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Yoga e mudrá

Pedro Kupfer

Um arquétipo é como um curso d‘água


que a água da vida formou com o correr dos séculos,
cavando um leito fundo para si.
C. G. Jung

Mudrá é uma palavra sânscrita que significa gesto, selo ou matriz. Os mudrás são a fonte de uma linguagem
gestual e corporal que se origina na tradição tântrica, e está indissoluvelmente associada ao registro
akáshico, o espaço sutil onde estão armazenados todos os conhecimentos e feitos da Humanidade desde
seus primórdios.

Essa linguagem busca a realização de determinados estados de consciência através da simbologia e das
mensagens contidas em certos gestos arquetípicos que atuam por ressonância e associação neurológica.
Tocam os estratos mais profundos do ser humano, permitindo-nos redescobrir o conhecimento escondido em
cada gesto e transportar-nos aos processos de consciência a que eles aludem.

Muito pouco tem se escrito sobre estes gestos. Menos ainda, sobre as formas em que eles podem utilizar-se
na prática, seja de Yoga, seja de dança. Quando os mudrás são mencionados na literatura, figuram apenas
como símbolos que se referem às diferentes deidades hindus, a eventos artísticos ou religiosos, ou ainda no
teatro, na dança e em cerimônias religiosas, como meios para identificar os deuses.

Algo que freqüentemente deixa de ser mencionado, mas que nós estudaremos neste livro, são os aspectos
energéticos e metafísicos dos gestos. Eles influenciam a forma como percebemos a energia vital,
aumentando seu caudal e canalizando-a através de diversas técnicas do Yoga, que visam a aumentar o
estado geral de saúde, expandir as percepções, disciplinar a mente e aprofundar os estados de meditação.
O termo deriva das raízes mud, encanto, magia, satisfação, e rati, dar, doar. Literalmente pode traduzir-se
como aquilo que outorga encanto, força ou poder. Em algumas obras aparece incorretamente traduzido
como símbolo, porém, embora alguns mudrás sejam simbólicos, existe outro termo (yantra) para designar os
símbolos em si. Pronuncia-se sempre com a tônico.

Possui três significações bem diferentes: por um lado designa os gestos feitos com as mãos; por outro, em
alguns textos (principalmente de Hatha Yoga, modalidade de Yoga tântrico, surgida no século xi d.C.)
designa outras técnicas fisiológicas, como ásanas (posições físicas) ou bandhas (contrações de plexos e
órgãos); e ainda, no contexto do tantrismo, mudrá designa a Shaktí, a parceira com quem se pratica o
maithuna, a união sexual ritual. A primeira acepção é a que nos interessa.

No Yoga e na dança, a palavra mudrá designa exclusivamente os gestos feitos com mãos e dedos. A
riqueza da linguagem gestual reside no fato de que estes gestos revelam significações distintas, de acordo
com o contexto e a pessoa que os percebe. Eles aludem a verdades eternas, valores, idéias, conceitos ou
estados emocionais que são diferentes para cada um de nós, pois, a partir de suas múltiplas interpretações,
falam diretamente ao eu profundo.

O Yoga e as danças tradicionais da Índia nos revelam o significado dos gestos, em que idéias e sentimentos
são manifestados por meio de símbolos. Eles formam parte do legado da Humanidade e de nossas vidas,
impregnando-nos até o mais íntimo do ser, muitas vezes sem que o percebamos. Mostram-nos a unidade
essencial das coisas, as correspondências entre o mundo sensível e o mundo das idéias.

O hinduísmo como um todo se nos apresenta cercado de símbolos e emblemas, representação de idéias e
propriedades da Natureza que muitas vezes revelam qualidades ou poderes das suas diferentes
manifestações, sob a forma de deidades. Tudo é significativo, convergente e recíproco: o segredo está em
saber ver, decifrar o que a Natureza, o Yoga, o Tantra e as culturas chamadas primitivas nos mostram. Assim,
poderemos remontar-nos à origem, resgatar a liberdade e os valores eternos do ser, dos quais fomos
afastados pela tirania moral, patriarcal e religiosa das civilizações industriais e urbanas.

Mudrá, dança e mitologia hindu

Para o homem arcaico, a dança ocupa um lugar essencial na vida da comunidade; dança-se para
despertar o psiquismo coletivo da tribo, para aceder à sacralidade, para renovar as relações entre o céu e a
terra através das chuvas, para promover a fertilidade ou a benevolência das forças da Natureza, para
colocar-se em sintonia com o ritmo do Cosmos.

