You are on page 1of 27

CRIMES DE RACISMO

Autor:  Edison Maluf

O problema do racismo é antigo. A legislação penal positiva


brasileira vigora na égide do Código Penal de 1940, da era
getulista. Voltando no tempo, o código penal em vigor era o da
República, de 1890; antes dele o Código Criminal do Império de
1830 e antes do código do Império, vigoravam as Ordenações
Filipinas, Livro V.

Nas Ordenações Filipinas, não encontramos, no livro V, nenhum


tipo de preconceito; pelo contrário, a escravidão humana existia
(negro, índio) e o livro V tratava da matéria, mas nenhum
dispositivo condenava o racismo. Tinham dispositivos que
estimulavam o racismo. Por exemplo: contra os judeus, ciganos,
mouros, os quais eram obrigados a usar roupas e chapéus de
determinada cor, forma etc. e, se não o fizessem, estariam
praticando uma infração penal.

Em suma, nos primeiros tempos após o descobrimento, durante


300 anos, a nossa própria legislação penal estimulava a ação
discriminatória, envolvendo certas e determinadas pessoas.

Proclamada a independência, passamos para o Código Criminal


de 1830, no qual não figurava nenhum dispositivo consagrando ou
prestigiando esse procedimento preconceituoso, mas também nada
dizendo que racismo, preconceito envolvendo religião, sexo etc.,
configuraria infração penal.

A escravidão continuava e no Código Criminal de 1830, existia


toda uma parte dedicada aos escravos, quando eles infringiam a lei
penal. Eles recebiam tratamento diferente.

No artigo 60 do Código Criminal do Império, se o réu fosse


escravo e incorresse em penas que não fossem a pena capital ou
de galés, ele seria condenado à pena de açoites e depois, seria
entregue ao seu senhor, que colocaria nele, escravo, um ferro pelo
tempo e maneira que o juiz designasse.

Mais ainda, o número de açoites seria fixado na sentença e o


escravo, não poderia levar mais de cinqüenta (açoites) por dia.
O mesmo se diga do Código da República, de 1890 que não
trazia nenhuma alusão ao preconceito.

Verificado aqui no Brasil o movimento de Vargas, o Estado


Novo, adotamos uma nova codificação penal que é o Código Penal
de 1940.

Ocorrendo a revolução de 1964, partimos também para um


novo código penal; foi o código de 1969, que não entrou em vigor,
por circunstâncias diversas.

Continua em vigor o código de 1940, com muitas modificações e


alterações.

No código de 1940 não há nenhum dispositivo a respeito de


racismo ou de preconceito.

A expressão racismo é totalmente inadequada. O correto é usar


preconceito.

Uma lei de 1951, a lei 1390/51 - Lei Afonso Arinos, dizia:


"constitui infração penal (contravenção penal) punida nos termos
dessa lei, a recusa por estabelecimento comercial ou de ensino, de
qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber
clientes, comprador ou não, o preconceito de raça ou de cor".

O que temos, através dessa lei e de leis posteriores, é o


combate ao preconceito, à chamada ação discriminatória, que nem
sempre envolve raça.

Quando falamos em racismo, limitamos a área de incidência do


preconceito. As manifestações preconceituosas são muitas: podem
envolver a raça, cor, idade, sexo, grupo social etc.

Preconceito é uma infração genérica; neste gênero chamamos


de preconceito de: raça, cor, estado civil, sexo, inclinação religiosa
etc. O preconceito é considerado contravenção penal.

O que a lei pune é o preconceito apenas de raça e cor.


Preconceito é gênero; o que se combate realmente é o preconceito.

Em 1985, 34 anos depois da Lei Afonso Arinos, foi promulgada a


lei nº 7437/85. Essa lei continua a considerar os comportamentos
preconceituosos, meramente contravenção penal. Pela lei, a
contravenção foi estendida para preconceito de: raça, cor, sexo,
estado civil.
A idéia central continua a ser preconceito, mas a lei evoluiu pois
aumentou o número de crimes de natureza preconceituosa.
Preconceito de sexo é não permitir por exemplo a entrada de
mulheres desacompanhadas em determinados lugares; isto
acontecia em certos estabelecimentos em São Paulo, tais como
boates, bares dançantes etc.

A Constituição de 1988, em seu art. 5º - inc. XLII, passou a


considerar a prática do racismo como crime inafiançável e
imprescritível.

O legislador falou em racismo, mas na verdade, o que ele queria


dizer era preconceito. Preconceito é gênero, do qual o racismo é
uma espécie. Por racismo, entende-se um preconceito que abrange
a raça e no máximo, a cor das pessoas. O racismo não envolve
preconceito de sexo, de estado civil ou de outra natureza.

O racismo então deixou de ser mera contravenção e ganhou o


"status" de crime. Mas que crime? - Um crime particular,
extraordinário, porque esse crime está sujeito sempre à pena de
reclusão e mais do que isso, é um crime inafiançável e mais ainda,
um crime imprescritível.

É claro que o racismo é um crime muito grave, mas fazer com


que seja um crime imprescritível é um absurdo. É preciso que o
direito de punir do Estado seja limitado no tempo; não pode um
crime não prescrever nunca. Nos diplomas penais do mundo
moderno, a prescrição começa a ser introduzida, pois a prescrição
atenua aquele poder do Estado de a qualquer hora poder punir.

Para o Estado, a imprescritibilidade é uma coisa extraordinária,


mas não o é evidentemente, uma garantia para o cidadão.

A prescrição é um instituto moderno e soberano em todos os


códigos de todos os povos modernos. O legislador brasileiro
retrocedeu séculos quando colocou como imprescritível o crime de
racismo.

Diante da Constituição tinha que vir a lei ordinária nº 7716/89,


que fala apenas em raça e cor. Essa lei pune expressamente o
preconceito de raça e cor.

Em vista disso, da lei acima, com relação ao sexo e estado civil,


continua em vigor a Lei 7436/85, que trata o delito como uma
contravenção.
A Lei 8081/90 acrescentou o art. 20 à lei anterior:

Norma alterada pela Lei 8081

LEI 7.716 DE 05/01/1989 - DOU 06/01/1989

Define os Crimes Resultantes de Preconceitos de Raça ou de


Cor.

ART. 20 - Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de


comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a
discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou
procedência nacional (grifo nosso).

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

É apenas através da mídia, através da imprensa. A Lei, limitou


esses atos, característicos de crime, à chamada publicação, aos
anúncios em jornais e outros meios de comunicação.

Antes da lei, haviam anúncios de empregados procurados nos


jornais, que davam preferência a candidatos nisseis, candidatos de
orígem alemã, americana e assim por diante, criando uma barreira
às pessoas de outras nacionalidades.

