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HERBART

E O SISTEMA DA TEORIA EDUCATIVA


Extraído do livro História Geral da Pedagogia, de Francisco Larroyo.

Johann Friedrich Herbart nasceu era Oldenhurgo (Alemanha) no ano de 1776. Em


1805 foi professor de Filosofia em Goetingen; mais tarde, em Königsberg, de 1809 a
1833. Morreu em 1841, depois de uma vida entregue inteiramente à atividade
acadêmica. As obras pedagógicas mais importantes de Herbart são: Relatórios de um
Preceptor, Pedagogia Geral deduzida do fim da Educação, Esboço para um curso de
Pedagogia, Lições Preliminares sobre Pedagogia e Idéia de Pestalozzi de um ABC da
instrução.

1. O sistema da Pedagogia. - Com Herbart a história da educação tocou a


figura mais importante do século XIX e uma das quatro cabeças diretoras
(junto com Comênio, Rousseau e Pestalozzi) da Pedagogia clássica dos
Tempos Modernos. Não é sem razão que suas idéias pedagógicas se
propagaram, com êxito envolvente, durante toda a metade do século XIX e,
ainda que detidas, de um lado pela doutrina neokantiana de Paulo Natorp e a
neo-begeliana de Gentile, e, de outro, pela Pedagogia de Dewey e a atividade
de Kerschensteiner, ainda contam, depois de formadas, com talentosos e
brilhantes defensores.
Herbart construiu o primeiro sistema da teoria educativa, o primeiro
ensaio de grande porte destinado a explicar e fundamentar o complexo e vasto
fato educativo num corpo de doutrina. Pode-se dizer, com efeito, que Herbart
conseguiu clarificar a turbamulta dos problemas pedagógicos à luz de uma
ampla e congruente doutrina, tomando, como antes ninguém o havia feito, a
tarefa de uma ciência da educação no verdadeiro sentido do termo, pois seus
predecessores (como Locke, Comênio, Rousseau e mesmo Pestalozzi) se
haviam limitado a encarar tópicos da educação sem atender a uma exposição
de conjunto.
Herbart não apenas empreendeu o estabelecimento e resolução de alguns
problemas. Seu plano de trabalho foi um estudo abrangente e sistemático da
vida educativa: desde os temas da Didática especial, na qual se revelou um
talento criador, até as questões dos objetivos filosóficos e das relações da
educação com a vida e a cultura, tudo tem ajuste pertinente na doutrina(1).
Com nítida consciência da tarefa que se propôs, mostrou que, antes de
tudo, é preciso diferenciar a Pedagogia como ciência, da arte da educação.
"Qual é o conteúdo de uma ciência? Uma coordenação de postulados que
constituem uma totalidade de idéias e que, na medida do possível, procedem
uns de outros como conseqüências de princípios e como princípios de
fundamentos. Que é arte? Uma soma de habilidades que há de reunir-se para
conseguir um determinado fim. A ciência, pois, exige derivar os postulados de
seus fundamentos - pensar filosófico; a arte exige atuar sempre apenas de
acordo com os resultados daquele; não pode, durante sua execução, perder-se
em especulações; cada momento exige sua ajuda; sua resistência apresenta mil
pequenos obstáculos."
"É preciso diferenciar também a arte do educador culto da execução
empírica da arte. Aquele sabe tratar toda natureza e toda idade; esta age por
acaso, por simpatia, por amor paternal."
"Qual destes três círculos é o de nosso estudo? Indubitavelmente nos falta
a oportunidade para a execução real e, ainda mais, a ocasião para todos os
exercícios e ensaios pelos quais unicamente se pode aprender a arte. Nossa
esfera é a ciência. Por isso, temos que reflexionar sobre a relação entre a teoria
e a prática."(2)

