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(cada salto entre os blocos de texto indicará uma das divisões do livro.

Ficha de leitura
baseada no exemplar da Cia das Letras, 1ª edição, 12ª reimpressão – até a página 213.
Depois, terminei o livro na cópia digital)

Das entrevistas de Saramago em ‘Diálogos com José Saramago’:

"Provavelmente eu não sou um romancista; provavelmente eu sou


um ensaísta que precisa de escrever romances porque não sabe
escrever ensaios".

“(...) o que é a verdade, quem é o outro? É esta indagação, que


aliás vai aparecer agora no romance que eu estou a escrever, o tal
Todos os Nomes, é ela que é em tudo (de uma forma metafórica,
claro está) a procura do outro, ainda por cima a busca do outro
que não se encontra lá nunca.”

“Eu não separo a condição do escritor da do cidadão, embora


separe, sim,
a condição do escritor da de militante político. Isso separo.”

“Eu acho que o século XX tem três figuras que o exemplificam: o


Kafka, o
nosso Fernando Pessoa e o Borges.””

“A literatura pode viver até de uma forma conflituosa com a


ideologia. O que
não pode é viver fora da ideologia.”

“A História é parcial e é parcelar”.

“(...) há alguma coisa de meu no herói, no pobre do herói1 do


livro que
estou a escrever (...)” (Sobre José, de Todos os Nomes)

Hierarquia geometrizada. Sem contradição entre estética e autoridade. O


trabalho não atravessa, ou atravessa pouco, quase vaza, (d)as camadas hierárquicas.
Descrição do ambiente de trabalho, fisicamente e em suas divisões de tarefas.
“(...)pesquisador de miudezas históricas de escassa relevância.” (pg. 14)
Fio de Ariadne, por conta da confusão dos mortos mais antigos serem
empurrados ao fundo do arquivo, visando à praticidade da consulta.
Reflexão sobre o antagonismo entre a hora inexata da morte e a fragilidade da
movimentação burocrática, como as duas não se encontram.
Sr. José, eis o nosso personagem.

José é apenas José, sem sobrenomes, que justifiquem a relação. O Tiago


levantou a hipótese do narrador também trabalhar na Conservatória. Nem senhor se
justifica, dado o ambiente de repartição no qual a história se passa. E o ‘senhor’ pode
variar de tom, conforme o sentimento do emissor.
Viver dentro do complexo local de trabalho pode indicar que não há diferença
entre vida pessoal e vida profissional, e José mora na ÚNICA casa que sobrou desta
época. Penso que um dos traços do livro talvez seja este (a se confirmar depois).
José: espírito metódico, quieto, com transtornos psicológicos que o personagem
não aflora.

O fato de trabalho e prazer se misturarem vai se confirmando, por enquanto, com


o hábito de José de colecionar notícias de pessoas, famosas (cujo NOME ficou visível)
por diversas razões.
Coleção é angústia metafísica, de tentar pôr ordem num universo cujo poder
foge ao homem.
“Consciência da presença da Conservatória” (pg. 25) leva à busca das
informações no registro. Complemento do hobby: enraização da angústia metafísica. A
Conservatória é a informação exata da palavra. Isto o leva a transgredir, quebrar a
confiança do chefe.
“Só os deuses mortos são deuses sempre.”
A curiosidade de José é pelos nomes.
Crise de consciência=luta contra uma abstração.
O conhecimento, a sensação deste, superou o sentimento de falta para com a
instituição. A transgressão não é a informação, mas a forma como a obteve. É a
retomada de posse, o senhor dos arquivos.

Simbologia: número 100 é fronteira (cem melhores discos, contos, livros...)


Fama é tão difusa zona quanto o arquivo da Conservatória. “A coleção do Sr.
José parece-se muito com a vida.”
O manejo dos dados provoca inúmeras sensações de vitória em Sr. José.
Descoberta de segredos, por enquanto de terceiros.
Sr. José é “um querer e um temer em permanente conflito.”
Sobre o sumiço do material, e sua investigação: seu comportamento talvez o
entregasse, de acordo com a psicologia aplicada.
(esse transtorno da coleção está parecendo o meu, com relação aos livros
digitais)
Com relação a entrar novamente na Conservatória, José, depois do susto do
inquérito do material, resiste, mas se entrega ao transtorno baseado no seguinte
pensamento: “O que tem de ser, tem de ser, e com muita força.”
Joana, se não me engano, utilizou-se desta expressão em ‘Jangada de Pedra’.
O sexto verbete é o que chamará a atenção, por ser absolutamente (in)voluntário.
Seu anonimato é que causa empatia a José. Pensamentos metafísicos.
(pgs. 38 e 39) Conversa com o narrador? Passa da hipótese do ‘entrar de chofre’
a um diálogo (saramaguiano, é claro).

