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Investigación original / Original research

Sustentabilidade ambiental da água consumida


no Município do Rio de Janeiro, Brasil
Aldo Ferreira1 e Cynara Cunha1

Como citar Ferreira A, Cunha C. Sustentabilidade ambiental da água consumida no Município do Rio de Janeiro,
Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2005;18(1):93–99.

RESUMO Objetivo. Propor um índice de sustentabilidade da água de uso urbano com indicadores que
possam fundamentar o desenvolvimento de ações planejadas.
Métodos. Foram selecionados 11 indicadores (incluindo aspectos relativos a água e esgoto)
com base nos parâmetros do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) para
os anos-base 2000 e 2001. Para cada indicador foi atribuída uma nota e arbitrado um peso. A
partir disso, foi calculado o índice de sustentabilidade da água urbana (ISAU), utilizando-se a
pi
fórmula ISAU = produto (Ii ), onde Ii é a nota para cada indicador i, variando entre 0 e 100;
n p = 1, onde n é o número de indicadores consi-
e pi é o peso para cada indicador i, sendo ∑i=1 i
derados. A pior qualidade da água é indicada por um valor igual a zero, e a melhor, por um
valor igual a 100.
Resultados. O valor do índice de sustentabilidade da água urbana do Município do Rio de
Janeiro foi de 58,99 e 59,57 para os anos de 2000 e 2001, respectivamente, valores que indicam
qualidade boa da água.
Conclusões. A melhora observada na qualidade da água no Rio de Janeiro possivelmente se
deve à implantação, na década de 1990, de um programa de recuperação ambiental na região.
O planejamento ambiental para uso racional e prevenção da destruição dos recursos hídricos é
fundamental para a manutenção da sociedade.

Palavras-chave Abastecimento de água, poluição da água, purificação da água, saúde ambiental,


gerenciamento de resíduos, conservação de recursos naturais.

A água, um recurso indispensável qualidade de vida das populações. troficação; nos anos 1970, a poluição
para a sobrevivência de todas as espé- Contudo, o modo como são utilizados por metais pesados; nos 1980, o uso ex-
cies, exerce uma influência decisiva na e gerenciados os recursos hídricos tem cessivo de micropoluentes orgânicos e
levado a um nível de degradação am- pesticidas; nos 1990, a contaminação
biental e a um risco de escassez de da água subterrânea; e a década de
água que comprometem a qualidade 2000 está sendo marcada pela escassez
1 Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Escola Nacio- de vida das gerações futuras. Ao longo da água (1).
nal de Saúde Pública, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Enviar correspondência para Aldo Ferreira no se- das décadas, a degradação ambiental A gestão da água e do meio asso-
guinte endereço: Rua Leopoldo Bulhões 1480, se deu de diferentes formas. Na dé- ciado, nomeadamente os solos, está
Manguinhos, CEP 21041-210, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil. Fone: +55-21-2598-2746; e-mail: aldoferreira@
cada de 1950, foi marcante a depleção fortemente ligada à evolução e à expe-
fiocruz.br de oxigênio; na década de 1960, a eu- riência do planejamento. Nas ultimas

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Investigación original Ferreira e Cunha • Sustentabilidade da água urbana