2. A Ética: fundamentação da finalidade educacional. - Ora, qual é o


ponto obrigatório de partida de uma teoria pedagógica? O conceito
fundamental da Pedagogia é a educabilidade (Bildsamkeit), isto é, a
ductilidade e plasticidade do homem para conformar-se com certo modo de
vida regida por fins moralmente valiosos. Por isso, a Pedagogia, como ciência,
depende da Filosofia prática e da Psicologia. "A Pedagogia mostra o fim da
educação; a Psicologia o caminho, os meios e os obstáculos." A tarefa da
educação reside em formar o caráter, que, na luta da vida, deve manter-se
inquebrantável, e não, precisamente, pela força da ação externa sobre a
pessoa, mas graças a uma resoluta e clara atitude moral. "Virtude é o nome
que convém à totalidade do fim pedagógico. É a idéia da liberdade interior
convertida numa pessoa em realidade permanente." Herbart enfatizou, no
Problema moral, a importância decisiva do assentamento prazeroso na
decisão da vontade. O homem, como já o havia demonstrado Schiller, deve
realizar o bem com íntima e fecunda alegria, com prazer estético. As
apreciações e valorizações por íntima e prazenteira inclinação (em sua
linguagem, "representações estéticas") incluem, ao mesmo tempo, "o digno, o
belo, o moral, o justo; numa palavra: o que agrada em seu estado perfeito,
depois de uma contemplação perfeita". Em conjunto, cinco idéias definem,
com rigor, este caráter moral que tem em vista a formação humana:
a) A liberdade interior, vale dizer, a liberdade resoluta e cheia de gozo
para desejar o bem.
b) A plenitude de valores, que propende para a realização de objetivos
nobres, cada vez em maior número.
c) A benevolência, ou seja, querer o bem do próximo.
d) A justiça, isto é, dar a cada um o que é seu.
e) A eqüidade, recompensa e reparação adequadas.
A estas cinco idéias ou virtudes correspondem, sucessivamente, cinco
ideais sociais: uma sociedade de homens livres, um sistema de bens culturais,
uma comunidade jurídica, um sistema de ideais e um regime de recompensas
e salários eqüitativos.

3. A Psicologia: supostos da Metodologia. - A formação do caráter não é


a formação de certa faculdade do espírito, talvez da vontade. Herbart rejeitou
"a doutrina das faculdades da alma". É errôneo considerar a alma humana
como um agregado de faculdades. A vida psíquica é, para Herbart, um
mecanismo de representações. Com tal conceito se aproximou, não pouco, da
Filosofia mecanicista da Época das Luzes. "As representações são produzidas
por sensações sensíveis e subsistem na alma uma vez que tenha cessado seu
motivo exterior. Porém, como devido à estreiteza da consciência somente
poucas representações podem chegar a ser conscientes, as demais ficam sob o
umbral da consciência, onde, como molas de aço comprimidas, esperam voltar
a surgir (reprodução). As representações são, pois, forças que se acham em
luta entre si e se contrapõem ou se unem, segundo leis muito determinadas.
Nas uniões de representações (associações) se baseia o mecanismo da
memória e de todas as formas especiais e temporais de nosso representar. A
acolhida de novas representações se realiza por massas antigas de
representações semelhantes (apercepção). Os sentimentos e desejos não são
nada independentes e, em nenhum caso, uma faculdade anímica particular.
São apenas estados variáveis das representações, nas quais residem. Os
sentimentos nascem 'quando uma representação se acha comprimida entre
forças opostas'; os atos votitivos são produzidos pela pressão recíproca das
representações." Herbart não reconheceu a liberdade da vontade no sentido de
Kant. As massas mais fortes de representações determinam nosso agir, e,
como a instrução pode criar tais massas de representações, vê-se, aqui,
também a possibilidade da formação do caráter(3).
Em última instância, esta luta das representações se explica
metafisicamente, recorrendo a certo numero de elementos subjacentes na
consciência chamados reais. Além disso, são suscetíveis de medir-se
matematicamente os diversos estados psíquicos (Psicologia matemática).
Em suma: a Psicologia de Herbart pode ser caracterizada como metafísica
intelectualista, associacionista, mecanicista e matemática.

4. Instrução educativa. - Assentadas estas bases, Herbart fixou os termos


do problema teórico da Pedagogia: o caráter moral, finalidade da educação,
alcança-se pela instrução, pela disciplina e pelo governo.
A instrução (do latim, in-struo, edificar em) é o círculo de idéias que se
vão construindo na consciência do educando, graças ao fato da apercepção.
De acordo com o mecanismo da psique, tais representações são modificáveis e
determinam, definitivamente, o comportamento e a ação do homem. Mas a
conduta e a ação humanas são, assim, as mais evidentes manifestações do
caráter. Portanto, a instrução tem um fim educativo a verdadeira instrução é
instrução educativa. A instrução, no mero sentido de informação, não contém
garantia alguma para fazer frente aos defeitos e à influência dos grupos
existentes de idéias, que são independentes da informação recebida. Mas a
educação deve apossar-se destas idéias, visto como a classe e o grau de ajuda
que a instrução pode proporcionar ao comportamento dependem do domínio
que têm sobre elas.
Assim, só é educativa a instrução que modifica os grupos de idéias que o
espírito possui, impulsionando este a formar uma nova unidade de
representações ou uma série harmônica de unidades, que, por sua vez,
determinam o comportamento. Uma volição não é mais do que uma idéia que
se desenvolveu cabalmente, realizando um círculo completo, que começa com
o interesse e termina com a ação. Esta instrução educativa, que forma a
vontade ou o querer e modela o caráter, é a verdadeira tarefa da escola. O
meio de conseguir. esta instrução educativa é produzir, no espírito da criança,
um interesse multíplice.

