadoras de deficiência física de veículos movidos por qualquer
combustível. ou seja, os deficientes fisicos, novamente, a partir daquela data,
passaram a adquirir com isenção do ipi também os veículos movidos a
combustíveis não renováveis.
a medida provisória n° 2.068 veio apenas repetir as últimas edições da mp n°
1.939 e desencadeou na lei n° 10.182/01, que acertadamente manteve a
possibilidade de se conceder isenção do ipi aos portadores de deficiência
fisica na aquisição de veículos movidos a qualquer combustível. faz-se
importante o registro dos arts. 1° e 2° da mais nova lei n° 10.182/01, que
trata da questão:
"art. 1 °É restaurada a vigência da lei n°8.989, de 24 de fevereiro de 1995,
que, com as alterações determinadas pelo art. 29 da lei n° 9.317, de 5 de
dezembro de 1996, passa a vigorar até 31 de dezembro de 2003.
§ 1 'no período de 1 ° de outubro a 31 de dezembro de 1999, a vigência da
lei n° 8.989, de 1995, observará as prescrições contidas no art. 2° da lei n°
9.660, de 16 de junho de 1998.
§ 2°É mantida a isenção fiscal aos portadores de deficiênciafisica na forma
do art. 1°, inciso iv, da lei n°8.989, de 1995, para aquisição de veículos
movidos a qualquer combustível.
art. 2° o art. 1 ° da lei n° 8.989, de 1995, alterado pelo art. 29 da lei n °
9.317, de 5 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
'art. 1 °ficam isentos do imposto sobre produtos industrializados (ipi) os
automóveis de passageiros de fabricação nacional de até 127 hp de potência
bruta (sae), de no mínimo quatro portas, inclusive a de acesso ao bagageiro,
movidos a combustíveis de origem renovável, quando adquiridos por.
parágrafo único. a exigência para aquisição de automóvel de quatro portas e
de até 127 hp de potência bruta (sae) não se aplica aos deficientes fisicos de
que trata o inciso iv do caput deste artigo' (nr) ".veja-se que a nova lei
também prevê, em art. 2°, parágrafo único, que a exigência para aquisição de
automóvel de quatro portas não se aplica aos deficientes físicos.
finalmente, é de se concluir que a lei n° 10.182/01 mantém, em seu art. 1°, §
2°, a possibilidade de os deficientes fisicos adquirirem veículos movidos a
qualquer combustível, não estando, portanto, os mesmos enquadrados na
redação dada ao art. 1 ° da lei n° 8.989/95 pelo art. 2° da nova lei, mesmo
que isto não esteja nele expresso.
7.3.3. a isenção do iof nas operações de crédito para aquisição de
automóveis por pessoas portadoras de deficiência
ademais, é isento o deficiente fisico do pagamento do imposto sobre
operações financeiras, conforme se passará a demonstrar.
assim dispõe o decreto n° 2.219, de 2 de maio de 1997:
"art. 9°. É isenta do iof a operação de crédito.-
vi-para a aquisição de automóvel de passageiros, de fabricação nacional,
com até 127 hp de potência bruta (sae), na forma do art. 72 da lei n °8.383,
de 30 de dezembro de 1991; (..) "
a lei n° 8.383/91, que institui a unidade fiscal de referência, altera a
legislação do imposto de renda e dá outras providências, em seu art. 72, iv,
prescreve:
"art. 72. ficam isentas do iof as operações de financiamento para a aquisição
de automóveis de passageiros de fabricação nacional de até 127hp de
potência bruta (sae), quando adquiridos por.iv- pessoas portadoras de
deficiência física, atestada pelo departamento de trânsito do estado onde
residirem em caráter permanente, cujo laudo de perícia médica especifique;
a) o tipo de defeito físico e a total incapacidade do requerente para dirigir
automóveis convencionais; b) a habilitação do requerente para dirigir
veículo com adaptações especiais, descritas no referido laudo; (..) "
veja-se, portanto, que os deficientes estão também isentos do iof, devendo
para tanto, comprovar a qualidade de deficiente fisico por laudo de perícia
médica, nos exatos termos do art. 72, iv, supracitado. 8. conclusÃo
o princípio segundo o qual o tributo deve ser exigido de acordo com a
capacidade econômica do contribuinte é um princípio geral que obriga todo
legislador no âmbito federal, estadual e municipal (art. 145, § 1 °).
todavia, a imunidade, tal como prevista nos arts 150,vi, "c", e 195, § 7°,
esconde outros valores fundamentais, como alerta aliomar baleeiro (c£
limitações constitucionais ao poder de tributar. rio de janeiro, forense), assim
considerados pela constituição, de modo que a renda, os serviços e o
patrimônio dessas pessoas imunes devem permanecer afetados à perseguição
desses valores políticos, morais, educacionais e assistenciais.
se a inexistência ou ausência de patrimônio e renda fosse a razão de ser das
imunidades, elas seriam desnecessárias. ao contrário, supõe a constituição
que as instituições de educação e de assistência social tenham renda e
patrimônio (ou devam tê-los), os quais não podem ser reduzidos por meio de
impostos, estando inteiramente comprometidos com os relevantes objetivos
sociais cumpridos por essas pessoas imunes. o que não pode haver é a
finalidade lucrativa, vale dizer, atividade econômica voltada à apropriação
individual de resultados, em que o espírito de solidariedade social é
inexistente ou secundário.
aparentam ou ostentam "signos presuntivos de capacidade contributiva",
pois têm capacidade de remunerar empregados, possuem patrimônio ou
renda.
daí a previsão da imunidade com os seus pressupostos:
• não distribuir lucros e receitas;
• não reverter patrimônio;
