You are on page 1of 3

OPINIÃO

Sílvia Renate Ziller

OPINIÃO
Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas
e da Auto-sustentabilidade (Ideaas)PR

Plantas exóticas 77

invasoras: a ameaça da
contaminação biológica
A introdução de espécies de plantas –agrícolas, florestais ou ornamentais– vindas

de outras regiões em qualquer ecossistema pode ter impactos desastrosos sobre o

ambiente e afetar atividades econômicas ali realizadas. O problema já é uma das

maiores ameaças à biodiversidade, mas ainda não foi dimensionado nem está sendo

tratado adequadamente em muitos países, entre eles o Brasil.

processo de invasão de um cessos de invasão. Ao contrário, eles (inclusive o Brasil), o programa já


O ecossistema por uma planta
exótica – a contaminação biológi-
agravam-se à medida que as plan-
tas exóticas ocupam o espaço das
apontou algumas linhas de ação:
a definição de estratégias (nacio-
ca – se dá quando qualquer espé- nativas. As conseqüências princi- nais e regionais) nesse campo,
cie não natural de um ecossiste- pais são a perda da biodiversidade bastante novo na maioria dos paí-
ma é introduzida nele e se natu- e a modificação dos ciclos e carac- ses; a capacitação técnica e hu-
raliza, passando a se dispersar e a terísticas naturais dos ecossistemas mana para controle e erradicação
alterar esse ecossistema. A inva- atingidos, além da alteração fisio- de plantas invasoras; a implemen-
são por plantas exóticas afeta o nômica da paisagem natural, com tação em campo a partir de pes-
funcionamento natural do ecossis- vultosos prejuízos econômicos. quisa; a construção de sistemas
tema e tira espaço das plantas na- Essa ameaça levou a Organi- de informação de acesso geral; e a
tivas. zação das Nações Unidas (ONU) conscientização através de work-
O potencial de espécies exóti- – através do Comitê Científi- shops feitos em todo o mundo.
cas de alterar sistemas naturais é co para Problemas Ambientais Em outubro, o Ministério do
tamanho que as plantas invaso- (SCOPE) e do Programa de Meio Meio Ambiente e a Empresa Bra-
ras são hoje a segunda maior amea- Ambiente (UNEP) – e outros ór- sileira de Pesquisa Agropecuária
ça mundial à biodiversidade – só gãos internacionais a criarem, em promoveram, em Brasília, uma
perdem para a destruição de há- 1997, o Programa Global de Es- reunião com representantes dos
bitats pela exploração humana di- pécies Invasoras (GISP). Os qua- ministérios da Agricultura e do
reta. A maior parte dos problemas tro primeiros anos foram dedica- Meio Ambiente de toda a Améri-
ambientais é absorvida e seus im- dos à elaboração de diagnósticos ca Latina, com o apoio de espe-
pactos são amenizados com o tem- e diretrizes. Com a colaboração cialistas na área e recursos da em-
po, mas isso não ocorre com os pro- dos países formadores da ONU baixada dos Estados Unidos. 4