Esta seria a última lei a respeito do assunto.

A Lei 9092/95 de 13.04.95 proíbe a Exigência de Atestados de


Gravidez e Esterilização, e outras Práticas Discriminatórias, para
Efeitos Admissionais ou de Permanência da Relação Jurídica de
Trabalho, proibindo a adoção de qualquer prática discriminatória e
limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua
manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil,
situação familiar ou idade.

No dia 16 de janeiro de 1996, foi sancionada a Lei Municipal de


nº 11.995, que "veda qualquer forma de discriminação no acesso
aos elevadores de todos os edifícios públicos municipais ou
particulares, comerciais, industriais e residenciais multifamiliares
existentes no Município de São Paulo.

Autor: Edison Maluf, advogado, com Curso de Pós-Graduação em


Direito Penal pela FMU-SP, Mestre em Direito Penal pela PUC-SP,
Doutorando pela PUC-SP, Professor de Direito Penal

na Universidade Paulista – São Paulo.

Discriminação e racismo

PONDERAÇÕES ACERCA DO CRIME DE RACISMO

1. Introdução

O primeiro brado contra o preconceito e a discriminação humana foi dado por


Cesare Beccaria(1) em 1.764 com a obra "Dos Delitos e das Penas". Foi,
contudo, com a Declaração dos Direitos do Homem (Revolução Francesa) que
o mundo "se abriu" em termos de preconceito e discriminação.

A igualdade de todos perante a lei nas Constituições Brasileiras foi declarada a


partir da Constituição de 1.824. Contudo, ela excluía da definição de cidadão a
população negra escravizada, à qual não se reconheciam os mais elementares
direitos civis. Para efeito do direito penal, o negro era considerado responsável
imputável: sendo acusado, era considerado pessoa; mas, sendo vítima, era tido
como coisa.

O princípio da igualdade começa a ser associado à proibição de discriminação


em razão de raça na Carta Magna de 1.934, porém, foi na Constituição de
1.967 onde ficou determinado que a lei definiria preconceito racial, com,
inclusive, punição para o delito. A primeira lei efetivamente promulgada em
combate à discriminação foi a Lei nº 1.390/51 (Afonso Arinos) porém
considerou a discriminação contra raça e cor mera contravenção penal.

Artigo 5º, inciso XLII da constituição federal de 1988

A Constituição de 1.988 representa um marco no tratamento político-jurídico da


temática racial, tendo o legislador atribuído à "prática de racismo" o estatuto da
inafiançabilidade, imprescritibilidade e a cominação de pena de reclusão,
destacando-a das demais práticas discriminatórias. Além deste dispositivo,
também encontramos referências a "preconceito" e "racismo" no artigo 3º,
inciso IV da CF/88, constituindo um dos objetivos do Brasil: "promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. E, por fim, também, no artigo 4º, inciso VIII,
dispõe-se que: em suas relações internacionais, o Brasil é regido pelo princípio
do "repúdio ao terrorismo e ao racismo".

2. Significado das expressões : Discriminação, Racismo e Preconceito


A doutrina entende que o racismo (que é o preconceito envolvendo raça ou cor)
é espécie do gênero preconceito (este último pode envolver classe, nível social,
idade, estado civil, condição de portador de deficiência, etc).

Assim, o racismo, segundo Hédio Silva Júnior(2) consiste-se num fenômeno


histórico cujo substrato ideológico preconiza a hierarquização dos grupos
humanos. O Racismo/Discriminação é a ação que discrimina, consistente em
ato (omissivo ou comissivo) que viola direitos, com base em critério racial,
independente do motivo que lhe deu causa. Diferentemente, o preconceito é a
intolerância genérica, indeterminada, consiste em conceitos prévios, idéias
preconcebidas acerca de certos indivíduos, grupos, fazendo associação desses
com atributos ultrajantes, depreciativos ou estigmatizantes.

Dessa forma, o racismo se configura no momento em que o agente pratica o


ato contra pessoa determinada. A noção de raça guarda estreita relação com a
cor da pele e/ou outros traços fenotípicos. A nossa Constituição Federal não
conceituou o racismo, nem tampouco a lei em vigor nº 7.716/1.989 (que define
os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor). A Declaração sobre a
Raça e os preconceitos raciais (proclamada pela Conferência Geral da ONU de
1.978), contudo, define o racismo como sendo:

"O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas em


preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições
estruturais e as práticas institucionalizadas que provocam a desigualdade
racial, ..."

O preconceito, assim como o racismo, desde que circunscrito apenas à


consciência individual, ao foro íntimo, não é passível de sanção penal ou
mesmo cível (ao menos no nosso Estado Democrático de Direito).

3. Concurso Aparente de Normas

A referida lei nº 7.716/1989 (Lei Caó) revogou as suas antecessoras (Lei


7.438/85 e Lei .1390/51), já que regulou inteiramente a matéria do crime racial.
Ocorre que tanto o artigo 20 da Lei 7.716/89, quanto o artigo 140, parágrafo 3º
do Código Penal (injúria qualificada por preconceito), também apresentam
características similares no tocante à ofensa verbal materializada por questão
racial, o que enseja "Concurso Aparente de Normas".

A expressão "praticar discriminação", presente no artigo 20 da Lei 7.716/89


apresenta, contudo, um CONTEÚDO VAGO (que pode incidir em um amplo
leque de condutas) encerrando, pois, um TIPO PENAL ABERTO, ou seja, que
exige complementação da doutrina e da jurisprudência para sua interpretação.
Em havendo norma que especializa a palavra como forma determinada de
"prática", como o parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal, a esta será
assegurada proeminência,em respeito ao princípio da "lex specialis".

Este é o entendimento fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo,que


entende que a utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor,
religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa,
caracteriza o crime previsto no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal e
não o crime do artigo 20 da Lei 7.716/89, que trata dos crimes de preconceito
de raça ou de cor.

O mais típico exemplo da situação em tela deu-se a cerca de 05 anos atrás no


caso do jogador de futebol brasileiro Grafite, que teria sido ofendido
verbalmente por um jogador Argentino, que o chamou de "macaquito".
Instaurado Inquérito Policial, posteriormente, o juiz da causa considerou a
ofensa relativa a preconceito de raça como injúria qualificada (art. 140, § 3º do
CP).