5. Pedagogia do interesse. - Com efeito, a primeira condição para que o


ensino seja fecundo é que excite o interesse do educando. "O interesse é a
grande palavra, a palavra mágica da Pedagogia." Interessar a criança é
depositar em sua consciência o gosto e íntimo atrativo da verdade, da beleza e
do bem; não é um mero distrair ou divertir, mas a fonte da atividade
intelectual. O interesse exclui a violência, suaviza o esforço até quase suprimi-
lo. Tudo está perdido se, desde o princípio, se converte o estudo numa espécie
de miséria e tormento.
Para Herbart existem seis classes de interesses: três que provocam o
conhecimento e três que provêm das relações sociais. As primeiras levam a
conhecer as coisas, as segundas, a conviver com os homens. O interesse que
se liga ao conhecimento pode ser interesse empírico, enquanto só se dirige à
observação de objetos; interesse especulativo, quando conduz ao estudo das
leis e relações das coisas e interesse estético, se traz em si a apreciação
prazenteira dos fatos. Observar as árvores de um bosque é o resultado de um
interesse empírico; reflexionar sobre as leis de seu nascimento, o produto de
um interesse especulativo. Enfim, o interesse estético propende para sentir a
beleza da floresta.
Os interesses que dão margem às relações humanas são: o interesse
simpático, que impulsiona o homem a participar na alegria e na dor do
próximo; o interesse social, que faz sentir o destino da classe social a que
pertence, do povo, da Humanidade; o interesse religioso, que o guia ao
sentimento de dependência a respeito de Deus.
Nenhuma das seis formas de interesse deve ser descuidada ou sacrificada.
O interesse deve ser multíplice e equilibrado. "A flor não deve romper o cálice
– a plenitude não deve converter-se em debilidade pelo excesso de dispersão
em muitos sentidos. A sociedade humana julga, como necessária, de há muito
tempo, a divisão do trabalho, para que cada um possa fazer bem o que
empreende. Mas quanto mais se limita, se divide a empresa, tanto mais se
multiplica o que cada um recebe dos outros. Pois como a receptividade
espiritual se baseia numa afinidade de espírito, e esta, por sua vez, sobre
exercícios espirituais semelhantes, é evidente que, no reino supremo da
Humanidade propriamente dita, não podem permanecer isolados os trabalhos
até o ponto de se ignorarem reciprocamente. Todos hão de ser diletantes de
tudo, cada um há de ser virtuoso numa especialidade. Mas a virtuosidade
particular é assunto de eleição; pelo contrário, a receptividade multíplice, que
só pode originar-se das multíplices tentativas do esforço pessoal, é assunto da
educação. Por esta causa consideramos como primeira parte da finalidade
pedagógica a multiplicidade do interesse, que é preciso diferençar de seu
exagero, da multiplicidade de ocupação. E posto que os objetos da vontade, as
próprias orientações particulares, nos interessam todas igualmente, para que
não destoe ver a debilidade ao lado da força, acrescentaremos este predicado:
multiplicidade equilibrada."(4).