décadas, o paradigma ambiental am- ambiente. Repercute, conseqüente- bacia do Rio Paraíba do Sul. Próximo
pliou significativamente o conceito de mente, na população, uma degradação ao seu estuário, na Baía de Sepetiba, é
abastecimento de água integrado aos da qualidade de vida, com o agrava- chamado de canal de São Francisco.
efeitos das intervenções e das ações de mento de doenças emergentes e ree- O Guandu abastece 10 milhões de
gestão nos ecossistemas associados e à mergentes de veiculação hídrica e o pessoas, o que justifica a necessidade
defesa de aspectos especiais da natu- colapso das atividades comerciais e de monitorar a qualidade de suas
reza. Em outras palavras, cresceu a im- industriais (4). águas no que se refere à questão de
portância da prevenção contra a po- Nesse contexto, a legislação urbana saúde pública e de qualidade de vida.
luição, sendo, atualmente, a qualidade no Brasil tem sido ineficaz, e a ocu- A bacia do Rio Guandu enfrenta
ecológica um dos parâmetros a se ter pação de áreas de fácil degradação hoje a poluição provocada pelo lan-
em conta no planejamento da gestão e ambiental tem sido comum nas cida- çamento de esgoto sanitário. O Rio
uso da água. O entendimento do re- des, sem falar na especulação imobiliá- Guandu recebe esgoto proveniente
curso natural água como um bem ria. Os planos diretores têm sido des- dos municípios do Rio de Janeiro,
econômico e finito deve fazer com que respeitados, agravando ainda mais os Nova Iguaçu, Japeri, Miguel Pereira e
todos os atores a utilizem de forma a problemas ambientais urbanos. Algu- Seropédica, além do efluente da es-
maximizar o bem-estar social, seja pro- mas regiões do país têm demonstrado tação de tratamento de água (ETA) do
duzindo com a máxima eficiência, seja acelerado processo de industrialização complexo do Guandu, que lança uma
consumindo sem desperdícios. aliado a uma forte expansão demográ- grande quantidade de resíduos de ori-
O planeta Terra é finito; e, nesse sen- fica, trazendo, por um lado, o aumento gem metálica e inorgânica. Uma par-
tido, há limitações para o crescimento da riqueza e do bem-estar social, e por cela pouco significativa desse esgoto
populacional, principalmente no ritmo outro lado, o agravamento dos proble- sanitário recebe algum tratamento,
atual, de mais de 1,5% ao ano (o que re- mas ambientais (5). tendo como destino final a Baía de Se-
presenta quase 100 milhões de pessoas Logo, é importante conhecer o am- petiba. Com isso, observa-se a degra-
todos os anos). Os dados disponíveis biente urbano assim transformado, dação dos ecossistemas aquáticos de
mostram que, até 2025, mais de 3 bilhões para que se possa contribuir para a toda a bacia hidrográfica, criando uma
de pessoas se somarão aos atuais 7 melhora e a manutenção da qualidade situação sanitária grave e provocando
bilhões, o que agravará os problemas de vida (6). É necessário propor inves- a degradação do rio, com o aumento,
ambientais no contexto das cidades e re- tigações que se contraponham às pro- cada vez maior, da entrada de carga
presentará um grande desafio para os blemáticas desses impactos, desde a orgânica no sistema aquático.
gestores urbanos (2). Agrega-se a isso o questão natural até as questões sociais A avaliação estratégica ambiental
fato de que 1,7 bilhão de pessoas, ou um e políticas (7). Dessa forma, o objetivo foi uma das primeiras ferramentas uti-
terço da população do mundo em de- deste artigo é propor, a partir de uma lizadas para identificar, prever, avaliar
senvolvimento, vivem em países que reflexão sobre o conceito e as princi- e mitigar os efeitos biofísicos, sociais e
enfrentam tensão quanto ao suprimento pais características do planejamento outros relevantes para a sustentabili-
de água (ou seja, consomem mais de dos recursos hídricos, um índice de dade ambiental. Todavia, por razões
20% da sua oferta de água renovável a sustentabilidade da água urbana. diversas, tal procedimento ainda tem
cada ano). Se as tendências atuais per- uso incipiente, sobretudo em países
sistirem, esse número pode chegar a 5 subdesenvolvidos. A figura 1 esboça
bilhões até 2025. O acesso limitado à MATERIAIS E MÉTODOS diferentes parâmetros dos processos
água enfraquece as perspectivas de de- estratégicos de planejamento e ava-
senvolvimento de muitos países, e os Neste trabalho destaca-se a im- liação ambiental (8), os quais subsidia-
conflitos causados pela utilização e dis- portância do Rio Guandu no abasteci- ram a formulação, no presente estudo,
tribuição da água são uma causa vulgar mento urbano da região metropolitana do índice de sustentabilidade da água
de disputas internacionais (1). do Rio de Janeiro. O Município do Rio urbana.
As grandes concentrações urbanas de Janeiro está inserido na Região Su- Existem alguns modelos teóricos de
brasileiras apresentam condições críti- deste do Brasil; sendo assim, os dados sustentabilidade que podem auxiliar
cas de sustentabilidade, devido ao ex- médios dessa região serão usados para no desenvolvimento de um conceito
cesso de cargas de poluição doméstica fins de comparação com os do Municí- de sustentabilidade urbana, funda-
e industrial e à ocorrência de enchen- pio do Rio de Janeiro. mentalmente englobando um sistema
tes urbanas, que contaminam os ma- Originalmente, o Rio Guandu é uma sustentável dos recursos contidos no
nanciais, além de uma forte demanda continuação do Ribeirão das Lajes. A próprio território das cidades. Assim,
de água (3). Visualiza-se, assim, uma vazão natural do Guandu não passa a sustentabilidade das cidades abar-
iminente redução na disponibilidade de 20 m3/s. Porém, na altura da barra- cará, na sua gestão, procedimentos
hídrica. Esse processo ocorre, entre ou- gem de Santa Cecília, localizada no multissetoriais (9). Entretanto, aborda-
tros fatores, pela dificuldade que os Município de Barra do Piraí, a vazão mos neste artigo a sustentabilidade da
municípios enfrentam no gerencia- do Guandu é aumentada para 300 água de consumo urbano pela ótica da
mento e na percepção integrada do m3/s por transposição das águas da crescente demanda por recursos hídri-

