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ACÓRDÃO N.

º 113/2008

Processo nº 454/2007

3ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

1. Nos presentes autos, emergentes de um processo de inquérito que


corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Loures (3.º Juízo Criminal),
foi, em 13 de Dezembro de 2006, proferido acórdão pelo Tribunal da Relação
de Lisboa, que negou provimento ao recurso interposto por A. do despacho, de
20 de Maio de 2005, que indeferira o pedido por si deduzido de
reconhecimento da formação de acto tácito relativamente à sua pretensão de
concessão de protecção jurídica formulada junto da Segurança Social.

Para tal, o tribunal recorrido desenvolveu a seguinte argumentação:

Com o presente recurso o recorrente pretende ver apreciada a decisão


judicial que indeferiu um seu requerimento para que fosse considerada
tacitamente aprovada a concessão de protecção jurídica, formulada à
Segurança Social.
Estriba a sua discordância com aquela decisão judicial na circunstância
de considerar que a decisão administrativa da Segurança Social, relativa
ao seu pedido de protecção jurídica, foi proferida após o prazo de 30
dias indicado no art. 25° n° 1 da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho, e como
tal um deferimento tácito da sua pretensão.
Compulsados os Autos verifica-se que o recorrente formulou aquele
pedido à Segurança Social em 23.03.2005 – cfr. fls. 129 – e que os
competentes serviços daquela entidade proferiram decisão final em
03.05.2005 – cfr. fls. 138.
Todavia, daquela análise resulta também que aquele prazo não decorreu
ininterruptamente, mas antes foi suspenso em duas ocasiões — de 12 a
14 de Abril de 2005 e de 23 a 28 de Abril de 2005 – pelo que, nos
termos do art. 1° n° 3 da Portaria n° 1085-A/2004 de 31 de Agosto, ao
aludido prazo de 30 dias, se teria necessariamente que aditar os 9 dias
de suspensão.
Pelo que, a decisão proferida no dia 03.05.2005 ocorreu antes da
formação do acto tácito de deferimento.
Nesta conformidade, improcede o alegado pelo recorrente, no tocante à
contagem dos prazos em apreço nestes Autos, pois que esta se mostra
correctamente efectuada, tendo em conta o disposto nos artigos 38° e
25° da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho e 1° n° 3 da Portaria n° 1085-
A/2004 de 31 de Agosto.
Como se refere no Despacho recorrido, no caso do recorrente a
Segurança Social deveria ter procedido à diligência de audição prévia do
requerente “por imposição do referido dispositivo legal (art° 23° da Lei
34/2004) e de acordo com o n° 3 do art° 100º do C.P.A.”. Porém, não o
tendo feito, não compete a esta jurisdição a apreciação de tal
circunstância, mas tão só a apreciação de decisões judiciais, como a ora
sub-judice.
De qualquer forma sempre se referirá que a realização daquela
diligência suspende a contagem dos prazos em todos os procedimentos
administrativos, pelo que, por maioria de razão, se conclui pelo não
decurso da totalidade do prazo de formação do acto tácito de
deferimento.
Do mesmo modo improcedem a invocada violação do disposto dos
artigos 20°, 32° e 13° da Constituição da República.
Pois que, a propósito desta mesma questão, suscitada pelo mesmo
recorrente no processo n° 822/02 desta Secção e Tribunal, em que a ora
Relatora interveio como Adjunta, se esclareceu no Acórdão aí proferido
que: “(...) Em conformidade com o princípio constitucional consagrado no
art. 20°, n° 1, da CRP, segundo o qual, “A todos é assegurado o acesso
ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por
insuficiência de meios económicos”, a lei ordinária consagra no art. 1°,
da Lei a° 34/2004, de 29JUL, o princípio de que todo o cidadão tem
acesso ao direito e aos tribunais, destinando-se a promover que a
ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social
ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos de fazer valer ou
defender os seus direitos.
De acordo com este princípio, a lei consagra o direito à protecção
jurídica, que reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio
judiciário, (art. 6°, do da citada Lei n° 34/2 004, de 29JUL), às pessoas
singulares que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes
para suportar os honorários profissionais forenses, devidos por efeito da
prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente os
encargos normais de uma causa judicial (art. 8°, da mesma Lei).
(...)
O direito de acesso aos tribunais implica o direito ao processo
entendendo-se que este postula um direito a uma decisão final incidente
sobre o fundo da causa sempre que se hajam cumprido e observado os
requisitos processuais da acção ou recurso. Por outras palavras: no
direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão
fundada no direito, embora dependente da observância de certos
requisitos ou pressupostos processuais legalmente consagrados. Por
isso, a efectivação de um direito ao processo não equivale
necessariamente a uma decisão favorável; basta uma decisão fundada
no direito quer seja favorável quer seja desfavorável às pretensões
deduzidas em juízo.
(…)
Também não foram violadas as garantias de defesa consagradas no art.
32°, n°s 1 e 2, da CRP, porque são próprias do arguido, nem o princípio
da igualdade consagrado no art. 13°, da CRP, atenta a diferença
processual do estatuto do arguido e do assistente.
Também o direito de acesso aos tribunais (20º, n°1) não é violado
porque se houver insuficiência económica ao recorrente será concedido
apoio judiciário e nomeado patrono pelas entidades competentes, não
dependendo isso da sua condição de assistente. Por outro lado, também
não se mostra violado o art. 32°, n° 7, da CRP, porque o recorrente,
enquanto ofendido, continua com o direito de intervir no processo nos
termos do CPP e da Lei de Protecção Jurídica.»