4. Lei 7.716/1989

A Lei 7.716/1989 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou


de cor, estabelece a partir do artigo 3º até o artigo 20, uma série de tipos
penais concernentes à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião
ou procedência nacional. Trata-se da descrição de diversas condutas neste
sentido, tendo por objeto jurídico:

1. O direito de igualdade na acessibilidade aos cargos públicos (artigo 3º);

2. Igualdade ao trabalho e à relação de emprego (artigo 4º);

3. Igualdade nas relações de consumo (artigo 5º, 7º, 8º, 9º e 10);

4. Igualdade no acesso e permanência na escola (artigo 6º);

5. Igualdade e liberdade de circulação (artigos 11 e 12);

6. Igualdade na acessibilidade ao serviço militar (artigo 13);

7. Igualdade no direito de casar-se e de escolher o cônjuge ou companheiro


(artigo 14);

8. Igualdade e a paz pública (artigo 20, caput): sendo este um "tipo penal
aberto", como já

citado, absorvendo os demais artigos;

9. A segurança, a paz e a tranqüilidade públicas, postas em risco por


presunção legal (artigo 20, § 1º).

Por fim, observa-se que os institutos da imprescritibilidade, inafiançabilidade,


bem como a cominação de pena de reclusão, previstos na constituição de
1.988, identicamente, não foram previstos na lei 7.716/1989 de modo que
esses institutos alcançam apenas a discriminação fundada na raça ou cor e
não as fundadas na etnia, religião ou procedência nacional.

BIBLIOGRAFIA
Silva Júnior, Hédio

Direito de Igualdade Racial

Aspectos Constitucionais, Civis e Penais – Doutrina e Jurisprudência –

Ed. Juarez de Oliveira

São Paulo, 2002.

Fonte: http://www.webartigos.com/articles/34054/1/PONDERACOES-ACERCA-
DO-CRIME-DE-RACISMO/pagina1.html#ixzz1GieuO0LF

Crime de racismo ainda é pouco punido


Cleidiana Ramos, do A TARDE
Marco Aurélio Martins / Agência A TARDE

Samuel Vida, advogado: "Denúncias ainda são poucas"


Por mês, o Ministério Público da Bahia (MP) recebe cerca de 40 denúncias de
racismo e intolerância religiosa, com uma predominância do primeiro crime.
Deste total, apenas 70% é transformado em  procedimento investigatório. O
MP baiano foi o primeiro no País a instalar uma promotoria especializada nesses
crimes. A promotoria já funciona há 11 anos.
“Das denúncias que que se transformam em procedimento investigatório, cerca
de 40% resultam em denúncia por crime de racismo ou injúria racista”, relata o
promotor de justiça Almiro Sena, titular da Promotoria de Combate ao Racismo
e Intolerância Religiosa. Desses casos, segundo o promotor, nenhum ainda
resultou em prisão.
“A Lei permite que a pena seja transformada em prestação de serviços à
comunidade”, disse o promotor. Sena afirma que não há dados específicos pois
há dificuldade até mesmo para apurar as denúncias que chegam à promotoria.
“A vítima comunica, mas nem sempre tem testemunha ou sabe o nome do
agressor”, diz.
O promotor afirma que o MP está tentando desenvolver uma parceria com a
Secretaria Estadual de Segurança Pública para sensibilizar delegados e agentes
policiais para que façam o registro correto dos casos de racismo.
O advogado Samuel Vida explica que os casos de racismo continuam pouco
denunciados. “O número varia muito conforme o grau de exposição ao tema.
Em períodos como agora, quando há uma maior exposição desta questão por
conta do Dia Nacional da Consciência Negra, as denúncias aumentam”, explica.
O advogado é coordenador do Afro-Gabinete de Articulação Institucional e
Jurídica (Aganju) e professor universitário.
O racismo é crime previsto na Lei 7.716/89 e pode gerar pena de um a cinco
anos. Já a injúria racista está configurada no Art. 140, parágrafo 3º do Código
Penal. “O crime de racismo é quando é dirigido a uma coletividade e injúria
racista é individual. Mas isto é uma divisão técnica do direito, pois do ponto de
vista político ele atenta contra um povo em qualquer sentido”, afirma Samuel
Vida.

RACISMO OU INJÚRIA RACIAL?


