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sumÁrio
izabel maria madeira de loureiro maior: "prefácio" . . . . . . . . . . . vii
maria paula teperino: "apresentação" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .ix
regina quaresma: "comentários à legislação constitucional aplicável às
pessoas portadoras de deficiência" . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1
nagib slaibi filho:
"o direito civil e as pessoas portadoras de deficiência" . . . 23.
diogo de figueiredo moreira neto: "aspectos administrativos da proteção e
integração das pessoas portadoras de deficiência" . . . . . . . . . . . . . .91
jorge franklin alves felipe: "direito previdenciário" . . . . . . . . . . . . . . 107
arionsayãoromita:
"direito do trabalho e a pessoa portadora de deficiência" . . 137
sacha calmon: "comentários à legislação tributária aplicável às pessoas
portadoras de deficiência" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
joão mestieri: "aspecto penal da lei n° 7.853/89". . . . . . . . . . . . . . . . . .209
prefÁcio
ao introduzir o livro comentários à legislação federal aplicável às pessoas
portadoras de deficiência, desejo ressaltar a importância desta obra que
faltava na literatura especializada brasileira, visto que a análise escrita e o
comentário apropriado, feito por quem entende mais, serão sempre os
instrumentos impulsionadores das mudanças socioculturais.
aqueles que participam do movimento social das pessoas portadoras de
deficiência conhecem as conquistas coletivas do grupo, obtidas através de
várias décadas, de idas e vindas e de momentos de aceleração: nos anos 40 e
50, quando profissionais e pais empunharam bandeiras para gerar iniciativas
na saúde, reabilitação, educação especial, trabalho protegido e as bases de
ações assistenciais; nos anos 70, quando as pessoas portadoras de
deficiências despontaram como atores sociais emergentes e iniciaram uma
nova onda progressista de conquistas de direitos, equiparação de
oportunidades e autonomia. assim, o ano internacional das pessoas com
deficiência, comemorado em 1981 foi o resultado das lutas anteriores e
serviu de apoio para novas aquisições.
o processo histórico tem avançado no sentido da busca de igualdade e de
eqüidade nas políticas públicas gerais e específicas para o segmento de
pessoas portadoras de deficiência.
com a constituição da república de 1988 houve a consagração dos direitos de
cidadania. todavia, apesar dos avanços introduzidos na carta magna,
continuamos perplexos com a sua pouca efetividade, visto que inúmeros
dispositivos ainda aguardam regulamentação, implantação e implementação.
esta obra, coordenada pela doutora maria paula teperino, representante das
lideranças do movimento das pessoas portadoras de deficiência e membro da
carreira jurídica, revela-se de grande valor e imensa responsabilidade. os
diversos capítulos, criteriosamente escolhidos, trazem a reflexão e os
comentários de famosos autores e trabalhadores do direito no brasil. acredito
que este livro disseminará a informação e tornar-se-á literatura de referência
para os alunos das ciências jurídicas e para aqueles que estão à frente de
causas envolvendo os direitos das pessoas portadoras de deficiência.
se um tema permanece restrito aos interessados não há evolução e
aprimoramento; cria-se um ciclo vicioso de descumprimento e descrédito
para a própria ordem jurídica. por outro lado, ao surgir uma obra capaz de
suscitar o debate e ampliarem qualidade e quantidade os envolvidos com a
mesma causa, passamos a dispor de respostas certas para os direitos das
pessoas portadoras de deficiência em nosso país.
para mim, é uma grande honra prefaciar trabalho tão denso, oriundo da
dedicação e do compromisso já assumido de juristas de renome. como os
demais leitores desta obra, pretendo retirar da leitura atenta o melhor
proveito para planejar políticas públicas, gerenciar projetos, fomentar ações
envolvendo a área governamental e a sociedade, sabendo utilizar
apresentaÇÃo
o conceito de deficiência se confunde com a história do próprio homem. não
da forma como passamos a enxergar os diversos tipos de deficiências, a
partir da segunda metade do século xx, onde a tutela estatal sobre o tema
começou a existir, mas com a conotação de menos valia, já descrita na
bíblia, onde termos como aleijado, surdo, cego, leproso aparecem de forma a
denominar pessoas que necessitavam da piedade de outrem ou que
precisavam "ser curados".
por anos a fio esse foi o conceito de deficiência, algo a ser eliminado, a ser
combatido, a ser excluído.
o progresso da ciência impediu que doenças e acidentes acabassem por
tornar-se fatais, mas não conseguiu eliminar todas as seqüelas resultantes,
fazendo, assim, com que pessoas que outrora morreriam, sobrevivam,
portando alguma deficiência.
com a 2" grande guerra, pela primeira vez, os países, principalmente os da
europa e os eua, passaram a ter que responder de forma eficaz as demandas
de um grande número de cidadãos com diferentes tipos de deficiências.
acrescente-se, ainda, o fato de, em sua maioria, serem heróis de guerra,
pessoas que perderam sua saúde e forma fisica defendendo a pátria. além de
todas as necessidades, inerentes às deficiências, tais como reabilitação,
aposentadorias, tratamentos especializados, soma-se ainda a necessidade de
continuar participando ativamente da sociedade. sobreviver sempre é muito
pouco, o homem necessita interagir, participar, dar sentido à própria vida, e
dessa forma associar-se, criar núcleos etc.
assim, os países considerados desenvolvidos, desde a segunda metade do
século passado, passaram a investir de forma efetiva na qualidade de vida
das pessoas portadoras de deficiência. programas governamentais foram
implementados, prédios de uso público adaptados, empresas apostaram na
mão-de-obra dos portadores de deficiência, enfim, perceberam que, embora
com suas especificidades, é possível garantir a esse segmento o direito de
uma vida plena e feliz.
o brasil, como país em desenvolvimento, entrou (ou está entrando) tarde
nessa corrida por tornar mais digna a vida de seus portadores de deficiência,
que, segundo estatísticas da oms, são em torno de 10% de sua população, ou
seja, cerca de 1? milhões de habitantes.
com a promulgação da carta constitucional de 1988, muito se avançou no
que tange à legislação aplicável aos portadores de deficiência, porém, o
desrespeito a essas leis, por vezes, chega a ser vergonhoso.
basta andar pelas principais capitais deste pais, para se ver que tudo ainda
está por fazer, a começar por garantir que esses cidadãos possam sair às ruas.
não há ônibus adaptado, rampas nos principais prédios de uso público,
sinalização em braile, enfim, cada portador de deficiência que sai às ruas,
que trabalha, estuda, trava diariamente uma batalha solitária, contando
apenas com sua força de vontade e com a ajuda de algumas pessoas bem
intencionadas.
temos consciência que uma nação não se constrói da noite para o dia, e que a
questão dos portadores de deficiência está longe de ser prioritária em um
país com tantas dificuldades e desigualdades sociais como o brasil.
porém, em algum momento tem que se começar. sinceramente, achamos que
já começou, pois a partir do momento que, com todas essas dificuldades,
temos um número considerável de portadores de deficiência produzindo,
estudando, participando socialmente, constatamos que o caminho não é
outro senão o de continuar lutando por respeito, cidadania e principalmente
dignidade.
com esse intuito, resolvemos, sem nenhuma pretensão, mas com a certeza do
ineditismo, levar os operadores do direito a se debruçarem sobre a matéria,
juntando em uma única obra comentários sobre as principais leis federais
aplicáveis ao tema, reunidas pelas diversas áreas do direito.
podemos afirmar que, a partir dos anos 80, o legislativo contribuiu de forma
decisiva para a integração dos portadores de deficiência. temos leis
avançadas e modernas, que já estão acabando por virar letra morta, tal tem
sido negligenciada sua aplicação, deixando se perder um trabalho de anos a
fio das entidades de luta, representativas desse segmento.
entendemos que é chegada a hora de o judiciário, uma vez provocado,
garantir o cumprimento dessa legislação.
o intuito da presente obra não é outro, senão o de, por um lado, fomentar nos
portadores de deficiência e/ou em seus familiares, elementos para buscarem
no poder judiciário, uma forma de garantia desses direitos e, por outro, levar
aos operadores do direito não só o manancial legislativo sobre a matéria,
assim como mostrar de forma mais clara as reais necessidades do grupo, na
garantia de seus direitos.
aproveitamos, ainda, para agradecer a todos os ilustres autores, que tão
gentilmente aceitaram o desafio e, como se verá a seguir, debruçaram-se
com afinco nesse tema tão antigo, mas ao mesmo tempo tão atual.
incluir os excluídos deve ser nosso lema para este milênio que se inicia,
pois, afinal, somos diferentes, para podermos nos completar.
comentÁrios À legislaÇÃo
constitucional aplicÁvel Às pessoas
portadoras de deficiÊncia
regina quaresma
mestre em teoria geral do estado e direito constitucional. professora da
universidade cândido mendes e da puc-rj.
neste item iremos efetuar uma abordagem, ainda que tênue, da legislação
constitucional aplicável às pessoas portadoras de deficiência. serão
transcritas e brevemente comentadas as normas da constituição da república
federativa do brasil e da constituição do estado do rio de janeiro que
asseguram educação, acesso, assistência social, trabalho e integração às
pessoas portadoras de deficiência.'
4.1. competência
para o bom desenvolvimento deste trabalho, é necessário alertar à divisão de
competências que o estado federal brasileiro adota.
o pacto federativo brasileiro estabelece que as receitas arrecadadas pela
união federal serão devidamente distribuídas conforme as despesas
necessárias nas demais entidades federadas. isto aduz ao que denominamos
divisão de competências - É este o sistema que divide entre os estados e
municípios a renda que a união arrecada.
no que se refere ao tema aqui abordado, cabe asseverar que a constituição
federal de 1988, ao determinar a competência comum entre a união, estados,
distrito federal e municípios, conferiu merecido destaque à matéria referente
à saúde e assistência pública, bem como à proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência, conforme dispõe seu artigo 23, inciso ii, in verbis:
"art. 244. a lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de
uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes afim
de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme
disposto no art. 227, §2.°."
assegurar a eliminação de obstáculos arquitetônicos e a obrigação da
regulamentação acerca da construção dos logradouros e dos edifícios de uso
público, bem como da fabricação de veículos de transporte coletivo, é
matéria de fundamental importância para as pessoas portadoras de
deficiência, eis que o acesso adequado é, após a preliminar conscientização,
literalmente, o próximo passo para alcançar os demais direitos.
como nos esclarece cretela jr.:
"art. 338 -
iii -garantir às pessoas portadoras de deficiências o direito à habilitação e
reabilitação com todos os equipamentos necessários;
(...
v- elaborar lei que disponha sobre normas de construção dos logradouros e
dos edifcios de uso público e de fabricação de veículos de transporte
coletivo, afim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência;
vi- garantir às pessoas portadoras de deficiência física, pela forma que a lei
estabelecer, a adoção de mecanismos capazes de assegurar o livre acesso aos
veículos de transporte coletivo, bem assim, aos cinemas, teatros e demais
casas de espetáculos públicos;
ix-garantir o direito à informação e à comunicação, considerando-se as
adaptações necessárias às pessoas portadoras de deficiência;
x -conceder gratuidade nos transportes coletivos de empresas públicas
estaduais para as pessoas portadoras de deficiência, com reconhecida
dificuldade de locomoção, e seu acompanhante;
g)
"art. 7°. são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
xxxi-proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência; (..)"
"art. 5°
- o livro i trata do direito de família (do latim famulus, que signifca o servo,
o servidor), o núcleo básico ou o grupo social que se constitui em torno do
indivíduo e que lhe fornece o atendimento às necessidades mais essenciais,
desde a sua infância, formação e desenvolvimento, até a ancianidade;
• o livro ii está dedicado ao direito das coisas (os bens tangíveis e
mensuráveis) onde se destaca a situação fática da posse e os efeitos
jurídicos do título de propriedade, instrumento jurídico a serviço do
poder econômico do seu titular de excluir os restantes membros da
comunidade do uso e gozo da coisa;
• -o livro iii refere-se ao direito das obrigações, o vínculo jurídico a
relacionar aquele que tem o poder (o credor) de exigir de outrem (o
devedor) uma prestação de dar coisa, fazer ou não fazer. nesta parte está
também o direito dos contratos, a se referir à constituição das obrigações
que vinculam as partes através da manifestação de vontade; e, finalmente,
• - o livro iv diz respeito ao direito das sucessões, ou o complexo de
relações jurídicas que devem ser reguladas em face do fato inexorável da
morte do titular dos direitos.
•
• 2. o direito civil transborda dos limites do cÓdigo civil
•
• napoleão bonaparte, imperador dos franceses, pretendeu substituir por um
único diploma legal, o código civil, todas as antigas normas das diversas
regiões que regulavam a vida do cidadão francês.
• daí veio o código civil de 1804, ambicioso de nele se esgotar a previsão
das condutas de todos os franceses, posto sobre o princípio filosófico
individualista, politicamente liberal e economicamente do livre mercado,
assim atendendo ao belo projeto de vida expresso no dístico "liberté,
egalité e fraternité" que motivou a revolução francesa de 1789.
• produto da lei, fundado na vontade da maioria parlamentar, o código civil
tinha a grandiosa pretensão de tentar resumir na letra da lei toda a história
do indivíduo; daí por que portalis, célebre jurista francês do século xix
podia trombetear que não ensinava direito civil, mas o código civil ....
• o nosso código civil tomou como paradigma o código civil francês de
1804, correspondendo aos princípio individualista (e, conseqüentemente,
do ideário racional- iluminista) então em voga no final do século xix e no
princípio do século xx.
• também buscou nos postulados individualistas a afirmação da igualdade
formal, regulando em suas normas o que até hoje os juristas mais
conservadores gostam de designar como o padrão de conduta do homem
médio, e considerando todos aqueles que não se encontrassem em tal
padrão como desvios da normalidade, a merecer, de um lado, a proteção
do direito e, de outro, a perda da capacidade de atuar dentro do próprio
direito.
• É assim que se considerava, por exemplo, a mulher casada, considerada
relativamente incapaz, tal como os índios, e que dependia da autorização
marital para realizar os seus atos da vida civil. aliás, em nosso país,
somente em 1932 as mulheres ganharam em nível nacional o direito de
voto e somente em 1961 é que veio a lume o estatuto da mulher casada,
que, alterando o código civil, lhes tirou a pecha infamante da
incapacidade jurídica.
• até hoje, o nosso código civil não registra a palavra "deficiente", e
somente uma vez a palavra "doença", embora conte quarenta vezes a
palavra "incapaz" e sete vezes a palavra "louco".
• ao surgir em 1916, o código civil aspirava a existência de um mundo em
que imperava a igualdade formal, elemento necessário para a competição,
mas que somente ensejava o sucesso a quem fosse o mais capaz, superior
em armas de riqueza, inteligência e fulgor fisico...
• somente em 1923 é que veio a lei eloy chaves, sob o paradigma britânico,
com o embrião de seguridade social para os empregados das vias férreas;
quanto aos outros assalariados, estavam condenados a se finar quando
doentes ou velhos, pois o contrato de trabalho era aquele previsto no
código civil em que imperava a autonomia da vontade e vicejava o patrão
econômica e socialmente mais forte que o operário que a ele se curvava
genuflexo.
• em 1934, mais um notável avanço agora em favor daqueles que o decreto
n° 24.559, de 3 de julho daquele ano, denominou de "psicopatas" e que
compreendia os deficientes mentais e os toxicômanos. este foi um
momento em que se viu a impossibilidade do código civil de regular
exaustivamente as situações que não fossem as consideradas típicas das
pessoas "normais".
• a história demonstrou a impossibilidade de regulação, através de leis
-ainda que sistematizadas como são os códigos-de todas as situações que
podem ocorrer nos casos concretos: a vida é muito mais rica que nossas
vãs previsões. a lei produz comandos que somente atentam para as
situações genéricas e hipotéticas, o administrador e o juiz estão sob os
influxos das situações individuais e concretas que, não raras vezes, se
mostram imprevisíveis para o legislador.
• assim, cada vez mais as leis se tornam declarações de princípios, com a
afirmação dos valores que devem predominar nas soluções dos casos
concretos.
• exemplo de tal postura é o que está no art. 1° da lei n 7.853, de 24 de
outubro de 1989, cujo § 1° proclama os valores predominantes e cujo §
2° afirma os objetivos ou tarefas.
• cada vez mais o código civil se mostra insuficiente como repositório das
leis que asseguram os direitos e deveres civis, bastando que tal se
demonstre com o número crescente da chamada "legislação
extravagante".
•
• 3. dificuldade de definiÇÃo do conteÚdo do direito civil
•
• há quinze séculos, desde a época do imperador justiniano, é que se
começou a distinguir no direito, ontologicamente uno como ciência, arte
e técnica, dois grandes ramos: o direito público, em que predomina o
interesse da coletividade, e assim indisponível a cada um de seus
integrantes, e o direito privado, em que predomina o interesse do
indivíduo, que pode abdicar dos direitos ditos à sua disposição ou
disponíveis.
• no direito privado estaria o direito civil e o direito comercial, ficando
para o direito público, como o direito administrativo e o direito tributário,
o que interessa ao estado.
• mas nem sempre as normas do código civil são meramente de direito
privado e disponíveis para o interessado. por exemplo, as regras sobre
família e sucessão são claramente indisponíveis, simplesmente deixando
aos interessados pequeno campo de atuação da vontade, como, e. g., a
escolha do regime de bens do casamento, se este está disponível pela lei
para o nubente...
• de qualquer forma, parece cruel para os românticos verificar que o
casamento, como celebração solene descrita no código civil, está previsto
em normas que, embora postas no código civil, têm conteúdo
administrativo, e que a celebração do casamento é ato jurídico que não se
restringe aos nubentes, mas exige necessariamente para a sua existência e
validade a atuação do poder do estado que se encarna na pessoa do
ofciante.
• em conseqüência, mais uma dificuldade se apresenta ao estudioso do
tema: estabelecer os limites do direito civil para verem que o mesmo dia.
respeito ao portador de deficiência.
• aqui se optou por seguir, tanto quanto possível, os caminhos indicados
pela constituição e pelas leis, pois se percebe que é descabido limitar o
que se mostra desde logo incomensurável na sua extensão: os direitos da
pessoa não podem ser restringidos sob o fundamento de necessidades
didáticas pois o universo individual é abrangente e ontologicamente
ilimitado.
