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26 EFEITOS SISTÊMICOS DA DPOC

Ilma Aparecida Paschoal


Professora Assistente Doutora da Disciplina de Pneumologia , Departamento de Clínica Médica da
Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Mônica Corso Pereira
Médica Assistente da Disciplina de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica da Faculdade de
Ciências Médicas da Unicamp. Mestra em Medicina Interna, área de concentração em Pneumologia.

Introdução VEF1, após a inalação de broncodilatador, informa


O ato de respirar, que se repete cerca de 20.000 sobre a gravidade da obstrução.
por dia, deve passar desapercebido. Esta atividade O principal sintoma da DPOC é a dispnéia, que
automática, voluntariamente modulável quando con- interfere de modo intenso na qualidade de vida do
veniente, participa ainda da fala, e a comunicação ver- paciente.
bal não pode ser limitada por deficiências respirató- O fluxo aéreo pode estar reduzido por lesões em
rias, pois, quando isto acontece, o ser humano se tor- diferentes regiões dos pulmões, tais como vias aéreas
na dolorosamente consciente da respiração. e alvéolos e, num mesmo paciente, geralmente acon-
Pela onipresença da respiração na nossa vida e tece uma combinação destas alterações. Muito em-
pelo caráter essencial de suas funções, seria muito pou- bora a obstrução brônquica seja o denominador co-
co provável que distúrbios crônicos respiratórios não mum que define a síndrome, a bronquite crônica e o
tivessem repercussões generalizadas no organismo. enfisema pulmonar possuem características particula-
A DPOC prejudica muito a respiração e de vá- res que desencadeiam repercussões orgânicas muitas
rios modos diferentes. A compreensão dos efeitos des- vezes bastante diferentes. Em muitos pacientes pode-
tes prejuízos no restante do corpo fica muito difícil se se identificar um sítio de lesão predominante, e esta
não se considerar a grande heterogeneidade dos paci- particularidade determina a presença de um quadro
entes rotulados como portadores de DPOC. clínico mais relacionado à bronquite ou mais próximo
Pela proposição da American Thoracic Society do enfisema .
(1)
a DPOC é definida pela presença de obstrução ao A bronquite crônica tem como principal caracte-
fluxo aéreo causada por bronquite crônica e/ou enfisema rística a hipersecreção, que resulta de uma metaplasia
pulmonar. O exame fundamental para diagnóstico da secretora no epitélio de revestimento das vias aéreas;
síndrome é a espirometria, onde se detecta uma dimi- a proliferação de células produtoras de muco está
nuição lenta, progressiva e irreversível do volume relacionada à morte celular no epitélio provocada pela
expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) cau- inalação de substâncias tóxicas presentes na fumaça
sada principalmente por redução no diâmetro das vias do cigarro, já que são as células secretoras as princi-
aéreas; esta luz de tamanho menor resulta de altera- pais responsáveis pela reposição epitelial. A necrose
ções anatômicas e funcionais da parede das vias aére- de células do revestimento brônquico ativa uma res-
as e do interstício do pulmão. posta inflamatória local e a lesão anatômica e funcio-
A determinação da relação entre o VEF1 e a ca- nal das vias aéreas facilita a colonização bacteriana,
pacidade vital forçada (CVF) é o indicador mais sen- que , por sua vez, perpetua a inflamação. No entanto,
sível da presença de obstrução, enquanto o valor do em muitos fumantes existe hipersecreção sem obstru-

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ção ao fluxo aéreo, portanto sem DPOC . O apareci- apenas um paciente com enfisema grave no exame
mento da obstrução nos fumantes acontece quando a anátomo-patológico tinha volumes pulmonares peque-
lesão na via aérea existe de modo preferencial em nos. A produção de escarro esteve inversamente
bronquíolos de 2 mm de diâmetro ou menos. correlacionada com o grau de enfisema de modo es-
No enfisema a principal característica é a des- tatisticamente significante. A capacidade de difusão
truição dos espaços aéreos distais ao bronquíolo ter- diminuída também esteve associada de modo signifi-
minal , com perda concomitante das ligações dos al- cativo com o grau de enfisema encontrado na
véolos aos bronquíolos; ele será classificado como necrópsia. Hipercapnia e poliglobulia foram achados
centrolobular, se acometer os bronquíolos respiratóri- mais frequentes nos pacientes com menos enfisema .
os e, de panlobular, se a lesão for predominante nos Em todos os pacientes do estudo o VEF1 era bai-
alvéolos. O desaparecimento de septos alveolares, xo, porém houve uma tendência de os valores serem
como resultado de um processo inflamatório, faz di- mais baixos nos indivíduos com mais enfisema.
minuir a quantidade de fibras elásticas no pulmão, que As observações reunidas por Burrows e cols nes-
aumenta de volume e perde a elasticidade, esta última te trabalho (3) permitiram a proposição de uma classi-
a principal responsável pela volta ao volume inicial ficação de pacientes com DPOC em dois tipos bási-
durante a expiração. cos :
Se aceita a hipótese de que bronquite e enfisema Tipo A : neste grupo os pacientes são caracte-
desencadeiam mecanismos adaptativos orgânicos di- risticamente magros, queixam-se de dispnéia progres-
ferentes, fica muito difícil interpretar os resultados de siva, e os sintomas de bronquite são relativamente le-
um grande número de artigos publicados que avaliam ves; a insuficiência cardíaca direita é pouco frequente
diferentes aspectos de pacientes com DPOC, senso e a capacidade de difusão está notavelmente compro-
latu, sem maiores especificações. metida na maioria dos casos; a capacidade pulmonar
Nesta revisão serão enfocadas as repercussões total geralmente está aumentada; em repouso, a PaCO2
orgânicas da DPOC levando-se em conta as possí- é normal ou até diminuída e a PaO2 é normal; durante
veis diferenças acarretadas pela presença de um qua- o exercício, no entanto, a PaO2 pode cair e a PaCO2
dro predominantemente bronquítico ou enfisematoso. pode subir; a complacência pulmonar está aumentada
Dada a amplitude do tema, a abordagem será restrita e a resistência inspiratória ao fluxo aéreo é normal.
a alterações gasométricas, perda de peso e limi- Tipo B : nestes doentes a destruição enfisematosa
tação da capacidade de exercício. é leve - eventualmente até inexistente - , o tipo físico é
brevilíneo e existe uma longa história prévia de tosse
Os tipos clínicos polares e os gases sanguíneos produtiva; é frequente que já exista incapacidade físi-
ca na meia idade e a prevalência de cor pulmonale e
Em 1964 Mitchell e Filley (2) categorizaram os poliglobulia é alta; a capacidade de difusão é normal e
pacientes com DPOC em três tipos clínicos distintos : a capacidade pulmonar total muitas vezes está diminu-
• os tossidores ída; em repouso existe hipoxemia e pode haver tam-
• os dispneicos bém hipercapnia; a complacência pulmonar é baixa e
• os asmáticos a resistência tanto inspiratória quanto expiratória está
Nesta classificação os dispneicos se caracteriza- aumentada; o defeito primário dos pacientes do tipo B
vam por perda de peso significativa, que parecia estar deve estar nas vias aéreas.
relacionada à gravidade da obstrução . Em trabalho publicado em 1968, Filley e cols (4)
Dois anos depois, um estudo de Burrows e cola- batizaram os tipos clínicos de DPOC com os nomes
boradores (3) chama a atenção para os tipos de “pink puffer” (resfolegador róseo) que corresponde
enfisematoso e bronquítico, ao analisar necrópsias de ao tipo enfisematoso, e “blue bloater” (edemaciado
32 pacientes com limitação grave do fluxo aéreo. A azul) que corresponde ao tipo bronquítico.
maioria dos pacientes nos quais se detectou pouco O grau de obstrução avaliado de modo indepen-
enfisema nas necrópsias tinha antecedentes de consi- dente de outras características clínicas pode, portan-
derável produção de escarro durante a vida, enquanto to, não ter correlação com os gases sanguíneos. Esta