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FIGURA 1. Parâmetros de elaboração estratégica no planejamento ambiental

Avaliação Estratégica Avaliação Avaliação de


Ambiental como um Estratégica Impactos
policiamento Ambiental para Ambientais
compreensivo, planos,
construindo diretrizes programas e
de sustentabilidade estratégias
do ambiente propostas

Desenvolvimento
de Indicadores

Determinação da
situação de
desenvolvimiento,
incluindo estado Estratégias, Projetos, Implementação Monitoramento
atual e tendências programas, intervenções
dos recursos policiamento
naturais

cos, estabelecida através de um índice, vido da água urbana, a quantidade e a terminar quais parâmetros melhor
fazendo com que, a partir da consta- qualidade dessa água, sua influência descrevem o uso definido e estabelecer
tação de sua escassez, a água passe a sobre a saúde ambiental da população relações entre os parâmetros e a quali-
ser considerada como um recurso na- e o atendimento da população pelo dade da água, pontuando, dentro de
tural com valor econômico, estratégico serviço de esgotamento sanitário. Esta- uma escala, os parâmetros mais im-
e social (10). beleceu-se que o índice deveria refletir portantes e estabelecendo um sistema
a correta manutenção de ecossistemas de pesos para que, através de uma
aquáticos e a proteção da saúde hu- média ponderada, consiga-se uma
Estabelecimento do índice de mana, podendo servir como um ins- nota para a qualidade da água do
sustentabilidade da água urbana trumento de controle ou simplesmente curso d’água em questão.
como um indicador de sustentabili- Assim, neste trabalho, optou-se por
A sustentabilidade ambiental dos dade da água urbana. desenvolver um índice de forma a
sistemas de água urbana depende de Na definição de um índice de sus- subsidiar uma primeira visualização
mecanismos multidisciplinares e inte- tentabilidade da água urbana que pro- do contexto ambiental urbano, usando
grados em tempos e escalas variadas. teja os ecossistemas aquáticos e a dados consolidados de indicadores.
Entre as características necessárias aos saúde ambiental, devem-se utilizar in- Com esta metodologia, criou-se um
indicadores urbanos (11) destacam-se: dicadores que traduzam os usos múlti- índice considerando os parâmetros
ser de fácil entendimento pelos toma- plos dos recursos hídricos e todos os que descrevem a sustentabilidade da
dores de decisão; incorporar o inte- conflitos decorrentes desses usos. Uma água urbana. Selecionaram-se, crite-
resse de um ou mais grupos de toma- proposta de determinação de um ín- riosamente, 11 indicadores, com base
dores de decisão; ser mensurável, com dice de sustentabilidade pode ser feita nos parâmetros dos serviços de água e
dados disponíveis para uso imediato a partir dos índices de qualidade da esgoto do Sistema Nacional de Infor-
dentro da própria cidade ou em nível água (IQA) existentes (12). Esses índi- mação sobre Saneamento (SNIS) (13)
nacional; ser claramente relacionados ces são bastante úteis para verificar a para os anos-base 2000 e 2001. Os in-
aos objetivos das políticas urbanas e qualidade da água em corpos d’água, dicadores considerados são listados
passíveis de mudança através do uso permitindo, ainda, comparações entre na tabela 1. O índice de sustentabili-
dos instrumentos políticos; e integrar, diferentes corpos d’água. O índice de dade da água urbana (ISAU) pode ser
pi
sempre que possível, os temas econô- qualidade varia de 0 a 100, sendo que, calculado como: ISAU = produto (Ιi ),
micos, sociais e ambientais relevantes. quanto maior for o valor do IQA, me- onde Ii é a nota para cada indicador i,
Para o estabelecimento do índice lhor será a qualidade da água. No pro- variando de 0 a 100; e pi é o peso para
de sustentabilidade da água urbana, cedimento para o estabelecimento do cada indicador i, sendo ∑i=1 n p = 1,
i
incorporou-se o conhecimento sobre IQA, deve-se considerar qual o uso onde n é o número de indicadores
os efeitos provocados pelo uso inde- que se deseja para o corpo d’água, de- considerados.

