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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO

DEPARTAMENTO DE AGROTECNOLOGIA E CIÊNCIAS SOCIAIS


CURSO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
DISCIPLINA: ADMINISTRAÇÃO E EMPREENDEDORISMO
Profª. Rísia Kaliane

Tipos de Empreendedorismo

Empreendedorismo Social
Texto Adaptado da Revista Época - 08/08/2008

Os últimos 20 anos testemunharam a explosão no mundo das organizações não-


governamentais, as ONGs. Em países como Estados Unidos, Canadá e Índia, o número
de ONGs aumentou mais de 50% nas últimas duas décadas. No Brasil, essas
organizações passaram de 250 mil, em 1990, para 400 mil, em 2006. Um grande
estudioso – e entusiasta – do fenômeno é o jornalista canadense David Bornstein, autor
de Como Mudar o Mundo – Empreendedores Sociais e o Poder das Novas Idéias
(Editora Record). Guru do terceiro setor, formado por instituições privadas dedicadas a
causas sociais ou ao bem público, Bornstein entrevistou para o livro dirigentes de ONGs
no mundo inteiro. Entre eles dois brasileiros. O engenheiro agrônomo Fábio Rosa, que,
em 1982, criou um projeto para levar eletricidade a comunidades pobres. E a médica
carioca Vera Cordeiro, que, em 1991, ao descobrir um garoto sem cobertores em casa
após sair do hospital, iniciou o projeto Renascer, para dar assistência a crianças pobres
depois da alta de hospitais públicos. Os dois são exemplos do que Bornstein chama de
empreendedor social, ou “gente com novas idéias para enfrentar grandes problemas,
incansáveis na busca de seus ideais”.
Segundo Bornstein, os empreendedores sociais são tão importantes para uma
sociedade quanto os capitalistas para a economia. Ele também é um defensor de uma
tese polêmica: os governos devem se limitar à definição de políticas sociais. E transferir
sua execução para as ONGs desses empreendedores. Elas podem ser mais ágeis e menos
assistencialistas, funcionando com os padrões de eficiência do mercado. “Os
empreendedores sociais são mais eficientes em inovar”, afirma Bornstein.
David Bornstein afirma que o fato de uma empresa gerar empregos e pagar
impostos não significa que ela cumpra uma função social. “Por essa ótica, poderíamos
dizer que qualquer negócio é empreendedorismo social, mas nem todos trazem
benefícios para a sociedade”, afirma Bornstein. “Se levarmos em conta a questão da
obesidade e de saúde pública, o setor de fast-food, apesar de ser lucrativo, deve custar
mais em tratamentos de saúde que o valor que produz para a sociedade.”

ÉPOCA – No Brasil, a visão convencional é que resolver problemas sociais é


primordialmente uma tarefa do governo, que arrecada impostos para isso. O
senhor é contra essa idéia. Por quê?
David Bornstein – Essa idéia não é só comum no Brasil, mas também na França e em
países da Europa. Nos Estados Unidos, sempre houve uma visão de que o papel do
governo deveria ser menor. Historicamente, o cidadão tem sido mais forte que o
governo americano. Essa é uma das razões pelas quais as ONGs são tão dominantes nos
EUA. Mas, globalmente, a questão que começa a se impor não é quem deveria fazer o
trabalho, mas quem pode fazê-lo melhor.
ÉPOCA – E em que as ONGs são melhores que os governos?
Bornstein – Pense em alguém que trabalhe para uma agência de governo.
Emocionalmente, o mais importante para essa pessoa é permanecer no poder. Talvez ela
faça um bom trabalho, mas o mais importante é criar uma aparência de sucesso para
permanecer no poder. É um trabalho de marketing, não de soluções de problemas.
Marketing e sucesso social são tarefas inconciliáveis. Por isso, os governos tendem a ser
medíocres e estão falhando em tarefas estruturais e previsíveis. Além disso, nunca
foram e nem serão inovadores. Os empreendedores sociais são mais eficientes em
desenvolver novas idéias na aplicação de recursos.