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dissociação foi demonstrada por Wagner e cols em Seria de se esperar, pelo aumento do trabalho
1977 (5). As justificativas para estes achados podem ventilatório na DPOC, uma hipertrofia dos músculos
ser vislumbradas quando se considera que a gravida- respiratórios; este efeito, no entanto, tem sido difícil
de e o padrão da desproporcionalidade na relação de demonstrar (8).
ventilação-perfusão (V/Q) não se correlacionam com A pressão inspiratória máxima que pode ser
o valor do VEF1, enquanto se conhece já há bastante produzida a partir do volume residual (VR) não está
tempo a importância das alterações da relação V/Q aumentada na DPOC (10) . Isto se deve, em parte,
na determinação da PaO2 (6). ao fato de que a pressão inspiratória máxima decresce
A ventilação alveolar varia bastante entre os pa- à medida que aumentam os volumes pulmonares.
cientes com DPOC e este é um fator importante na Os músculos abdominais são os principais mús-
determinação dos gases sanguíneos, em especial a culos expiratórios e é frequente que pacientes com
PaCO2. Quando se avalia o parâmetro ventilação DPOC grave utilizem-se deles durante a expiração e a
alveolar de modo isolado, aqueles indivíduos com maior tosse.
ventilação têm menos hipoxemia e pouca ou nenhuma O enfisema produz uma grande diminuição no
hipercapnia. recolhimento elástico pulmonar, levando a um aumen-
Interfere também nos valores de PaO2 e PaCO2 to na capacidade residual funcional, entre outras alte-
o débito cardíaco: uma redução neste índice leva a rações. O volume pulmonar maior pode ser acomo-
uma queda do oxigênio do sangue venoso misto (por dado por deslocamentos do gradeado costal e do di-
aumento na extração periférica de O2) que refletirá afragma. Quando o diafragma é empurrado para bai-
numa redução da PaO2 arterial. xo por um pulmão aumentado, a parede anterior do
Alterações morfológicas e funcionais que causem abdome se move para fora, devido ao fato de que os
queda no VEF1 não necessariamente têm papel im- órgãos abdominais são pouco compressíveis.
portante nos valores dos gases sanguíneos. O padrão Durante a respiração a partir de volumes basais
da relação V/Q depende da anormalidade anatômica altos a capacidade de geração de força do diafragma,
predominante: o enfisema produz áreas com V/Q al- que teve sua cúpula rebaixada, está diminuída. Em
tas, enquanto a bronquite faz com que apareçam áre- cachorros nos quais os pulmões foram passiva-
as com V/Q baixas e só estas últimas causam mente inflados até valores próximos da capaci-
hipoxemia. dade pulmonar total a estimulação do nervo
Portanto, três variáveis têm papel fundamental na frênico produz um aumento ao invés de uma que-
determinação da PaO2 e da PaCO2 do sangue arterial da na pressão pleural, fato que indica que o dia-
(7)
: fragma “achatado” tem uma ação expiratória e
1- o padrão e a gravidade das alterações da rela- não inspiratória (11).
ção V/Q; Pacientes com DPOC e hiperinsuflação impor-
2- a ventilação alveolar total; tante deslocam muito mais a caixa torácica do que o
3- o débito cardíaco. abdome durante a respiração, podendo ter um movi-
mento paradoxal (para dentro) do abdome durante a
Alterações anatômicas e suas outras inspiração (12). Esta observação corrobora a hipótese
repercussões funcionais de que o diafragma rebaixado é praticamente incapaz
de promover grandes variações de volume no pulmão.
Pacientes com DPOC ventilam a partir de volu- Pacientes com bronquite crônica também têm
mes basais maiores do que indivíduos normais (8), e capacidade pulmonar aumentada, porém numa inten-
esta situação pode levar a alterações estruturais no sidade muito menor do que os enfisematosos; podem
tórax. apresentar ainda discreta redução no recolhimento elás-
Em experimentos com animais a hiperinsuflação tico pulmonar. Como é difícil a demonstração de graus
crônica ocasiona uma redução no número e no com- discretos de enfisema in vivo, ainda não se esclareceu
primento dos sarcômeros do diafragma, que se adap- a dúvida a respeito da existência ou não de perda de
ta a um comprimento operacional menor (9). recolhimento elástico em casos “puros” de bronquite.

