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CONSTRUINDO UMA ATUAÇÃO EM PSICOLOGIA ESCOLAR: IMPASSES

E POSSIBILIDADES NO TRABALHO DE UMA PSICÓLOGA MINEIRA


Fabiana Marques Barbosa1
Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720 - Campus Umuarama
- Bloco 2C
fabi.marquesb@hotmail.com

Anabela Almeida Costa e Santos2


Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720 - Campus Umuarama
- Bloco 2C
anabela@ipsi.ufu.br

Resumo: Historicamente, as práticas psicológicas no campo da Educação estiveram por muito


tempo marcadas pelo atendimento clínico aos alunos com dificuldades escolares. Esse modo de
atuação partia do pressuposto de que o indivíduo era o responsável maior por seu próprio
fracasso. Porém, há cerca de vinte anos, novas discussões em relação à atuação do psicólogo na
Educação têm sido desenvolvidas no sentido de compreender as questões escolares de modo mais
abrangente e contextualizado. Em busca de conhecer como os psicólogos têm incorporado os
avanços teórico-práticos da área, vem sendo desenvolvida uma pesquisa interinstitucional sobre a
atuação do psicólogo na rede pública de Educação em sete estados brasileiros. O estudo divide-se
em três etapas: a) contato telefônico com Secretarias de Educação para mapear serviços de
psicologia existentes; b) aplicação de questionário para conhecer práticas e concepções de
psicólogos; c) entrevista com psicólogos. Este trabalho visa apresentar iniciação científica que faz
parte desse estudo desenvolvido em âmbito nacional. Trata-se de um estudo de caso realizado com
base na análise de uma das entrevistas obtidas na pesquisa. Assim, a partir das informações
fornecidas por uma psicóloga, discutiremos possibilidades, impasses e desafios presentes na
prática dessa profissional, considerando as condições oferecidas ao Serviço de Psicologia em que
trabalha. A entrevista ilustra como tem sido construído novo modelo de trabalho em Psicologia
Escolar. São descritos diversos fatores que colocam obstáculos a uma atuação crítica – os
conflitos da psicóloga com a equipe da escola; a concepção que a psicóloga tem sobre os
educadores; a dificuldade de construir um modelo de atuação que concilie a teoria e a demanda da
equipe escolar –, mas que também incitam questionamentos e reflexões que direcionam para o
desejo de mudar essa prática. A formação de professores comparece como um caminho possível e
promissor de atuação para a psicóloga na Educação.

Palavras-chave: Psicologia Escolar, Práticas críticas, Atuação do psicólogo na Educação,


Pesquisa Qualitativa.

1. INTRODUÇÃO

A área de Psicologia Escolar e Educacional tem desenvolvido, há cerca de vinte anos,


importantes discussões em relação à formação/atuação do psicólogo no campo da Educação, com o
intuito de buscar perspectivas que superem os modos que historicamente têm sido utilizados para
compreender as questões escolares. Tais formas de compreensão oscilavam entre um extremo de
privilegiar questões afetivas, subjetivas e familiares e outro que restringe a compreensão dos
sujeitos às avaliações psicométricas, baseadas em diagnósticos e na elaboração de laudos