A dança indiana é tão antiga quanto o próprio Yoga, havendo-se achado estatuetas de dançarinos e
dançarinas em escavações arqueológicas da cultura do vale do Indus, com mais de 5000 anos de
antigüidade. Para os hindus, a dança não é criação humana nem produto de uma cultura: é o fruto de uma
revelação de origem divina. Antiqüíssimos mitos contam que o próprio Brahmá, o criador, haveria composto
a pedido dos deuses os tratados originais considerados escrituras sagradas sobre dança, teatro e mímica.
“‘Assim seja‘, disse Brahmá e dispensando Indra, o rei dos deuses, aquele que conhece a essência da
realidade recorreu ao Yoga para relembrar os quatro Vedas. Então decidiu: ‘Farei um quinto Veda, que será
chamado Nátya (teatro); nele, todos os temas da mitologia e da tradição épica estarão combinados. Este
Veda levará à retidão e à justiça (dharma), à prosperidade e à plenitude (artha). Ele trará celebridade,
transmitirá conhecimento, estará regulado por uma série de aforismos, mostrará ao mundo futuro qualquer
possível ação, conterá o significado e de todo o conhecimento sagrado, trará à vida cada faceta das artes
e as fará prosperar.‘ “Então, concentrando em sua mente toda a sabedoria, o venerável Brahmá compôs o
Nátya Veda, escolhendo à vontade alguns dos aspectos dos quatro Vedas. Do Rig Veda ele tomou a fala,
do Sama Veda, a melodia, do Yajur Veda a mímica e o movimento corporal (abhinaya) e, do Atharva Veda,
a emoção estética (rasa). Nesse momento, o Nátya Veda passou a existir, vinculado como estava aos
grandes e aos pequenos Vedas. Brahmá então revelou este Veda a Bhárata (o ‘homem‘) e a seus cem
filhos.”

O Bhárata Nátyam, a dança clássica, constitui-se assim em expressão humana do ritmo cósmico, portadora
do conhecimento filosófico e religioso da cultura indiana. Não há nada nesta dança que não possua uma
dimensão sagrada: Não há pensamento, afirma Brahmá, nem conhecimento, nem arte, nem obra, nem
sabedoria, nem valor, nem princípio de Yoga que não possa achar-se nesta Arte superior. Nátya Shastra.
Para entender os mitos por ela narrados, precisamos antes compreender a função que a mitologia exerce
nesta cultura.

Esta função, exemplificante, formativa e construtiva, é equivalente à que ostenta o ensino da História no
Ocidente. As mãos se movimentam com graça e harmonia; os gestos, trabalhados através de longos anos
de intenso treinamento, evocam diferentes aspectos da sabedoria e o conhecimento, paisagens, campos
de batalha, combates entre deuses e demônios, rufar de trompas e tambores, encontros amorosos e uma
infindável quantidade de sentimentos e emoções, que variam segundo o contexto. Nesta manifestação
artística, os mudrás trabalham em três níveis: esteticamente, como expressão do que está sendo narrado;
energeticamente, como movimentos feitos pelo dançarino mas que atingem a audiência; e,
iconograficamente, como representações simbólicas que assumem uma significação metafísica, histórica ou
religiosa.

Como a maioria das danças é a recriação de sagas e mitos do hinduísmo, existe uma identificação (nyása)
que se estabelece a partir dos mudrás que falam desses mitos. O dançarino sente essa identificação, que se
processa no plano emocional e através de longos anos de preparação constante. Segundo o
Vishnudharmottara, tratado clássico sobre as artes, a teoria estética da dança, bem como de outras
manifestações artísticas (principalmente a pintura e a escultura) trabalha com dois recursos, rasa e bháva.
Rasas são as nove qualidades essenciais ou sentimentos: erótico, cômico, patético, furioso, heróico, terrível,
odioso, maravilhoso e pacífico.