ÉPOCA – O senhor acredita que a área social deve funcionar com a mesma lógica
do mercado?
Bornstein – Governos, em minha opinião, deveriam ser como estufas. Ao governo,
cabe dizer qual é a política de saúde, educação, identificar soluções, investir nelas e
legitimá-las. E também criar o ambiente para que os empreendedores sociais, que sabem
construir essas soluções, possam crescer. É como perguntar a bancos de investimento
por que eles não começam negócios. Eles dirão: “Não somos bons em criar negócios,
somos bons em investir em negócios e encontramos os empreendedores certos”. Os
governos, da mesma forma, devem promover as boas organizações sociais para que
continuem servindo ao bem público. Como no setor privado, há companhias que não se
comportam bem, como a Enron, e o governo as tira de operação. Mas há muito mais
empresas eficientes que ineficientes.

ÉPOCA – Mas a prioridade das pessoas no capitalismo é abrir negócios e ganhar


dinheiro. Por que elas passariam a usar seu conhecimento e potencial
empreendedor para investir em iniciativas sociais?
Bornstein – Os verdadeiros empreendedores são apenas parcialmente motivados por
dinheiro. Sua principal motivação é transformar uma idéia em realidade, construir algo.
Hoje, há diversos empreendedores investindo em ações sociais porque apostam que é
uma oportunidade para construir coisas de que o mundo precisa. Eles ainda têm
autonomia, liberdade e o prazer de criar algo e ver coisas construídas com o próprio
trabalho. A meta do empreendedor não é maximizar lucros, mas satisfação pessoal.

ÉPOCA – Bill Gates e Warren Buffett doaram bilhões de negócios para a


caridade. Eles são bons exemplos de empreendedores sociais?
Bornstein – Warren Buffett é um tremendo empreendedor no mundo dos negócios, mas
é um filantropo, não um empreendedor social. Um filantropo é alguém que investe em
um bom projeto ou em uma boa idéia criada por um empreendedor social. Já o
empreendedor social é inovador, cria idéias, une uma equipe e uma organização em
torno do projeto. Até recentemente, eu considerava Bill Gates um filantropo. Mas sua
fundação está reinventando a filantropia pela escala com que trata os problemas no
século XXI. Ele está provocando uma mudança profunda na maneira de se tratar a saúde
pública. Agora considero Gates um empreendedor social.

ÉPOCA – Por que no Brasil se fala tão pouco nos empreendedores sociais em
comparação com os Estados Unidos?
Bornstein – Pergunte a alguém em uma cidade brasileira sobre os empreendedores
sociais. Ninguém tem idéia de quem são essas pessoas. Mas pergunte sobre a gangue
que está aterrorizando a cidade e eles sabem o nome. Por que um é mais importante que
o outro? Ambos estão mudando a cidade. Ainda há muita descrença em países que
tiveram muita corrupção e ditadores. Quando você teve um presidente roubando
milhões de dólares, como Fernando Collor, é fácil dizer que todo mundo rouba. Mas, se
as pessoas conhecessem as histórias de 50 ou cem empreendedores sociais brasileiros,
ficariam impressionadas. Se eu fosse um grande investidor, empenharia meu dinheiro
onde os empreendedores sociais atuam. O que eles fazem hoje determinará a sociedade
em 20 anos.

ÉPOCA – O senhor imagina toda sociedade atuando em iniciativas sociais?


Bornstein – Esse é o poder do empreendedorismo. Você pode ter milhões de pessoas
solucionando problemas. Todos têm o poder de criar uma solução. Basta o governo
apoiar, a imprensa noticiar e, em dez anos, acontecerá uma grande mudança. E, quando
as pessoas puderem usar seus talentos de forma criativa, contribuindo para a sociedade,
serão muito mais felizes. É como Bill Gates e Warren Buffett. Não importa quanto você
tem, importa quanto você pode contribuir para a sociedade.