dezembro de 2001 • CIÊNCIA HOJE • 77


OPINIÃO
vez, uma espécie vegetal invasora, da não supridas (o que será feito
considerando o fato um sinal de de- pelas espécies exóticas); 2. as espé-
As plantas invasoras são hoje terioração dos campos nativos. cies invasoras, livres dos competi-
Estima-se que a metade das dores, predadores e parasitas de
a segunda maior ameaça 491 espécies exóticas presentes suas áreas de origem, teriam van-
hoje na África do Sul tenha sido tagens competitivas em relação às
mundial à biodiversidade introduzida para fins ornamen- nativas; 3. quanto maior o grau de
tais. As demais foram usadas, por perturbação do ecossistema, mais
– só perdem para a destruição ordem de importância, em bar- fácil seria a dispersão e o estabe-
reiras (quebra-ventos), no flores- lecimento de exóticas, em espe-
tamento, em culturas agrícolas, cial quando há redução da diver-
de hábitats na forragem animal (pastos) e na sidade natural pela extinção de es-
produção florestal. Quando usa- pécies ou exploração excessiva.
A contaminação biológica foi o das para mais de um fim, maior A última hipótese, embora in-
tema principal da conferência da tende a ser sua disseminação e seu timamente associada às outras, é
ONU sobre biodiversidade, realiza- potencial de invasão. essencial para a compreender os
da em Montreal (Canadá) em março Na Austrália, calcula-se que processos de invasão biológica.
último. O encontro deu seqüência à 65% das plantas ali naturalizadas Práticas erradas de manejo, como
elaboração e implementação do pro- nos últimos 25 anos seriam de uso retirada de florestas, queimadas
grama global, além de consolidar 15 ornamental. A Nova Zelândia con- para preparo da terra, erosão e
princípios a serem seguidos para o tabiliza cerca de 24 mil espécies pastoreio excessivo contribuem
tratamento do problema (que cons- introduzidas, mais de 70% para para a perda de diversidade natu-
tam do site da União Internacional fins ornamentais – dessas, em tor- ral e fragilidade do meio a inva-
para a Conservação da Natureza: no de 240 plantas tornaram-se in- sões. Qualquer processo de inva-
www.iucn.org/themes/ssc/pubs/ vasoras e prevê-se que isso ocorre- são precisa ser avaliado de forma
policy/invasivesSp.htm). rá, a cada ano, com outras quatro. abrangente, levando em conta to-
As primeiras transferências de Hoje, o número de espécies exóti- das as variáveis que tenham al-
espécies vegetais de uma região cas naquele país já supera o de na- gum tipo de influência ambiental.
do planeta para outra tiveram a tivas, e estima-se que cerca de 575 Ambientes abertos, como cam-
finalidade de suprir necessidades mil hectares (ha) de áreas naturais pos e cerrados, tendem a ser mais
agrícolas, florestais e outras de uso protegidas sofrerão invasões bio- facilmente invadidos por espé-
direto. Em épocas mais recentes, lógicas nos próximos 10 a 15 anos. cies arbóreas que áreas florestais.
a introdução de espécies está asso- Nos Estados Unidos, a introdu- Certas espécies, chamadas de
ciada de modo significativo ao co- ção de espécies é estimada em ‘pioneiras’, invadem rapidamen-
mércio de plantas ornamentais. Do mais de 4,6 mil nas ilhas havaia- te áreas abertas, mas outras, de
total de espécies ornamentais nas, 1.045 na Califórnia e 1.180 na porte arbóreo, arbustivo ou her-
introduzidas em outros ambientes, Flórida. Nesses estados, os mais báceo, preferem se estabelecer
em todo o mundo, quase a metade afetados, as condições climáticas em florestas já existentes.
tornou-se invasora com o tempo. mais amenas facilitam o estabele- Além de ambientes mais sus-
O naturalista inglês Charles cimento de invasoras. Cerca de um cetíveis, existem espécies cujas
Darwin (1809-1882) foi um dos terço dos parques nacionais do país características facilitam o estabe-
primeiros a manifestar preocupa- tem parte de sua área invadida por lecimento em outras áreas. Mui-
ção com o problema. Ele registrou, espécies exóticas, totalizando cer- tas pesquisas vêm tentando iden-
em meados do século 19, a densa ca de 3,5 milhões de ha. Os custos tificar características comuns a
ocupação dos pampas, na Argenti- de contenção do problema em to- espécies invasoras, para antecipar
na e no Chile, pelo cardo (Cynara dos esses países chegam a milhões os problemas e definir medidas de
cardunculus, arbusto espinhento, de dólares por ano. controle e restrição. Mas são pou-
com 1,5 m de altura, originário do cos os resultados concretos, devi-
Marrocos), que impedia a passagem Certos ambientes parecem mais do ao grande número de variáveis,
de cavalos e pessoas. Em 1865, um suscetíveis à invasão que outros. e o melhor indicador talvez seja o
visitante solicitou que o Parque Na- Algumas hipóteses procuram ex- fato de a espécie já ser invasora
cional Yosemite, nos Estados Uni- plicar essas tendências: 1. quanto em algum lugar do planeta. Daí a
dos, fosse protegido da crescente menores a diversidade e a riqueza importância de criar centros de
ocupação por plantas daninhas eu- naturais de um ecossistema, mais informação em nível mundial.
ropéias. Em 1860, a África do Sul suscetível à invasão ele seria, por Entre as características que
tratou como ‘praga’, pela primeira apresentar funções ecológicas ain- ampliam o potencial de invasão