Explicação sobre o ato de decidir, tão fisiológico, tão pouco racional. A decisão
nos toma, e não o contrário (e talvez seja verdade...).
Outra fala hipotética de José, explicando a decisão que o tomou, com
participação de um interlocutor. A voz de José confirma o discurso do narrador sobre
decisões, tomado, porém, de prática argumentação. A gravata como prova da verdade
do ato e/ou do caráter voluntário da ação é de uma ironia e de um senso de observação
sherlockianos...
“O que não entra na minha realidade não tem existência”, do interlocutor
imaginário.
A vida de José está se tornando um emaranhado de mentiras, confusas no que se
refere à sua realidade/existência, mas de grande poder de persuasão – ainda que seja
sobre si mesmo.
Sobre a decisão, ele realmente foi atrás da mulher do verbete, a pesquisar-lhe a
vida.
Sr. José, pelo visto, comunica-se, em palavras, muito pouco com o mundo à sua
volta, muito mais consigo mesmo.
Uma breve viagem por todos os tempos...
Me parecia óbvio ser da mulher do verbete a voz que embalava a criança. Não
seria?
Diálogo interno da angústia com a razão, com base na vida de José guiada pelo
acaso. Venceu a angústia da nova e desconhecida vida.

Burocracia sem razão, sem fundamentação, hierarquia autoritária. O narrador


segue sem citar nomes, como se Todos os Nomes, na verdade, fosse um nome só: José.
Diálogo com a moça do endereço inicial feito de maneira a esconder algo, cumplicidade
ambígua. A oficialidade proveniente da autoridade, por mais falsa que seja, inspira
autenticidade – o que talvez explique a mentalidade burocrática até aqui vigente.
Há uma questão de construção textual, sobre José conhecer a sintaxe do chefe,
imitando-a perfeitamente, cruzando esta informação com a anterior afirmação que ‘o
que à primeira vista é igual para todos e na realidade é diferente para cada um’. O
escritor é o que o escritor lê – conforme a entrevista do Saramago, e a discussão em
Estudos Pessoanos.
Secundarização total dos demais personagens pela expressão fulano, beltrano e
cicrano.
É mesmo um momento único na vida de José, experimentando coisas inéditas
em seu repertório, como convencer a alguém de algo – mesmo que na mentira.
O cérebro do chefe da Conservatória é eletrônico, como na música do Gil. A
sincronia da escrita sobre a memória do chefe e a época pré-informática surpreende. Na
verdade, é uma mistura de Deus e cérebro eletrônico, pois parece que os nomes estão
‘gravados na palma da sua mão’.
Como em alguns outros livros de Saramago, algumas questões comportamentais
e existenciais são discutidas em situações que beiram ao comum – não é o caso da fuga
d’A jangada de pedra, nem da conversa de José com esta vizinha da mulher procurada.
No entanto, são pessoas comuns, cujos discursos parecem extrapolar, numa visão
bastante discriminatória – de minha parte -, os limites do conhecimento dos
participantes.
Se nos outros livros as situações requerem viagens, ou deslocamentos solenes,
neste não é diferente: José começa sua empreitada num sábado andando de táxi.
José é sozinho, mas a velha do rés-do-chão direito também é. Será que se
costura, como n’A jangada, um encontro de pessoas sozinhas?
José deu-se conta da idiotice da sua exposição: era só ter procurado na lista
telefônica. Convenceu-se, porém, do valor da empreitada, proporcional à dificuldade da
descoberta.
Discussão sobre o pensamento, voluntário ou involuntário, e quem realmente
decide.
José tem muitos diálogos interiores, é um homem de muitas contradições
sufocadas. E está beirando a uma paranóia – caso da lista telefônica, justificada pela
natureza transgressora dos seus atos.
Trabalho de natureza policial, totalmente investigativo-científico. Excetuando-
se, é claro, o método de não cobrir a distância entre dois pontos com uma linha reta,
como foi o caso de não ter procurado o nome na lista.
Metaliteratura? “Se isto fosse um romance, murmurou enquanto abria o caderno,
só a conversa com a senhora do rés-do-chão direito daria um capítulo.”

