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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM


DIREITO

John Rawls e a Teoria da Justiça

Juliana Muniz Pacheco

Pesquisa apresentada como requisito


obrigatório para o aproveitamento do
crédito de Filosofia do Direito do Curso de
Mestrado da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, ministrado pelo Professor
Doutor Cláudio de Cicco.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM
DIREITO

São Paulo

Novembro / 2010
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM
DIREITO

“Uma Teoria da Justiça”, John Rawls

Informações Biográficas

John Boldley Rawls nasceu em 21 de fevereiro de 1921, em Baltimore, estado de


Maryland, EUA, e era o segundo dos cinco filhos de Willian Lee e Anna Abell
Rawls.

O autor perdeu dois de seus irmãos na infância, vítimas de pneumonia e difteria,


ambas contraídas de Rawls, fato este que foi decisivo para sua reflexão sobre a
injustiça e a contingência da vida natural.

Tem como foco o estudo das desigualdades sociais e injustiças decorrentes da


infração das regras e normas institucionais. Em 1943, Rawls serviu o Exército e
testemunhou pessoalmente os horrores da Segunda Guerra. Acompanhou com
muito sofrimento os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, que, na sua opinião,
em um artigo escrito para o jornal político Dissent, foi considerado um grande
erro, assunto que mais tarde tornou-se tema de seu livro “Direito dos Povos”
(1999), no qual aborda o tema da guerra justa, da justiça social e a questão da
tolerância.

Rawls concluiu seus estudos em 1943, na Universidade de Princeton. Logo após


voltar da Segunda Guerra em 1946, retornou à Universidade e trabalhou sobre
questões de filosofia moral para a sua tese de doutorado. Foi entre 1949 e 1950
que deu início aos seus estudos mais aprofundados de teoria política, e que
resultaram na publicação de seu tratado sobre justiça, levando duas décadas de
investigações sobre o tema.

Rawls também se preocupava com os problemas e com o destino dos programas


previdenciários e das políticas públicas do chamado “Estado de bem-estar social”
(welfare state).

Faleceu em 24 de novembro de 2002, aos 81 anos. Escreveu outras obras, tais


como “Liberalismo Político” (1993), “Direito dos Povos” (1999), “História da
Filosofia Moral” (2000) e “Justiça como Equidade: uma Reformulação” (2001).

“Uma Teoria da Justiça” (1971)

John Rawls, em sua obra “Uma Teoria da Justiça”, busca explicar a justiça com
viés social, para uma democracia constitucional. Vivendo em uma sociedade
que se denomina democrática, só consegue perceber a justiça quando não há
diferenças sociais. Aqui, o justo deve ser priorizado em relação ao bem.

Para tanto, parte da doutrina contratualista tradicional de Hobbes, Rousseau


e Locke. Mas tem como objetivo abstrair este pensamento, seguindo Kant (sua
teoria é declarada como “altamente kantiana”), buscando explicar o contrato
social como um consenso original, em posição de igualdade ideal, que visa
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revelar os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade, e


num segundo momento, a segurança e o estabelecimento mais pleno das
liberdades individuais.

Em sua proposta, o filósofo norte-americano busca em Kant a ideia de que, no


momento original, havia uma liberdade natural, caracterizada pela inexistência
de regras; é a liberdade como um “não-impedimento”. A partir do contrato social,
a liberdade passa a se caracterizar como uma liberdade civil, política ou moral,
em que os cidadãos devem obediência às leis do Estado, porque elas, as leis,
representam o resultado da própria razão do Estado. É a liberdade como
autonomia.

John Rawls anuncia em vários momentos da obra que sua formulação é uma
alternativa à teoria utilitarista que dominou, segundo o autor, por longo
tempo a tradição anglo-saxã do pensamento político, a qual pode ser
representada, em sua forma clássica, por Henry Sidgwick.

