You are on page 1of 35

UNIVERSIDADE GAMA FILHO

CRISTIANO MIGNANELLI DOS SANTOS

DISCURSO E ABUSO DE PODER

SÃO PAULO – SP
MAIO DE 2011
CRISTIANO MIGNANELLI DOS SANTOS

DISCURSO E ABUSO DE PODER

Monografia apresentada à universidade Gama Filho como


exigência parcial à obtenção do título de especialista em
Linguística.

Orientador: João Francisco Sinott Lopes

SÃO PAULO – SP
MAIO DE 2011
DISCURSO E ABUSO DE PODER

Dedico este trabalho a todos aqueles que não irão lê-lo,


incluindo os que possivelmente não irão me escutar. Pois é
neles que penso quando escrevo e falo.
RESUMO

Este trabalho tem por escopo analisar de que maneira discursos podem reproduzir,
disseminar, exercer, e reforçar o poder. Mas, especificamente, a exposição está interessada
nas formas de abuso de poder via discursos. O abuso de poder é exercido por grupos e
instituições que detém os recursos sociais fundamentais e que por isso têm acesso
privilegiado ao discurso e aos meios de comunicação em massa. Resultando em uma
dominância social que gera desigualdade. Entretanto, este abuso de poder está ligado,
principalmente, em mecanismos manipulatórios de controle mental e social. Entender-se-á,
por fim, que os meios de controle mental e social são manifestados especialmente por
discursos. São com estes argumentos que o trabalho pretende introduzir e direcionar o leitor
à importância de estudos críticos por sobre discursos. Utilizando para a pretensão os
estudos do linguista Teun Van Dijk e de sua tríade analítica entre discurso, cognição e
sociedade.

Palavras-chave: Discurso. Abuso de poder. Dominância. Controle mental e social.

RESUMEN

Este trabajo tiene como ámbito para analizar cómo los discursos se pueden
reproducir, difundir, hacer ejercicio, y aumentar su poder. Pero en concreto, la exposición
está interesado en las formas de abuso el poder a través de discursos.El abuso de poder es
ejercido por los grupos y las instituciones que administra los recursos sociales clave y por
eso tenemos un acceso privilegiado a los medios de discurso y de masas. Dando lugar a
una desigualdad que genera la dominación social.Sin embargo, este abuso de poder está
conectado principalmente con los mecanismos de control de la mente manipuladora y social.
Se entiende, por último, que los medios de control de la mente y se manifiestan sobre todo
por los discursos sociales.Son estos los argumentos que el documento tiene la intención de
presentar y dirigir al lector a la importancia de los estudios críticos sobre los discursos.
Usando el pretexto de los estudios de lingüista Teun van Dijk y su triada de análisis entre el
discurso, la cognición y la sociedad.

Palabras clave: discurso. El abuso el poder. Dominio. El control mental y social.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 6
2. O QUE É DISCURSO? ............................................................................................................. 8
3. DISCURSO: UMA PRÁTICA SOCIAL .................................................................................... 12
4. ANÁLISE DO DISCURSO COMO ANÁLISE SOCIAL ............................................................ 16
5. PODER NO DISCURSO ......................................................................................................... 18
6. O TIPO DE PODER TRATADO NA ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA .............................. 20
7. PODER E ACESSO ................................................................................................................ 23
8. MANIPULAÇÃO ...................................................................................................................... 25
9. CONCLUSÃO.......................................................................................................................... 34
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 35
6

1. INTRODUÇÃO

A realidade, na crença de uma boa parte da população, apresenta-se


ingenuamente ao conhecimento humano na sua pureza e transparência. Se assim
fosse poder-se-ia concluir que todo abuso de poder, desigualdade social, controle
dos bens materiais por uma minoria, dominação, preconceito, racismo, assim como
o pensamento neoliberal e a economia capitalista atual encontram-se justificadas.
Não obstante, somente se critica aquilo que não se consente. Assim sendo,
esta visão fatalista da realidade deve ser combatida com os diversos estudos críticos
das ciências sociais, da filosofia, da linguística crítica e da psicologia a fim de
desbanalizar o que aparentemente é banal.
Por certo que toda crítica é bem-vinda quando sua intencionalidade visa
desvelar aquilo que se encontra na obscuridade da má-fé. Porquanto, a má-fé
esconde-se em uma suposta “inocência” dos diversos discursos públicos, onde seu
verdadeiro sentido não se mostra a nós senão por análises crítica; estas irão
debruçar-se nestes discursos a fim de trazer à luz suas verdadeiras intenções, assim
como, sua implicância na prática social.
É dentro destes argumentos que este trabalho tem a pretensão de auxiliar o
leitor para uma nova forma – sendo que esta “nova forma” nada mais é que um olhar
mais crítico por sobre os diversos discursos explanados na sociedade – de conceber
a realidade a partir da análise de discurso crítica. Julgando que tal análise é
imprescindível para compreender até que ponto discursos podem influenciar na
realidade – entendendo-a como unidade de indivíduos viventes em sociedade.
Para tanto, optou-se por tratar da relação entre discurso e poder, pois,
considera-se que tal tema é o a priori nas relações sociais no que concerne o abuso
de poder.
No discorrer do trabalho ver-se-á, então, que é por meio do discurso que um
grupo minoritário - detentor de acesso privilegiado aos discursos que circulam na
sociedade, bem como do acesso à maioria dos bens materiais – reformula, controla,
dissemina e exerce o poder sobre outro grupo majoritário menos privilegiado.
Julga-se pertinente, principalmente para compreender a motivação do autor
em escolher tal tema, citar uma máxima de Van Dijk onde crer-se residir todo
propósito a estudos concernentes à análise de discurso crítica: “Discursos controlam
mentes e mentes controlam ações”. Não se pode furtar-se da importância e da
7

emergência implicadas nesta máxima que não se quer, senão, como alerta às
mentes despreocupadas. Nem se deve esquecer-se dos estudos de Hannah Arendt
no que concerne o totalitarismo. A pior de todas as ditaduras da história, segundo a
filósofa, é aquela de nosso tempo, pois, enquanto em outras épocas controlavam-se
corpos por meio da força, hoje, controlam-se mentes comumente sem o uso da
força. Ora, controlar mentes é controlar corpos, mas somente controle de corpos não
garante controle de mentes. Conquanto, a melhor forma de produzir, exercer e
reforçar esse controle deve ser por meio discursivo, de onde emergem as interações
sociais.
Todo o trabalho terá como respaldo os estudos críticos de discurso de Teun
Van Dijk. A preferência por este estudioso é justificada ao se perceber que o mesmo
escreveu um livro que trata exatamente sobre a temática deste trabalho: Discurso e
Poder. Mas, evidente que outros estudiosos do assunto serão citados quando
necessário.
Por fim, para inserir o leitor nos conceitos e contexto desta abordagem
multidisciplinar – Análise de Discurso Crítica – dedicar-se-á uma atenção ao
conceito de discurso, de abuso poder e de manipulação elucidando-os; além de
prestar-se a mesma atenção para outros temas da análise de discurso dos quais
servirão como respaldo as finalidades deste trabalho.
8