Chamar alguém de negro não configura crime de racismo
POR RENATO MARCÃO
Na noite de 13 de abril de 2005, durante espetáculo futebolístico
televisionado, ocorreu ilícito penal testemunhado por milhares de
espectadores.
Segundo foi possível notar, um dos jogadores de futebol, de
nacionalidade argentina, dirigiu-se a outro, de nacionalidade
brasileira; adversário no certame, chamando-o de “negro”. Conforme
declarações prestadas à imprensa televisiva logo após os fatos, por
um dos advogados do clube de futebol a que pertence o ofendido,
este teria informado à autoridade policial solicitada, em depoimento
formal, que fora chamado de: “negro” e “negro de merda”.
Foi o suficiente para a exploração televisiva, em parte justificável pela
conduta do ofensor, de outro condenável pela forma e conteúdo das
matérias veiculadas sem qualquer preocupação técnica.
A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes
de preconceito de raça ou de cor.
A Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, alterou o artigo 140 do
Código Penal, que trata do crime de injúria.
Conforme leciona Damásio de Jesus: “O artigo 2º da Lei nº 9.459, de
13 de maio de 1997, acrescentou um tipo qualificado ao delito de
injúria, impondo penas de reclusão, de um a três anos, e multa, se
cometida mediante ‘utilização de elementos referentes a raça, cor,
religião ou origem’. A alteração legislativa foi motivada pelo fato de
que réus acusados da prática de crimes descritos na Lei nº 7.716, de
5 de janeiro de 1989 (preconceito de raça ou de cor), geralmente
alegavam ter praticado somente injúria, de menor gravidade, sendo
beneficiados pela desclassificação. Por isso o legislador resolveu criar
uma forma típica qualificada envolvendo valores concernentes a raça,
cor, etc., agravando a pena. Andou mal mais uma vez. De acordo
com a intenção da lei nova, chamar alguém de ‘negro’, ‘preto’,
‘pretão’, ‘negrão’, ‘turco’, ‘africano’, ‘judeu’, ‘baiano’, ‘japa’ etc.,
desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada
com cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima
de um ano de reclusão, além de multa” (Código Penal anotado, 8ª
ed., São Paulo, Saraiva, p. 437).
Nessa mesma linha argumentativa salienta Celso Delmanto
que “comete o crime do artigo 140, § 3º, do CP, e não o delito do
artigo 20 da Lei nº 7.716/89, o agente que utiliza palavras
depreciativas referentes a raça, cor, religião ou origem, com o intuito
de ofender a honra subjetiva da vítima” (Celso Delmanto e outros.
Código Penal comentado, 6ª ed., Renovar, p. 305).
Não se desconhece, ainda, a posição daqueles que defendem que é
impossível falar em crime de preconceito de raça quando na essência
todos os homens (e mulheres) são componentes de uma única raça:
a raça humana. Segundo os defensores de tal doutrina, tal fato
impediria a distinção que se faz na lei a respeito de raças, e não
havendo raças (no plural), a unidade racial seria óbice intransponível
à pretensa distinção e conseqüente discriminação ensejadora da
tipificação penal.
A verdade, porém, é que para a legislação penal brasileira, conforme
consagrado na jurisprudência e na doutrina a conduta de dirigir-se a
outrem o chamando de “negro”, ou mesmo “negro de merda” como
na hipótese aventada, não restará configurado o crime de racismo.
O impacto da notícia
A imprensa em sentido amplo, tantas vezes apontada, não sem justo
motivo, como quarto Poder, tem imediata e profunda penetração em
milhares de lares e ambientes os mais variados, atingindo
inimaginável número de pessoas.
Suas notícias muitas vezes enfatizadas influenciam na formação da
opinião popular a respeito de determinados temas, e bem por isso
devem ser cuidadosas, cautelosas, pautadas pela prudência e pelo
equilíbrio. É preciso ter em mente que: mais do que noticiar, é
preciso noticiar com responsabilidade e consciência a respeito da
importância da matéria veiculada. É preciso estar atendo à forma e
ao conteúdo daquilo que se noticia.
Infelizmente nem sempre é assim, pois tantas vezes notamos a
priorização do efeito impactante; não raras vezes evidencia-se que a
vocação do órgão noticioso é apenas causar indignação; é chocar;
despertar sentimentos os mais variados sem qualquer preocupação
com os resultados que deles decorrem.
E foi assim, infelizmente, com relação ao episódio acima narrado,
haja vista que, sem qualquer cautela, a grande maioria dos canais
televisivos que trataram do assunto passou a propalar ter
ocorrido crime de racismo, que pela lei brasileira é tratado como
hediondo, quando na verdade tal não ocorreu.
E nem se diga que os veiculadores da notícia não dispunham de
conhecimentos específicos a respeito do tema, e que por isso estaria
justificado o excesso.
Com todo respeito, a tese não convence.
Se não estão preparados para a informação que tem cunho jurídico,
que não se atrevam a campear o desconhecido; que respeitem os
destinatários da notícia e não transmitam inverdades criando
expectativa de resultado judicial-repressivo que não será alcançado.
Não se trata simplesmente de descompromisso com a verdade.
A questão é mais profunda.
Com efeito, ao noticiar o ocorrido e apresentar posição jurídica a
respeito, cria-se expectativa de medidas policiais e judiciais que logo
se verificarão incabíveis à espécie, e então não faltarão críticas
injustificadas e maldosas à Polícia, ao Ministério Público e ao Poder
Judiciário.
A população destinatária da notícia não compreenderá o descompasso
entre o que foi veiculado e as conseqüências jurídicas efetivamente
constatadas, e no mais das vezes a mesma imprensa não cuidará de
esclarecer os incautos, deixando sempre a névoa sobre fatos que
nem comportavam tanta dificuldade de compreensão.
O episódio verificado durante a partida de futebol foi lamentável,
deplorável, e está por merecer justa reprovação penal.
Ao que se pode verificar ocorreu, em tese, crime de injúria
racial (artigo 140, § 3º, do CP) e não crime de racismo regulado na
Lei 7.716/97.
Por outro vértice, não menos lamentável e deplorável foi o
sensacionalismo distorcido a que se prestou parte da imprensa em
relação ao episódio; e quanto a esta conduta a certeza absoluta é a
de que nenhuma punição virá.

Presidência da República
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989.

Define os crimes resultantes de


Mensagem de veto
preconceito de raça ou de cor.

        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional


decreta e eu sanciono a seguinte Lei:        

        Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de


preconceitos de raça ou de cor.
        Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

        Art. 2º (Vetado).

        Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a


qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das
concessionárias de serviços públicos.

        Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, por motivo de


discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a
promoção funcional. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        Pena: reclusão de dois a cinco anos.

        Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada. 

        § 1o  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça
ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem
nacional ou étnica: (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em


igualdade de condições com os demais trabalhadores; (Incluído pela Lei nº
12.288, de 2010)

        II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de


benefício profissional; (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de


trabalho, especialmente quanto ao salário. (Incluído pela Lei nº 12.288, de
2010)

        § 2o  Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à


comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em
anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir
aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades
não justifiquem essas exigências.

        Pena: reclusão de dois a cinco anos.

        Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-


se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em


estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

        Pena: reclusão de três a cinco anos.


        Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a
pena é agravada de 1/3 (um terço).

        Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão,


estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

        Pena: reclusão de três a cinco anos.

        Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares,


confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

    Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos


esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de


cabelereiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento
com as mesmas finalidades.

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou


residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões,
navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de
transporte concedido.

        Pena: reclusão de um a três anos.

        Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer


ramo das Forças Armadas.

        Pena: reclusão de dois a quatro anos.

        Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou
convivência familiar e social.

        Pena: reclusão de dois a quatro anos.

        Art. 15. (Vetado).

        Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função


pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do
estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.
        Art. 17. (Vetado).

        Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são
automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

        Art. 19. (Vetado).

        Art. 20. Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou


por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça,
por religião, etnia ou procedência nacional. (Artigo incluído pela Lei nº 8.081,
de 21.9.1990)
        Pena: reclusão de dois a cinco anos.
        § 1º Incorre na mesma pena quem fabricar, comercializar, distribuir ou
veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que
utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do
nazismo. (Parágrafo incluído pela Lei nº 8.882, de 3.6.1994)
        § 2º Poderá o juiz determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido
deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:(Parágrafo
renumerado pela Lei nº 8.882, de 3.6.1994) 
        I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do
material respectivo;
        II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
        § 3º Constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da
decisão, a destruição do material apreendido. (Parágrafo renumerado pela Lei
nº 8.882, de 3.6.1994)        

        Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,


cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459,
de 15/05/97)

        Pena: reclusão de um a três anos e multa.

        § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,


ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada,
para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de
15/05/97)

        Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

        § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio


dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer
natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

        Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

        § 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o


Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena
de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)    
        I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do
material respectivo;

        II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

        III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na


rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

        § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito


em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Parágrafo
incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

        Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Renumerado


pela Lei nº 8.081, de 21.9.1990)

        Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário. (Renumerado pela Lei


nº 8.081, de 21.9.1990)

        Brasília, 5 de janeiro de 1989; 168º da Independência e 101º da


República.

JOSÉ SARNEY
Paulo Brossard

Este texto não substitui o publicado no D.O.U de 6.1.1989

 Estatuto da Igualdade Racial


Apesar de algumas discordâncias, o Estatuto da Igualdade Racial começou a
vigorar no país no dia 20.10.2010. O projeto de lei, que originou o estatuto,
tramitou por sete anos no Congresso antes de ser sancionado pelo presidente
em julho deste ano.