O utilitarismo prega que o bem, independente de justo, é um fim em si


mesmo. São autores expoentes desta escola: Adam Smith, David Hume,
Jeremy Bentham, John Stuart Mill e Henry Sidgwick. Há quem diga que o
utilitarismo é a ideologia do capitalismo ou da burguesia, porque lhe falta um
princípio de justiça. Para esta doutrina, a justiça das ações humanas deve ser
apurada de acordo com a capacidade que possuam para promover a
felicidade, e a injustiça de acordo com a capacidade que possuem para
promover a infelicidade.

A felicidade, por sua vez, é entendida como o prazer ou ausência de dor,


enquanto a infelicidade seria a ausência de prazer ou a presença da dor.
Assim, o bem é uma fonte de justiça porque promove o bem-estar e a
felicidade da sociedade como um todo. O bem, a felicidade e, portanto, o justo
estão diretamente relacionados com o que é útil à sociedade. O que é inútil,
não traz felicidade, nem bem, nem justiça.

Nesse sentir, o utilitarismo se preocupa com a felicidade da maioria da


sociedade (ou do maior número de pessoas), ainda que esta se dê em
detrimento da infelicidade de uma parcela menor da comunidade. Da mesma
maneira, a limitação do poder se fundamenta na felicidade da maioria dos
seres, rejeitando, por conseguinte, a ideia de direito natural.

Tendo isto em vista, Rawls se preocupa com aqueles que não atingem a média
da sociedade, resgatando a dignidade do homem, independentemente de sua
utilidade para a comunidade. Apresenta questionamento a respeito da situação
daqueles que não atingem a média da sociedade, por serem desprovidos de
oportunidade. Busca uma forma de coordenar a felicidade da maioria, sem abrir
mão da felicidade da minoria, originando uma discussão sobre a extensão da
felicidade aos grupos minoritários, sobre o respeito à diversidade, o pluralismo, a
democracia e a dignidade da pessoa humana.

Visando garantir a instituição de uma sociedade bem ordenada, o pensador inicia


sua Teoria a partir de uma abstração contratualista, descrevendo um momento
inicial hipotético (posição original), em que indivíduos racionais e morais, dotados
de senso apurado de justiça, discutem os princípios que irão nortear a sociedade
futura e real. Assim, adota o contrato social não como legitimação do estado
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natural, mas como um pacto de indivíduos em favor de seu ingresso numa


sociedade civil.

Assim são eleitos os princípios da igualdade equitativa de oportunidade e da


desigualdade: são os dois princípios rawlsianos em que se baseia a sua Teoria
da Justiça para explicar os direitos e liberdades básicos, integrando-os à
igualdade democrática, que compõem o ideal da obra.

Para manter a impessoalidade das discussões na mencionada posição original, o


autor se utiliza seguintes ideias: (i) de que os homens estão cobertos por um véu
da ignorância; (ii) a conceituação normativa de pessoa e (iii) rol de bens
básicos primários, que são imprescindíveis para a manutenção de uma vida
humana digna.

O véu da ignorância

Na posição original hipotética, que serve para determinar o termo equitativo


de cooperação social, isto é, um acordo entre pessoas, e pode ser visto como
um ponto de partida da obra, as partes contratantes, representantes de
pessoas racionais e morais, escolhem os princípios de justiça, sob um “véu da
ignorância”.

Este “véu da ignorância” serve para encobrir as condições sociais que estes
contratantes terão na sociedade futura, mas não lhes tira o discernimento, ou
seja, visa garantir a isenção das escolhas dos participantes, ou, nas palavras
de Josué Möller, dá garantia de equidade na deliberação, uma vez que “ficam
privados de todas as informações que criam disparidades entre homens e
permitem que se orientem por seus preconceitos ou com vistas a obterem
vantagens pessoais.”1 A ideia é que os preconceitos, inclinações etc. fiquem
eliminados, para evitar disparidades entre os homens na origem.

