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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ


CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÒRIA

EDCLEITON ELES DA SILVA

HISTÓRIA LOCAL E MEMÓRIA: RESGATE HISTÓRICO DA


ATIVIDADE PESQUEIRA DA LAGOSTA NA PRAIA DE MURIÚ (1960-1980)

CEARÁ-MIRIM, RN
2009
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EDCLEITON ELES DA SILVA

HISTÓRIA LOCAL E MEMÓRIA: RESGATE HISTÓRICO DA


ATIVIDADE PESQUEIRA DA LAGOSTA NA PRAIA DE MURIÚ (1960-1980)

Monografia apresentada à universidade


Estadual Vale do Acaraú – UVA como
pré-requisito para a obtenção do título de
graduação em Licenciatura Plena do
curso de História.

Orientador: Prof. Esp. Antônio Sérgio


Medeiros da Silveira.

CEARÁ - MIRIM, RN
2009
3

EDCLEITON ELES DA SILVA

HISTÓRIA LOCAL E MEMÓRIA: RESGATE HISTÓRICO DA


ATIVIDADE PESQUEIRA DA LAGOSTA NA PRAIA DE MURIÚ (1960-1980)

Monografia apresentada à Universidade


Estadual Vale do Acaraú – UVA, como
requisito parcial para obtenção do título
de Licenciado em História.

Aprovado em: 18 de fevereiro de 2010

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________________
Prof. Esp. Antônio Sérgio Medeiros da Silveira – orientador
Universidade Estadual Vale do Acaraú – Ceará – Mirim/RN

________________________________________________________________
Prof. ESp. Adriana Lins Moreira de Medeiros – Orientadora
Universidade Estadual Vale do Acaraú – Ceará – Mirim/ RN

________________________________________________________________
Prof. Gustavo de Castro Praxedes – Convidado
Coordenador Pedagógico da Universidade Estadual Vale do Acaraú– Ceará–Mirim /RN

CEARÁ-MIRIM, RN
2009
4

Dedico este trabalho a todos que de maneira


direta ou indireta colaboraram para que
viesse a vencer todos os obstáculos que se
puseram a minha frente. Principalmente aos
meus pais Pedro Marciano e Terezinha Eles
da Silva, minha esposa Denise, minhas
filhas Evllin e Emilly.
5

AGRADECIMENTOS

A Deus, porque até aqui tem me ajudado de forma significativa a vencer as


adversidades da vida terrena;

A minha família, sobretudo a minha mãe, meu pai que me deram o referencial de
família e amor desde a minha fase mais tenra da idade:

A minha esposa Denise que me ajudou e me compreendeu nos dias de aflição e nas
noites em claro para trabalhos acadêmicos. E minhas filhas por ser o combustível para
manter-me perseverante nesta jornada;

A meus irmãos que ajudaram a moldar meu caráter para procurar vencer sempre as
minhas batalhas de cabeça erguida foi a partir de suas lutas de vida, que conheci de
perto, que aprendi lições importantíssimas para vida;

A todos os entrevistados que foram a peça fundamental do meu trabalho me dando as


peças para que pudesse montar esse quebra-cabeça que é o tempo histórico ao qual o
trabalho está situado;

A senhora Regina Maria Hunka Guerreiro e família pela paciência que teve durante
esses anos e pelo incentivo a minha formação acadêmica;

A meu orientador Antônio Sérgio Medeiros da Silveira que compartilhou comigo minha
jornada de realização do TCC, me orientando de forma simples e objetiva;

Aos demais professores que por nós passaram e contribuíram muito para nosso
conhecimento, sobretudo a Sergio Lopes, Iris, Socorro, Mônica, Clara, Helder, Bruna,
Sandra, Jean Cláudio e Adriana;

A Junior Monteiro amigo que esteve ao meu lado, e disponibilizou ajuda quando
preciso;

Aos meus amigos que me ajudaram a renovar as minhas esperanças e estiveram comigo
em meus momentos de luta, sobretudo nas socializações dos conhecimentos adquiridos
em cada jornada de nossa vida acadêmica;
6

“A memória é um elemento essencial do que


se costuma chamar identidade, individual ou
coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e das
sociedades de hoje, na febre e na angústia”