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Quando se analisa a resistência das vias aéreas é ença, quando o trabalho ventilatório fica excessivo,
importante enfatizar que a queda da pressão relacio- muitos pacientes se acomodam deixando a ventilação
nada à resistência ao fluxo é inversamente proporcio- alveolar cair. No entanto, a ventilação total neces-
nal ao raio do lume da via aérea elevado à quarta po- sária para qualquer demanda metabólica é anor-
tência (8). malmente alta.
Em pessoas normais, o trabalho necessário para Similarmente, para qualquer grau de ventilação,
vencer as forças resistivas na inspiração é apenas uma o trabalho ventilatório está aumentado, ou porque a
fração do trabalho desenvolvido para vencer as for- resistência das vias aéreas é maior ou porque o traba-
ças elásticas. Em contraste, nos pacientes com bron- lho necessário para vencer as forças elásticas está muito
quite crônica, o trabalho resistivo ultrapassa o traba- acentuado, pela existência da hiperinsuflação (14).
lho elástico (8). O controle da ventilação funciona razoavelmente
Um indivíduo enfisematoso hiperinsuflado ventila bem na maioria dos pacientes com DPOC, de tal modo
em condições basais com um recolhimento elástico e que os valores de CO2 no sangue se mantém normais
(15)
uma resistência de vias aéreas similares às de uma pes- .
soa normal ventilando a partir do volume residual, ou Como já foi ressaltado, a manutenção da PaCO2
seja, com recolhimento elástico pequeno e resistência dentro dos limites da normalidade acontece às custas
grande de vias aéreas (8). de um acréscimo no trabalho ventilatório e um aumen-
Existe uma limitação natural ao fluxo expiratório to no consumo de O2 pelos músculos respiratórios.
comum a todos os mamíferos terrestres: quando se De um modo geral, o estímulo eferente para os mús-
excede um limite de esforço expiratório, o fluxo culos respiratórios está aumentado, fato que pode de-
expiratório atinge um platô e não aumenta mais, inde- sencadear a sensação de dispnéia (15).
pendentemente do esforço que se faça (13). A um dado A ocorrência de fadiga muscular respiratória de-
volume pulmonar, uma vez que uma pressão crítica seja pende de fatores ligados à força gerada pelos múscu-
atingida, posteriores aumentos de pressão apenas le- los e ao tempo de contração muscular. Com a pro-
vam a um aumento da resistência, sem nenhum au- gressão da doença e o declínio da força respiratória
mento do fluxo, por desencadearem compressão di- máxima, uma respiração mais rápida e superficial pode
nâmica das vias aéreas, e a necessidade que tem o ser a maneira de evitar a fadiga, muito embora esta
paciente com DPOC de forçar a expiração esbarra tática acabe aumentando a PaCO2. Um subgrupo de
nesta particularidade funcional. Desta maneira, as al- pacientes com DPOC apresenta retenção de CO2 com
terações anatômicas e funcionais do pulmão e da cai- mais facilidade, e tem respostas deprimidas do centro
xa torácica colaboram umas com as outras para tor- respiratório ao aumento da CO2 ou a diminuição da
nar a situação cada vez pior. PaO2. Parentes de retentores de CO2 tiveram sua sen-
A natureza focal das alterações patológicas da sibilidade ao CO2 avaliada como no limite inferior da
DPOC produz uma desigualdade na distribuição da normalidade ou francamente anormal, fato que levanta
ventilação. A vasoconstricção regional desencadeada a possibilidade de um fator genético atuando neste
pela hipóxia (quando ela existe) é muitas vezes insufi- mecanismo (16).
ciente para restabelecer valores normais de relação A retenção de CO2 pode aparecer ou piorar em
ventilação-perfusão. A dispersão crescente de valo- episódios de exacerbação aguda da doença, especi-
res de V/Q deixa a troca gasosa ineficaz e obriga a um almente durante o uso de oxigênio.
aumento na ventilação total, de modo a tentar garantir O problema da hipercapnia induzida ou acentua-
uma captação adequada de oxigênio e uma elimina- da pelo oxigênio tem sido investigado já há quase 30
ção de CO2 compatível com as necessidades orgâni- anos. Pensa-se que os principais mecanismos envolvi-
cas. dos sejam uma redução na ventilação global associa-
Frequentemente, o portador de DPOC tem que da à remoção do estímulo hipóxico, e uma piora na
se adaptar a níveis mais baixos de oxigênio, lançando desigualdade da relação V/Q causada pela liberação
mão de inúmeros mecanismos ativos para sobrevivên- da vasoconstricção pulmonar hipóxica (17). A impor-
cia em condições de hipóxia. Com a evolução da do- tância relativa dos dois processos envolvidos - redu-

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ção na ventilação total ou aumento do espaço morto - aparece com freqüência em indivíduos com câncer,
no aparecimento da hipercapnia associada à insuficiência cardíaca congestiva, SIDA e outras do-
oxigenoterapia ainda não está definida. enças crônicas, entre elas até a DPOC (21).
Um dos estudos mais abrangentes sobre o tema Uma desproporção entre o gasto energético e o
(18)
demonstrou um volume-minuto estável na presen- aporte calórico pode levar ao emagrecimento, que,
ça de retenção de CO2; diante desta falta de redução neste caso, não configura um processo de caquexia.
da ventilação, os autores inferiram que o aumento da No entanto, a desnutrição, por facilitar o aparecimen-
PaCO2 seria devido a um acréscimo na ventilação do to de processos infecciosos, pode muitas vezes resul-
espaço-morto por desigualdade na relação V/Q. tar em caquexia.
Robinson e cols (19) realizaram um estudo em pa- Caquexia e inanição são dois estados distintos na
cientes internados por descompensação de DPOC no síndrome da desnutrição. A inanição se caracteriza sim-
qual todos os participantes foram submetidos ao teste plesmente por deficiência calórica. O organismo tenta
de infusão venosa de vários gases inertes eliminados se adaptar para preservar massa magra (músculos)
pela expiração (MIGET) antes e depois da inalação aumentando o metabolismo de gorduras (21), e as alte-
de oxigênio puro. Dois grupos de pacientes puderam rações podem ser revertidas por nutrição adequada.
ser identificados quanto à resposta à inalação de oxi- A caquexia se acompanha de uma reação infla-
gênio a 100% durante 20 minutos: matória, na qual se detecta inclusive a presença de
• retentores, que apresentavam um aumento de marcadores de uma resposta de fase aguda, e carac-
mais de 3 mm de Hg na PaCO2; teristicamente não responde à reposição calórico-
• não retentores, que tiveram variação na PaCO2 proteica.
igual ou menor que 3 mm de Hg. Um outro estado da desnutrição é a sarcopenia,
As mensurações fornecidas pelo MIGET permi- onde se encontra massa muscular anormalmente dimi-
tiram concluir que a queda na ventilação global é uma nuída, na ausência de perda de peso. Este termo é
causa importante da hipercapnia induzida pelo oxigê- utilizado com freqüência em relação às alterações na
nio, e que ela acontece num grupo particular de paci- composição corporal que acontecem em pessoas ido-
entes, talvez predispostos a este tipo de resposta. sas, mas também se aplica a indivíduos que tentaram
muitas vezes perder peso fazendo dietas, a pacientes
Perda de Peso com deficiência de hormônio do crescimento, e a pes-
a) Desnutrição, caquexia, soas muito sedentárias, como aquelas restritas ao leito
inanição e sarcopenia por processos dolorosos ou paralíticos (21).
Adaptações orgânicas a condições inóspitas Análises da composição corporal de pacientes
como aquelas que aparecem em doenças crônicas são com caquexia (21) revelam que eles perdem igualmente
complexas, no sentido de envolverem muitos fenôme- gordura e massa magra. As perdas de massa magra se
nos entrelaçados como elementos de uma rede. Po- concentram nos músculos esqueléticos e refletem di-
rém não estão fora do alcance da compreensão, pelo minuição tanto da massa de células como do potássio
menos no que diz respeito a suas linhas gerais, desde intracelular, este último em proporção maior do que
que não se perca de vista a sua natureza interconectada. seria esperado pelo desaparecimento das células; esta
Perda de peso pode ser identificada em até 50% perda maior de potássio indica a existência de um dé-
dos pacientes com DPOC (20). É imperativo que se ficit bioenergético. A perda de músculo não pode ser
faça a diferença entre perda de peso e caquexia. A atribuída simplesmente à diminuição da ingestão de
palavra caquexia em grego significa apenas “condição comida .Na atrofia muscular, as fibras pálidas
ruim”. Em medicina, aplica-se especificamente à dimi- (glicolíticas) são mais atingidas do que as vermelhas
nuição acelerada de peso, com perda predominante (oxidativas), e a maior agressão acontece contra as
de massa muscular, no contexto de um processo infla- proteínas miofibrilares. A síntese de proteínas viscerais
matório generalizado. É uma condição clínica associa- está aumentada na caquexia (21).
da a pacientes gravemente enfermos, normalmente res- O dano aos tecidos se autoperpetua, tornando-
tritos ao leito ou muito limitados em suas atividades, e se uma ameaça grave à sobrevivência. Enzimas

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proteolíticas liberadas por células inflamatórias ou cé- presentam 40% do peso corporal nos homens e 33%
lulas danificadas causam mais lesão e fornecem nas mulheres, constituem a fonte natural de
substrato para a formação de radicais livres (21). Por aminoácidos, disponíveis em situações de emergên-
esta razão, o organismo necessita circunscrever e limi- cia. A curto prazo esta é uma boa saída, pois os mús-
tar a área lesada e fazer desaparecer os restos celula- culos podem ser rapidamente repostos durante a re-
res. Para realizar estas tarefas, os seres vivos desen- cuperação; os problemas aparecem quando o processo
volveram uma resposta estereotipada e coordenada, de doença é crônico.