O documento estabelece quais ações e comportamentos são considerados


atos de discriminação racial. Também define que a população negra brasileira
é formada pelo "conjunto de pessoas que se auto declaram pretas e pardas,
conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou que adotam autodefinição
análoga".
O Estatuto também alterou os arts. 3o e 4o da Lei no 7.716, de 1989 (que
“define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”), a fim de
criminalizar atos discriminatórios no âmbito laboral, principalmente que
restrinjam a promoção funcional de pessoas negras.

Contudo, os enfoques do Estatuto são: políticas públicas e ações afirmativas.


Ele tenta influenciar a gestão pública nas escolhas da administração. O
estatuto passa a garantir a participação de representantes do movimento negro
em conselhos de saúde e de representantes das religiões africanas em
comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao
Poder Público.

A versão inicial do Estatuto previa cotas para negros em escolas técnicas e


universidades públicas, no entanto, tal previsão foi retirada do projeto pelo
Senado. Na área educacional, o que permaneceu foi a obrigatoriedade do
ensino da história geral da África e da população negra no Brasil em escolas
públicas e privadas do país.

É fato notório que as comunidades quilombolas são constantemente


ameaçadas por ações de despejo. Neste aspecto, o Estatuto buscou garantir
um mecanismo de defesa para as comunidades, assegurando que os
remanescentes de quilombos que estiverem ocupando suas terras terão
propriedade definitiva no registro de propriedade.

O estatuto teve origem em um projeto de lei apresentado pelo senador Paulo


Paim (PT-RS) em 2003. Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial da Presidência, o estatuto alcança 90 milhões de brasileiros e
é um "instrumento legal que possibilitará a correção de desigualdades
históricas".

Mesmo sabendo-se que as conquistas devem ser para além do Legislativo, o


movimento negro tende a continuar investindo na relação com o Legislativo.
Esta tendência decorre do crescimento do número de deputados negros, que
passou de 12 para 22, e a conquista de maioria na Câmara e no Senado pelos
partidos de centro-esquerda aliados ao Governo Lula.
Em entrevista veiculada na Agência de notícias da Câmara, o diretor-executivo
da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei
David Raimundo Santos afirmou: “O fato de ter um número maior de deputados
e senadores de centro-esquerda nos deu esperança. Antes das eleições, a
estratégia do movimento negro era esquecer de vez o Legislativo e buscar os
avanços no Executivo. Fechadas as urnas, vamos redimensionar a atuação no
Congresso”, disse o diretor-executivo da Educação e Cidadania de
Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Raimundo Santos.

O diretor-executivo do Educafro disse ainda que o movimento quer rever


pontos do Estatuto da Igualdade Racial para que o texto seja mais impositivo. É
o caso, por exemplo, da instituição de cotas. O texto atual permite que as
administrações públicas instituam políticas de ação afirmativa, mas não obriga
que isso seja feito.

No âmbito do sistema de justiça penal, as respostas para diminuir a


desigualdade racial não são positivas.

De acordo com reportagem do Jornal Valor Econômico, uma pesquisa feita


pelo Núcleo de Direito da Democracia do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap) e pela Direito GV no Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP), de 26 processos de um total de 226 ações judiciais sobre racismo em
tramitação de 1988 a 2005 no TJSP, apenas dez tiveram decisões de mérito
que trataram da questão do racismo - sendo que em seis delas os acusados
foram absolvidos e em outras quatro foram condenados. Ainda assim, as
condenações foram dadas por crime de injúria racial e não por crime de
racismo.

Embora tanto a pena por injúria quanto a por racismo seja de um a três anos
de prisão, a escolha da Justiça por tipificar os casos como injúria acaba
trazendo maior dificuldade no andamento da ação. Isso porque, ao alterar a
infração de crime de discriminação, previsto na Lei nº 7.716, de 1989, para
crime de injúria racial, previsto no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal,
o processo deixa de ser uma ação pública, movida pelo Ministério Público, e
passa a ser uma ação individual, que deve ser movida pela própria parte
ofendida. Além disso, a ação passa a ter um prazo de seis meses desde o fato
ocorrido para ser impetrada na Justiça, sob pena de prescrição. Já no caso de
discriminação racial, o crime tem caráter imprescritível.
Por conta do reduzido prazo de prescrição do crime de injúria, das 16 ações
restantes selecionadas pelos pesquisadores e que não tiveram decisões de
mérito - em que o TJSP analisou apenas se elas deveriam ou não ter
seguimento na primeira instância - sete delas foram extintas. Uma por falta de
provas e outras seis por conta de terem ultrapassado o prazo de seis meses.
Outras três ações tratavam apenas de questões processuais e em seis o TJSP
decidiu pelo seguimento na primeira instância.

Para Marta Machado, professora da Direito GV e uma das coordenadoras do


projeto, "a solução seria uma alteração na lei para colocar a tipificação de
conduta de injuria racial passível de uma ação civil pública, que não estaria
submetida a esse prazo de prescrição".

Além dessas dificuldades na persecução penal dos crimes de racismo, o


sistema de justiça penal continua sendo. Recentemente, foi divulgado o
relatório “Mapa da Violência 2010: Anatomia dos Homicídios no Brasil”,
elaborado pelo Instituto Sangari.

Segundo o relatório, um jovem negro sofre um risco 130% maior de vir a ser
vítima de homicídio do que um jovem branco. O retrato é semelhante em todas
as faixas etárias, mas chamam mais atenção os números referentes a
ocorrências nas quais as vítimas são jovens, porque essa faixa etária segue
sendo a mais afetada pela violência em todo o País.

Esta realidade desconfirma qualquer reminiscência de uma visão lambrosiana


de criminoso, a qual relacionava supostas tendências criminosas com o biotipo
do infrator. A população negra, ao revés, principalmente os jovens, são as
principais vítimas da violência. As mortes dos jovens negros devem servir como
um alerta às autoridades. A segurança pública não pode ser privilégio das
áreas mais ricas das grandes cidades e as mortes de jovens negros não pode
ser banalizada.

O QUE É REALMENTE SEGUNDO A LEI.