Jacques Le Goff
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RESUMO

O presente trabalho constitui-se de pesquisa histórica, aborda a questão da pesca da


lagosta na praia de Muriú a partir de uma perspectiva histórica, apoiada nas fontes orais,
e sustentada com um vasto elenco bibliográfico e teórico a cerca do uso da memória na
formação da história. Este trabalho tem por finalidade estabelecer os círculos de
permanências e mudanças, tomando como ponto de partida a pesca da lagosta que não
só nesta comunidade causou uma série de transformações tanto do modo de produção da
pesca da lagosta quanto na vida material dos pescadores e moradores de sua
comunidade, em conseqüência disso temos uma reorganização das memórias
individuais e coletiva em vista da nova realidade enfrentada pela comunidade. Neste
sentido este trabalho vem a acrescentar na vida dos estudantes da comunidade que terão
subsídios para estudar alguns aspectos da vida coletiva, da forma como a comunidade
produzia sua subsistência antes da introdução da pesca da lagosta, bem como vários
aspectos da cultura que circulava na comunidade que nos dias atuais só reside na mente
de alguns poucos da terceira idade. Alem desses aspectos da comunidade na qual este
trabalho se insere ainda temos neste a contribuição do ponto de vista pedagógico, que
reúne em sua intervenção a forma de utilização de fontes orais e escritas nas aulas de
história, fazendo com que o tema da localidade esteja em voga na sala de aula, e seus
alunos sejam contemplados com uma formação que priorize a construção de um ser
crítico e ativo, que formule sua própria visão de mundo e dialogue com as
temporalidades do processo histórico da disciplina.

Palavras – Chave: história local; memória; pesca da lagosta; praia de Muriú.


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ABSTRACT

This work is of historical research, discusses the issue of fishing lobster on the beach of
Muriú from a historical perspective, supported in oral sources, and sustained a vast
bibliographic cast and the‧oretical about the memory usage in history. This work aims
to establish hotlines and changes circles, taking as a point of departure the lobster
fishing in this community that not only caused a series of transformations
operationsboth fishery production in the lobster fishermen material life and residents of
your community, as a result we have a reorganization of individual and collective
memories in view of the new reality faced by the community. In this sense this work
comes to add in the lives of students in the community who have subsidies to study
some aspects of collective life, how the community produced their livelihood prior to
the introduction of lobster fishing, as well as various aspects of culture that circulated in
the community who also resides in mind only a few of the third age. Besides these
aspects of the community in which this work falls still in the contribution of minors,
which gathers in his speech to use oral and written sources in the lessons of history,
causing the city theme is in vogue in the classroom, and its students are covered with a
training that prioritize the construction of a critical and active, makes its own vision of
the world and dialogue with the temporalidades of the historic process of discipline.

Key – Words: local history ; memory; fishing lobster and Muriú beach.
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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..................................................................................................10

2. BREVE RELATO SOBRE HISTORIOGRAFIA.............................................13


2.1 A memória na formação da história local...........................................................19
2.2 História local e a memória..................................................................................23

3. A HISTÓRIA LOCAL EM MURIÚ: OS IDOS DE 1960, CONTEXTO


HISTÓRICO........................................................................................................27
3.1 A pesca da lagosta: do panorama mundial ao nacional......................................29
3.2 A exploração da lagosta em Muriú (1960-80)....................................................35
3.3 A chegada das empresas: a divisão do trabalho e o imaginário do

pescador..............................................................................................................40

4. A METODOLOGIA NO ENSINO DE HISTÓRIA.........................................44


4.1 História local e a sala de aula.............................................................................49
4.2 Proposta de avaliação.........................................................................................51

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................54

REFERÊNCIAS.......................................................................................................56
10

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho é componente curricular obrigatório do curso de