Quadro 1: Alterações comportamentais, fisiológicas e metabólicas associadas à resposta inflamatória sistêmica

Comportamentais / consciência
Anorexia
Fadiga
Mal-estar
Alteração no padrão de sono
Alteração no nível de consciência
Fisiológicos
Aumento da temperatura corporal
Aumento do gasto de energia em repouso
Resposta hormonal de estresse (glucagon, epinefrina, cortisol)
Consumo da musculatura esquelética
Aumento da resposta hepática de fase aguda
Seqüestro de “traços”minerais
Lentificação do esvaziamento gástrico e do trânsito intestinal
Supressão da medula óssea
Diurese
Nutricionais
Perda de peso
Balanço nitrogenado negativo
Hipoalbuminemia
Hiperinsulinemia
Hipertrigliceridemia
Hipocolesterolemia, com baixos níveis de colesterol com lipoproteína de alta densidade (HDL)

Adaptado de Kotler DP, em “Cachexia”, Ann Intern Méd 2000; 133:622-634

que envolve adaptações comportamentais e metabóli- A resposta de fase aguda que acontece na
cas (Quadro 1). caquexia provoca alterações metabólicas diferentes das
A resposta de fase aguda inclui a síntese de gran- encontradas na inanição (Quadro 2).
des quantidades de proteínas tais como opsoninas, O hipermetabolismo, definido como um aumento
inibidores de proteases, fatores do complemento, no gasto energético em repouso, é um aspecto funda-
fibrinogênio, etc. Esta demanda intensa de síntese mental da caquexia mas não da inanição (21).
proteica, realizada na maior parte pelo fígado, aumen- A mensuração do gasto energético total que
ta o consumo de energia e requer grandes quantida- corresponde à soma do gasto energético basal (70%)
des de aminoácidos essenciais, que são fornecidos pela + gasto energético voluntário (25%) + gasto energético
destruição de proteínas dos músculos. A vantagem para da digestão (5%) em várias doenças crônicas mostrou
a sobrevivência é bastante evidente: um animal doente que a perda de peso estava relacionada a uma dimi-
tem menor capacidade de conseguir comida, fonte de nuição do gasto energético total, muito embora hou-
proteínas exógenas; os músculos esqueléticos, que re- vesse um aumento no gasto energético basal (22). Uma

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contabilidade desta natureza é conseguida através de eritropoiese, vasodilatação, angiogênese,
uma redução no gasto energético voluntário, que se regulação da apoptose e da proliferação celular.
manifesta através de apatia e letargia. Apatia e letar- A famosa proteína p53, tão importante na proteção
gia, no entanto, não conseguem compensar a ação contra o aparecimento de tumores, tem seu gene res-
combinada de um aumento no gasto energético basal ponsável regulado pela hipóxia e pela hipoglicemia
com uma diminuição na ingestão calórica, e o paciente através de um fator de transcrição que é o HIF.
perde peso. O TNF-alfa (tumor necrosis factor-alpha) é uma
citocina pleiotrópica que pode desencadear uma vari-
b) Hipoxemia edade de respostas em muitos tipos de células, tais
A redução na disponibilidade de oxigênio para o como proliferação, diferenciação, apoptose e eventos
funcionamento das mitocôndrias é o resultado final da ligados à inflamação. Dois tipos de receptores de TNF,
queda da PaO2 no sangue arterial. Estas organelas o TNF-R55 e o TNF-R75 estão implicados no
intracelulares muito numerosas são as responsáveis pela desencadeamento de morte celular programada, quan-
maior parte do suprimento energético indispensável do estimulados pelo TNF (25). A hipóxia aumenta a
para a manutenção da auto-organização extremamen- expressão do TNF-alfa em sistemas celulares experi-
te complexa que é característica dos seres vivos mentais (26).
pluricelulares. TNF-alfa e seus receptores estão aumentados em
A fosforilação oxidativa, que ocorre no interior pacientes com DPOC que perdem peso (27).
da matriz mitocondrial (região delimitada pela mem- Os genes responsáveis pela síntese de citocinas
brana interna da mitocôndria) sintetiza as unidades de pró-inflamatórias, tais como TNF-alfa e a IL-1, po-
energia utilizadas nos processos celulares (ATP), e dem ser incluídos numa família crescente de genes
gera, eventualmente, por ineficiência dos mecanismos regulados pela baixa tensão de oxigênio, e esta
de oxidação, radicais livres extremamente reativos que regulação provavelmente envolve mecanismos
participam do desencadeamento da morte celular pro- transcricionais ( tais como os discutidos com relação
gramada ou apoptose (23). ao HIF-1).
Um evento de importância clínica neste processo A interpretação de análises do sistema TNF-alfa
de apoptose é a anóxia transitória seguida de em pacientes com DPOC ficam prejudicadas, se não
reperfusão, e explica a morte celular depois de infartos se levar em conta a PaO2 dos casos incluídos.
e a morte celular nos órgãos transplantados. Quando se comparam pacientes portadores de
A hipóxia celular desencadeia uma resposta DPOC com o mesmo grau de obstrução, aqueles que
adaptativa multifacetada que é predominantemente se encontram abaixo do peso previsto para sua idade,
mediada por um fator de transcrição heterodimérico altura e sexo apresentam as seguintes características:
denominado fator induzível pela hipóxia ( hypoxia- maior hiperinsuflação, mais aprisionamento de ar, me-
inducible factor ou HIF ). Fatores de transcrição de- nor capacidade de difusão; mais dispnéia, menor ca-
terminam a síntese de RNA, a partir do DNA, e assim pacidade de exercício (28).
regulam a produção de proteínas. O perfil descrito se encaixa mais no paciente
Sob condições normais de oxigenação, a enfisematoso, no qual faz sentido imaginar um aumen-
subunidade alfa do heterodímero (HIF-1 alfa) é to do trabalho ventilatório, eventualmente muito pro-
indetectável (24). Quando existe hipóxia, esta nunciado, como um dos fatores importantes na perda
subunidade HIF-1 alfa se acumula, através de meca- de peso. Não se pode também excluir a participação
nismos ainda não esclarecidos (24). Nestas condições, da hipóxia, apesar de ela, muitas vezes, não estar pre-
acontece a ligação da subunidade HIF-1 alfa com seu sente em repouso; pode acontecer dessaturação no
parceiro (sempre presente), para constituir o dímero exercício e também - talvez principalmente - durante o
completo. O heterodímero ativa vários genes que tem sono, podendo esta queda na PaO2 atuar como
como função manter a homeostase celular, mesmo em desencadeante de atrofia muscular. Como foi discuti-
condições de hipóxia, através de ações tais como: pro- do acima, genes ativados pela hipóxia, através de vá-
moção da glicólise anaeróbica, aumento na rios mecanismos, inclusive a síntese de TNF-alfa, po-