“Ninguém sabe qual é o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou


seu status social; além disso, ninguém conhece a sua sorte na distribuição de
dotes naturais e habilidades, sua inteligência e força, e assim por diante.
Também, ninguém conhece a sua concepção do bem, as particularidades de
seu plano de vida racional, e nem mesmo os traços característicos de sua
psicologia, como por exemplo, a aversão ao risco ou sua tendência ao
otimismo ou ao pessimismo. Mais ainda, admito que as partes não conhecem
as circunstâncias particulares de sua própria sociedade. Ou seja, elas não
conhecem a posição econômica e política dessa sociedade, ou o nível de
civilização e cultura que ela foi capaz de atingir. As pessoas na posição
original não têm informação sobre a qual geração pertencem.”2

“Isso garante que ninguém é favorecido ou desfavorecido na escolha dos


princípios pelo resultado do acaso natural ou pela contingência de
circunstâncias sociais.”3

A conceituação normativa de pessoa

1
Möller, p. 48.
2
Rawls, p. 147.
3
Rawls, p. 13.
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Para caracterizar os indivíduos que escolherão os princípios de Justiça, Rawls


supõe que eles serão éticos, racionais, livres e iguais. Essa é a conceituação
normativa de pessoa no momento hipotético inicial.

O filósofo vê a pessoa humana como um ser ético, dotado de duas faculdades


morais, quais sejam, a capacidade de ter um senso de justiça e a
capacidade de ter uma concepção de bem. A primeira faculdade moral,
aliada a um interesse superior de realização, permite que fiquem evidenciados
os termos equitativos da cooperação social. A segunda faculdade moral
(capacidade de conceber o bem), aliada a um interesse superior de exercício
de suas faculdades, “implica a capacidade de formar, revisar, defender e
concretizar uma determinada concepção racional de vantagem pessoal, além
de uma concepção abrangente acerca do que considere valioso na vida
humana (projeto de fins últimos que busca efetivar).”

As pessoas também são vistas como racionais (aqui racional é visto como
diferente de razoável), uma vez que podem se utilizar da razão necessária
para a cooperação social, a saber: a capacidade de serem razoáveis (aquilo
que pode ser razoavelmente aceito no contrato social, havendo reciprocidade)
e a capacidade de serem racionais (o que determina que os indivíduos
desejam realizar suas faculdades morais e implementar o avanço de suas
concepções particulares de bem). Por fim, os indivíduos são vistos como livres
e iguais. Livres porque acreditam que podem intervir nas instituições sociais
comuns; e iguais porque podem determinar e avaliar os termos equitativos
que compõem o contrato social.

“Podemos observar que esta concepção retrata a ideia de ‘um eu dividido’


entre fins últimos particulares e fins últimos comuns, ou seja, uma pessoa que
possui a capacidade de agir de forma auto-interessada com vistas a atingir
objetivos favoráveis ao desempenho de uma vida privada futura..., ao mesmo
tempo em que possui a capacidade de agir como cidadã com vistas a realizar
uma visão de bem comum que possibilite a convivência harmônica dos
membros de uma sociedade.”4

Lista de bens básicos (primários)

A lista de bens básicos compõe aquilo que Rawls entende ser imprescindível
para a manutenção de uma vida humana digna. Visam a satisfazer os desejos
e expectativas essenciais dos cidadãos, de modo racional, e criar condições
que possibilitem aos homens a realização de planos particulares de vida que
atendam às exigências feitas pelas faculdades da razão (racionalidade e
razoabilidade).

Rawls divide estes bens em cinco categorias:

1. Direitos e liberdades fundamentais;


2. Liberdade de movimento e livre escolha de ocupação num contexto
de oportunidades diversificadas;
3. Poderes e prerrogativas de cargos e posições de responsabilidades
nas instituições políticas e econômicas da estrutura básica;
4. Renda e riqueza;
5. As bases sociais do auto-respeito.

4
Möller, p. 54.
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Este conceito sofreu críticas, o que possibilitou o autor a aprimorá-lo para


caracterizar posteriormente estes bens primários como “aquilo de que as
pessoas necessitam em sua condição de cidadãos livres e iguais e de
membros normais e totalmente cooperativos da sociedade durante toda uma
vida”5. São, em suma, a base das expectativas humanas, trabalhadas mais a
frente.

