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Úlcera Péptica
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Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina
OBJETIVOS:
Orientar o diagnóstico e tratamento de pacientes com úlcera péptica.
CONFLITO DE INTERESSE:
Nenhum conflito de interesse declarado.
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INTRODUÇÃO
HP E ÚLCERA DUODENAL
Tabela1
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aclarados. A infecção do antro gástrico pelo H. gástrico ou duodenal na imensa maioria dos
pylori induz uma hipersecreção ácida através da pacientes, e a recidiva da diátese ulcerosa só
inibição das células produtoras de somatostatina ocorre na presença de falha na erradicação ou
e conseqüente aumento da liberação de gastrina recidiva do processo infeccioso7(B) 8,9(D).
pelas células G do antro gástrico. Como conse-
qüência desta maior oferta de ácido ao duodeno, QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO
haverá o desenvolvimento (ou ampliação se
preexistentes) de áreas de metaplasia gástrica no Em relação à sintomatologia da úlcera
duodeno, as quais, então, poderão ser coloniza- péptica, o conceito tradicional do padrão do-
das pelo HP levando à duodenite e, eventual- loroso baseia-se na assertiva de que a acidez
mente, úlcera duodenal4(B). Fatores genéticos gástrica produz dor e sua neutralização a ali-
e ambientais, além daqueles relacionados à via. É por todos conhecida a dor epigástrica,
virulência do microrganismo, poderão afetar a
tipo queimação, com ritmicidade, ou seja, com
fisiologia gástrica e o desfecho da doença.
horário certo para seu aparecimento, guardan-
do íntima relação com o ritmo alimentar, ocor-
HP E ÚLCERA GÁSTRICA
rendo 2 a 3 horas após a alimentação ou à
noite, e cedendo com o uso de alimentos ou
Também aqui a identificação do HP tem
alcalinos. Um fator discriminante importante
permitido um grande avanço na compreensão
dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos. é a ocorrência de dor noturna, acordando o
Considera-se HP responsável por 70% a 80% paciente à noite, entre meia-noite e 3 horas da
das ulcerações gástricas. Esta menor prevalência manhã. Tal sintoma aparece em aproximada-
da bactéria na úlcera gástrica em relação à mente 2/3 dos ulcerosos duodenais, mas é tam-
duodenal está relacionada à maior freqüência bém encontrado em pacientes dispépticos fun-
de úlceras associadas ao uso de antiinflamatórios cionais. Importante salientar ainda o caráter
não-esteróides (AINEs)5(D). periódico da dor epigástrica, durando vários dias
ou semanas, desaparecendo a seguir por sema-
As úlceras gástricas tendem a ocorrer em nas ou meses, para reaparecer meses ou anos
mucosa não secretora de ácido ou próximas à depois, com as mesmas características anterio-
junção com a mucosa não secretora. Mesmo res. A sensibilidade e a especificidade dos sin-
quando ocorrem na região alta da pequena cur- tomas clínicos para o diagnóstico de úlcera
vatura, elas incidem em mucosa não secretora. péptica variam de país para país10(D).
Nesta circunstância, a pangastrite induzida pelo
HP é a responsável pelas alterações metaplásicas Importante salientar que 30% a 40% dos
que transformam a mucosa secretora em não pacientes portadores de úlcera péptica têm fa-
secretora6(D). miliares de primeiro grau acometidos pela
doença. Quando não tratada, as complicações
As evidências do papel do HP na úlcera podem ocorrer em até 30% dos pacientes e in-
péptica provêm dos ensaios terapêuticos que cluem a hemorragia digestiva alta (20%) mani-
demonstram que a erradicação do microrganis- festada por melena, hematêmese ou por perda
mo se acompanha de cura do processo ulceroso de sangue oculto nas fezes, a perfuração (6%) e
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estimulantes sobre a produção de muco e se- Como a maioria dos usuários de AINEs não
creção de bicarbonato, enquanto aumentam apresenta complicações e se beneficia do trata-
o fluxo sangüíneo mucoso e reduzem o mento, torna-se necessário identificar, entre o
turnover celular. Recentemente, têm sido iden- imenso número de pacientes que utilizam tais
tificados dois tipos de cicloxigenase (COX): drogas, aqueles que são portadores de fatores
COX-1, com funções fisiológicas estabeleci- predisponentes a complicações pelo seu uso pro-
das, ou seja, quando ativada, promove a produ- longado. É improvável que algum subgrupo de
ção de prostaciclina que, liberada no endotélio usuários de AINEs esteja isento do risco de com-
vascular, tem ação antitrombogênica, enquan- plicações advindas de seu emprego. Os fatores
to, na mucosa gástrica, induz citoproteção, e que cursam com risco claramente aumentado
COX-2, encontrada em macrófagos, fibro- de complicações são:
blastos e células epiteliais e induzida em locais • História prévia de úlcera péptica ou
de inflamação25(D). O reconhecimento destes sangramento digestivo26,27(B);
dois tipos de cicloxigenase descortina a possi- • Idade superior a 60 anos, especialmente em
bilidade, a ser no futuro estudada, de que mulheres26(B);
inibidores específicos COX-2 reduzam a dor • Dose, duração e tipo do antiinflamatório:
e a inflamação sem lesar o estômago. A quanto maior a dosagem empregada, maior
prevalência da úlcera gástrica em usuários o risco de complicações gastrointestinais.