•
• 4. tendÊncia atual do direito da cidadania
•
• assim se constata a tendência atual do direito pátrio em tema da proteção
dos direitos de cidadania do portador de deficiência:
•
• - a insuficiência do código civil, como sistema de normas sistematizadas,
para regular todas as situações individuais e concretas que mereçam
proteção legislativa;
• - a ampliação e o aprofundamento da denominada "legislação
extravagante", isto é, as leis que regulam os direitos de cidadania do
deficiente e que, embora aparentemente de conteúdo civil, não raras
vezes transbordam para outros ramos do direito; - a salutar convivência
de normas dos mais variados ramos do direito - havendo tal divisão em
ramos como meramente didática- em que os valores postos como
essenciais são garantidos por normas não só civis, mas também
processuais e administrativas e, até mesmo, penais.
•
• 5. a legislaÇÃo do portador de deficiÊncia
•
• 5.1. a proteção constitucional ao portador de deficiência
•
• a constituição democrática confere especial atenção aos portadores de
deficiência.
• implementando os princípios fundamentais ou estruturantes da nossa
organização social, e, entre eles principalmente o valor da dignidade
humana, como declarado no art. 1°, iii, e a tarefa de extinção das
discriminações, como se vê no art. 3°, iv, dispõe a constituição de 1988,
em seu art. 23, ao tratar das competências comuns aos entes federativos
(união, dos estados, do distrito federal e dos municípios), que a estes
compete, desde logo, no inciso i, zelar pela guarda da constituição, das
leis e do patrimônio público; e, no inciso seguinte, o ii, que devem cuidar
da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência.
• nesta escala de prioridades, se vê que a constituição erigiu a proteção e
garantia das pessoas portadoras de deficiência como um dos primeiros
encargos da sociedade e do estado.
• na verdade, ao conferir superioridade jurídica a quem se está em
inferioridade social, a constituição intenta simplesmente preservar o valor
da dignidade humana.
• É o valor da dignidade humana o fundamento da proteção jurídica ao
portador de deficiência.
• tal valor está sob a garantia da sociedade e do estado, que é a organização
de poder através do qual atua o grupo social.
• daí por que a constituição erigiu em objetivo fundamental da sociedade
brasileira (não só do estado!) ou como tarefa social o que está no art. 3°,
iv: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
• como tarefa social é que se colocou em patamar constitucional (e assim
imune às alterações legislativas procedidas por eventuais maiorias
parlamentares) as disposições constitucionais do art. 7°, xxxi (na relação
empregatícia, a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário
e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência), do art. 24,
xiv (poder legiferante concorrente dos entes federativos quanto à
proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência), do
art. 37, viii (dever da administração pública de qualquer dos poderes das
entidades federativas de reservar percentual dos cargos e empregos
públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definição dos
critérios de sua admissão), do art. 244, a repetir o que está na disposição
permanente do art. 227, § 2°, quanto à adaptação dos logradouros, dos
edificios de uso público e dos veículos de transporte público a fim de
garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
• mas a constituição não pode conter todos os comandos necessários à
sociedade e ao estado para que se concretize a proteção dos valores que
erigiu como essenciais à vida da sociedade organizada.
• o conteúdo da constituição e dos demais textos genéricos e abstratos está
expresso em normas ou regras de conduta que se traduzem em comandos
ou ordens em que o verbo é o núcleo, pois este é a expressão que indica a
conduta.
• lei das leis, ou norma geradora de todas as outras, a constituição necessita
de ser explicitada nos valores que protege, nas condutas que deseja
imprimir à sociedade, nas tarefas que impõe para que se atenda aos seus
fins legitimadores do uso da força do poder. não se diga que a norma
constitucional só terá eficácia se e quando houver lei ou ato de vontade
parlamentar que regulamente o que a constituição declara.
• o § 1 ° do art. 5° enuncia que "as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata" e o § 2° que "os direitos
e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a república federativa do brasil seja parte".
• os direitos constitucionais, que decorrem da supremacia da constituição,
têm aplicabilidade imediata, ainda que não existam leis explicitadoras. É
certo que elas podem contê-los, mas não podem escamoteá-los, nem
inibir a sua força.
• mas a dispensabilidade das leis para a aplicabilidade dos direitos
constitucionais exige que a atuação conjunta do poder público (através
das entidades federativas ou esferas governamentais) e da sociedade se
faça de forma consciente e integrada, em atenção a uma política que seja
abrangente o suficiente para permitir que atenda à diversidade
sociológica e à grandeza territorial do país e que seja concentrada o
suficiente para não ensejar a dispersão dos esforços que integram a
atividade de tantos agentes sociais.
• eis a importância da lei federal n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, ora
regulamentada pelo decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, pois
estabelece a política que a sociedade e as diversas esferas governamentais
devem cumprir em tema de tanta relevância.
• compete à união, aos estados e ao distrito federal legislar
concorrentemente sobre a proteção e integração social das pessoas
portadoras de deficiência (cf, art. 24, xiv), limitando-se a competência da
união a estabelecer normas gerais (art. 24, § 1°), o que não exclui a
competência legislativa supletiva dos estados e do distrito federal (art. 24,
§ 2°), respeitando estes, evidentemente, a orientação dada pelas normas
gerais ditadas pela união. no mesmo diapasão, os municípios, no âmbito
da regulação dos interesses locais, têm o poder de suplementar a
legislação federal e a estadual no que couber (cf, art. 30, ii), assim
vinculados à orientação ditada pelas leis federais e estaduais.
• compete, então, à lei federal estabelecer as normas gerais sobre a
proteção e a integração social das pessoas portadoras de deficiência,
jungindo aos seus comandos não só os órgãos federais, como os dos
estados, do distrito federal e dos 5.507 municípios, nos poderes
executivo, legislativo e judiciário, e, acima do próprio poder público,
todos os agentes sociais. 5.2. Âmbito de incidência da lei n° 7.853
•
• note-se que embora posicionada como lei ordinária, a lei n. 7.853/89 tem
conteúdo complementar às normas constitucionais. tal conteúdo
complementar também impregna as normas constantes do decreto n.
3298, de 20 de dezembro de 1999, que o regulamenta, pois compete ao
chefe do poder executivo baixar decreto regulamentando as leis
(constituição, art. 84, iv).
• em face do conteúdo complementar à constituição, a lei n. 7.853 e o
decreto n. 3.298 constituem diplomas normativos que harmonicamente se
integram ao sistema constitucional, sem que se possa vislumbrar a
existência de separadores ou limites compartimentais entre as normas
constitucionais, legais e regulamentares, pois a fonte normativa da
proteção e da integração social do deficiente é - como tantas vezes j á
referido - a constituição.
• não se pense desta integração normativa entre a constituição, a lei n°
7.853 e o decreto n. 3.298 que daí decorra o status de supremacia
constitucional para os comandos legais e regulamentares. o que se deve
pensar é que a lei e o decreto explicitam os comandos constitucionais,
deles extraindo não só as opções que a constituição permite às leis como
a política de tratamento que se deve dar ao tema de deficientes no
momento atual.
• a constituição tem sentido de perenidade, e por isso os seus comandos
são genéricos o suficiente para permitir ao legislador as opções
necessárias no sentido de se adaptar às mudanças sociais para, em cada
momento histórico, dispor os comandos ao estado e à sociedade no
sentido de atender aos parâmetros constitucionais.
• mas também as leis, votadas pelo poder legislativo, necessitam de certa
generalidade para que possam ser obedecidas pelos destinatários da
norma, problema que em nosso país merece grande atenção em face da
diversidade cultural e das múltiplas necessidades de nossa sociedade que
se pretende abrangente dos interesses de milhões de brasileiros.
• daí se vê que o intérprete da constituição, da lei e do decreto não pode
limitar a sua visão do campo de conhecimento que está a investigar, pois
deve levar em consideração a integração normativa entre a constituição,
as leis federais, os decretos governamentais que as regulamentam e, até
mesmo, eventuais atos administrativos que intentam atingir os objetivos
visados pelas normas de maior densidade. 6. comentÁrios À lei n°
7.853/89
•
• 6.1. a ementa da lei n° 7.853
•
• a ementa é a parte do diploma legal que enuncia, logo antes dos
comandos expressos nos dispositivos, os temas que são tratados no ato
legislativo.
• a ementa não integra os dispositivos das leis (os artigos e parágrafos) e
visa, tão-somente, enunciar os temas para fins de classificação do ato e
para permitir a quem consulte o texto legal um sumário de suas
disposições.
• assim, a ementa não tem força normativa própria, mas normatividade
decorrente das respectivas disposições e do sentido que delas se pode
extrair:
•
• "dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua
integração social, sobre a coordenadoria nacional para integração da
pessoa portadora de deficiência - corde, institui a tutela jurisdicional de
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do
ministério público, define crimes, e dá outras providências.
•
• como adiante se verá, a longa ementa da lei n. 7.853/89 se mostra
compatível com as suas disposições pois no enunciado se encontram os
temas tratados nos dispositivos.
• a seguir da ementa, vêm as expressões que tradicionalmente abrem os
atos normativos brasileiros, dizendo qual a autoridade que introduz a
norma no mundo jurídico (no caso, o presidente da república), e a
declaração dos respectivos motivos, isto, do fato de que a norma decorreu
da vontade do congresso nacional. 6.2. o objetivo da lei n° 7.853/89:
estabelecer normas gerais
•
• o art. 1° compõe-se do caput e de dois parágrafos.
• o caput enuncia a finalidade ou objetivo da lei n. 7.853/89 que é o de
estabelecer normas gerais que assegurem o pleno exercício dos direitos
individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva
integração social.
• pelo caput, desde logo se vê que o objetivo' do diploma legislativo é o de
cumprir o dever que a constituição impõe à união, no seu art. 24, xiv, de
estabelecer as normas gerais para o cumprimento da tarefa imposta no
inciso 11, última parte, do art. 23, a todas as entidades federativas e a
todos os poderes da república.
• como antes referido, tais normas gerais são de observância obrigatória
dos estados, do distrito federal e dos municípios, bem como, o que é
óbvio, dos respectivos poderes que os integram.
•
• 6.3. o conteúdo da lei n° 7.853: assegurar o pleno exercício dos direitos
individuais e sociais dos portadores de deficiência
•
• está no art. 1° da lei ora em comento que são estabelecidas normas gerais
que asseguram "...o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das
pessoas portadoras de deficiência...".
• eis o objeto ou conteúdo da lei n. 7.853: assegurar o pleno exercício dos
direitos individuais e sociais dos portadores de deficiência.
• desde logo, é necessário afirmar, como já antes referido, que a fonte dos
direitos dos portadores de deficiência é a constituição da república, não
as leis; estas, simplesmente, explicitam tais direitos e o modo de seu
exercício.
• nem se pretenda extrair da expressão "nos termos desta lei " também
encontrada no art. 1°, que os direitos dos portadores de deficiência
necessitem da explicitação legal para a sua aplicabilidade e efetividade.
como já mencionado, os direitos constitucionais ou fundamentais
declarados na constituição somente podem ser restritos nos termos
constantes da própria constituição. assim, a expressão "nos termos desta
lei" merece a denominada interpretação conforme a constituição - isto é,
uma interpretação que dê compatibilidade da lei com a constituição e não
no intento de colocar a lei em confronto com a lei maior - no sentido de
que os meios previstos nos demais artigos da lei n. 7.853/89 não excluem
outros que visem assegurar o exercício dos referidos direitos.
• 6.4. os direitos individuais e sociais dos portadores de deficiência
• quais são os direitos dos portadores de deficiência?
• o art. 1 ° enuncia que são os direitos individuais e sociais, cujo conteúdo
seja a efetiva integração social da pessoa portadora de deficiência.
• necessário explicitar tais termos.
• os direitos podem ser vistos pelo prisma subjetivo, isto é, da pessoa que
os titularizam: direito subjetivo é o poder atribuído à vontade para
satisfação de interesse juridicamente protegido (andreas von thur); é o
interesse juridicamente protegido, na expressão de von ihering).
• também podem os direitos serem percebidos pelo prisma objetivo, ou de
conteúdo: direito objetivo é a proteção que a ordem jurídica concede a
determinado interesse.
• o interesse é a relação entre o indivíduo e o bem que vai satisfazer a sua
necessidade.
• os interesses dos portadores de deficiência estão protegidos de forma
genérica em nível constitucional e legal; a tal proteção é que se denomina
de direitos objetivos; com referência aos portadores de deficiência, e
desde que se encontrem na situação prevista na ordem jurídica, se diz que
são titulares de direitos subjetivos.
• direito subjetivo é, assim, a situação concreta e individual de determinada
pessoa ou determinado grupo no sentido de alcançar um bem de vida que
lhe seja necessário e que seja previsto pela constituição e pelas leis.
• por exemplo, josé, paraplégico, tem o direito de acesso aos ediflcios, aos
logradouros e aos meios de transporte existentes em sua comuna.
• direito objetivo, em tal hipótese, é o direito declarado no art- 2°,
parágrafo único, v, "a".
• como titular de direito subjetivo, na hipótese, josé tem o direito
potestativo (é a espécie de direito em que o titular tem o poder de influir
na si
• tuação jurídica de outrem, sem que este possa ou deva fazer algo, senão
se sujeitar) de exigir da empresa de transportes coletivos ou do órgão
estatal
• de transportes públicos os meios para o exercício de seu direito. diz-se
em estado de sujeição aquele que se encontra na posição de devedor do
direito potestativo. o direito subjetivo ou objetivo compreende diversas
faculdades ou poderes, como, por exemplo, no art. 2°, parágrafo único,
inciso 1, os diversos aspectos que compreendem o direito à educação do
portador de deficiência.
• o caput do art. 1° da lei n° 7.853/89 refere-se aos direitos individuais e
sociais.
• tal classificação de direitos é a mesma que está na constituição, como se
vê no art. 6°, a se referir aos direitos sociais, em antinomia aos direitos
individuais.
• tal classificação se remete aos fins do estado e à ideologia política que é
expressa na constituição e, por derivação desta, nas leis.
• neste sentido, os direitos individuais ou direitos liberais são aqueles cujo
conteúdo é o de preservar a atuação da pessoa na busca dos bens
necessários à sua existência e desenvolvimento, interditando ao estado, e
em menor grau também a sociedade, atuações que possam inibir o livre
desenvolvimento individual.
• os direitos liberais também são denominados de direitos da 1' geração, na
classificação que karal vlasak anunciou em conferência que pronunciou
em 1979 e que levou em conta o trinômio "liberdade, igualdade e
fraternidade" que foi divulgado pela revolução francesa.'
• os direitos liberais ou direitos da la geração visam garantir ao indivíduo a
liberdade de atuação e por isso também são chamados de liberdades
públicas, como, por exemplo, o direito de ir e vir, de não ter a
correspondência censurada e outros. todos eles têm conteúdo negativo, de
não ingerência na liberdade individual.
• já os direitos sociais, ou direitos da 2' geração, ou "novos direitos" (na
classificação de pontes de miranda), visam assegurar o atendimento às
necessidades diárias e permanentes do indivíduo e correspondem a um
programa para implementar e conservar a igualdade material entre os
membros da sociedade política. têm conteúdo positivo - direito à
educação, saúde, justiça, lazer, trabalho etc., obrigando não só o estado
como a sociedade.
• os direitos da 3a geração têm por conteúdo a solidariedade ou
fraternidade que deve unir todos os membros da comunidade, em defesa
de valores que preponderam sobre os indivíduos e os grupos sociais
determinados, como o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio
ambiente e à cultura.
• 6.5. critérios de interpretação jurídica
• dispõe o § 1° do art. 1° da lei n. 7.853/89:
•
• "na aplicação e interpretação desta lei, serão considerados os valores
básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do
respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros indicados
na constituição ou justificados pelos princípios gerais do direito ".
•
• aplicar a lei é fazer incidir os efeitos da norma a determinado caso
concreto.
•
•
• interpretar é apreender o significado da norma.
• a hermenêutica é a ciência da interpretação.
• do § 1° extrai-se norma de conduta que impele o intérprete a não se
restringir aos modos comuns de interpretação (literal ou gramatical,
sistemática, histórica e finalista) e a levar em conta os valores protegidos
pelas normas constitucionais e pela própria lei. introduz, assim, a
interpretação axiológica ou dos valores.
• a interpretação literal ou gramatical ou filológica é a que leva em
consideração os símbolos gráficos contidos na norma, como, por
exemplo, a regra bíblica "não matarás".
• tal modalidade de interpretação é insuficiente pois, como se vê no
exemplo acima, do significado lingüístico não se pode extrair a
permissão da morte em legítima defesa.
• a interpretação sistemática leva em consideração não só o significado
lingüístico do dispositivo, mas também outros dispositivos que possam,
de alguma forma, indicar o significado da norma que se pretende
compreender. tal forma de interpretação parte do pressuposto de que as
disposições legais estão inseridas em um sistema (a ordenação das partes
no todo) que, no caso, seria o sistema nacional de proteção e de
integração da pessoa portadora de deficiência.
• tal idéia, aliás, não escapou ao legislador da lei n° 7.853, em cujo art. 1°'
§ 1°, parte final, não deixou de se socorrer do apelo aos "princípios gerais
do direito" sem que, no entanto, assim como o legislador do código de
processo civil, no art. 126, ousasse enunciar quais seriam tais princípios
de tanta densidade .
• a interpretação histórica é a que considera a necessidade de atualizar os
comandos expressos nos dispositivos levando-se em conta as alterações
sociais, como, por exemplo, o código civil, no art. 1081, ao dizer que se
considera presente quem contrata por telefone, de onde se extrai o
entendimento de que tal também se aplica aos meios mais modernos,
como, por exemplo, a comunicação através do correio eletrônico, o que
seria impensável para o venerando clóvis bevilacqua.
• a interpretação finalista, também chamada teleológica, é a que leva em
conta os fins visados pela norma. aliás, o § 2° da lei ora em comento é
expressão de tal modo de interpretação, ao explicitar os fins visados pela
lei:
•
• "as normas desta lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência
as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais
disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as
discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a
matéria como obrigação nacional a cargo do poder público e da
sociedade."
•
• 6.6. supremacia da interpretação axiológica: o valor que predomina na
questão da pessoa portadora de deficiência
•
• mas a interpretação axiológica vai muito mais longe que a interpretação
teleológica, atuando em uma dimensão que transcende os limites dos
meios de interpretação literal, sistemático e histórico.
• há de se distinguir entre dispositivo, norma e valor.
