Professional Documents
Culture Documents
imagens noturnas
Contato: asamar_sc@hotmail.com
22
Na bibliografia apresentamos alguns textos de José Carlos de PAULA CARVALHO que se utiliza desse
referencial teórico. É importante salientar que, juntamente com outros educadores, entre eles, a profa. Dra.
Maria Cecília SANCHEZ TEIXEIRA, foi o criador do CICE (Centro de Estudos do Imaginário, Culturanálise
de Grupos e Educação), na Faculdade de Educação da USP, um centro pioneiro no Brasil nos estudos sobre
Imaginário e Educação, na vertente da Escola de Grenoble.
23
Para DURAND (1997), a capacidade do sapiens para imaginar está relacionada diretamente à angustia
originária, ou seja, a angústia originada com a consciência da morte e do tempo que passa, a temporalidade.
58
passa) e dos dinamismos de eufemização tanto da morte, como do tempo. Esse processo é
necessário ao homo sapiens para que possa viver uma relativa equilibração antropológica.
Nesse contexto, os regimes de imagens e suas configurações imagético-simbólicas
apresentam um papel de mediação importante, manifestando-se no psiquismo humano e
interferindo tanto na percepção imediata como nas idéias racionais.
Para a construção desse mundo (que como já vimos inclui o homem, mas,
paradoxalmente, são separados para que haja a consciência) há a produção significante que
se expressa na forma de mitos e símbolos (modalidades de explicitação do mundo) que
realizam a mediação – ou talvez uma “remediação” – entre “sujeito” e “mundo” para que
haja no sapiens o fenômeno denominado por Gilbert Durand de “equilibração
antropológica”.
Ou como nos diz FERREIRA SANTOS (1998) está relacionada à “aventura de dominar as areias da
ampulheta e a inevitabilidade da ‘velha da foice’.”
24
Utilizo aqui as reflexões de Monique AUGRAS (1981:19-25).
59
Dessa forma, podemos dizer que o imaginário é o principal instaurador das
diferentes formas de pensar, sentir e agir. Em suma, o canal das relações do sapiens com o
mundo e consigo mesmo. Para DURAND (1997), portanto, é através da troca incessante
entre as pulsões subjetivas (bio-psíquicas) e as intimações objetivas (cósmico-sócio-
culturais) que se processa o “trajeto antropológico”, ou seja, o dinamismo equilibrador que
possibilita ao sapiens, como já salientamos, enfrentar ou eufemizar a angústia relacionada à
consciência do tempo que passa e da morte.
A imaginação como função simbólica vai se expressar a partir dos três esquemas
de ação (postural, digestiva e copulativa), que DURAND foi buscar na escola de
Leningrado (1997). Tais esquemas de ação, responsáveis pela manifestação da energia bio-
psíquica, engendram três "estruturas" imaginantes: a heróica, a mística e a dramática, que
estaremos aprofundando no decorrer deste trabalho. Para DURAND (1997: 54 e 55),
60
menos metodologicamente, um parentesco entre a dominante digestiva e a dominante
sexual, classificando as imagens relacionadas com tais pulsões no regime noturno.
61
natural e social que os arquétipos se constituirão. Portanto, serão nos arquétipos que iremos
encontrar as substantificações dos schèmes. Em outras palavras, cada arquétipo passa a ser
um intermediário - sempre dinâmico e ativo - entre os schèmes (subjetivos) e as imagens
fornecidas pelo ambiente perceptivo. Em suma, os arquétipos são “imagens primordiais”
oriundas do contato dos schèmes com o ambiente natural e social.
62
... enquanto o arquétipo está no caminho da idéia e da substantificação,
o símbolo está simplesmente no caminho do substantivo, do nome, e
mesmo algumas vezes do nome próprio. (...) Enquanto o schème
ascencional e o arquétipo do céu permanecem imutáveis, o simbolismo
que os demarca transforma-se de escada em flecha voadora, em avião
supersônico ou em campeão de salto. Pode-se mesmo dizer que perdendo
polivalência, despojando-se, o símbolo tende a tornar-se um simples
signo, tendo a emigrar do semantismo para o semiologismo: o arquétipo
da roda dá o simbolismo da cruz que, ele próprio, se transforma no
simples sinal da cruz utilizado na adição e na multiplicação, simples
sigla ou simples algoritmo perdido entre os signos arbitrários dos
alfabetos.
Porém, nessa trama que estamos tecendo, falta ainda fazer referência ao mito,
importantíssimo para compreendermos toda a Antropologia do Imaginário de Gilbert
DURAND. Assim, no prolongamento dos schèmes, arquétipos e símbolos, chegamos,
finalmente, à presença do mito. Este não é pensado no sentido estrito dos etnólogos, mas,
sobretudo, como um sistema dinâmico (de símbolos, arquétipos e schèmes) que tende a
compor-se em narrativa. E como já salientou DURAND (1997:63), “o mito já é um esboço
de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em
palavras e os arquétipos em idéias. O mito explicita um schème ou um grupo de schèmes”.