2. O QUE É DISCURSO?

A pergunta parece simples, é como se uma única resposta conseguisse dar


conta de elucidar todo o seu denso conceito. Ora, definir a um só golpe o que é
discurso, antes, esconder-se-ia sua razão de ser do que propriamente explicitar seu
conceito.
Para tanto, poder-se-ia defini-lo apenas como uma soma de textos, e estes
conjuntos articulados de signos, ou, singelamente, elucidar que “o discurso é uma
unidade linguística constituída de uma sucessão de frases” (CHARAUDEAU,
MAINGUENEAU, 2008, p.170). Tais definições não seriam suficientes para elucidar
toda dinâmica que o conceito de discurso guarda.
Ver-se-á que uma distinção da definição de discurso e de texto trará clareza
ao objetivo desta análise. Pois, comumente há uma confusão nestas definições, e,
são exatamente nestas, que reside o sentido chave da disparidade entre ambos os
conceitos. Ora, um discurso não é um texto, se assim o fosse análises discursivos
seriam a mesma coisa que análises textuais, o que não é. Não obstante, o texto é
definido como unidade teórica formalmente construída, enquanto, o discurso, como
unidade funcional, comunicativa e intersubjetivamente construída – ou
semanticamente construído entre subjetividades.
O discurso, então, como soma de textos articulados por conjuntos de signos,
se dá na interação entre produção, recepção e interpretação. Nesta perspectiva,
discurso é “... a coleção de texto que alguém ou alguma entidade se utiliza para se
anunciar, ser reconhecido, provocar atenção, adesão ideológica, instigar resposta”
(IASBECK, 1997, p.27). Por conseguinte, “A proliferação interpretante que o
discurso aciona (provoca, instiga) através de seus textos é que faz completar o ciclo
da dinâmica comunicativa.” (IASBECK, 1997, p.28).
É possível entender a distinção aí feita quando colocado discurso multimodal
1
em relação a texto; a imagem, por exemplo, é uma forma de discurso como
relacioná-la com um texto? Esta relação se mostra impossível, mesmo assim, uma
imagem é considerada como discurso em análises do discurso. E o é devido à

1
Considera-se para uma análise de discurso crítica não somente o discurso escrito ou falado, mas,
também, imagens. Hoje, a comunicação não se restringe apenas na escrita e na fala, a imagem é
uma forma de interação social, portanto, objeto de análise.
9

possibilidade da imagem de ser anunciativa, interpretada, ideológica, instigante,


enfim, uma produção intersubjetiva.
Importante complementar que a concepção de texto2 aludido aqui se trata de
considerá-lo como composição – união entre invenção, elocução e disposição
(CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2008, p. 466). Não a de texto como a linguística
textual o concebe – onde a distinção de discurso e texto é considerada “como duas
faces complementares de um objeto comum – que privilegia a organização do co-
texto e da coesão como coerência linguística” (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU,
2008, p. 467). Nesta perspectiva, da ciência lingüística textual, tem-se o texto como
sendo superior a qualquer elemento linguístico: “o uso da língua, a comunicação e a
interação se produzem acima de tudo sob a forma de textos” (Van Dijk, 1992, p.10
apud MEDEIROS, 2007, p. 11).
Ver-se-á que a análise de discurso é uma abordagem multidisciplinar,
portanto, faz uso das mais variadas ciências a fim de viabilizar suas pretensões. Por
conseguinte, dentro destas ciências, não se deve deixar de ressaltar a relevância
que os avanços da linguística textual têm para propiciar estas finalidades; ainda
mais esta sendo a ciência magna que estuda o texto como estando imbricado em
toda manifestação da linguagem. Nesta concepção a Linguística Textual é a ciência
do todo textual, enquanto, a análise de discurso é uma abordagem – pode-se dizer
uma ramificação parcial e autônoma daquela ciência, com seu objeto próprio de
estudo, a saber, o discurso.
Tem-se, por fim, se assim o for para fins elucidativos, uma distinção por
escala hierárquica destacando o campo que tem no seu objeto a maior totalidade de
estudo: destaca-se a linguística textual porque “designa toda e qualquer
manifestação da capacidade textual do ser humano (quer se trate de um poema,
quer de uma música, uma pintura, um filme, uma escultura e etc.), isto é, qualquer
tipo de comunicação realizada através de um sistema de signos” (BEAUGRANDE,
DRESSLER, 1997, p.71 apud MEDEIROS, 2007, p. 14). Isto dá a perceber o porquê
do texto (é lato, amplo) aqui ser considerado como elemento central e superior da
linguagem; já a análise do discurso (crítico) se restringe ao discurso como seu objeto
de estudo – que não é elemento central e nem superior da linguagem – que serve a

2
Nota-se que na linguística textual, o texto, tem conotação Ampla (lato) e no da gramática textual tem
sentido estrito – em termos de extensão. Comumente estes sentidos se confundem com o conceito
de discurso.
10

linguagem verbal é a “... atividade comunicativa de um falante, numa situação de


comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor
(ou por este e seu interlocutor, no caso de diálogo) e o evento de sua enunciação”
(FÁVERO, KOCH, 2005, p.26 apud MEDEIROS, 2007, p. 13). Por último, não menos
importante e nem tão pouco inferiorizado, está o texto objeto de estudo da gramática
textual (ou de texto), onde se pretende tratar de definir algoritmos abstratos, regras
de reescrita que permitem gerar as bases do texto e as regras de transformação que
permitem passar dessas estruturas profundas à linearização da manifestação
linguística de superfície.
É preciso frisar que esta separação hierárquica e arbitraria tem a pretensão
de servir apenas para fins elucidativos, dessa forma, o grau de importância destes
estudos depende da finalidade do pesquisador; de maneira que todos estes estudos
e objetos relacionam-se e são interdependentes, sobretudo, para propósitos de
estudar a linguagem humana.
Esta disparidade pode, ainda, ser encontrada na concepção entre o estudo da
linguagem na perspectiva formalista e na funcionalista (entendendo que o conceito
de discurso que se quer alcançar com as explicações é aquele que vá considerar
seu dinamismo, sem limitá-lo ao conceito estático de texto):
Os formalistas julgam ser a linguagem um objeto autônomo, completo em si
mesmo, isto é, não é influenciada externamente;
Os funcionalistas se opõem a esta visão da linguagem como sistema fechado
autossuficiente. Aqui a linguagem tem funções externas ao sistema, por sinal é o
ponto central de análises linguístico-discursivo, e estas funções externas que
contribuem para organização interna do sistema;
É possível explicitar que a concepção formalista trata da estrutura sistemática
da língua; a funcionalista das relações entre formas e as funções linguísticas.
A visão funcionalista do estudo da linguagem é a adotada por analistas de
discurso porque analisa as funções língua via forma, averiguando por qual meio a
forma atua no significado e as funções influenciam na forma. Em outros termos, o
foco de interesse é “a investigação de como esses sistemas funcionam nas
representações sociais, na estruturação, reafirmação e contestação de hegemonias
no discurso”. (RESENDE, RAMALHO; 2009 p.13).
11

Por fim, a pretensão de elucidar o conceito de discurso servir-se-á nas


próximas exposições que tratarão de enriquecer ainda mais as definições aqui
expostas.
12

3. DISCURSO: UMA PRÁTICA SOCIAL

A ligação de discurso à prática social carece de uma ênfase maior nesta


elucidação. Porque é nesta ligação – da qual o discurso não pode se desvincular –
que se têm os pressupostos da explanação deste trabalho.
Fairclough enfatiza que entender o discurso como prática social caracteriza-o
como uma ação situada que propicia às relações sociais:

Ao usar o termo “discurso”, proponho considerar o uso da linguagem como


forma de prática social e não como atividade puramente individual ou
reflexo de variáveis institucionais. Isso tem várias implicações. Primeiro,
implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas
podem agir sobre o mundo especialmente sobre os outros, como também
um modo de representação. [...] Segundo, implica uma relação dialética
entre o discurso e a estrutura social, existindo mais finalmente tal relação
entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma condição
como um efeito da primeira. (FAIRCLOUGH, 2001, P.91 apud RESENDE,
RAMALHO, 2009, p.27).