• o dispositivo é o conjunto gráfico ou texto da lei, como, por exemplo, no
art. 121 do código penal, a expressão: "matar alguém - pena de seis a
vinte anos de reclusão", ou o símbolo gráfico com um cigarro,
atravessado por uma faixa diagonal, dentro de um círculo. a norma é o
comando que se extrai do dispositivo: do art. 121 do código penal se
extrai o comando "não matar" e do antes mencionado símbolo gráfico o
comando de "não fumar".
• ao proibir matar, o código penal protege o valor da vida humana; ao
proibir fumar em determinado ambiente, pretende-se garantir o valor da
saúde.
• o valor protegido pela norma é o objeto da interpretação axiológica.
• os valores básicos que a lei n. 7.853/89 destaca são:
• - a igualdade de tratamento e oportunidade;
• - a justiça social,
• - o respeito à dignidade da pessoa humana;
• - o bem-estar e
• - outros indicados pela constituição ou justificados pelos princípios gerais
do direito.
• os valores descritos no diploma legal em comento mostram-se
compatíveis com as normas constitucionais e devem merecer a antes
mencionada "interpretação conforme a constituição", de forma a garantir
a supremacia da lei das leis.
• evidentemente, em determinado caso concreto (e nunca hipoteticamente,
pois somente na verificação do fato concreto é que se pode selecionar o
valor que vai predominar!), havendo conflito entre os valores antes
mencionados, de forma tal que ao intérprete pareça que um valor exclua a
precedência do outro, deve o mesmo se socorrer do critério de
interpretação axiológica denominado de "teoria da proporcionalidade" ou
"teoria da adequação dos meios".
• tal critério tem por conteúdo sopesar os valores em conflito em cada caso
e fazer valer aquele que, motivadamente, deve predominar no caso em
julgamento.
• entre tantos valores (os enunciados pela lei n. 7.853/89, no art. 1°, § 1°,
inclusive os indicados na constituição e os justificados pelos princípios
gerais do direito) é natural que incorra o intérprete no risco de se perder
entre tantos comandos legislativos e, ainda que busque amparo no critério
hermenêutico da proporcionalidade, certamente irá sempre investigar
qual o valor que predomina entre tantos outros.
• o que predomina, em todos estes casos, é o critério do respeito à
dignidade da pessoa humana, não por que está declarado no art. 1°, § 1°,
da lei ora em comento, mas em face de sua sede e origem no art. 1°, 111,
da constituição de 1988, de conteúdo individualista, a fazer valer os
direitos individuais em prol da realização de cada pessoa. o credo liberal
é que posicionou a dignidade da pessoa humana como o valor que deve
prevalecer sobre todos os demais.
•
• 6.7. o núcleo dos direitos da pessoa portadora de deficiência: o
• direito à integração social
•
• qual é o núcleo dos direitos da pessoa portadora de deficiência, aquele
que conduziu a lei n. 7.853/89, no seu art. 2°, a longamente expor as
diversas medidas que entendeu necessárias para o atendimento ao dever
constitucional de proteção?
• ao dispor no art. 24, xiv, que compete à união, aos estados e ao distrito
federal legislar concorrentemente sobre a proteção e integração social das
pessoas portadoras de deficiência, a constituição percebeu o portador de
deficiência como aquele que tem dificuldade de se relacionar, de se
inserir no contexto social e econômico, de realizar os seus direitos de
cidadania:
•
• "o que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um
membro nem a visão ou audição reduzidas. o que caracteriza a pessoa
portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na
sociedade. o grau de dificuldade para a integração social é que definirá
quem é ou não portador de deficiência. "
•
• aliás, tal é o conceito e o valor posto como maior pela lei n. 7.853/89, ao
se referir no art. 1°, caput, à "integração social", no § 1° à "igualdade de
tratamento e oportunidade," da justiça social,` do respeito à dignidade da
pessoa humana, do bem-estar;" no § 2° "afastadas as discriminações e os
preconceitos de qualquer espécie".
• o decreto n. 3.298/99, em seu art. 3°, inciso i, considerou a deficiência
como "... toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o
ser humano " e a incapacidade como "... uma redução efetiva e acentuada
da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos,
adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de
deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu
bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida
".
• daí se vê que o direito gerador do feixe dos direitos do portador de
deficiência é o direito de se integrar à sociedade, vencendo os obstáculos
e os entraves que inibem o seu poder, inerente a todo ser humano, de
garantir a sua existência e de realizar o seu desenvolvimento pessoal e
alcançar a felicidade.
• mas a extensão do direito de integração somente pode ser percebida no
caso concreto, de acordo com as necessidades de cada um grupo de
deficiências, ou mesmo levando em conta a situação individual da
pessoa.
• assim, há uma contradição imanente ao tema da proteção e de integração
social da pessoa portadora de deficiência.
• da constituição e das leis podemos extrair normas que intentam tal
desiderato, mas somente no caso concreto, pesquisando as condições
sociais, econômicas, culturais - e tudo o que for relevante.`
• somente na percepção dos fatos, da própria história, no caso concreto, é
que se pode afirmar se incidem os efeitos constitucionais e legais de
proteção e de integração social ao portador de deficiência. 6.8. tarefa do
estado e da sociedade: a integração social da pessoa portadora de
deficiência
•
• o § 2° do art. 1° da lei n° 7.853/89 expressa os objetivos das normas
baixadas pelo mesmo diploma legal:
•
• ` as normas desta lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência
as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais
disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as
discriminações e preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria
como obrigação nacional a cargo do poder público e da sociedade".
•
• ao dizer que as normas visam garantir ao portador de deficiência as ações
governamentais, a disposição não pode ser interpretada no sentido de
somente instituir dever aos órgãos governamentais, assim excluindo os
demais agentes sociais.
• É certo que somente a lei poderia se dirigir aos órgãos governamentais
pois o governo" é que impõe as condutas à sociedade, pois impor
condutas é o ato próprio do poder.
• contudo, logo a seguir, o mesmo dispositivo enuncia: " ... entendida a
matéria como obrigação nacional a cargo do poder público e da
sociedade", assim instituindo dever jurídico de todos os agentes sociais e
não somente ao poder público, em norma perfeitamente adequada às
tarefas da sociedade ou os objetivos fundamentais da república federativa
do brasil enunciados no art. 3°, mormente o inciso iv, da constituição de
1988.
•
• 7. comentÁrios ao art. 2° da lei n° 7.853/89
•
• 7.1. medidas de implementação dos direitos da pessoa portadora de
deficiência
•
• do direito à integração social decorre o direito específico ao portador de
deficiência de obter os meios necessários para vencer os entraves
decorrentes da própria deficiência. É o que está expresso no art. 2° da lei
n° 7.853/89, ao dispor sobre o que denomina "medidas", atividades ou
condutas a cargo do poder público e da sociedade com o desiderato de
alterar as condições vigentes em determinado momento histórico.
•
• 7.2. as medidas previstas no art. 2° da lei n° 7.853/89 têm caráter
exemplificativo e não excluem outras providências
•
• no parágrafo único do art. 2° são estabelecidas diversas providências que
não esgotam as medidas de proteção e integração do portador de
deficiência menos por que está expresso no dispositivo a expressão "sem
prejuízo de outras" como pela relevante circunstância de que tais medidas
como antes reiteradamente mencionado - não têm fonte na lei mas na
própria constituição e, assim, imune às limitações legais.
•
• 7.3. as medidas do art. 2° são tendentes a viabilizar o exercício dos
direitos do portador de deficiência nos seus diversos papéis sociais
•
• enquanto no século xix, com a predominância do ideal liberal clássico,
poder-se-ia imaginar que o indivíduo exercitasse plenamente, em pé de
igualdade absoluta com os demais integrantes da comunidade, os direitos
econômicos e sociais, e assim prevalecendo o princípio da igualdade
formal de todos perante a ordem jurídica, no século xx - e certamente
muito mais neste século xxi que agora se inicia - a pessoa humana poderá
ser percebida na imensidão de seu universo pessoal, que a faz
absolutamente distinta dos outros seres humanos.
• o universo que existe em cada um de nós é absolutamente individual, e
todos nós temos o inalienável direito de resguardar a nossa
personalidade, lutarmos pelos nossos sonhos, alcançar os bens da vida
postos à disposição de toda a comunidade, exercitarmos, com plenitude, a
nossa cidadania.
• e assim importa o indivíduo não pela hipócrita igualdade formal, mas
pelos papéis que exerce nos diversos grupos sociais em que está inserido,
daí advindo as conseqüências jurídicas do respectivo estatuto.
• o código civil intentou regular a vida do indivíduo desde o nascimento
até a morte; a legislação do século xxi cada vez mais atentará para as
características da pessoa, para o seu status pessoal, considerando o seu
específico papel de consumidor/fornecedor de serviços, de estudante/
professor, pai/filho, marido/mulher, companheiro/companheira etc.
• e a legislação de proteção e de integração do portador de deficiência é,
justamente, o exemplo de tal situação, pois regula o status daquele que,
em face de determinada condição pessoal, ganha superioridade jurídica
para compensar, tão-somente no que for necessário, a sua inferioridade
social.
• o disposto no art. 2° é expresso ao apontar os diversos papéis sociais da
pessoa a ser favorecida para a sua plena inserção na sociedade:
• "ao poder público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de
deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos
direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social,
ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da
constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e
econômico."
• assim, o fato da deficiência pode conduzir à proteção jurídica específica
em determinado papel social do indivíduo - como por exemplo, na
educação - mas sem acarretar as mesmas conseqüências em face de outro
papel social que pelas características dispense tal proteção - como, por
exemplo, no trabalho.
• o que a lei fala é em "direitos básicos, inclusive dos direitos à...", a
indicar que, se o rol não é exaustivo, as medidas ali referidas também não
dispensam outras, posto que a incidência da proteção somente pode ser
apurada no caso concreto.
• a incidência da proteção no caso concreto, ou aplicação tópica` dos
direitos ora em comento, também não dispensa, antes exige, que não se
perca de vista o caráter multidisciplinar da proteção prometida pela
ordem jurídica, pela óbvia impossibilidade de se retratar o indivíduo
através de padrões ou conceitos que se mostram, na verdade, meramente
pedagógicos. por exemplo, não há como cindir de forma absoluta as
medidas de proteção e de integração social referentes à educação e ao
trabalho, posto que aquela, como conceituado no art. 205 da constituição,
intenta formar o indivíduo para o exercício de sua cidadania. 7.4. caráter
personalíssimo dos direitos de proteção e de integração social dos
portadores de deficiência
•
• note-se: os direitos do portador de deficiência são determinados pelos
fatos que indiquem a necessidade de especial proteção visando à sua
integração social.
• são direitos topicamente determináveis, a depender da peculiar situação
individual em determinado momento histórico.
• assim, têm natureza de direitos personalíssimos, oponíveis erga omnes,
na classificação divulgada por giuseppe chiovenda,'9 que considera os
direitos subjetivos como direitos relativos (direitos obrigacionais e
direitos de família, pois somente são oponíveis a determinadas pessoas) e
direitos absolutos (direitos reais e direitos personalíssimos, oponíveis
contra todos).
• de seu caráter personalíssimo, emerge o seu conteúdo indisponível, a
significar que não admitem que o titular deles renuncie.
• 7.5. inexistem direitos adquiridos na relação estatutária de amparo ao
portador de deficiência
• É o fato da deficiência que deflagra os direitos do respectivo portador à
proteção e à integração social.
• os efeitos que o direito constitucional e as leis prevêem para a incidência
de tal fato são indisponíveis` para o beneficiado, pois dele não pode
abdicar, posto que tais direitos não decorreram de sua autonomia privada
mas sim lhe foram conferidos por normas constitucionais.
• e caso se constate a deficiência quando já estabelecida determinada
relação jurídica, como, por exemplo, um contrato de prestação de
serviços pelo portador da deficiência que se torna para ele extremamente
dificultoso para o seu cumprimento?
• em tal caso, deve as condições do contrato serem revistas ou pela vontade
das partes ou pela sentença judicial, pois, em contratos de trato sucessivo
e dependência do futuro, as coisas devem ser entendidas se assim
permanecerem. e se a deficiência já se constatara mas mesmo assim o
portador da deficiência aceitou alugar um apartamento no 10° andar de
um edificio cujo elevador antigo freqüentemente não funciona?
• poderia o locador, em tal caso, alegar o seu direito adquirido e exigir o
cumprimento do contrato ou a indenização do inquilino pela extinção do
mesmo antes do prazo estipulado?
• É tema do direito intertemporal, tratado em grande parte nas disposições
iniciais da lei de introdução ao código civil, a qual, pode-se dizer, na
realidade nada introduz ao código civil, porque verte, em suas diversas
disposições, sobre os conflitos temporais e espaciais da aplicação da lei,
incidindo, assim, em todas as relações jurídicas, não só as decorrentes da
lei comum.
• ensina josé da silva pacheco:
•
• "os contratos e os processos, como todo ato ou fato, ao se constituírem,
atenderam às disposições da lei vigente na época de sua constituição,
formação ou nascimento. todos os efeitos verificados ou conseqüências
produzidas, inclusive os direitos, pretensões e ações, deles decorrentes,
durante o período de vigência dessa lei, a ela se sujeitam. entretanto,
quando os efeitos e conseqüências explendem, após a edição da nova lei,
insta determinar se continuam adstritos à lei anterior, ou se passam a ser
objeto da nova lei. daí as normas de direito intertemporal, fixando os
limites de cada uma das leis consecutivas, sobre a mesma matéria.
• para denominá-las, conceberam-se diversos nomes ligados aos títulos das
obras dos autores que dela trataram, tais como teoria dos direitos
adquiridos, teoria da retroatividade ou da irretroatividade das leis, direito
transitório, conflito de leis no tempo, ou no direito intertemporal.
• tanto as teorias subjetivas como as objetivas, têm em comum o respeito
pelos fatos e efeitos consumados, sob o regime da lei anterior, bem como
o reconhecimento da lei nova para os fatos e efeitos futuros, que
nascerem sob o seu agasalho. o problema é sobre os fatos, atos, contratos
ou processos pendentes ou em curso. enquanto as primeiras teorias
enfocam os direitos subjetivos, as segundas colocam as câmaras sobre as
situações, efeitos ou conseqüências. "
•
• o princípio da irretroatividade das leis tem, em nosso país, sede
constitucional, o que o torna intangível ao legislador comum
(constituição, art. 5°, xxxvi); em interpretação mais draconiana, em face
do que está no art. 60, § 4°, da constituição, há quem diga que nem a
emenda constitucional poderia alcançar o direito adquirido, por ser
cláusula pétrea, imune às reformas constitucionais.
• as teorias subjetivistas enfatizam a manifestação de vontade das partes,
tornando-a imune à influência da nova legislação; as teorias objetivistas
enfocam as conseqüências fáticas e os efeitos da norma e, para muitos,
poderia até mesmo parecer que ignoram o princípio da irretroatividade da
lei.
• no entanto, não se deve esquecer que o contrato de locação, firmado na
época da legislação anterior, produz seus efeitos além da época de
origem. seria demasiado simplista exigir que tais efeitos continuassem
absolutamente imutáveis, alheios às novas situações fáticas.
• veja-se a lição de pontes de miranda
•
• :`já no nosso século léon duguit e gaston jèze procuraram fri-
• sar a distinção entre situações jurídicas subjetivas e situações
• jurídicas objetivas, para que sobre ela pudesse repousar a
• construção do direito intertemporal. aquelas situações são
• particulares; essas, gerais. a situação do proprietário, do ho-
• mem casado, a do viúvo, são legais, portanto, gerais, pois a lei
• fixa a todas e só há um tipo de situação para qualquer dessas
• espécies de situações jurídicas. o legatário não está nas mes-
• mas condições: o seu direito, a sua situação jurídica, depende
• do ato do testamento e da lei - não só da lei. a situação jurídica
• do locador é da mesma natureza: provém do ato jurídico (a lo-
• cação) e da lei; não só, portanto, da lei. as situações jurídicas
• objetivas, legais, são permanentes; as situações jurídicas sub-
• jetivas - individuais, temporárias. a lei nova poderia sempre
• modificar aquelas; esbarra antes essas. aquelas são irrenun-
• ciáveis; essas, suscetíveis de renúncia. na esteira de duguit e jèze, embora
sob o risco da acusação de excessiva simplicidade, podemos concluir que
não há que se falar em direito adquirido sobre situação regida pelo
império da lei, intangível à autonomia de vontade das partes.
• em conseqüência, só se buscará o amparo do princípio da irretroatividade
da lei no direito material (com exceção da aplicação in bonam partem
para a área penal e repressiva) quando fugiu, com liberdade, a vontade
das partes, em situação que a ordem jurídica não limitou a autonomia das
partes.
•
• 7.6. as medidas referidas no art. 2° atuam também em face dos
• particulares e não somente obrigam o poder público
•
• destinatário da norma que se extrai do disposto no art. 2° da lei ora em
comento é o poder público (união, estados, distrito federal e municípios e
respectivos poderes, inclusive autarquias, fundações, estatais e
delegatários) pois a norma diretamente institui o poder público como
garantidor das medidas ali estabelecidas.
• ocorre que as medidas ali descritas dizem respeito não somente às
atividades do poder público, mas também das pessoas e entidades
privadas, como se vê, por exemplo, no tema da educação, cujas medidas
incidem não só nos estabelecimentos oficiais de ensino como nos
particulares.
• repita-se: o poder público foi instituído como garantidor das medidas
referidas, o que não significa que tais medidas somente tenham efeitos
em face do próprio poder público, pois as pessoas e entidades privadas
estão obrigadas a cumprir o que a lei determina em face do princípio da
liberdade ou, como dizia pontes de miranda, o princípio da
legalitariedade.
•
• 7.7. o caráter regulamentar do decreto n° 3.298/99 não confronta com a
lei n° 7.853/89 ao inovar algumas medidas de proteção e de integração
social ao portador de deficiência
•
• adotando a república federativa do brasil o sistema presidencialista de
governo, ao presidente da república compete, como chefe do governo,
nos termos do art. 84, iv, última parte, dispor em decretos para o
cumprimento das leis pois em tal sistema o presidente da república
acumula as funções de chefe de estado e de chefe de governo que no
regime parlarnentarista são cindidas em órgãos diversos.
• não se vê na lei n. 7.853/89 disposição expressa autorizando o chefe de
governo a baixar decreto de regulamentação, mas tal não se mostra
necessário em face da antes referida autorização constitucional.