Desta forma se conclui pela improcedência das alegadas


inconstitucionalidades.

Nas alegações de recurso, o recorrente suscitara a inconstitucionalidade


da interpretação dada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Loures (3.º Juízo
Criminal) aos “normativos dos Artºs 23º, 25º e 38º da Lei n.º 34/2004, de 29 de
Julho, o Artº 1.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, dos Artºs
254º, n.º 2 e 255º, n.º 1, do Código de Processo Civil”, por violação “maxime
(d)os imperativos dos n.ºs 1, 4 e 5, do Artº 20.º da Constituição da República
Portuguesa”.

Notificado daquele aresto, A. veio arguir a nulidade do mesmo,


requerendo “a sanação da arguida nulidade, contabilizando-se o período
de suspensão do prazo para a decisão administrativa, pelo mínimo, desde
a remessa postal da notificação para a prática de acto processual, ou, em
bom rigor, da sua recepção, efectiva ou presumida, com as
consequências daí advindas para a Veneranda decisão, qual seja o
reconhecimento inequívoco da formação de acto tácito e a inevitável
concessão do Instituto ao Recorrente nas modalidades peticionadas.”

Por acórdão de 28 de Fevereiro de 2007, o Tribunal da Relação de


Lisboa indeferiu a arguição de nulidade de omissão de pronúncia, concluindo
na sua fundamentação que “ainda que de forma não concordante com a
posição do recorrente, este Tribunal se pronunciou clara e explicitamente sobre
o alegado pelo recorrente.”

2. Inconformado, A. veio interpor o presente recurso para o Tribunal


Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), “(P)para
apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas
conjugada e concomitantemente nos artigos 23.º, 25.º e 32.º da Lei n.º
34/2004, de 29 de Julho, e no artigo 1.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004,
de 31 de Agosto, e dos artigos 254.º, n.º 2, e 255.º, n.º 1, do Código de
Processo Civil, na interpretação dada nos venerandos arestos, no sentido de
que o prazo peremptório concedido na lei de protecção jurídica para a
respectiva decisão administrativa se suspende durante o período de entrega de
documentos solicitados pela administração, contada essa suspensão desde o
dia seguinte à data de emissão das correspondentes notificações até à entrega
das respostas do interessado nos serviços da autoridade administrativa.” No
seu entender, “(U)uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola
os imperativos dos n.ºs 1, 4 e 5, do artigo 20.º da Constituição da República
Portuguesa.”

Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações, que o


recorrente concluiu da seguinte forma:

1. Ao contrário do que vem interpretado no texto do aresto superior aqui


sindicado por interpretação inconstitucional, de forma implícita, ali com
alusão expressa apenas em relação a uma das regras legais infra,
confirmando o plasmado em sede judicial anterior, configura-se uma
constitucionalmente errada interpretação das normas dos art.°s 23.° e
25.° da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, do art.° 1.°, n.° 3, da Portaria n.°
1085/2004, de 31 de Agosto, e dos art.°s 254.°, n.° 2, e 255.°, n.° 1, do
Código de Processo Civil, no que tange ao início e termo da suspensão
do prazo para a formação de acto tácito, em sede de protecção jurídica.
2. Pois que essa contabilidade temporal tem que se submeter às regras
dos art°s 254.°, n.° 2, e 255.°, n.° 1, da aludida lei adjectiva civil e
sempre com a necessária conjugação com os seus dispositivos dos
art.°s 144.°, n.° 1, e 284.°, n° 1, alínea d), todos eles aplicáveis, em
matéria de prazos, por força do art.° 38.° da já citada Lei n.° 34/2004.
3. Estas normas legais, conjugadas entre si, dão cumprimento total ao
imperativo emergente dos n°s 1, 4 e 5 do artigo 20.° da Constituição da
República Portuguesa, sendo a sua posterga grave violação desses
preceitos fundamentais impedindo, cerceando e restringindo o rápido
acesso ao direito e aos tribunais para defesa em tempo útil e oportuno
dos interesses legítimos do cidadão, abstracto ele, legalmente
protegidos e com tutela efectiva contra ameaças e violações.
4. Para além do que, complementar e concomitantemente, vem
expresso peremptoriamente quanto a esta particular matéria de
notificações em sede do art.° 268.°, que complementa a acima aludida
norma constitucional em que se funda a directa e essencial violação
arguida.
5. Pois que a única interpretação consonante com esses imperativos
constitucionais, – e das próprias notificações efectuadas pela autoridade
administrativa – é a de que o início da contagem da suspensão do prazo
previsto no n.° 1 do art° 25.° da Lei n.° 34/2004 se dá com a recepção,
efectiva ou presumida, conforme a efectiva possibilidade de apuramento
factual, da notificação para cumprir as exigências da autoridade
administrativas, qual sejam as previstas no art.° 23.° da lei de protecção
jurídica ou a da Portaria n.° 1085/2004, de 31 de Agosto, que a
complementa e regula especificadamente no particular do acervo
probatório, terminando com a efectiva resposta do cidadão interessado.

O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional


contra-alegou, concluindo:
1. Do bloco normativo, que é objecto do recurso, relativo à
suspensão do prazo para apreciação do pedido de protecção jurídica
não resulta que tenha ocorrido qualquer interpretação violadora das
normas constitucionais.
2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II

Fundamentos

3. A questão que se discute no presente recurso de fiscalização


concreta da constitucionalidade é a da conformidade constitucional da
interpretação normativa dos artigos 23.º, 25.º e 38.º [e não 32.º, como,
certamente por lapso, invoca o recorrente] da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho,
do artigo 1.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, e dos artigos
254.º, n.º 2, e 255.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “no sentido de que o
prazo peremptório concedido na lei de protecção jurídica para a respectiva
decisão administrativa se suspende durante o período de entrega de
documentos solicitados pela administração e de audição prévia, contada essa
suspensão desde o dia seguinte à data de emissão das correspondentes
notificações até à entrega das respostas do interessado nos serviços da
autoridade administrativa.”