ÉPOCA – O senhor acredita que só dinheiro não traz felicidade?


Bornstein – Hoje, as pessoas reconhecem as grandes limitações da riqueza. Vêem tanta
riqueza na sociedade, mas tanta disparidade social também. Temos milhares de
milionários no mundo, mas as taxas de depressão e suicídios estão crescendo. Temos
muita riqueza e muita infelicidade no mundo ao mesmo tempo. Isso afeta as pessoas,
porque elas descobriram que precisam de um sentido na vida para ser felizes. Os
empreendedores sociais que entrevistei acreditam 100% nas mudanças que fazem.

ÉPOCA – Qual é a diferença entre um empreendedor social e um empreendedor


de negócios?
David Bornstein – A diferença está na motivação de cada um. Em geral, o
empreendedor de negócios deseja maximizar o lucro, sem necessariamente melhorar a
sociedade. No caso dos empreendedores sociais, é diferente. A principal preocupação é
resolver problemas sociais. Um empreendedor social pode criar uma organização para
dar educação a crianças de rua ou melhorar a qualidade de vida dos deficientes. Seu
foco é melhorar a vida das pessoas – não o lucro.

ÉPOCA – Faz sentido falar em empreendedor social? O empreendedor não é uma


figura típica do mundo dos negócios?
Bornstein – Embora tenham objetivos diferentes, os empreendedores sociais e de
negócios são parecidos. Têm o mesmo tipo de personalidade e fazem as mesmas
perguntas. Ambos são criativos, inovadores, com uma forte motivação para resolver
problemas de todos os tipos. Eles abraçam a mudança e conseguem unir as pessoas com
o objetivo de melhorar o statu quo.

ÉPOCA – Um empreendedor de negócios não promove mudanças sociais também?


Bornstein – Sim. Mesmo um negócio convencional pode ajudar a melhorar a
sociedade. Uma empresa que vende grades de proteção para crianças pode estar focada
no lucro, mas traz benefícios para a sociedade. Agora, não dá para dizer que um negócio
que vende um par de tênis por US$ 100 esteja melhorando o mundo. É claro que as
pessoas querem bons tênis para correr, mas não é algo tão necessário assim.

ÉPOCA – Se eu abrir um bar, criar empregos e pagar impostos, não vou


contribuir também para melhorar a vida das pessoas?
Bornstein – Toda atividade econômica gera emprego para alguém. Por essa ótica,
poderíamos dizer que qualquer negócio é empreendedorismo social. Mas é preciso
distinguir as duas coisas. Em primeiro lugar, nem todo negócio traz benefícios para a
sociedade. Talvez muita gente acredite que um bar faça mal às pessoas, por vender
bebida alcoólica. Veja o que acontece na área de fast-food nos EUA. Se considerarmos
a questão da obesidade e de saúde pública, o setor de fast-food, apesar de ser lucrativo,
deve custar mais em tratamentos de saúde que o valor que produz para a sociedade.
Mas, em geral, acho que a maioria dos negócios contribui positivamente para o mundo.

ÉPOCA – Por que os empreendedores sociais parecem ter preconceito contra os


empreendedores de negócios?
Bornstein – Muitos empreendedores sociais estão cansados de ver os empreendedores
convencionais se acharem tão bons porque ganham muito dinheiro. Os empreendedores
sociais acham que fazem algo mais complexo que quem atua no mundo dos negócios.
Acreditam que, num empreendimento social, é mais difícil ter lucro, porque você tem
de lidar com uma base de clientes com menos renda e menos acesso aos canais de
distribuição. Às vezes, você mesmo tem de construir o mercado, porque ele ainda não
existe. E, no Brasil, por causa da história, a percepção é que o setor de negócios é pouco
preocupado com os interesses dos mais pobres. O fato de o Brasil ter tanta riqueza nas
mãos de um número pequeno de pessoas faz com que muita gente ligada ao setor social
sinta certa frustração, talvez algum tipo de ressentimento em relação à comunidade de
negócios.