crônicos de AINEs tem variado de 9% a 13% Existem algumas evidências sugerindo que
e, da úlcera duodenal, entre 0% e 19%. O o risco de desenvolvimento de úlcera e outras
risco relativo calculado de um usuário crôni- complicações depende também da duração
co destas drogas desenvolver úlcera gástrica do tratamento, sendo o primeiro mês de
ou duodenal é 46 e 8 vezes, respectivamente, tratamento o período mais vulnerável para
maior que a população normal11(D). complicações28(A).
• Co-administração de corticosteróides e
Os sintomas dispépticos nos usuários anticoagulantes: enquanto o uso combina-
crônicos de AINEs são freqüentes, sendo do de corticosteróides e AINEs está asso-
impossível identificar clinicamente aqueles ciado a um risco duas a três vezes maior de
portadores de ulceração. A sintomatologia é complicações gastrointestinais, o uso de
mais comum nas primeiras semanas de trata- antiinflamatórios isolado reduz tal risco pela
mento, declinando com o passar do tempo, metade11(D).
independentemente do tratamento. A úlcera
induzida por AINEs produz menos sintomas TRATAMENTO DA ÚLCERA ASSOCIADA A
que a úlcera causada por HP. De fato, 30% a AINES
40% dos pacientes com úlceras induzidas por
AINEs são assintomáticos e, entre aqueles O principal mecanismo de toxicidade dos
que desenvolvem hemorragia digestiva, até AINEs envolve a inibição da síntese de
60% o fazem silenciosamente, em contraste prostaglandinas com conseqüente surgimento
com os 25% de hemorragias assintomá- de erosões na mucosa gastroduodenal, as quais
ticas observadas nos não-usuários de anti- são agravadas pela presença da secreção ácida
inflamatórios11(D). do estômago. Assim, uma abordagem racional
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para a úlcera induzida por AINEs deve incluir úlcera duodenal clássica, os níveis de gastrina
o emprego de anti-secretores e/ou prosta- sérica de jejum variam entre 50 e 60 pg/ml,
glandinas24(D). com um limite superior de normalidade varian-
do de 100 a 150 pg/ml. No gastrinoma, os ní-
ÚLCERA PÉPTICA ASSOCIADA A veis de gastrina sérica se encontram acima de
GASTRINOMA OU SÍNDROME DE 150 pg/ml, comumente em torno de 1.000 pg/
ZOLLINGER-ELLISON (SZE) ml. Valores acima de 1.000 pg/ml em pacientes
com achados clínicos sugerindo doença por
Descrita por Zollinger e Ellison, em 1955, excesso de secreção de ácido são praticamente
esta síndrome é caracterizada por úlcera péptica diagnósticos de Zollinger-Ellison, sendo que
de evolução tormentosa, hipersecreção acentua- valores acima de 1.500 pg/ml sugerem doença
da de ácido pelo estômago e tumor pancreático já com metástases31(D). Quando a elevação dos
de células não pertencentes à linhagem beta das níveis de gastrina não é acentuada, podemos
ilhotas pancreáticas. Dividem-se em tumores utilizar testes provocativos através da injeção
esporádicos e tumores geneticamente transmi- endovenosa de secretina ou da infusão de cál-
tidos, associados com a neoplasia endócrina cio. Estabelecido o diagnóstico, deve-se tentar
múltipla tipo1 (MEN 1). São raros, ocorrendo localizar o tumor. A ressecção cirúrgica é a
em caso para cada mil casos de úlcera péptica chance de cura da doença. A localização da lesão
associada ao HP, com leve predomínio no sexo primária é freqüentemente difícil, não sendo
masculino, na faixa etária dos 30 aos 50 anos. possível em 10% a 20% dos casos. No pâncre-
A manifestação mais freqüente é a úlcera péptica as, estão mais freqüentemente localizados na
duodenal, única ou múltipla, que ocorre em 90% cabeça, mas em 2/3 das vezes são extra-pancre-
a 95% dos pacientes29(D). Em 20% a 25% dos áticos, sendo que a parede duodenal é o seu sítio
casos a ulceração localiza-se mais distalmente mais comum. Os gastrinomas duodenais são
no duodeno. A doença do refluxo gastroesofágico malignos em mais da metade dos casos. A
ocorre em até 60% dos casos e 1/3 dos pacien- inibição da secreção ácida pelo estômago é a base
tes apresentam diarréia aquosa, que pode prece- para o tratamento clínico.