Bhávas são as expressões ou inclinações da consciência, que funcionam como uma resposta natural aos
rasas. Os bhávas correspondentes são: amor, alegria, piedade, raiva, energia, medo, desgosto, surpresa e
tranqüilidade. O dançarino deve manipular esses recursos de forma tal que, no final de uma apresentação, a
platéia fique com uma sensação de alegria e bem-estar. Os bhávas se transmitem não apenas através do
movimento do tronco, braços e pernas, mas igualmente pelas mudanças sutis dos olhos, sobrancelhas e
dedos. A linguagem assim constituída ajuda a identificar situações, estados de ânimo ou atributos dos
diferentes deuses hindus.

O panteão hindu constitui uma tentativa formidável (e bem-sucedida) de definir os distintos aspectos da
energia que anima o mundo. Sendo estas manifestações reflexo do imanifestado (que pode ser chamado
Shiva, Om, Purusha ou Brahman), todas as formas de existência são em essência iguais a ele. Unidade na
pluralidade, dentro da mitologia hindu incluem-se todas as possibilidades: deuses, semideuses, seres celestiais,
anjos, demônios e vampiros cujas sagas e peripécias serviram desde antigamente para alimentar o
imaginário e os ideais de elevação e realização do seu humano.

Apesar desta inegável multiplicidade, o hinduísmo não é tão politeísta quanto aparenta; tirar essa conclusão
seria tão leviano como concluir, olhando para o santoral cristão, que o cristianismo é politeísta. Desde seus
mais diversos pontos de vista, o hinduísmo sempre vê no Cosmos uma unidade essencial, um campo
vibratório todo penetrante que ao mesmo tempo permanece imanifesto e inatingível:
Armas não conseguem cortá-lo,
fogo não pode queimá-lo,
água não consegue molhá-lo,
ventos não podem secá-lo...
Ele é eterno e tudo permeia, sutil, imóvel e sempre o mesmo.
Bhagavad Gítá.

“Segundo a cosmologia hindu, o Universo não tem substância. A matéria, a vida e o pensamento são
apenas relações energéticas, ritmo, movimento e atração mútua. Podemos então conceber o princípio que
dá origem aos mundos, às diversas formas de ser, como um princípio harmônico e rítmico, simbolizado pelo
ritmo dos tambores, pelo movimento da dança. Shiva, na qualidade de princípio criador, não profere o
mundo, dança-o.” Alain Danielou, Shiva e Dionisos.

Shiva, ‘o benéfico‘, é o patrono do Yoga, das artes, da filosofia e dos empreendimentos intelectuais. Nele,
encontram-se todos os aspectos contraditórios da natureza humana (talvez pudéssemos afirmar o contrário;
as contradições dos humanos são espelho das de Shiva). É Pashupati, senhor das feras, Natarája, senhor da
dança, Bhairava, destruidor de demônios, Dakshinamurti, o mestre perfeito, Mahadeva, o yogi nu,
Ardhanaríshwara, o hermafrodita.

Na mitologia purânica aparece como o dançarino cósmico, marcando com seus movimentos o ritmo do
Universo manifestado. Shiva Natarája. Bronze. Sul da Índia, s. x. Em sua representação mais conhecida (um
bronze da dinastia Chola, século x) podemos vê-lo carregado de símbolos e atributos: uma caveira, a Lua
crescente e as miríades de estrelas flutuam entre seus dreadlocks, longas tranças desgrenhadas das quais
igualmente emana a deusa Gangá (a que vai veloz como a correnteza), o rio Ganges. Uma serpente serve-
lhe de colar. Com os pés derrota e submete o demônio Avidyá, a ignorância. Ao dançar, desprende-se do
seu corpo uma aura de fogo (representada plasticamente como o círculo ígneo que o envolve), chamas de
três línguas que transformam e destroem o Universo no final de cada era cósmica (yuga).

Aqui, com a presença de elementos antagônicos como o são a água e o fogo, torna-se evidente a
polissemia do mito de Shiva. Jagadamba, o mundo, é “aquele que está em perpétuo movimento.” Shiva
Natarája personifica esse eterno movimento, dançando e fazendo diversos gestos com seus quatro braços:
com a mão superior esquerda, ele faz ardhachandra mudrá, o gesto da meia lua, dentro do qual aparece
uma chama, símbolo do poder transformador que queima o véu do tempo e permite vislumbrar a
eternidade; com o braço inferior esquerdo estendido como uma tromba de elefante em gajahasta mudrá,
alude a seu filho, Ganesha, o guardião das portas e destruidor dos obstáculos; com a mão superior direita
segura o dhamaru, que marca o ritmo da manifestação e aniquilação do mundo, associado ao tattwa
(elemento) éter, o ákásha; enquanto com a outra faz abhaya mudrá, o gesto de dissipar o medo.