As instituições e a estrutura básica da sociedade

A Teoria apresentada sai do âmbito individual da discussão a respeito da


justiça e da injustiça, para disseminar a ideia de que a justiça das instituições
é que beneficia ou prejudica a comunidade que a elas se encontra vinculada.

Isto porque as instituições, nesta obra, têm o papel fundamental de discutir e


implementar como os direitos e deveres são distribuídos em sociedade, já que
as instituições têm por objetivo justamente esta distribuição.

Para tanto, o estudo da distribuição e da participação na distribuição adquire


particular relevância, visto que diretamente relacionado com a atribuição de
direitos e deveres fundamentais, com as oportunidades econômicas e com as
condições sociais.

Abaixo seguem mais ideias e detalhes a respeito do papel das instituições e


da estrutura básica da sociedade.

Assim John Rawls concebe o Estado como uma organização com vias de garantir
aos seus cidadãos uma ordem social justa.

A existência de conflitos sociais demonstra, então, que a comunidade humana,


para que seja justa, depende de um certo consenso de seus membros sobre a
maneira pela qual as instituições sociais distribuirão os direitos e deveres
fundamentais e determinarão a divisão das vantagens decorrentes da
cooperação entre os cidadãos.

A sociedade cooperativa é percebida como “uma associação mais ou menos


auto-suficiente de pessoas que em suas relações mútuas reconhecem certas
regras de conduta como obrigatórias e que, na maioria das vezes, agem de
acordo com elas”6.

“Tal sociedade está marcada por duas características básicas: a) por uma
identidade de interesses, que decorre da possibilidade de que todos tenham uma
vida melhor do que se dependessem de seus próprios esforços individuais; e b)
por um conflito de interesses, pois os seus membros visam a uma distribuição
dos benefícios cooperativos que atenda a seus objetivos individuais.”7

E isso coincide com a proposta do liberalismo político americano (comumente


chamado como democracia liberal entre os anglo-saxões e democracia liberal
entre brasileiros e europeus), na medida em que estabelece limites jurídicos ao
poder estatal quando prioriza a instituição de direitos civis e políticos, firmando o
5
RAWLS, p. XV.
6
Rawls, p. 100.
7
Josué, pp. 42-43.
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Estado como ente garantidor das liberdades fundamentais de seus membros.


Nesse sentido, a obra reconhece o pluralismo e a necessidade de tolerância,
trazendo a igualdade como condição da justiça.

A concepção de justiça passa a ter um conteúdo eminentemente político,


pois o alvo de sua concretização estará localizado na fixação de princípios
básicos aptos a reger a estrutura básica da sociedade (objeto primário da
justiça).

Princípios básicos da justiça

São dois os princípios escolhidos pelo acordo hipotético já mencionado: (1) o


princípio da igualdade na atribuição de deveres e direitos básicos e (2) o
princípio de que as desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas
de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para
todos dentro dos limites do razoável e (b) vinculadas a posições e cargos
acessíveis a todos.

Ambos os princípios se aplicam à estrutura básica da sociedade e governam a


atribuição de direitos e deveres, que é tão importante para a Teoria da Justiça.
Também regulam as vantagens econômicas e sociais.

O princípio da igualdade dispõe que as liberdades básicas devem ser


asseguradas a todos equitativamente, sendo que, por liberdades básicas,
compreende-se algo bastante parecido com o que é visto no rol de direitos
fundamentais da nossa Constituição Federal (art. 5º): garantias fundamentais aos
indivíduos (liberdade política, liberdade de pensamento, de expressão e de
associação, etc.).

Este princípio exige que certos tipos de regras, aquelas que definem as
liberdades mais básicas, se apliquem igualmente a todos, e permitam a mais
abrangente liberdade compatível com uma igual liberdade a todos.