Pode-se concluir a partir da explicação de Fairclough que o discurso é um ato


social, pois implica ação; é uma ação que se dá na interação entre subjetividades:
uma das condições às relações sociais. Por ser uma ação social está, evidente,
inserido dentro de uma sociedade que pode sofrer mudanças a partir destas ações.
Logo, o discurso é uma ação social historicamente situada, manifestada como
interação entre subjetividades que explanam suas representações de mundo, dentro
de uma sociedade passível de transformação.

Por sua constituição linguística e social o discurso representa uma dialética


entre linguagem e sociedade; está no social ao mesmo tempo em que se origina
nele; é uma ação – ato da fala - praticada por um ator social.
Através dessa ação social que um locutor relaciona-se com um interlocutor
dentro de uma situação dada em um espaço (lugar), em um determinado tempo
(agora, hoje, ontem, antes) na imersão da vida social, onde interações modificam ou
mantém uma situação dada a partir das representações de mundos e das
identidades sociais em jogo.
Assim, o discurso, sendo uma prática social, pode ser entendido e analisado
tanto como um objeto histórico, quanto lingüístico – isto se torna evidente
13

considerando ele um elemento da linguagem ao mesmo tempo em que um ato social


inserido numa determinada época.

Ainda detendo-se na explicação de Fairclough, é necessário salientar o


caráter representacional do discurso. Ora, como já dito, o discurso é uma
representação de mundo, por conseguinte, isto o caracteriza como sendo a
expressão de diferentes perspectivas ideológicas, vivências e conhecimentos – em
síntese é a expressão de identidades sociais. Por certo, o discurso representa não
só o “aqui” do mundo, mas, também, pode projetá-lo nas mais diversas
possibilidades do por vir.
No que tange as relações sociais e a representação de mundo: o discurso
gera, a partir da interação entre atores sociais, a possibilidade de uma diversidade
de relações de cooperação, competição ou dominação.
É na interação que o discurso entra em contato com outros discursos. Estes
contatos permitem que discursos mesclem-se, repudiem-se, reforcem-se,
transformem-se isto na imanência social.
Ainda para consolidar o discurso como prática social poder-se-ia citar Bakhtin
e os conceitos de dialogismo e heterogeneidade tratados em suas obras.
Segundo este linguista o produto da interação entre dois indivíduos é a
enunciação3 – uma vez que discurso é o conjunto de enunciações. O discurso para
ele não se desvincula do contexto sócio-ideológico, portanto, pressupõe indivíduos
ideologicamente posicionados interagindo em sociedade. Assim, na interação o
discurso sempre é produzido por alguém e se destina a alguém – princípios da
relação social, da comunicação. (RECHDAN, 2010). Porque, como já mencionado
neste trabalho, é próprio do discurso ser provocativo de atenção, encantar, instigar
respostas / interpretações, um convite à adesão ideológica, enfim, ele é constituído
nestes termos por pressupor sempre o outro.
Não obstante, é a partir da interação que surge o significado e o sentido. A
significação é a parte geral e abstrata das palavras; o sentido se dá na compreensão
ativa e responsiva e estabelece a ligação entre interlocutores. Desta forma, o sentido

3
É pertinente para não confundir frase com enunciado uma pequena explicação. A primeira visa
apenas apresentar algo, a segunda, pretende estabelecer uma verdade por meio da enunciação –
atende aos objetivos sociais e comunicativos. Um enunciado segue duas leis discursivas, são elas: a
lei da informatividade, sempre deve passar uma informação nova; e a lei da exaustividade, a
informação deve ser passada e repassada com riqueza de dados.
14

está no efeito da interação entre o locutor e o interlocutor – é a interação que produz


o sentido. (RECHDAN, 2010).
A compreensão ativa deve ter o germe de uma resposta, isto é, compreender
é se colocar em relação a um discurso de outrem e se pôr no seu contexto4 a fim de
negá-lo, aprová-lo ou ignorá-lo. Neste sentido, “compreender é opor à palavra do
locutor uma ‘contrapalavra’.” (RECHDAN, 2010, p.2).
Ainda, “compreender não equivale a reconhecer o ‘sinal’, a forma linguística,
nem a um processo de identificação; o que é realmente importante é a interação dos
significados das palavras e seu conteúdo ideológico, não só do ponto de vista
enunciativo, mas também do ponto de vista das condições de produção e da
interação locutor/receptor.” (RECHDAN, 2010, p.3).
Nota-se aí um movimento dialógico entre recepção e compreensão ativa
próprios da interação – o locutor fala em função de uma resposta ativa do
interlocutor. Daí a concepção de dialogismo bakhtiniana.
Em síntese, a verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno
social da interação verbal feita através dos discursos. É a interação verbal que
constitui a realidade fundamental da língua. (RECHDAN, 2010).
Outra característica do discurso é sua heterogeneidade. A linguagem é
heterogênea, ou seja, todo discurso é construído a partir do “já dito” do discurso do
outro de onde todo discurso se produz.
Existem duas formas de Heterogeneidade:
A mostrada – expressa por meio de marcas linguísticas (discurso direto, ou
indireto, negação, aspas, metadiscurso do enunciador) denunciando a presença do
outro explicitamente.
A constitutiva – aquela que não se mostra no fio do discurso; o outro está
inscrito no discurso, mas sua presença não é explicitamente marcada.

4
O contexto é a estância onde o discurso situa-se. Entende-se sua inserção numa dada situação
histórica, social, cultural e verbal. Decorre que uma análise do discurso tendo o contexto como
alicerce apresenta a identidade do autor do discurso (inserido numa dada cultura, numa dada classe
social, de dado sexo, de tal idade, em dada época) e aquém destina seu discurso. Antes que o
discurso seja pronunciado ele é um discurso interior e este é definido de acordo com a situação da
enunciação e pelo auditório, isto é, a pessoa discursa tendo sua expressão definida exteriormente
pelo contexto.
15

A constitutiva é considerada como não-apresentável, não-localizável,


pertencente à ordem real de constituição do discurso. É entre discursos.
(RECHDAN, 2010)
Estas explicações servem para exaltar principalmente o discurso como prática
social, mas também para o entendimento da importância do discurso para a vida
social como um todo. Percebe-se, então, que o discurso não só está impregnado na
sociedade, como também a molda a partir da interação entre atores sociais.
Fica claro que devido sua importância o discurso não pode passar
despercebido na sociedade, portanto, sua produção deve ser assistida e
devidamente analisada em todo domínio social a fim de evitar possíveis abusos de
sua circulação. Porque esta circulação pode estar sendo controlada por grupos
dominantes que, entendendo sua capacidade de difundir ideologias, pretendem
disseminar, reforçar ou reformular seus poderes.
16