Ora, sobre questão muito semelhante à ora em apreço, já se pronunciou


o Tribunal Constitucional. Com efeito, pelo recente Acórdão n.º 618/2007,
tirado em 19 de Dezembro de 2007, no processo n.º 261/07, desta 3.ª Secção,
também da iniciativa do ora recorrente, este Tribunal decidiu no sentido da
inexistência de inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1085-
B/2004, de 31 de Agosto, na interpretação de que a falta de entrega,
conjuntamente com o requerimento de protecção jurídica, dos documentos
referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º e no artigo 14.º da mesma Portaria,
suspende ope legis o decurso do prazo de produção do deferimento tácito do
pedido, independentemente da prolação de despacho ou de notificação do
requerente para suprir a falta.

Esse Acórdão n.º 618/2007 teve, na parte que ora interessa, os


seguintes fundamentos:

5. O artigo 25.º, n.º1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (serão deste


diploma legal todas as disposições legais doravante citadas sem outra
referência), fixa o prazo de 30 dias para conclusão e decisão do
procedimento administrativo respeitante ao pedido de protecção jurídica,
pretensão esta cuja apreciação, mesmo na modalidade de apoio
judiciário, passou competir aos serviços de segurança social desde a
desjudicialização que neste domínio foi operada pela Lei n.º 30-E/2000,
de 20 de Dezembro. Decorrido esse prazo, considera-se deferido o
pedido de pretensão de protecção jurídica formulado (artigo 25.º, n.º 2).
O legislador enveredou, neste domínio, pelo regime de deferimento
tácito, isto é, por atribuir um efeito jurídico positivo (de assentimento) ao
silêncio administrativo, concedendo ao requerente o benefício
correspondente à sua pretensão, verificado que seja o decurso do lapso
temporal legalmente fixado sem que o órgão com dever legal de decidir
se tenha pronunciado expressamente. Além disso, estabeleceu um
prazo consideravelmente mais curto do que o prazo geral de produção
de deferimento tácito, que é de 90 dias a contar da formulação do pedido
ou da apresentação do processo para esse efeito (cfr. n.º 2 do artigo
108.º do Código do Procedimento Administrativo). Quer a valoração
positiva do silêncio administrativo, quer o encurtamento do prazo, são
soluções ordenadas a assegurar, no plano procedimental, maior
celeridade e mais intensa protecção à garantia de que o acesso à justiça
não seja denegado por insuficência de meios económicos.
Ora, um dos problemas que tem sentido colocar, no âmbito do regime
geral dos requisitos de formação do deferimento tácito é o de saber se
esse efeito é afastado pela falta de qualquer elemento essencial para
apreciação do pedido e se nessa categoria cabe a falta de um
documento cuja junção constitua ónus do requerente e que seja exigido
por lei para a instrução do requerimento. Independentemente da
resposta que em geral se dê a este problema (cfr. JOÃO TIAGO
SILVEIRA, O Deferimento Tácito, pág. 168), quanto ao procedimento
relativo ao pedido de protecção jurídica a questão é objecto de regime
especial, estando expressamente resolvida pelo n.º 3 do artigo 1.º da
Portaria n.º 1085-A/84, de 31 de Agosto, editada ao abrigo do disposto
no n.º 5 do artigo 8.º da Lei n.º 34/2004.
Efectivamente, o artigo 1.º da Portaria 1085-A/2004 estabelece o
seguinte (itálico aditado quanto à norma impugnada):

“Apresentação de documentos
1 - Com o requerimento de protecção jurídica devem ser juntos os
documentos referidos nos artigos 3.º a 5.º e 14.º e 15.º da presente
portaria.
2 - O requerente deve juntar ainda, com o requerimento de protecção
jurídica, outros documentos comprovativos das declarações prestadas,
incluindo documentos de identificação pessoal do requerente e do
respectivo agregado familiar, no caso de se tratar de pessoa singular,
ou, tratando-se de pessoa colectiva ou equiparada, cópia do pacto social
actualizado, no caso das sociedades, e outros documentos de
identificação do requerente e respectivos representantes legais, se
existirem.
3 - Sem prejuízo do pedido de apresentação de provas a que haja lugar
nos termos da lei, a falta de entrega dos documentos referidos nos
números anteriores suspende o prazo de produção do deferimento tácito
do pedido de protecção jurídica.”