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Quadro 2: Alterações nutricionais na inanição e caquexia * fisiológicos, metabólicos e psi-
cológicos para conviver com
Variável Inanição Caquexia sua incapacidade.
Peso corporal - 0/- O grau de limitação e os
Massa celular corporal - --- processos adaptativos de que
Gordura corporal --- -- o organismo lança mão diferem
Ganho calórico --- --- entre os tipos polares de por-
Total do gasto energético -- - tadores de DPOC. Em comum
Gasto energético em repouso --- ++ aos dois tipos - bronquítico e
Síntese protéica --- +/- enfisematoso -, está a presen-
Degradação protéica --- +++ ça da dispnéia como o princi-
Insulina sérica --- +++ pal fator que limita o indivíduo
Cortisol sérico 0 ++ para o exercício. Outra queixa
responsável pela interrupção
* Sinal de subtração= diminuição; sinal de adição= aumento; zero
das atividades é a sensação de
(0)= sem alteração.
fraqueza nos membros inferio-
Adaptado de Kotler DP, em “Cachexia”, Ann Intern Méd 2000;
res, em parte causada por
133:622-634.
disfunção da musculatura
esquelética.
dem colaborar para a redução de massa magra no
organismo. a) Dispnéia
Não se pode excluir a possibilidade de que um Dispnéia pode ser entendida como uma sensa-
subgrupo de pacientes com DPOC tenha caquexia, ção subjetiva de desconforto respiratório, e é perce-
em especial aqueles com sepse brônquica crônica; no bida quando o ato de respirar é trabalhoso ou cansa-
entanto, a presença de caquexia precisa ser caracteri- tivo. Normalmente, a respiração é totalmente
zada de forma mais completa, pela pesquisa dos vári- involuntária e inconsciente, mas pode se tornar cons-
os distúrbios metabólicos que a caracterizam (21). ciente quando o indivíduo nela presta atenção, ou quan-
De todas as informações expostas até aqui, con- do surge alguma anormalidade. Ela é regulada por cen-
clui-se que reduzir o trabalho ventilatório, melho- tros automáticos no sistema nervoso central e tam-
rar a oxigenação e prevenir ou tratar condições bém a partir de sinais voluntários iniciados no córtex
que contribuam para a presença de inflamação cerebral. Sensações oriundas dos diversos receptores
(infecção brônquica) são medidas que podem co- periféricos podem afetar o padrão e a frequência res-
laborar para a manutenção do peso em pacientes piratória, tanto nos indivíduos normais, como nos por-
com DPOC. tadores de DPOC.
Cada indivíduo é singular na percepção e interpre-
Limitação ao exercício tação de quaisquer sensações, e este fato também se
aplica à sensação de desconforto respiratório. Fato-
Os pacientes portadores de doença pulmonar res culturais e psicológicos filtram a experiência sensó-
obstrutiva crônica tornam-se, em algum ponto da evolu- ria de falta de ar, podendo exacerbá-la ou minimizá-
ção de sua doença, limitados na realização de suas la.
atividades, às vezes mesmo as mais corriqueiras e co- O conceito mais aceito atualmente é o de que a
tidianas, como deambular, vestir-se ou subir os de- queixa de dispnéia não se refere a uma única sensa-
graus de uma escada. Esta restrição usualmente se ins- ção, mas que, como a dor, compreende muitas sensa-
tala de maneira gradual, permitindo ao indivíduo que ções. Também, como a dor, pode ser produzida e
ele se adapte ao novo estilo de vida. Tal adaptação modulada por estímulos de vários receptores específi-
não significa que o doente sinta-se bem enquanto res- cos, como os quimioreceptores centrais e periféricos,
trito, mas, apenas, que ele desenvolveu mecanismos e os mecanoreceptores (29).

Livro de Atualização em Pneumologia - Volume IV - Capítulo 26 - Página 8


Mecanismos fisiológicos (30) fato é fundamental na percepção da sensação de
dispnéia.
A sensação de dispnéia parece se originar a par-
tir dos receptores sensitivos envolvidos na respiração. Fisiopatologia da dispnéia
Estas informações são processadas no sistema nervo-
so central, até serem entendidas e expressas como uma Numa abordagem mais ampla, pode-se ponde-
experiência individual. Esta sensação gera alterações rar que nem sempre a sensação de desconforto respi-
no sistema de controle respiratório, com eventuais ratório surge como resultante de um processo patoló-
adaptações no ritmo, frequência e padrão respirató- gico subjacente. Isto porque eventualmente tal sinto-
rio. ma pode ser percebido por pessoas sem doenças res-
O sistema integrado de controle ventilatório in- piratória, muscular ou neurológica prévias. No entan-
clui um centro gerador de ritmo respiratório, vias to, aqui será enfocada somente a dispnéia associada
eferentes motoras para musculatura respiratória, vias às alterações encontradas na DPOC, com repercus-
aferentes a partir de receptores químicos e mecâni- sões significativas na performance do indivíduo duran-
cos, e a integração destas informações no sistema ner- te o exercício.
voso central. O sintoma de dispnéia surge quando há uma
As vias eferentes permitem que aconteça a ativa- dissociação entre a atividade motora respiratória cen-
ção dos músculos respiratórios a partir de agrupamen- tral e as informações oriundas dos receptores sensóri-
tos de neurônios motores medulares. A respiração re- os periféricos, tanto dos mecanoreceptores quanto dos
sulta de uma ação coordenada de um número relativa- quimioreceptores. Esta retroalimentação a partir de
mente grande de músculos. O principal deles é o dia- informações sensitivas permite ao cérebro avaliar a
fragma, cuja contração gera pressão negativa dentro eficácia dos comandos motores para a musculatura
do tórax, com consequente inflação dos pulmões. Sua respiratória, isto é, se o volume e o fluxo obtidos são
ação é complementada por outros músculos adequados. Quando as alterações na pressão respira-
inspiratórios. A expiração é um processo passivo, e, tória, fluxo aéreo ou movimentos pulmonares e da cai-
quando necessário, envolve a ação de músculos das xa torácica forem inapropriados para o comando mo-
vias aéreas superiores, músculos abdominais, e outros tor realizado, surge a sensação de dispnéia (30).
grupos musculares expiratórios.
Com estas ações coordenadas se produz a ven- Aumento da demanda ventilatória
tilação e a troca gasosa, que visam atender às varia-
ções das demandas metabólicas do organismo. Para Fatores ou situações que demandem estimulação
tanto, há necessidade de sistemas de retroalimentação, motora mais intensa para alcançar uma dada tensão
que acontecem a partir das vias aferentes. muscular causarão uma impressão de esforço respira-
Entre as vias aferentes estão quimioreceptores tório excessivo. Esta sensação de esforço excessivo é
periféricos e centrais, bem como mecanoreceptores percebida conscientemente pelo indivíduo, e é tanto
nas vias aéreas, pulmões e parede torácica. maior quanto mais aumenta a estimulação pelo coman-
As informações enviadas por todos estes recep- do respiratório motor, sendo proporcional à razão da
tores chegam ao centro respiratório, produzindo uma pressão gerada pelos músculos respiratórios sobre a
avaliação do estado atual da função ventilatória, bem capacidade destes músculos de gerar pressão (30).
como de alterações na duração e força de contração Durante o exercício, o aumento da ventilação in-
dos músculos respiratórios. Estes sinais permitem que tensifica a sensação de dispnéia, seja em indivíduos
ajustes sejam feitos a partir da atividade central motora normais ou com doença pulmonar. O acréscimo no
respiratória, a fim de adequar a ventilação às mudan- comando motor respiratório é suficiente para intensifi-
ças detectadas. car a sensação de esforço. Obviamente, tais sintomas
Além disto tudo, sinais do centro respiratório serão mais relevantes se surgirem no indivíduo em re-
parecem ser transmitidos para centros superiores, o pouso do que na vigência de hiper-ventilação espon-
que torna consciente o comando motor em curso. Este tânea durante o exercício (30).