4. ANÁLISE DO DISCURSO COMO ANÁLISE SOCIAL

Uma vez que o discurso é uma prática social torna-se crucial, então,
conhecermos como funciona tal sociedade de onde ele emerge, sobrevive e
dissemina-se. Porque, a sociedade é o espaço de ação do discurso.
Uma análise da sociedade nos revela quem detém o poder; quem são os
atores sociais que estão em jogo. Não obstante, se há uma análise crítica do
discurso, essencialmente, é porque existem abusos de poder exercidos por meios
discursivos. Abusos que culminam em desigualdade social, propagação e reforço de
ideologias dominantes em prol do controle das mentes de uma maioria.
Neste sentido, importa elucidar que características dados grupos de pessoas
precisam ter para serem considerados como poderosos.
Como Van Dijk (2010, p.23) destaca, não é necessário muito esforço para
situar os governos, os parlamentos, as agências estatais, a polícia, a mídia, os
militares, as grandes empresas, como também profissionais de diversos ramos como
médicos, jornalistas, advogados, professores, ou ainda papéis sociais, neste caso,
os pais, como sendo detentores de poder. Todos podem influenciar mentes; uns
milhões ou milhares, outros alguns.
Contudo, não é o poder de uma pessoa que interessa nesta análise, mas sim
o poder de uma posição social articulada pelo poder de uma grande organização.
Pois é a partir desta organização que se dá a análise social a fim de saber se há um
controle do discurso público; e se a resposta apresentar-se positiva bastará saber
como se dá esse controle.
Tomando um exemplo de Van Dijk para caracterizar este tipo de poder
manifestado por uma posição social, pode-se citar o professor. O “poder simbólico”
na educação influência, sobretudo, via professor e livros de didáticos. As mentes dos
estudantes são influenciadas por duas formas de aprendizagem: aquela que visa
contribuir para a formação critica dos estudantes, tem compromisso sério com o
conhecimento, e aquela que visa reprimir o senso crítico e propagar as ideologias de
grupos e organizações poderosas na sociedade. Só neste exemplo é possível notar
a pertinência de analises criticas do discurso, mesmo porque, os professores podem
propagar ideologias sem o saber, assim como autores e editores de livros didáticos
também.
17

Os Jornalistas desenvolvem o mesmo papel dos professores no que diz


respeito seu poder para influenciar mentes. Os jornalistas dispõem de um enorme
poder de atingir milhões de pessoas através da mídia. Não é a toa que a análise
crítica do discurso deposita uma considerável atenção no discurso jornalístico – há a
preocupação em saber se a mídia apenas informa, ou também manipula.
Van Dijk (2010, p.32) ainda complementa informando que “esses exemplos
podem ser multiplicados para todos os domínios da sociedade, isto é, para a política,
para a justiça, para a saúde, para as burocracias, para as agências estatais e para
as grandes empresas e, de cima para baixo, desde as principais elites até os que
executam as políticas, as normas e os planos delineados pelos que estão em uma
situação superior”.
De forma mais genérica uma análise do discurso crítica, para ser bem
sucedida, deve deter-se, também, na análise do contexto dos atores sociais. Ou
seja, por exemplo, qual a situação política, religiosa, cultural, educacional, financeira
que esta cidade, este governo, este país se encontra; ainda, se a população é
formada por uma preponderância de mestiços, negros, brancos, ricos, pobres,
mulheres, homens, idosos, jovens, crianças, analfabetos, alfabetizados e etc; bem
como, saber como são distribuídos os recursos sociais essencialmente necessários
para uma vivência “justa e digna”. Assim, quanto maior for a análise do contexto dos
atores sociais, maior será o alcance da crítica por sobre discursos ligados a abuso
de poder e dominância.
Sendo a análise do discurso crítica uma abordagem multidisciplinar, é óbvio
que as pesquisas da sociolinguística, da sociologia e de diversas outras ciências
sociais são cruciais às pretensões de uma análise social. Todo respaldo teórico deve
servir para enriquecer as análises e, principalmente, para reivindicar resultados na
exatidão.
18

5. PODER NO DISCURSO

O discurso não vem recebendo uma atenção merecida em nossa sociedade


(particularmente a brasileira). Longe de querer estabelecer uma verdade absoluta
sem antes uma pesquisa previa, a afirmação encontra respaldo quando se tenta
encontrar na sociedade alguma referência à análise de discurso, muito menos de
linha crítica. Infelizmente, assim como outras abordagens, estes tipos de
conhecimentos ficam restritos aos meios acadêmicos impossibilitando que pessoas
tenham sequer um contato superficial com o tema. Quando a relevância de analises
por sobre o discurso é de extrema pertinência, pois, ver-se-á que é na reprodução
discursiva do abuso de poder que se dá a dominação geralmente por uma “elite
simbólica”. Então, quanto maior for a divulgação das abordagens críticas do discurso
maior será a possibilidade de uma resistência a esta dominação. E não se deve
esperar que apenas caiba aos acadêmicos esta incumbência, pelo contrário, a
mudança que se quer é a ação que se faz.
Foucault sabia bem disso – da relevância do discurso na sociedade, tanto que
dedicou obras como “As Palavras e as coisas”, “Arqueologia do Saber” e “A Ordem
do Discurso” que tratam, dentre outras coisas, da relação entre discurso e poder.
Em 1970, no Collège de France, Foucault introduz estudantes aos temas que serão
tratados ao longo de seu curso. Esta introdução tornou-se o livro “A Ordem do
Discurso” cujas considerações iniciais indagam: “... o que há, enfim, de tão perigoso
no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente?
Onde afinal está o perigo?” (FOUCAULT, 1996, p. 8)
Será que as pessoas podem falar o que querem, quando querem e onde
querem? E se não podem, por que não podem? De fato, se a reposta para a
primeira perguntar for negativa, a segunda resposta irá supor algum tipo de poder
implícito ou explicito opressor. A suposição de Foucault é a de que:

Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,


selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos
que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.
(FOUCAULT, 1996, p. 9)

Fica claro nesta citação a importância que o discurso tem na sociedade, do


contrário não haveria um poder controlador obstinado a suprimir a disseminação
19

livre dos discursos. Porque, segundo Foucault (1996), embora aparentemente


inofensivo, é no discurso que a política e a sexualidade exercem seus mais temíveis
poderes, e basta reprimi-lo para conhecer sua ligação com o desejo e o poder.
O que justamente se tenta demonstrar nesta exposição é de que um aparente
gesto ingênuo de querer tomar a frente para falar está ligado às relações de poder.
Sobre isto Foucault (1996, p. 9) conclui: “... O discurso não é simplesmente aquilo
que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, e pelo que se
luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. Vê-se que o discurso não é só um
meio para o poder, mas também o fim – o fim que todos querem se apoderar.
20

6. O TIPO DE PODER TRATADO NA ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA

Então, como constatado a partir das análises de Foucault, o estudo do poder


não é exclusividade da ADC, diferentes áreas do conhecimento já trataram deste
tema – a sociologia, a psicologia, a filosofia a sociolinguística e etc. Não é atribuição
deste trabalho dedicar-se a complexa façanha de esgotar todas as implicâncias
elucidativas que o tema pode emergir. Antes, quer-se aqui exaltar o tipo de poder
social exercido, manifestado, descrito, disfarçado ou legitimado por textos e
declarações orais dentro do contexto social. Assim, desprestigiando (e não
ignorando) o tipo de poder pessoal, próprio da comunicação. (VAN DIJK, 2010).
Visando delimitar e caracterizar o tipo de poder social usado para propósitos
da ADC, Van Dijk (2010) o define dentro destas especificações relevantes:

- Poder social é um traço da relação entre grupos, classes, entre pessoas


consideradas membros sociais. É um tipo de poder que abrange todas as relações
sociais. Ele pode ser distribuído em grupos, ser restrito a um domínio ou uma
finalidade social, o que caracteriza “centros” de poder e grupos que controlam tais
centros.