Na interpretação que lhe é dada pela decisão recorrida – e, é bom


repeti-lo, esse é o sentido normativo cuja inconstitucionalidade cumpre
apreciar –, resulta desta disposição que, não cumprindo o requerente o
ónus que o n.º 1 do mesmo preceito lhe impõe, de acompanhar o
requerimento de protecção jurídica com os elementos de prova da
insuficiência económica que a lei (rectius o regulamento) taxativamente
exige, o prazo de deferimento tácito fica automática e imediatamente
suspenso. Independentemente de qualquer acto da Administração a
advertir ou convidar o requerente do apoio judiciário para suprir a falta, o
prazo para a decisão final não corre – nem sequer se inicia – enquanto
os documentos não forem juntos ou a Administração declare deles
prescindir.
[Assinale-se que este regime sofreu alterações com a Lei 47/2007, de 28
de Agosto, que entrarão em vigor em 1 de Janeiro de 2008, sendo
aditado à Lei 24/2004 um artigo 8.º-B, que passará a dispor que, se não
forem entregues com o requerimento de protecção jurídica os elementos
de instrução legalmente exigidos, os serviços da segurança social
notificam o interessado para que este os apresente no prazo de 10 dias,
suspendendo-se o prazo para a formação de acto tácito. No termo desse
prazo, se o interessado não tiver procedido à apresentação de todos os
elementos de prova necessários, o requerimento é indeferido. Passará a
estar expressamente estabelecida, com efeitos cominatórios, uma
notificação para completar a instrução nestas circunstâncias].

6. Segundo o recorrente, na aludida interpretação, a norma do n.º 3 do


artigo 1.º da Portaria n.º 1085-A/2004 violaria o disposto nos n.ºs 1, 4 e 5
do artigo 20.º da Constituição.
Trata-se de questão de constitucionalidade com fortes semelhanças com
aquela que foi apreciada pelo Tribunal no acórdão n.º
364/2004,publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Junho de
2004.
Nesse acórdão, em recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade também protagonizado pelo ora recorrente, o
Tribunal concluiu que não violava os n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º da
Constituição a norma então constante do n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a «o
prazo peremptório ali previsto, suspenso após a notificação prevista no
artigo 24.º da referida Lei e até à sua resposta ou preclusão do prazo
para a mesma, só pode ser contado após a disponibilização à entidade
administrativa de todos os elementos necessários e suficientes à sua
apreciação, considerados [n]estes os que tenham sido carreados em
função do aludido artigo 24.º, não se produzindo assim o deferimento
tácito».
As considerações que justificaram essa decisão são em larga parte
transponíveis para o confronto da norma agora em causa com os
mesmos preceitos constitucionais, pelo que se retomam, nos seus traços
essenciais.