1
Aluna do curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia
2
Docente do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia
psicológicos. Em ambas, o contexto escolar vinha sendo desconsiderado. (Patto, 1981; Tanamachi,
1997). Os novos caminhos que têm sido construídos na psicologia escolar e educacional são formas
de aproximação das instituições educacionais, em busca de modos de compreensão de homem e de
mundo que consideram a escolarização como um bem universal, um direito de todos e que precisa
ser efetivado com qualidade. Além disso, proporcionam um olhar mais abrangente não só para a
área escolar, mas também para o ser humano, compreendido em seu contexto.
Para que uma nova perspectiva surja, é necessário que aconteçam diversas mudanças.
Porém, é importante refletir sobre como mudar, para que direção e se apenas uma direção seria o
bastante. Assim, para construir novos rumos na área de psicologia escolar será preciso um constante
diálogo com a sua história, resgatando, ainda que brevemente, o seu percurso, com foco nos
principais pressupostos nela presentes e suas articulações com a profissão de psicólogo.
O modelo clínico de atendimento fundamentou as primeiras formas de atuação da psicologia
escolar. Seus pressupostos eram fortemente marcados por uma prática psicoterapêutica; reeducativa
e psicodiagnóstica, com forte influência psicométrica. Essas primeiras concepções de Psicologia
Escolar, por considerarem que a escola era um espaço de aprendizagem e a criança deveria a ela se
adaptar, entendiam que qualquer dificuldade no âmbito da aprendizagem ou disciplina escolar
deveria ter suas causas no desenvolvimento infantil, nas relações familiares e na origem de classe
social.
Com a intenção de buscar novos rumos e alternativas a essa ideologia vigente, iniciou-se um
novo movimento no âmbito da Psicologia Escolar, tendo como alicerce o pensamento crítico. As
primeiras críticas no campo da Psicologia que questionavam o então vigente perfil profissional do
Psicólogo e as concepções adaptacionistas da Psicologia surgiram no Brasil somente na década de
1980. Analisando o desenvolvimento da Psicologia Escolar no Brasil, Tanamachi (1997, 2002)
destaca a Tese de Doutorado de Maria Helena Souza Patto3, publicada no livro intitulado Psicologia
e Ideologia: uma introdução crítica à Psicologia Escolar, em 1984, como o marco da análise crítica
da área da Psicologia Escolar/Educacional, a respeito de seu objeto de estudo, métodos e intenções.
O referencial positivista de ciência presente na pesquisa em Psicologia e em Psicologia Escolar
alicerça-se em abordagens psicológicas subjetivistas e objetivistas e considera a prática do
psicólogo escolar como adaptacionista, desconsiderando os elementos institucionais e políticos que
estão presentes na Educação e na construção das relações escolares. Assim, a predominância desse
referencial é um dos principais questionamentos do movimento baseado no pensamento crítico.
É dessas discussões que surge um movimento de crítica, com foco na limitação das práticas
desenvolvidas em Psicologia Escolar/Educacional e dos conceitos sobre os quais elas vêm se
sustentando historicamente. Além disso, são formuladas importantes reflexões acerca dos fatores
sociais e históricos que permeiam a Psicologia e a Educação e reafirmada a possibilidade da
construção de perspectivas mais adequadas no campo da pesquisa e da atuação profissional.
A partir das críticas presentes na área de Psicologia Escolar, podemos considerar que os
avanços no fazer psicológico nesta área, segundo Maluf (1994), apresentam-se tanto na superação
da noção de que é a criança que deve adaptar-se ao sistema escolar, quanto na atuação do psicólogo
enquanto profissional independente do corpo administrativo da escola. Portanto, grande parte das
críticas na área de Psicologia Escolar , nos últimos vinte anos, voltaram-se para a abordagem
Psicométrica e da Psicologia Diferencial, com destaque para os laudos psicológicos; para as a
explicações oriundas da teoria da Carência Cultural; bem como para modelo clínico de atuação
psicológica no atendimento à queixa escolar.
Tudo isso tem repercussões fundamentais para o campo educacional, para a prática do
psicólogo escolar e para todos os sujeitos envolvidos no processo de escolarização. As novas bases
teórico-metodológicas partem da necessidade de conhecermos a escola, explicitando os processos
que acontecem intramuros, no fazer docente e na articulação dessa dimensão microsocial com as
dimensões histórica, política, social, pessoal e institucional. Ezpeleta e Rockwell (1986) apontam a
importância de estudar a escola em sua positividade, ou seja, como ela se apresenta, estudando,