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TABELA 1. Indicadores usados para o cálculo do índice de sustentabilidade da água urbana, Município do Rio de Janeiro (RJ) e Região
Sudeste, Brasila

Nota Município Rio Nota Região


de Janeiro (Ii) Sudeste (Ii)
Peso Ano-base Ano-base Ano-base Ano-base
Indicadores (pi) 2000 2001 2000 2001

Indicadores operacionais de água


Consumo médio de água per capita 0,100 58,17 57,65 58,36 52,25
Índice de atendimento urbano de água 0,100 87,50 87,30 96,66 91,87
Índice de perdas na distribuição 0,075 42,20 42,20 38,87 43,79
Índice do consumo de água 0,100 42,32 42,32 61,12 56,21
Consumo médio de água por economia 0,050 42,88 45,32 39,21 37,82
Índice de atendimento total de água 0,075 89,47 89,47 87,59 84,10
Indicadores operacionais de esgoto
Índice de coleta de esgotos 0,100 81,60 81,60 52,54 55,37
Índice de tratamento de esgoto 0,100 60,24 62,33 49,62 56,02
Índice de atendimento urbano de esgoto referente aos municípios
atendidos com água 0,100 47,40 47,40 61,12 58,02
Índice de esgoto tratado referente à água consumida 0,100 58,45 59,15 26,07 31,02
Índice de atendimento total de esgoto referente aos municípios
atendidos com água 0,100 56,09 57,22 55,38 53,12
a Indicadores selecionados com base nos parâmetros do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) (13).

Os pesos de cada indicador refletem FIGURA 2. Variação da nota atribuída ao indicador consumo médio per capita de água uti-
a sua importância para o ecossistema lizado no cálculo do índice de sustentabilidade da água urbana
urbano. Neste trabalho, os valores re-
lativos aos pesos foram arbitrados, 100
considerando metade para os indica- 90
dores operacionais de água e a outra
80
metade para indicadores operacionais
de esgoto. O SNIS possui 20 indicado- 70
res operacionais de água e sete de es-
60
goto; o ISAU reflete essa distribuição,
Nota

considerando que foram escolhidos 50


seis indicadores para a água e cinco
40
para o esgoto. Os indicadores que se
relacionam diretamente com a quali- 30
dade da água urbana tiveram um peso
20
maior em relação àqueles cuja relação
não é direta. No entanto, deve-se pro- 10
curar estabelecer uma discussão, junto 0
à comunidade científica, quanto à defi-
0 100 200 300 400 500 600
nição dos pesos, e as pesquisas nesse
sentido devem ser incentivadas. Consumo médio per capita de água (L/hab/dia)
As notas usadas para cada indicador
foram obtidas diretamente quando o
indicador era dado em porcentagem
(variação entre 0 e 100). Para os indica-
dores de consumo médio per capita de variações. Para o caso do consumo nimo necessário para que uma pessoa
água e de consumo médio por econo- médio per capita, a nota máxima (100) possa viver em condições razoáveis. A
mia (quociente entre volume de água correspondeu ao consumo de 400 variação da nota deste indicador pode
consumido menos volume de água L/hab/dia ou mais. Para um consumo ser observada na figura 2. No caso do
tratada exportada e a quantidade de de 40 L/hab/dia, a nota correspon- consumo médio por economia, foi es-
economias ativas de água) (13), cuja dente é 50, considerando que este é o tabelecida uma relação linear, conside-
unidade não é percentual, foram cria- valor definido pela Organização Mun- rando-se, como valor máximo, o vo-
das relações capazes de descrever tais dial da Saúde (OMS) como sendo o mí- lume disponibilizado por economia.