(pg. 77) Inquisição pelo conservador, arrogante, onipotente, e livre de deveres. Punido
pela sua culpa – mesmo sem saber qual seria – e pelos seus erros – no caso, os do
trabalho.
A voz que o persegue é demasiado impertinente. Não se trata somente de um
simples duelo interno de razões, mas também de um convite – aqui – ao afundamento
na crise. Interessante é que a voz é extremamente lógica, dispensa rituais para chegar
aos fins. O fim, neste caso, é a volta à órbita atual, esperando somente o que se há-de
cumprir. Talvez seja este o motivo de José não querer concluir tão apressadamente o
processo.
“(...)ladrão, dura palavra que o Sr. José não merece, quando muito falsificador,
mas isto só nós é que sabemos.” Intervenções do narrador na interpretação dos fatos.
Invasão e arrombamento da escola onde a personagem do verbete teria estudado.

Descrição da entrada no prédio da escola, pouco poética como o cair da folha,


tragicômica como a queda de uma árvore.
Pela explicação do que é fio de Ariadne, do seu uso lógico, e aliando este
conceito assim formado à algumas passagens do livro – como esta, em que o narrador
compara os movimentos dentro da escola como um jogo de xadrez -, entendo que seria
um bom aspecto a ser estudado a lógica saramaguiana, pelo menos neste texto. Onde se
encontra a explicação do ‘bem pensar’ (lógica: Um sistema lógico é um conjunto de
axiomas e regras de inferência que visam representar formalmente o raciocínio válido).
Sala de aula: “onde as carteiras dos alunos pareciam túmulos alinhados, onde a
mesa do professor era como um sombrio espaço de sacrifício, e o quadro negro o lugar
onde se faziam as contas de todos.” A descrição do mobiliário restante da sala é de igual
poesia.
O homem veio do pó... de giz! Riscado na noite, na qual um dia se perderá.
Significado de ascender à luz: simplesmente poder ver onde se põem os pés.
Aqui entra, mais uma vez, as relações entre signo e seu significado.
Comparação entre hierarquias: o gabinete do diretor da escola é mais pomposo
que o do conservador.
Momento de noção da realidade: o choro pela aventura criminosa. Choro pelo
corpo inteiro (o corpo molhado pela chuva dá a idéia desta noção já impregnada em
José, sem se manifestar).
Culpa + medo = pouco sono.
O raciocínio (mecanismo dedutivo) de José é extremamente eficaz, e ele
consegue virar-se com desenvoltura pela escola. Início da expedição pela secretaria, em
busca das informações.
“E agora, José? (...) a luz apagou (...) você que é sem nome (...) Está sem mulher
(...) sua incoerência (...) sozinho no escuro (...)” (Carlos Drummond de Andrade).
A busca vai se revelando uma perda de tempo, até que ele encontra uma porta
fechada, entre dois arquivos (semelhança com a porta de sua casa, que liga seu lar à
Conservatória. Seus olhos ‘sentem’ isto, se o verbo não for impróprio.
A busca pela informação é uma expedição em meio à escuridão. Metafórica,
física e visualmente falando.
José se demonstra lógico ao falar consigo mesmo. Aliás, é de uma consistência
policial a teia que o pensamento dele desenvolve.
O arquivo-morto da escola é uma mina, cuja escuridão esconde o diamante que
José tanto procura. E este arquivo é mais pessoal que o da Conservatória, por trazer
consigo as fotos dos alunos nos verbetes.
José está um caco, pelo trabalho na ‘mina’, e pelas desventuras que a entrada ao
prédio lhe proporcionou. Pensa-se irreconhecível, ‘(...) não pareço eu, pensou, e no
entanto nunca o havia sido tanto’. A personalidade escondida de José era aquele pó.
Não no sentido de sujo, mas no sentido de real.

(pg. 115) Show de burocracia a informação da doença de José. A surpresa é o desejo de


melhoras do conservador.
A conseqüência imediata da aventura é, por enquanto, a doença. A febre que traz
perigosos delírios. A recuperação não impede José de ter que continuar pensando sobre
seus atos, escondendo provas e coisas, do que não se saiu bem sucedido, afinal o
subchefe, ao cometer a delicadeza de trazer-lhe o remédio, viu os verbetes escolares,
além da mancha de umidade causada pela roupa.