Exemplo de Empreendedorismo Social

Caso: Vera Cordeiro

Vera Cordeiro era médica no Hospital da Lagoa no Rio de Janeiro. Como era um
hospital público, atendia muitas famílias de baixa-renda no setor pediátrico onde ela
trabalhava. A maioria das crianças que chegavam a ser atendidas sofriam de doenças
evitáveis como tuberculose e pneumonia. Ela as tratava e dava alta. Poucos meses
depois, muitas voltavam com a mesma doença, e na maioria das vezes, em situação de
saúde pior. Conversando com as famílias, perceberam que em casa, as crianças não
tinham o que comer, não tinham saneamento básico, a estrutura da casa era precária
tudo causado pela pobreza na qual a família vivia. Os profissionais de saúde, como
Vera, enfrentavam um desafio enorme, pois não somente tinham que tratar a doença da
criança, mas teriam também que tratar a pobreza da sua família. Se não, continuaria o
ciclo vicioso de pobreza-doença-hospital-alta-reinternação-morte.
Em 1991, junto com outros profissionais de saúde, Vera fundou a organização sem fins
lucrativos chamada Associação Saúde-Criança Renascer para atender as necessidades
básicas das famílias (moradia, renda, alimentação) por meio de um projeto que
identifica famílias em situações de miséria cujas crianças estão sendo tratadas no
hospital público e trabalha junto a eles para criar um plano individualizado de
reestruturação da família. Este plano envolve a família inteira oferecendo capacitação
profissional e inserção no mercado de trabalho para ambos os pais, tirando documento
de cidadania e orientações para utilizar serviços públicos, serviços educativos para todos
os filhos, atendimento psicológico, melhoramentos à moradia que inclui saneamento
básico e atendimento médico especializado para a criança doente. O conjunto de
serviços permite que, em média, uma família numa situação de alto risco social possa se
estabelecer e andar nas suas “próprias pernas” em 18 meses.
Quando Vera começou, ela procurou parceiros para ajudar. Os primeiros recursos
financeiros obtidos foram conseguidos quando Vera juntou algumas amigas e fez um
leilão de um jogo de roupa de cama. Depois disto, ela conseguiu o apoio de um médico
no hospital que a apresentou para outros contatos que começaram a doar recursos para a
Renascer. Ela conseguiu uma casa num Parque perto do hospital num bairro nobre do
Rio e quando vizinhos tentaram tirar sua organização do parque por preconceito contra
as famílias que entravam para ser atendidas, Vera mobilizou a mídia e pressionou o
governo pelo direito de ficar. Ela conseguiu.
Desde 1991, Renascer cresceu e inspirou outras pessoas a criar organizações parecidas
ao lado de hospitais públicos. São atualmente 14 organizações criadas no modelo da
Renascer em 5 estados que compõem a Rede Associação Saúde-Criança Renascer.
Desde sua criação, Renascer tem beneficiado diretamente em torno de 5,000 crianças de
1.500 famílias a se recuperar da doença e começar num novo caminho para uma vida
melhor. Contando com as crianças e famílias atendidas pela rede de organizações
inspiradas na Renascer, são mais que 20,000 pessoas beneficiadas. A visão de Vera é
que cada hospital público no Brasil deve ter um projeto parecido para acabar com a
situação de miséria e pobreza em que milhões de famílias vivem. Para ver esta visão se
tornar uma realidade, ela desenvolveu projetos de sustentabilidade para as organizações
e está articulando com governantes para influenciar políticas públicas nas áreas de
assistência social e saúde a adotarem o modelo da Renascer.

Questões de Discussão:

1) O que é Empreendedorismo Social?

2) O empreendedorismo social pode ser considerado como uma estratégia


para promover a figura do empreendedor?

3) Quais as principais diferenças entre o empreendedor social e o


empreendedor de negócios?

4) Como você acha que o empreendedorismo social pode ser aplicado na


Engenharia?

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