- As relações de poder dar-se na interação social – um grupo tem poder sobre outro,
e a ação deste grupo exerce controle sobre o outro, assim o exercício de poder
deste dominante resulta na limitação da liberdade social daquele dominado. Não
obstante, este tipo de poder é definido em termos do controle exercido por um grupo
ou organização sobre as ações e mentes de outro grupo, limitando suas ações e
influenciando seus conhecimentos atitudes ou ideologia;

- Grupos dominantes têm controle sobre outros grupos dominados, por controlar as
condições cognitivas deles – desejos, crenças e planos. O Poder social, ao contrário
do que pensam, é indireto e age pela “mente” das pessoas, por exemplo, controla
informações ou opiniões para executar ou planejar ações. Não há uso da força, mas
sim o uso dos meios de comunicação discursiva. Está dominância que caracteriza
uma forma de abuso de poder, ou seja, é um exercício moral e legalmente ilegítimo
de controle sobre os outros em benefício ou interesse de alguns, resultando em
21

desigualdade social. E é aí que a análise de discurso entra, justamente para expor


estes mecanismos de controle, permitindo a possibilidade de resistência;

- Grupos dominantes precisam ter recursos socialmente disponíveis para exercício


do poder. Os recursos são os bens socialmente valorizados, contudo, desigualmente
distribuídos. Por ter a base do poder via recursos sociais pode-se dizer em uma
forma de “controle social” justamente por tal poder. Grupos dominantes prezam pela
sua preservação, portanto, intencionalmente ou não impedem que grupos
dominados lhes tomem o poder – por isso a disseminação da ideologia dominante é
importante, bem como o controle total dos meios de produção discursivo;

- A ideologia é crucial para preservar ou exercer o poder, grupos dominados


precisam saber o que grupos dominantes desejam, suas preferências, intenções.
Para isso é preciso de uma comunicação direta. Então, grupos dominantes, por vias
discursivas, demonstram seus desejos, preferências e intenções aos grupos
dominados pela crença, normas ou nos valores culturais e na própria interpretação
das ações sociais dos dominadores. Daí que o poder e a dominância são
organizados e institucionalizados de forma a permitir um controle mais efetivo e
possibilitar formas rotineiras de reprodução de poder – a ideologia é transmitida e
aceita;

- O poder varia de campo e extensão, não é centralizado. Por exemplo, um agente


de poder exerce seu poder em diferentes domínios social – política, economia,
educação e etc. A ação deste tipo de poder restringi-se a um pequeno número de
pessoas ou amplia-se a uma classe ou grupos inteiros de pessoas.

Seguindo estas considerações acerca do poder conclui-se que:


A dominância não é feita exclusividade pela força como, por exemplo, da
polícia ou a reclusão da liberdade, mas, pode ser exercida por meio de um “controle
mental”. O acesso especial ao discurso e a comunicação públicos, e o controle
sobre eles, parte de um grupo dominante.
Grupos de poderosos com pleno controle sobre a produção de textos e falas
na sociedade podem usufruir destes poderes para influenciar mentes; de modo que
22

o conhecimento, as atitudes, as normas, os valores e as ideologias dos receptores


são afetados pelos interesses do grupo dominante.
É característica de nossa época a dominância (abuso de poder) nas
sociedades democráticas serem persuasivas e manipuladoras, que serem
coercitivas ou incentivadoras.
Ver-se que está em jogo aqui é a manipulação de modelos mentais de
eventos sociais através do uso de estruturas discursivas (jornais, propaganda, etc.).
É o leitor e o ouvinte tendo acesso a informações alternativas que pode resistir a
esta manipulação. (Van Dijk, 2010, p. 98).
23

7. PODER E ACESSO

Para compreensão maior sobre como a reprodução do poder e da dominância


ganham força, a explanação necessita analisar se há um acesso especial aos meios
de produção discursivos por parte de grupos dominantes.
É difícil imaginar que grupos poderosos, que têm domínio sobre recursos
sociais fundamentais, não tenham acesso especial aos meios de produção
discursivos. Pelo contrário, discurso é também um recurso social e, portanto, como
recurso pertence em grande parte domínio de grupos dominantes. Não obstante, o
acesso ao discurso é desigual, justamente porque ele é um recurso dominado que
configura poder. De fato nem todos tem acesso à mídia, à fala ou à escrita.
Então, alguns devem ter acesso parcial ao discurso, outros o acesso pleno,
todavia, quem são estes que têm acesso ao discurso, ou seja, “quem pode falar e
escrever para quem, sobre o que, quando e em que contexto, ou quem pode
participar desses eventos comunicativos nos mais variados papéis de ouvintes” (Van
Dijk, 2010, p.89). A verdade é de que quanto maior for o acesso, maior é, também, o
poder de quem pode acessar.
Logo, os grupos que têm acesso livre ao discurso e a comunicação são os
grupos dominantes detentores de poder. Pois, como visto, o próprio acesso especial
configura um indicativo do poder, poder de acessar5.
Para Van Dijk (2010) há padrões e estratégias que podem ser explicitados em
todos os domínios sociais, por exemplo:
- Na política, ministros têm acesso ao gabinete, parlamentares ao parlamento
e secretários e assessores embora tenham algum tipo de acesso na maior parte, em
gabinetes e parlamentos, limitam-se a seguir ordens e em anotações. Sem
considerar a população que nestes lugares o acesso ao discurso é nulo;
- Na educação, os professores controlam quem deve e quando falar, os
estudantes falam somente quando são convidados a falar; o acesso ao discurso a
eles é determinado pelo poder de acesso dos professores. Os estudantes só podem
voluntariamente falar ou serem obrigados a isso para responder testes. Os
estudantes são silenciados na maioria das reuniões escolares;

5
Van Dijk (2010, p. 91) explica que “o acesso tem que ser analisado em termos de tópicos ou
referentes do discurso, ou seja, sobre quem se escreve e/ou se fala.”
24

- No direito, especificamente em tribunais e audiências, o réu só fala quando é


convidado a falar, ou obrigado quando se refere à intimação ou interrogatório
policial;
- E consulta médicas, onde só se pode falar no lugar e horário escolhido e
apenas sobre dado assunto (doenças);
- Na mídia, quem tem acesso aos jornalistas, quem é entrevistado, citado e
descrito nas reportagens, e de quem serão as opiniões que irão influenciar o público.
É o acesso exclusivo à mídia que grupos dominantes podem ter controle sobre o
público. O acesso do grupo dominado se limita a mandar e-mails, receber convites,
ou simplesmente figuram como leitores e telespectadores – o acesso escasso da
minoria à mídia apresenta explicitamente uma dominação por parte de uma “elite
simbólica”;
- Nas empresas, as reuniões entre diretores são restrito à diretoria. Bem como
as decisões acerca do espaço trabalhista. Na interação patrão-empregado, o patrão
sempre tem o poder da fala e controla os horários para conversa, cabendo ao
empregado acatar suas exigências;
- Nas interações cotidianas, pessoas podem privilegiar, ou não, outras nas
conversações tendo como critério para isso o sexo, a idade, o conhecimento, a
beleza, a cor e etc. conjurando discriminação e dominação.
Assim, conclui Van Dijk (2010, p.91) “para cada domínio social, profissão,
organização ou situação podemos esboçar um esquema discursivo e comunicativo
de condições e estratégias de acesso para os vários grupos sociais envolvidos”.
Neste sentido, é pelo acesso que se pode perceber quem toma a iniciativa nos
eventos comunicativos e de qual maneira, sobre o que se deve falar, quando, onde,
por quanto tempo e com quem.
Não obstante, ter o poder de acesso a produção discursiva é, também,
controlar eventos comunicativos, isto é, especificamente “controlar dimensões
variadas do próprio discurso ou fala: qual modalidade de comunicação pode/deve
ser usada (fala, escrita), qual variedade linguística pode/deve ser usada e por quem
(língua padrão, dialeto, coloquial e etc.), quais gêneros do discurso são permitidos,
quais tipos de atos da fala, ou quem pode iniciar ou interromper turnos de fala ou
sequências discursivas.” (Van Dijk, 2010 P. 92).
Sem dúvida o controle do discurso e seu acesso permitem às elites a criação
de uma ordem discursiva a ser seguida, bem como regular seu acesso.
25