7. A proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios


económicos, que acompanha expressamente a garantia de acesso ao
direito e aos tribunais (n.º1 do artigo 20.º da Constituição), assegurando
que esta se não quede por uma garantia meramente formal, impõe ao
Estado um dever de prestação a favor daqueles cuja situação
económica lhes não permita custear as despesas inerentes ao exercício
do direito de acesso à via judiciária. Tratando-se de uma prestação
positiva que apenas deve ser realizada a favor de quem precise dela,
dado nada impor que a justiça seja gratuita (cfr. J.J. GOMES
CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 4ª edição, Vol. I, pag. 411), não pode a respectiva previsão
constitucional deixar de ser lida no sentido de que a sua concessão seja
necessariamente precedida de um acto de avaliação daquela
insuficiência económica para suportar as despesas da lide.
Como já se deixou dito, a competência para essa avaliação está hoje
atribuída à Administração (artigo 20.º da Lei 34/2004), que decide em
conclusão de um procedimento administrativo especial em que ao
interessado – que pode requerer por si ou através de advogado,
advogado estagiário ou solicitador e, ainda, socorrer-se de
representação pelo Ministério Público (cfr. artigo 19.º da Lei 34/2004) –
incumbe instruir o requerimento com os documentos relativos aos
rendimentos e activos (próprios ou de elementos do respectivo agregado
familiar) que a Portaria 1085-B/2004, de 31 de Agosto, alterada pela
Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, especifica.
A Administração aprecia a ocorrência da situação de insuficiência
económica alegada, em face dos elementos probatórios que o
requerente junte e dos esclarecimentos complementares que
oficiosamente solicite ou obtenha e extrai daí as consequências
inerentes quanto à concessão, modalidade e extensão do benefício de
apoio judiciário pretendido. Apreciação a que, salvo situações
excepcionais (cfr. n.º 2 do artigo 20.º da Lei 34/2004), os serviços da
Segurança Social procedem por aplicação de critérios tarificados no
Anexo à Lei 34/2004 e quantificados nos artigos 6.º a 13.º da Portaria n.º
1085-B/2004, tendentes a eliminar a subjectividade da apreciação
administrativa.
Esta decisão tem a Administração de tomá-la no prazo de 30 dias
subsequentes à formulação do pedido, sob pena de ocorrer o
deferimento tácito a que alude o n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004.
Mas, de acordo com a norma questionada, com o sentido cuja
verificação de conformidade à Constituição é deferida ao Tribunal em
recurso de fiscalização concreta, este efeito não se verifica se o pedido
não estiver devidamente instruído com os elementos cuja junção com o
requerimento inicial o regulamento expressamente impõe. E, de acordo
com a mesma interpretação – e isto é o que diferencia a presente
situação daquela que foi apreciada no acórdão n.º 364/2004 –,
independentemente de despacho a advertir o interessado para a
necessidade de juntar os elementos em falta. O acórdão recorrido
reconhece a existência de um dever de a Administração notificar o
requerente para suprir a falta, mas afirma que não é dessa notificação
que resulta a suspensão do prazo de produção do deferimento tácito e
que o incumprimento pontual de tal dever de colaboração com o
particular não interfere com tal suspensão.