Injúria Racial x Racismo 

A questão mais debatida no meio jurídico é a distinção entre injúria racial e


racismo, onde uma começa e a outra termina. A questão é mais simples do que
se pensa. 
Há a injúria racial quando as ofensas de conteúdo discriminatório são
empregadas a pessoa ou pessoas determinadas. Ex.: negro fedorento, judeu
safado, baiano vagabundo, alemão azedo, etc. 
O crime de Racismo constante do artigo 20 da Lei nº 7.716/89 somente será
aplicado quando as ofensas não tenham uma pessoa ou pessoas
determinadas, e sim venham a menosprezar determinada raça, cor, etnia,
religião ou origem, agredindo um número indeterminado de pessoas. Ex.: negar
emprego a judeus numa determinada empresa, impedir acesso de índios a
determinado estabelecimento, impedir entrada de negros em um shopping,
etc. 
Entre as peculiaridades de cada crime encontram-se as seguintes diferenças: 
o crime de racismo possui penas superiores às do crime de injúria racial; 
o crime de racismo é imprescritível e inafiançável, enquanto que o de injúria
racial o réu pode responder em liberdade, desde que paga a fiança, e tem sua
prescrição determinada pelo art. 109, IV do CP em oito anos; 
o crime de racismo, em geral, sempre impede o exercício de determinado
direito, sendo que na injúria racial há uma ofensa a pessoa determinada; 
o crime de racismo é de ação pública incondicionada, sendo que a injúria racial
é de ação penal privada; 
enquanto que no crime de racismo há a lesão do Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, no crime de injúria há a lesão da honra subjetiva da vítima. 
FATO INTERESSANTE:

Na noite de 13 de abril de 2005, durante espetáculo futebolístico televisionado,


ocorreu ilícito penal testemunhado por milhares de espectadores.
Segundo foi possível notar, um dos jogadores de futebol, de nacionalidade
argentina, dirigiu-se a outro, de nacionalidade brasileira; adversário no certame,
chamando-o de “negro”. Conforme declarações prestadas à imprensa televisiva
logo após os fatos, por um dos advogados do clube de futebol a que pertence o
ofendido, este teria informado à autoridade policial solicitada, em depoimento
formal, que fora chamado de: “negro” e “negro de merda”.
Foi o suficiente para a exploração televisiva, em parte justificável pela conduta
do ofensor, de outro condenável pela forma e conteúdo das matérias
veiculadas sem qualquer preocupação técnica.

Para a legislação penal brasileira, conforme consagrado na jurisprudência e na


doutrina a conduta de dirigir-se a outrem o chamando de “negro”, ou mesmo
“negro de merda” como na hipótese aventada, não restará configurado o crime
de racismo. 

NECESSIDADE DE CAUTELA NA DIVULGAÇÃO DOS FATOS

Com efeito, ao noticiar o ocorrido e apresentar posição jurídica a respeito, cria-


se expectativa de medidas policiais e judiciais que logo se verificarão incabíveis
à espécie, e então não faltarão críticas injustificadas e maldosas à Polícia, ao
Ministério Público e ao Poder Judiciário.
A população destinatária da notícia não compreenderá o descompasso entre o
que foi veiculado e as conseqüências jurídicas efetivamente constatadas, e no
mais das vezes a mesma imprensa não cuidará de esclarecer os incautos,
deixando sempre a névoa sobre fatos que nem comportavam tanta dificuldade
de compreensão.
O episódio verificado durante a partida de futebol foi lamentável, deplorável, e
está por merecer justa reprovação penal.
Ao que se pode verificar ocorreu, em tese, crime de injúria racial (artigo 140, §
3º, do CP) e não crime de racismo regulado na Lei 7.716/97.
Por outro vértice, não menos lamentável e deplorável foi o sensacionalismo
distorcido a que se prestou parte da imprensa em relação ao episódio; e quanto
a esta conduta a certeza absoluta é a de que nenhuma punição virá.

Contudo, concluí-se que se referindo a uma outra pessoa com dizeres do tipo
"negro", "negro de merda", "macaco", "tsão", não estará cometendo o crime de
racismo como muitos pensam, e sim uma injúria racial,capitulada no artigo 140,
§ 3º, do CP.

RODRIGO DE SOUZA COSTA


Guarda Municipal/Varginha- Bacharel/Direito

A injúria racial

Estabelece que a Injúria consubstancia na


ofensa à dignidade ou ao decoro de
outrem.

O fato tipico do delito, baseia-se na


proteção da honra subjetiva, que constitui
o sentimento próprio a respeito dos
atributos físicos, intelectuais e morais de
cada um.

Neste toada, a Carta Magna já ampara tal


preceito de forma insofismável, quando dispõe:

" ART. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, á igualdade, á segurança e á
propriedade , nos termos seguintes...."
A guisa do disciplinado no mencionado artigo, a lei punirá discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, abrange tal entendimento a
pratica do racismo, que constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei.

O bem juridicamente protegido no crime de racismo é a integridade e moral do


ofendido, jungida no amparo da Constituição Federal.

Os sujeitos ativo do crime, é qualquer pessoa, visto ser um crime comum, já o


passivo é qualquer pessoa que pode ser vitima da injuria.

Preexiste uma dissonancia entre difamação e injúria, visto que a primeira é a


imputação à alguém de fato determinado , ofensivo à sua reputação - honra
objetiva - , e se consuma , quando um terceiro toma conhecimento do fato, já
a segunda, arrima-se na não imputação do fato , mas qualidade negativa, em
que se ofende a dignidade ou o decoro de alguém - honra subjetiva - , além de
se consumar com o simples conhecimento da vítima .

As jurisprudências dão cabo do explanado:

"na difamação há afirmativa de fato determinado , na injúria há palavras vagas


e imprecisas" . Assim , se "A" diz que "B" é ladrão , estando ambos sozinhos
dentro de uma sala , não há necessidade de que alguém tenha escutado e
conseqüentemente tomado conhecimento do fato para se constituir crime de
injúria .

Se caracteriza a injúria em punição a título de duplo elemento subjetivo, ou


seja :

a) dolo de dano, direto ou eventual - vontade ou representação do sujeito de


causar dano à honra subjetiva da vítima;

b) elemento específico - seriedade da conduta.

Já a consumação do crime de racismo é considerada de mera conduta, que


importa dizer que se consuma-se com a prática das elementares do tipo, não
exigindo, tampouco prevendo resultado naturalístico e não admitindo a forma
tentada.

Diferentemente, a injuria qualificada gize-se, na consumação quando ofensa


chega ao conhecimento da vítima, sem a necessidade do resultado
naturalístico(crime formal), admitindo-se tentativa, caso seja o crime
plurissubsistente(varias condutas).

No tocante ao nosso tema, a injúria Racial, repercute em ação dirigida contra


uma determinada pessoa, um ataque verbal exclusivo contra a (s) vítima (s). É
a utilização de palavras depreciativas com o intuito de ofender a honra
subjetiva da pessoa, p.ex. negro sujo; judeu safado; turco maldito; japa;
baiano vagabundo etc.

O que não se pode esquecer é que não basta o dolo de proferir palavras
discriminatórias, sendo necessário à vontade de discriminar, ainda que só
naquele momento.