Johann Friedrich Herbart

6. Passos formais. - O interesse aviva a atenção e esta, posta em


movimento, enriquece a experiência (o círculo de idéias) do aluno, graças à
apercepção.
A atenção aperceptiva pode ser aplicada a um objeto isolado para captá-lo
fielmente em sua totalidade, ou então trata de associar diversos objetos ou
elementos de uma coisa. No primeiro caso fala-se da apreensão analítica; no
segundo, da consciência sintetizadora.
A apreensão e a consciência podem, por sua vez, ser consideradas,
sucessivamente, em estado de mera contemplação estática (intuição) ou em
estado de movimento (processo discursivo) Da combinação destas
manifestações da atenção aperceptiva, derivam-se os quatro graus, etapas,
momentos ou passos do ensino. chamam-se "formais", porque apresentam a
forma geral mercê da qual o educando pode apropriar-se das mais diversas
matérias de ensino, e são:
I. A apreensão estática, durante a qual o educando contempla, claramente,
um objeto: etapa da clareza ou da demonstração do objeto.
II. O trânsito de uma apreensão para outra: etapa da associação ou
comparação.
III. A compreensão de diversos objetos em sua profunda relação mútua:
etapa da sistematização ou da generalização.
IV. O processo da consciência para aplicar em sua mais variada forma o
conhecimento adquirido: etapa do método ou da aplicação.
Um exemplo pode ilustrar a didática dos "passos formais". Tema da lição:
"Os Planetas." Primeiro momento do ensino, a clareza ou intuição: observar
num planisfério celeste o movimento de algum planeta (Vênus). Segunda fase
do processo: comparar Vênus com outros planetas. Terceiro grau do
aprendizado ou generalização sistemática: caracterizar, em geral, estas
espécies de astros chamados planetas (definição de planeta). Quarto passo, ou
seja, a aplicação do conhecimento adquirido: estabelecer urna comparação
entre os planetas e outras classes de astros, formular e resolver problemas
astronômicos de distância, de velocidade etc.
Veja-se como o último "passo" é um grau de associação mais amplo do
que o terceiro; mas, como tal, suscetível de servir de base para uma nova
sistematização, e, assim, sucessivamente. Por isso, Herbart preconizou esse
método didático à maneira de um processo eficiente para assegurar a
continuidade do ensino, pois "não há verdadeiro ensino, senão quando uma
noção nova se intercala em seu lugar, na série de noções já percebidas, e
forma uma das malhas do tecido, um dos elos da corrente".
Com esta idéia da continuidade do ensino, acha-se unido a Herbart o
pensamento da concentração ou unificação dos estudos. Em particular,
Herbart recomendava os Poemas Homéricos como centro de ensino.

7. Teoria da disciplina e do governo escolar. - A idéia de concentração


ou unificação do ensino respondia, definitivamente, à necessidade de colocar
todo o processo educativo a serviço da formação do caráter moral, em cuja
tarefa, a disciplina alcança efeitos diretos, imediatos, diferentemente da
instrução que opera de forma mediata. A disciplina se dirige à vontade do
educando; pretende conformar o caráter deste com vistas a uma conduta
moralmente valiosa. Para chegar à intimidade do aluno e atingir os objetivos
que se propõe a formação disciplinar, é preciso levar em conta as disposições
naturais e o gênero de vida da criança e do jovem. "As naturezas enfermiças
sentem-se dependentes; as robustas arriscam-se a desejar."
As regras da disciplina podem ser ocasionais ou contínuas, podem
impulsionar ou conter, regulamentar ou auxiliar.
A tarefa educativa também recorre a expedientes externos para proteger a
ordem da vida: tal é o objeto do "governo". As crianças têm apetites naturais
de luta; provocam desordem e causam danos. Para contê-las, impõe-se uma
série de medidas aplicáveis de grau ou por força. Se se pretende alcançar esta
finalidade, mediante a formação do sentimento de eqüidade nas crianças (o
que constitui um verdadeiro ideal educativo), já se está no campo da disciplina
propriamente dita. O governo, como tal, prescinde destes efeitos internos. Os
meios de governo são a ameaça, o castigo, a admoestação etc.; normas
externas a que todos estão submetidos igualmente. "A disciplina, pelo
contrário, atua de um modo contínuo e sempre com as vistas no futuro do
aluno e suavemente, como a providência benigna. Ao governo todos se acham
igualmente submetidos; a disciplina, pelo contrário, tem em conta a
individualidade e se ajusta a ela em suas admoestações, ameaças, censuras;
em seus alentos, louvores, recompensas. O governo tem seu papel
especialmente nos anos da primeira infância e nos períodos de particular
perigo; mas tem de desaparecer, tão logo seja possível; pois 'as crianças e os
jovens hão de ser ousados para chegar a ser homens'. Onde se governa muito
não se pode desenvolver nenhuma espontaneidade pessoal, nenhum espírito de
invenção, nenhum ânimo arriscado, nenhuma atitude previsora, nenhum
caráter forte, consciente de sua finalidade." Em suma: uma conduta de vida
real, mas, ao mesmo tempo, de elevação moral.