As danças de Shiva representam ao mesmo tempo criação e destruição: são ordenações rítmicas que
contribuem para a manifestação e a absorção do Cosmos. As três principais são: nadánta, a dança celestial
em seu aspecto de Natarája, com quatro braços e a esfera de fogo; mulyalaka, chamada igualmente
avidyá ou asura, na qual ele dança sobre o demônio que representa a ignorância, derrotada; e tándava (de
tandu, saltar), que é a dança da morte e da destruição, na que Shiva, ao fim de cada ciclo cósmico,
aniquila o mundo saltando sobre seus calcanhares, com um crânio em uma mão e uma naja na outra.
Encontramos na literatura diversas descrições destas danças, carregadas de gestos manuais muito fortes e
significativos.

“Tendo instalado a Mãe dos três mundos no trono de ouro ornado de pedras preciosas, o portador do
venábulo dança nos cumes do monte Kailasha, rodeado por todos os deuses. Saraswatí toca a víná, Indra a
flauta, Brahmá cuida dos címbalos, marcando o compasso, Lakshmí entoa os mantras, Vishnu toca o tambor.
Todos os deuses o rodeiam.

“Os músicos celestes, os gnomos, as serpentes, os bem-aventurados, os realizados, os guardiães do mundo, os


imortais, as ninfas do céu e todos os habitantes dos três mundos reúnem-se para ver a dança celeste e ouvir
a música da orquestra divina na hora do crepúsculo.” Shiva Purána.

Shiva é um destruidor, gosta dos locais de cremação, mas o que ele destrói? Não apenas os céus e a terra
no final do ciclo, mas os elos que ligam cada alma individual. O que é o local de cremação? Não é o lugar
onde são queimados os restos mortais, mas o coração dos seus fiéis, reduzidos a um deserto. O lugar onde o
ego é destruído representa o estado em que a ilusão e as ações são reduzidas a cinzas. É ali que dança o
Natarája.
Ánanda Kúmaraswámi, The Dance of Shiva, p. 75.

No tándava, Shiva revela-se em sua forma terrível, como Bhairava, ou aniquilador, como Vírabhadra. Dança
com a sua consorte, Shaktí, acompanhado por gnomos e gênios aéreos (gandharvas). É uma dança viril,
selvagem e frenética, acompanhada de gesticulação violenta, que se faz em cemitérios e crematórios,
sobre as cinzas das piras funerárias, onde se consuma a destruição do eu. Pauta a manifestação,
manutenção e destruição do Cosmos e esconde a verdade metafísica daqueles que não merecem
conhecê-la, enquanto a revela àqueles que estão aptos para compreendê-la.

Extraído do livro Mudrá, gestos de poder.


Mudras, os gestos do Yoga
Lúcia Maria de Oliveira Nabão

Mudras são gestos realizados com a mente, as mãos, os pés, a boca, os olhos ou com o corpo todo. São
muito usados no Yoga e nas danças indianas, pois fazem uma reverência a vários aspectos das divindades
hindus e da natureza. Nas palavras de Caio Miranda (1962), os mudras, "encerrando um profundo simbolismo,
têm por objetivo unificar dualidades, como por exemplo, unir a consciência individual à consciência
cósmica, o prana solar ao prana lunar, a matéria ao espírito, etc". Tanto os yogues como as dançarinas
hindus dedicam muitos anos aprimorando-se na prática dos mudras, que exige treinamento e concentração
nos detalhes.

No contexto do Hatha Yoga, os mudras são elementos que dão suporte à prática. Outros componentes dos
suportes do Yoga são: os bandhas ou contrações, os kryias ou técnicas de purificação interna, os mantras ou
sons sagrados. No Gheranda Samhita, texto clássico do Hatha Yoga, encontramos que "o processo útil que
colabora nas práticas de pranayama, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi (1) se denomina mudra"
(Souto, 2002). Constatamos, assim, que os mudras estão ligados às principais técnicas utilizadas no Hatha
Yoga, e em geral são praticados concomitantemente com elas.