O mau humor é uma constante. Quando não são os superiores, o médico aparece
para dar conta do recado. O medo e a doença juntos, como lembrança viva do fato,
quando do aparecimento do chefe na sua casa, ao mesmo tempo da visita do médico.
Como ser chefe? Condescendente e imperativo.
Ao ser tratado pelo enfermeiro, que nota as feridas nos joelho e as trata, é
informado pelo mesmo de que haverá um relatório sobre o seu tratamento. Também
surge a informação de que, dado o pouco trabalho que tem o conservador, sua ocupação
principal é colher informações sobre os subordinados, sendo o próprio enfermeiro uma
das fontes de informação. Conversa cuidadosa, poderia ser desastrosa, não fosse “estar o
seu espírito atento aos múltiplos sentidos das palavras que cautelosamente ia
pronunciando, sobretudo aquelas que parecem ter um sentido só, com elas é que é
preciso mais cuidado. Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca
foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é directo, literal, explícito,
fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de
permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções
irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem
de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar
marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições.”
(pg. 137) Uma semana de repouso. Estranhamento do médico ao ver a preocupação do
refinado Conservador com o simples funcionário, habitantes de mundos tão distintos.
A preocupação de José em escrever no caderno é literária, ou memorial – ainda
que se confundam as duas coisas?
José volta ao trabalho como se um caco de si mesmo fosse.
Pequena digressão do narrador: como se faz para cumprir a hierarquia informal
da chegada dos funcionários, descrita nesta parte do livro?
Os funcionários estranham a preocupação que o Conservador tem com o Sr.
José, sendo que, na volta ao trabalho deste, a conversa entre os dois se sucedeu como se
fossem iguais – considerando o modo de ver as coisas dos funcionários da repartição.
“A solidão, Sr. José, declarou com solenidade o conservador, nunca foi boa companhia,
as grandes tristezas, as grandes tentações e os grandes erros resultam quase sempre de
se estar só na vida, sem um amigo prudente a quem pedir conselho quando algo nos
perturba mais do que o normal de todos os dias.”
Vai-se desenhando que a ‘bondade’ do tal Conservador parece ter elementos
obscuros. Confesso que, por experiência de mundo, já desconfiava antes de tal coisa,
mas somente agora fica claro no texto. Da solicitude ao ardil. E um dos seus subchefes,
ao que parece – conforme a interpretação que faço de texto- é-lhe muito útil para esse
fim – desconheço somente se é voluntário ou não.
Sr. José é tão metódico, de um raciocínio que se alonga tanto, que até parece ser
um paranóico extremamente fantasioso.
Devaneio extra: as outras casas foram todas engolidas pela Conservatória,
ficando somente aquela, que já estava a ponto de sofrer o mesmo destino.

Ida ao endereço do último verbete da menina na escola. Lamentação pela falta


de sorte de não encontrar senhoras como a do rés-do-chão, o que foi mais afortunado,
visto que um dos chefes da Conservatória lá mora. A busca agora se desenvolve no
bairro, no comércio, e não na vizinhança mais próxima.
O desenrolar do diálogo com o farmacêutico é real, ou produto do raciocínio de
José?
Insucesso no primeiro dia ocasiona uma conversa com o teto, ao chegar em casa,
que o orienta a voltar a trabalhar. Espírito desorientado devido a este insucesso. Idéia de
ser a GRANDE missão de sua vida, essa busca, provoca um vazio interior, pela
possibilidade de não-sucesso.
“nesta Conservatória Geral do Registo Civil, onde os nomes são muitos, para
não dizer que são todos.”
Ao fazer seu trabalho de registro, depara-se com um nome quase igual ao da
mulher desconhecida. Vai procurar sua ficha, e não encontra, o que, na burocracia,
significa que a mesma já foi para o arquivo-morto.

Fio de Ariadne – imitação – para guiar-se, dos mortos para o mundo dos vivos.
O mundo dos mortos não começa, necessariamente, onde termina o dos vivos –
comparação necessária para se entender o arquivo. A corda é mais comprida que a
própria conservatória por que nem sempre se cumpre uma distância através do caminho
mais curto.
Descrição detalhada dos pormenores da busca – problemas, problemas e mais
problemas, e até mesmo da polêmica procriação dos ratos. Pelo caos que é este setor, e
pelas inúmeras possibilidades tecidas pelo raciocínio de José, é impossível desenvolver
qualquer tipo de método nestas condições de organização e luminosidade.
“(...) mas o Sr. José, coitado dele, não pode acordar de um sonho que já não é
seu.” Acho que é uma boa descrição para o que penso ser um delírio de José. (Um)a voz
explica que tudo não passou de um sonho, mas que tinha algum objetivo a ser
descoberto, e tenta demovê-lo da idéia de prosseguir a busca. Ainda que ali não esteja
carne e ossos da procurada, a simples localização do papel já a transforma numa morta.
A saída do corredor com a chuva de papéis, a coincidência (?) do papel guardado ser da
mulher desconhecida e a porta batendo – sem que ele ouvisse – na Conservatória dão
mais aspectos do fantástico ao texto – sem contar, é claro, o fato de estas coisas
acontecerem logo após a conversa de José com uma ‘voz’.