8. Relação da escola com a vida. - Exatamente, devido a este objetivo da


educação, Herbart não desatendeu, como verdadeiro sistemático, as relações
da educação com a cultura, e da escola com a vida. Percebeu como a escola,
amiúde, se esquece dos afazeres do mundo, mas acentuou, com fina acuidade,
a tarefa vital e social da Pedagogia. "Da escola para a vida, e, por sua vez,
volta da vida para a escola; esta seria, sem dúvida, a melhor caminhada que se
poderia seguir. Mas se as circunstâncias não permitem isto, se, de acordo com
as formas sociais, o homem de escola e o homem do mundo são duas pessoas
completamente separadas, que não podem trocar comodamente seus lugares,
poderemos apontar uma vantagem precisa, interna, de um sobre o outro? Mui
dificilmente! Pois ambos contribuem por igual para representar na sociedade e
para manter eficaz uma coisa dupla, porém unida; como tão freqüentemente se
verifica nas relações humanas, segundo estejam divididos os trabalhos, cada
um tem que contar com o outro, que deve completar sua atividade. para que
esta, considerada por si só, não seja algo inútil."(5).

9. Idéia de experimentação e demonstração pedagógicas. - Herbart não


foi somente um teórico puro. Como professor, durante toda a vida, não se
limitou a discorrer ex-cathedra sobre os resultados de suas reflexões; sempre
teve perante os olhos a tarefa de comprovar sua doutrina, através da
experiência metódica. Quando foi designado professor em Königsberg, em
1810, considerou propícia a circunstância para organizar, como complemento
de sua cátedra, um centro prático de experimentação pedagógica. A iniciativa
provinha de Kant, que cena vez disse: "É incontestável que faltam escolas
normais e escolas de experiências." Herbart realizou tão fecunda idéia:
instalou em Königsberg um seminário pedagógico no qual, sob sua direção,
dez estudantes se preparavam para os misteres do ensino. Anexo a este
seminário, estabeleceu-se uma escola primária de experimentação e aplicação,
na qual um número reduzido de crianças (mais ou menos quinze)
proporcionava a oportuna ocasião de pôr à prova as idéias de Herbart e de
demonstrar sua anelada eficácia. Tal foi o nascimento destas instituições que,
a partir daí, foram consideradas como imprescindíveis nas escolas normais em
todas as panes do mundo.

10. Juízo sobre Herbart. - Um acerto da Pedagogia de Herbart é o fato


haver reagido contra os excessos do Idealismo especulativo e romântico, que,
partindo da atividade criadora do eu, terminou por exaltar as nebulosas e
arbitrárias construções deste. Em seu lugar sustentou uma concepção objetiva
e um tanto intelectualista do mundo e da vida.
Por esta via chegou, como já se disse, a forjar, embora herdando toda a
tradição pedagógica, o primeiro dos sistemas de uma ciência da educação.
Para isso, não se satisfez em apelar para a Ética e a Psicologia, já constituídas
em sua época, em busca dos fundamentos de sua doutrina pedagógica. Herbart
mesmo formulou uma Psicologia e uma Filosofia moral e estética, de
reconhecida importância na história das idéias, por suas imediatas e benéficas
repercussões.
Herbart conseguiu, por seus livros e sua ação pedagógica, o
reconhecimento geral de que a educação e o ensino constituem tarefas difíceis
e complexas, que requerem, para serem atendidas, um preparo científico
especial.
Alguns de seus pensamentos, produto de uma excessiva sistematização,
tiveram desenvolvimento eficaz e pertinente, como a idéia da radical
concentração didática. Como coordenar a época homérica, por exemplo, com
o ensino da matemática, ou o aprendizado da língua e da literatura com o da
geografia astronômica, sem cair num extremo mais ilusório do que prático?
Por outro lado, é certo, Herbart não compartilhou as idéias de um Fichte
sobre a educação nacional e pública, e sua Psicologia é Metafísica e
construída sobre a base de elementos anímicos, embora refutasse, com êxito, a
antiga doutrina das faculdades da alma. Mas esta e outras deficiências, vistas à
luz de sua época e ambiente, não anulam seus rendimentos excepcionais. Suas
idéias sobre o interesse, os graus didáticos, a disciplina, a formação do caráter,
a criação de escolas experimentais como processo para reformar a educação. e
multas outras, converteram-se em tópicos pedagógicos que encaminharam a
ciência e a técnica da educação pelas rotas mais seguras, desde o século XIX..
Ademais, como já se disse, sua obra, em conjunto, representa a
sistematização inicial de urna teoria pedagógica; assim se encontram, em
germe, algumas de suas peças de construção em Comênio, Locke, Rousseau e
Pestalozzi; e sua Psicologia, ainda que de fundamento metafísico, já postula
métodos psicométricos, tão ponderados décadas depois.