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A maioria dos doentes com DPOC grave, com A dispnéia produzida pela hipercapnia também
ou sem hipoxemia, apresentam um pobre condiciona- se faz através de aumento no comando motor respira-
mento físico, causa e efeito de inatividade física e tório, por efeito indireto da PaCO 2 sobre os
disfunção da musculatura esquelética. Nestes indiví- quimioreceptores medulares. Esta ação depende da
duos, observa-se uma elevação precoce dos níveis concentração do íon H+ nestes quimioreceptores, de
séricos de ácido lático. Para um dado nível de exercí- modo que os pacientes que têm hipercapnia crônica,
cio, a produção precoce de ácido lático pelos múscu- nos quais o aumento do íon H+ está compensado, apre-
los esqueléticos resulta num estímulo adicional à venti- sentam menor aumento da resposta ventilatória, e,
lação, o que piora a sensação de dispnéia (31). consequentemente, diminuição do desconforto respi-
ratório (32).
Anormalidades da musculatura respiratória e Diferenças dos mecanismos de dispnéia entre os
aumento da impedância ventilatória tipos bronquítico e enfisematoso
Embora a dispnéia seja igualmente importante na
Informações que chegam ao cérebro a partir dos limitação ao exercício para os pacientes com DPOC,
mecanorreceptores
(fusos musculares, ar-
ticulações, tendões) Quadro 3: Fatores que contribuem para gerar dispnéia nos pacientes com DPOC
podem modificar as
Variáveis Bronquítico Enfisematoso
sensações respiratóri-
Hipoxemia ++ -
as. Por exemplo, ven- Hipercapnia ++ -
tilação realizada volun- Edema em mucosa brônquica ++ -
tariamente a baixos vo- Hipersecreção brônquica ++ -
lumes correntes produz Broncoconstricção ++ -
um sensação de falta Perda de peso + ++
de ar intensa, mesmo Perda muscular + ++
quando não há altera- Disfunção na musculatura esquelética ++ ++
ções gasométricas sig- Hiperinsuflação pulmonar + ++
(30) Hiper-expansão torácica + ++
nificativas .
Hiperinflação dinâmica ++ ++
Nos pacientes
com DPOC vários es-
tímulos veiculados por mecanoreceptores e recepto- existem algumas diferenças entre os dois tipos clínicos
res vagais pulmonares podem gerar ou intensificar a (bronquítico X enfisematoso) quanto à importância
sensação de desconforto respiratório, tais como relativa dos fatores que contribuem anatômica e funci-
broncoconstricção, hiperinsuflação pulmonar, hiper- onalmente para o surgimento da dispnéia. Tais fatores
expansão torácica, hiperin-suflação dinâmica, fraque- estão sumarizados na quadro 3.
za muscular e fadiga crônica.
b) Disfunção da musculatura
Anormalidades gasométricas esquelética
A dispnéia associada à hipoxemia e hipercapnia O conceito de unidade motora é fundamental para
resulta da atividade motora respiratória aumentada em compreensão do comportamento fisiológico do mús-
resposta a estímulos químicos. culo. Os nervos que inervam as fibras musculares têm
A hipoxemia parece piorar a dispnéia, fato suge- sua origem no corno anterior da medula. Um único
rido pela observação de pacientes cujo alívio da neurônio inerva muitas fibras musculares: o número real
hipoxemia induzida por exercício foi obtido pela ad- é variável, mas na maioria dos músculos pode chegar
ministração de oxigênio, e nos quais a redução da a várias centenas. Funcionalmente, a célula nervosa
dispnéia observada foi desproporcional ao decrésci- do corno anterior da medula, seu axônio e as fibras
(30)
mo obtido na ventilação . musculares por ela inervadas se comportam como uma

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unidade, e nenhuma atividade significativa ocorre de As fibras tipo II podem ser subclassificadas em
um lado sem uma correspondente atividade do outro. relação à resistência à fadiga e à atividade oxidativa/
Edström & Kugelberg (33) conseguiram demons- glicolítica, em IIa (contração rápida, resistente à fadi-
trar que as fibras musculares de uma unidade motora ga, atividade oxiddativa e glicolítica) e IIb (contração
eram uniformes, do ponto de vista bioquímico, ou seja, rápida, fadigável, atividade glicolítica).
todas eram de um mesmo tipo. Chama a atenção tam- Outra técnica histoquímica classifica os tipos de
bém, nestes estudos, a informação obtida quanto à fibras de acordo com a imunoreatividade de anticorpos
velocidade de indução de fadiga: fibras tipo 1, peque- específicos para diferentes isoformas das cadeias de
nas e ricas em mitocôndrias, eram muito mais resisten- miosina pesada (MHC). Existe uma correlação entre
tes à fadiga. Não conseguiram, no entanto, demons- as fibras I, IIa, IIb e IIx com a imunoreatividade para
trar diferenças entre as fibras com relação à velocida- MHC lenta , MHC2A , MHC 2B e MHC 2X , respecti-
de de contração: ambos os tipos contraíam rapida- vamente (34).
mente. Existem evidências suficientes de que os múscu-
O advento de técnicas bioquímicas permitiu lo- los esqueléticos não funcionam normalmente nos pa-
calizar sistemas enzimáticos e outros constituintes quí- cientes com DPOC, e que esta disfunção contribui
micos dentro das células e isto abriu a possibilidade sobremaneira para a intolerância ao exercício que ca-
de se correlacionar a função das fibras individuais com racteriza estes doentes.
a sua morfologia. São vários os fatos que confirmam a disfunção
Entre as enzimas de interesse no estudo dos mús- da musculatura esquelética dos pacientes com DPOC,
culos estão aquelas relacionadas à síntese e degrada- tais como:
ção do glicogênio (tais como as fosforilases), as 1. Alterações bioquímicas e estruturais dos mús-
oxiredutases do ciclo de Krebs (tais como as culos esqueléticos, que indicam baixa função aeróbica
(34,35)
desidrogenases) e as hidrolases que quebram as mo- :
léculas de ATP. • Aumento na porcentagem das fibras tipo II e
O aperfeiçoamento das técnicas de demonstra- diminuição da fração das fibras tipo I, o que indica
ção de atividades enzimáticas permitiu concluir que a predominância de atividade glicolítica, em detrimento
presença de alta atividade de enzimas oxidativas ca- da oxidativa.
racterizava as fibras vermelhas e se correlacionava com • Aumento da fração da isoforma IIb de cadeia
a quantidade de mitocôndrias que podia ser contada pesada de miosina apontando para uma predominân-
ou isolada destas mesmas fibras. cia das fibras tipo II.
Embora desde 1678 já se soubesse da existência • Diminuição na densidade dos capilares muscu-
de diferentes tipos de músculo, foram necessários lares, o que pode aumentar a distância de difusão para
aproximadamente 300 anos de observações para con- o transporte de oxigênio.
cluir pela existência de duas categorias de fibras mus- • Redução na concentração das enzimas envolvi-
culares: das nas atividades aeróbicas (não glicolíticas).
•Fibras tipo I: músculos de tonalidade • Diminuição da massa muscular, mesmo nos pa-
avermelhada, contração lenta, resistentes à fadiga; fi- cientes com peso normal.
bras finas, repletas de grânulos, identificados como Vale a pena enfatizar, no entanto, que a maioria
mitocôndrias, maior suprimento sanguíneo e intensa dos trabalhos sobre a função da musculatura esquelética
atividade respiratória; alta atividade de enzimas nos pacientes com DPOC estudam-nos como um gru-
oxidativas, baixa atividade glicolítica. po homogêneo, cuja característica comum é a presen-
•Fibras tipo II: músculos de tonalidade mais ça de obstrução à espirometria, não fazendo qualquer
pálida, contração rápida, menor resistência à fadiga; distinção entre os tipos clínicos polares.
fibras mais largas com poucos grânulos ou 2. Durante o exercício, acidose lática muscular
mitocôndrias, menor suprimento sanguíneo e baixa ati- surge numa situação de menor taxa de “trabalho” nos
vidade respiratória; alta atividade glicolítica, baixa ati- pacientes com DPOC, comparativamente a indivídu-
vidade oxidativa. os saudáveis (31,35) . O ácido lático se acumula quando