• reaplicar os lucros no munus assistencial;
• apresentar contabilidade veraz.
ora, com agir dessa forma, o constituinte, como que retirou-lhes (apesar das
rendas e patrimônios) a capacidade contributiva real, tanto que não as
tributa. há sinergia. o estado renuncia ao tributo. os entes imunes se
autofinanciam, crescem em patrimônio e renda, mas para os fins paraestatais
previstos na constituição, à luz de valores que os constituintes entenderam
dignos de proteção. É este o balanceamento de princípios constitucionais
relevantes que a questão suscita. o patrimônio e a renda afetados no escopo
da assistência social não podem ser reduzidos por impostos nem por meio de
contribuições sociais. em relação aos deficientes fisicos, a sociedade civil
deve preparar-se para fazer frente ao furor fiscal, socorrendo-se no judiciário
sempre que necessário. assim como se deve assegurar a eles uma estrutura
urbana adaptada as suas necessidades, um mercado de trabalho que lhes
assegure um mínimo de vagas, deve-se incentivar ao máximo a criação e o
desenvolvimento de instituições voltadas ao amparo fisico, moral,
psicológico, dos deficientes fisicos. É uma responsabilidade conjunta do
estado e da sociedade civil. ao estado, incumbe não tributar. À sociedade
civil, incumbe doar-se um pouco mais a um trabalho tão indispensável às
pessoas deficientes e também ao país.
aspecto penal da lei n° 7.853/89
joão mestieri
doutorem direito pela puc-rj. master of laus - yale.
1. introduÇÃo
a constituição federal de 1988 conferiu aos deficientes amplas garantias,
procurando preservar seus direitos básicos de personalidade e, muito
especialmente, garantir equanimidade de participação na vida de relação.
com efeito, seguindo a indicação constante do seu preâmbulo, de promover
"a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos", a constituição federal no seu artigo 24, inciso
xiv, determina a "proteção e integração social das pessoas portadoras de
deficiência".
É que o mais grave corolário da deficiência é o esteriótipo que a acompanha:
a pessoa real como que desaparece, o indivíduo passa a figurar no rol
anônimo dos "deficientes". em contraposição a este estado de coisas,
infelizmente dominante, está o verdadeiro anseio do deficiente, o de ser visto
e tratado como uma pessoa capaz, normal, não como uma exceção incômoda
a ser evitada e ocultada de todos; um sujeito da vida de relação, participante,
atuante, e não um fardo social de quem se deve ter pena e prodigalizar
caridade.
este o verdadeiro sentido da proteção constitucional, o de garantir as
condições básicas de dignidade, respeito e participação social, evitando a
relegação e a discriminação. a teoria subjacente à meta constitucional pode
ser sintetizada na afirmação de ruy barbosa de "tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam.
assim, com fundamento no artigo 24, inciso xiv da constituição federal,
prevendo a proteção e integração social do deficiente, foi editada a lei n°
7.853, de 24 de outubro de 1989, dispondo sobre o apoio às pessoas
portadoras de deficiência, sua integração social, a coordenadoria nacional
para a integração da pessoa portadora de deficiência - corde, instituindo a
tutela jurisdicional de interesses coletivos e difusos dessas pessoas,
disciplinando a atuação do ministério público e ainda definindo crimes.
2. inquÉrito civil e aÇÃo civil pÚblica - artigo 6°
o artigo 129 da constituição federal afirma serem funções institucionais do
ministério público, dentre outras: (a) zelar pelo efetivo respeito dos poderes
públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; (b)
promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos.
a ação civil pública, como caminho processual para a proteção dos direitos
difusos, teve como ponto de partida para a sua elaboração legislativa o
importante trabalho da professora ada pellegrini grinover, a tutela
jurisdicional dos interesses difusos (1978). daí surgiram os projetos 4.984/85
(câmara dos deputados) e 20/85 (senado federal), estruturando-se a ação
civil pública como instrumento processual para a prevenção e reparação de
danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a lei n° 7.347/85.
promulgada a constituição de 1988 e com a aprovação do código de defesa
do consumidor, (lei n° 8.078/90), deu-se ao ministério público 0 poder de
promover o inquérito civil e a ação civil públicos (art. 129, inciso iii, cf),
além de se acrescentar o inciso iv ao artigo 1° da lei n° 7.347/85,
legitimando-o à propositura das mesmas medidas na proteção de qualquer
outro interesse difuso ou coletivo (art. 110, da lei n° 8.078/90), o que havia
sido objeto de veto presidencial por ocasião da sanção da referida lei. ainda,
a lei n° 8.884/94, com seu artigo 88, modificou o caput do artigo 1° da lei n°
7.347/85, alinhando ao lado dos danos de natureza material aqueles morais,
na ambiência do pedido da ação civil pública. e, mais, passaram a
ser abrigados na ação civil pública os interesses coletivos ou difusos
interessando (i) os deficientes (lei n° 7.853/89); (ü) os investimentos no
mercado mobiliário; (üi) a tutela da criança e do adolescente; (iv) e os
interesses da ordem tributária e econômica (leis n°s 8.137/90 e 8.176/90).
É com esse sentido e propósito que o legislador previu e disciplinou na lei
especial em causa tanto o inquérito civil (art. 6°) quanto a ação civil pública