TEMAS PARA INVESTIGAÇÕES POSTERIORES

a) A Pedagogia de Herbart comparada com a de Pestalozzi.


b) A Pedagogia do interesse, desde Comênio até Herbart.

1. Acerca da idéia de sistema na Pedagogia, ver F. LARROYO, La Ciencia de


la Educación, 10. ed. México: Editorial Porrúa, 1967.
2. J. F. HERBART, Lições Preliminares de Pedagogia.
3. Cf. R..WICKERT, História da Pedagogia, pág. 160.
4. J. F. HERBART, Pedagogia Geral, Segunda Parte.
5. J. F. HERBART, Relação da Escola com a Vida.

A ESCOLA DE HERBART

1. Origem e desenvolvimento. - Herbart pertence aos grandes filósofos


tributários de Kant. É contemporâneo de Fichte, Hegel, Schelling,
Schleiermacher... Não obstante, sua Filosofia afasta-se da corrente do tempo,
que assume caráter cada vez mais idealista e romântico. Herbart, na verdade,
propendeu para o realismo metafísico, cuja semente creu achar no velho Kant.

Tal circunstância explica por que a doutrina herbartiana se propagou, após


a morte do grande Pedagogo, ocorrida em 1841. Em resposta a isso, como já
se disse, o Herbartismo teve um vigoroso desenvolvimento nos fins do século
XIX. Seus partidários chegaram a formar legião; e, como é natural, as idéias
do mestre foram tomando, com o tempo, novas modalidades em benefício de
uma evolução estimulante e frutífera.
Entre os discípulos de Herbart podem ser distinguidos três grupos: os que
diretamente se uniram às idéias do mestre (herbartianos rigorosos: Stoy,
Waitz, Strümpell); os que completaram e introduziram mudanças no sistema
(neo-herbartianos: Ziller, Dörpfeld, Rein); por fim, os que se vincularam a ele
em livre relação (herbartianos independentes: Von Sallwürk, Paulsen).

2. Os herbartianos imediatos: Stoy, Waltz, Sfrimpell. - Karl Wolkmar


Stoy (1815-1885) declarou inabaláveis os fundamentos da Pedagogia
herbartiana, sobretudo na fundamentação psicológica, mas sublinhou a
importância da instrução cristã-religiosa junto à cultura moral, no problema
dos fins da educação. Na mais importante de suas obras, a "Enciclopédia,
Metodologia e Bibliografia da Pedagogia" retocou alguns pensamentos de
Herbart e rejeitou tudo quanto outros herbartianos introduziram com a
pretensão de modificar qualquer parte construtiva do sistema. Dentro deste
espírito dirigiu ao herbartiano Tuiskon Ziller a frase: "Todo o novo em Ziller
não é bom, e todo o bom nele não é novo." Stoy foi pedagogo prático.
Ficaram célebres seu "Seminário Pedagógico" e seu "Instituto de Jena".
Theodor Waitz (1821-1864) tornou-se herbartiano mais tarde. Seu mérito
consistiu em haver tratado de suprimir os fundamentos metafísicos da
Psicologia de Herbart, sem alterar suas derivações pedagógicas. Em sua obra
pedagógica mais importante, Pedagogia Geral, dividiu o problema educativo
em três partes: Doutrina da intuição, do caráter e da inteligência. Nela
descuidou, um pouco, das idéias da concentração e dos "graus formais" do
aprendizado. Por isso, ponderou em todo seu valor o aspecto social do ensino,
indo além de Herbart. "O aluno, dizia, deve ser educado para a liberdade
interna, a benevolência e o serviço social."
Ludwig von Strümpell (1812-1899) foi um discípulo menos direto de
Herbart que os anteriores. Trabalhou, de preferência, no domínio da
Psicologia. Em sua Patologia Pedagógica observou as relações do psíquico
com o corporal e como as anormalidades e perturbações infantis tem base nos
fatos fisiológicos. Com estas idéias ligou-se aos descobrimentos de Wilhelm
Wundt,. o fundador da Psicologia fisiológica.