Livro de Atualização em Pneumologia - Volume IV - Capítulo 26 - Página 11


o aporte de oxigênio para o músculo em exercício é soas saudáveis. No entanto, a cinética desta captação
insuficiente, e começa a haver glicólise anaeróbica a parece ser mais lenta. Assim, quando um indivíduo com
fim de suplementar a produção de ATP. DPOC começa a fazer exercício, a necessidade de
3. Durante um exercício regular, a captação de oxigênio aumenta abruptamente, mas a extração de
oxigênio é similar entre pacientes com DPOC e pes- oxigênio nos capilares musculares e a extração de oxi-

Quadro 4: Fatores envolvidos na disfunção da musculatura esquelética na DPOC

Fator Mecanismos Alteração trófica *


Hipóxia •Redução na concentração das Atrofia das fibras tipo I
enzimas oxidativas, aumento
das glicolíticas.
•Perda de peso
•Aumento do estresse oxidativo
Hipercapnia •Acidose intracelular Não descrita
Envelhecimento •Diminuição da síntese proteica; Atrofia predominante das fibras tipo II
•Remodelamento das unidades
motoras.
Desnutrição •Diminuição da síntese proteica Atrofia predominante das fibras tipo II
Distúrbios eletrolíticos •Diminuição do conteúdo Não descrita
intra-celular de ATP
•Disfunção na membrana celular
Inatividade física •Diminuição da síntese proteica; Atrofia predominante das fibras tipo I
•Aumento da degradação proteica.
Uso de corticoesteróides •Diminuição na produção de Atrofia das fibras tipo II (principalmente IIb)
(miopatia crônica) proteínas contráteis;
•Alteração no turn-over dos substratos
energéticos no músculo esquelético;
•Aumento da proteólise intracelular;
•Alteração no metabolismo
de carboidaratos.
Diminuição dos níveis •Diminuição de GH
circulantes de hormônios •Diminuição de testosterona Atrofia generalizada
anabolizantes
(estudos preliminares)
Tabagismo •Aumento do estresse oxidativo Não descrita
Comorbidades (ICC) •Diminuição do fluxo sanguíneo Atrofia das fibras tipo II, aumento
•Aumento do catabolismo muscular das fibras tipo I.
(citocinas)
Inflamação • Aumento do estresse oxidativo,
levando a distúrbios no metabolismo
do cálcio e interferindo o acoplamento
excitação/contração.
•Aumento do catabolismo
muscular (citocinas)

* Pressupõe-se que todos os fatores etiológicos mencionados causem alterações musculares. A descrição das
alterações tróficas musculares limitou-se ao que há, na atualidade, descrito na literatura.

Livro de Atualização em Pneumologia - Volume IV - Capítulo 26 - Página 12


gênio a partir do meio ambiente demoram vários mi- Hipercapnia
nutos para chegar a um estado de equilíbrio. Este atra-
so caracteriza uma função aeróbica pobre (35). Embora a hipercapnia aguda ou crônica possa
A disfunção dos músculos esqueléticos dos por- estar presente em pacientes com DPOC, em insufici-
tadores de DPOC parece ser multifatorial, sendo os ência respiratória aguda ou crônica, os estudos dispo-
principais fatores etiológicos a presença de hipóxia/ níveis focalizam mais a hipercapnia associada à insufi-
hipercapnia, desnutrição crônica, inatividade física com ciência respiratória aguda, não havendo relatos da in-
perda de condicionamento muscular e inflamação crô- fluência da retenção de CO2 cronicamente - observa-
nica (Quadro 4). da principalmente nos pacientes bronquíticos crônicos
- sobre o metabolismo celular (34).
Hipóxia
Inflamação
A hipóxia parece ter um efeito adverso na mus-
culatura esquelética (34,35). Um estudo em humanos ex- A inflamação aguda ou crônica faz parte da
postos a grandes altitudes durante 6 semanas mostrou fisiopatogenia da DPOC, e leva a um aumento do
um aumento da atividade das enzimas glicolíticas, e estresse oxidativo: alguns oxidantes reativos, como
uma redução da atividade das enzimas envolvidas no “reactive oxygen intermediates” (ROI) e óxido nítrico
ciclo do ácido cítrico, na oxidação dos ácidos gordu- (NO) são produzidos em grandes quantidades pelas
rosos e na cadeia respiratória. células imunes durante a inflamação (34).
A hipóxia contribui para as lesões pelo estresse A produção de ROI está intimamente ligada à
oxidativo, e um aumento da atividade anti-oxidante já excitação/contração da fibra muscular.
foi demonstrado em ratos e humanos submetidos à O óxido nítrico, um outro importante reator, tem
hipóxia intermitente. Pela mudança para o metabolis- uma ação oposta aos ROI no acoplamento excitação/
mo glicolítico, a capacidade oxidativa dos músculos contração.
esqueléticos diminui (34).
A produção de radicais livres de oxigênio lesa, Nutrição
direta ou indiretamente, as proteínas e membranas ce-
lulares, levando à diminuição na capacidade de pro- Os mecanismos envolvidos na desnutrição dos
duzir ATP, pela sobrecarga de cálcio na mitocôndria. pacientes com DPOC são melhor discutidos em outro
Isto gera um acúmulo de IMP (inosina monofosfato) setor, e envolvem um desequilíbrio energético, onde o
nos músculos esqueléticos (34). gasto de energia e consumo de oxigênio é maior no
Num estudo singular, seis indivíduos previamente ato de respirar destes pacientes, e isto não é contra-
hígidos foram submetidos durante 40 dias a níveis pro- balançado por um maior ganho de energia. Outros fa-
gressivos de hipóxia hipobárica, até chegar a uma alti- tores, como a presença de inflamação, devem estar
tude simulada do Monte Everest. Durante o experi- envolvidos na perda de peso destes doentes. Um es-
mento, foi oferecida uma dieta apetitosa e com con- tudo recente (27) sugere que mediadores inflamatórios
teúdo calórico semelhante ao anterior ao estudo. Ao estão aumentados num subgrupo de pacientes com
final dos 40 dias, foi observada uma perda de 7,4 ± DPOC, e especula-se se estes mediadores poderiam
2,2 kg, sendo 1,6% (2,5 kg) de gordura. A tomografia ser responsáveis por perda de peso e consumo mus-
computadorizada demonstrou que a maior parte da cular.
perda de peso foi às custas de massa magra. Embora Na musculatura esquelética, os efeitos da desnu-
haja outros fatores que podem contribuir para a per- trição são mais evidentes nas fibras tipo II, que ficam
da de peso observada - inapetência pela inatividade, atrofiadas. Consequentemente, as fibras tipo I ocupa-
diminuição da ingestão calórica e aumento da energia rão um volume maior da massa muscular. Com esta
gasta no exercício conforme se aumentava a altitude- , alteração, a tensão muscular gerada pelos músculos
este estudo sugere que a hipóxia per se pode levar à em atividades basais está preservada, enquanto a po-
perda de peso (36). tência máxima pode ficar prejudicada.