• ocorre que o decreto em comento, assim como todos os demais decretos
regulamentares, não pode se limitar a simplesmente reproduzir as
disposições legais, pois, se assim fosse, nenhuma utilidade prática teria,
posto que a força de seus comandos não têm fonte no próprio decreto,
mas no caráter inovador da lei que pretende regulamentar.
• daí poderia parecer que o decreto n° 3.298/99, justamente quando não
reproduz os mesmos termos da lei n. 7.853/89, investe em zona de
ilegalidade ao transbordar de seus limites de inovação em face da regra
constante do art. 5°, ii, da constituição, de que somente a lei formal
(aprovada pelo órgão legislativo) tem a autoridade de jungir a sociedade
aos seus comandos.
• contudo, mostra-se válida a legalidade do decreto n° 3.298/99 que nada
inova legislativamente mas simplesmente explicita as medidas de
proteção e de integração social constantes da lei n. 7.853/89 que, aliás,
nada mais são que explicitações legais dos comandos genéricos e
abstratos constantes da própria constituição da república.
• aliás, veja-se a ementa do decreto n. 3.298/99 para se descortinar o seu
conteúdo normativo:
•
• "regulamenta a lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a
política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência,
consolida as normas de proteção e dá outras providências."
•
• como ato do chefe do governo federal, o mencionado decreto prescinde
de arrimo em lei para dispor sobre o funcionamento dos órgãos federais,`
pois ao presidente da república compete dispor sobre a administração
federal (constituição, art, 84, ii e iv).
• por outro lado, o conteúdo complementar material da lei n. 7.853/89,
explicitando comandos constitucionais genéricos, lhe concede caráter
nacional isto é, de observância obrigatória não só pela união (que editou
o ato) como pelos demais entes federativos (estados-membros, distrito
federal e municípios) e respectivos poderes, entidades da administração
direta e indireta e até mesmo delegatários de serviço público.
• assim, o decreto n. 3.298/99 apresenta multifárias funções que, de resto,
se apresentam compatíveis com a ordem jurídico-constitucional:
•
• - regulamenta a lei n. 7.853/89, tendo nas disposições desta a fonte de
suas disposições regulamentares;
• - dispõe sobre política nacional para a integração da pessoa portadora de
deficiência, aí também se fundando na constituição e na lei n° 7.853/89;
• - vincula os demais agentes sociais ao consolidar as normas de proteção
postas na constituição e na lei n. 7.853/89.
• - estrutura órgãos da administração pública federal, aí em caráter de
decreto autônomo, em face da atribuição que a constituição, no art. 84, iv,
defere ao presidente da república; e
• - ao regular a atividade dos órgãos federais, sinaliza atuações simétricas
aos órgãos e entidades dos estados, distrito federal e municípios, pois
assim permitem a constituição e a lei n° 7.853/89, esta com caráter
complementar à lei maior nestes aspectos.
•
• 7.8. os caracteres integrativo e suplementar do decreto 3.298/99 na
previsão das atividades governamentais e sociais
•
• as medidas de proteção constantes da lei n. 7.853/89 são explicitadas no
decreto n. 3.298/99, mas não se esgotam nas disposições da lei e do
decreto regulamentar, posto que não constituem numerus clausus e ali
estão dispostas em mero caráter exemplificativo, o que permite aos
agentes sociais e aos órgãos governamentais a atuação necessária para o
eficiente cumprimento da tarefa constitucional que lhes foi imposta.
• o caráter suplementar do decreto n° 3.298/99 mais se destaca em
considerar que dispõe sobre temas que envolvem não só atividades de
esferas governamentais que não a federal como atividades privadas -
notadamente nas vitais áreas de saúde e educação - em atenção à situação
fática existente no momento de sua edição.
• tal adequação - e conseqüente permeabilidade - da política nacional aos
fatores sociais, culturais, econômicos, políticos e administrativos se
torna evidente quando se compara a redação do art. 2° da lei n° 7.853,
editada no final da década de 80, com a redação do decreto 3.298, este no
final da década de 90.
•
• 7.9. medidas atinentes à Área de edificações e vias públicas
•
• a edição da lei n. 10.048, de 8 de novembro de 2000, cuja ementa 21 diz
qre dá prioridade de atendimento não só às pessoas portadoras de
deficiência fisica, aos idosos com idade igual ou superior a sessenta e
cinco anos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por
crianças de colo, no seu art. 4° determina que "os logradouros e sanitários
públicos, bem como os edificios de uso público, terão normas de
construção, para efeito de licenciamento da respetiva edificação, baixadas
pela autoridade competente, destinadas a facilitar o acesso e uso desses
locais pelas pessoas portadoras de deficiência" e no art. 5° que "os
veículos de transporte coletivo a serem produzidos após doze meses da
publicação serão planejados deforma a facilitar o acesso a seu interior das
pessoas portadoras de deficiência ".
• a lei n. 10.048/00, assim como a lei n° 7.853/89, de conteúdo
complementar, tem força obrigatória não só para a. união como para os
estados-membros, distrito federal e municípios, daí se verificando que a
norma sobre acessibilidade de prédios e logradouros públicos, decorrente
do disposto no art. 4° da lei n. 10.048/00, é obrigatória para o distrito
federal e os municípios a quem compete o exercício da polícia edilícia
sobre o licenciamento de construções e obras nos prédios.
• se o tema da acessibilidade, como previsto no decreto n. 3.298/99, ali só
incidia para os órgãos do governo federal, com a edição da lei n.
10.048/00, os municípios e o distrito federal poderão incorporar ao seu
sistema normativo - caso não disponham de outras previsões - do
arcabouço de princípios estabelecidos no capítulo ix do decreto n°
3.298/99, assim a demonstrar o caráter "nacional" e integrativo das
disposições legais federais sobre o tema.
• 7.10. medidas atinentes à educação
• em temas como saúde e educação, mais se avulta o caráter "nacional" do
antes mencionado decreto, pois a coordenação nacional das ações e o
estabelecimento das respectivas políticas setoriais incumbe à união.
• o inciso 1 do parágrafo único do art. 2° da lei n° 7.853/89 dispõe, em
diversas alíneas, as medidas atinentes à educação, o que é melhormente
explicitado - sem nenhum confronto, como antes ressaltado -pelo decreto
n 3.298/99, especialmente nos arts. 24 a 29.
• entre os princípios ali estabelecidos, destaca-se o da educação especial,
conceituada como "a modalidade de educação escolar oferecida
preferencialmente z' na rede regular de ensino para educando com
necessidades educacionais especiais, entre eles o portador de deficiência"
(art. 24, § 1 "), caracterizada "por constituir processo flexível, dinâmico e
individualizado, oferecido principalmente nos níveis de ensino
considerados obrigatórios" (art. 24, § 2°).
• dos mencionados parágrafos extraem-se normas que viabilizam o
comando contido no art. 208,111, da constituição, instituindo a garantia
aos portadores de deficiência do atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino, assim atendendo ao direito
instituído pelo disposto no art. 205.
•
• 7.11. medidas atinentes à saúde
• É amplo o leque de atividades que se abre para o estado e a sociedade em
face do disposto no art. 196 da constituição: "a saúde é direito de todos e
dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas qlie
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação ".
• o inciso 11 do parágrafo único do art. 2° da lei n. 7.853/89 enuncia em
numerus apertus - diversas medidas na área da saúde que são repetidas, e
rnuitas vezes ampliadas, nos arts. 16 a 23 do decreto n. 3.298/99.
• entre tais medidas, que evidentemente somente se concretizam no
atendimento individual, destacam-se a "garantia do atendimento
domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado " (lei n. 7.853/89,
parágrafo único, v; decreto n. 3.298/99, art. 16, v), o conceito de
prevenção "prevenção compreende as ações e medidas orientadas a evitar
as causas das deficiências que possam ocasionar incapacidade e as
destinadas a evitar sua progressão ou derivação em outras incapacidades
" (decreto n. 3.298/99, art. 16, § 1°) e a explicitação do direito de
"assistência integral à saúde e reabilitação da pessoa portadora de
deficiência a concessão de órteses, próteses, bolsas coletoras e materiais
auxiliares, dado que tais equipamentos complementam o atendimento
aumentando as possibilidades de independência e inclusão da pessoa
portadora de deficiência."
• a sentença, a seguir transcrita, confirmada em reexame necessário pelo
tribunal de justiça do rio de janeiro, apreciou o tema da responsabilidade
civil do estado em decorrência de imperfeita prestação de serviço de
saúde, acarretando indenização, inclusive com medida cautelar, em favor
de pessoa que demandou através da defensoria pública.
• juÍzo de direito da
• terceira vara da fazenda pÚblica
• sentenÇa
• processo n°95.001.089051-1 (5243)
• aÇÃo de indenizaÇÃo
• a: antonia nelma costa ferreira
• defensor público: doutora cláudia barroso
• r: universidade do estado do rio de janeiro
• advogado: doutor jorge luiz ribeiro de amorim
• ministério público: doutora ana cristina filgueiras
• "constitucional. responsabilidade civil do estado. autora que restou
paralítica após intervenção cirúrgica em hospital-escola estadual.
• a constituição de 1988 adota a responsabilidade objetiva do estado pela
teoria do risco administrativo, segundo a qual o dano sofrido pelo
indivíduo deve ser visualizado como conseqüência do funcionamento do
serviço público, não importando se esse funcionamento foi bom ou mau;
importa, sim, a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente
público.
• o dano é injusto, e como tal sujeito ao ressarcimento pela fazenda, se
tiver como causa exclusiva a atividade, ainda que regular, da
administração.
• "É cumulável a indenização por danos materiais e morais, nestes
compreendidos os estéticos, decorrentes do mesmo fato " (súmula n ° 15
do tribunal de alçada cível do rio de janeiro).
• na ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, é lícito ao
juiz, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado
receio de ineficácia do provimento final, providenciar desde já para a
eficácia da tutela requerida, pois decorre do direito fundamental de
acesso à justiça o dever da função jurisdicional de garantir a efetividade
de suas decisões.
• demanda procedente. "
• consta na petição inicial, ajuizada sob a gratuidade dos serviços
judiciários em 17 de agosto de 1995, que a autora foi atendida no hospital
universitário pedro ernesto, onde deu entrada para tratamento de
pneumologia, sem possuir quaisquer outras complicações, sendo
equivocadamente submetida a uma intervenção cirúrgica desnecessária, e
face ao obrar imprudente dos prepostos da ré, antes, durante e após o
operatório, viu-se lesionada irreparavelmente em sua saúde, paralítica,
em uma cadeira de rodas. pede, a final, a reparação dos danos
patrimoniais e morais.
• contestou a ré dizendo que a equipe médica atuou com dedicação
profissional, procedendo da melhor forma possível no intuito de
dispender à autora o melhor tratamento, visando a melhoria de sua saúde
que já se encontrava debilitada quando lá chegou, ocorrendo complicação
extremamente rara. destacou que a cirurgia foi realizada por professor
assistente da faculdade de ciências médicas, mestre em cirurgia torácica
pela ufrj, especialista pela sociedade brasileira de pneumologia, formado
há 20 anos. impugnou também, por excessivas, as verbas requeridas pela
autora.
• a réplica autoral destacou que a contestação não negou o nexo de
causalidade, antes o afirmou. realizou-se exame pericial pela
superintendência de saúde ocupacional da secretaria de estado de
administração, nos termos do art. 434 da lei processual civil (fls. 83 a
95).
• audiência a fls. 127/129, ouvindo-se duas testemunhas, e determinando-
se, a requerimento da sempre diligente representante do ministério
público, novo exame pericial, designando-se a clínica de cirurgia torácica
da santa casa de misericórdia. contudo, a perícia acabou parcialmente
prejudicada porque a autora evadiu-se da instituição (certamente levada
pela família...) como se vê a fls. 136, dizendo que não queria ser
submetida a nova cirurgia, o que, no caso, poderia parecer justificável em
face de suas experiências anteriores.
• as partes manifestaram-se sobre as peças, inclusive o ministério público,
em parecer conclusivo.
• É o relatório.
• o minucioso e percuciente parecer do ministério público (fls. 149/152),
de lavra da titular da curadoria da fazenda perante este juízo, a promotora
de justiça doutora ana cristina filgueiras, afigura-se imune a quaisquer
críticas ou aditamentos, e passa a integrar a presente sentença como a
motivação a que se refere o disposto no art. 93, ix, da constituição, como
se aqui estivesse transcrito, para todos os fins de direito.
• ressalte-se que os exames periciais foram realizados por duas instituições,
designadas graciosamente na forma referida no art. 434 da lei processual,
ambas adimplindo o dever coletivo expresso no art. 339 da mesma lei de
ritos, pois ninguém se exime do dever de colaborar com o poder
judiciário para a descoberta da verdade.
• na investigação da história da tragédia em que é centro a autora, nascida
em 1955 (fls. 15), mãe de família, doméstica e agora paraplégica, poderia
o juízo até mesmo determinar novas perícias em amplo espectro,
novamente requisitando o auxílio de órgãos públicos ou instituições
médicas privadas. contudo, no caso, tal é absolutamente desnecessário,
quer porque suficiente o que se contem nos autos, a demonstrar o nexo de
causalidade, como porque, em tema de responsabilidade objetiva do
estado, não há que se perquirir a eventual culpa do seu agente.
• quaisquer atividades públicas, inclusive aquelas prestadas pelo poder
público no exercício de sua relevante função de proteção da saúde
individual, podem ensejar a responsabilidade civil do estado:
• "tudo é serviço público: iluminara cidade, cuidar das árvores, varrer ruas,
prender, soltar, legislar. um varredor do supremo é um elemento técnico,
não jurídico do estado. se ele der uma vassourada na cabeça de um
visitante, dará origem à obrigação de o estado indenizar aquele em que
foi produzido o dano.
• o art. 15, do código civil, usando da expressão genérica de
"representante", refere-se a todos os instrumentos jurídicos e técnicos das
pessoas de direito público, e, a meu entendimento, não comporta
distinções, que ele não fez.
• a história do instituto da responsabilidade civil pode ser escrita como a
história de sua contínua e progressiva ampliação, desde a
responsabilidade pela culpa até a responsabilidade sem culpa, desde o
princípio the king does not do wrong até a responsabilidade do estado por
todos os seus agentes. e, já em nossos dias, avança o assalto dessa
melhoria ética e jurídica ao reduto mais defendido contra ela, a
responsabilidade do estado pelas leis injustamente danosas às situações
individuais legítimas" (aliomar baleeiro, trecho de voto, transcrito por
josé de aguiar dias, da responsabilidade civil, rio, forense, t. 11, 1995,
10a ed., p. 647).
•
• no princípio do século xx, já afirmava o ministro amaro cavalcanti:
•
• "... assim como a igualdade dos direitos, assim também a igualdade dos
encargos é hoje fundamental no direito constitucional dos povos
civilizados. portanto, dado que um indivíduo seja lesado nos seus
direitos, como condição ou necessidade do bem comum, segue-se que os
efeitos da lesão, ou os encargos de sua reparação, devem ser igualmente
repartidos por toda a coletividade, isto é, satisfeitos pelo estado, afim de
que, por este modo, se restabeleça o equilíbrio da justiça cumulativa:
quod omnes tangit ab omnibus debet suportari" (amaro cavalcanti,
responsabilidade civil do estado, citado por josé de aguiar dias, da
responsabilidade civil, rio, forense, t. 11, 1995, 10' ed., p. 579).
• eminente magistrado, que hoje honra o supremo tribunal federal, já
afirmou, em síntese modelar:
• "2. a evolução da responsabilidade civil do estado passou por quatro
fases distintas: da absoluta irresponsabilidade civil do poder público
passou-se à fase de responsabilidade subjetiva, em que predominava o
elemento culpa, por isso denominada de fase civilística; na 3°fase,
tivemos a responsabilidade com base na idéia da faute du service, dos
franceses, na qual se deu a publicização da culpa; finalmente, na 4°fàse,
chegou-se à responsabilidade objetiva, em que pouco importa a culpa,
exigindo-se, apenas, o fato do nexo causal entre o dano e o ato do agente.
• 3. a teoria do risco administrativo fez surgir a responsabilidade objetiva
do estado. segundo essa teoria, o dano sofrido pelo indivíduo deve ser
visualizado como conseqüência do funcionamento do serviço público,
não importando se esse funcionamento foi bom ou mau. importa, sim, a
relação de causalidade entre o dano e o ato do agente público.
• 4. no direito brasileiro, a responsabilidade civil do estado é objetiva, com
base no risco administrativo, que, ao contrário do risco integral, admite
abrandamentos: a responsabilidade do estado pode ser afastada se
comprovada a culpa exclusiva da vítima, ou mitigada a reparação na
hipótese de concorrência da culpa.
• 5. no direito brasileiro, convive a responsabilidade civil objetiva, com
base na teoria do risco administrativo, com a responsabilidade civil
subjetiva, na hipótese, por exemplo, de atos omissivos, determinando-se
a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta do serviço, que não
funcionou quando deveria normalmente funcionar, ou que funcionou mal
ou funcionou tardiamente. " (carlos mário da silva velloso, temas de
direito público, belo horizonte, del rey, 1994, p. 477.)
• necessário que se apure, em caso de responsabilidade civil do estado, a
ocorrência de seus pressupostos:
• `assentada tal premissa, cabe agora assinalar que a responsabilidade
objetiva de natureza constitucional não prescinde da análise das
circunstâncias que ocasionaram o dano. e aí incide a teoria da
causalidade, segundo a qual: a) o dano é injusto, e como tal sujeito ao
ressarcimento pela fazenda, se tiver como causa exclusiva a atividade,
ainda que regular, da administração; b) o dano deixa de qualificar-se
juridicamente como injusto, e como tal não autoriza a indenização, se
tem como causa exclusiva o ,fato da natureza ou do próprio prejudicado;
c) o dano é injusto, mas sujeito à responsabilidade atenuada, .se concorre
com a atividade regular ou irregular da administração, como causa, fato
da natureza ou do próprio prejudicado ' (yussef said cahali,
responsabilidade civil do estado in responsabilidade civil - doutrina e
jurisprudência).
• veja-se o que afirma o ilustre desembargador, até recentemente presidente
do tribunal de justiça de são paulo: ainda que regulares o~ procedimentos
administrativos (no caso, tratamento médico e cirurgia), ocorrendo danos,
há responsabilidade do estado.