8. A norma assim interpretada não colide com qualquer das normas ou


princípios constitucionais que o recorrente invoca.
8.1. Em primeiro lugar, este regime de suspensão do prazo de formação
do deferimento tácito no âmbito do procedimento de apreciação do
pedido de protecção jurídica não viola a proibição de denegação de
justiça por insuficiência de meios económicos, consagrada no n.º 1 do
artigo 20.º da Constituição.
É certo que não basta para cumprir este imperativo constitucional a mera
existência do instituto do apoio judiciário no nosso ordenamento; impõe-
se que a sua modelação seja adequada, tanto nos pressupostos de
atribuição e nas prestações em que se analisa, como no procedimento a
permitir o acesso aos tribunais por parte daqueles que carecem dos
meios económicos suficientes para suportar os encargos que são
inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial,
designadamente custas e honorários forenses (assistência judiciária e
patrocínio judiciário). Todavia, nem a imposição legal ou regulamentar
de que o pedido de protecção jurídica seja instruído com determinados
elementos destinados a provar a insuficiência económica colide com
esse direito, nem a consequência que a norma em causa, na
interpretação adoptada, comina para o seu incumprimento (não correr o
prazo para o deferimento tácito) se apresenta como inadequada ou
excessiva.
Tratando-se de uma pretensão a uma prestação positiva do Estado (o
pagamento das despesas de patrocínio) e à exoneração ou modificação
de encargos (as custas e demais encargos processuais) a que os
utentes da justiça estão geralmente sujeitos, nada tem de desrazoável
que o interessado seja onerado com a prova dos respectivos
pressupostos, aliás de acordo com o princípio geral de que àquele que
invocar um direito cabe fazer a prova dos respectivos factos constitutivos
(cfr. artigo 342.º do Código Civil).
O efeito cominado pela norma em causa consiste, apenas, em não se
considerar o pedido tacitamente deferido enquanto o interessado não
tiver criado as condições para que a Administração possa apreciar a
justeza da sua pretensão, não o de denegar-lhe o benefício se ocorrer
uma situação de demonstrada insuficiência económica.
Aliás, apesar de se aceitar que a opção pelo regime do deferimento
tácito para o pedido de protecção jurídica não decidido no prazo legal
cumpre o objectivo de conferir melhor protecção constitucional ao
acesso ao direito e aos tribunais, eliminando entraves que pudessem
advir da inércia administrativa, não pode considerar-se essa opção
legislativa como constitucionalmente imposta (a única solução legítima)
para garantir que a justiça não seja denegada por insuficiência de meios
económicos, seja pelos princípios fundamentais da actividade
administrativa (artigo 266.º e n.º 4 do artigo 267.º da CRP), seja em
decorrência do complexo de direitos consagrados no artigo 20.º da CRP.
O legislador optou pela cominação do deferimento tácito como meio de
compelir a Administração a decidir dentro do prazo e por reputar essa
via mais capaz de oferecer protecção à posição do particular sem
necessidade de intermediação do juiz. Porém, a especial exigência de
celeridade procedimental não é incompatível com valoração diversa do
silêncio administrativo, desde que ao interessado sejam facultados
meios contenciosos que permitam fazer apreciar jurisdicionalmente a
sua pretensão, com alcance e com efeitos que não comprometam a
efectividade prática do direito de acesso aos tribunais, pelo que a opção
por um ou outro sistema cabe na discricionariedade legislativa.

8.2. Também não procede a argumentação com que o recorrente tenta


convencer de que a norma em causa é susceptível de violar os n.ºs 4 e
5 do artigo 20.º da Constituição.
Estas normas constitucionais contemplam, no seu dispositivo imediato,
procedimentos judiciais e não procedimentos administrativos. Admite-se,
todavia, que a protecção concedida por tais normas constitucionais se
estenda aos procedimentos administrativos que, pela sua directa relação
com os processos judiciais, possam comprometer o direito à decisão da
causa em prazo razoável e o direito ao processo equitativo (n.º 4 do
artigo 20.º da CRP) ou a efectividade da tutela judicial na defesa dos
direitos liberdades e garantias pessoais (n.º 5 do artigo 20.º da CRP).
Nesta perspectiva, o procedimento relativo ao apoio judiciário integra-se
nesta categoria de procedimentos administrativos cuja organização e
estrutura podem contender com tais direitos relativos ao processo
judicial, dos quais é instrumental.
Todavia, nem com esta extensão pode imputar-se à solução normativa
em análise a violação de qualquer destas normas constitucionais,
porque delas decorre a obrigação de o legislador adoptar soluções
processuais e organizatórias que permitam realizar os referidos direitos,
mas não que o interessado deva ser protegido contra as consequências
das próprias opções, quando estas se traduzam no incumprimento de
ónus procedimentais racionalmente fundados. Ora, o retardamento da
decisão do procedimento e, reflexamente, da decisão judicial no
processo em que se pretende beneficiar de apoio judiciário, é aqui
consequência da actuação do requerente ao não facultar à
Administração os elementos necessários à apreciação da pretensão de
apoio judiciário directamente estabelecidos pela lei (Recorda-se que,
face à delimitação do objecto do recurso, não está em consideração a
conformidade constitucional das normas que fixam os documentos a
apresentar).