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Há poucos dados clínicos sobre a contribuição ficiência cardíaca direita (cor pulmonale) na muscu-
relativa da desnutrição no desempenho enzimático latura esquelética dos doentes portadores de DPOC
(34)
muscular ou na utilização de compostos ricos em energia .
nos pacientes com DPOC.
Pacientes com insuficiência respiratória aguda e Inatividade física
crônica apresentam depleção nos músculos respirató-
rios de compostos de alta energia (ATP e fosfocreatina) Os pacientes com DPOC costumam ter uma vida
e de alguns cátions (Magnésio e Potássio) (34). Em sedentária, a fim de evitar a dispnéia e a sensação de
pacientes subnutridos, tais alterações na composição fraqueza muscular.
muscular são ainda mais graves. Os efeitos da inatividade física nos músculos pe-
riféricos são já comprovados (34), e a imobilização no
Distúrbios eletrolíticos leito causa importantes alterações estruturais na mus-
culatura esquelética, tais como: a) atrofia dos múscu-
Distúrbios eletrolíticos podem afetar de maneira los de deambulação; b) diminuição na densidade dos
significativa a função da musculatura esquelética. São capilares nos músculos; c) diminuição na concentra-
várias as alterações que levam à fraqueza muscular: ção das enzimas aeróbicas; d) diferenciação de fibras
hipofosfatemia, hipomagnesemia, hipermagnesemia, tipo II-a em II-b. Tais alterações levam à diminuição
hipocalcemia, hipocalemia, hipercalemia, hiponatremia, da força e resistência da musculatura.
hipernatremia e hipocloremia (34). Aquelas mais conhe- A inatividade física produz alterações musculares
cidas como causadoras de miopatias são a caracterizadas principalmente por atrofia das fibras
hipofosfatemia e a hipocalemia. musculares. Esta atrofia parece ser reversível, e afetar
Tanto a hipocalemia quanto a hipomagnesemia ambos os tipos de fibras, com uma preferência pelas
podem ocorrer como consequência à terapia com tipo I, e o mecanismo pelo qual isto acontece ainda
diuréticos, podendo a hipocalemia ser também cau- não está bem definido.
sada ou agravada pelo uso de xantinas, ß-agonistas e
corticoesteróides. Tais drogas são frequentemente uti- Envelhecimento
lizadas nos pacientes portadores de DPOC, especial-
mente naqueles com quadro predominantemente Com o avançar da idade, observa-se uma pro-
brônquico. Hipocalemia grave pode eventualmente le- gressiva perda da massa muscular, acompanhada por
var à rabdomiólise (34). uma gradual diminuição da força muscular. Sabe-se
Hipofosfatemia é encontrada comumente em pes- que quando o indivíduo está em torno dos 60 aos 70
soas com problemas respiratórios, especialmente na- anos, a massa muscular apresenta-se diminuída entre
quelas com infecções respiratórias. Está associada tam- 25 a 30 % . Esta alteração ocorre pela diminuição da
bém à falência respiratória hipercápnica em pacientes área transversal das fibras, e pela atrofia predominan-
com DPOC. A hipofosfatemia tem relação direta com temente das fibras tipo II (34).
diminuição do conteúdo intracelular de ATP – que, Os mecanismos envolvidos na atrofia muscular
provavelmente está na origem da fraqueza muscular-, relacionada ao envelhecimento incluem (34): a)
e tal diminuição já foi demonstrada em pacientes com remodelamento da unidade motora, com denervação,
DPOC em exacerbações agudas. brotamento axonal e reinervação; b) maior susceptibi-
No entanto, há pouca correlação entre os níveis lidade dos idosos a apresentar lesões induzidas por
séricos e o conteúdo intramuscular de fosfato (34). contração; c) diminuição na capacidade de regenera-
ção.
Insuficiência cardíaca
Uso de corticoesteróides
Embora a disfunção da musculatura esquelética
nos pacientes com insuficiência cardíaca seja tema de A miopatia secundária ao uso de esteróides pode
muitos estudos, não há dados sobre o efeito da insu- se apresentar de duas maneiras distintas: um quadro

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agudo, que surge como complicação do uso em jovens. Estudos preliminares revelam uma preva-
intravenoso de altas doses de corticoesteróides, e , lência considerável de níveis reduzidos destes
mais comumente, uma miopatia crônica, após longo hormônios em pacientes com DPOC (38,39) .
período de uso de baixas doses de corticoesteróides
(34,35)
. Tabagismo
A miopatia aguda surge de 5 a 7 dias após o uso
intravenoso, caracteriza-se por fraqueza generalizada, O fumo do cigarro contem muitas substâncias
e apresenta rabdomiólise, com elevação dos níveis de oxidantes, e sua ação na musculatura esquelética deve
creatinaquinase e presença de mioglobinúria. À biópsia ser indireta, pelo aumento do estresse oxidativo (34).
muscular observa-se necrose difusa e atrofia de todas
as fibras, e a recuperação pode demorar até mais de
seis meses (37).
O quadro de miopatia crônica ocorre geralmente
após uso continuado de baixas doses de
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Livro de Atualização em Pneumologia - Volume IV - Capítulo 26 - Página 16

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