• não caberia, aqui, perquirir a culpa do ilustre cirurgião e professor que
presidiu o procedimento médico: basta o dano e o nexo causal com à
atividade estatal, porque tal é a ratio da norma decorrente do disposto no
art. 37, § 6°, da constituição, neste aspecto repristinando o que já se
continha na carta de 67/69.
• como disse dworkm, o direito, e desde logo o direito constitucional, não
se inventa, descobre-se.
• não se estranhe a responsabilidade objetiva, como, por exemplo, m, caso
do art. 1.529 do código civil, basta a demonstração do dano e do nexo
causal também na condenação dos honorários em favor do advogado ver
cedor, em que não há perquirição da culpa do autor.
• desnecessário assim que se fizessem novas perícias em busca de irlir til
demonstração da culpa de cirurgião, mesmo porque os comemorativo, já
se perderam no tempo e nos mecanismos burocráticos.
• além do dano, há que se perquirir o nexo de causalidade:
• "responsabilidade civil do estado - nexo de ca usalidade - exegese.
• a responsabilidade do estado, embora objetiva por força do disposto no
art. 107 da ec 1/69- e atualmente no § 6°do art. 37 da cf-, não dispensa,
obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a
ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.
em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do cód.
civ., a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a do dano direto e
imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. não
obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à
impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele
também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por
ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta
os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equiva
• lência das condições e a da causalidade adequada (stf-ac. unân. da 1 ° t.
publ. no dj de 7.8.92 - re 130. 764-1-pr - rel.
• min. moreira alves -estado do paraná e outro vs. h. kaminski e cia. ltda. e
outros - advs.: claudio bonato fruet e hugo mósca).
•
• a lição do atual secretário de segurança pública de são paulo é im
•
• "o terceiro prejudicado não tenz que provar que o agente procedeu com
culpa ou dolo, para lhe ocorrer o direito ao ressar
• cizzzento dos danos sofridos. a doutrina do risco administrativo isenta-o
do ônus de tal prova, basta comprove o dano e que este
• tenha sido causado por agente da entidade imputada. a culpa ou dolo do
agente, caso haja, é problema das relações júncionais que escapa à
indagação do prejudicado. cabe à pessoa jurídica acionada verificar se
seu agente operou culposa ou
• dolosamente para o fim de mover-lhe ação regressiva assegurada no
dispositivo constitucional, visando a cobrar as importâncias despendidas
com o pagamento da indenização. se o
• agente não se houve com culpa ou dolo, não comportará ação regressiva
contra ele, pois nada tem de pagar" (josé afonso da silva, curso de direito
constitucional positivo, são paulo, malheiros, 1992, 9' ed., p. 575).
• adite-se que, ao teor da expressiva dicção da vigente carta da república,
tem a autora o direito à seguridade social, que compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência
• social (art. 194). por sua condição de deficiente fisico, ainda que
abstraíssemos a causa da paraplegia, tem direito à assistência estatal (art.
203, v).
• há uma solidariedade social pela simples condição de deficiência física;
nada mais justo que o ente estatal que causou a deficiência e a seqüela
irreversível na saúde seja aquele que se encarregue de expressar tal
solidariedade social.
• afirmada a relação de causalidade entre o fato estatal e o dano, procede a
demanda, passando-se ao exame das verbas para a reparação.
• o juiz está vinculado ao princípio da demanda (código de processo civil,
art. 2°) observando-se que a autora restringiu-se a pedir a reparação dos
danos materiais e morais.
• em se tratando de doméstica, como se qualificou na inicial, a reparação
do dano material submete-se á base de cálculo de um salário mínimo,
pelo que deixou de ganhar como profissional que, no entanto, deve ser
elevado de mais um salário pelas necessidades pessoais decorrentes de
sua condição de paraplégica, além de outro salário para ressarcir o
acompanhamento que necessitará durante o resto da existência.
• a pensão mensal, ora calculada, decorrente de pedido posto em ter-mos
amplos, remetendo o julgador ao poder de julgamento pela eqüidade,
como está no art. 1.553 da lei comum, leva em conta as necessidades (da
autora), a gravidade da doença e o seu estado de miserabilidade
econômica.
• evidentemente, também a reparação patrimonial abrange as verbas que,
apuradas em liquidação por arbitramento, sejam necessárias para custear,
até o final de sua existência, caso o progresso da medicina não permita
encontrar meios de reabilitação, tratamento médico, transporte, remédios
e aparelhos condizentes com a sua condição pessoal.
• É reconhecido o dano moral e a sua reparação, esta com fulcro no
dispositivo constitucional que assegura o direito fundamental da
dignidade humana.
• civil-ação de indenização -acidente ferroviário -reparação por dano
material e dano moral- cumulabilidade -responsabilidade contratual- ato
ilícito relativo -juros moratórios -incidência a partir da citação - cc, art.
1.536, § 2°.
• i - o entendimento afirmado pela melhor doutrina e jurisprudência do stjé
no sentido de admitir-se a indenização, cumulativamente, por dano moral
e dano material, ainda que derivados do mesmo fato (súmula n ° 37 - stj).
• ii-assentada, também, na jurisprudência da corte, a orientação segundo a
qual os juros moratórios, nas hipóteses de responsabilidade objetiva ou
culpa contratual, serão devidos a partir da data da citação inicial, nos
termos do art. 1.536, § 2 °, do código civil.
• iii - recurso conhecido e provido, em parte.
• (resp. n° 23.386-4 - sp. rel. min. waldemar zveiter. terceira turma.
unânime. dj30/11/92).
• a proteção que a constituição promete quanto à intimidade, à vida
privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 5°, x) é explicitação de
direito fundamental declarado no caput do art. 5°, pois todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade... "
• homem ou mulher, idoso ou infante, rico ou pobre, empresário ou
assalariado, milionário ou peão, cada um em sua individualidade, todos
têm direito à dignidade da pessoa humana que a carta política, no seu art.
1°, pôs como fundamento da organização social.
• no arbitramento da reparação, socorre-se o julgador da regra de eqüidade
referida no art. 1.553 do código civil:
• dano moral - arbitramento - critÉrio. o arbitramento do valor do dano
moral deve ficar a critério do juiz, pois não há outro modo razoável de
avaliá-lo (tj-rj-ac. unân. da 1 °câm. cív. reg. em 17-4-91-ap. 3.700/90 -rel.
des. renato maneschy - ultra cred serviço sic ltda. vs. maria josé martins
figueiredo). extrai-se, ainda, do voto: "dano moral, como se sabe, é todo
sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade. seu
conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral uma
dolorosa sensação experimentada pela pessoa. É o que polacco chama de
lesão da personalidade moral. não é possível negar que quem vê
injustamente seu nome apontado nos tais serviços de proteção ao crédito
que se difundem por todo o comércio sofre um dano moral que requer
reparação. mas a reparação do dano moral se há de fazer pelo prudente
critério do juiz, pois não há outro modo de avaliá-lo. afixação do
"quantum "ficará ao prudente arbítrio do juiz, mas este arbítrio, como
observa orozimbo nonato, é uma contingência inelutável, dadas a
crescente complexidade do comércio jurídico e a impossibilidade de
prever o legislador todos os casos que surgem daquele comércio. o fato
de não se poder estabelecer rigorosa equivalência entre o dano moral e a
indenização não pode ser motivo, como pondera o des. amilcar de castro,
de se deixar o direito sem sanção e sem tutela. ou, como dizia o ministro
pedro dos santos, no supremo tribunal, o que não é possível é que o
responsável por acidente daninho aos direitos e legítimos interesses de
outrem possa subtrair-se às conseqüências de seu ato por não serem direta
e exatamente reparáveis."
• limita-se a reparação ao dano moral a dois salários mínimos, pelo mesmo
critério antes adotado no arbitramento da pensão.
• inclui-se a verba de danos estéticos nos danos morais, ao teor da súmula
n° 15, do egrégio tribunal de alçada cível deste estado: "É cumulável a
indenização por danos materiais e morais, nestes compreendidos os
estéticos, decorrentes do mesmo fato." (fonte: a proposta de súmula n°
15/96, julgada em 25 de março de 1996, vencidos os juizes spyrides,
pimentel marques, asclepíades, dauro, roldão, paraguassú, azevedo pinto
e jayro). tal enunciado, ao ver deste decisor, restringe o alcance da
súmula n° 37, do superior tribunal de justiça: "são cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".
de qualquer forma, são incontrovertidos os danos estéticos em mulher
paralisada nos membros inferiores.
• embora posta sob o enfoque de condenação de dar dinheiro, na verdade a
demanda objetiva condenação em prestação de fazer, porque, em se
tratando a ré de pessoa jurídica de direito público, a reparação quanto às
pensões vencidas será procedida através da inscrição da autora como
pensionista para o recebimento das verbas, certamente através de
procurador, em face da sua condição de paraplégica.
• incide, assim, o disposto no art. 461 do código de processo civil, com a
redação que lhe foi dada pela lei n° 8.952, de 13 de dezembro de 1994,
norma de evidente conteúdo processual e que deve ser aplicada ex
officio.
• sobre a natureza jurídica da ação para cumprimento das obrigações de
fazer ou não fazer, basta se remeter ao excelente trabalho de ovídio a.
baptista da silva nos estudos de direito processual em memória de luiz
machado guimarães (coordenação de josé carlos barbosa moreira, rio de
janeiro, editora forense, 1997, pp. 261/268).
• o provimento final desta ação está submetido ao reexame necessário
porque a ré é fundação instituída pelo poder público, em face do disposto
no art. 10 da lei n° 9.469, de 10 de julho de 1997.
• incide, pois, o disposto no art. 461, § 3°, do código de processo civil:
• "sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. a medida
liminarpoderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão
fundamentada ".
• a relevância do fundamento da demanda está na irreversibilidade do
estado da autora.
• É desinfluente que a autora não tenha requerido, através da diligente
defensoria pública que a assiste, medida liminar para que, desde logo,
passasse a receber os valores de reparação. o requerimento específico de
liminar é exigido para os fins referidos no art. 273, do código de processo
civil, mas, em se tratando de ação para cumprimento das obrigações de
fazer e não fazer, como no caso, permite-se ao juiz antecipar a eficácia de
seu provimento final.
• a autora é pobre, mãe de família, paralítica.
• É possível e provável que alguns anos se passem antes que se chegue
finalmente ao dia do trânsito em julgado desta sentença, caso confirmada
nas instâncias revisionais. contudo, a procedência aqui proclamada é
suficiente elemento de plausibilidade em face do princípio geral de
presunção dos atos estatais e pela carga de autoridade que orna os atos
jurisdicionais em país que adotou a jurisdição universal ou judicial
review.
• o direito de acesso à justiça, posto como direito fundamental da pessoa
(art. 5°, xxxv, da constituição), tem como corolário lógico a eficácia da
decisão; a deficiência fisica e social da autora não pode vir em seu
desfavor, nem é suficiente a interpretação jurídica literal para a realização
do direito: a letra mata, o espírito vivifica, dizia outro magistrado há dois
mil anos.
• daí porque necessário prover, desde já, pela assistência à autora,
providência que se dá no dispositivo sentencial.
• pelo exposto, resolve-se
• julgarprocedenteademandaparadeterminaràré que inscreva a autora na sua
folha de pagamento, a título de pensão vitalícia, na verba equivalente a 5
(cinco) salários mínimos, condenando-a, ainda, ao pagamento das verbas
apuradas em liquidação de sentença, para tratamento médico, transporte,
remédios e aparelhos condizentes com a sua condição pessoal, como
referido na motivação desta sentença.
• c o n d e n a - s e também a ré a pagar à autora o que for apurado em
liquidação quanto às pensões vencidas desde o fato e até a implantação
do pagamento por folha, acrescidas de juros, estes desde a citação, e
correção mensal à taxa legal, descontando-se o que a ela forneceu nos
períodos de inernação, obedecido aí o limite pensionário.
• independemente da confirmação pela instância superior, da existência de
recurso voluntário e do trânsito em julgado, determina-se à ré implantar,
no prazo máximo de 30 dias a contar de notificação ao seu dirigente
máximo, o magnífico reitor, pensão no eqüivalente a 3 (três) salários
mínimos em favor da autora, estes referentes à reparação pelos danos
materiais.
• sem ônus sucumbenciais, porque a autora nada adiantou a título de
despesas processuais e a sua defesa foi procedida por órgão estatal
prometido pelo art. 5°, lxxiv, da constituição, como instrumento de
realização da dignidade humana.
• submete-se a presente a reexame necessário por órgão fracionário do
egrégio tribunal de justiça.
• p. r. i.
• rio de janeiro, 20 de outubro de 1997.
• nagib slaibi filho
• juiz de direito
• processo n° 1998.001.13425
• 7.12. medidas atinentes à Área de recursos humanos
• nesta área, as medidas previstas no inciso iv do parágrafo único do art. 2°
da lei n° 7.853/99 foram explicitadas pelo disposto no art. 45 do decreto
n° 3.298/99, ao implementar programas de formação e qualificação
profissional no âmbito do plano nacional de formação profissional
planfor.
• 8. a polÍtica para a integraÇÃo da pessoa portadora de deficiÊncia
• 8.1. o caráter nacional da política para a integração da pessoa
• portadora de deficiência
• estabelece o art. 9° da lei n. 7.853/89 o tratamento prioritário e
apropriado, por parte da administração pública federal," aos assuntos
relativos às pessoas portadoras de deficiência, para que lhes seja
efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e
sociais, bem como sua completa integração social.
• no § 1 ° do mesmo dispositivo, além de dizer o óbvio29 - de que os
assuntos serão objeto de ação coordenada e integrada pela administração
pública federal - diz, ainda, que tais assuntos se incluem em uma política
nacional para integração da pessoa portadora de deficiência.
• tal norma - sobre a referida política nacional - é complementada pelo
disposto no art. 10 da mesma lei, com a redação que ao caput foi dada
pela lei n. 8.028, de 12 de abril de 1990, ao atribuir a coordenação da
atividade à coordenadoria nacional para a pessoa portadora de
deficiência, a que também incumbe, como é natural, formular a política
nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência.
• desde logo se verifica que do antes mencionado caráter nacional da lei n°
7.853/89 - a despeito de não ser formalmente lei complementar- decorre
do seu caráter material de complemento à constituição e tal patamar
"nacional" (assim abrangente das esferas governamentais da união, dos
estados, do distrito federal e dos municípios) não lhe dispensa, antes
exige, que o conjunto das ações governamentais e da sociedade mereçam
critérios ou pressupostos postos sobre o que usualmente o direito pátrio
considera como "política".'°
• 9. comentÁrios aos arts. 3° a 7° da lei n° 7.853/89 - as aÇÕes civis
pÚblicas como garantia aos direitos de proteÇÃo e de integraÇÃo social
ao portador de deficiÊncia
• 9.1. distinção entre ação individual e pública
• jurisdição é a atividade do poder destinada a resolver os conflitos de
interesses. processo é a relação jurídica que se estabelece entre o
demandante, o demandado e o órgão do estado encarregado de dirimir a
lide.
• ação é o poder do indivíduo de deflagrar através do processo a atividade
jurisdicional do estado.
• tais são os conceitos básicos da ciência processual que o mestre italiano
redenti denominou de "trilogia estrutural do processo".
• a constituição de 1988 assegura, pelo que se extrai do disposto nc art. 5°,
xxxv, o direito fundamental de acesso aos tribunais, pois "a lei; não
excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito ".
• quem tem o poder de deflagrar a ação, ou quem está legitimado para
instaurar o processo, é, ordinariamente, aquele que é o titular do interesse
em disputa na demanda.
• excepcionalmente, em face da relevância do interesse, a ordem juridica
confere a quem não é o titular do direito o poder de atuar em sua defesa -
é o que se denomina de legitimação extraordinária ou, como dizem o.
processualistas, de "substituição processual".
• daí a importância das disposições encontradas nos arts. 3° a 7° da lei n.
7.853/89, que trata das ações civis públicas destinadas à proteção dos
interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência.
• através da ação civil pública, posta na defesa dos denominados interesses
coletivos e difusos das pessoas portadoras de deficiência, a sociedade e
os agentes estatais podem ser compelidos a atender as normas
constitucionais que garantem os mencionados interesses,
independentemente da atividade individual do portador de deficiência.
• 10. o interesse como fundamento do direito
•
• É o interesse o conceito básico do direito porque dele é que decorren, os
conceitos derivados de categorias jurídicas como direito subjetivo,
pretensão, lide e outros.
• ao buscar assegurar sua existência e o desenvolvimento, o indivíduo volta
seu interesse aos bens que possam suprir suas necessidades.
• bem é, assim, tudo aquilo que possa suprir uma necessidade e interesse, é
a exigência que o indivíduo faz de determinado bem.
• o interesse é a relação do indivíduo com o bem que vai satisfazer sua
necessidade; no conceito de groppali, interesse é a exigência de um bem
que se considera útil, apto para satisfazer uma necessidade.
• a maioria dos bens que o indivíduo busca não pode ser alcançada
somente com a sua atividade. volta-se, então, para o relacionamento com
os outros indivíduos e, quanto mais suas necessidades aumentam de
complexidade, mais intensifica o relacionamento social, buscando seus
semelhantes para, com eles, em interação, solidarizar-se na satisfação de
seus interesses.
• a relação social é o meio que o indivíduo tem para alcançar os bens que
sua própria atividade não pode alcançar.
• se a relação social é regulada pelo direito, diz-se que é relação jurídica.
• os bens podem ser, quanto ao seu conteúdo, coisas (que são os bens
tangíveis, mensuráveis, como, por exemplo, um lápis, um prédio) e
serviços (que são as atividades que suprem tais necessidades, como, por
exemplo, uma aula, o projeto de uma construção).
• quão mais complexas e sofisticadas as necessidades dos indivíduos, mais
complexos se tornam os bens que possam supri-ias e mais intensas as
relações sociais.
• no dizer de camelutti, o interesse é uma relação, como decorre da própria
palavra - quod inter est.
• em toda sua existência, o ser humano busca prover os meios que
possibilitem mantê-lo como indivíduo, isto é, sujeito de sua história e não
mero objeto dos interesses dos outros indivíduos.
• a busca dos bens que satisfaçam suas necessidades, morais ou
patrimoniais, constitui a estrada pela qual passa a história de cada
indivíduo. sua peregrinação na satisfação de seus interesses, na busca da
felicidade o estado ideal no qual verá supridas todas as suas carências - é
a causa suficiente que o impele a querer e agir.
• 10.1. modalidades do interesse
• o interesse pode apresentar diversas titularidades ou sujeitos, levando a
sua classificação subjetiva.