8. MANIPULAÇÃO

No início do trabalho elucidou-se a diferença entre discurso e texto com


propósito de especificar o objeto dos estudos críticos de discurso. Onde foi possível
enquadrar o discurso, diferente de texto, na concepção funcionalista do estudo da
linguagem em oposição aos estudos formalistas.
Depois, o trabalho tratou de explicar o discurso como prática social. Por certo
uma explicação motivada a apresentar a relevância do discurso na vida social dos
indivíduos. Para tanto se exaltou as características fundamentais do discurso que o
figuram a respeito de uma prática social historicamente situada e
representantemente ideológica.
Sendo o discurso uma ação social, logo, bastava saber qual sociedade é essa
onde ele age. Assim, a exposição deu espaço a uma pequena análise social. Análise
crucial para conhecimento dos grupos, organizações e instituições, bem como das
características dos atores sociais que juntos formam a realidade social e suas
relações. Conhecendo-se a sociedade que se conhece o contexto, e, por isso
mesmo, que o discurso é analisado no seu contexto de aparição – onde o local do
evento e o público presente dão ao analista uma pista de o porquê daquele discurso
ser pronunciado daquela forma e não de outra.
Viu-se, também, a relação de poder com discurso. Um poder que limita a
liberdade discursiva. Em seguida, o motivo pelo qual se limita a liberdade discursiva
é apresentado como poder em termos de controle. Um poder distribuído entre
grupos dominantes e de seus membros, cientes (ou às vezes não) de que a forma
mais eficaz de manipular mentes está ligada as relações discursivas – pilar central
das relações sociais.

Então, este capítulo tem o escopo de analisar a manipulação – um dos traços


mais marcante do abuso de poder – por via discursiva.
Já que este trabalho tem como alicerce os estudos críticos de Van Dijk não se
deve deixar de enfatizar que, diferente de outros analistas, este considera o estudo
crítico dentro de uma tríade analítica, a saber, discurso, cognição e sociedade.
Partindo deste pressuposto teórico-analítico, a manipulação será analisada porque é
uma forma de abuso de poder manifestada principalmente pelo discurso; por serem
os seres humanos os manipulados através da manipulação de suas mentes, uma
26

analise cognitiva pode esclarecer estes processos; e a analise social tem sua
pertinência por se tratar de interações sociais envolvidas com o poder,
especificamente, no caso, abuso de poder. (Van Dijk, 2010, p. 234).
Entretanto, o conceito de manipulação carece de analise para que nenhuma
dúvida fuja ao longo da exposição. E com esta intenção que Van Dijk faz uma
análise conceitual explicitando a manipulação nestes parâmetros:

A manipulação é uma prática comunicativa e interacional na qual um


manipulador exerce controle sobre outras pessoas, normalmente contra a
vontade e interesses delas [...] envolve não apenas poder, mas
especificamente abuso de poder, ou seja, dominação [...] implica o exercício
de uma forma de influência deslegitimada por meio do discurso: os
manipuladores fazem os outros acreditarem ou fazerem coisas que são do
interesse do manipulador, e contra os interesses dos manipulados [...] essa
influência ilegítima também pode ser exercida com imagens, fotos, filmes ou
outras mídias (Van Dijk, 2010, p. 234, p. 235).

Essencialmente, como é possível perceber, a manipulação age contra a


vontade e os interesses do manipulado. Aquele que manipula é também aquele que
detém poder, acesso sobre as mídias de massa e que, portanto, tem uma
dominância por sobre o discurso e a comunicação.
Um ponto que precisa ser enfatizado é a manipulação por meio de imagens,
fotos, filmes, novelas, músicas e tantas outras formas de expressão pela mídia, ou
seja, através de formas multimodais – onde além da escrita e da fala considera-se
outras formas de influenciar mentes. O trabalho publicitário hoje utiliza muito das
formas multimodais de expressão para influenciar pessoas, por exemplo,
propagandas de cerveja aludindo mulheres e futebol para influenciar homens ao
consumo, filmes e novelas reforçando valores de grupos dominadores e exaltando
produtos a serem consumidos ou ações a serem feitas, fotos e pinturas podem
prestigiar certos aspectos (ou pessoas) em detrimento de outros, propagandas
eleitorais tentam influenciar eleitores desesperadamente de todas as formas
possíveis, são tantas as possibilidades de influenciar pessoas que estudos críticos
têm um vasto campo de atuação.

8.1. Manipulação: Prática social ilegítima

As condições sociais de controle manipulador precisam ser formuladas em


termos de pertença de grupos, posição institucional, profissão, recursos simbólicos e
27

materiais. Nesta concepção social a manipulação insere-se nas relações entre: pai e
filho – o pai está em posição de poder e autoridade; professor (posição institucional)
e aluno; políticos e eleitores; jornalista e receptores; líderes religiosos e seguidores.
O tipo de manipulação social estudada aqui é definido em sentido de
dominação social e de sua reprodução em práticas cotidianas, incluindo o discurso.
Assim, o interesse é na manipulação entre grupos e seus membros do que na
manipulação pessoal ou individual de atores sociais.
Já está óbvio que para haver uma manipulação certos grupos devem exercer
controle sobre os meios de reprodução discursivos e comunicativos (mídias de
massa), resultando, no final, em acesso privilegiado a estes recursos. Vê-se aí um
ciclo que vai do controle de recursos sociais à manipulação e dela para o reforço do
controle por sobre os recursos, diz-se, então, um ciclo de “adestramento do ser
humano”. Pelo poder se controla, e pelo controle se reforça o poder.
Não é difícil, por certo, concluir que “a manipulação é uma das práticas
sociais discursivas de grupos dominantes que servem à reprodução do seu poder”
(Van Dijk, 2010, p. 237).
Sendo a manipulação uma forma ilegítima de uso da persuasão6, esta forma
legitima acaba servindo a grupos dominantes. Pois, algumas vezes, para validar o
poder sem que haja resistência, a persuasão é utilizada, mesmo para demonstrar
uma preocupação com o público e com uma suposta verdade; do contrário, grupos
dominantes seriam visados exclusivamente como manipuladores, dificultando o
exercício e reforço de seu poder.
É possível enquadrar a manipulação como uma prática social ilegítima,
porque ela transgride normas sociais gerais. E é ilegítima, sobretudo, por trazer a
desigualdade social numa sociedade democrática: “ela serve aos interesses dos
grupos dos poderosos e seus falantes, e fere os interesses dos grupos e falantes
menos poderosos” (Van Dijk, 2010, p. 239). Antes isto tem grandes consequências
sociais do que meramente uma relação entre manipulador e manipulado. Por
conseguinte, a manipulação é uma forma discursiva de reprodução de poder dos

6
A diferença entre manipulação e persuasão consiste que nesta os interlocutores são livres para
acreditar ou agir como desejarem, têm direito a escolher ou não os argumentos daquele quer
persuadir, já naquela os receptores cabem apenas no papel de passividade. Na manipulação não são
apresentadas as implicâncias reais em jogo para que seja feita uma escolha. (Van Dijk, 2010, p.235).
28

poderosos contra os interesses dos menos poderosos produzindo uma desigualdade


social.

