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FUNDAMENTOS BÁSICOS DE

TEURGIA
Em seu conceito literal, Teurgia é uma palavra criada pelos
neoplatônicos da Escola de Plotino e Amônio Saccas para caracterizar
um tipo de magia, em que a produção de fenômenos estava subordinada
aos movimentos de expansão da consciência, sendo uma conseqüência
indireta das ações da consciência. Por ser um conceito excessivamente
sutil, passou para o vernáculo de forma simplificada, como a prática
mágica que envolve comunicações com os anjos e os espíritos planetários.
Diferentemente da Teologia, a Teurgia não se baseia em uma
contextualização religiosa de fundo histórico e social, e sim numa
percepção intrínseca sobre a natureza do Divino, proveniente de místicos
de todas as eras. A Tradição iniciatória universal não pode ser
considerada uma contextualização histórica, tal como a teologia, visto que
sempre existiu em todos os povos e em todas as épocas.
Na própria Grécia, considerada a sede da vertente da filosofia e do
racionalismo, a tradição iniciatória existiu durante toda a história grega,
no eixo que vai de Orfeu a Apolônio de Tiana, passando por Pitágoras,
Platão, Plotino e as instituições de mistérios de Elêusis e da Samotrácia.
A compreensão humana acerca da natureza do divino só pode ser
desenvolvida de forma parcial e através de “aproximações sucessivas”
e insights. A mente finita não pode, obviamente, entender o infinito. Pode
captá-lo parcialmente através de sua intuição espiritual.
A maior dificuldade para a compreensão do mundo transcendental é o
condicionamento antropomórfico profundamente arraigado que temos
sobre a Divindade, supondo que Deus seja um homenzarrão sentado em
um trono em algum lugar do céu. A sutilização desse conceito conduz à
crença de que Deus seja um grande espírito, ou ainda de que é um Ser
perfeito, puro, pleno, repleto das mais puras qualidades.
O refinamento desse conceito leva ainda mais longe, à conclusão de que
Deus não é um Ser, mas uma “seidade”, como afirmam os taoístas da
antiga tradição chinesa, a raiz de todo ser e o substrato de toda existência,
o mistério magno que permeia toda a realidade. Nessa concepção, seria
sujeito, sem objeto, embora possa objetificar-se através do universo
manifestado.
Esse conceito, a base da filosofia taoísta, parece ser a mais perfeita e
avançada aproximação da divindade, para o estágio atual da mente
humana. Nessa visão, Deus é amor puro, consciência pura, poder puro,
criatividade pura. Não haveria ninguém (nenhum ser) que tenha esses
atributos, e nem haveria possibilidade de se aplicarem atributos à
divindade. Amor, poder, vontade, sabedoria e criatividade seriam
princípios que existiriam por si mesmos, no âmago da manifestação.
Eles existiriam como a “coisa em si” e impregnariam tudo o que existe no
universo. Este seria uma manifestação cíclica desses princípios puros, que
estão na raiz de toda a existência.
Como esses princípios existem fora do tempo, não tem sentido a pergunta
absurda de “quando Deus teve origem e quando começou a criar
universos?”. Não se pode aplicar atributos temporais a algo que existe
fora do tempo.
Este nosso presente universo é apenas um dos infinitos universos que
existiram no passado e dos infinitos universos que existirão no futuro.
Criar e destruir universos é algo tão inerente à natureza divina como o
ato de respirar o é para nós.
O universo não é exatamente uma “criação” de Deus. É antes, uma
“exteriorização” de sua própria consciência, que se metaboliza continua e
ciclicamente, alternando períodos de manifestação e períodos de repouso
de igual duração. Em uma intuição simples, podemos concluir que Deus
em si mesmo não está no tempo, mas suas manifestações estão no tempo
(elas são o próprio espaço/tempo e tudo o que se move no oceano do
espaço/tempo).
Há uma frase nos Vedas que afirma “Sarvam Tat Kaluvidam Brahm” (Em
verdade tudo isso é Brahm), o que não significa que seja “panteísmo”. O
panteísmo é uma doutrina simplória que identifica o Supremo como seus
atributos e suas manifestações, e o infinito, com a soma numérica dos
finitos. O grande monismo cósmico inerente a todas as grandes tradições
espirituais afirma que o aspecto transcendente da divindade paira acima
de qualquer manifestação, enquanto o aspecto imanente permeia todas as
manifestações.
Dizer que o “Universo é Deus”, ou que “Deus é o Universo” é tão errado
quanto supor que Deus criou o Universo e ficou do lado de fora,
observando.
A relação entre o transcendente imanifesto e o imanente manifestado é
algo de uma complexidade e sutileza , que escapa ao poder do
pensamento e da palavra.
Outro ponto essencial na Teurgia é jamais aplicar atributos e
qualificativos à divindade suprema. Mesmo os mais elevados atributos
trazem complicações e contradições. Se Deus é “bom”, como entender a
presença do mal do universo? Se Deus é Onipotente, por que não tem
poder para eliminar seus opositores (o mal)? Se Deus é onisciente, por
que não sabia que parte de sua obra iria se desviar e que Lúcifer se
tornaria um “anjo rebelde”?
Se Deus é onisciente, conheceria o futuro e saberia que todos esses desvios
iriam acontecer. Se o sabia por que os fez? E se é onipotente, por que os
deixou acontecer? Nunca houve, nem haverá respostas satisfatórias a
essas perguntas porque elas são absurdas em seus próprios pressupostos
sobre a natureza da Divindade e de suas manifestações. São perguntas
formuladas por quem carrega uma visão antropomórfica sobre o Divino e
por quem tenta aplicar categorias temporais àquilo que existe fora do
tempo.
Na realidade, a harmonia da ordem divina é tão ampla, que é capaz de
harmonizar todas as desarmonias aparentes e de simetrizar todas as
assimetrias, da mesma forma que a harmonia e a unidade absoluta do
oceano pode abranger ondas que se entrechocam em diferentes direções,
em aparente conflito. Todas as turbulências e tempestades do mar são
entrechoques superficiais, movimentos contingentes de ajustamento
cármico entre aspectos ilusoriamente separados de uma coisa única. Esses
movimentos, tais como as ondas do mar, não afetam as profundezas
calmas e silenciosas, nem afetam a unidade absoluta e a harmonia que
reinam no seio do oceano.
Os mitos e alegorias usados para explicar a existência do mal constituem
tentativas da mente humana de racionalizar e compreender as
contradições e assimetrias existentes no universo.
Essas racionalizações foram feitas no passado e atendiam às mentes
simples e primitivas do homem da antiguidade. Estão totalmente
defasadas das necessidades do homem moderno e de sua nova visão de
mundo.
O fundamentalismo religioso de nosso tempo é a última tentativa do
homem moderno de restaurar a segurança das antigas crenças e obter a
sensação de certeza que elas proporcionavam aos homens primitivos. É
uma reação do homem moderno, perplexo diante das contradições e
angústias da modernidade, tentando voltar à segurança e aos valores do
passado.
Por mais que o fundamentalismo pareça forte e atraia multidões, está
condenado a desaparecer, porque só tem olhos para o passado, ainda que
forneça algum alento para o desespero e a falta de referência espiritual da
modernidade. Não será no passado nem nos dogmas que encontraremos
soluções para nossos problemas.

A solução está em descortinar o futuro, por meio das sínteses


reintegradoras do verdadeiro ecumenismo, e na ativação do princípio
crístico essencial que vive no âmago de todas as criaturas.

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