Por sua vez, o princípio das desigualdades se compõe de duas partes, sendo
que a primeira delas afirma que as diferenças sociais e econômicas (distribuição
de renda e riquezas) são justas apenas se resultam em benefícios
compensatórios para cada um, e a segunda parte traz a ideia de que as posições
de autoridade e responsabilidade devem estar acessíveis a todos. Com este
segundo princípio, pretende-se buscar a justiça ainda que subsistam situações de
desigualdade. Isto porque o autor entende que as desigualdades são injustas
apenas se não trouxerem benefícios a todos.

Nas notas de Josué Möller, “o segundo princípio de justiça, que pode ser
denominado como princípio das desigualdades sociais e econômicas, diz respeito
aos interesses materiais dos indivíduos e destina-se a orientar (dirigir) a alocação
dos bens básicos (primários), sociais e econômicos – os poderes, as prerrogativas
(vantagens sociais), a riqueza, a renda, e os encargos –, de forma a fomentar a
cooperação social e preservar a igualdade democrática”8.

8
Möller, p. 72.
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Alerta, de antemão, o filósofo que as desvantagens de uns não podem ser


compensadas com vantagens de outros, em posições diferentes, assim como a
infração a uma liberdade não poderá ser contrabalançada desta forma também.
O pressuposto deve ser sempre uma situação de igualdade a todos, ainda nos
contextos desiguais.

Este segundo princípio visa à adequação e ajustes, ou seja, pretende corrigir


distorções sociais e econômicas que tornem a sociedade instável, a fim de que as
instituições que compõem a estrutura básica da sociedade se organizem de
modo a favorecer e encorajar os esforços construtivos e cooperativos dos
indivíduos.

E tal adequação defendida por Rawls não compreende uma distribuição de bens
fundada em padrão valorativo ou comparativo capaz de conferir regularidade à
realocação (igualdade simples ou simétrica), porque a Teoria vê nisto uma
distribuição injusta, por não levar em conta os resultados das escolhas de rumo e
projeto de vida de cada cidadão, ou seja, as particularidades dos indivíduos.

É neste ponto que o autor incorpora à sua Teoria a liberdade de mercado, desde
que fique configurada a igualdade de oportunidade (primeira parte do segundo
princípio), de modo que a qualquer indivíduo fique assegurada a possibilidade de
atingir posições sociais privilegiadas. Tal princípio “tem por fim neutralizar ou
mitigar a influência dos fatores eticamente arbitrários para evitar que as
expectativas de cidadãos que possuam as mesmas habilidades sejam afetadas
pela classe social a que pertencem, isto é, por efeitos cumulativos de
distribuições anteriores.”9

Desta forma, a ideia é que as instituições básicas da sociedade ofereçam iguais


oportunidades, através de qualificação profissional (educação) e formação
cultural, concedendo chances semelhantes àqueles que possuem habilidades
semelhantes. Com isso, visa banir as diferenças injustas. Neste sentido, o
aproveitamento das oportunidades dependerá da força de vontade, disposição e
outras capacidades específicas de cada um dos indivíduos (por seu mérito ou
meritocracia).

Ainda, “os instrumentos institucionais devem, entre outras medidas, passar a


regular as tendências globais dos eventos econômicos, impedir (evitar) a
concentração excessiva de propriedades e riquezas durante o processo social, e
manter iguais oportunidades de educação a todos.”10

Para tanto, deve ser adotada uma redistribuição periódica desses bens com
vistas a reequilibrar satisfatoriamente o contexto social e favorecer as
expectativas dos menos favorecidos. Assim, o pior resultado seria superior aos
piores resultados da situação anterior à redistribuição.

Com isso, ter-se-á a satisfação da prioridade daqueles que estão na pior situação,
o que nos leva a um mínimo social aceitável, além de elevar a auto-estima dos
desafortunados.