Tempo matemático diferente do tempo psicológico. Constatação da data de


morte da mulher procurada. Discussão acerca das diferenças dos tempos, expostas na
primeira frase desta parte do resumo.
Finda a sua jornada – não terminada por ele, mas por si mesma -, resolve
comunicar a quem realmente tinha interesse o paradeiro da moça, a senhora do rés-do-
chão direito. Ao arrancar com o autocarro, percebe que o chefe está entrando na
Conservatória após o horário do expediente.
“(...) e pela sua casa, se é que esta era merecedora de que lhe dessem o nome de
edifício, sem dúvida adequado de um ponto de vista linguístico rigoroso, pois edifício é
tudo quanto foi edificado, mas obviamente impróprio em comparação com essa espécie
de dignidade arquitectónica que da palavra parece emanar, sobretudo quando a
pronunciamos.” Novas discussões – carregando quase sempre o mesmo ponto de vista –
sobre signo e significado.
José ficou com medo que o chefe conseguisse ver os papéis referentes à falecida,
visto que não tinha certeza de tê-los escondido. Durante a viagem, entrega-se a
divagações sobre a espionagem que poderia ser feita, sobre o processo de pensamento e
seu respectivo abandono, sobre as razões de estar o chefe voltando à Conservatória... e,
é claro, sobre o encontro com a senhora do rés-do-chão direito.
O medo de uma possibilidade da senhora ligar e colocar por terra seu plano e sua
reputação agiu de modo retardado.
Chá com conversa com a senhora, que relatou ter seguido ela mesma o conselho
dado a José, de procurar na lista telefônica, e ligou para a afilhada. José, sem saber
como fazer, nem o porquê de não ter feito antes, não dizia à mulher que a afilhada tinha
morrido, coisa que fez de supetão.
“(...)É o que a morte tem de bom, com ela acaba-se tudo.”
Cai a máscara de José, ao não conseguir explicar que assunto tinha se encerrado
com a morte da moça. Iria persistir na mentira, mas – sem nenhuma explicação do nosso
narrador – voltou atrás, e dispôs-se a contar tudo.

Mudança no narrador? Pelo andar do livro, é só o José se lembrando da


conversa, com a marcação já tradicional do Saramago. De qualquer forma, é uma
conversa sobre o daqui pra frente, sobre o que fazer, continuar a busca por esta mulher –
pela memória dela, no caso – e procurar outros parentes, ou enterrar – literalmente – o
assunto.
(pode ser o diário do José, também)
Conversa entre os dois termina de maneira um tanto torta. Decisão de ir ao
cemitério.
A inveja no trabalho cresce sem alaridos, e a última falta de José parece
provocar alegria nos colegas, quando estes se dão conta da latente punição. Porém, no
lugar disso, a deliberação do Conservador com os subalternos tratava de outro assunto, e
as portas foram fechadas para o comunicado: (lengalenga interminável sobre a tradição
dos serviços) “a partir desta data os mortos permanecerão no mesmo lugar do arquivo
que tinham ocupado em vida, segundo, que progressivamente, processo a processo,
documento a documento, dos mais recentes aos mais antigos, se procederá à
reintegração dos mortos do passado no arquivo que passará a ser o presente de todos.”
Foi explicada minuciosamente para que os funcionários tivessem a consciência de
edificarem algo, e não simplesmente passarem papéis para cá e lá. Somente essa
explicação fugiu ao padrão da Conservatória, o trabalho recomeçou como sempre,
nenhuma palavra que não estiver diretamente relacionada com o serviço.

Descrição do cemitério – “edifício antigo cuja frente é irmã gémea da fachada da


Conservatória Geral do Registo Civil.” (pg. 213). Como a Conservatória,
(pg. 108 da cópia digital)

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