der, por anos, o surgimento da úlcera29(D) 30(C).
Os bloqueadores de bomba de prótons são
Constituem sinais de alerta para a possibili- os agentes preferidos para cicatrizar as úlceras e
dade de gastrinoma a presença de úlcera única controlar os sintomas dispépticos. A dose de
ou múltipla distal à primeira porção do duodeno, omeprazol recomendada é de 60 mg por dia.
úlceras de difícil controle clínico, úlceras HP Tem sido recomendado que a dose ideal seria a
negativas, úlceras recorrentes pós-operatórias, que mantém a secreção ácida menor que 10
úlceras associadas a diarréia ou cálculo renal, e mEq/h, 1 hora antes de ingerir a dose subse-
úlceras em pacientes com história pessoal ou qüente. O omeprazol ou, certamente, qualquer
familiar sugestiva de tumor de hipófise ou inibidor de bomba de prótons é indicado como
paratiróide. A dosagem da gastrina sérica é o tratamento inicial da SZE nos períodos de
método mais sensível e específico para a identi- avaliação e estabilização dos pacientes e naque-
ficação dos pacientes com gastrinoma. Em pes- les em que o tumor não foi localizado ou não
soas normais e nos pacientes portadores de foi ressecado. Os pacientes com lesões
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metastáticas devem ser encaminhados a trata- Importante também excluir com segurança a
mento quimioterápico. A localização e comple- presença de HP como agente causal do quadro
ta extirpação do gastrinoma ocorre em aproxi- ulceroso, realizando, sempre que possível, sua
madamente 40% dos casos. A remoção com- pesquisa através de mais de um método sen-
pleta do tumor é usualmente seguida de retor- sível e específico de diagnóstico.
no da gastrina a níveis normais, redução da
hipersecreção ácida pelo estômago e desapareci- Entre as causas raras de ulceração gástri-
mento da úlcera e diarréia, havendo desta for- ca ou duodenal, estão a síndrome de Zollinger-
ma uma expectativa de sobrevida normal. Nos Ellison, a doença de Crohn de localização
pacientes com SZE, nos quais não foi possível gastroduodenal, estados hipercalcêmicos,
a retirada total do tumor, os medicamentos linfomas, mastocitose sistêmica e outras in-
inibidores de bomba de prótons deverão ser fecções por Helicobacter heilmannii, citome-
administrados continuamente pelo resto da vida. galovírus ou herpes simples. Quando todas
A suspensão abrupta dos mesmos pode levar a estas possibilidades etiológicas são afastadas,
recidivas graves de doença ulcerosa31,32(D). consideramos a úlcera como idiopática. Um
estudo escocês envolvendo 435 portadores de
ÚLCERA PÉPTICA IDIOPÁTICA úlcera péptica, após cuidadosa investigação,
encontrou apenas seis pacientes em que um
Em uma ínfima parcela de pacientes agente etiológico não foi definido33(C).
ulcerosos não se consegue identificar a presen-
ça de HP nem o uso de ácido acetilsalicílico ou Recentemente, alguns estudos têm descrito
outros antiinflamatórios. Nestas circunstân- aumento da prevalência de úlceras idiopáticas,
cias, torna-se prudente ainda uma re-investiga- especialmente nos EUA, Canadá e Austrá-
ção cuidadosa do emprego de antiinflamatórios. lia, em que a prevalência da infecção por HP
Por vezes, o próprio paciente desconhece que, vem apresentando queda nas últimas décadas,
entre os medicamentos por ele utilizados, porém, as explicações para este fenômeno
incluem-se aqueles de potencial gastrotóxico. ainda são controversas34(B)35(D).
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