3 Trata-se da Tese de Doutorado intitulada Psicologia e ideologia: reflexões sobre a psicologia escolar, defendida no Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, em 1981, sob a orientação da Profa. Dra. Ecléa Bosi.
assim, a escola que temos e não a escola que idealizamos. E este é um dos pontos fundamentais da
abordagem que ora denominamos crítica em Psicologia Escolar.
Muitas publicações recentes têm apresentado diretrizes para a constituição de uma nova
forma de atuação em Psicologia Escolar, apresentando práticas inovadoras e referenciais teórico-
práticos para a constituição de novas formas de aproximação das questões escolares. (Souza, 2007;
Meira e Antunes, 2003)
Os estudos voltados para conhecer os fundamentos sócio-históricos que constituem o
processo de escolarização/educação, reconhecendo a complexidade do fenômeno escolar, permitem
que o futuro psicólogo constitua uma prática profissional mais adequada e consistente. Sendo assim,
promover discussões sobre o que compõem o que se chama de uma atuação crítica em Psicologia
Escolar é um grande e necessário desafio para atuação/formação do psicólogo da área escolar.
O presente estudo interessou-se por conhecer as práticas e concepções de uma psicóloga que
trabalha atualmente junto às demandas educacionais em um município do interior de Minas Gerais.
Diante dessa entrevista, temos os seguintes questionamentos: em que medida tem sido possível aos
profissionais em atuação se apropriarem dos recentes avanços teóricos desenvolvidos na área de
Psicologia Escolar/Educacional? Quais são as possibilidades e os impasses enfrentados na busca por
construir uma prática que se aproxime das instituições educacionais, compreendidas em suas
múltiplas determinações?

2. OBJETIVOS

Esse trabalho de iniciação científica está inserido em uma pesquisa interinstitucional, que
encontra-se em andamento, intitulada: “A atuação do psicólogo na rede pública de educação frente à
demanda escolar: concepções, práticas e inovações” 4, coordenada pela Profª Drª Marilene Proença
Rebello de Souza, docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É importante
ressaltar que a mesma pesquisa ocorre nos seguintes estados brasileiros: Acre, Rondônia, Bahia,
Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Paraná. O presente trabalho de Iniciação Científica
compõe a etapa mineira do estudo.
O objetivo geral dessa grande pesquisa é de mapear e analisar concepções e práticas
desenvolvidas pelos psicólogos da rede pública frente às queixas escolares, oriundas do sistema
educacional, visando compreender em que medida apresentam elementos inovadores e relacionados
às discussões recentes na área de Psicologia Escolar e Educacional em busca de um ensino de
qualidade para todos.
Os objetivos específicos do projeto consistem em: a) caracterizar as modalidades de atuação
profissional na rede pública que atende às demandas escolares; b) contextualizar historicamente a
inserção e atuação do profissional de psicologia na educação básica; c) compreender as concepções
que subsidiam as práticas dos profissionais da psicologia identificadas pela pesquisa sobre o
processo de triagem, atendimento e acompanhamento da queixa escolar; d) identificar as práticas
realizadas pelos profissionais de psicologia no âmbito educacional; e) identificar e analisar o caráter
inovador das práticas psicológicas realizadas, considerando as discussões sobre intervenção
psicológica presentes na literatura da área de Psicologia Escolar nos últimos vinte anos; f)
caracterizar como a psicologia tem sido inserida nas políticas públicas da área de Educação.
Diante disso, o estudo de caso aqui apresentado, realizado em nível de iniciação científica,
consiste na análise de uma das entrevistas realizadas pelo grupo mineiro de pesquisa com
psicólogos que trabalham na rede pública de Educação. Focalizaremos as condições de trabalho de
uma das psicólogas entrevistadas, a fim de apontar as possibilidades, os impasses, limites e
dificuldades encontrados em sua atuação no serviço de Psicologia Escolar da Secretaria de
Educação de um município do interior de Minas Gerais. Deste modo, analisaremos como essas

4
A pesquisa A atuação do psicólogo na rede pública de educação frente à demanda escolar: concepções, práticas
e inovações foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFU e é financiada pela FAPEMIG (nov. 2008 a nov. de
2009)
condições proporcionam ou impedem uma prática crítica e inovadora.