Licenciatura Especifica em História da Universidade Estadual vale do Acaraú – UVA.
A escolha do tema se justifica frente às mudanças ocorridas na comunidade de
pescadores que tinha suas atividades voltadas basicamente para a subsistência,
sobretudo a pesca do peixe com instrumentos artesanais como: tresmalhos, mangote,
linha de mão; embarcações como jangadas e catraias de pequeno porte movido
basicamente à força humana no caso da vara e remo, nos barcos com força motriz sendo
eólica no caso das embarcações a vela.
Frente à nova realidade que surge com a demanda desenfreada por lagosta na
década de 1960 do século XX, surge também o barco movido a motor capaz de ir mais
longe, técnicas de pesca introduzidas com novos instrumentos e mecanismos como:
pulsar landuá ou pitimbóia, covo e posteriormente mergulho com o compressor
adaptado que contribui para degradação do ecossistema marinho sem mencionar o risco
à vida do pescador.
Isso remete uma questão, Será que o pescador nativo com costume bastante
arraigado da pesca manual (artesanal) estaria preparado para essas mudanças? E a
comunidade de pescadores entendida no contexto da época como uma colônia de
pescadores, teve seu recurso natural explorado de forma a priorizar o desenvolvimento
sustentável? Os moradores e pescadores tiraram alguma vantagem real no que diz
respeito à ascensão social e econômica frente ao grande lucro advindo do comercio da
lagosta? São problemáticas que suscitaram na nossa pesquisa.
O recorte temporal faz relação ao período em que a pesca da lagosta é
introduzida bem como impulsionada pelo mercado internacional e local, ela é agregada
como uma mercadoria de alto valor econômico, passando assim a ter uma procura,
sobremaneira, grande na comunidade no período que data a partir de 1960 segundo
moradores locais. O recorte espacial justifica-se devido o recurso natural abundante na
época que era a lagosta, um crustáceo bastante valorizado. Também se justifica porque
Muriú entra no mercado mundial a partir do potencial pesqueiro deste crustáceo e pelo
aquecimento do mercado internacional de lagosta a partir da década de 19601. A pesca
da lagosta não ocorria na praia de Muriú antes do período de 1960, tão pouco tinha

1
Segundo pesquisa realizada na Universidade federal de Pernambuco, usada como fonte, disponível em:
<http://www.sober.org.br/palestra/5/1162.pdf>, a lagosta desde 1953 tem uma grande
representatividade no mercado mundial, porém, nos cabe a temporalidade da década de 1960-80.
11

técnicas para esse tipo de atividade devido não existir demanda para essa mercadoria até
então. A pesca da lagosta tem então seu apogeu até o inicio dos anos 1980 com grande
captura e comércio período em que já houve na comunidade mudanças de ordem
socioeconômicas.
Teremos a partir deste trabalho de pesquisa uma resignificação da importância
econômica e histórica de Muriú frente à história de Ceará – Mirim voltada basicamente
para a produção de cana de açúcar e as relações de poder entre senhor e escravos. Muriú
desde os primórdios tem uma importância impar para a cidade como saída para
evacuação da produção de açúcar dos engenhos e também ponto de desembarque, mais
precisamente em Porto Mirim como é mostrado no livro Oiteiro de Madalena Antunes2.
Que dizer dos veraneios dos senhores de engenho no século XIX. Porém, a história de
Muriú se resume a estas duas linhas na história oficial.
Este trabalho foi realizado com objetivo de identificar a partir da memória coletiva
e individual de moradores e pescadores, mudanças nas relações sociais e econômicas
decorrentes da grande captura e venda da lagosta, conseqüentemente do fluxo de capital
que de uma forma ou de outra conduz a uma modernidade, bem como a mudança na
vida material dos moradores. Para isso serão feitas entrevistas semi-estruturada do tipo
oral com perguntas pré-elaborada para delimitar o enfoque deste trabalho. Relacionado
às mudanças podemos inferir que as mudanças na forma de se relacionar com o
conjunto social e com o meio ambiente, muda com a introdução da pesca de forma
predatória e do comércio da lagosta; podemos afirmar hipoteticamente que muda o
imaginário dos pescadores e moradores locais frente ao sonho capitalista de consumo;
que a tradição local foi afetada pelo impulso capitalista crescente desejoso de obtenção
de lucro; veremos na pesquisa a reafirmação dessas hipóteses ou a desconstrução de
algumas delas.
Diante das mudanças ocorridas na comunidade faz-se necessário um resgate
histórico do período compreendido entre os anos de 1960 a 1980. A fim de fazer com
que não se perca o vínculo com o passado, resgatando a identidade social do morador da
comunidade para que se reconheça como peça formadora de uma história plural. Pois
de uma forma geral um contexto de mudanças sócio-econômicas por mais sucinta que
seja, decorre em aculturação.