Nos textos tântricos, que expõem um Yoga muito antigo, os mudras estão diretamente ligados aos rituais.
Associados à entoação de sons e à visualização mental, simbolizando o corpo (mudra), a palavra (mantra) e
o espírito (visualização), acontece a invocação da divindade que se deseja estar em comunhão (Kupfer,
2001).

Os mudras não são exclusivos da Índia. São encontrados em muitas tradições espirituais do oriente e do
ocidente. Os budistas, os sufistas, islamitas e também os cristãos usam os mudras, como apoio para suas
orações e práticas espirituais (Rammm-Bonwitt, 1997).

Vale ressaltar que o Hatha Yoga busca integrar as polaridades representadas por HA - energia expansiva,
solar, coletiva, macrocósmica, e THA - energia receptiva, lunar, individual, introspectiva, microcósmica. É
nessa integração que o praticante vive um estado de consciência além do eu, um estado transpessoal,
integrado com o Universo, de criatividade e cura.

Os mudras são ligados ao fluxo das energias, tanto na mente como no campo energético, e fazem
correspondência com o corpo físico, especialmente por meio do sistema endócrino e do sistema nervoso
simpático e parassimpático. Para o físico indiano e estudioso do Yoga, Harbans Lal Arora (1999), "eles
produzem efeitos fisiológicos e psíquicos benéficos, proporcionando a saúde psicossomática, o equilíbrio
dinâmico e a harmonia interna".

A palavra sânscrita mudra deriva de duas raízes, mud e ra, tendo diversos significados. Pode ser traduzida por
deleite, alegria ou prazer, pois ao conectar as correntes de energia solar e lunar nos canais e centros
energéticos ou psíquicos do praticante, esse experimenta a consciência do prazer. Segundo Dr. Gharote
(2000), "um comentário de Raghavabhata no Sarada Tilaka 23:106 explica (...) que mudra dá uma sensação
de bem-estar e felicidade."

Outro significado para mudra é magia ou encanto, pois, como num passe de mágica ou num
encantamento, um determinado gesto corporal conduz o indivíduo a um respectivo estado de mente calma
ou feliz. Assim, os mudras são também chamados gestos de poder.

São conhecidos como selos (Feurerstein, 2001), pois, por meio do controle das energias vitais, selam o corpo e
geram alegria. Os grandes sábios da Índia, há mais de 4000 anos, conhecendo profundamente a anatomia
e a fisiologia energética do ser humano, e compreendendo a estreita relação entre o aparato energético e
o psíquico, perceberam que poderiam produzir estados mentais específicos a partir da colocação do corpo,
ou partes do corpo, numa determinada posição gestual. Os gestos, como selos, fixam na mente um estado
particular e favorável ao praticante do Yoga.

Todos nós experimentamos o caráter arquetípico dos mudras quando, num determinado estado emocional
ou numa situação específica, realizamos um gesto que qualquer outro ser humano, em qualquer parte do
planeta e em qualquer outra época, também o faz. Por exemplo, quando juntamos as mãos em prece para
orar, reverenciar ou em sinal de agradecimento. Ou quando abanamos a mão para cumprimentar uma
pessoa, num encontro ou numa despedida. São gestos universais, que as pessoas fazem, em todas as partes,
desde a antiguidade. Muitos gestos corporais estão no inconsciente coletivo, como diria o psicanalista suíço
Carl Gustav Jung, ou, como dizem os orientais, estão no Akasha, o espaço cósmico, onde estão
armazenados todos os conhecimentos da Humanidade, desde os primórdios (Miranda, 1962).
Um gesto freqüentemente usado no Hatha Yoga para dar suporte à concentração e à meditação é o jñana
mudra, símbolo da sabedoria ou do conhecimento, em que a ponta do indicador e a ponta do polegar se
unem e ou outros dedos permanecem estendidos. O polegar representa a alma universal, e o indicador, a
alma individual, que se unem para facilitar o estado interior de integração. Assim como este, existe outros
mudras, com um simbolismo próprio.

Concluindo, citamos a bailarina e pesquisadora dos mudras, Sabrina Mesko (2003), da Eslovênia, dizendo que
"mudra é a senha de acesso aos dados do seu computador interior - seu poder invisível".

(1) Pranayama, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi são respectivamente respiração que controla a energia vital,
recolhimento dos sentidos, concentração, meditação e auto-realização.