3. METODOLOGIA

Participaram desta pesquisa 111 municípios do estado de Minas Gerais, sendo que a partir de
um primeiro contato com as Secretarias de Educação pudemos identificar que 68 desses municípios
contam com psicólogos em seus quadros.
Devido à ampla abrangência, a pesquisa envolveu duas grandes fases de coleta de dados
junto aos psicólogos que atuam na rede pública de Educação, atendendo à demanda escolar: a)
mapeamento geral dos serviços oferecidos; b) análise da atuação profissional na área de educação.
A primeira fase, já concluída, referente ao mapeamento geral dos serviços, iniciou-se por
meio de contatos telefônicos com funcionários das Secretarias de Educação que nos informaram a
respeito da existência de psicólogos ou equipes de psicólogos que atendem a demandas escolares no
município ou região.
Em seguida, foram realizados contatos com os psicólogos, a fim de fazer os devidos
esclarecimentos a respeito da pesquisa, dos objetivos e métodos que seriam utilizados. Aqueles que
se dispuseram a participar receberam, via correio ou e-mail, uma Carta de Apresentação e o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, foi enviado um questionário aos 88 psicólogos
localizados e obtivemos respostas de 32 profissionais.
Os dados obtidos pelos questionários e as observações iniciais colhidas pelos pesquisadores
em seus contatos com as equipes ofereceram condições para a seleção dos profissionais a serem
entrevistados na segunda fase da pesquisa. Os critérios dessa seleção estão de acordo com os
objetivos da investigação. Deste modo, buscando contemplar o objetivo de analisar a influência, na
atuação profissional, de concepções críticas em psicologia escolar desenvolvidas em pesquisas
acadêmicas, foram selecionados 11 profissionais que, em suas respostas ao questionário e/ou a
partir de dados de observação básica da equipe, ofereceram indícios de atuação profissional nesse
sentido, apontando para o exercício de práticas inovadoras. Essa segunda fase está em andamento,
mas já foram realizadas todas as entrevistas, bem como a maior parte das análises.
A entrevista selecionada para o presente texto apresenta elementos importantes na
compreensão de como os psicólogos informados pelos avanços teóricos da área têm configurado
sua atuação junto a contextos educacionais. Trata-se de Teresa5, uma profissional jovem, formada
há seis anos, em uma universidade federal, que há cerca de um ano e meio vem atuando junto à
Secretaria de Educação de um município do interior do estado de Minas Gerais.

4. DISCUSSÃO

A entrevista concedida por Teresa forneceu informações fundamentais para compreendermos


quais as condições de trabalho oferecidas ao serviço de Psicologia pela Secretaria de Educação do
município. E assim, buscamos compreender como essas condições têm possibilitado ou têm
colocado impasses à atuação dessa psicóloga, proporcionando ou dificultando uma prática que se
aproxime do referencial crítico em Psicologia Escolar. Além disso, nos interessou compreender
como, diante do contexto existente, a psicóloga tem construído sua prática profissional.
A psicóloga está no cargo há pouco mais de um ano e é concursada, cumprindo a carga
horária de vinte horas semanais. A carga horária é descrita por Teresa como algo que, por um lado,
restringe as possibilidades de atuação, pois lhe dá um tempo limitado para se dedicar a cada uma
das escolas com as quais trabalha. Por outro lado, permite que a psicóloga trabalhe também em
outro município, no qual desenvolve uma atuação clínica, descrita como bastante satisfatória.