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RESULTADOS da água e do ambiente exige critérios ficou muito associado ao desenvolvi-


metodológicos analíticos que emba- mento, onde o pragmatismo reco-
A tabela 1 mostra os valores consoli- sem e fundamentem o uso de indica- menda que o planejamento seja valori-
dados de pesos e as notas para cada in- dores ambientais (15). zado pela possibilidade de se atingir
dicador usado nas avaliações do índice Entretanto, quanto às questões urba- mais rapidamente, e com benefícios
de sustentabilidade da água urbana. nas da água, a poluição é um dos as- evidentes, nomeadamente econômi-
Foram definidos, então, critérios de pectos mais preocupantes. Além das cos, novos patamares definidos como
qualidade a partir de valores do ISAU: perdas, do desperdício e da falta de in- objetivos.
um valor entre 0 a 19 indica qualidade vestimento nas redes de distribuição A crescente demanda por recursos
péssima da água; de 20 a 36, qualidade de água potável, a poluição tem ge- hídricos, tanto em quantidade como
ruim; de 37 a 51, qualidade aceitável; rado situações críticas quando a con- em qualidade, aumenta a disputa pela
de 52 a 79, qualidade boa; e de 80 a juntura natural é desfavorável. Os sua utilização. A percepção da escas-
100, qualidade ótima. maiores responsáveis são os esgotos sez faz com que a água passe a ser con-
Os índices de sustentabilidade da domésticos, os efluentes industriais siderada um recurso natural com valor
água urbana do Município do Rio de não tratados e o uso intensivo de insu- econômico, estratégico e social. Apesar
Janeiro, considerando os anos-base mos químicos na produção agrícola. do processo de modificação do am-
2000 e 2001, foram de 58,99 e 59,57 Na realidade, apenas 10% dos países biente não ocorrer de forma linear, a
(qualidade boa), respectivamente. sofrem de escassez quantitativa de escassez tem significativa influência
Pode-se notar que houve uma ele- água. Nos demais, dos quais o Brasil na velocidade de mudança do am-
vação do índice do ano de 2000 para faz parte, o maior problema é a quali- biente e no seu grau de complexidade
2001, ou seja, um ligeiro aumento na dade da água. A situação fica, muitas (10). Por isso, devemos ter como meta
qualidade do serviço. vezes, insustentável, na medida em futura a elaboração de modelos que
Considerando que o índice de sus- que se retira mais água ou se polui possam fundamentar objetivamente
tentabilidade da água urbana pro- mais rápido do que a capacidade natu- as observações a que nos propomos.
posto permite comparações entre dife- ral de recuperação dos mananciais. Ou Embora os sistemas de purificação
rentes regiões, foi feito o cálculo para a seja, a natureza não acompanha a ve- engendrados pelo gênio humano não
Região Sudeste, a partir da média re- locidade com a qual as ações antrópi- contenham a dimensão ecológica e a
gional dos 11 indicadores envolvidos, cas agridem o ambiente natural; assim, sustentabilidade do ciclo hidrológico,
considerando todos os municípios da o volume de água potável por habi- eles permitiram o desenvolvimento de
região. Os valores para o Sudeste tante torna-se cada vez menor. uma nova fonte de recursos hídricos,
foram de 54,26 e 54,53 (qualidade boa) Na seqüência da Conferência das atribuindo uma dimensão ecoeficiente
para os anos-base 2000 e 2001, respec- Nações Unidas sobre Meio Ambiente e à água.
tivamente. Nota-se, assim, que o Mu- Desenvolvimento, a ECO-92, realizada Até a década de 1990, cerca de 85%
nicípio do Rio de Janeiro teve uma no Rio de Janeiro, em 1992, tornou-se do esgoto produzido pelo Município
qualidade de serviço melhor do que a muito forte a exigência do conceito do Rio de Janeiro não recebia trata-
média regional. Percebe-se, ainda, que de sustentabilidade nas políticas de mento adequado (16). Desde então,
a melhora no serviço foi maior no Mu- gestão ambiental. Com esse conceito, a um programa de recuperação ambien-
nicípio do Rio de Janeiro do que na Re- escala de longo prazo regressou às me- tal da região, que prevê a construção e
gião Sudeste. todologias de decisão. A expressão vi- a ampliação de estações de tratamento
sível dessa evolução é a adoção de um de esgoto, de emissários e redes cole-
conceito de sustentabilidade ambien- toras, além de investimentos nas áreas
DISCUSSÃO tal integrador e estratégico—estratégia de macrodrenagem e de resíduos sóli-
de que é paradigma a Agenda 21, com dos, beneficiando áreas de alta con-
O uso de indicadores na avaliação um permanente processo de monitori- centração urbana, inclusive favelas,
de impactos ambientais é um instru- zarão, definição de objetivos, formu- vem gerando resultados. A evolução
mento de política ambiental, formado lação e implementação de medidas. temporal do índice de sustentabili-
por um conjunto de procedimentos A gestão ambiental é inerente à con- dade da água urbana mostra que o au-
capaz de assegurar, desde o início do duta humana quando sujeita ao envol- mento no atendimento total e a maior
processo, um exame sistemático dos vimento ambiental. As escalas espa- cobertura do tratamento de esgoto
impactos ambientais de uma ação pro- ciais e temporais das intervenções são trouxeram melhorias. Considerando
posta e de suas alternativas (14). Esta variáveis, indo desde um padrão mí- que o Município do Rio de Janeiro
definição evidencia que a avaliação de nimo individual, passando pelos gran- vem controlando principalmente as
impactos ambientais subsidia o pro- des projetos coletivos até a escala con- fontes pontuais de poluição e melho-
cesso de tomada de decisão e se atém tinental, marcando, para os séculos rando a eficiência das plantas de trata-
à ação proposta—políticas, planos, vindouros, a diferença e as alterações mento de esgoto doméstico, é de se
programas e novas tecnologias. O provocadas. Nas políticas públicas esperar um aumento no índice. No en-
ajuste estrutural da sustentabilidade de recursos hídricos, o planejamento tanto, muito precisa ser feito no sen-