3. Os neo-herbartianos: Zilier, Dörpfeld, Rein. - Sem dúvida alguma,


foi Tuiskon Ziller (1817-1882) o discípulo mais importante da escola
herbartiana, "a alma do Herbartismo". Em suas duas obras principais:
Fundamentos da Teoria da Instrução educativa e Pedagogia Geral,
completou e proporcionou, em parte, novos fundamentos à doutrina do
mestre. Pode-se dizer que, em três pontos, melhorou e ultrapassou o sistema
herbartiano.
Segundo Ziller:
a) A escolha e a distribuição das matérias de ensino devem ser feitas de
acordo com as fases históricas (graus culturais). Ziller admitiu que a criança
percorre, em seu crescimento, o caminho que a Humanidade seguiu através
dos séculos; por isso. dividiu o programa em oito graus que correspondem a
oito etapas históricas: Contos e Lendas, Robinson, os Patriarcas, Israel, Jesus
(distribuído em dois anos), os Apóstolos, a Reforma. A história pátria seria
tratada em paralelo com a história sagrada.
b) Todos os ramos do ensino devem concentrar-se em tomo de cada um
dos graus culturais em cada período letivo, pois o fim capital do processo
instrutivo é a formação cristã-religiosa da criança.
c) As matérias de ensino, afinal, devem ser tratadas de acordo com os
passos formais, que ele elevou para cinco e chamou do seguinte modo:
análise, síntese, associação, sistema e método(1).
Em relação semelhante com Herbart encontra-se Frederico Guilherme
Dörpfeld (1824-1893). Em sua obra Materialismo Didático (1870) reclamou
uma minuciosa consideração do aspecto psicológico do aprendizado; ao
mesmo tempo fez ver que a quantidade de matérias jamais deveria
proporcionar a medida da educação. Para ele os passos formais do ensino
seriam: introdução, intuição, comparação, consideração e aplicação.
Waitz já havia sublinhado o fator social na educação. Wilhelm Rein (1847-
1929) introduziu, no sistema, o ideal nacional do processo formativo. Rein é
considerado como um dos mais firmes pilares da Pedagogia herbartiana, e
partilhou, com o mestre, uma firme vontade de sistema.
Rein dispôs a doutrina da educação em duas grandes seções: a Pedagogia
prática e a Pedagogia teórica. A primeira tem a missão de ressaltar as relações
da sociedade com a organização da vida educativa em todas as suas formas
(educação doméstica, espontânea, escolar), e se vale da Ética social e da
Psicologia social.
A Pedagogia teórica está igualmente orientada nestas duas disciplinas,
mas, na forma de ética individual e de psicologia individual, divide-se em
duas grandes partes:
a) Doutrina dos fins da educação (teleologia).
b) Doutrina dos meios da educação (metodologia).
A teleologia exige do educador que transforme o seu discípulo numa
futura personalidade que corresponda ao ideal da personalidade humana. A
metodologia, ou seja, a doutrina dos meios da educação, ocupa-se com a
Didática e a disciplina. Na Didática, que se refere ao estudo da seleção das
matérias de ensino, da coordenação e da maneira de tratá-las, Rein introduziu
algumas modificações no sistema herbartiano. Desde logo, classificou a
matéria didática em disciplinas histórico-humanistas e em disciplinas
científico-naturais. No que tange aos graus formais, propôs a seguinte série:
preparação, apresentação, associação, consideração e aplicação. Com
respeito ao princípio da concentração do ensino, prevenia ao mestre que
convertesse a confusa varietas lectionem numa ordinata varieta(2).

4 Os herbartianos independentes: Von Sallwürk, Paulsen. - Com


Ernest Sallwürk (1839-1926) a escola herbartiana foi perdendo seu caráter
intelectualista em favor de uma pedagogia da vontade. A própria evolução
deste pedagogo mostrou tal mudança de orientação. Em sua conhecida obra
"Formas Didáticas Normais" (1902), ainda se encontrou sob o signo do
esquema didático de Herbart, embora já revelasse assinalada originalidade.
Segundo Von Sallwürk, o processo metodológico seguiria estes graus:
I. Graus da condução.
a) Objeto.
b) Fundamento.
II. Graus da exposição.
a) Informação.
b) Fundamento.
III. Graus da elaboração.
a) Resultado.
b) Inordenação.
Mais tarde, separando-se também da teleologia herbartiana, mostrou que
"a educação não pode ser construída sobre a fé religiosa, mas sobre a cultura
global". Para tal mudança de concepção pedagógica contribuiu o estudo da
Pedagogia pestalozziana, que o levou a formular, no outono de sua vida, uma
doutrina voluntarista, como o indica o título de seu livro Escola da Vontade
como base de toda Educação (1915).
Muito mais independente ainda que Von Sallwürk, com respeito a Herbart,
foi o eminente filósofo e pedagogo Frederico Paulsen (1846-1908). Sua
melhor produção apareceu em suas idéias filosóficas sobre os fins da
educação. Segundo sua etimologia, disse Paulsen, "formação" significa
desdobramento, de dentro para fora, de uma energia de expansão ainda
indeterminada, até a maturidade total. Formação significa também esse
mesmo desenvolvimento global. Sob este aspecto concordou com o conceito
aristotélico de forma essencial. O homem verdadeiramente formado
representa o tipo ou a essência humana.
Dado, porém, que o homem é um ser histórico, somente como membro de
uma comunidade histórica, filho e cidadão de um povo, é possível conceber e
orientar sua educação.
Paulsen reconheceu a importância contemporânea da orientação realista
no ensino e exigiu uma equiparação entre a formação realista e a formação
humanista, pois a ciência e a técnica são novos e vigorosos poderes da cultura
atual; porém, com Herbart, assinalou como ideais da educação: força de
vontade, austeridade, trabalho, fidelidade ao dever e uma concepção religiosa
e moral da vida(3).