A vasta doutrina não divorcia do declinado:

"não basta chamar alguém da raça negra de "negão" para que o crime se
configure, pois nem sempre o emprego desse termo demonstra a intenção
discriminatória.

O perdão judicial, modalidade admitida no delito, só não deverá ser aplicada:

a) quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria (ex:


o ofendido dirige um gracejo à esposa do injuriador);

b) quando houver retorsão imediata, que consista em outra injúria (duas


pessoas, em um restaurante, trocam bilhetes injuriosos por meio do garçom).

Insta esclarecer, que caso exista a falta de elemento de culpabilidade, não há a


aplicação de pena no caso de retorsão imediata de injúria.

Nesta esteira, prevalece há falta de justa causa para persecução penal devido à
falta de um dos elementos da culpabilidade, p.ex: A vítima da injúria que,antes
dela,provocou o agente.

Ademais, o crime de injúria autoriza a modalidade, é o que vela a Lei 9.459/97,


que acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria cometida mediante
"utilização de elementos referentes a raça, cor, religião ou origem".

A presente alteração legislativa foi motivada pelo fato de que os réus acusados
da prática de crimes descritos na Lei 7.716/89 (preconceito de raça e cor)
geralmente alegavam ter praticado somente delito de injúria, de menor
gravidade, sendo beneficiados pela desclassificação.
Concluísse portanto, que a prática de uma discriminação em virtude de cor ou
etnia poderá ser enquadrada na Lei nº 7.716/89, que define os crimes
resultantes de preconceito de raça ou de cor. Neste caso, a ação será pública e
bastará que a vítima comunique o crime à autoridade policial ou ao promotor
de Justiça para que este tome as providências legais cabíveis. Não é preciso
que a vítima contrate advogado, visto que o promotor é que ingressará com a
ação penal se o crime for enquadrado como de racismo, porém, o ato
criminosos poderá ser enquadrada como crime de injúria qualificada, previsto
no art. 140, § 3º, do Código Penal. Neste caso, a ação será privada e a vítima
deverá contratar advogado e ingressar com o processo dentro do prazo de seis
meses, a contar da data que ocorreu o fato.

O enquadramento legal do crime vai depender das circunstâncias que ocorreu o


fato e do preenchimento das condições previstas na tipificação legal violada
pelo agente ofensor. Pois, é muito comum, especialmente em noticiário policial,
a confusão entre um tipo e outro.

Finalmente, em qualquer das situações, o preconceito racial é sempre elemento


presente na conduta criminosa do agente, embora não determinante no
enquadramento específico. Isto é, na injúria qualificada (art. 140, § 3º, do
Código Penal) é usado para ofender aleatoriamente (sem vincular a nada) uma
pessoa, enquanto que no crime de preconceito racial (Lei nº 7.716/89) é usado
no intuito claro e inequívoco de proibir, evitar, obstar que a vítima faça ou deixe
de fazer algo, neste caso, constituindo um crime gravíssimo.

Dados do artigo 

Autor : Bueno e Costanze Advogados

Contato : franmarta@terra.com.br
franmarta@terra.com.br
Texto inserido no site em 04.04.2008

Informações Bibliográficas :

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas


( ABNT ), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado
da seguinte forma :

Costanze, Bueno Advogados. (Injuria Racial). Bueno e Costanze Advogados,


Guarulhos, 04.04.2008. Disponível em : <http://(endereço eletrônico)>. acesso
em : ( data que acessou )
No final do mês de junho foi divulgado em diversos meios de comunicação, que uma
policial militar da cidade de Itabuna, no interior do estado da Bahia, havia praticado o
“crime de racismo”. Segundo a notícia, o crime ficou configurado quando o agente
funerário Paulo Roberto foi agredido verbalmente pela policial com as seguintes
palavras: “não gosto de negro pobre”. Pergunta-se: será que ao proferir tais palavras a
policial militar teria cometido crime de racismo? A única resposta a ser dada é não.

Para fundamentar a nossa resposta, devemos primeiramente desmistificar a “lei de


racismo” (Lei nº. 7.716/1983), para isso vamos a passo a passo.

1) A aludida lei não é tão somente relacionada à raça, mas sim a “discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Percebe-se assim, que
a lei abarca muito mais do que assuntos relacionados à raça, como, por exemplo,
questões de religião e procedência nacional.

2) Os crimes da referida lei, em sua maioria, estão direcionados a ideias de segregação.


E segregação nada mais é do que pôr de lado; separar; afastar-se; isolar-se.

3) Ao todo a lei possui quatorze (14) tipos penais incriminadores. Ou seja, possui
quatorze crimes. Sendo que estes são de fácil percepção. Abaixo uma explicação sucinta
de um fato que constituiria o crime de racismo.

4) O art. 7º da lei 7.716/83, diz que constitui crime de discriminação ou preconceito de


raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional “impedir o acesso ou recusar
hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar”. Sendo
a pena de tal crime reclusão de três a cinco anos de prisão. Ou seja, se algum hotel,
pensão, estalagem, ou qualquer outro estabelecimento similar pendurar uma placa na
sua sacada com a seguinte frase “proibida à entrada de índios”; ou então “proibida à
entrada de católicos”; “proibida à entrada de quilombolas”, de fato, estará configurado
o crime da “lei de racismo”.

Mas, dito tudo isso, ainda fica a pergunta. De fato, qual foi o crime praticado, em tese,
pela policial militar?
A resposta pode ser encontrada no artigo 140, §3º do Código Penal, que trata do crime
de injúria racial, nestes termos: “Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade
ou o decoro: § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça,
cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa”.

Por fim, salientamos as principais distinções entre os crimes previsto na lei de racismo e
o crime de injúria racial, afinal, ambas as condutas são ilícitos penais. Sendo assim, os
crimes da lei de racismo são imprescritíveis, inafiançáveis e são de ação penal pública
incondicionada (não precisa de autorização da vítima para iniciar o processo).

Por outro lado, o crime de injúria racial é prescritível, afiançável e de ação penal pública
condicionada à representação (precisa de autorização da vítima para dar início ao
processo).

Publicada: 05/07/2010 00:06| Atualizada: 04/07/2010 23:41

Racismo ou injúria racial?



