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UFRJ

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
Comunicação Social, 1º período – Comunicação e Realidade Brasileira
Aluno: Michel Mosso Schettert
DRE: 108021394

O PROCESSO
Franz Kafka
Comentários

1) Contexto da obra
2) Comparações
3) Peça teatral
4) Crítica geral

1) Redigido no início da Primeira Guerra Mundial, O Processo tem um início talvez


comparável à perseguição que ocorreu por parte dos turcos aos armênicos – cristãos, acusados de
serem aliados da Rússia na Guerra. Assim como o povo armênico, Joseph K. (personagem acusado
judicialmente) é preso sem haver um motivo claro para que aconteça seu processo. Ele carrega uma
culpa que nem mesmo ele sabe qual é. Não posso afirmar se a comparação foi premeditada, mas as
acusações de crimes por “ser alguém” acontecem até a atualidade.

2) Como na ditadura militar brasileira, em O Processo também a perseguição é foco do poder.


As autoridades do Golpe de 64 prenderam muitas pessoas que apresentavam suposta ameaça ao
regime. Havia sempre algum interesse político nisso, lógico. Quem tinha voz para desmascarar a
opressão, encontrava logo um chega-pra-lá do governo ditatorial.
Joseph K. é também uma vítima do sistema. É indiciado por talvez existir. Seu papel na
sociedade talvez não interesse a pessoas poderosas. São essas algumas suposições que se encaixam
na realidade.

3) Com a direção de José Henrique, a peça teve uma produção digna de aplausos. Começando
pelo cenário, onde podíamos ver estantes de arquivos abarrotados de processos. Papéis e mais
papéis se acumulavam nas altas prateleiras¹.
A maquiagem teve um papel sutil. Uma “mancha” branca passava pelos olhos do elenco –
simbolizava talvez a venda que tapa os olhos da estátua símbolo da justiça, a qual transmite a idéia
“todos são iguais perante a lei”.
O figurino teve sua peculiaridade. Os elenco inteiro vestia terno. Segundo o diretor José
Henrique, a roupa era neutra e estava de acordo com o ambiente judiciário. Os acessórios foram
todos selecionados em cores azuis. A cor foi escolhida por obter variações tônicas diversas – do
azul mais claro ao mais escuro. Chapéu, avental, caneca, cobertor, livros etc. seguiram essa linha.
A partir de sua prisão, Joseph K. entra num mundo aparentemente do avesso. Sem base para
sua acusação, ele vai tentar buscar respostas e o que encontra são mais perguntas².
As pessoas que o rodeiam sempre são dignas de desconfiança. O próprio tio Karl (tio de K.)
se mostra um parasita ao convencer seu sobrinho a consultar o advogado Huld, membro do
judiciário mais infiel da obra – este personagem mostra o total descaso e falta de compromisso com
a preparação da defesa de K., mostrando-se sempre doente e adiando seu trabalho.
Sem conseguir se comunicar com o mundo que o cerca, K. vai buscar segurança para sua
vida. Sua conformidade faz com que ele articule uma defesa capaz de ao menos “arrastar” seu
processo, visto que a absolvição é impossível de se atingir.
Tal tentativa é em vão. Nessa corrida, Joseph K. Encontra algumas mulheres no caminho,
mais um aspecto na peça que acaba por distrair e desviar K. de seu objetivo. Mesmo depois de
conseguir dicas com um réu em julgamento (igual a ele, porém com mais experiência devido ao seu
“arrasto”) e também com Titorelli (o pintor de quadros únicos) e ainda depois de demitir seu
advogado desleixado, K. acaba sendo sentenciado de morte, “como um cão”.

4) Não somos tão livres quanto pensamos. O primeiro tópico a se pensar é porque todo mundo
sabe do processo de K. Isto nos dá uma idéia de monitoramento. Se pensarmos, vivemos
monitorados o tempo inteiro. O sistema tem todas as nossas informações pessoais. O simples ato de
comprar com o cartão de crédito já denuncia onde e o que estamos fazendo. Navegar na internet,
igualmente: pelo endereço da placa de rede que usamos, podem achar exatamente nossa localização.
E é assim que funcionam as investigações. Analisando profundamente o fato de podermos ser
achados, chegamos a um conflito de existência: não podemos fazer nada secreto! O secreto não
existe. Ter segredos é uma ilusão que o homem cria para tentar, sem eficiência, se esconder. Mesmo
criando uma falsa identidade, a sua farsa também será monitorada, de uma forma ou de outra.
Outro ponto para analisarmos é o descaso da justiça com o processo de K. O advogado (Sr.
Huld) é negligente com seu trabalho – está o tempo inteiro “doente” (talvez sua desculpa para o
ócio) e não se esforça para ajudar K. a entender seu processo, tratando-lhe como criança incapaz de
compreender o mundo do direito. Fica claro também na cena do julgamento, onde o juizado faz
chacota de Joseph K.
Não há nada que comprove que esta obra é insana. As cenas um pouco incoerentes, parecem
dar um ar de loucura a quem fala sobre o processo. Mas isso é proposital e provocado pela falta de
informação sobre o que está por trás da acusação de K. Acaba-se então possibilitando um leque de
diálogos que aparentam não ter sentido, causando mais confusão na cabeça dos espectadores e,
claro, de Joseph K. Às vezes temos a sensação de não sabermos do que está falando o interlocutor, e
é exatamente assim que sente-se o nosso personagem injustiçado.

¹Um curioso fato me chamou a atenção logo em que saí da peça: quando passei em frente ao
tribunal de justiça, percebi a fiel reprodução da realidade no cenário. As salas do prédio tinham
estantes idênticas àquelas encontradas na peça, com incontáveis pastas se encolhendo até o teto.
O teatro representa tão bem os temas jurídicos porque existe uma enorme similaridade entre
teatro e justiça. Sim, os dois abordam conflitos entre as pessoas. A dramaturgia surgiu com este
propósito de alegorizar a relação interpessoal, enquanto a justiça procura mediar esta relação.
Percebemos que “O Processo” não está tão distante da realidade: quem decide se somos
inocentes ou culpados? O sistema judiciário estaria mesmo capacitado para nos julgar?
Infelizmente (ou felizmente) o mundo não é administrado por nós todos. Estamos
subjugados a poderes abstratos que se aplicam através de um determinado meio. Cabe a nós
aceitarmos estes poderes, preponderando a ética e a moral que cada um possui em si.

²Nietzsche comentou em sua obra “Como Filosofar com um Martelo” a ânsia que o homem
tem por respostas. Não basta ser, deve haver um porquê para as coisas serem o que são. O ser
humano necessita dessa base informacional para manter os pés no chão e entender o mundo que o
cerca. Uma justificativa, portanto, deve existir para o verdadeiro e o falso.
Não foge a isto o personagem de Franz Kafka. O processo que o aflige não tem justificativa
e Joseph K. fica sem chão para pisar. Como armar uma defesa se nem ao menos se sabe do que se
trata o ataque? Acaba isso decretando a sentença de Joseph K.; uma vez aberto seu processo, já se
sabia o final dele: réu culpado.

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