(art. 3°). são remédios expeditos e eficazes mas que devem ser usados com
critério e parcimônia, não se deixando levar, o titular legitimado,
por exageros que mais comprometem do que abrigam os interesses difusos.
como muito bem lembra o professor rogério lauria tucci2 a multiplicação de
proposituras de ações civis públicas pelo ministério público parece pretender
transformar o importante instituto jurídico numa autêntica panacéia geral
para toda e qualquer situação.
observa o professor amoldo wald, nesse sentido, que do mesmo modo que
houve o abuso do mandado de segurança, há uma certa tendência,
atualmente, de generalizar o uso da ação civil pública, sem que se atenda à
sua verdadeira finalidade. com base nessa advertência, observa o insigne
advogado que "a introdução em nossa legislação, da ação civil pública e dos
seus princípios básicos não deve nem pode atingir: a) os princípios
constitucionais que garantem: a) o devido processo legal e o contraditório
(devido processo legal substantivo e adjetivo); b) a separação dos poderes; c)
as competências respectivas da união, dos estados e municípios; d) a área de
competência de cada magistrado. b) o resto do sistema processual
tradicional, que continua em vigor, com assuas premissas e regras de
procedimento, pois o direito especial não revoga o direito geral".
É com esses olhos que devemos analisara iniciativa do ministério público e
demais legitimados na dinaminização da ação civil pública (art. 3°).
o inquérito civil vem previsto no artigo 6° da lei especial e diz respeito,
como é curial, apenas ao ministério público:
"art. 6 - o ministério público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito
civil, ou requisitar, de qualquer pessoa fisica ou jurídica, pública ou
particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinar,
não inferior a 10 (dez) dias úteis.
par. 1° esgotadas as diligências, caso se convença o órgão do ministério
público da inexistência de elementos para a propositura de ação civil,
promoverá fundamentadamente o arquivamento do inquérito civil, ou das
peças informativas. neste caso, deverá remeter a reexame os autos ou as
respectivas peças, em 3 (três) dias, ao conselho superior do ministério
público, que os examinará, deliberando a respeito, conforme dispuser seu
regimento.
par. 2° se a promoção do arquivamento for reformada, o conselho superior
do ministério público designará desde logo outro órgão do ministério
público para o ajuizamento da ação".
a redação legal é simples, clara e prescinde de maior análise; contudo, existe
aqui, subjacente, questão importante: pode o ministério público requisitar,
diretamente, tais informações ou dependerá, ao menos em alguns casos, de
autorização judicial?
o ministério público, pelo artigo 129, inciso iii, da constituição federal, tem
como função institucional promover o inquérito civil e a ação civil pública
para a proteção de interesses difusos e coletivos; no inciso viii está prevista a
função de "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais".
antes da constituição de 1988, a lei do colarinho branco, lei n° 7.492/86, em
seu artigo 29 e parágrafo único já cometia ao ministério público a atribuição
de requisitar de qualquer autoridade as informações necessárias à apuração
dos crimes capitulados naquela lei, ainda que tais informações estivessem
cobertas pelo manto do sigilo bancário.
tendo-se em mira a lei do colarinho branco, a melhor doutrina entende que
dois sejam os requisitos para a licitude da quebra do sigilo bancário: (1)
trate-se de apuração de delito previsto naquela lei; (2) autorização judicial,
não podendo o mp, sponte sua, exigir dos estabelecimentos particulares de
crédito, e menos ainda dos órgãos federais, desnudem a vida financeira de
seus clientes sem o prévio crivo do exame judicial da pretensão.
assim se entende por motivos bastante elementares: o ministério público é
parte, e como tal está submetido aos controles necessários e indispensáveis à
vida democrática. por outro lado, os poderes conferidos ao parquet, pelo
artigo 129 da cf e leis especiais, como a lei do colarinho branco (art. 29 e
par. único) e a lei dos deficientes (art. 6°) devem ser interpretados em função
da coexistência das garantias individuais do artigo 5° da cf, de modo
especial o inciso x, pelo qual são resguardados, por invioláveis, os direitos à
"intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação", bem como das outras mais garantias, como o devido processo
legal e as regras comuns, tradicionais, da teoria geral do processo.
em conclusão, o poder conferido ao ministério público neste artigo não deve
ser interpretado como absoluto. isto, levando-se em conta dois aspectos
essenciais: (1) quaisquer pedidos ou solicitações previstos no artigo 6°
devem estar em absoluta consonância com a imputação que se pretenda e
devem ser motivados; esta a ratio única de toda e qualquer iniciativa baseada
neste artigo; (2) controle judicial prévio sempre que o pedido envolver
diretamente os direitos acima referenciados, manifestado com forma e figura
de juízo, e. g., medida cautelar, respeitado o princípio do contraditório e o da
motivação obrigatória das decisões judiciais; neste caso estão,
induvidosamente, os pedidos "de exames ou perícias".
3. figuras delituosas. artigo 8°
as figuras típicas são previstas no artigo 8° da lei especial referida:

"art. 8° constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e


multa:
i - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa,
a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou
grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta;
ii - obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por
motivos derivados de sua deficiência;
iii - negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua
deficiência, emprego ou trabalho;
iv - recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência
médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível, a pessoa portadora de
deficiência;
v - deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de
ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta lei;
vi -recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da
ação civil objeto desta lei, quando requisitados pelo ministério público".
a interpretação dos tipos penais constantes dos incisos acima, deve estarem
harmonia com os princípios básicos previstos no artigo 1° da mesma lei, e
seus parágrafos, ou seja, o objeto de proteção, geral, é o de assegurar o pleno
exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de
deficiência, e sua efetiva integração social; são considerados prevalentes os
valores de igualdade de tratamento e de oportunidade, de justiça social, do
respeito à dignidade da pessoa humana, de bem-estar e outros de mesma
natureza.
a ratio da proteção vem explicitada no parágrafo 2° do mesmo artigo:
"garantir aos portadores de deficiência as ações governamentais necessárias
ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que
lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer
espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do poder
público e da sociedade".
4. discriminaÇÃo no ensino
o inciso i do artigo 8° da lei especial prevê:
i - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa,
a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou
grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta;
a objetividade jurídica do delito descrito neste inciso refere-se ao direito de o
deficiente participar da vida de relação, na espécie da instrução pessoal, sem
ser discriminado em razão de sua deficiência.
sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa com poder para realizar a
conduta típica; trata-se de crime próprio mas não de mão própria; admite o
concurso de agentes. assim, haverá concurso entre as condutas de um diretor
de estabelecimento de ensino que, sem justa causa, recusar aluno com base
em sua deficiência, secundado por um chefe de secretaria, aplicando-se a
regra do artigo 29 do cp. o sujeito passivo será também próprio, ou seja, a
proteção refere-se precipuamente ao deficiente, privado de freqüentar
estabelecimento de ensino em função de sua deficiência.
as modalidades do meio executivo são tipicamente referidas: recusar,
suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar. recusardé resistir
diretamente à matricula do deficiente, sem justa causa. suspender, é admitir
o aluno e em momento posterior, impedi-lo de continuar a freqüentar
regularmente o estabelecimento de ensino em função de sua deficiência.
procrastinar é adiar, de maneira indefinida e insidiosa, a inscrição de
deficiente, impedindo-o, nesse interregno, de frequentar as aulas. cancelar e
fazer cessar a inscrição vêm a ser modalidades equivalentes; a primeira é ato
formal de rever a matrícula, a inscrição, antes deferida, tornando-a sem
efeito; a segunda, consiste em obter-se o mesmo desiderato, mas não de
forma direta, mas insidiosa, sem clara definição, oficial, do estabelecimento
de ensino. a vox fazer cessar equivale àquela de procrastinar. a
procrastinação se dá no ato da decisão sobre a inscrição; o fazer cessar,
quando esta já foi deferida e o estabelecimento de ensino como que se
arrepende de tê-la feito e, indiretamente, impede, de fato, que o deficiente
freqüente o estabelecimento.
o bem jurídico protegido é o direito de o deficiente ter acesso aos
estabelecimentos de ensino, sem ser a isto impedido exclusivamente em
razão de sua deficiência. devemos lembrar que o objetivo geral de proteção,
tanto da constituição federal quanto da lei especial é o de assegurar aos
deficientes o pleno exercício dos seus direitos individuais e sociais,
objetivando sua efetiva integração social.
a incriminação de ações tendentes a impedir que deficientes freqüentem
estabelecimentos de ensino está relacionada à previsão do artigo 2°, inciso i,
da lei especial, especialmente as letras b, c, e e f o artigo 2° citado comete ao
poder público a obrigação de assegurar às pessoas portadoras de deficiência
o pleno exercício de seus direitos básicos. o inciso 1, na atividade de
proteger e, para tanto, definir tais direitos básicos, prevê, assim, dentre
outras, para garantir aos deficientes "tratamento prioritário e adequado", o
"acesso de alunos portadores de deficiência aos beneficios conferidos aos
demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de
estudo" (letra e); "a matrícula compulsória em cursos regulares de
estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de
deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino" (letra f ).
5. acesso a cargo pÚblico
diz o artigo 8° em seu inciso 11 ser crime "obstar, sem justa causa, o acesso
de alguém a qualquer cargo público, por motivos derivados de sua
deficiência".
a ratio deste tipo penal é sancionar criminalmente a discriminação de
deficientes no acesso a cargos públicos. a expressão "sem justa causa" está aí
no sentido de se excepcionar da tipicidade os casos de incompatibilidade
fática, do deficiente, com o cargo público a ser preenchido; ou seja,
incrimina-se aqui a discriminação, o preconceito, propulsores da exclusão,
do obstar, sem qualquer razão preponderante, apenas pelo fato de o
candidato ser portador de alguma deficiência. o artigo 2° da lei especial, em
seu inciso 111, trata da formação profissional e do trabalho do deficiente,
prevendo não apenas a inserção no mercado profissional normal, aqui
compreendida a formação básica necessária para tanto, como ainda o
empenho do poder público quanto ao surgimento e à manutenção de
empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de
deficiência, "que não tenham acesso aos empregos comuns" (letra b).
assim, a objetividade jurídica do tipo em exame refere-se a obstar, sem justa
causa, o acesso de pessoa deficiente a emprego comum, unicamente em
função de sua deficiência.
o meio executivo, aqui, se perfaz tão-somente pelo obstar, que significa
impedir o acesso ao cargo público em razão da deficiência de que seja
portador o candidato.
o tipo subjetivo compõe-se do dolo de discriminar o deficiente na
conformidade da descrição objetiva do tipo e das características subjetivas
representadas pela especial motivação tipicamente exigida, ou seja, querer
obstar o acesso a cargo público de deficiente pelo único motivo dessa
mesma deficiência. o tipo apenas se perfaz com o dolo direto, a vontade
consciente e livre especificamente manifestada no sentido de cumprir a parte
objetiva do tipo. o dolo eventual não é suficiente.
6. acesso a emprego ou trabalho
na mesma linha do inciso 11 do artigo 8° da lei especial, este inciso 111 visa
a sancionar criminalmente a discriminação de deficiente na concorrência a
oportunidades de emprego ou trabalho. a diferença reside apenas em que,
aqui, não se trata de cargo público, mas de qualquer emprego ou trabalho.
ao mesmo tempo em que a lei determina o empenho do poder público no
sentido da "promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos
setores público e privado, de pessoas portadoras de deficiência" (art. 8°,111,
"c"), sanciona penalmente o fato da discriminação do deficiente no mercado
de trabalho.
de conformidade com o inciso anterior, a falta de justa causa é aqui
essencial. dir-se-ia que a alusão fosse desnecessária mas a intenção do
legislador foi a de ser absolutamente explícito, evitando a possibilidade de
interpretações exageradas e em desacordo com o verdadeiro espírito e
propósito da criação do tipo penal.
o sentido nuclear do tipo reside na discriminação de pessoas qualificadas
para o trabalho, capazes de desempenhar as funções essenciais inerentes a
este, mas que são preteridas unicamente por causa de sua deficiência.
o tipo objetivo compreende a discriminação do deficiente nas oportunidades
de emprego ou trabalho. o legislador, empregando ambas as expressões
típicas, emprego e trabalho, não procurou distingui-ias para qualquer
propósito mas, sim, garantir o elastério necessário à perfeita e abrangente
integração do tipo penal. emprego seria a relação formal, duradoura,
enquanto que trabalho teria um sentido informal, episódico, de
eventualidade.
É indiferente para o tipo o fato de o deficiente haver ocultado a sua
deficiência, ou ser ela óbvia ou discreta. a lei brasileira não é explícita
quanto à obrigação de o deficiente declarar essa condição quando da
entrevista com o empregador, ao contrário do americans with disabilities act
americano. nesse statute está claramente previsto não ter o deficiente tal
obrigação, sendo esta uma decisão individual, que cada um deve tomar por
si mesmo. recentemente, passou-se a entender-se, naquele país, que o
empregador esteja proibido de fazer perguntas sobre deficiência a um
candidato, a não ser que ela seja óbvia. por outro lado, ainda que não haja
nenhuma obrigação legal de o candidato referir a sua deficiência, entende-se
que informar ao empregador sobre tal questão, depois que uma oferta de
emprego tenha sido feita, permite a ambas as partes concentrarem-se nas
qualidades e habilidades do candidato e não em sua deficiência.
ajusta causa consistiria na inadequação do candidato deficiente ao tipo de
oportunidade de emprego ou trabalho ofertado. neste caso não há
discriminação, já que esta pressupõe a aptidão específica e, portanto, não
haverá a incidência do tipo penal.
o tipo subjetivo vem a ser a vontade consciente e livre dirigida no sentido de
negar a deficiente emprego ou trabalho em razão apenas de sua deficiência.
o sentido discriminatório é aqui decisivo. o dolo direto é exigível, não sendo
suficiente o simples dolo eventual. não há forma culposa punível.

7. assistÊncia mÉdica e hospitalar

o inciso iv do artigo 8° da lei especial torna delituosa a ação de "recusar,


retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-
hospitalar e ambulatorial, quando possível, a pessoa portadora de
deficiência".
o artigo 2° da lei especial, em seu inciso ii, prevê uma série de providências
na área da saúde, e dentre elas destacamos as seguintes, que diretamente
dizem respeito ao tipo penal em causa: (1) garantia de acesso das pessoas
portadoras de deficiência aos estabelecimentos de saúde públicos e privados,
e de seu adequado tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de
conduta apropriados; (2) garantia de atendimento domiciliar de saúde ao
deficiente grave não internado; (3) desenvolvimento de programas de saúde
voltados para as pessoas portadoras de deficiência, desenvolvidos com a
participação da sociedade e que lhes ensejem a integração social.
o tipo objetivo do delito consiste em recusar, retardar ou dificultar internação
ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar a deficiente. recusar é a
negativa peremptória da prestação exigida pelo tipo; não é a simples
omissão mas a postura daquele que não tem a intenção de executar o
comportamento a que está legalmente obrigado. retardar é procrastinar,
protrair, protelar, sem justa causa ou necessidade, a ação imposta pelo dever
jurídico de agir. dificultar é criar óbices impertinentes à prestação do serviço
ou assistência juridicamente exigíveis. deixar de prestar assistência
compreende um non facere quod debetur, ou seja, a voluntária omissão no
prestar o serviço médico-hospitalar ou ambulatorial a deficiente.
a prestação de assistência incumbe àquele sujeito determinado que no
estabelecimento hospitalar está encarregado de tal serviço. trata-se, pois, de
crime omissivo em que o sujeito é especializado, determinado, próprio.
ainda assim é possível o concurso de agentes, uma vez que mais de um
agente, obrigado a prestar a assistência a deficiente venha a omitir-se. o
conhecimento da condição de ser a vítima deficiente é tipicamente exigível.
na ignorância de tal condição, poderá se configurar o delito de omissão de
socorro do artigo 135, cp.
o dever jurídico de agir encontra, nada obstante, limites. será exigível
quando possível ao agente implementá-lo na forma requerida pelo tipo
penal. assim, há de se terem conta a capacidade e possibilidades materiais do
agente e do estabelecimento, analisadas sempre em relação ao caso concreto.
por outro lado, o cumprimento do dever jurídico uma vez exigível, deve ser
realizado de imediato, ou ao menos de forma a não colocarem risco o bem
jurídico protegido, que vem a ser a incolumidade psicofísica e mesmo a vida
do deficiente.
o tipo subjetivo é composto unicamente do dolo direto, consistindo este na
vontade livremente direcionada a recusar, retardar ou dificultar internação ou
deixar de prestar assistência médico-hospitalar ou ambulatorial à pessoa
sabidamente deficiente.

8. ordem judicial em aÇÃo civil pÚblica

o inciso v do artigo 8° da lei especial é simplesmente supletivo sancionador


dos parágrafos 1 a 4 do artigo 3° da mesma lei; contudo, não abrange as
requisições "do interessado" às autoridades públicas competentes, de
certidões e informações (art. 3, par. 1°) e nem as requisições oriundas do
ministério público para instaurar o inquérito civil, de que trata o artigo 6° da
mesma lei. É que a sanção criminal está aqui restringida às recusas de
"execução de ordem judicial expedida na ação civil".
o artigo 3° diz que "as ações civis públicas destinadas à proteção de
interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão
ser propostas pelo ministério público, pela união, estados, municípios e
distrito federal; por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos
termos da lei civil, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de
economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção
das pessoas portadoras de deficiência".
para instruir a inicial, diz o parágrafo 1°, "o interessado poderá requerer às
autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias",
sendo que estas devem ser fornecidas "no prazo de 15 (quinze) dias da
entrega" do requerimento, sendo que tais dados assim obtidos só poderão ser
utilizados para instruir a ação civil. na hipótese de o interessado, frustrado
no seu propósito de obter de repartição pública certidões ou informações
necessárias ao arrimo de sua pretensão judicial e requerer, incidentalmente,
ao juiz da causa, que tal providência seja ultimada, o descumprimento à
ordem judicial será, sim, típica, fazendo incidir a regra jurídica do artigo 8°,
inciso v.
são diversas as modalidades do meio executivo: deixar de cumprir, retardar
ou frustrar. o deixar de cumprir é a desobediência à ordem judicial em seu
sentido mais amplo e puro; o destinatário, obrigado, simplesmente se
recusa a cumprir a ordem, sem qualquer justo motivo. aqui não é necessário
que o recalcitrante manifeste a recusa, oralmente ou por escrito, bastando a
omissão, desde que certa e induvidosa a recepção da ordem judicial de
autoridade competente. retardar consiste em postergar a providência
ordenada, tornando a resposta sensível e injustificadamente mais lenta.
frustrar é baldar, impedir, ensejar o malogro do propósito ínsito na ordem
judicial, por qualquer meio.
o crime é próprio, sendo autora a pessoa obrigada a acatar a ordem judicial
mas o concurso de agentes é admissível, uma vez que terceiro,
conscientemente, venha a participar da ação delituosa. a tentativa é, em tese,
reconhecível, pois o processo executivo é fracionável. o justo motivo a que
alude a lei tem a natureza de elemento negativo do tipo e deve ser avaliado
caso a caso; assim, não atuará tipicamente o agente que não responder ao
mandamento judicial com a presteza esperada em razão de dificuldades
materiais comprovadas; neste caso, não estaria retardando o cumprimento da
ordem judicial.
o tipo subjetivo exige o dolo direto, a vontade consciente e livre de
descumprir, retardar ou frustrar a execução de ordem judicial. o delito não se
aperfeiçoa com o simples dolo eventual, e nem é punível a título de culpa.

9. requisiÇÃo de dados tÉcnicos pelo ministÉrio pÚblico

no inciso vi do artigo 8° da lei especial o legislador sanciona penalmente


expedientes tendentes a retardar ou obviar a colheita de informações técnicas
indispensáveis à propositura da ação civil pública pelo órgão do ministério
público.
o preceito pretende dar suporte sancionador, de caráter penal, ao disposto no
artigo 6° da mesma lei, pelo qual se confere ao ministério público a
faculdade de "requisitar, de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinar,
não inferior a 10 (dez) dias úteis".
aqui também o meio executivo admite várias modalidades, sendo tipo penal
de conteúdo variável: recusar, retardar ou omitir. já tivemos oportunidade de
examinar as duas primeiras modalidades, recusar e retardar, as quais
possuem, aqui, o mesmo significado e propósito daquele do inciso anterior. o
omitir, a sua vez, compreende a omissão parcial ou total de dado técnico
indispensável. a modalidade permite o surgimento de concurso de delitos, e.
g., com a falsidade; contudo, sendo esta a única forma de se expressar a
omissão, tipicamente exigida, há de se a considerar como absorvida pela
infração à lei especial. a ação incriminada, qualquer que seja a modalidade
do meio executivo, exige que o elemento normativo do tipo "dados técnicos
indispensáveis à propositura da ação civil pública" esteja presente. assim,
apenas a ação negativa respeitando tais dados indispensáveis será típica.
o tipo subjetivo se aperfeiçoa, exclusivamente, com o dolo direto de recusar,
retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil
pelo ministério público e por ele requisitados.

10. código de processo penal - artigos 192 e 223

10.1. declarações do mudo, surdo e surdo-mudo


o artigo 192 do cpp estabelece os princípios a serem observados no
interrogatório judicial do mudo, do surdo e do surdo-mudo.
recebida a denúncia ou queixa, deve o juiz mandar citar o réu e intimá-lo
para interrogatório (art. 394, cpp). trata-se de ato personalíssimo;
interrogado é o próprio acusado, não podendo se fazer representar ou
substituir por quem quer que seja. nesta linha, é vedada a interferência ou
auxílio do advogado de defesa e do curador do réu menor (art. 187, cpp) e,
como conseqüência, igual proibição é de se reconhecerem relação ao
acusador público, ao querelante e a eventual assistente de acusação.
o ato é essencialmente judicial, privativo do juiz da causa (arts. 186, 195 e
196, cpp). a oralidade é da sua essência, pois o interrogatório é a única
oportunidade de uma relação direta entre juiz e réu, momento em que o
magistrado poderá analisá-lo, formar uma opinião sobre o ser humano. de
outro lado, é importante momento para o acusado dar a sua versão dos fatos
narrados na denúncia e as suas razões de defesa. nada obstante serem
essenciais e historicamente importantes, tais características devem ceder à
imposição da própria natureza. assim, se o interrogando é surdo, as
perguntas do juiz não poderão ser formuladas oralmente; se mudo, não
poderá responde-ias vocalmente. se a deficiência for ainda mais profunda,
como no caso do surdo-mudo, o interrogatório deverá ser conduzido do
modo possível para assegurar a perfeita intelegibilidade das perguntas e das
respostas.
nesse sentido, o artigo 192 do cpp estatui:
art. 192 - o interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito
pela forma seguinte:
i - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá
oralmente; ii - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as
ele por escrito;
111- ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e por escrito
dará ele as respostas.
parágrafo único - caso o interrogado não saiba ler ou escrever, intervirá no
ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.
os critérios aqui estipulados, como lembra tornaghi, são da substância do
ato, essenciais para a sua validade jurídica: "se, portanto, é preterida a forma
prescrita para o interrogatório do acusado surdo, mudo ou surdo-mudo, o ato
é viciado, o prejuízo se presume e advém a nulidade, salvo se ocorrer a
hipótese do parágrafo único do art. 192 (analfabeto), caso em que a maneira
de interrogar será outra".
ainda sobre o atendimento aos critérios legais, observa tornaghi (idem,
idem), que o interrogatório por escrito será inviável se o acusado surdo for
analfabeto, o mesmo se dando com o mudo e por isso, sugere, de lege
ferenda, se deixe expressa a hipótese em que o surdo, ou mudo, não puder
ler ou escrever (p. ex., não pode ler porque é cego; não pode escrever porque
é manco dos braços).
nesses casos a figura do intérprete será necessária por sua excepcionalidade.
aqui, observa eduardo espínola filhos que "para transmitir as perguntas do
juiz ao interrogado e para que as respostas deste sejam conhecidas daquele, é
promovida a intervenção no ato de pessoa a qual conheça e pratique a
linguagem dos surdos-mudos. essa pessoa, que galdino siqueira (curso de
processo criminal, 2a ed., 1930, p. 334) entende deve ser, perfeitamente,
quem tenha o hábito de comunicar-se com o réu (mas, é evidente, para isso,
mister se faz seja pessoa absolutamente idônea, pois há a receiar que a
afeição pelo acusado, ou o espírito de compaixão, deturpe o sentido das
perguntas ou das respostas), assume a posição de um intérprete, prestando o
compromisso de fidelidade na tradução (e é terminantemente proibido
resumir as perguntas ou respostas, que devem ser transmitidas em toda a sua
exata extensão)".
em todos os demais casos legalmente referidos, é de se observar estritamente
as regras do artigo 192, cpp, como já decidiu o supremo tribunal federal: "o
interrogatório do surdo-mudo que sabe ler e escrever pode ser feito por
escrito e por escrito dará ele as respostas, não sendo necessária a nomeação
de intérprete, uma vez que essa providência, segundo o cpp (art. 192, ill) só
é imprescindível no caso de o interrogado ser analfabeto, porque aí, terá o
intérprete a função de transmitir as perguntas e traduzir as respostas" (rt
736/576).

10.2. testemunha muda, surda ou surda-muda

o depoimento de tais testemunhas deve ser colhido na forma preceituada no


artigo 192, cpp.
a matéria vem prevista no artigo 223, cpp:
art. 223 - quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será
nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas.
parágrafo único - tratando-se de mudo, surdo ou surdo-mudo, proceder-se-á
na conformidade do art. 192.
as condições para a validade do ato jurídico já severas em relação ao
interrogatório do acusado, são ainda mais importantes no que respeita a
inquirição de testemunhas que se encontrem nas condições do artigo 223,
parágrafo único, cpp. É que, aqui, ao contrário do interrogatório, há a
obrigação de dizer a verdade, sob as penas do artigo 334, cp, além de ser, o
testemunho, segmento importantíssimo para a formação do convencimento
do juiz
nesse sentido, decidiu o tribunal de justiça de minas gerais:
"arrolando as partes testemunha surda-muda cujos esclarecimentos se
mostram imprescindíveis ao julgamento da espécie, se a mesma é inquirida
em plenário com inobservância à forma preconizada pelo art. 192, incisos e
parágrafo do cpp, servindo de intérprete pessoa não qualificada, não
compromissada e não habilitada, é de se reconhecer a nulidade do
depoimento tomado, bem como o auto de reconhecimento constante dos
autos, decretando-se a anulação do julgamento realizado" (rt 712/451).

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