 

Renato Flávio Marcão

1. Introdução

Na noite de 13 de abril de 2005, durante espetáculo futebolístico televisionado, teve-se a


impressão da ocorrência de ilícito penal testemunhado por milhares de espectadores.
Segundo foi possível notar, um dos jogadores de futebol, de nacionalidade Argentina, dirigiu-se a
outro, de nacionalidade brasileira; adversário no certame, chamando-o de “negro”. Conforme
declarações prestadas à imprensa televisiva logo após os fatos, por um dos advogados do clube de
futebol a que pertence o ofendido, este teria informado à autoridade policial solicitada, em
depoimento formal, que fora chamado de: “negro” e “negro de merda”.
Foi o suficiente para a exploração televisiva, em parte justificável pela conduta do ofensor, de
outro condenável pela forma e conteúdo das matérias veiculadas sem qualquer preocupação
técnica.
2. A real tipicidade da conduta
A Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de
cor.
A Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997, alterou o art. 140 do Código Penal, que trata do crime de
injúria.
Conforme leciona Damásio de Jesus: “O art. 2º da Lei n. 9.459, de 13 de maio de 1997,
acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria, impondo penas de reclusão, de um a três
anos, e multa, se cometida mediante ‘utilização de elementos referentes a raça, cor, religião ou
origem’. A alteração legislativa foi motivada pelo fato de que réus acusados da prática de crimes
descritos na Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (preconceito de raça ou de cor), geralmente
alegavam ter praticado somente injúria, de menor gravidade, sendo beneficiados pela
desclassificação. Por isso o legislador resolveu criar uma forma típica qualificada envolvendo
valores concernentes a raça, cor, etc., agravando a pena. Andou mal mais uma vez. De acordo com
a intenção da lei nova, chamar alguém de ‘negro’, ‘preto’, ‘pretão’, ‘negrão’, ‘turco’, ‘africano’,
‘judeu’, ‘baiano’, ‘japa’ etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva
relacionada com cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de
reclusão, além de multa” (Código Penal anotado, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, p. 437).
Nessa mesma linha argumentativa salienta Celso Delmanto que “comete o crime do art. 140, § 3º,
do CP, e não o delito do art. 20 da Lei nº 7.716/89, o agente que utiliza palavras depreciativas
referentes a raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da vítima”
(Celso Delmanto e outros. Código Penal comentado, 6ª ed., Renovar, p. 305).
Não se desconhece, ainda, a posição daqueles que defendem que é impossível falar em crime
de preconceito de raça quando na essência todos os homens (e mulheres) são componentes de uma
única raça: a raça humana. Segundo os defensores de tal doutrina, tal fato impediria a distinção
que se faz na lei a respeito de raças, e não havendo raças (no plural), a unidade racial seria óbice
intransponível à pretensa distinção e conseqüente discriminação ensejadora da tipificação penal.
A verdade, porém, é que para a legislação penal brasileira, conforme consagrado na jurisprudência
e na doutrina a conduta de dirigir-se a outrem o chamando de “negro”, ou mesmo “negro de
merda” como na hipótese aventada, não restará configurado o crime de racismo.
E há visceral diferença entre o tratamento penal dispensado para o crime de racismo, conforme a
Lei 8.072/90, intitulada “Lei dos Crimes Hediondos”, e o tratamento dispensado para o crime de
injúria racial (art. 140, § 3º, do CP).
Basta dizer que na última hipótese não está vedada a liberdade provisória, com ou sem fiança;
como não está vedado eventual recurso em liberdade e tampouco a forma progressiva de execução
da pena privativa de liberdade (sem entrar na discussão da constitucionalidade ou não das
vedações impostas pela Lei 8.072/90).
3. Necessidade de cautela na divulgação dos fatos
A imprensa em sentido amplo, tantas vezes apontada, não sem justo motivo, como quarto Poder,
tem imediata e profunda penetração em milhares de lares e ambientes os mais variados, atingindo
inimaginável número de pessoas.
Suas notícias muitas vezes enfatizadas influenciam na formação da opinião popular a respeito de
determinados temas, e bem por isso devem ser cuidadosas, cautelosas, pautadas pela prudência e
pelo equilíbrio. É preciso ter em mente que: mais do que noticiar, é preciso noticiar com
responsabilidade e consciência a respeito da importância da matéria veiculada. É preciso estar
atendo à forma e ao conteúdo daquilo que se noticia.
Infelizmente nem sempre é assim, pois tantas vezes notamos a priorização do efeito impactante;
não raras vezes evidencia-se que a vocação do órgão noticioso é apenas causar indignação; é
chocar; despertar sentimentos os mais variados sem qualquer preocupação com os resultados que
deles decorrem.
E foi assim, infelizmente, com relação ao episódio acima narrado, haja vista que, sem qualquer
cautela, a grande maioria dos canais televisivos que trataram do assunto passou a propalar ter
ocorrido crime de racismo, que pela lei brasileira é tratado como hediondo, quando na verdade tal
não ocorreu.
E nem se diga que os veiculadores da notícia não dispunham de conhecimentos específicos a
respeito do tema, e que por isso estaria justificado o excesso.
Com todo respeito, a tese não convence.
Se não estão preparados para a informação que tem cunho jurídico, que não se atrevam a campear
o desconhecido; que respeitem os destinatários da notícia e não transmitam inverdades criando
expectativa de resultado judicial-repressivo que não será alcançado.
Não se trata simplesmente de descompromisso com a verdade.
A questão é mais profunda.
Com efeito, ao noticiar o ocorrido e apresentar posição jurídica a respeito, cria-se expectativa de
medidas policiais e judiciais que logo se verificarão incabíveis à espécie, e então não faltarão
críticas injustificadas e maldosas à Polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.
A população destinatária da notícia não compreenderá o descompasso entre o que foi veiculado e
as conseqüências jurídicas efetivamente constatadas, e no mais das vezes a mesma imprensa não
cuidará de esclarecer os incautos, deixando sempre a névoa sobre fatos que nem comportavam
tanta dificuldade de compreensão.
4. Conclusão
O episódio verificado durante a partida de futebol foi lamentável; deplorável, e está por merecer
justa reprovação penal.
Ao que se pode verificar ocorreu, em tese, crime de injúria racial (art. 140, § 3º, do CP) e
não crime de racismo regulado na Lei 7.716/97, que tem tratamento severo respaldado na Lei dos
Crimes Hediondos.
Por outro vértice, não menos lamentável e deplorável foi o sensacionalismo distorcido a que se
prestou parte da imprensa em relação ao episódio; e quanto a esta conduta a certeza absoluta é a
de que nenhuma punição virá.

O Âmbito Jurídico não se responsabiliza, nem de forma individual, nem de forma solidária, pelas
opiniões, idéias e conceitos emitidos nos textos, por serem de inteira responsabilidade de seu(s)
autor(es).
Opções




Informações Sobre o Autor
Renato Flávio Marcão
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no
curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-
graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association
Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução
Penal (IBEP).
Informações Bibliográficas
MARCÃO, Renato Flávio. Racismo ou injúria racial?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 21,
31/05/2005 [Internet].
Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=560. Acesso em 16/03/2011.

You might also like