•
• 10.1.1. interesse individual, particular ou privado
•
• alguns interesses estão restritos às necessidades que não ultrapassam a
esfera de cada pessoa- são os interesses individuais ou privados ou
particulares.
• o interesse individual é a relação entre o indivíduo e o bem que vai suprir
sua necessidade, de forma direta ou imediata. o titular do interesse
individual pode ser uma pessoa fisica ou natural, a pessoa jurídica ou
moral e até mesmo órgãos despersonalizados, como o espólio, o
condomínio de edificio, a herança jacente etc.
• a capacidade de direito da pessoa fisica, antes de ser questão privada, é
questão pública, constitucional, direito fundamental, personalíssimo,
integrante de sua cidadania, no sentido sociológico (cc, art. 2°-todo
hotnent é capaz de direito e obrigações na ordem civil; constituição, art.
5°, capta - todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...) e não se confunde
com sua capacidade de fato, dispondo o art. 7° do código civil que a
capacidade, absoluta ou relativa, será suprida nos termos legais (cf. cc,
arts. 379, 384 v, 496, 154 e 156, quanto aos menores; arts. 446 a 461,
quanto aos loucos, surdo-mudos e pródigos; 463 a 468, sobre os ausentes;
sobre psicopatas, toxicômanos e viciados em substâncias entorpecentes,
ver o decreto n° 24.559, de 03.07.34 e decreto-lei n° 891, de 25.11.38;
sobre os silvícolas, o estatuto do Índio - lei n° 6.011, de 19.12.73 e 232,
da constituição).
• a determinação da ordem jurídica no sentido de se integrar à vontade do
incapaz a vontade do seu representante ou assistente, induz que não têm
eles o poder pleno de manifestar a sua vontade na defesa dos próprios
interesses, pelo que são representados (cc, art. 5°) ou assistidos (cc, art.
6°) ao atuarem no mundo jurídico. o representante e o assistente ao
incapaz, ao integrarem e complementarem sua manifestação de vontade,
fazem da própria consciência e vontade a vontade e consciência
suficientes para que os incapazes atuem no mundo jurídico.
• daí se constata que, sem consciência e sem vontade dos titulares dos
interesses, não há exercício de direitos.
• já as pessoas jurídicas ou morais, que se constituem ou passam a existir
com a sua inscrição no registro público específico (cc, art. 18) são
representadas, ativa e passivamente, nos atos judiciais e extrajudiciais,
por quem os respectivos estatutos designarem, ou não o designando,
pelos seus diretores (cc, art. 17).
• diverso, assim, o modo de aceitação, pelo direito, da atuação, em juízo ou
fora dele, das pessoas físicas e jurídicas: aquelas atuam
independentemente de seu reconhecimento pelo estado, pois o registro
civil é meramente declaratório, enquanto as pessoas jurídicas só existem,
com efeitos além daquelas pessoas que a constituem, quando o estado lhe
dá a existência, com os efeitos erga omnes do respectivo registro público.
as pessoas fisicas nascem para o direito no próprio momento em que
nascem com vida (cc, art. 4°); as pessoas jurídicas têm no registro
público o seu berço.
• a própria pessoa fisica manifesta, por si ou seu representante, a vontade,
enquanto a pessoa jurídica, por ser ideal, manifesta, ficticiamente, sua
vontade através de seus órgãos de representação previstos no respectivo
estatuto e, em falta de previsão, através de seus diretores, isto é, as
pessoas cuja vontade individual as movimentam e direcionam a sua
atuação na satisfação dos seus interesses.
• o órgão da pessoa jurídica deve demonstrar sua legitimação para atuar em
seu nome, em juizo ou fora dele, devendo as pessoas que com eles se
relacionam se precaver com a exigência da exibição dos comprovantes de
seus poderes - o juiz deve, verificando a irregularidade de representação
das partes, suspender o processo e marcar prazo razoável para ser sanado
o defeito (cpc, art. 13).
• o que impulsiona a criação da pessoa jurídica é a comunhão de interesses
individuais que só encontram, nessa conjugação dos esforços, os meios
para alcançar os seus fins. dispõe o código civil, art. 1.363 que "celebram
contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar
seus esforços ou recursos para lograr fins comuns". como o indivíduo é
limitado, no tempo e no espaço, para certos empreendimentos que são
exigidos pelas suas necessidades, busca outros seres que possam, com
ele, trabalhar no mesmo sentido, pois "logram fins comuns" (affectio
societatis).
• eis a diferença entre a comunhão de interesses e a sociedade - o fim
comum ou a affectio societatis unem os esforços daqueles que comungam
das mesmas necessidades, embora nem todos que tenham as mesmas
necessidades estejam irmanados no fim de supri-ias. o condômino é
comunheiro (cc, art. 623 e ss.) mas não tem com os outros a affectio
societatis, e tanto é assim que pode exigir a divisão da coisa comum, nem
se pode pactuar a indivisão por mais de cinco anos (cc, art. 629), mesmo
porque já diziam os antigos que o condomínio é a mãe da discórdia
(condomminium mater discordarum) pela constante tensão entre os
interesses individuais que sobre a coisa são exercidos.
• se a sociedade necessita de reconhecimento de sua existência, além do
contrato entre os sócios, aí vem o estado para constituir, com o registro
público (ato administrativo), a pessoa jurídica ou moral.
• alguns centros de interesses, ou seja, interesses que transbordam os
limites individuais mas que não constituem pessoas jurídicas, são
reconhecidos pelo direito, que lhes dá capacidade de atuar em
determinadas circunstâncias: são os órgãos despersonalizados.
representam tais órgãos comunhões de interesses que nem sempre
chegam a se constituir em sociedade, como se vê, por exemplo, no art.
12, do cpc, com a massa falida (comunhão dos interesses dos credores
sobre os bens do insolvente), o espólio, o condomínio, ou o cabecel,
previsto no art. 690, do cc, quando o prédio submetido à enfiteuse
pertencer a várias pessoas.
• observe-se que só o estado (através do ato legislativo formal -
constituição, art. 5°, inciso li, princípio da legalidade) é que pode obrigar
o indivíduo a atuar em conjunto com os outros, salvo se a tal não se
dispôs pela própria vontade.
• 10.1.2. interesse público
• o interesse público, de todo o povo, como fundamento de toda a
organização social, é manifestado e defendido, ordinariamente, pelo
estado, de acordo com a previsão legal.
• o conceito de interesse público só pode ser entendido após ser
vislumbrada a idéia de bem comum.
• são tomás de aquino, em célebre expressão, considerou o bem comum
como "a soma do bem coletivo com cada bem individual.
• a conceituação tomista foi difundida através da igreja católica, pelo que
se diz hoje que a atuação do estado, em um regime democrático, visa a
atingir o bem comum, pois o poder é exercido visando à satisfação dos
interesses que são reconhecidos como aqueles aspirados pelo povo,
agente titular e nominal do poder.
• lembrando que o conceito de bem comum é próprio do pensamento
político católico, como base do solidarismo, niccola mateucci fez o
seguinte comentário no verbete que elaborou para o dicionário de
política, coordenado por norberto bobbio: o bem comum se distingue do
bem individual e do bem público. enquanto o bem público é um bem de
todos por estarem unidos, o bem comum é dos indivíduos por serem
membros de um estado; trata-se de valor comum que os indivíduos
podem perseguir somente em conjunto, em concórdia. além disso, com
relação ao bem individual, o bem comum não é um simples somatório
destes bens; não c tampouco a negação deles; ele se coloca unicamente
como sua própria verdade ou síntese harmoniosa, tendo como ponto de
partida a distinção entre indivíduo, subordinado à comunidade, e à
pessoa, que permanece o verdadeiro e último fim. toda atividade do
estado, quer política, quer económica, deve ter como objetivo criar uma
situação que possibilite aos cidadãos desenvolverem suas qualidades
como pessoas; cabe aos indivíduos, singularmente impotentes, buscar
solidariamente em conjunto este fim cornum.
•
•
• o interesse público, do povo, tem fundamento, em um estado
democrático, no próprio titular do poder (todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta constituição - art. 1 °, parágrafo único, da constituição).
• os países ocidentais exigem que a atuação do estado, na defesa ou
persecução do interesse público, seja prevista em lei, obedecendo ao
denominado princípio da legalidade, que decorre do princípio da
liberdade, por entenderem, de acordo com a corrente liberal, que toda a
atuação estatal só pode depender de previsão legislativa, porque o estado,
ao agir, sempre restringe a autonomia privada ou a conduta individual.
• diferente é a solução nos países socialistas, em que predomina o princípio
da legalidade socialista, como se viu no art. 4° da constituição da urss de
7 de outubro de 1977: "o estado soviético e todos os seus órgãos atuam
na base da legalidade socialista, asseguram a proteção da ordem jurídica,
dos interesses da sociedade e dos direitos e liberdades dos cidadãos. as
organizações estatais e sociais e os funcionários públicos são obrigados a
observar a constituição da urss e as leis soviéticas ".
• necessário fazer constar o que habermas escreveu sobre a "contraditória
institucionalização da esfera pública no estado de direito burguês",
referindo-se à vinculação das funções estatais a normas gerais, isto é, a
aplicação do princípio da legalidade: "as garantias jurídicas, ou seja,
vincular as funções do estado a normas gerais, protegem, junto com as
liberdades codificadas no sistema de direito privado burguês, a ordem do
`mercado-livre'. intervenções estatais sem autorização através de uma lei
não são, da perspectiva de seu sentido sociológico, primariamente
condenáveis por ferirem princípios de justiça estatuídos por direito
natural, mas simplesmente porque seriam imprevisíveis e, por isso,
quebrariam a espécie e a extensão de racionalidade que há no interesse
das pessoas privadas operando capitalisticamente. senão faltariam
exatamente aquelas `garantias da previsibilidade' que já max weber
descobriu no capitalismo industrial: o cálculo das chances de lucro exige
um intercâmbio que transcorra de acordo com as expectativas de
probabilidade. por isso é que estar no âmbito da competência e de acordo
com uma justiça formal se tornaram critérios do estado de direito
burguês: administração `racional' e justiça `independente' são, a nível da
organização, os seus pressupostos. a própria lei, a que o executivo e a
justiça precisam se ater, tem de ser igualmente obrigatória para todos: não
deve, em principio, permitir nenhuma dispensa ou privilégio.""
• em decorrência do princípio da legalidade (aliás institucionalizado no art.
37 da constituição, como princípio da administração pública, bem como
no art. 5°, caput e inciso ii, como fundamento dos direitos individuais), o
estado só pode ingressar em juízo para exercitar a pretensão de interesse
previamente previsto em lei: por exemplo, a pretensão punitiva, nas ações
penais públicas ou a pretensão para impedir a construção não legalizada,
no art. 934, ii, do código de processo civil.
•
• 10.1.3. distinção entre interesse público e interesse estatal
•
• não há identidade absoluta entre o interesse público (de toda a
organização social, o bem comum) com o interesse estatal: a congruência
entre o interesse estatal e o interesse público foi corolário necessário no
estado liberal, de democracia representativa ou indireta, em que o
exercício do poder era privativo dos indivíduos escolhidos pelos
cidadãos. hoje, no entanto, não mais ocorre tal identidade, a partir do
momento em que se vê o estado menos distante da própria sociedade.
• os países mais modernos adotam agora um sistema de organização
política de democracia mista, também chamada participativa,
combinando elementos da democracia indireta ou representativa (a
decisão e a execução da atividade estatal por representantes do povo)
com elementos da democracia direta (as decisões são tomadas pelo
próprio corpo político).
• a constituição, em seu art. 1° parágrafo único, proclama que o poder é
exercido pelo povo, através de representantes eleitos, ou diretamente, nos
termos da lei maior, a qual prevê, em diversos dispositivos, a atuação
direta do cidadão (o titular do direito de participar do governo):
plebiscito, referendo, iniciativa legislativa popular, ações populares
(como o habeas corpus e a ação popular para anular atos lesivos ao
patrimônio público, ao meio ambiente), o controle do estado pelas
entidades da sociedade civil (por exemplo, a titularidade da ordem dos
advogados do brasil, na ação de inconstitucionalidade), a participação
dos empregados nos órgãos estatais onde se discutem seus interesses, etc.
• o interesse estatal, no nosso regime federativo, tem como agentes a união,
os estados-membros, o distrito federal e os municípios, que são entes
federativos (constituição, art. 1° caput) dotados da capacidade política de
decidir autonomamente, nos limites que lhes são dados pela constituição,
podendo mesmo elaborar normas genéricas e abstratas, obrigando toda a
sociedade, quanto aos interesses que lhes são previstos na constituição
(autonomia legislativa). através de ato legislativo, podem os entes
federativos instituir outras pessoas secundárias, administrativas, para
gerenciar, sob sua vinculação e controle, determinados interesses
públicos específicos.
• tais pessoas administrativas podem ser pessoas jurídicas de direito
público (usufruindo de tratamento preferencial perante as outras pessoas,
como as autarquias) ou mesmo pessoas jurídicas de direito privado (como
as empresas públicas e sociedades de economia mista), mas todas criadas
por lei do ente federativo a que estão vinculadas (constituição, art. 37,
incisos xix e xx, o qual exige lei específica inclusive para a criação de
subsidiárias de qualquer delas, e até mesmo para que elas participem em
empresa privada).
• o interesse estatal é manifestado pelo órgão público a que a lei deferiu a
competência para tal - a competência é, assim, um trecho da atividade
estatal que a lei imputa à determinada unidade estatal para a sua
prosecussão.
• como instrumento da soberania popular, exercitando o controle externo
sobre a atividade estatal, nem só aos órgãos públicos, com exclusividade,
cabe atuar na busca da satisfação do interesse público.
• o interesse público é defendido não só pelo estado como também pelos
cidadãos ou mesmo por entidades não-estatais. em não poucos
momentos, a própria constituição, como instrumento de democracia
participativa, confere legitimidade de atuação para a defesa do interesse
público à pessoa fisica ou a entidade não-estatal: art. 5°, xxxiii (direito a
receber dos órgãos públicos informações do interesse coletivo ou geral);
lix (admissibilidade de ação penal privada subsidiária da ação pública, se
esta não for intentada no prazo legal); lxxi (mandado de injunção, para a
defesa das prerrogativas inerentes à soberania popular); lxxi11(ação
popular para a defesa do patrimônio público, da moralidade
administrativa, do meio ambiente); art. 14, § 10 (ação de impugnação de
mandato eletivo); art. 37, § 3° (reclamações relativas à prestação de
serviços públicos); 58, § 2° (petições e reclamações contra atos ou
omissões das autoridades ou entidades públicas); 74, § 2° (denúncia por
irregularidades ou ilegalidades perante o tribunal de contas) etc.
• 10.1.4. interesses difusos e interesses coletivos
• já vimos que nem toda a comunhão de interesses significa a existência de
uma sociedade e que nem toda sociedade induz a existência de uma
pessoa jurídica para atuar na busca da satisfação desses interesses. alguns
interesses são comuns a mais de uma pessoa sem perderem, qualidade de
serem interesses individuais compartilhados, corno se vê, por exemplo,
no regime patrimonial existente entre os cônjuges ou entre condôminos
de um prédio. outros interesses supra-individuais, afetando mais de uma
pessas, mas que não chegam a alcançar o interesse público, ficam sob a
tutela de determinados grupos sociais a que a lei expressamente confere
tal legitimação: corporações profissionais como a ordem dos advogados
do brasil), sindicatos, federações e confederações profissionais
(consolidação das leis trabalhistas, art. 513, alínea "a", embora tal
legitimidade não ultrapasse a esfera trabalhista, segundo entendia a
jurisprudência, antes da previsão do art. 8°, inciso iii, da nova
constituição, que simplesmente repete princípio do art. 5°, xxi),
associações privadas constituídas há mais deu; _ ano quando do
ajuizamento da ação, com finalidades institucionais especificas (lei n°
7.347, de 24 de julho de 1985). tais entidades estão, extraordinariamente,
legitimadas a defender em juizo o interesse do respectivo grupo. observe-
se que tais entidades atuam em nome próprio, mas na defesa dos
interesses de seus associados.
• É conhecido o conceito de andreas von thür de que os interesses di
• fusos: "... são situações jurídicas protegidas sem que se chegue à
subjetivação do direito na pessoa ou grupo de pessoas que,
eventualmente, no plano processual, poderiam invocar a tutela
jurisdicional".
• deve-se a mauro capeletti, a partir de meados da década de 70, a honra de
ter iniciado a sistematização do estudo dos interesses em sede processual,
mesmo porque, sem processo, não há como se garantir o interesse no
estado democrático de direito. 35
• josé carlos barbosa moreira, em relatório nacional para o v11 congresso
internacional de direito processual, em 1983, aponta que as
denominações "interesses difusos" e "interesses coletivos" são em regra
usadas promiscuamente, embora alguns autores tentem distingui-los por
critérios diversos, entre os quais o de considerar como interesses difusos
aqueles que não tenham uma organização de interessados a defendê-los.
para esses autores, o interesse dos advogados quanto ao exercício da
profissão seria interesse coletivo, porque há a ordem dos advogados do
brasil, enquanto que o interesse da comunidade quanto às condições
ambientais da baía da guanabara seria interesse difuso, caso não haja uma
associação cuja finalidade institucional seja, justamente, a proteção de
tais condições ambientais.
• ada pellegrim grinover nos dá, também, a distinção: "embora
considerando ambos meta individuais, não referíveis a um determinado
titular, a doutrina designa como `coletivos' aqueles interesses comuns a
uma coletividade de pessoas e a elas somente, quando exista um vínculo
jurídico entre os componentes do grupo: a sociedade mercantil, o
condomínio, a família, os entes profissionais, o próprio sindicato, dão
margem ao surgir de interesses comuns nascidos em função de uma
relação, base que une os membros das respectivas comunidades e que,
não se confundindo com os interesses estritamente individuais de cada sz
jeito, permite sua identificação. por interesses propriamente difusos
entendem-se aqueles que, não se fundando em um vínculo jurídico,
baseiam-se sobre dados de fatos genéricos e contingentes, acidentais e
mutáveis: como habitar na mesma região, consumir iguais produtos,
viver em determinadas circunstâncias sócio-econômicas, submeter-se a
particulares empreendimentos."