5
Teresa e os demais nomes citados neste trabalho são fictícios. Optamos pela modificação dos nomes para preservar a
identidade da entrevistada, bem como das pessoas por ela citadas..
A princípio, seria possível supor que o município conta com uma pequena equipe de
profissionais que atendem às demandas das escolas, afinal a Secretaria de Educação conta com dois
psicólogos – Teresa e Daniel –, além de duas fonoaudiólogas. No entanto, considerando o modo
como se organiza o trabalho dos profissionais, é possível afirmar que não configuram efetivamente
uma equipe:
“E no trabalho, é tudo muito isolado mesmo. Embora a gente converse um com o outro
e pergunte: “ah, como você tá fazendo isso?”, ou peça alguma dica pro Daniel ou pras
fonos, que são as duas meninas também daqui, cada um faz seu trabalho
independente.”
(Trecho da entrevista com Teresa)
Nem mesmo os dois psicólogos constituem efetivamente uma equipe de Psicologia, pois a
demanda do município é dividida entre eles. Cada um tem, sob sua responsabilidade um
determinado número de escolas. Dessa forma, o serviço é realizado de forma individual, não foi
constituído um grupo de apoio para discutir a demanda e as formas de atendimento. Por um lado,
este modo de organização do trabalho, concede a cada profissional a possibilidade de adotar as
estratégias de trabalho que julgar mais adequadas. “Se eu quiser fazer meu trabalho e não dar
satisfação pra ninguém, eu não preciso dar.” (Trecho da entrevista com Teresa). Por outro lado, faz
com que não haja um espaço para partilhar os problemas e sucessos da prática. Teresa relata sentir-
se sobrecarregada e sem interlocutores, o trabalho é descrito como “individualizado”.
A Secretaria de Educação também concede grande autonomia à psicóloga. Teresa conta que
quando foi contratada pelo município, configurou seu o seu trabalho tal como estava habituada a
fazer, “indo para as escolas” (Trecho da entrevista com Teresa). A entrevistada entende que a função
do psicólogo escolar é estar dentro da escola, acompanhando de perto aquele contexto e suas
inúmeras interações. Ela ainda ressalta que o aluno não é o único responsável pelas dificuldades de
aprendizagem. Esse é um posicionamento coerente com as discussões atuais em Psicologia Escolar.
Diante disso, a opção dela foi realizar seu serviço nas escolas, indo até às instituições de ensino e
trabalhando com os personagens desse cenário, tais como diretores, supervisores, professores, pais e
alunos.
No entanto, a implantação deste modo de trabalhar tem sido bastante conflituosa. Teresa
relata enfrentar uma forte resistência ao seu trabalho por parte das equipes das escolas. “ (desde o
ano passado) já vinha essa reclamação dos diretores das escolas, que não queriam esse tipo de
trabalho, queriam que atendesse os alunos, mesmo.” (Trecho da entrevista com Teresa). A
insatisfação dos profissionais da escola, relatada por Teresa, mostra o quanto é difícil modificar
concepções tão arraigadas quanto a de que o trabalho da psicologia junto à Educação deveria
consistir em atender aos alunos considerados problemáticos. A própria Psicologia se fortaleceu
enquanto campo de atuação profissional baseada nesse modo de atuação.
Teresa defende que a atuação do psicólogo junto à escola não deve se caracterizar pelo
atendimento clínico e propõe-se a ouvir as demandas apresentadas pelos diretores e coordenadores
das instituições de ensino. Em seguida, dispõe-se a ir até às salas de aula para realizar observações,
a fim de conhecer os alunos e o trabalho docente para, por fim, dar sugestões aos professores sobre
o que poderiam melhorar no processo de ensino. Esse modo de atuar tem provocado muitas
reclamações, os professores parecem sentir-se incomodados com a presença da psicóloga em sala de
aula, além de resistirem, na maioria das vezes, à sua opinião. “O professor não gosta que você entre
na sala, acha que está comprometendo o trabalho dele. Aí, quando você dá sugestão, ele acha que
também, né, que é muita coisa pra ele fazer” (Trecho da entrevista com Teresa).
Teresa diz que seu trabalho tem consistido em “incomodar os professores”. E diante desse
modo como a relação com os educadores tem sido construída, a psicóloga tem encontrado muitas
dificuldades para a realização de seu trabalho. “A gente vai, vai. Ninguém reconhece o trabalho,
ninguém aceita, ninguém quer fazer o que a gente pede. A gente não está encontrando aí uma via de
comunicação com as escolas.” (Trecho da entrevista com Teresa)
É possível compreender essa insatisfação expressa a partir da perspectiva dos educadores,