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tido de garantir uma melhor quali- custos, tentando considerar os valores embutindo-se nessa concepção, ainda,
dade da água urbana, e conseqüente- ambientais como sendo semelhantes a o descaso com as águas servidas, que
mente, um aumento no valor do ín- outros valores de mercado (17). Assim, contaminam os corpos receptores; e,
dice de sustentabilidade da água o método aqui proposto tem por obje- por outro lado, a necessidade pre-
urbana. tivo influenciar indiretamente a de- mente de investimentos no serviço de
Tendo-se em vista que a avaliação cisão dos gestores, consumidores, uti- fornecimento, sobretudo em linhas
estratégica ambiental dos sistemas ur- lizadores da água e investidores. novas de uso e reuso de água para fins
banos de água é essencialmente uma São de grande relevância os indi- menos nobres (setores industriais, etc).
análise dos recursos naturais e de seus cadores ambientais na análise da qua- Mais do que planos para a concreti-
valores, dinâmicas, pressões e fatores lidade ambiental urbana. Segundo es- zação de medidas objetivas, a gestão
relevantes, seguida por uma avaliação tudos anteriores (18), os indicadores da água urbana deve ser um instru-
das ligações desses fatores com os ín- ambientais são modelos que descre- mento de mitigação antecipada de
dices de sustentabilidade, o sucesso vem as fórmulas de relação das ativi- efeitos negativos previstos, servindo
dos planos de uso eficiente e reuso da dades humanas com o ambiente como para conter os riscos relativos à água.
água urbana depende da maneira e da fonte de recursos, depósito de rejeitos, A sociologia, por seu turno, defende
profundidade com que algumas ações suporte da vida humana e fonte de que a tomada de decisões ambientais
são implementadas, podendo-se des- biodiversidade. Tais indicadores po- reflete preocupações e compromissos
tacar os critérios adotados para avaliar dem se referir ao estado físico ou bio- sociais. A teoria social está crescente-
as alternativas de uso racional e efi- lógico do mundo natural (indicadores mente interessada nos problemas que
ciente da água; a definição adequada de estado), às pressões das ativida- o ambiente colocará, no futuro, aos ci-
de estratégias de coleta, lançamento e des humanas que causam modifi- dadãos, mais do que nos problemas
tratamento dos esgotos; e a importân- cações nesses estados (indicadores de que estes criarão ao ambiente. Um as-
cia atribuída à escassez hídrica e ao pressão) e às medidas políticas adota- pecto importante na atual prática de
equilíbrio dos ecossistemas. das como resposta a tais pressões, na planejamento é o papel das sociedades
busca da melhora do meio ambiente organizadas na percepção, consciência
ou da mitigação da degradação asso- e interpretação da realidade. Os even-
CONCLUSÕES ciada às questões urbanas. Deve-se tuais efeitos de uma sociedade de ra-
ressaltar que os indicadores ambien- cionalidade incompleta e da percepção
A consideração operacional da sus- tais auxiliam na análise da qualidade e construção social dos problemas am-
tentabilidade está ainda mal definida. ambiental urbana, que pode ser boa ou bientais têm particular importância na
É um conceito simples de explicar, ruim, dependendo de como a pressão faceta relativa à participação pública
mas muito difícil de aplicar. No domí- humana se impõe no meio ambiente. na elaboração, aceitação e gestão dos
nio ambiental, em particular em ter- Várias interpretações estão consoli- planos. Através dos planejamentos
mos dos recursos hídricos, várias dadas no dia-a-dia, podendo-se desta- ambientais, incluindo o planejamento
tendências ensaiam a apropriação do car a visão de que o acesso à água de- dos recursos hídricos, a sociedade po-
conceito de forma a incorporá-lo a me- veria se dar de forma gratuita ou por derá definir trajetórias de desenvolvi-
todologias já existentes. É o caso da preço irrisório (considerando que a mento em função dos fatores econômi-
economia, através da internalização de água está disponível no ambiente), cos, sociais e culturais.