2
Ver original de Magdalena Antunes, “Memórias de uma sinhazinha”.
12

Neste trabalho de pesquisa em vista ser o primeiro feito com essa temática e,
sobretudo nesta localidade, se usará de entrevistas pré-elaboradas feitas com moradores,
pescadores da comunidade de Muriú, se valendo de fonte bem recorrida na história
cultural. Além das fontes orais o trabalho será subsidiado por fontes como recorte de
jornais e artigos. O referencial teórico será subsidiado por autores que formulam no
nível teórico e dão embasamento a trabalhos sobre memória e história. Bem como o
respaldo teórico para se trabalhar com fontes orais.
Começaremos o primeiro capitulo discursando com um breve relato sobre a
historiografia, da divisão tradicional entre história/pré-história, adiante passando pelo
positivismo de Conte e materialismo histórico de Marx aos Annales de Febvre e Marc
Bloch. Logo em seguida traremos um diálogo enfocando o papel da memória na
formação da história.
Com os subtópicos deste trabalho tentaremos entender o papel do mercado
mundial de lagosta na produção nacional deste crustáceo. A partir daí perceberemos a
influência desse mercado e produção se desdobrando no âmbito da comunidade de
pescadores em si. Em seguida trataremos de caracterizar uma Muriú do período antes da
lagosta por volta da década de 50 e inicio de 60 do século XX. Neste sentido trataremos
da questão das mudanças ocorridas desde o material de pesca, a novas palavras que irão
povoar o dicionário dos pescadores e moradores da comunidade. Dos saberes e divisões
que essa nova pratica vai provocar nas pessoas da comunidade. Em seguida passaremos
à relação de trabalho presente na atividade pesqueira seguindo uma “evolução” gradual
com inserção de instrumentos técnicas e como essa hierarquia vai mudando a partir
disso. Finalizaremos o trabalho com a intervenção pedagógica desse tema na escola da
comunidade embasado nos PCNs de história, Paulo Freire e Circe Bittencourt entre
outros.
Iremos discutir no âmbito da memória, respaldado nos pressupostos teóricos que
dão sentido ao trabalho no que se refere à memória na formação da história local e vice-
versa. A partir daí procuraremos entender o que se refere Le Goff, Halbwachs e Pollak
com relação à memória quais suas contribuições para entendermos o que é memória, os
tipos de memória e como a memória coletiva ou individual atuam na construção da
história local.
13

2. BREVE RELATO SOBRE HISTORIOGRAFIA

A história em seu processo de investigação e produção de conhecimento vem


amadurecendo desde sempre num processo de reformulação contínua, sobre tudo em
suas correntes teóricas. Segundo o pensamento de Gisafran Mota Jucá a dinâmica da
história está na sua mutabilidade, ou seja, a capacidade de mutação da história a torna
em uma ciência não estática.
Desde o princípio quando talvez de forma inconsciente o homem começa por
marcar sua presença na história com pinturas rupestres e outras formas de representação
e expressão de seus sentimentos através da cultura até as formas de construção da
história hoje, assim como a forma de pensar e agir de quem constrói esse discurso
histórico vem sofrendo alterações:

[...] assim como as idéias e as maneiras e ser e de pensar foram


mudando ao longo do tempo, também a maneira de classificar e
interpretar a história sofreram consideráveis mutações, expressas
através de novas classificações do objeto e dos objetivos desse ramo
do conhecimento humano. (JUCÁ3, s,d. p.01).