Bibliografia Consultada e Referência Bibliográfica:

Arora, H. L. A Ciência Moderna à Luz do Yoga Milenar. Nova Era, Rio de Janeiro, 1999.
Feuerstein, G. A Tradição do Yoga. Pensamento, São Paulo, 2001.
Gharote, M.L. Técnicas de Yoga. Phorte Editora, Guarulhos, 2000.
Gharote, M.L. Yoga Aplicada - da teoria à prática. Phorte Editora, Londrina, 1996.
Mesko, S. Mudras que Curam - Yoga para suas mãos. Pensamento, São Paulo, 2003.
Miranda, C. Hatha Yoga - a ciência da saúde perfeita. Ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1962.
Radha, S.S. Hatha Yoga - the hildden language. Jaico Publishg House, Mumbai, Índia, 1996.
Ramm-Bonwitt, J. Mudras - as mãos como símbolo do cosmos. Pensamento, São Paulo, 1995.
Souto, A. El Yoga de la Purificación - Traducción y Comentario del Gheranda Samhita, Editora Lonavla Yoga Institute,
Buenos Aires, 2002.
Souto, A. Uma Luz para o Hatha Yoga Transliteración, Tradccion e Comentário y Notas sobre el Hatha Pradipika, Editora
Lonavla Yoga Institute, Bos Aires, 2000.
Yogendra, S. Hatha Yoga Pradipika - luz sobre o Hatha Yoga. Instituto Dharma, Florianópolis, 2002.

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Brahma Mudra, o mito da Criação


Rosana Biondillo

Através dos tempos, todas as civilizações e diferentes culturas se perguntaram sobre a origem do Universo. As
várias respostas dadas a essa pergunta formam o que hoje chamamos de mitos de Criação.

Embora concebidos com detalhes específicos de suas respectivas tradições, todos esses mitos nos falam de
um princípio transcendente e não-dual, que produz o Universo de nomes e formas, e é também seu princípio
animador. Por outro lado, toda vez que nos perguntamos sobre a origem do Universo, estamos, paralela e
intrinsecamente, nos perguntando sobre a nossa própria origem. Em outras palavras: ao nos questionarmos
sobre o Universo externo ao ser, estamos nos questionando sobre o Universo interno do ser. Os conceitos de
macro e microcosmo têm sua origem nessa gigantesca e incomensurável indagação.

A escolha pelo estudo de uma dessas vias, micro e macrocosmo, nos conduz a diferentes abordagens. A
Ciência, por exemplo, observa, analisa e estuda a natureza e o Cosmo na busca de teorias e comprovações
sobre sua origem; já, por exemplo, o Yoga promove a auto-observação, a auto-análise e o auto-estudo na
busca da experiência da Criação e da revelação da essencial natureza humana. E cada qual, a seu modo,
tem seus próprios métodos e técnicas que comprovam a realidade de suas convicções. São tecnologias
distintas, pois uma não pode, e nem deve, ser verificada pela metodologia da outra; mas podem, cada qual
ao seu modo, ser consideradas complementares e, ao mesmo tempo, promotoras de um diálogo aberto e
respeitoso sobre as várias visões que cercam a nossa incessante busca pelo entendimento da origem e
propósito da existência de tudo.

O criador de quatro cabeças

Dentre os mitos de Criação, existe o de Brahma, o criador, que ao lado de Vishnu, o preservador, e Shiva, o
destruidor, compõem a trindade hinduísta. Sua representação é a da consciência original de todas as coisas
do Universo. Brahma é a manifestação do poder da Criação.
Segundo Heinrich Zimmer:

"A condição e o papel de Brahma são confiados a um perfeito yogi, cujo controle sobre si mesmo e sobre os
poderes do Universo seja absoluto. Sempre que um ser humano, purificado pela fervorosa observação da
austeridade e renascido espiritualmente, através da iniciação, para a sabedoria sagrada, atinge a
iluminação suprema, tornando-se o yogi excelso, ele é reconhecido em sua absoluta dignidade pelo Ser
Supremo. Quando o Universo se expande outra vez os referidos processos de criação lhe são confiados."