5. O Herbartismo fora da Alemanha. - Fora da Alemanha, o


Herbartismo estendeu-se mui consideravelmente na segunda metade do século
XIX.. Nos Estados Unidos da América, o primeiro que abriu caminho foi
McMurry, com a tradução, em 1889, da Psicologia de Herbart. O mesmo
norte-americano publicou, em 1892, os Elementos do método geral, em cuja
obra expôs, com fidelidade e simpatia, a doutrina herbartiana. De Garmo foi o
divulgador infatigável das doutrinas de Herbart, como o revelam suas muitas
traduções da Pedagogia herbartiana e sua estupenda monografia sobre Herbart
na coleção dos Grandes Educadores.
Na Inglaterra, as traduções do Sr. e Sra. Felkin conquistaram, para
Herbart, bom número de adeptos, como o provam as instituições docentes em
que imperam os métodos dos passos formais. Na distante Áustria, também se
conheceu logo a doutrina deste pedagogo de Königsberg.
Desde 1886, na Itália, o pedagogo Fornelli aderiu à doutrina, em sua obra
Pedagogia segundo Herbart e sua Escola. Por sua parte, M. Luige Credaro
deu à publicidade o livro Pedagogia de J. E. Herbart, no qual observou os
grandes rendimentos da orientação herbartiana na ciência da educação e da
Psicologia.
Na França, M. E. Roerich em seu livro intitulado Teoria da Educação
segundo os princípios de Herbart (1884) teve o mérito de haver sido o
primeiro a chamar a atenção para a doutrina de Herbart. M. Pinloche traduziu
partes importantes, ora da Pedagogia Geral, ora do Esboço. Uma boa obra
sobre Herbart, no século XIX, foi publicada por M. Mauxión com o título A
Educação pela Instrução e as Teorias Pedagógicas de Herbart; contudo, sem
dúvida alguma, a obra que mais contribuiu para dar a conhecer, na França, a
doutrina herbartiana foi o livro de Gabriel Compayré, Herbart e a Educação
pela Instrução (1906).
Na América Latina (particularmente Chile, Argentina, Uruguai, Brasil,
Peru, Colômbia, Venezuela e México) também se fez sentir a influência da
Pedagogia de Herbart, nos princípios do século XX, unida a inegáveis
elementos pestalozzianos e krausistas. Este último, graças à vigorosa
influência exercida nestes países pela venerável figura espanhola de Francisco
Giner de los Ríos (1839-1915) e seu grupo. Outro mestre espanhol, o grande
pedagogo Pedro Alcántara García (1842-1902), através de sua obra, também
foi eficiente veículo, na América Latina, das idéias herbartianas.

TEMAS PARA INVESTIGAÇÕES POSTERIORES

a) Estudo comparativo entre Stoy e Zilier.


b) O sistema da Pedagogia de W. Rein.

1. K. LANCE, T. Ziller, Berlim, 1918.


2. Ver sua obra Resumen de Pedagogía. Versão espanhola, Madrid, 1925.
3. F. PAULSEN, Pedagogía Racional. Versão espanhola, Barcelona, 1927.

Extraído do livro:
LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. 2. ed. São Paulo:
Mestre Jou, v. II, 1974. (p. 631-639 e 649-653)
OUTRO SITE SOBRE HERBART:
Grandes Mestres da Educação - Vera Zacharias, São Paulo

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