9
Möller, pp. 74-75.
10
Möller, p. 76.
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Importante também destacar que esses princípios da Teoria rawlsiana devem


obedecer a uma ordenação serial: o primeiro antecede necessariamente o
segundo. Nos dizeres do autor, “essa ordenação significa que as violações das
liberdades básicas iguais protegidas pelo primeiro princípio não podem ser
justificadas nem compensadas por maiores vantagens econômicas e sociais”11. A
relevância das liberdades é tamanha nessa Teoria que apenas podem ser
limitadas ou restringidas quando entram em conflito com outras liberdades.

Conclusão

A Teoria da Justiça com Equidade busca explicar a justiça através da construção


de uma política social que pudesse ser aplicada em qualquer Estado que
pretenda ser bem ordenado. O conceito proposto está diretamente relacionado,
portanto, com a moral, com a política e com a economia, em resposta à teoria
utilitarista muito comum quando da sua elaboração.

Para tanto, Rawls reúne as ideias de igualdade e liberdade em dois princípios


norteadores da sociedade hipotética que constrói, critérios estes escolhidos
previamente por indivíduos encobertos por um “véu da ignorância” que permitirá
que a escolha se dê de forma isenta e impessoal (espécie sui generis de
contratualismo). Mediante a aplicação de tais princípios, as liberdades deveriam
ser garantidas pelas instituições sociais, assim como a distribuição igualitária dos
direitos e responsabilidades entre os indivíduos.

Rawls busca estabelecer um consenso entre as diferentes doutrinas morais,


filosóficas e religiosas: o consenso é instrumento que torna real a noção de
sociedade bem ordenada, o que leva à efetivação de justiça.

Um dos conceitos de destaque no pensamento rawlsiano é a ideia de bens


primários, os quais auxiliam quando necessária a medição de riqueza de
determinado indivíduo, ou mesmo quando necessário determinar eventual
desequilíbrio entre membros da sociedade idealizada.

As situações desiguais têm, na doutrina, um lugar de destaque, pois é através


delas que será incorporada a economia livre de mercado, assim como a
meritocracia, entre outros conceitos particulares desenvolvidos no bojo da
Teoria, que irão demonstrar que tais situações desiguais serão justas, sempre
que trouxerem benefício a todos em determinada sociedade.

Nesta construção, as instituições sociais também são incumbidas de importante


papel, visto que serão elas as responsáveis por redistribuírem riquezas, direitos,
deveres, vantagens, responsabilidades etc., quando de distorções que
eventualmente possam surgir no sistema, por meio do equilíbrio reflexivo, que
seria um movimento permanente entre dois polos, envolvendo avanços e recuos,
visando encontrar uma conformação adequada da situação inicial hipotética, a
fim de deduzir situações em que concretamente se vislumbra os princípios de
justiça.

Toda a Teoria é edificada com o propósito de viabilizar uma sociedade


democrática constitucional real, em que a concepção de justiça seja aplicável à
11
Rawls, p. 65.
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estrutura básica da sociedade. Esta contribuição do filósofo levou a inúmeros


elogios de sua obra. Assim, há quem o considere o “Rousseau de Harvard”, bem
como quem aposte que John Rawls poderá vir a ser reconhecido como o maior
filósofo socialista e político do século XX (Philippe Van Parijs, Robert Nozick, José
Nedel e Isaiah Berlin, entre outros)12.

Além disto, há que se destacar que a obra é de inegável contribuição à Filosofia


do Direito, haja vista que sua teoria serve de base para a formação de uma
concepção de justiça e de bem que pode influenciar diretamente na
interpretação da Constituição e das leis que dela forem derivadas13.

Bibliografia

BITTAR, Eduardo C. B., ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do


Direito. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.

MÖLLER, Josué Emilio. A Justiça como Eqüidade em John Rawls. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R.


Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

VIEIRA, Paulo Romério Lima. Considerações sobre a Teoria da Justiça de


John Rawls. PUC/SP, 2006.

WIKIPEDIA, John Rawls, disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/John_rawls>.


Acessado em 15/12/2010.

12
Vieira, p. 14.
13
Vieira, p. 9.

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