que sentem-se desconfortáveis com a prática da psicóloga, uma vez que ela entra em sala e
questiona a prática deles diante dos processos de ensino-aprendizagem. As discussões atuais em
psicologia escolar se direcionam a um posicionamento mais crítico e reflexivo diante dos
acontecimentos da escola, principalmente diante da queixa escolar. Porém, atuar apenas no sentido
de causar incômodo nos professores, acreditando que a prática deles é quase sempre errada pode ser
uma forma inflexível de se trabalhar, que certamente leva a conflitos, como os que observamos
nessa entrevista. Podemos aqui considerar que, em alguns momentos, ao longo da entrevista, a
concepção que a psicóloga demonstra sobre os educadores é bastante negativa e isso tem dificultado
a construção de um relacionamento de parceria entre psicólogos e educadores. O processo de
culpabilização do professor pelas mazelas da educação tem se revelado tão encobridor dos reais
problemas educacionais quanto a responsabilização do aluno pelo próprio fracasso (Souza, 2002).
Deste modo, partir do pressuposto de que o professor é o grande responsável pelos problemas de
escolarização também se revela um caminho que dificulta a implantação de práticas inovadoras em
Psicologia Escolar.
Por causa desses conflitos a secretária de Educação tomou a decisão de realizar um projeto
para criar um espaço específico para o atendimento psicológico dos alunos, funcionando como uma
“clínica da escola”. Esse é um movimento que vai na direção oposta à atuação contextualizada do
psicólogo e direciona o olhar dele rumo a uma prática individualizada, que desconsidera os fatores
presentes no contexto escolar. A psicóloga considera essa decisão como negativa, pois na opinião
dela o trabalho de psicologia escolar não pode ser voltado exclusivamente para o aluno. Ao mesmo
tempo, ela parece se confortar com essa idéia, uma vez que se distanciar da escola seria uma
possibilidade de minimizar os conflitos com a equipe escolar. Essa ambigüidade entre recusar o
modelo clínico e tê-lo como solução aponta para a dificuldade dessa psicóloga em sustentar
teoricamente sua prática, em termos de pensar em um modelo que pudesse dar conta dos conflitos
sem se distanciar do local em que estes ocorrem: o ambiente escolar.
A psicóloga acredita que muitas vezes os obstáculos impostos à atuação do psicólogo na
Educação surgem pelo fato de não haver clareza quanto ao papel desse profissional na escola, por
esse não ser um campo definido para a maioria das pessoas. Poderíamos acrescentar ainda que essa
prática não é bem definida até mesmo para muitos psicólogos que atuam na área, como podemos
perceber nessa entrevista. Isso é um aspecto importante para compreendermos as dificuldades de
sustentar uma prática que realmente incorpore as discussões atuais acerca da Psicologia Escolar.
Os conflitos enfrentados no trabalho junto às escolas levam Teresa a questionar: “será que eu
tenho que ficar na Educação mesmo, acho que meu perfil não é esse” (Trecho da entrevista com
Teresa). Ainda que não concorde com o modelo de atuação clínica do psicólogo junto à Educação,
reconforta-se com a possibilidade de que o novo espaço que alocará o Serviço de Psicologia seja
uma forma de conferir também mais respeito ao trabalho que desenvolve. Assim, percebemos as
dificuldades presentes no processo de incorporar na prática as discussões teóricas sobre a atuação
do psicólogo na Educação. Os psicólogos comprometidos com uma concepção emancipatória de
Psicologia, encontram-se frequentemente sujeitos a circunstâncias muitas vezes desfavoráveis, que
realizam uma incisiva força contrária à atuação crítica.
Apesar de todos esses impasses e dificuldade encontrados na atuação dessa psicóloga, ela
assinala que trabalhar com a formação de professores seria um caminho possível para melhorar sua
forma de atuação, bem como os problemas no contexto escolar. Ela já realiza um grupo de
professores, durante os módulos6, que ocorrem esporadicamente, e percebe que trabalhar com os
professores, promovendo reflexões e proporcionando um espaço para que eles pensem em sua
própria formação como educadores é um caminho que pode dar certo. Ela acredita nisso por
perceber as repercussões positivas do trabalho realizado nos módulos, pois muitos professores
demonstram gostar dessa prática. Talvez se ela tivesse mais espaço para realizar essa atividade, sua
atuação poderia se aproximar de forma mais positiva da equipe escolar, minimizando os conflitos e
atendendo a demanda.
Diante disso, podemos perceber que existem diversos fatores que compõem a atuação do