8.2. Influência mental legítima e ilegítima: através da memória de curto prazo

Depois de analisar a manipulação socialmente a partir de grupos sociais e


instituições, cabe analisá-la partindo da cognição. Neste sentido que se pode falar
em manipulação de mentes, precisamente, de pessoas e suas crenças,
conhecimentos e ideologias. Porque, quem manipula as mentes, manipula também
as ações destas mentes.
É bem verdade que existem formas legitimas de influenciar mentes, por
exemplo, informar, ensinar e persuadir, sem dúvida formas de transformar opiniões,
conhecimentos e atitudes. Entretanto, não são estas as formas de influenciar mentes
que se trata a exposição e sim daquela ilegítima, a manipulação.
Van Dijk (2010, p.241) propõe para que seja feita uma distinção entre
controle da mente legitima e ilegítima, uma análise de como o discurso “afeta” a
mente. Expõe princípios básicos da análise cognitiva: o estudo da memória de curto
e longo prazo.
Segundo o linguista, todo discurso envolve o processamento da informação
na memória de curto prazo (MCP), o que resulta basicamente na compreensão de
palavras, orações, sentenças, enunciados e sinais não verbais. Ou seja, por
exemplo, é como se está memória se apegasse apenas em informações básicas
para emissão de um significado, de um conceito, sem que haja a necessidade de um
aprofundamento, bastando um olhar desatencioso, ou uma leitura
descompromissada.
Van Dijk (2010, p. 241) define este processo como “estratégico no sentido de
ser on-line, ser propositalmente direcionado, operar em vários níveis da estrutura do
discurso e ser hipotético”. E ressalva que a manipulação consiste no controle de
algumas dessas estratégias de compreensão do discurso.
Assim, escritos são articulados visando atrair atenção de seus leitores, por
exemplo, escritas em negrito, fontes chamativas, cores intensas, papeis com relevo,
mecanismos usados principalmente para fins publicitários. Na fala pode haver um
efeito contrário ao de chamar a atenção, falantes podem falar enrolado, rápido,
confuso, utilizar termos não muito convencionais, ou linguagem técnica (como
29

advogados, médicos, políticos, professores e etc.), tudo para prejudicar a


compreensão das pessoas, por exemplo, em justificativas públicas, de prestação de
serviço. Isto provavelmente irá prejudicar o ouvinte.
Com estas ações tenta-se, por assim dizer, burlar a MCP, apelando para
uma melhor representação e lembrança de uma parte discursiva do que de outra, ou
social de onde emergiram estes mecanismos. Mas especialmente essas formas de
destaque na fala e na escrita servem para tirar a atenção de ouvintes e leitores de
uma determinada coisa (ou informação) para outra.
São nestes aspectos que reside a distinção entre a legitimidade e a
ilegitimidade de influência mental. Van Dijk (2010, p. 242) sintetiza para melhor
entendimento que a manipulação reside “no fato de que, ao chamar a atenção para
a informação A em vez da informação B, o resultado da compreensão pode ser
parcial ou tendencioso [...] essa compreensão parcial ou incompleta serve aos
interesses de um poderoso grupo ou instituição, e é contrário aos interesses dos
grupos dominados”.
Legitimidade seria o direito dos receptores de serem adequadamente
informados.
Contudo, falta tratar da memória de longo prazo (MLP) como manipulação da
cognição social.

8.3. Manipulação através da memória de longo prazo

Manipular, como destacado antes, é influenciar pessoas a executarem ações


das quais elas desconhecem suas intenções, por estarem obscura ou ininteligível;
revertendo a influência em beneficio ao manipulador. Neste processo de
manipulação é utilizado todo ou qualquer meio de influencia disponível, dentre estes,
a memória de curto prazo – responsável pelos processos automáticos da
compreensão.
Mas fala-se aqui de uma forma de manipular especifica e por que não dizer
restrita, embora, importantíssima para o entendimento do processo cognitivo do
indivíduo acerca da manipulação. É preciso, então, estender a analise de processo
cognitivo do indivíduo para processo cognitivo de uma sociedade.
Antes de uma exposição nestes termos é imprescindível que se entenda o
que é a memória de longo prazo (MLP). Esta, como o nome já presume seu
30

significado, é a memória que retém mais informações tornando-as estáveis,


duradouras, portanto, ela é mais complexa que a MCP. À manipulação, serve para
uma influência prolongada, com resultados mais eficazes e substanciosos.
A MLP é aquela memória ligada ao conhecimento, à atitude, à ideologia, às
vivências, ou seja, ela define a subjetividade historicamente e ideologicamente. Só é
possível dizer quem se é devido a esta memória. Não obstante, quando se
representa algo vindo de nossa memória, esta representação, é chamada de
memória episódica. Sempre, num evento comunicativo, há a representação das
vivências de um “eu” locutor, que o torna único em termos histórico e ideológico,
para com outro “eu” interlocutor. (Van Dijk, 2010, p. 243).
A memória episódica que traz, por assim dizer, as representações mentais
pessoais à tona. Neste sentido, a memória episódica pode ser considerada como
modelos mentais específicos e estruturados nos seus próprios esquemas. Logo,
uma pessoa quando se comunica com outra faz uso de seus modelos mentais,
falará em nome de sua representação de mundo.
Van Dijk (2010, 244) destaca que a compreensão neste caso “é a construção
de modelos mentais na memória episódica, incluindo nossas próprias opiniões
pessoais e emoções, associadas a um evento sobre o qual nós ouvimos ou lemos”.
A compreensão não se limita a palavras, sentenças e discursos como proposto na
MCP, pelo contrário, vai além, é a base para novos conhecimentos, atitudes e
ideologias. Ele ainda conclui que mesmo sendo estes modelos mentais pessoais e
únicos pode-se considerar neles uma “instanciação” de conhecimentos ou crenças
gerais, socialmente compartilhados, que possibilitam a interação e a comunicação
social.
Dadas tais apresentações, resta agora mesclá-las à manipulação. E ela visa
principalmente à formação, à ativação e os usos de modelos mentais para sua
finalidade ilegítima de influenciar. Sobre isso Van Dijk (2010, p.244) retrata nestes
argumentos:

Se os manipuladores estão pretendendo que o receptor compreenda um


discurso como eles o veem, é crucial que o receptor forme os modelos
mentais que os manipuladores desejam, restringindo assim a liberdade de
interpretação desse receptor ou, aos menos, reduzindo a probabilidade de
que entenda o discurso contra os interesses dos manipuladores [...] a
estratégia é enfatizar discursivamente aquelas propriedades dos modelos
que são compatíveis com os nossos interesses [...] e, discursivamente,
desenfatizar aquelas propriedades que são incompatíveis.
31

Os manipuladores manipulam modelos mentais para que os manipulados


tenham uma visão de mundo compatível com os seus interesses. Assim, de acordo
com a citação, a estratégia é, por um lado, exaltar modelos mentais preferíveis e,
por outro, isolar e desprestigiar modelos mentais não compatíveis (lembrando que
modelos mentais é o conjunto de conhecimentos pessoais e socialmente
compartilhados, de vivências de uma pessoa que, portanto, as soma em ideologia e
as representam na vida social). Manipuladores podem tomar ações más como boas,
e boas como más, no caso, por exemplo, do militante Che Guevara que pode ser
caracterizado em diversos modelos mentais incompatíveis com interesses de grupos
dominadores; evidente que grupos dominadores, ao discursar, irão desprestigiar os
modelos mentais deste socialista, porque vai contra seus interesses, melhor
enfatizar suas ações ruins e desenfatizar suas ações boas.
Uma vez compreendido a memória episódica basta entender os processos
que levam a manipulação a um nível elevado de controle social. Van Dijk (2010, p.
246) fala em um tipo de manipulação mais influente do que a criação de modelos
mentais preferíveis, a saber, crenças mais gerais e abstratas, como conhecimentos,
atitudes e ideologias. Ele exemplifica a partir do interesse de um partido político que
visa aumentar a popularidade dentre seus eleitores, para isto sabem que é preciso
criar uma imagem que mude a atitude dos eleitores positivamente, pois uma atitude
geral socialmente compartilhada é melhor que uma atitude positiva individual. Assim
é sobre qualquer assunto na política e em qualquer outra área: escolhe-se um
assunto, este assunto é transmitido à sociedade como algo que precisa ser
erradicado, combatido e exterminado, então, busca-se mudar as crenças
socialmente compartilhadas sobre este assunto e neste processo será enfatizado o
lado positivo e o negativo, mas os benefícios e os malefícios devem estar de acordo
com os interesses daqueles que manipulam; se for a votação de uma lei, por
exemplo, que irá beneficiar ricos, os criadores de tal lei tentarão modificar ou formar
atitudes positivas nos contrários a ela, logo, o lado positivo dessa lei será enfatizado
para pobres como benefícios, mas no fim os maiores beneficiários serão os ricos.
Este tipo de manipulação “centraliza-se na formação ou modificação das
representações mais gerais, socialmente compartilhadas – tais como atitudes e
ideologias – sobre importantes questões sociais” (Van Dijk, 2010, p. 246).
32