63
mitos estão na “base” da ciência clássica - cartesiana-positivista - e das abordagens
multidisciplinares. Por sua vez, a estrutura mística (regime noturno), está relacionada aos
schèmes da descida e da intimidade, induzindo nossa imaginação para o paradigma
holístico e para as abordagens interdisciplinares. E, por fim, a estrutura dramática (regime
noturno também), capaz de “re-ligar” de forma cíclica as duas estruturas anteriores,
promove o princípio da similitude e da analogia, tornando-se a força-motriz do paradigma
holonômico, da lógica recursiva e das abordagens transdisciplinares.
Nesse sentido, não é mais possível pensar o imaginário como oposição ao “real”,
nem como sinônimo de “quimérico”. O imaginário é um sistema dinâmico, organizador de
todas as imagens produzidas pelo sapiens que, como nos apercebemos, manifestam-se de
três formas distintas, ora estimulando a luta e a discriminação, ora procurando a harmonia e
ora re-ligando esses dois pólos.
64
intermediários: pode ser ascensão ou ereção rumo a um espaço
metafísico, para além do tempo, de que a verticalidade da escada, dos
bétilos e das montanhas sagradas é o símbolo mais corrente. Poder-se-ia
dizer que neste estádio há conquista de uma segurança metafísica e
olímpica. Pode manifestar-se, por outro lado, em imagens fulgurantes,
sustentadas pelo símbolo da asa e da flecha, e a imaginação tinge-se,
então, de um matiz ascético que faz do esquema do vôo rápido o
protótipo de uma sublimação da carne e o elemento fundamental de uma
meditação da pureza. O anjo é o eufemismo extremo, quase a antífrase
da sexualidade. Enfim, o poderio reconquistado vem orientar essas
imagens mais viris: realeza celeste ou terrestre do rei jurista, padre ou
guerreiro, ou ainda cabeças e chifres fálicos, símbolos cujo papel
mágico esclarece os processos formadores dos signos e das palavras.
Essa "clareza" que podemos associar à imagem do cetro será reforçada também pela
do gládio. Ou seja, os schèmes diairéticos consolidam os schèmes da verticalidade, pois, a
luz tende a se tornar raio ou gládio no dogmatismo da representação belicosa solar. Em
outras palavras, como bem resumiu DURAND (1997:158):
65
reconhecido que o cetro de justiça traz a fulgurância dos raios e o
executivo do gládio ou do machado.
E, a essa lentidão, soma-se uma nova qualidade térmica. Não é mais o fulgor
ardente diurno, mas o calor suave, apetecível. Na "descida" são os arquétipos da inversão e
do continente e do conteúdo (em que seqüências de “engolimentos” vão se alternando,
como nas inúmeras lendas no qual o menor dos peixes é engolido por um maior, e assim
sucessivamente, conservando os engolidos miraculosamente intactos) e os símbolos da
gulliverização25 (a minimização inversora da potência viril) que iremos encontrar.
25
DURAND (1997:214) lembra que “o folclore insiste no papel caseiro, doméstico, de todo este ‘pequeno
mundo’: os anões lendários fazem a comida, cultivam a horta, atiçam o fogo, etc. essas ‘figurinhas reduzidas,
cheias de gentileza e graça’, apesar das valorizações negativas que o cristianismo tenta lhes dar,
permanecem na consciência popular como pequenas divindades maliciosas, decerto, mas benfazejas.”
66
... a perenidade substancial da própria ação faz negligenciar as
qualificações substantivas ou adjetivas. Esta estrutura da perseverança
dá forma a todo esse jogo no qual continentes e conteúdos se confundem
numa espécie de integração ao infinito do sentido verbal do
encaixamento. Materialmente, esta emocionante ligação à pátria
materna, à morada e à capital traduz-se pela freqüência das imagens da
terra, da profundidade e da casa.
67
Em relação às sub-estruturas dramáticas, DURAND (1997) concluiu que elas são as
mais difíceis de interpretar, já que integram as outras duas intenções do imaginário: a
heróica e a mística.
68
Por trás dessa estrutura totalizante da imaginação histórica, DURAND identificou
uma quarta sub-estrutura: a progressista e messiânica, na qual o futuro é presentificado e
dominado pela imaginação.
69
Como apresentamos, o imaginário pode ser classificado em dois regimes: o diurno e
noturno. Essa classificação, porém, não pretende definir tipos comportamentais. Ao
contrário, é a partir da noção de fator, que admite a concomitância e o plural no seio de um
mesmo fenômeno, que DURAND (1997) sugere que pensemos.
70
trajeto imaginário, tenta melhorar a situação do homem no mundo. (...)
todavia, esta eufemização verga-se também ao antagonismo dos regimes
do imaginário. Tentamos mostrar como o eufemismo se diversifica, às
portas da retórica, em antítese declarada quando funciona no regime
diurno ou, pelo contrário, através da dupla negação, em antífrase
quando depende do regime noturno da imagem.
Encerrando esse artigo, pode-se dizer que a proposta de Gilbert DURAND é uma
das mais importantes contribuições para o estudo do imaginário na segunda metade do séc.
XX, além de ser uma reação à desvalorização ontológica da imagem e do imaginário no
Ocidente e aos excessos formais do Estruturalismo das décadas de 1960 e 70. Porém, como
afirmou TEIXEIRA COELHO (2000: 57):
71
Obs. A referencia bibliográfica apresentada no artigo pode ser acessada no site
http://br.geocities.com/imaginarionocotidiano/
72