7 8 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 0 • n º 1 78
OPINIÃO
de uma planta estão a produção biomassa, acúmulo de serrapi-
de sementes pequenas e em gran- lheira (o que pode aumentar o ris-
de quantidade, com dispersão efi- co de incêndios), taxas de decom- Do total de espécies
ciente (em especial pelo vento) e posição, processos evolutivos e re-
alta longevidade no solo. Outros lações entre plantas e polini- ornamentais introduzidas
fatores favoráveis são crescimen- zadores. Podem modificar o ciclo
to rápido, maturação precoce, re- hidrológico e o regime de incên- em outros ambientes, em todo
produção também por brotação, dios, levando à seleção das espé-
floração e frutificação mais lon- cies e, em geral, ao empobreci-
gas, pioneirismo, adaptação a áre- mento do ecossistema. Há risco
o mundo, quase a metade
as degradadas, eficiência repro- de gerar híbridos com as espéci-
dutiva e liberação de toxinas ca- es nativas, talvez com potencial
tornou-se invasora com o tempo
pazes de impedir o crescimento invasor maior. Essas mudanças
de outras plantas nas imediações ameaça atividades econômicas li- dade das espécies nativas é pre-
(alelopatia). gadas ao uso de recursos naturais judicial ao modelo de pecuária
Espécies invasoras tendem a se em ambientes estabilizados, pela sustentável adotado há séculos na
adaptar com maior facilidade a alteração da matriz de produção região e exige medidas de contro-
ambientes similares à sua região pretendida, o que em geral tem le (lavração e uso de herbicidas).
de origem. Isso explica a rápida impactos negativos. Estima-se que, dos 15 milhões de
adaptação de seus ciclos de ger- Plantas invasoras de maior por- ha de campos naturais, 2 milhões
minação e ocupação em ambien- te que as nativas causam maio- estejam sob invasão, implicando
tes que sofrem perturbações na- res impactos, como na invasão de grande perdas na produção, pois
turais ou induzidas. formações herbáceo-arbustivas o gado bovino não pasta esse ca-
por espécies arbóreas. Nesses ca- pim. O capim-annoni também já
A situação em várias áreas inva- sos, além das relações de domi- invadiu os campos naturais de
didas e a falta de políticas de pre- nância, é alterada a fisionomia da Santa Catarina e do Paraná.
venção fazem com que a contami- vegetação, levando à acelerada O capim-gordura (Mellinis
nação biológica seja um dos im- perda da diversidade. minutiflora) e várias espécies do
portantes agentes de mudança glo- gênero Brachiaria ameaçam a di-
bal decorrente de ações humanas, Entre as espécies de árvores con- versidade natural do cerrado no
junto com o efeito estufa e a con- sagradas como invasoras no Bra- Parque Nacional da Chapada dos
versão de áreas naturais para ati- sil estão alguns pinheiros (Pinus Veadeiros, no planalto central,
vidades produtivas. Além disso, as elliottii, P. taeda), a casuarina além de outras regiões. Entre as
mesmas espécies invadem diver- (Casuarina equisetifolia), o cina- ornamentais, estão amplamente
sos países e sua dominância tende momo (Melia azedarach), a uva- estabelecidas a maria-sem-vergo-
a homogeneizar a flora mundial. do-japão (Hovenia dulcis), o ama- nha (Impatiens walleriana) e o lí-
Em ilhas isoladas, as espécies relinho (Tecoma stans), a goiabei- rio-do-brejo (Hedychium corona-
invasoras constituem a maior ra (Psidium guajava), a vassoura- rium), para citar algumas.
causa atual de degradação am- vermelha (Dodonaea viscosa), o Os países com os melhores
biental, provocando perda de di- alfeneiro (Ligustrum japonicum). registros de invasões biológicas
versidade em áreas onde é gran- Entre as plantas menores, os gê- são África do Sul, Nova Zelândia,
de o número de plantas endêmi- neros Bracchiaria, Eragrostis e Austrália e Estados Unidos, que
cas (que só ocorrem no local). O Mellinis, de capins africanos in- provavelmente são também os
problema, de âmbito mundial, troduzidos para pastagens, são dos maiores detentores de espécies
não pode ser tratado isoladamen- mais problemáticos. invasoras. O problema tem a mes-
te, sem uma estratégia comum, No Rio Grande do Sul, o ca- ma magnitude e gravidade em inú-
proposta a partir das conferên- pim-annoni (Eragrostis spp.) ame- meros países que não despertaram
cias da ONU sobre biodiversidade. aça os sistemas de produção de para a questão e ainda não têm
As invasões por plantas exóti- gado estabelecidos nos campos registros confiáveis nem medidas
cas tendem a alterar proprieda- naturais em função da perda da de prevenção, controle e erradi-
des ecológicas essenciais, como cobertura vegetal nativa, compos- cação. Tais países precisam de es-
ciclo de nutrientes, produtivida- ta por grande número de espéci- tudos que retratem a situação atu-
de, cadeias tróficas, estrutura da es de gramíneas, leguminosas e al e permitam previsões. Este é,
comunidade vegetal (distribui- outras famílias importantes do sem dúvida, o caso do Brasil, onde
ção, densidade, dominância, fun- ponto de vista alimentar. A grada- o capital verde é provavelmente o
ções de espécies), distribuição de tiva perda em freqüência e quali- último grande trunfo nacional. n

dezembro de 2001 • CIÊNCIA HOJE • 79

You might also like