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Ferreira e Cunha • Sustentabilidade da água urbana Investigación original

Estudo de caso: Distrito Federal. Universa. e ecológica dos recursos ambientais. Biotecno- dústrias, visando ao uso racional e à reutili-
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sustentável e biodiversidade: gestão reacional

ABSTRACT Objective. To propose an urban water sustainability index based on indicators that
may serve as a foundation for developing planned actions concerning water resources.
Methods. Eleven indicators (covering aspects of water and sewage) were selected
Environmental sustainability based on the parameters of Brazil’s National Water and Sanitation Information Sys-
of water resources in the city tem (Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento) for the years 2000 and 2001. A
of Rio de Janeiro, Brazil score and a weight were assigned to each indicator. Based on that, the urban water
pi
sustainability index (UWSI) was calculated, using the formula UWSI = product (Ii ),
where Ii is the score attributed to each indicator i, ranging from 0 to 100, and pi is the
weight for each indicator ∑i=1n p = 1, where n is the number of indicators considered).
i
The lowest water quality is indicated by an index value of 0, and the best by an index
value of 100.
Results. The urban water sustainability index for the city of Rio de Janeiro was 58.99
in 2000, and it rose to 59.57 in 2001, indicating water of good quality in both those
years.
Conclusions. The improvement in the quality of the water resources between 2000
and 2001 in the city of Rio de Janeiro is possibly the result of the implementation, in
the 1990s, of an environmental management program in the Rio de Janeiro region. En-
vironmental planning that includes rational use of water resources and methods to
prevent their destruction is crucial to sustaining society.

Keywords Water supply, water pollution, water purification, environmental health, waste
management, conservation of natural resources.

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