Falando em termos de processo cognitivo de manipulação a MLP armazena


crenças compartilhadas socialmente de forma mais estável, permanente e geral do
que apenas os modelos mentais subjetivos. Todavia, os modelos mentais são
responsáveis tanto pela representação pessoal quanto social, pois há uma
interpretação das experiências a nível subjetivo e social ambos armazenados na
MLP.
Sobre isso Van Dijk (2010, p. 247) complementa que:

A maior parte da interação e do discurso é assim produzida e compreendida


em termos de modelos mentais que combinam crenças pessoais e sociais –
de forma que explicam tanto a singularidade de toda produção discursiva e
compreendida como a similaridade da nossa compreensão sobre um texto
[...] os modelos mentais são a interface necessária entre o social, o
compartilhado e o geral, bem como o pessoal, o singular e o específico no
discurso e na comunicação.

É assim que pessoas ao discursar expõem sua representação7 pessoal e


social no conteúdo deste discurso, tendo aí a base de sustentação ideológica.

Ainda a respeito de manipulação social, políticos podem encobrir a verdadeira


intenção de certas decisões ou acontecimentos sociais e justificar estas com outras
intenções que serão apresentadas para o público como álibi a outras finalidades. A
verdade fica encoberta por meias verdades, os pontos negativos são ocultados e os
positivos exaltados.
São nestas apresentações públicas que se encontram alguns tipos de
mecanismos cognitivos de manipulação social tais quais: proveito de eventos
emotivos, mensagens repetitivas e exploração de eventos; sempre apelando para a
MLP e esta manipulação pode envolver a própria base do conhecimento sócio-
cultural.
Mas como detectar e resistir a tal hegemonia manipuladora?
Segundo Van Dijk (2010, p.249) conhecer realmente o interesse dos
manipuladores e o conhecimento geral das estratégias de manipulação. Já os

7
Analistas de discurso analisam, considerando modelos mentais pessoais e sociais, estas
representações com intuito de saber qual a ideologia que está por trás de um discurso, quais grupos
sociais são representados e como; por exemplo, em discursos pode-se analisar representações
pessoais quando nestas está sendo apresentado fatos ocorridos em experiências da própria vida do
discursador, de contrapartida, este mesmo discurso pode contém explicitação de cunho de grupos
sociais, tais quais do machista, do racista, do comunista, do positivista dentre outros. É preciso
compreender a ideologia que está em jogo.
33

manipuladores tentarão de todas as formas impedir que conhecimentos gerais


relevantes e potencialmente críticos não sejam adquiridos, ou que seja permitido
somente a distribuição parcial, embora distorcida e prejudiciais (no caso, prejudicial
sobre quem busca saber).

Finalmente, a exposição tratou de apresentar que:

A dimensão cognitiva da manipulação envolve processos estratégicos de


compreensão que afetam o processamento na MCP, a formação de
modelos mentais preferenciais na memória episódica e [...] a formação ou
mudança de representações sociais, tais como conhecimento, atitudes,
ideologias, normas e valores. (Van Dijk, 2010, p. 251).

Uma vez que os grupos dominados tenham adotado as representações


sociais preferidas dos grupos dominantes, não será preciso manipulá-los
posteriormente. Pois provavelmente no futuro voltarão a acreditar e agir como os
manipuladores desejam, suas cognições e ideologias estão comprometidas.
Os modelos mentais sociais da elite serão reproduzidos, disseminados,
reforçados e assim adotados por um longo período caso não haja resistência.
34

9. CONCLUSÃO

Acredita-se que a exposição tenha atingido seu objetivo principal, a saber, o


abuso de poder manifestado via discursos. Tanto se crê no êxito desta exposição
que se chega a supor-la como um modo de resistência.
O entendimento por sobre os mecanismos de manipulação mental e social,
assim como uma ciência da dominância e de sua constante manutenção através de
uma dialética do controle – controlar para ter controle e controlar – são, como
elucidados pelos argumentos de Van Dijk, formas de resistir à hegemonia.
Obviamente este trabalho, sendo ele também um ato de resistência, é uma
singela introdução a estudos críticos de discurso, porquanto, sua complexidade
decorre além destes meros apontamentos. Por certo, a intenção da demonstração
não buscou esgotar o tema, pelo contrário, o interesse real centrou-se numa
tentativa de contribuir para uma compreensão realista das relações sociais
intermediadas pelo discurso e pelo poder. Contribuição que o autor julgar ter tido
sucesso em fornecer.
A contribuição à sociedade jamais pode cessar. Acadêmicos devem estar
engajados no propósito de livrar grupos dominados dos desígnios do abuso de
poder e sua dominância. Não adianta restringir o conhecimento em pequenos
grupos acadêmicos, é preciso dissolver estes conhecimentos em benefícios à
sociedade, sobretudo, a grande parte da população que sofre o peso da mentira e
da promessa. O conhecimento tem de ser levado às escolas, aos escritórios, às
indústrias, às praças, aos amigos, aos familiares, às conversas do dia-a-dia, a todo
espaço público onde haver interação social.
A importância do discurso deve ser discutida por todos em todo lugar. Pois,
enquanto grupos dominadores conhecem a riqueza e o poder do discurso, grupos
dominados perdem de vista esta importância, abrindo cada vez mais o horizonte da
dominância. Quanto maior a discussão pública sobre, maior será a resistência e,
consequentemente, menor será o controle mental e social.
35

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de Análise do Discurso: São


Paulo: Editora Contexto, 2008.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Unb, 2001.

PEDROSA, E. F. Análise de discurso crítica uma proposta para a análise crítica da


linguagem. Em: < http://www.filologia.org.br/ixcnlf/3/04.htm>. Acesso em: 26 de abril
2011.

RESENDE, V. M. Análise de discurso crítica e etnografia: o movimento nacional de


meninos e meninas de rua, sua crise e o protagonismo juvenil. 2008. 332 f. Tese
(Doutorado em Linguística)-Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em:<
http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/3624/1/2008_VivianeDeMeloResende.p
df >. Acesso em 2 de Maio de 2011.

RESENDE, V. M; RAMALHO, V. Análise de discurso Crítica. São Paulo: Editora


Contexto, 2009.

VAN DIJK, T. A. Discurso e Poder. São Paulo: Editora Contexto, 2010.

IASBECK, L. C. A. A administração da identidade: um estudo semiótico de


comunicação e da cultura nas organizações. 1997. Tese (Doutorado em
Comunicação)- Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1997.

MEDEIROS, F. D. Mafalda: uma análise textual. 2007. Tese (Mestrado em Letras) -


Universidade Federal, Rio Grande do Sul, 2007. Disponível em:
<http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos
_teses/LinguaEspanhola/Dissertacoes/4medeiros_mafalda.pdf> Acesso em 10 de
Abril de 2011.

VAN DIJK, T. A. <www.discourses.org/projects/cda/>. Acesso em: 10 de abril 2011.

You might also like