• lúcia valle figueiredo coloca como características do interesse coletivo,
em primeiro lugar, o que denomina despersonalização do interesse
individual, isto é, após o agrupamento das pessoas na busca da satisfação
do interesse coletivo, pode ocorrer que tal interesse coletivo nem mais
corresponda, ao menos em parte, ao interesse individual; em segundo
lugar, observa que tais interesses têm como característica a
impossibilidade de serem fruídos individualmente, deforma exclusiva, o
que lhes evidencia caráter indisponível, ao menos para cada integrante do
grupo, embora tal indisponibilidade seja relativa, em face de potencial
capacidade de ser transacionada, dependendo do caso concreto.
• quanto aos interesses difusos, a mesma juíza e professora da puc-sp
observa que eles são indivisíveis, trazendo, em apoio, a pergunta que
mauro cappeletti fez: de quem é o ar que respiro? a resposta, aí, só pode
ser: de todos e de cada um, de cada um e de todos. daí por que o direito
decorrente do interesse difuso é indisponível, de forma absoluta, que é a
sua segunda grande característica.
• tal diferenciação, entre interesse coletivo e difuso, se torna uma questão
mais premente a partir do momento em que a sociedade moderna passa a
exigir do estado uma atuação mais transparente, com um controle mais
efetivo, que não dispensa a tutela de interesses relevantes, como, por
exemplo, o meio ambiente, que a constituição de 1988, em seu art. 225,
coloca em termos peremptórios: todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
• na defesa de tais interesses, prevê a ordem jurídica não só ações deferidas
às associações cuja destinação seja o fim específico (art. 5°, inciso xxi)
como também a ação popular, legitimando qualquer cidadão e, até
mesmo, órgãos estatais como o ministério público, através de ação
pública civil.
• poderia parecer tentadoramente mais simples fazer a seguinte distinção:
interesse coletivo é aquele específico de determinado grupo, como, por
exemplo, o interesse defendido por um sindicato ou uma associação de
moradores de determinado bairro; já o interesse difuso seria aquele que
transcendesse o interesse coletivo, como, por exemplo, os direitos do
consumidor, ao meio ambiente, bens de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, como referido no art. 1° da lei n° 7.347/85.
• no entanto, quid finde, se se tratar de um interesse do meio ambiente que
se inclua no interesse local de uma associação de ecologistas?
• haverá, aí, simultaneamente, interesse difuso, protegido pela ação civil
pública (lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, arts. 1°, 5° e 6°); interesse
coletivo, amparável via mandado de segurança coletivo e pelo poder da
associação de, judicial e extrajudicialmente, persegui-lo (constituição,
art. 5°, inciso xxi); interesse público não estatizado, defensável por
qualquer cidadão, através de ação popular constitucional (constituição,
art. 5°, lxxiii); interesse público estatizado no ministério público, a quem
cabe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis
(constituição, arts. 127 e 129, inciso iii; lei n° 7.347/85) e até mesmo
interesse individual do morador que provasse ali residir e que demonstre
o dano emergente ou potencial (código civil, art, 75, código de processo
civil, art, 3°).
• mais prudente que se aprecie, em cada caso em concreto, o âmbito do
interesse colocado em questão, independentemente do remédio jurídico
processual que o leva à cognição da função jurisdicional. qualquer
limitação apriorística poderá representar grave violação de direito
fundamental previsto no art. 5° da nova constituição, em seu inciso xxxv,
assegurando o pleno acesso à justiça.
• o código de defesa do consumidor (lei n. 8.078, de 11 de setembro de
1990), ao tratar no título iii da defesa do consumidor em juízo, se viu
compelido, no art. 81, à perigosa tarefa de expor conceitos sobre tema
que, ainda hoje, não merecem uniformidade de tratamento principalmente
no próprio direito legislado:
•
• art. 81. a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poder ser exercida em juízo individualmente, 39 ou a título coletivo.
• parágrafo único. a defesa coletiva será exercida guando se tratar de.
• i- interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
• ii-interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular
grupo, categoria ou classe de persas ligadas entre si ou com aparte
contrária por uma relação jurídica base; iii - interesses individuais
homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. "
•
• adotando-se a classificação e conceituação legal, embora não infensa à
crítica, daí extraímos que os interesses coletivos, em sentido amplo,
compreendem os interesses e direitos;
• - difusos, que são aqueles decorrentes de uma situação fática, como, por
exemplo, os portadores de deficiência fisica de determinada comunidade
que se vêm obstados em seu acesso a determinado prédio ou logradouro;
• coletivos que são aqueles decorrentes de uma relação jurídica básica que
liga entre si seus integrantes ou que os vincula à outra parte;
- individuais homogêneos, os que têm origem comum.
a dicotomia entre interesse individual e interesse público é imanente ao
estado liberal de democracia representativa e torna-se anacrônica em estado
intervencionista e de democracia participativa.
veja-se, por exemplo, o disposto na constituição, no art. 204, inciso 11,
assegurando à participação popular, através de organizações representativas,
um papel na formulação das políticas e no controle das ações em todos os
níveis de assistência social. da mesma forma, prevê o art. 29, x, a
cooperação das associações representativas no planejamento municipal, ou o
mesmo artigo, no inciso seguinte, a iniciativa legislativa popular de interesse
específico de bairros através de manifestação da vontade de, pelo menos,
cinco por cento do eleitorado. como distinguir claramente, aí, entre interesse
público, coletivo e difuso? o que a constituição quis, nesses casos, foi
desestatizar o interesse público, entregá-lo à sociedade civil, através de
órgãos representativos que não podem ser ignorados em sua atuação, a qual,
certamente, desaguará com o ingresso de medidas judiciais.
a lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico,
em seu art. 5°, na defesa de tais interesses, legitima o ministério público,
autarquias, empresas públicas, fundações instituídas pelo poder público,
sociedades de economia e associação privadas que atendam os requisitos ali
previstos, que podem, inclusive, atuarem em litisconsórcio.
em face da complexidade das relações sociais, econômicas e políticas hoje
existentes em uma sociedade dinamizada pela tecnologia e pela carga
imensa de informações, de forma avassaladora e quase mesmo intuitiva, o
homem busca o relacionamento com seus semelhantes que estejam em
situações idênticas, que comunguem do mesmo interesse ou que, mesmo
eventualmente, também estejam tentando compreender a intensidade das
relações sociais e jurídicas que se tornam necessárias para sua existência e
desenvolvimento.
daí por que as chamadas entidades da sociedade civil, grupos sociais com
interesses comuns, ainda que eventuais, cada vez mais atuam não só
intervindo nas relações de poder geradas pelo estado mas, e principalmente,
mobilizando grupos de pressão de dezenas de indivíduos ou até mesmo
milhões de pessoas.
o desenvolvimento tecnológico nas comunicações e informações
transformou o quadro social de pressão e de manipulação da opinião pública,
a qual, em qualquer regime que se diga democrático, não pode ser
desconsiderada nos atos governamentais.
tais grupos ou entidades, pelo fenômeno da repetição e por ironia da história,
ressuscitam a descentralização de poder que existia na idade média, com a
atuação de corporações profissionais, da igreja, das cidades e feudos. tal
descentralização cessou com a formação dos grandes estados nacionais, mas
agora é vista como a fórmula de permitir que o estado leviatã moderno não
sufoque, com seus tentáculos, o indivíduo.
a democracia, como processo de organização da sociedade brasileira, passa,
necessariamente, pela atuação das entidades de sociedade civil, como os
sindicatos, corporações profissionais, grupos confessionais, e até mesmo
entidades com base territorial de atuação como as associações de moradores.
integrar tais entidades no processo decisório estatal é uma premente
necessidade para legitimar a própria atividade estatal, o que pode ter seu
início com o reconhecimento de sua capacidade de ingresso em juízo.
o primeiro passo para a integração de tais entidades no processo judicial é
reconhecer-lhes a legitimidade processual, jurisdicionalizando os conflitos
de interesses. distinguir entre interesse individual, coletivo, difuso, público e
estatal passa a ser questão que exige a pesquisa do julgador, em cada caso
concreto.
10.2. impossibilidade do interesse ser imparcial
cada ser humano é titular de direito próprio. dentro de uma mesma unidade
familiar podem existir várias pessoas portadoras de deficiência. em tese,
todas elas fazem jus ao beneficio. surge, no entanto, o problema da
necessidade. cada beneficiário leva para a unidade familiar a renda de 1(um)
salário mínimo e, assim, acaba por dificultar a concessão do beneficio ao
outro. dispõe sobre a matéria o art. 19 do regulamento:
"o beneficio de prestação continuada será devido a mais de um membro da
mesma família, enquanto for atendido o disposto no inciso 111 do art. 2°
deste regulamento, passando o valor do benefício a compor a renda familiar,
para a concessão do segundo beneficio".
a regra é polêmica e é preciso interpretá-la com boa dose de interesse social,
para não deixar de serem acolhidas legítimas pretensões.
4. amparo previdenciÁrio
4.1. auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez
faremos, nesse particular, apenas breves considerações, sob pena de
transformar o trabalho num curso de direito previdenciário, desviando,
assim, a finalidade da obra.
há beneficios previdenciários que não se destinam de modo específico ao
deficiente, mas podem, perfeitamente, tê-lo como beneficiário. são os
beneficios por invalidez, que podem ser concedidos, pois, ao deficiente
inválido, incapaz para o trabalho.
o auxílio-doença é concedido em razão de incapacidade total temporária
para o trabalho, por mais de 15 dias, nos termos do que dispõe o art, 5 9 da
lei n° 8.213/91. essa incapacidade é aferida por laudo médico da previdência
social, que pode ser revisto em juizo, em ação ajuizada pelo segurado contra
a previdência.
exige carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo se a doença for
uma daquelas referidas no art. 151 da lei n° 8.213/91 ou se a invalidez for
resultante de acidente. nestes casos, a lei dispensa o cumprimento do período
de carência, bastando que a doença tenha sido contraída quando o segurado
ostentava essa condição. não será devido o auxílio-doença se a pessoa já
ingressa na previdência social portadora da enfermidade que vem a ser
invocada como causa para a concessão do beneficio. assim, um segurado
portador da popular ler que ingressar na previdência social não pode, depois,
pretender auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez com base nessa
doença. o que se ressalva é a situação do que ingressa doente, mas com
condições de trabalho e a incapacidade sobrevém do agravamento da
doença.
o valor mensal do beneficio é igual a 91% do salário de beneficio (art. 61, lei
n° 8.213/91), calculado na forma da legislação previdenciária.
assim, enquanto houver a incapacidade permanente e parcial será devido o
auxílio-doença. com o tempo a doença, se não houver cura total, evoluirá
para uma incapacidade permanente, total ou parcial. se total, o segurado fará
jus à aposentadoria por invalidez, sujeita à mesma carência e a sua dispensa
nos mesmos casos do auxílio-doença, com renda mensal igual a 100% do
salário-de-beneficio, calculado na forma da legislação previdenciária (v. arts.
42 e segs. da lei n° 8.213/91). se a incapacidade for permanente, porém
parcial, o beneficio cessará tão logo o segurado esteja em condições de
exercer atividade que lhe garanta a subsistência. não há, na previdência
comum, nenhum beneficio que contemple a incapacidade parcial e
permanente para o trabalho. essa incapacidade parcial e permanente,
contudo, se a situação houver sido decorrente de acidente do trabalho,
doença do trabalho ou profissional, ensejará ao segurado o recebimento do
auxílio-acidente, no valor de 50% do salário-de-beneficio (art. 86 da lei n°
8.213/91), calculado na forma da legislação previdenciária.
o deficiente, se necessitar da assistência permanente de outra pessoa, terá o
valor da aposentadoria por invalidez acrescido de 25% do salário-de-
beneficio, nas condições previstas no art. 45 da lei n° 8.213/91. não importa
que a aposentadoria seja previdenciária ou acidentária.
4.2. pensão ao deficiente
o beneficio da pensão independe de carência, bastando, para tanto, a
condição de segurado, por ocasião do evento morte (art. 26, 1, lei n°
8.213/91).
o beneficio corresponde a 100% do valor da aposentadoria recebida pelo
segurado na época do óbito ou da mais favorável (art. 75).
são dependentes do segurado e, pois, têm direito à pensão decorrente de sua
morte os filhos menores de 21 anos ou inválidos (conceito em que se pode
incluir o deficiente art. 16,1, lei n° 8.213/91). se não houver dependente
preferencial, pode o irmão deficiente inválido receber a pensão, desde que
comprovada a dependência econômica. sendo, assim, o filho deficiente e
inválido fará jus à pensão previdenciária pela morte do pai ou da mãe,
independentemente de sua idade. essa invalidez é aferida pela previdência
social no momento do óbito (art. 108, decreto n° 3.048/99 - regulamento da
previdência social).
também na lei do regime jurídico único (lei n° 8.112, de 11 de dezembro de
1990), a aposentadoria por invalidez, a licença para tratamento de saúde e a
licença por acidente de serviço são beneficies devidos ao funcionário e que
pressupõem invalidez. aos dependentes do servidor é devida a pensão, do
valor correspondente ao da remuneração ou proventos. dentre os
dependentes há expressa previsão em prol do filho inválido, tal como no
regime geral (art. 217,11, "a"), o que implica beneficiar o deficiente
incapacitado.
no regime geral de previdência não existe mais lugar para a pessoa
designada, que é aquele que vive às expensas do segurado, que lhe designa
como dependente, por não ter dependente preferencial. no regime da lei n°
8.112/90 ainda existe possibilidade de designação de dependente deficiente
que viva sob a dependência econômica do funcionário, sem limite de idade
(art. 217, "e").
4.3. reabilitação profissional
reabilitação é "recuperação da capacidade fisica, intelectual, profissional ou
material; recuperação do equilíbrio emocional, psicológico; recuperação de
uma pessoa para o convívio social".'
tão importante quanto a concessão de beneficio ao deficiente incapaz para o
trabalho é a recuperação para a atividade laboral daqueles que, para tanto,
têm condições, o que se faz através da reabilitação profissional. com a
reabilitação permite-se ao deficiente o exercício de atividade que lhe garanta
a subsistência, estimulando-o a promover a melhoria das suas condições de
vida. do ponto de vista psicológico faz bem a auto-estima do deficiente
como a de qualquer um saber que é útil à comunidade.
dispõe o art. 89, caput, da lei n° 8.213/91:
"a habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao
beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas
portadoras de deficiência, os meios para a re (educação) e de (re) adaptação
profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do
contexto em que se vive".
a reabilitação constitui condição para a revogação do auxílio-doença, nos
termos do que dispõe o art. 62, da lei n° 8.213/91:
"o segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para
sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação
profissional para o exercício de outra atividade. não cessará o beneficio até
que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe
garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, for
aposentado por invalidez".
É profundamente lamentável o ato administrativo de baixa no beneficio
previdenciário quando, não obstante cessada a doença, não se promoveu a
habilitação do segurado para o desempenho de nova atividade que lhe
garanta a subsistência.
o decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, disciplina o direito à
habilitação ou reabilitação profissional do deficiente, objetivando capacitá-
lo, conservá-lo ou fazê-lo progredir no trabalho, independentemente de
vínculo com a previdência social, inclusive com fornecimento de órteses,
próteses, bolsas coletoras e materiais auxiliares.
4.4. pensão especial às vítimas da talidomida
a oit, desde os anos 50, preocupa-se com a grave questão do trabalho dos
deficientes fisicos. já aprovou uma convenção (n° 159, de 1983) e três
recomendações (n°s 99, de 1955; 168, de 1983; e 169, de 1984), que tratam
do assunto.
a recomendação n° 99, sobre a adaptação e a readaptação profissional dos
deficientes, de 1955, levou em conta que a adaptação e a readaptação das
pessoas portadoras de deficiência são imprescindíveis para que possam
recuperar sua capacidade fisica e mental e reintegrar-se à função social,
profissional e econômica que puderem desempenhar. considera deficiente
qualquer pessoa cujas possibilidades de obter e conservar emprego adequado
se acham realmente reduzidas em virtude de uma diminuição de sua
capacidade fisica ou mental. preconiza a consagração, nos ordenamentos
jurídicos internos, de princípios e métodos relativos à orientação
profissional, formação profissional e colocação dos deficientes, além de
medidas para aumentar as oportunidades de emprego. estas medidas
deveriam observar as seguintes prescrições: a) os deficientes devem ter a
mesma possibilidade que os trabalhadores não inválidos de ingressar nos
empregos para os quais estejam qualificados; b) os deficientes devem ter
plenas oportunidades de aceitar um emprego que lhes convenha com um
empregador de sua escolha; c) deve dar-se mais atenção às aptidões e à
capacidade de trabalho dos interessados do que à sua deficiência. as
autoridades competentes devem adotar medidas, em colaboração com as
organizações privadas interessadas, para criar e desenvolver meios de
formação e de trabalho protegidos para os deficientes que não tenham
capacidade para competir no mercado normal de emprego. entre esses meios
deve figurar a criação de "oficinas protegidas".
a conferência internacional do trabalho realizada em genebra em 1893 (69a
reunião) aprovou a convenção n° 159 e a recomendação n° 168.
a convenção n° 159 entrou em vigor no plano internacional em 20 de junho
de 1985. no brasil, seu texto foi aprovado pelo congresso nacional mediante
o decreto legislativo n° 51, de 25 de agosto de 1989. foi ratificada em 18 de
maio de 1990, promulgada pelo decreto n° 129, de 22 de maio de 1991 e
entrou em vigorem 18 de maio do mesmo ano. portanto, integra o
ordenamento jurídico pátrio, ocupando a mesma posição de uma lei
ordinária.
a convenção n° 159, sobre reabilização e emprego de pessoas deficientes,
define "pessoa inválida" (pessoa deficiente) como aquela cuja possibilidade
de obter e conservar um emprego adequado e de nele progredir fiquem
substancialmente reduzidas por causa de uma deficiência de caráter fisico ou
mental devidamente reconhecida. a finalidade da readaptação profissional é
permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego adequado e
nele progrida, promovendo-se desta maneira e a integração ou a reintegração
dessa pessoa na sociedade. o estado-membro que ratificar a convenção
(neste caso se encontra o brasil) se obriga a formular, aplicar e revisar
periodicamente a política nacional sobre a readaptação profissional e o
emprego de deficientes. tal política se baseia no princípio de igualdade de
oportunidade entre os deficientes e os trabalhadores em geral, devendo ser
respeitada a igualdade de oportunidade e de tratamento para os trabalhadoras
deficientes. as medidas positivas especiais adotadas com a finalidade de
atingir a igualdade efetiva de oportunidade e de tratamento entre os
trabalhadores inválidos e os demais trabalhadores não devem ser
consideradas discriminatórias com relação a estes últimos.
no mesmo ano de 1983, a conferência internacional do trabalho aprovou a
recomendação n° 168, sobre a readaptação profissional e o emprego das
pessoas deficientes, que complementa a convenção 159. a recomendação,
como se sabe, não constitui objeto de ratificação e, em conseqüência, não
integra o ordenamento interno, mas deve ser submetida ao congresso
nacional, a fim de inspirar a legislação a ser votada sobre a matéria.
segundo a recomendação 168, os deficientes devem dispor de igualdade de
oportunidade e de tratamento relativamente ao acesso, conserva ção e
promoção em um emprego que, sendo possível, corresponda a sua escolha e
as suas aptidões individuais. entre a medidas destinadas a promover
oportunidades de emprego para os deficientes, devem ser incluídas, além de
outras medidas apropriadas para criar oportunidade de emprego no mercado
regular, adotando-se incentivos econômicos que estimulem os empregados a
proporcionar formação e emprego aos deficientes; ajuda governamental
adequada para criar diversos tipos de emprego protegido; estímulo à
cooperação entre oficinas protegidas e oficinas de produção; estímulo à
criação e desenvolvimento de cooperativas integradas por deficientes, etc.
no ano seguinte (1984), a 70' reunião da organização internacional do
trabalho aprovou a recomendação n° 169, sobre política de emprego. esta
norma internacional reitera a recomendação no sentido de que os paises-
membros adotem medidas tendentes a satisfazer as necessidades de todas as
categorias de pessoas que tenham freqüentemente dificuldades para
encontrar emprego permanente, como (entre outras classes de trabalhadores)
os deficientes.