8.3. E não é exacto que a interpretação normativa questionada, ao não


subordinar a suspensão do prazo de formação de deferimento tácito a
prévio convite ou advertência ao requerente do apoio judiciário para
completar a instrução do requerimento, o deixe ad aeternum em situação
de incerteza ou na dependência irremediável da inércia da
Administração, o que poderia conduzir a um juízo de violação do
princípio do procedimento equitativo.
Com efeito, o acórdão recorrido reconheceu que os serviços da
Segurança Social tem o dever de notificar o interessado para a falta de
determinados elementos, estabelecendo até esse prazo em 8 dias.
Perante isso, o requerente poderá completar a instrução do pedido, se
acatar as razões da Administração, ou impugnar a decisão subsequente
de indeferimento, se discordar da exigência. Foi, aliás, o que no caso
sucedeu, pelo que este argumento do recorrente não corresponde à
dimensão normativa efectivamente aplicada pela decisão recorrida na
solução da questão controvertida.
É certo que o acórdão refere que o incumprimento do prazo, seja qual
for a sua expressão não tem quaisquer consequências neste domínio
("…se, por hipótese, a Segurança Social não o fizer em 8 dias mas em 8
meses, o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de
protecção jurídica continua suspenso desde lá atrás, enquanto o
requerente não juntar os documentos"). Porém, esta afirmação é
meramente conjectural, não correspondendo à dimensão normativa
efectivamente aplicada. Na verdade, segundo a matéria de facto que o
acórdão recorrido deu como provada, os serviços da Segurança Social
advertiram o requerente para a insuficiência da instrução, não no prazo
de 8 dias, mas seguramente antes de decorrido o prazo de 30 dias, já
que o pedido de apoio judiciário foi formulado em 19 de Janeiro de 2005
e a notificação ao recorrente para completar a instrução consta de ofício
de 7 de Fevereiro de 2005, vindo o pedido a ser indeferido em 1 de
Março de 2005. No total, com notificação para completar a instrução e
audição prévia do requerente, menos de um mês e meio até à decisão
final. Foi esta a situação que o acórdão apreciou, pelo que aquela
afirmação não integra a dimensão normativa que constitui a sua ratio
decidendi na solução da questão controvertida, retirando objecto à
alegação do recorrente de que a interpretação normativa acolhida
implica a suspensão intolerável do prazo para decisão administrativa.

Estas considerações devem ser reiteradas, até por maioria de razão, no


presente caso, em que está em causa igualmente a norma do n.º 3 do artigo 1.º
da Portaria n.º 1085-B/2004, de 31 de Agosto, interpretada no sentido de que o
prazo peremptório concedido na lei de protecção jurídica para a respectiva
decisão administrativa se suspende durante o período de entrega de
documentos solicitados pela administração e de audição prévia, contada essa
suspensão desde o dia seguinte à data de emissão das correspondentes
notificações até à entrega das respostas do interessado nos serviços da
autoridade administrativa.

Pelos fundamentos transcritos, há, pois, que, negar provimento ao


recurso.

III

Decisão

Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a interpretação normativa dos artigos


23.º, 25.º e 38.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, artigo 1.º, n.º 3, da
Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, e artigos 254.º, n.º 2, e 255.º,
n.º 1, do Código de Processo Civil, no sentido de que o prazo
peremptório concedido na lei de protecção jurídica para a respectiva
decisão administrativa se suspende durante o período de entrega de
documentos solicitados pela administração, contada essa suspensão
desde o dia seguinte à data de emissão das correspondentes
notificações até à entrega das respostas do interessado nos serviços da
autoridade administrativa.

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a


decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita;

c) Condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 25


UC’s.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008

Maria Lúcia Amaral

Vítor Gomes

Ana Maria Guerra Martins

Carlos Fernandes Cadilha

Gil Galvão

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