6
Os módulos são reuniões das quais todos os professores participam
psicólogo na escola, tais como as condições concretas como o serviço de Psicologia se estrutura; os
diversos profissionais com os quais o psicólogo trabalha; a formação do psicólogo; o modo como
ele consegue incorporar os referenciais teóricos em sua prática; entre outros. Diante disso, surgem
vários desafios que ora colocam obstáculos a uma atuação crítica e ora promovem ricos
questionamentos e reflexões que direcionam a uma mudança nessa prática. O psicólogo escolar
ainda enfrenta diversos impasses para a efetiva construção de uma atuação crítica, mas também se
depara com possibilidades reais de que a Psicologia contribua para que a Educação se efetive com
qualidade para todos.

5. AGRADECIMENTOS

Agradecemos à coordenadora geral da pesquisa, a Profª Drª Marilene Proença Rebello de


Souza e à coordenadora da equipe mineira, a Profª Drª Silvia Maria Cintra da Silva, pelo apoio que
vem sendo dado a esta pesquisa.
Gostaríamos também de agradecer aos demais membros dos grupos de pesquisa que estão
empenhados nesse mesmo tema em vários estados do país (São Paulo, Santa Catarina, Paraná,
Rondônia, Acre e Bahia), especialmente a todas as companheiras do grupo de pesquisa de Minas
Gerais que tanto têm contribuído para que possamos realizar o estudo.
E, sobretudo, agradecemos pelo apoio e financiamento da FAPEMIG que tem possibilitado
que tenhamos condições concretas para o desenvolvimento desse trabalho.

6. REFERÊNCIAS

Bardin, L., 2000, “Análise de conteúdo”. Lisboa: Edições.


Bogdan, R.; Biklen, S., 1994, “Investigação qualitativa em educação: Uma introdução à teoria e aos
métodos”. Porto: Porto.
Ezpeleta, J. & Rockwell, J., 1986, “Pesquisa Participante”. São Paulo: Cortez.
Maluf, M.R., 1994, “Formação e atuação do Psicólogo na educação: dinâmica de transformação”.
In: ____ CFP Psicólogo Brasileiro: Práticas emergentes e desafios para a formação. São Paulo: Casa
do Psicólogo. p. 157-200.
Meira, M.E.M.; Mitsuko, A.M.A.,2003, “Psicologia Escolar: práticas críticas”. São Paulo: Casa do
Psicólogo
Patto, M.H.S. (Org). , 1981, “Introdução à Psicologia Escolar”. São Paulo: T.A. Queiroz.
Rockwell, E., 1987, “Reflexiones sobre el proceso etnográfico”. Ciudad de México:
DIE/CINVESTAV.
Souza, B.P. (Org), 2007, “Orientação à queixa escolar”. São Paulo: Casa do Psicólogo
Souza, D.T.R. A formação contínua de professores como estratégia fundamental para a melhoria da
qualidade de ensino: uma reflexão crítica. In: Oliveira, M.K.;Souza,D.T.R.;Rego, T.C. “Psicologia,
Educação e as temáticas da vida contemporânea” São Paulo: Moderna, 2002.
Tanamachi, E. D e R., 1997, “Visão crítica de Educação e de Psicologia: Elementos para a
construção de uma visão crítica de Psicologia Escolar”. Marília, Tese (Doutorado), UNESP.
Tanamachi, E. R; Proença, M.; Rocha, M. (Org.), 2002, “Psicologia e Educação: Desafios teórico-
práticos”. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 73-104.

Building a way of action in School Psychology: difficulties and possibilities in the


work of a psychology from Minas Gerais - Brazil

Fabiana Marques Barbosa


Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720 - Campus Umuarama
- Bloco 2C
fabi.marquesb@hotmail.com
Anabela Almeida Costa e Santos
Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720 - Campus Umuarama
- Bloco 2C
anabela@ipsi.ufu.br

Abstract: Historically, psychological practices in the education’s area have long been marked by
the clinical care provided to students with difficulties from schooling process. This mode of action
stemmed from the presupposition that the individual was more responsible for their own failure.
However, for about twenty years, new discussions related to the work of a psychologist in education
have been developed to understand the school issues more comprehensively and contextualized.
Seeking to understand how the psychologists have incorporated those theoretical and practical
advances, an institutional research on the role of psychologist in public education has been
developing in several cities of seven Brazilian states. The study is divided into three stages: a)
telephone contact with each Secretary of Education to map existing psychology services; b)
application of a questionnaire to know the practices and conceptions of psychologists; c) interviews
with psychologists. This paper presents the Undergraduate Research that is part of this national
level investigation. This is a case study based on the analysis of one of the psychologist interviews
from the main research. Thus, from the information provided, we discuss possibilities, difficulties
and challenges in the practice of this professional, considering the conditions present in the
Psychology Service that she works. The interview illustrates how a new model of work has been
built in School Psychology. There are described several factors that hinder a critical performance –
the conflicts of the psychologist with the school team; the concept that a psychologist has on
teachers; the difficulty of building a role model to reconcile theory and demand of school team –
but also encourage questions and discussions that drive the desire to change that practice. Teacher
education appears as a possible and promising path of action for the psychologist in Education.

Keywords: School Psychology, critical practices, psychologist performance in Education,


qualitative research

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