4. no brasil
a partir da promulgação da constituição de 5 de outubro de 1988,
multiplicaram-se no brasil as normas de proteção às pessoas portadoras de
deficiência. entre essas normas, não poderiam faltar as que têm por
finalidade proteger o trabalho dos deficientes.
os preceitos constitucionais não visam apenas à proteção do trabalho:
cuidam também de outros aspectos da vida do deficiente.
É a seguinte a relação dos dispositivos da constituição que se referem aos
deficientes: art. 7°, xxxi: proibição de qualquer discriminação no tocante a
salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; 23, ii:
competência federativa comum para cuidar da "proteção e garantia das
pessoas portadoras de deficiência"; 24, xiv: competência federativa
concorrente para legislar sobre "proteção e integração social das pessoas
portadoras de deficiência"; 37, viii: a lei reservará percentual dos cargos e
empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os
critérios de sua admissão; 203, iv: é objetivo da assistência social "a
habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração à vida comunitária; 208, iii: garantia, através do estado, da
efetivação de seu dever com a educação de "atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino"; 227, § 1°, ii: promoção pelo estado, de prograrnas de
assistência integral à saúde da criança e do adolescente, com a criação de
programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de
deficiência fisica, sensorial ou material, bem como de integração social do
adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho
e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com
a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetõnicos"; 227, § 2°:
previsão de disposição legal sobre normas de construção dos logradouros e
dos edificios de uso público e de fabricação de veículos de transporte
coletivo, com garantia de acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência; 224: determina que a lei disponha sobre a adaptação dos
logradouros, dos edificios de uso público e dos veículos de transporte
coletivo existentes em 1988 a fim de garantir acesso adequado às pessoas
portadoras de deficiência.
no que diz respeito especificamente ao trabalho, há dois grupos de normas:
as que protegem o deficiente no âmbito do setor público e as que o protegem
no setor privado.
quanto ao primeiro aspecto - setor público - vale lembrar que o art. 37,
inciso viii, da constituição determina a reserva de percentual de cargos e
empregos públicos em favor dos deficientes abrangendo em seu campo de
aplicação não só a administração direta como também a indireta. a lei n°
8112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico único
dos servidores públicos civis da união, das autarquias e das fundações
públicas federais, dispõe no art. 5°, § 2°: "Às pessoas portadoras de
deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para
provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência
de que sejam portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20 por cento
das vagas oferecidas no concurso."
duplo, portanto, é o alcance do disposto no art. 37, viti da constituição,
explicitado pelo § 2° do art. 5° da lei de regime jurídico único: a) veda-se a
discriminação no tocante a critérios de inscrição nos concursos públicos; b)
reserva-se um percentual das vagas em favor dos deficientes.
o alcance dessa normatividade é explicado por sérgio de andréa ferreira:
"verifica-se que, quanto ao acesso aos cargos e empregos públicos (as
funções estão incluídas), o deficiente poderá concorrer, em igualdade de
condições - como ocorre no setor privado - com as demais pessoas, e. nessa
hipótese, deverá obter a pertinente habilitação isonomicamente com elas.
diversa é a situação no que concerne às vagas reservadas para os deficientes,
a abranger, tão-somente, cargos e empregos (dada a natureza das funções).
essa reserva é exatamente para atender a deficientes que não lograriam êxito
competindo, em igualdade de condições, com os demais canditados. É
reserva que visa a ensejar o acesso, atendidas condições menos rígidas para
atendimento a certas atividades que o permitam, excluídos os absolutamente
incapacitados e os cargos e empregos que não ensejam essa seleção de
atividades."
a lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre o apoio às pessoas
portadoras de deficiência e sua integração social, estabelecendo normas
gerais que assegurem o pleno exercício dos direitos individuais e sociais
naquelas, consideradas, entre outros valores básicos, o da igualdade de
tratamento e oportunidades. entre as medidas impostas aos "órgãos e
entidades da administração direta e indireta", situa-se, "na área da formação
profissional e do trabalho", a da "adoção de legislação específica que
discipline a reserva de mercado de trabalho", isto "nas entidades da
administração pública e do setor privado" (art. 2°, parágrafo único, iii, "d").
prevê o diploma normativo em tela ações civis públicas para a proteção de
interesses coletivos ou difusos dos deficientes, as quais poderão ser
propostas pelo ministério público e por entidades várias. É certo que o
ministério público intervirá, obrigatoriamente, nos órgãos públicos, coletivos
ou individuais, em que se discutem interesses relacionados à deficiência das
pessoas (art. 5°). constitui crime punível com reclusão de 1 a 4 anos e multa
"obstar, em justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por
motivos derivados de sua deficiência."
prevê-se uma política nacional para integração da pessoa portadora de
deficiência, e foi reestruturada a coordenadoria nacional para integração da
pessoa portadora de deficiência - corde.
no tocante ao segundo aspecto - setor privado - cabe observar que a
proibição de discriminação entre trabalho manual, técnico e intelectual ou
entre os profissionais respectivos (constituição, art. 7°, xxxii) já era
contemplada por constituições anteriores e promana da legislação
infraconstitucional (consolidação das leis do trabalho, art. 3°, parágrafo
único). a mesma regra de vedação de discriminação aplicável apenas aos
deficientes (constituição, art. 7°, xxxi) constitui, porém, novidade
introduzida pelo estatuto básico de 1988.
no que tange à reserva de postos de trabalho em beneficio dos portadores de
deficiência no setor privado, inexiste previsão constitucional. todavia, a
legislação infraconstitucional se ocupou do tema: o art. 93 da lei n° 8.213, de
24 de julho de 1991 dispõe que a empresa com 100 ou mais empregados está
obrigada a preencher de 2 por cento a 5 por cento dos seus cargos com
beneficiários reabilitados ou portadores de deficiência, habilitados, na
seguinte proporção: i - até 200 empregados, 2%; ii - 201 a 500, 3 %;111- de
501 a 1.000, 4%; iv - de 1.001 em diante, 5%.
a vedação de discriminação abrange os portadores de deficiência
relativamente ao exercício de diversos outros direitos trabalhistas. assim, por
exemplo, a eles se aplica o disposto no art. 461 da consolidação das leis do
trabalho, que regula o instituto da equiparação salarial (para trabalho igual,
salário igual): sendo idêntica a função, a trabalho de igual valor
corresponderá igual salário, em nada importando se o reclamante for
deficiente. a lei também dispensa proteção no que diz respeito à dispensa: de
acordo com o disposto no § 1° do art. 93 da lei n° 8.213, a dispensa de
deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de
90 dias, e a injustificada, no contrato por tempo indeterminado, só poderá
ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. o preceito é
válido mesmo para o contrato por tempo determinado regulado pela lei n°
9.601, de 28 de janeiro de 1998.
há casos em que a pessoa portadora de deficiência trabalha, mas esta
atividade não configura relação de emprego. atendendo a esta circunstância,
o secretário nacional do trabalho baixou a instrução normativa n° 5. de 30 de
agosto de 1991, com o seguinte teor: "considerando que o processo de
habilitação, de reabilitação e de integração no mercado de trabalho da pessoa
portadora de deficiência deve ser uma preocupação do estado e requer
atendimento especializado nas áreas de educação e da formação profissional;
considerando que, mesmo nos casos em que a deficiência seja irreversível, o
trabalho poderá ter fins terapêuticos, devendo por isso ser facilitado ao
deficiente; considerando a necessidade de orientar os agentes &. inspeção do
trabalho quanto às situações em que o trabalho do deficiente não caracteriza
vínculo de emprego, resolve: art. 1°-o trabalho da pessoa portadora de
deficiência não caracterizará relação de emprego quando atender aos
seguintes requisitos: i-realizar-se sob assistência e orientação de entidade
sem fins lucrativos, de natureza filantrópica, que tenha como, objetivo
assistir o deficiente; ii - destinar-se a fins terapêuticos ou de
desenvolvimento da capacidade laborativa do deficiente. parágrafo único- o
trabalho referido neste artigo poderá ser realizado na própria entidade que
prestar assistência ao deficiente ou no âmbito de empresa que, para o rnesmo
fim, celebrar convênio com a entidade assistencial." com a finalidade de
proporcionar a integração social dos cidadões em desvantagens no mercado
econômico por meio do trabalho, a lei n° 9.867, de 10 de novembro de 1999
dispõe sobre a criação e o funcionamento das cooperativas sociais. essas
cooperativas fundamentam-se no interesse geral da comunidade em
promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos e incluem
entre suas atividades: i-a organização e gestão de serviços sócios sanitários e
educativos; ii - o desenvolvimento de atividades agrícolas, industriais,
comerciais e de serviços. ditas cooperativas organizarão seu trabalho,
especialmente no que diz respeito a instalações, horários e jornadas de
maneira a levar em conta e minimizar as dificuldades gerais e individuais
das pessoas em desvantagem que nelas trabalharem. entre as pessoas
consideradas em desvantagem, para os efeitos da referida lei, incluem-se os
deficientes fisicos e sensoriais (art. 3°, i).
especialmente em relação ao adolescente portador de deficiência, o art. 66 da
lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (estatuto da criança e do adolescente)
dispõe que a ele é assegurado trabalho protegido.
o decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999 regulamenta a lei n° 7.853
(anteriormente citada), dispõe sobre a política nacional para a integração da
pessoa portadora de deficiência e consolida as normas de proteção.
a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência
compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o
pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de
deficiência.
o decreto em apreço define deficiência: toda perda ou anormalidade de uma
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere
incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado
normal para o ser humano. quando a deficiência ocorreu ou se estabilizou
durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter
probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos, é considerada
permanente. define-se incapacidade como uma redução efetiva e acentuada
da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos,
adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de
deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-
estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
o conceito de deficiência abrange pessoas enquadradas nas seguintes
categorias: i - deficiência fisica; ii - deficiência auditiva; iti - deficiência
visual; iv - deficiência mental; v - deficiência múltipla.
É instituído o conselho nacional dos direitos da pessoa portadora de
deficiência - conade, no âmbito do ministério da justiça, como órgão
superior de deliberação colegiada. a este órgão incumbe, entre outras
relevantes vantes funções, zelar pela efetiva implantação da política
nacional para integração da pessoa portadora de deficiência. ele é
constituído, paritariamente, por representantes de instituições
governamentais e da sociedade civil.
cuida o decreto da equiparação de oportunidades, abrangendo os seguintes
aspectos: 1- saúde; ii - acesso à educação; iii - habilitação e reabilitação
profissional; iv - acesso ao trabalho; v - cultura, desporto, turismo e lazer.
no que diz respeito especificamente ao acesso ao trabalho, o decreto dispõe
que é finalidade primordial da política de emprego a inserção da pessoa
portadora de deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação ao
sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido.
são modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência: i -
colocação competitiva; ii - colocação seletiva; iii - oficina protegida de
produção; iv - oficina protegida terapêutica.
o decreto regulamenta as disposições do plano de beneficios da previdência
social (lei n° 8.213) e da legislação pertinente ao regime jurídico dos
servidores públicos civis no que refere ao acesso aos empregos no setor
privado e cargos no setor público.
determina ainda o decreto que sejam implementados programas de formação
e qualificação profissional voltados para a pessoa portadora de deficiência
no âmbito do plano nacional de formação profissional planfor.
a legislação brasileira tem seguido à risca as recomendações da oit e as
ponderações da melhor doutrina. a propósito, valem citação as belas palavras
de ricardo tadeu marques da fonseca: "o repúdio preconceituoso ou a
segregação caridosa, vem cedendo passo à compreensão de que a limitação
para o trabalho não se constitui em estigma intransponível, mas, ao
contrário, é um aspecto meramente instrumental, cuja superação é mister que
se faça por meio da ação social e estatal. deve a sociedade propiciar
prioritariamente os meios aptos a inserir o portador de deficiência no
convívio social, valorizando o seu trabalho e as suas qualidades pessoais." 5.
a proteÇÃo do trabalho das pessoas deficientes e o princÍpio de igualdade
com relação aos requisitos legais, o ctn estabelece, em seu art. 14, três
requisitos à imunidade: não-distribuição de lucros, aplicação integral de
recursos no país e manutenção de escrituração contábil. todavia, a lei n°
9.532/97 e a lei n° 8.212/91, esta última alterada pela lei n° 9.732/98,
trouxeram outras exigências, extrapolando o disposto no art. 14 do ctn. cabe,
pois, de antemão, analisar cada um desses requisitos, sua constitucionalidade
e seus efeitos. É o que passaremos a expor.
a par do que dissemos, vale ressaltar que, apesar do decreto n° 752/93 ter
explicitado o amparo aos portadores de deficiência no rol de atividades que
tocariam às instituições beneficentes de assistência social, aqueles que não
preencham todas essas exigências burocráticas poderão socorrer-se no
judiciário.
a lei n° 8.212, de 25 de julho de 1991, é uma lei ordinária da união, que
contém o plano de custeio da seguridade social. não é lei complementar. não
se presta assim a ditar os requisitos a serem observados pelas pessoas
imunes, questão que continua a ser disciplinada pelo ctn. evidente a
inaplicabilidade da lei n° 8.212/91, pois o art. 195, § 7°, consagra uma
imunidade como limitação constitucional ao poder de tributar, cuja
regulamentação - conforme dita o art. 146, il, da constituição- é matéria
privativa do legislador complementar.
cabe, portanto, definir, em consonância aos ditames constitucionais, quais os
requisitos necessários à configuração de tais instituições, para fins de
enquadramento na imunidade tributária prevista no art. 150, vi, "c", da
constituição, verbis:
"ari. 150. sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à união, aos estados, ao distrito federal e aos municípios:
vi - instituir impostos sobre:
c) património, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos
da lei " (grifos nossos).
a constituição outorgou a essas entidades a imunidade tributária, impondo
apenas dois pressupostos: não terem "fins lucrativos" e atenderem aos
"requisitos da lei".
e mais: a imunidade se estende não apenas em relação aos impostos, mas
também em relação às contribuições para o financiamento da seguridade
social, como disposto no art. 195:
"art. 195 (..)
§ 7° são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades
beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas
em lei".
apesar de o dispositivo ter mencionado o termo "isento", sabemos tratar-se
de imunidade. a constituição, tanto em seu art. 150, vi, c", como no art. 195,
§ 7°, exige do ente imune observância aos requisitos ou exigências
estabelecidas em lei. mas que espécie de lei?
antes do advento da constituição de 1988, já havia a jurisprudência fixado o
entendimento de que a regulamentação das imunidades somente poderia
advir de lei complementar federal. após a vigência da carta de 1988, ficou
mais claro ainda que o único veículo idôneo a regular a matéria seria a lei
complementar, genericamente prevista no art. 146 e especificamente referida
nos arts. 150 e 195, § 7°, citados. eis o teor do art. 146, 11:
"cabe à lei complementar:
i- ..............................
ii-regular as limitações constitucionais ao poder de tributar
o código tributário nacional, que foi neste particular recepcionado pela atual
constituição com o mesmo status de lei complementar, dispõe, por sua vez,
no seu artigo 14, com a redação dada pela lc n° 104, de 10.01.2001, os
seguintes requisitos:
"o disposto na alínea `c' do inciso iv do art. 9°é subordinado à observância
dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
i - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a
qualquer título;
ii- aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos
seus objetivos institucionais;
iii - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos
de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. "
a lei n° 8.212/91 expandiu as exigências do ctn, exigindo o cumprimento dos
seguintes requisitos:
"art. 55. fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta lei
a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes
requisitos cumulativamente:
i- seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do
distrito federal ou municipal;
ll - seja portadora do certificado ou do registro de entidade de fins
filantrópicos, fornecido pelo conselho nacional de serviço social, renovado a
cada três anos;
111-promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de
saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;
iv- não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou
benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer
título;
v - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e
desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente
ao conselho nacional da seguridade social relatório circunstanciado de suas
atividades.
§ 1 ° ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo
será requerida ao instituto nacional do seguro social (inss), que terá o prazo
de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.
como se observa facilmente, a lei n° 8.212/91 contém exigências claramente
inconstitucionais, porque expansivas das regras dispostas pelo código
tributário nacional.
com efeito, tratando da imunidade das atividades religiosas, políticas,
assistenciais e culturais, esclarece misabel derzi, em atualização à 7' ed. do
"limitações constitucionais ao poder de tributar", de aliomar baleeiro, p. 316:
`a constituição de 1988, no mesmo caminho traçado pelo texto anterior,
dispõe sobre a imunidade das atividades, uma vez atendidos os requisitos
previstos em lei complementar. À luz da constituição de 1988, não resta
dúvida de que somente a lei complementar da união pode cumprir os
ditames do art. 150, vi, `c', por força do que estabelece o art. 146, ii:
`cabe à lei complementar: