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CEARÁ-MIRIM, RN
2009
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CEARÁ - MIRIM, RN
2009
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BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________________
Prof. Esp. Antônio Sérgio Medeiros da Silveira – orientador
Universidade Estadual Vale do Acaraú – Ceará – Mirim/RN
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Prof. ESp. Adriana Lins Moreira de Medeiros – Orientadora
Universidade Estadual Vale do Acaraú – Ceará – Mirim/ RN
________________________________________________________________
Prof. Gustavo de Castro Praxedes – Convidado
Coordenador Pedagógico da Universidade Estadual Vale do Acaraú– Ceará–Mirim /RN
CEARÁ-MIRIM, RN
2009
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AGRADECIMENTOS
A minha família, sobretudo a minha mãe, meu pai que me deram o referencial de
família e amor desde a minha fase mais tenra da idade:
A minha esposa Denise que me ajudou e me compreendeu nos dias de aflição e nas
noites em claro para trabalhos acadêmicos. E minhas filhas por ser o combustível para
manter-me perseverante nesta jornada;
A meus irmãos que ajudaram a moldar meu caráter para procurar vencer sempre as
minhas batalhas de cabeça erguida foi a partir de suas lutas de vida, que conheci de
perto, que aprendi lições importantíssimas para vida;
A senhora Regina Maria Hunka Guerreiro e família pela paciência que teve durante
esses anos e pelo incentivo a minha formação acadêmica;
A meu orientador Antônio Sérgio Medeiros da Silveira que compartilhou comigo minha
jornada de realização do TCC, me orientando de forma simples e objetiva;
Aos demais professores que por nós passaram e contribuíram muito para nosso
conhecimento, sobretudo a Sergio Lopes, Iris, Socorro, Mônica, Clara, Helder, Bruna,
Sandra, Jean Cláudio e Adriana;
A Junior Monteiro amigo que esteve ao meu lado, e disponibilizou ajuda quando
preciso;
Aos meus amigos que me ajudaram a renovar as minhas esperanças e estiveram comigo
em meus momentos de luta, sobretudo nas socializações dos conhecimentos adquiridos
em cada jornada de nossa vida acadêmica;
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Jacques Le Goff
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RESUMO
ABSTRACT
This work is of historical research, discusses the issue of fishing lobster on the beach of
Muriú from a historical perspective, supported in oral sources, and sustained a vast
bibliographic cast and the‧oretical about the memory usage in history. This work aims
to establish hotlines and changes circles, taking as a point of departure the lobster
fishing in this community that not only caused a series of transformations
operationsboth fishery production in the lobster fishermen material life and residents of
your community, as a result we have a reorganization of individual and collective
memories in view of the new reality faced by the community. In this sense this work
comes to add in the lives of students in the community who have subsidies to study
some aspects of collective life, how the community produced their livelihood prior to
the introduction of lobster fishing, as well as various aspects of culture that circulated in
the community who also resides in mind only a few of the third age. Besides these
aspects of the community in which this work falls still in the contribution of minors,
which gathers in his speech to use oral and written sources in the lessons of history,
causing the city theme is in vogue in the classroom, and its students are covered with a
training that prioritize the construction of a critical and active, makes its own vision of
the world and dialogue with the temporalidades of the historic process of discipline.
Key – Words: local history ; memory; fishing lobster and Muriú beach.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................10
pescador..............................................................................................................40
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................54
REFERÊNCIAS.......................................................................................................56
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1. INTRODUÇÃO
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Segundo pesquisa realizada na Universidade federal de Pernambuco, usada como fonte, disponível em:
<http://www.sober.org.br/palestra/5/1162.pdf>, a lagosta desde 1953 tem uma grande
representatividade no mercado mundial, porém, nos cabe a temporalidade da década de 1960-80.
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técnicas para esse tipo de atividade devido não existir demanda para essa mercadoria até
então. A pesca da lagosta tem então seu apogeu até o inicio dos anos 1980 com grande
captura e comércio período em que já houve na comunidade mudanças de ordem
socioeconômicas.
Teremos a partir deste trabalho de pesquisa uma resignificação da importância
econômica e histórica de Muriú frente à história de Ceará – Mirim voltada basicamente
para a produção de cana de açúcar e as relações de poder entre senhor e escravos. Muriú
desde os primórdios tem uma importância impar para a cidade como saída para
evacuação da produção de açúcar dos engenhos e também ponto de desembarque, mais
precisamente em Porto Mirim como é mostrado no livro Oiteiro de Madalena Antunes2.
Que dizer dos veraneios dos senhores de engenho no século XIX. Porém, a história de
Muriú se resume a estas duas linhas na história oficial.
Este trabalho foi realizado com objetivo de identificar a partir da memória coletiva
e individual de moradores e pescadores, mudanças nas relações sociais e econômicas
decorrentes da grande captura e venda da lagosta, conseqüentemente do fluxo de capital
que de uma forma ou de outra conduz a uma modernidade, bem como a mudança na
vida material dos moradores. Para isso serão feitas entrevistas semi-estruturada do tipo
oral com perguntas pré-elaborada para delimitar o enfoque deste trabalho. Relacionado
às mudanças podemos inferir que as mudanças na forma de se relacionar com o
conjunto social e com o meio ambiente, muda com a introdução da pesca de forma
predatória e do comércio da lagosta; podemos afirmar hipoteticamente que muda o
imaginário dos pescadores e moradores locais frente ao sonho capitalista de consumo;
que a tradição local foi afetada pelo impulso capitalista crescente desejoso de obtenção
de lucro; veremos na pesquisa a reafirmação dessas hipóteses ou a desconstrução de
algumas delas.
Diante das mudanças ocorridas na comunidade faz-se necessário um resgate
histórico do período compreendido entre os anos de 1960 a 1980. A fim de fazer com
que não se perca o vínculo com o passado, resgatando a identidade social do morador da
comunidade para que se reconheça como peça formadora de uma história plural. Pois
de uma forma geral um contexto de mudanças sócio-econômicas por mais sucinta que
seja, decorre em aculturação.
2
Ver original de Magdalena Antunes, “Memórias de uma sinhazinha”.
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Neste trabalho de pesquisa em vista ser o primeiro feito com essa temática e,
sobretudo nesta localidade, se usará de entrevistas pré-elaboradas feitas com moradores,
pescadores da comunidade de Muriú, se valendo de fonte bem recorrida na história
cultural. Além das fontes orais o trabalho será subsidiado por fontes como recorte de
jornais e artigos. O referencial teórico será subsidiado por autores que formulam no
nível teórico e dão embasamento a trabalhos sobre memória e história. Bem como o
respaldo teórico para se trabalhar com fontes orais.
Começaremos o primeiro capitulo discursando com um breve relato sobre a
historiografia, da divisão tradicional entre história/pré-história, adiante passando pelo
positivismo de Conte e materialismo histórico de Marx aos Annales de Febvre e Marc
Bloch. Logo em seguida traremos um diálogo enfocando o papel da memória na
formação da história.
Com os subtópicos deste trabalho tentaremos entender o papel do mercado
mundial de lagosta na produção nacional deste crustáceo. A partir daí perceberemos a
influência desse mercado e produção se desdobrando no âmbito da comunidade de
pescadores em si. Em seguida trataremos de caracterizar uma Muriú do período antes da
lagosta por volta da década de 50 e inicio de 60 do século XX. Neste sentido trataremos
da questão das mudanças ocorridas desde o material de pesca, a novas palavras que irão
povoar o dicionário dos pescadores e moradores da comunidade. Dos saberes e divisões
que essa nova pratica vai provocar nas pessoas da comunidade. Em seguida passaremos
à relação de trabalho presente na atividade pesqueira seguindo uma “evolução” gradual
com inserção de instrumentos técnicas e como essa hierarquia vai mudando a partir
disso. Finalizaremos o trabalho com a intervenção pedagógica desse tema na escola da
comunidade embasado nos PCNs de história, Paulo Freire e Circe Bittencourt entre
outros.
Iremos discutir no âmbito da memória, respaldado nos pressupostos teóricos que
dão sentido ao trabalho no que se refere à memória na formação da história local e vice-
versa. A partir daí procuraremos entender o que se refere Le Goff, Halbwachs e Pollak
com relação à memória quais suas contribuições para entendermos o que é memória, os
tipos de memória e como a memória coletiva ou individual atuam na construção da
história local.
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colocado num segmento de espaço mais amplo não se torna aplicável. É nesse sentido
que se torna anacrônico. Por exemplo, no momento de expansão do comercio europeu,
entre outras causas pela busca de metais preciosos, chegam às terras que viria a ser a
América, os habitantes que aqui estavam não tinham desenvolvimento da escrita, assim
como muitos não trabalhavam ainda a metalurgia. Nesse sentido, enquanto a Europa
vivia a história a America vivia a pré-história, enquanto a Europa vivia a era moderna a
América vivia parte na “Idade da Pedra Lascada” e parte na “Idade dos Metais”. Porém
vale reafirmar é necessário saber que o tempo histórico em que se encontra o historiador
é fundamental na elaboração historiográfica. Nesse sentido Rodrigues afirma: “Nestas
idéias Hegel desenvolve a tese de que toda história é uma história presente”
(RODRIGUES 1978, p. 25). Ou seja, o historiador está condicionado ao seu tempo
mesmo refutando ao passado.
Durante o período medieval que ficou consagrado pelos iluministas de “Idade
das Trevas”, causando a dualidade TREVAS/LUZ, foi um período que ficou marcado
como período de retração da busca pelo conhecimento. O caráter de retrocesso pela
busca do conhecimento do homem pelo homem no período medievo se deve em grande
medida pelo controle exercido pela igreja católica que dizia o que poderia ser estudado
pelos monásticos ou copiado pelos monges copistas. Assim é necessário
compreendermos que a Idade Média não é um período homogêneo como nos faziam
crer as produções historiográficas tradicionais. É bom não esquecer que a Idade Média
não deve ser classificada como um período homogêneo, onde a igreja ditava normas e
os limites. É imprescindível perceber que, sobretudo a partir do século XI foi iniciada
uma nova fase na história medieval, a chamada “baixa idade média”, processo em que o
poder da igreja foi-se ficando menos influente e as perspectivas de uma sobrevivência
não ligada diretamente a terra faz com que a relação de suserania e vassalagem
perdessem espaço, diminuindo as relações servis e começando a surgir a relação ligada
pelo papel do mestre nas oficinas de arte e oficio no renascimento das cidades.
Diante da afirmação citada acima se percebe que a igreja ou o pensamento
defendido por seus seguidores influenciou decisivamente durante muito tempo na
produção historiográfica bem como na produção de outros saberes que subsidiam a
produção historiográfica, é prova disto o fato de a expressão pesquisa ser de origem
espanhola no período medievo, sendo a pesquisa imprescindível para a produção de
conhecimento ela tinha um caráter inquisidor, para encontrar prova de crimes.
Rodrigues (1978) traz a contribuição quanto à origem da palavra pesquisa:
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Dessa forma a história pelo víeis positivista está sempre ligada aos grandes
homens, de grandes acontecimentos. É uma história estática assim como difundido por
Augusto Comte que pregava sobre os movimentos dinâmico/estático, onde segundo ele
o movimento estático devia ser priorizado e era responsável pelo progresso, pois o
progresso segundo pensamento dele não deriva de revolução nem lutas e sim da pacífica
convivência social. Contrário aquilo que se percebe no pensamento de Karl Marx.
No sentido da história positivista tínhamos como fontes históricas um material
resumido haja vista a tentativa de produção de verdade histórica irrefutável. As fontes
4
Fragmento retirado de artigo de internet não apresenta paginação nem ano de publicação. A mesma
nota serve para as referencias dos mesmos autores (as) no correr do texto. Disponível em:
http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html; acessado em 05/01/2010.
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Percebemos essa linha de pensamento do marxismo a partir das idéias centrais das
obras de Karl Marx. Analisando o pensamento de Marx percebemos que para ele o
trabalho é a mola mestra que proporciona o desenvolvimento humano; a divisão social
do trabalho e a propriedade privada subordinam o trabalhador ao dono dos meios de
produção; a estrutura econômica da sociedade é classificada como infra-estrutura ou
base da mesma e as instituições jurídico- políticas constituem a chamada superestrutura;
a estrutura significativa da realidade com a qual o homem se defronta constituem a
totalidade histórica; o método dialético leva o indivíduo a rever o passado, analisar o
presente e lutar por um futuro. Assim na historia marxista é bem perceptível termos
ligados a economia como: mais-valia, salário, capital, meios de produção, força de
trabalho, proletário etc. A teoria de Karl Marx foi base para a Revolução Russa que pôs
os bolchevistas no poder na Rússia.
A Escola dos Annales que teve como precursores Marc Bloch e Lucien Febvre
trouxeram para o campo da historiografia novas perspectivas, alargando as
possibilidades de interpretações que não havia com outras correntes teóricas, saindo da
tradicional história política. Na chamada ecole dês annales, que tem origem da revista
“os anais da história econômica e social”, a tônica era aproximar outras áreas do
conhecimento a historia, para com essas contribuições suprir limitações na produção
historiográfica. Com a nova perspectiva da história dos annales passa-se a abordar a
história-problema trazendo consigo novos temas dentre eles: as mentalidades, cultura
economia, sociedade e a micro-história. Com novos temas passam a ser abordados
como fontes históricas de diferentes segmentos e tipos além da tradicional fonte escrita
oficial tradicionalmente cultivada. Portanto, a nova história privilegia a documentação
massiva mesmo que involuntária em relação aos documentos voluntários e oficiais.
Nesse sentido, os documentos são arqueológicos, iconográficos, fotográficos,
cinematográficos, numéricos, orais, enfim, de todo tipo. Todos os meios são tentados
para vencer as “lacunas e silêncios das fontes”.
Como na historiografia tradicional não permitia a interpretação, tinha que se ater a
reprodução cronológica dos fatos através de uma narrativa. Também segundo consta os
historiadores tradicionais positivistas não tinham a opção de escolher seu próprio tem
limitados pelo poder da epistemologia das ciências exatas, com olhar imparcial “sem
subjetividade” não poderia fazer juízo de direito, contrario a isso os historiadores dos
annales se colocavam fazendo escolhas e partindo não de um fato, mais levando a
campo “a historia problema”:
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5
Citação retirada de artigo de revista da internet, acessado em 10/01/2010 no site:
http://www.espacoacademico.com.br/056/56carvalhal.htm no mesmo não consta paginação.
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grupos que estão interligados no mesmo país, por exemplo, a memória individual de
vida vai sendo relegada, marginalizada. Isso em partes ocorre, pois os trabalhos
científicos levavam muito em conta a objetividade através de uma narrativa cronológica
baseada em documentos oficiais. Neste sentido a história local não se apresenta, ao
contrário ficamos no âmbito de uma história estereotipada com aparência de história
geral. Ora, toda história e lacunar dependendo do recorte que foi dado. A dinâmica entre
essas memórias relegadas e a memória coletiva, imposta na história oficial é o que
afirma que Michael Pollak:
Ao fim da análise sobre o que é história na teoria Jenkis (2004) afirma “a história
é teoria, a teoria é ideologia, e a ideologia é pura e simplesmente interesse material”
(JENKIS, 2004, p. 43). Com a afirmação de Jenkis percebemos quanto o meio em que o
historiador/pesquisador está inserido influência na produção historiográfica produzindo
além de relatos históricos ideologias aprisionadoras ou libertadoras, mas ideologias.
As ideologias comentadas acima estão presentes na prática historiográfica, pois o
historiador, faz isso pra viver, (JENKIS 2004, p. 43) afirma “[...] um desses tipos de
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história é a profissional, ou seja, a produzidas por historiadores que (em geral) são
assalariados e (no mais das vezes) trabalham com ensino superior, especialmente nas
universidades”. Assim a prática envolve o historiador pesquisador em situações que por
pressão política direta ou indireta o força a mudar sua abordagem ou a deixar de citar
certos nomes em determinadas circunstancias. A história como produção de
conhecimento e de identidade social ou individual é prejudicada ainda porque o
historiador é um ser humano e está sujeito a pressões de todos os lados, o historiador
sofre pressões da “família e/ou dos amigos [...] as pressões do local de trabalho [...] as
pressões das editoras [...]” (JENKIS 2004, p. 47-48). Essas pressões não interferem no
passado, mas no que foi escrito sobre o passado, pois o passado já aconteceu, e história
e passado não são a mesma coisa. Conclui-se então que para Jenkis história é na teoria o
como fazer a história, na prática esse saber fazer história é meio que confrontado pela
realidade das pressões vividas pelos historiadores.
Ainda podemos acrescentar que a história se refaz a partir de novas perguntas ou
problemáticas instituídas pelos historiadores. Neste sentido (MONTENEGRO 2003,
p.19) diz que: “A história enquanto representação do real se refaz se reformula, a partir
de novas perguntas realizadas pelo historiador ou mesmo da descoberta de outros
documentos ou fontes”.
Por muito tempo o uso da história oral foi descartado, pois consideravam as
entrevistas com relatos de popular pouco relevante, pois o caráter subjetivo das
entrevistas não era visto com bons olhos dentro das ciências, porém hoje diante de
tantas indicações de que a fonte oral é tão subjetiva quanto às fontes escritas que não há
tanta depreciação de um trabalho por se utilizar de entrevistas orais, do contrário, as
pesquisas que visam uma identidade de uma história local estão sempre pautadas na
história oral mesmo que adotando como fonte subsidiária os documentos escritos. Para
isso é necessário saber como encaminhar as entrevistas, utilizar ou entrevistas
estruturadas ou padronizadas, não estruturadas.
Uma das grandes vantagens de se utilizar de entrevistas para formação de fontes
é que ela é acessível a todas as parcelas da população não excluindo os analfabetos,
assim a análise do fato ocorrido em uma determinada localidade pode ser abordada pelo
historiador, privilegiando não só o discurso de quem sabe escrever, ou só da elite, pode
ouvir também os relatos de pessoas humildes, mas que tem seu ponto de vista com
relação aos fatos ocorridos a sua volta. Neste sentido é que a história local fica rica com
uma abrangência a todas as camadas de uma comunidade, cidade, estado e
particularizando acontecimentos que não ocorrem de forma igualitária em todos os
lugares do país e menos ainda do mundo. Quanto ao caráter subjetivo da história oral
podemos nos respaldar nas defesas de autores que afirmam serem os documentos orais
tão subjetivos quanto os escritos, e de fato o é. Se o historiador entrevistando uma
determinada testemunha de algum fato histórico, este pode na entrevista demonstrar seu
ponto de vista na sua narrativa. Da mesma forma um autor em um determinado tempo
histórico pode ser subjetivo em sua narrativa sobre um fato de acordo com a
interpretação que ele teve do fato ou um documento oficial pode conter informações
erradas se tornando também falho. Para M. Pollak o que deve ser feito tanto no uso de
fontes escritas quanto orais é a critica a fonte de forma correta, assim POLLAK afirma
quanto ao uso de fontes orais:
entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da fonte, tal como todo
historiador aprende a fazer, deve, a meu ver, ser aplicada a fontes de
tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente
comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e
qual ela se apresenta. (POLLAK, 1992, p. 08).
Da mesma forma Barros corrobora com o que foi dito por Pollak:
É necessário salientar que a memória é à base da história oral, por esse motivo
quando Pollak começa a se referir à história oral se refere em primeiro lugar à memória.
É a partir do que está na memória de tudo que foi vivido ou internalizado no convívio
com o grupo que os indivíduos constroem sua visão daquele fato ocorrido ou do que
está a sua volta. Também é necessário relembrar que mesmo a narração do vivenciado
fica a cargo de quem viveu o fato como contemporâneo, porém quem escolhe as
categorias marcantes dos discursos, quem analisa e dá sentido aos relatos de vida são os
historiados. Neste sentido temos a afirmativa de Alessandro Portelli citado por
Montenegro: “o controle do discurso histórico permanece firmemente nas mãos do
historiador”. (MONTENEGRO 2003, p. 21).
Se analisarmos o ponto de vista de Le Goff a respeito do que a memória
representa pra ele, podemos relacionar a importância da oralidade intencional ou não na
produção de memória, e a memória também na produção dessa oralidade. Passemos
então a visão de Le Goff apud Montenegro a respeito de memória:
Foi através da memória dos meus pais – e mais ainda pelo contato
com uma memória dos tempos da sua infância e da sua juventude que
sobrevivia nos caracteres, nas suas idéias, nos seus comportamentos
cotidianos – que se edificou em mim o sentido da duração, da
continuidade histórica e, ao mesmo tempo, das rupturas.
(MONTENEGRO, 2003. p. 18).
6
Citação retirada de artigo da internet, disponível em:
http://enfocaonline.com/index?ArgENID=1208788191. Acesso: 20/12/2009. Não consta paginação.
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Corroborando com o que foi dito pelo Ir. Francisquinho acima aparece também
nos relatos dos pescadores conhecidos como Luís Lapa, Raimundo Cabo e Manoel lapa
que pescaram na pescaria de curral, divergindo apenas quanto qual curral era de quem,
mesmo assim os nomes dos donos coincidem. Afirma Raimundo cabo:
O currá daqui era de dona Noêmi ficava ali quase de frente o posto de
saúde [...] a pesca era feita por cinco home, eu, um tio meu, Lulu que
você conhece, Damdão e João de Delso. O ganho da pesca era vinte
por cento, se ganhava cem conto, vinte era pros pescadores e oitenta
era pro dono [...] Nessa época a moeda era mireis. ( RAIMUNDO
CABO 20108).
Sobre a técnica de pesca empregada nos currais de peixe nos fala o Ir Luís Lapa,
sem divergir do que já nos havia falado Raimundo Cabo e Francisquinho:
A corrida do anel9 não fazia mais parte da rotina dessa comunidade na década de
1960, só está ainda presente na memória de alguns pescadores e moradores mais
antigos. Porém quase sendo desprezadas pela memória que segundo o pensamento de
Hobsbawn é seletiva. Frente às novas diversidades da vida necessitam de outras
informações em evidencia na sua mente e estas já não mais requeridas pelo cotidiano
acaba por se perder no tempo. Sobre “a corrida do anel” as informações formavam uma
cocha de retalhos que não divergiam mais se completavam. A começar pelo nome
segundo relatos esta tradição se chamava “tirar memória”, consistia em conduzir a
aliança da noiva do local do casamento até a casa da noiva. Segundo o Sr Raimundo
7
Fragmento retirado de entrevista com Francisco Pereira Leite concedida no dia 06/01/2010. A nota é
extensiva as citações que constem Ir. Francisquinho (2010).
8
Citação retirada de entrevista com o senhor Raimundo Nonato do nascimento no dia 15/01/2010, a
nota é extensiva a todas as citações do mesmo entrevistado identificado como Raimundo cabo 2010.
9
No livro “Ceará – Mirim: tradição e engenho” do SEBRAE-RN, a autora Maria Elza Bezerra Cirne faz
referência a corrida do anel, na comunidade esta prática cultural era conhecida como “tirar memória”.
29
Ir. Eva reafirma o que foi dito por Ir. Erilda, e acrescenta: “era pouca gente não
tinha muita gente prá viajar”.
As propriedades eram posse segundo depoimentos bastava demarcar os terrenos
com piquetes que já seria dono, não precisando de escrituras nem cercas. Onde é hoje a
Rua Antônio Basílio, principal rua onde antes era o acesso não havia nenhuma
construção segundo Ir. Francisquinho:
Aqui onde é minha casa, a Rua Antônio Basílio não tinha nada era só
mato, fazia era medo por aqui de noite [...] aqui não tinha dono num
precisava nem cercar era só colocar uma marcação e pronto dizia
daqui pra acolá é meu e ninguém mexia. (Ir. FRANCISQUINHO
2010).
10
A expressão “tirar memória” memória é utilizado pelos moradores de Muriú para designar o que Cirne
(2005) chamou “a corrida do anel”.
11
Fragmento do depoimento extraído com entrevista com Erilda Severina, em 04/01/2010. A nota é
extensiva às citações identificadas como Ir. Erilda 2010.
30
Aqui quem tinha uma casa boa era de taipa, quase todas as casas eram
de palha. Até os veranistas quando vinha pra cá ficava em casa de
palha. Alguns com chão de terra batido. Quando um tinha uma
condição melhó, fazia uma casa de taipa rebocada, com uns paus
grosso assim. (Ir. EVA201012).
Os depoimentos de Basto, Dr. Roberto Furtado, Ir. Erilda entre outros, apontam
para o mesmo tipo de habitação, com todas as características mencionadas acima.
Pelo fato de existirem poucos moradores o cotidiano era mais pacato e os
indivíduos eram solidarias umas as outras e se ajudavam onde o convívio com as
pessoas de fora era bastante pacifico, em geral os que vinham de Ceará-Mirim e, que
tinha em Muriú sua área de veraneio na época quente de verão.
A economia de Muriú naquela época era baseada na pesca do peixe, tendo como
principal instrumento de pesca as jangadas feitas de cortiça, a linha de mão e
tresmalhos. Muriú desenvolvia ainda uma agricultura rudimentar com plantio de feijão e
milho e roças. A atividade de agricultura era complementar a de pesca, onde alguns
pescadores revezavam entre pesca e agricultura, enquanto outros lidavam apenas com as
roças ou com a pesca. O comercio era bastante incipiente em virtude de o baixo poder
aquisitivo das pessoas. Segundo relatos transcritos da entrevista feita com Erilda ela
salienta que a forma de comercializar os produtos naquele tempo era diferente do que se
tem hoje:
As coisas era tudo mais difícil, agente não comprava as coisas como
hoje, quilo de açúcar, pacote de café, quilo de arroz. Comprava uma
quarta de farinha, uma medida de arroz, carne agente comprava em
torno de duas vezes por mês, não tinha nem geladeira pra conservar
direito. Não tinhas nem energia elétrica, quanto mais geladeira. ( Ir.
ERILDA 2010).
12
Fragmento de entrevista concedida por Eva Ferreira de Souza Coelho no dia 15/01/2010. É
extensiva às citações identificadas com Ir. Eva 2010.
31
[...] aqui não tinha energia elétrica né [...] as brincadeiras era clareada
com umas latas de leite ninho, agente furava a tampa e colocava um
pavio bem grande e ai dava pra clariá, ai agente brincava [...] só tinha
energia elétrica no verão se colocava um motor a óleo que iluminava,
mais quando dava dez hora ele desligava [...] na festa de São Benedito
ele colocava umas lâmpadas iluminando a praça ali. Nesses dias ia até
mais tarde o motor ligado. (Ir. FRANCISQUINHO 2010).
Nos dizeres de Ir. Erilda também aparece o fator coletivo da comunidade daquele
tempo sem estes recursos eletrônicos. A roda de pessoas para contemplar o programa de
rádio tanto demonstra uma coletividade quanto, uma padronização de informações
através do único veículo de comunicação de massas da comunidade segundo ela:
Os homens vinham à tarde lá pra perto da pracinha ali perto da igreja
pra ouvi os homens dentro do rádio, por que só tinha rádio parece que
só um [...] aqui só tinha energia quando chegava o verão lá pros
veranistas, eles ligavam o motor ai tinha energia, ligava geladeira
televisão e tudo [...]. (Ir. ERILDA 2010).
No âmbito das celebrações culturais tínhamos em Muriú, como ainda hoje temos a
festa do padroeiro São Benedito, naquele tempo a festa tinha duração de dois dias,
ocasião onde ocorriam os leilões tradicionais em qualquer festa de padroeiro Brasil
afora. Cabe ressaltar que essa festa de caráter religioso que atravessa tanto tempo e
expressa a fé dos moradores na ajuda divina, as preces a São Benedito por um bom ano
de pesca é fundamental para manter viva a esperança por uma vida melhor. Temos no
depoimento obtido na entrevista com Dr. Roberto Furtado que veraneia há quase oitenta
anos na praia de Muriú, seu pai já usava a praia como área de veraneio assim como os
barões da oligarquia dos engenhos ceará-mirinenses, quando fala sobre a festa do
padroeiro em entrevista do dia 02/01/2010:
A naquele tempo era o palhaço andando mesmo pela rua pra anunciar
que iria ter espetáculo. A noite agente ia pro circo pra ver o palhaço
falando pornografia [...] o circo não tinha nem banco, agente é que
levava o nosso tamborete pra assistir o espetáculo [...] era todo mundo
misturado não tinha essa de rico e pobre não, não, era veranista e
nativo tudo igual. (ROBERTO FURTADO 2010).
De acordo com a Ir. Eva além das danças folclóricas boi de reis, chegança, as
danças de roda, a congada e o fandango também faziam parte do cenário folclórico da
comunidade. Praticamente todos esses eventos folclóricos se davam em consonância
com a festa do padroeiro, ou esporadicamente, com exceção das danças de roda que
faziam parte da noite dos moradores de Muriú daquela época além de “to no poço”,
“Remaninha”.
O que girava ainda em torno da festa era a costura de roupa quase que
exclusivamente para a festa do padroeiro. Segundo Ir. Eva as mulheres nesse período
compravam tecido para fazer roupas de cama, cortinas e roupas para a festa do
padroeiro. Os casamentos e batizados realizados também nesse período compunham a
festa no domingo pela manhã. Estes casamentos e batizados constituíam mais demanda
13
Fragmento de depoimento obtido através de entrevista concedida por Dr. Roberto Furtado em
02/01/2010. É extensivo às citações que constem a identificação Dr. Roberto Furtado 2010.
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para as duas únicas costureiras daquele período para fazerem vestidos para as
respectivas cerimônias.
Diante dos relatos históricos dos moradores podemos caracterizar Muriú até a
década de 60, como uma pequena aldeia de pescadores, com poucas relações comerciais
à base de dinheiro, com predominância para pesca, sobretudo artesanais, porém com
uma agricultura subsidiária. Não existia nesse período pesca da lagosta, relatos mostram
que esse tipo de crustáceo era capturado de forma acidental no anzol com linha de mão,
não tinha valor comercial, sendo muitas vezes doada. Uma pratica cultural característica
da região praieira, com apresentações de Boi de Reis, Pastoril, fandango e chegança.
Com patrimônio arquitetônico bastante humilde mesmo nas casas de veranistas, que se
constituía de moradores de Ceará – Mirim. Com um caráter comunitário onde as
pessoas se ajudavam, se respeitavam se cumprimentavam na rua, tempo em que a
sobrevivência era difícil, porem o convívio social era prazeroso.
3.1 A pesca da lagosta: do panorama mundial ao nacional.
A produção e comércio da lagosta no mundo se dão de forma significativa desde
a década de 1950, onde Canadá e EUA são os maiores produtores. Dos tipos de lagostas
mais comuns na comercialização são duas as mais freqüentes de acordo com estes
mesmos dados, historicamente, percebe-se que este mercado é dominado pelas lagostas
de pinça e as espinhosas, liderando as lagostas de pinça. Já a lagosta capturada na costa
brasileira compreende dois gêneros segundo (BURMANN, 2002)14 “a lagosta vermelha
(Panulirus Argus) e lagosta verde (P. Laevicauda)”. No ranking da produção de lagosta
o Brasil até 2003 ocupa a sexta posição em importância na produção de lagosta. No
comércio da lagosta tanto na importação quanto na exportação mundial é liderada pelos
EUA, seguido do mercado chinês e o canadense. Esses mercados consumidores
impulsionaram a produção de lagosta em diversos países inclusive o Brasil na década de
1960. No Brasil a exploração de lagosta começa por volta de 1953. A pesca da lagosta
abrange do estado do Pará ao Nordeste brasileiro. No Ceará se evidencia a pesca da
lagosta desde 1955, porém de forma artesanal, a partir de 1960 essa atividade se fixa
com a produção industrial de lagosta, com a introdução de grandes embarcações
consideradas de grande porte, com instrumentos de refrigeração e equipamentos de
pesca:
14
Retirado de artigo de internet, disponível em http://burmannblog.blogspot.com/2008/11/proibida-
pesca-da-lagosta-no-litoral.html. Acessado no dia 03/12/2009. Não consta paginação.
34
A lagosta por seu alto valor já foi pivô de desentendimentos entre Brasil e França na
década de 1960, na chamada “guerra da lagosta”. A frança com seus armadores de pesca
bem equipado pescando na costa brasileira, o governo brasileiro e pescadores se
opuseram reivindicando a França que ordenasse a seus armadores que parasse a
exploração ilegal. A França reivindica que o Brasil desse os privilégios para ela na
exploração, ainda era contrária a comercialização como importação brasileira:
15
Retirado de artigo eletrônico disponível em: http://www.sober.org.br/palestra/5/1162.pdf
16
Fragmento de artigo retirado da internet disponível em
http://WWW.sober.org.br/palestra15/1162.pdf_23 acesso em 02/12/09
35
17
Artigo retirado de internet disponível em
HTTP://www.memorialpernambuco.com.br/memorial/117historia/guerradalagosta1.htm, acessado em
02/12/09 as 15h24minh.
36
Não, ainda não, antes de começar não usava não. Às vezes por acaso
eles pegava uma lagosta, duas, três no Maximo com anzol. Sem valor
era utilizada pra pessoa se alimenta, o pescador cozinhava e levava pra
casa pra comer. [...] começou em 1960, e era pescada com um aro,
como uma argola, tinha uns que chamava landuá, outros chamava
pitimbóia, outros chamava pulsar e era tudo a mesma coisa qualquer
um desses três nomes[...]. (BASTO19 2010).
18
Fragmento de cancioneiro retirado de revista eletrônica jangada Brasil, não contém paginação.
19
Fragmento de entrevista Com Sebastião Clemente, no dia 15/01/2010. A nota é extensiva a outras
citações no decorrer do trabalho que sejam identificadas como Basto 2010.
37
o covo e posteriormente a pesca com mergulho. Essas técnicas têm suas disparidades
entre si e principalmente em relação às técnicas de pesca já utilizadas há tempos na
praia de Muriú. Dessas técnicas a que trouxe mais problemas a adaptação dos
pescadores foi o mergulho, mas retornaremos a ele posteriormente.
A partir do momento em que se evidencia a grande quantidade de lagosta nas
proximidades de Muriú e as empresas se instalam, começam as mudanças a começar
pela embarcação que antes eram todas a pano20, como as jangadas de cortiça. As
embarcações a pano que chegam por parte das empresas eram feitas de madeira, as
outras embarcações eram botes a motor geralmente de pequeno ou médio porte, ou seja,
medindo até doze metros de comprimento. Neste sentido o pescador além de se deparar
com outras técnicas de pesca também teve de reformular seu dicionário. Ele antes estava
habituado com palavras como: escota, estais, vela, trancas, contra escota, passou a falar
em motor a óleo, pifar, bateria, gelo, nível de óleo, acelerador, (Hélio Galvão apud,
SOBRAL, 2009).
Podemos identificar esses pontos de modificações na comunidade pesqueira como
modernização, a modernidade é vista de formas variadas por diferentes pensadores, se
nós vemos à modernidade pelo pensamento durkheimiano concebemos um período de
grandes turbulências e transformações, se analisarmos pela perspectiva do pensamento
weberiano tem-se uma perspectiva pessimista, nesta linha de pensamento a
modernidade é vista um mundo paradoxal onde o progresso material se da à custa da
burocracia que esmaga a criatividade individual. Durkheim assim como Marx via os
benefícios trazidos pelo progresso como gratificante e esses benefícios superavam as
características negativas da modernidade.
Em Muriú o progresso trazido pela modernidade é de significativa relevância do
ponto de vista material na vida de seus habitantes que a partir da exploração da lagosta
puderam adquirir diversos bens duráveis, bem como uma melhor qualidade de
alimentação. Nos discursos dos moradores é notória essa visão de melhoria da vida
material como nos mostra parte do depoimento de Raimundo E. Sales conhecido na
comunidade como José de Vicente em entrevista dia 26/12/2009:
Rapaz pra sobrevivência ficou muito melhor depois da lagosta, as
pessoas poderiam comprar as coisas né, compra uma casa, comprar
comida tudo. Mais a relação com as pessoas dentro da comunidade
depois da lagosta teve mudança pra pior, ficaram desunido, não se
20
Embarcação à vela que tem como vetor o vento, essas embarcações são características de colônias de
pescadores bastante simples.
38
Para Basto quanto para José de Vicente os benefícios trazidos pela lagosta
formam muitos, porém diverge com relação ao convívio com os outros dentro da
comunidade. Para José de Vicente as melhorias nas condições de vida foram seguidas
de maus relacionamentos entre moradores. Basto concebe que as coisas só mudaram pra
melhor.
Olhe agente vivia aqui numa relação muito boa. Antes da pesca da
lagosta como os pescadores não sabia quanto valia a lagosta muitas
vezes eles davam de presente, também agente ajudava eles quando era
preciso, cansei de acabando de chegar de Natal tinha um aqui pedindo
socorro. Lá eu ia prestar socorro, quando ia ganhar neném levava e
39
trazia a mãe. Ai eles davam os filhos pra gente ser padrinho, eu tenho
muito afilhado aqui, to cansado de parar aqui as peladas de futebol na
praia enquanto passava porque os meninos vinham me dar à bênção.
Depois da pesca da lagosta esses mundos ficaram mais afastados, não
existe mais isso de dar lagosta, agora eles se pegam querem logo
vender, digo com certeza que a relação antes era bem melhor. (Dr.
ROBERTO FURTADO 2010)
21
Forma de adiantamento de dinheiro dos atravessadores ou donos de botes, quando não há pesca.
40
Essa leis de fiscalização começaram acho que por volta de 1975, com
a SUDEP, era só a SUDEP, não tenho dia determinado não só sei que
foi com a SUDEP [...] não, não existia isso da empresa pagar defeso
não, o que acontecia era que eles faziam vale. No período que não
pescava ia pedia um vale, mais não era uma lei não. (BASTO 2010).
22
Fragmento de artigo da internet, disponível no site: http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp
acessado em 02/12/2009.
41
Essa condição de não pensar no futuro é constatado por todos que foram
entrevistados, isso pode estar ligado às mentalidades desses pescadores que havia saído
há pouco tempo de uma modalidade de produção onde o fruto era pouco lucro. Diante
da nova situação ele não está ainda adaptado a esse pensamento capitalista tão pesado.
Segundo o pensamento de Duby o mental muda mais lento que o social, sendo assim
essas pessoas passaram por mudanças econômico – social porém suas mentalidades
ficaram a de tempos a traz.
23
Citação extraída de entrevista com Francisco Ferreira Galdino no dia 18/12/2009. A nota é extensiva a
outras citações do mesmo entrevistado identificado como Feló 2009.
42
Outro depoimento que demonstra a falta de preocupação com o futuro foi o do Dr.
Roberto Furtado, onde ele fala de pescadores que após ganhar dinheiro não voltava no
outro dia para trabalhar, só voltava quando o dinheiro acabava demonstrando a falta de
preocupação com seu futuro:
Tem outra coisa viu, o pescador é indolente, ele chegava fazia conta
recebia o dinheiro e sumia. Ia tomar cachaça, se encontrar com
mulheres, só voltava quando não tinha mais dinheiro. Ai chegava por
ali e dizia eu não vim pescar porque o vento estava ruim ai não dava
pra pescar. Ou então dizia que tava doente sendo mentira. (ROBERTO
FURTADO 2010).
Basto afirma que esse pensamento está ligado ao fato de na época os pescadores
confiarem que indo pescar traria lagosta e também por conta de sua mentalidade. Para o
pescador isso não era uma variável era uma constante, devido à grande quantidade de
lagosta que havia no estoque natural. Há relatos de que na época saiam caminhões de
cabeças de lagosta das empresas para serem jogadas fora. Ora se pega em um dia uma
quantidade de lagosta que chega a encher um caminhão só com as cabeças das lagostas
como imaginar que acabaria? Assim Basto afirma:
Voltemos então para questão das mudanças nos equipamentos de pesca e o que
essas mudanças acarretaram na comunidade. Já falamos da pesca acidental, quando não
se tinha nenhuma técnica de captura da lagosta. Logo após começam a vir às empresas,
mesmo assim a pesca era feita de forma artesanal com embarcações sendo as jangadas
de taboa, onde nessas embarcações pescavam em media dois a três pescadores com o
principal instrumento sendo o landuá ou pitimbóia, nesse período quem tivesse
conhecimento pra navegar poderia pleitear uma vaga para pescar nas jangadas das
empresas. Com a empresa Norte Pesca, surgem as embarcações que segundo os
pescadores mais velhos eram grandes começa a se introduzir a pescaria de covo, nessa
pescaria pescam em média três a quatro pescadores, sendo distribuída a sua hierarquia
da seguinte forma: mestre responsável pela navegação, deveria saber onde fundear os
43
covos bem como das marcações para quando fossem despescar; contra mestre auxiliava
o mestre e outros serviços de despesca; proeiro era responsável por puxar os covos
despescar e arriar novamente.
A pesca da lagosta com técnica de mergulho veio pra Muriú através de um fiscal
da SUDEP chamado Wilson Polier que começou com mergulho de cilindro de oxigênio.
Segundo Basto a pesca de mergulho com o compressor adaptado tem inicio em Caiçara
do Norte em 1973 pela pouca quantidade de covos eles mergulhavam na Urca da
Conceição e depois foi se espalhando pelo estado do Rio Grande do Norte. Na pescaria
de mergulho se pescam em um barco em media cinco pessoas, dois manguereiro, dois
mergulhadores e o mestre do barco. Nesse tipo de pescaria de mergulho se adapta um
botijão de gás a um compressor e o mergulhador recebe o ar por meio de uma
mangueira, esse ar compromete bastante o mergulhador, pois não é tem um bom nível
de oxigênio, outro fator que faz com que essa prática seja muito perigosa é fato de que
os mergulhadores não tinham nenhuma instrução de mergulho não sabiam dar a
chamada descompressão24o que acarretava vários acidentes deixando muitos pescadores
aleijados ou mortos.
Foi perguntado a todos os pescadores entrevistados se o dinheiro circulava por
aqui mesmo na comunidade, a resposta de todos foi positiva que o dinheiro circulava
por aqui, porém quando perguntados se sabiam quanto valia a lagosta lá fora todos
responderam que não fazia a menor idéia. O senhor José de Vicente quando perguntado
sobre o ganho do pescador e se ele ficava na comunidade respondeu:
O ganho era pouco se ganhava quinze por cento do lucro, mas parte do
dinheiro ficava aqui mesmo na comunidade [...] se sabia quanto
eles pagariam aqui mais agente não sabia qual o valor da lagosta
lá fora não. Aqui o dono da firma fazia as contas e pagava um
valor já estipulado por ele. (JOSÉ DE VICENTE 2009)
24
Processo de demorar bastante na subida para se adaptar a pressão atmosférica que é diferente no
fundo do mar e acima do mar.
44
Marx qualquer salário não paga o trabalho de um trabalhador, pois ele não conhece o
produto final de sua força de trabalho. Isso é completamente aplicável ao que ocorreu
em Muriú.
25
Autores de artigo sobre historiografia e ensino de historia na atualidade, com titulo “os antecedentes
historiográficos como base para o ensino de história atual”, não consta paginação ou ano de publicação.
45
Para que isso tome corpo como resultado esperado eficaz e eficiente é necessário
modificar não só a ação pedagógica em sala de aula, se faz também necessário inovar
nos materiais que subsidiam a apreensão ou construção do saber nas salas de aula,
saindo do tradicional quadro, giz e livro, que no caso brasileiro é uma vitória quando os
temos, e buscar subsídios diretamente na documentação que é utilizada para construção
historiográfica que se justifica frente o argumento explicitado por Circe Bittencourt:
pescador possa pescar, enquanto o pescador conta apenas com sua força de trabalho
para arriar os covos, as redes, os landuás, ou ter coragem de enfrentar os perigos do
fundo do mar no mergulho com compressores. O pescador sabe fazer, enquanto o dono
do bote possui o modo pelo qual pode vir a ser feito esse trabalho, ou seja, o meio de
produção.
Podemos também ter nesse trabalho uma forma de se abordar no sexto ano do
ensino fundamental o trabalho do historiador, a partir das fontes de história oral, como
uma forma de se compreender o processo de escrita da história, levando em conta as
mudanças na forma de se conceber o que são os documentos que subsidiam o trabalho
do historiador no processo de construção da história. Com o confronto de depoimentos
orais diferentes e analisando secundariamente os documentos escritos, levam-nos a
perceber de forma empírica a formação das diversas versões que se formam no entorno
de um mesmo fato, ou problemática.
Pode-se também fazer uso deste material subsidiando os alunos do nono ano
fazendo com que eles desconstruam a idéia de uma identidade nacional única como
pretendiam formar desde o período de independências, constituição da república até os
presidentes militares no período da ditadura militar, fazendo com que eles conhecessem
o contexto que vivia sua localidade em diferentes períodos, para que ele identifique a
formação de uma história plural, assim temos nas palavras de Ricardo Oriá que afirma
sobre a utilização de conteúdos que priorize a cultura a partir da memória no ensino –
aprendizagem no ensino de história é: “[...] a fim de estimular, nos alunos, o senso de
preservação da memória social coletiva, como condição indispensável à construção de
uma nova cidadania e identidade nacional plural”. (ORIÁ 2006, p. 128).
O conteúdo deste trabalho pode ser utilizado como fonte bibliográfica,
subsidiando o conhecimento nas aulas de economia do Rio Grande do Norte, no ensino
médio se falando de extrativismo, também para que ele perceba qual o ponto que
globaliza a sua localidade, o que tem em Muriú que a coloca no panorama global, neste
caso em primeiro foi a produção de lagosta. Na aula de cultura do RN os indícios de
praticas culturais locais seria uma boa opção para trabalhar a identidade e ligar essas
práticas a um contexto mais amplo a nível estadual e nacional, para que ele perceba
também suas semelhanças com o seu país e não só as diferenças.
Objetivamos com a utilização da temática local nas aulas de história que os alunos
consigam identificar as rupturas e permanências, consiga adquirir uma noção de tempo
histórico levando em conta os acontecimentos de curta, média e longa duração, consiga
48
informações para produção de sua visão de mundo. Outra opção é o convite de pessoas com
mais vivencia na comunidade para ser entrevistada pelos alunos, daí eles podem saciar suas
curiosidades logo após confrontar essas informações com outras bibliografias para legitimar
seus pontos de vista e hipóteses. Trazer a sala de aula instrumentos de pesca de diferentes
momentos para que ele possa refletir sobre as continuidades e rupturas no processo de pesca na
sua comunidade, relacionar essas mudanças com o progresso, a modernidade e os benefícios e
maléficos para a sua comunidade, o que permitira a ele uma criticidade maior no que diz
respeito à relação modernidade / qualidade de vida / sustentabilidade, que imprescindível para
continuidade de determinadas práticas na comunidade em que ele se insere.
Temos a partir deste trabalho uma forma de levarmos a dimensão do local para a
sala de aula, esta forma é a utilização de documentos em sala de aula. Porém, para
utilizarmos esse tipo de material de forma didática devemos em primeiro lugar
reconhecer uma diferença primordial entre o uso do documento pelo historiador na
pesquisa histórica e o uso do documento como material didático. Sabemos que o
historiador ao analisar os documentos tem um objetivo diferente do que o professor terá
em utilizá-lo em sala de aula, também que o historiador possui conhecimentos prévios a
respeito do assunto ao qual a documento faz referência, é a partir desse conhecimento
que ele vai encontrar as perguntas a fazer a seu documento, quando o documento é
indagado pelo historiador, quando ele começa a trabalhar com ele a fim de adquirir as
respostas necessárias a sua problemática o documento se constituirá em fonte histórica.
Desta forma, devemos nos preocupar em não estar forçando a barra, pensar que estamos
estimulando o ser critico e ao invés disto estamos tentando formar pequenos
historiadores. A esse respeito afirma Circe Bittencourt:
Essas dimensões mais complexas podem ser entendidas como as relações que os
alunos descobriram entre os seus conterrâneos e indivíduos de localidades tão distantes
e distintas que em sua mente não passou a hipótese de que houvesse relação alguma.
A proposta avaliativa deste trabalho deve ser feita de forma a priorizar os diversos
momentos da aprendizagem dos discentes, para tanto é necessário uma avaliação
continuada, tomando como referencia não só a prova ou os testes para a aptidão ou
inaptidão, para avançar ou ser retido em determinada série ou ciclo. É necessário saber
também que os alunos de uma forma quase geral no Brasil têm por habito a prática de
perguntas e respostas através de questionários, tanto nas atividades corriqueiras quanto
nas provas ou testes, a perpetuação desta prática tem feito com que cada vez mais os
alunos ficassem apáticos no processo de ensino aprendizagem, também decorre disso a
prática da cola, já que tem suas respostas previamente em seu caderno para copiar para
prova. Outra reivindicação muito freqüente nas salas de aula diz respeito a dois tipos de
avaliação, uma é a prova com consulta, que feita aos moldes correto é uma estratégia
que funciona significativamente, sobretudo nos estudos dirigidos, porém se feitos aos
moldes do que pretendem os alunos não avalia e ainda acostumam mal os alunos no
processo de decorar e colar.
No processo de avaliação não se deve fazer com que os discentes decorem todos
os conceitos acerca de rupturas/permanecias, continuidade/descontinuidade, os
conceitos de tempo histórico assim como o tempo de duração dos eventos históricos,
decorando os conceitos de eventos de curta, média e longa duração. O que se deve fazer
é que esses alunos possam identificar todos esses pontos em seu meio, as rupturas, as
continuidades, a duração de seus eventos compararem e compreendê-los para poder usá-
lo como sujeito do presente que pode propiciar um futuro mais concreto. Podemos
utilizar como critérios de avaliação pontos que sejam liames entre o ensino-
aprendizagem e a formação de um cidadão responsável e inquisidor, como se requisita
de um bom profissional posteriormente. Então, são critérios de avaliação para essa
proposta a assiduidade no transcorrer das aulas, boa comportamento nos momentos das
aulas, coerência na produção de textos ou na formulação de respostas discursivas a
respeito da temática abordada. Sempre ao fim das discussões fechando a abordagem de
53
cada assunto ou tema se lançara duas, no máximo três, perguntas para respostas
subjetivas e de interpretação do que foi debatido para que o aluno treine sua capacidade
de formulação de hipótese e construção de sua visão de mundo. Desta forma, não
trabalhamos com um saber inflexível decoreba e sim com um saber reflexivo e que se
reconstrói mediante a apresentação de informações e lhe instigando a analisá-lo de
forma crítica. A prova não será descartada, comporá a avaliação, mas, não será o peso
principal para atribuir nota. Assim o aluno não será prejudicado caso no dia da prova
tenha algum imprevisto pessoal, também evita que alunos mal intencionados percam
aula durante boa parte do bimestre e venha no dia da prova com a cola e adquira nota de
aprovação sem, no entanto, reunir conhecimentos e competências suficientes para estar
no nível posterior no outro ano.
54
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Marize Helena de; BARROSO JUNIOR, Reinaldo dos Santos; BEZERRA,
Bianca Joseh. Os antecedentes historiográficos como base para o ensino de história
atual. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ. Coletânea de textos:
Introdução aos Estudos Históricos. Natal: IBRAPES, 2007.
CIRNE, Maria Elza Ferreira. As praias de Ceará- Mirim. In: ALENCAR, Raimundo
Pereira Alencar [et. al.]. Ceará – Mirim: Tradição, engenho e arte. Natal:
SEBRAE/RN, 2005.
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