Em suas representações, Brahma é tetracéfalo, isto é, possui quatro cabeças com as quais controla todos os
quadrantes e todo o espaço do Universo. Nada pode escapar à sua suprema e onipresente observação.
Diz a lenda que Brahma sentou-se em serena meditação e concebeu o Universo, bem como sua
multiplicidade de seres, de sua substância primordial. Num dos instantes da criação, uma bela mulher
espontaneamente brota de sua visão. Era Aurora, ou Saraswati. Ao conscientizar-se de sua presença, Brahma
abandona sua postura de yogi e procura conhecer a função dessa bela aparição. Eis que surge um novo
ser: Kama, o desejo. Foi assim que o desejo apareceu pela primeira vez no mundo. Brahma vê-se, então,
perdidamente embriagado pela estonteante beleza de Saraswati. Mas Saraswati foge de Brahma. Poderoso,
para cada um dos movimentos de Saraswati, Brahma desenvolve uma nova cabeça. Ao final, Brahma tem
quatro cabeças.

As quatro cabeças de Brahma podem simbolicamente representar:

- os quatro pontos cardeais: norte, sul, leste e oeste;


- os quatro elementos da natureza: ar, fogo, água e terra;
- os quatro yugas: krita, treta, dvapara e kali;
- as quatro metas da vida: artha, kama, dharma e moksha;
- os quatro Vedas: Rig, Yajur, Sama e Atharva.

Brahma Mudra: vivendo a Criação consciente

No Yoga, originado do mito de Criação de Brahma, surgiu o Brahma Mudra, ou o Selo de Brahma.

Na maioria das vezes, os mudras são realizados por meio de gestos com as mãos, mas especificamente em
Brahma Mudra é a cabeça que se move lentamente em quatro direções: para a esquerda, para a direita,
para cima e para baixo.

Muito simples de ser realizado, esse mudra é muito profundo em seus efeitos. Há um senso de simultaneidade,
de percepção da integração entre todas as direções e dimensões da consciência, uma quase onisciência.
Pois Brahma Mudra nos conecta diretamente ao nosso universo interior e nos coloca em sintonia com sua
vibração essencial. Paralelamente, nos permite experimentar o processo simulado da Criação. A sensação
que predomina é a da ausência do tempo.

A prática diária de Brahma Mudra faz com que comecemos a entender a dinâmica da vida onde, de fato,
não existem separações entre nossas ações e os acontecimentos que nos cercam, mas apenas
desdobramentos da realidade que podemos apreender. Ao mesmo tempo, conseguimos perceber que
estamos todos em constante processo de criação, colaborando com um Universo mutável e em constante
expansão.

Ao que tudo indica, Brahma, o criador tetracéfalo do Universo, não concluiu sua obra. Sábia e gentilmente,
ele a deixou inacabada para que pudéssemos participar também, para que, um dia desses, possamos
descobrir e vivenciar não só a origem do Universo, mas o verdadeiro propósito que permeia esse vasto
Oceano Cósmico.

Rosana Biondillo é professora, fundadora do Shantih Yoga Studio - Centro de Estudos em Yoga, localizado em Guarulhos,
SP, e autora de artigos para portais, jornais e revistas.

© 2006 por Rosana Biondillo. Todos os direitos reservados.


Proibida reprodução sem autorização da autora.

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O jñána mudrá
Pedro Kupfer

Jñána mudrá significa 'o gesto que outorga o conhecimento'. Os dedos indicador e polegar se unem pelas
pontas, formando um círculo, e os outros permanecem juntos e descontraidamente estendidos. Este mudrá
também recebe o nome de shráddha prána kriyá, significando shráddha atenção, verdade, lealdade. Prána
kriyá refere-se à dinamização da energia vital.

Este mudrá é amplamente utilizado para a prática de pránáyáma e meditação. Fecha um circuito
eletromagnético no corpo sutil do praticante, impedindo que a energia se disperse durante a prática de
Yoga. Estimula a respiração e a irrigação sangüínea no cérebro, aumenta as capacidades intelectuais e a
memória e facilita a concentração no ájña chakra, centro do conhecimento intuicional.

Se você for usar este gesto para respiratórios ou concentração, lembre que a posição sentada deve ser
estável porém cômoda, mantendo a coluna vertebral naturalmente ereta, os ombros, braços e pernas
relaxados e a fisionomia descontraída. No contexto da dança, simboliza sinais favoráveis, cerimônias
auspiciosas, determinação, decisão, ensinamentos, guirlandas de flores, meditação, o yantra Om. Na
iconografia hindu simboliza sabedoria.

Extraído do livro Mudrá, gestos de poder.

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