Em uma primeira crítica a periodização da história tem as formas: pré-história e


história. A primeira representando os povos antigos que não possuíam uma forma de
representação escrita como o alfabeto. Desta forma, não tendo escrita não tem história.
Essa forma anacrônica de periodização da história é equivocada, pois os povos
primitivos mesmo sem alfabeto deixaram milhares de marcas, vestígios de sua forma de
viver, ou seja, de seu cotidiano. Os homens primitivos deixaram testemunhos de sua
maneira de viver e encarar a realidade cotidiana, conforme comprovam os achados
arqueológicos: restos de cerâmica, de armamentos primitivos ou mesmo partes de
esqueletos humanos.
De certo devemos ter em mente que naquele primeiro momento de construção
historiográfica os vestígios arqueológicos citados a cima não eram considerados fontes
históricas na construção do trabalho científico das humanas. Priorizavam-se fontes do
tipo documentos escritos oficiais. Outra justificativa para não julgarmos o uso dessa
periodização mesmo que anacrônica, é o fato de ter sido ela elaborada na Europa onde o
desenvolvimento da história para aqueles padrões de investigação demonstra certo
desenvolvimento retilíneo. Porém, essa forma de organização do tempo quando
3
Citação retirada de fotocopia do artigo “As correntes teóricas da história”, do doutor e professor
Gisafran Mota Jucá sem ano de publicação. A nota é valida para as demais citações do mesmo autor.
14

colocado num segmento de espaço mais amplo não se torna aplicável. É nesse sentido
que se torna anacrônico. Por exemplo, no momento de expansão do comercio europeu,
entre outras causas pela busca de metais preciosos, chegam às terras que viria a ser a
América, os habitantes que aqui estavam não tinham desenvolvimento da escrita, assim
como muitos não trabalhavam ainda a metalurgia. Nesse sentido, enquanto a Europa
vivia a história a America vivia a pré-história, enquanto a Europa vivia a era moderna a
América vivia parte na “Idade da Pedra Lascada” e parte na “Idade dos Metais”. Porém
vale reafirmar é necessário saber que o tempo histórico em que se encontra o historiador
é fundamental na elaboração historiográfica. Nesse sentido Rodrigues afirma: “Nestas
idéias Hegel desenvolve a tese de que toda história é uma história presente”
(RODRIGUES 1978, p. 25). Ou seja, o historiador está condicionado ao seu tempo
mesmo refutando ao passado.
Durante o período medieval que ficou consagrado pelos iluministas de “Idade
das Trevas”, causando a dualidade TREVAS/LUZ, foi um período que ficou marcado
como período de retração da busca pelo conhecimento. O caráter de retrocesso pela
busca do conhecimento do homem pelo homem no período medievo se deve em grande
medida pelo controle exercido pela igreja católica que dizia o que poderia ser estudado
pelos monásticos ou copiado pelos monges copistas. Assim é necessário
compreendermos que a Idade Média não é um período homogêneo como nos faziam
crer as produções historiográficas tradicionais. É bom não esquecer que a Idade Média
não deve ser classificada como um período homogêneo, onde a igreja ditava normas e
os limites. É imprescindível perceber que, sobretudo a partir do século XI foi iniciada
uma nova fase na história medieval, a chamada “baixa idade média”, processo em que o
poder da igreja foi-se ficando menos influente e as perspectivas de uma sobrevivência
não ligada diretamente a terra faz com que a relação de suserania e vassalagem
perdessem espaço, diminuindo as relações servis e começando a surgir a relação ligada
pelo papel do mestre nas oficinas de arte e oficio no renascimento das cidades.
Diante da afirmação citada acima se percebe que a igreja ou o pensamento
defendido por seus seguidores influenciou decisivamente durante muito tempo na
produção historiográfica bem como na produção de outros saberes que subsidiam a
produção historiográfica, é prova disto o fato de a expressão pesquisa ser de origem
espanhola no período medievo, sendo a pesquisa imprescindível para a produção de
conhecimento ela tinha um caráter inquisidor, para encontrar prova de crimes.
Rodrigues (1978) traz a contribuição quanto à origem da palavra pesquisa:
15

A expressão é de origem espanhola, significando uma modalidade da


atuação probatória no sistema processual medieval, com o fim de
obter provas verídicas sobre caso controvertido. O trabalho indagador-
inquisitio, pesqisia- se pratica por fieles exquisitores, ou pesquisadores
nomeados pelo próprio tribunal. (RODRIGUES 1978, p. 21)

Do ofício do inquisidor em sua pesquisa e suas finalidades, perpassando pelo


princípio de pesquisador e os meios pelos quais ele tinha acesso às “provas” em sua
investigação até as formas de pesquisas históricas vividas na contemporaneidade há um
grande espaço de tempo onde se desenvolveram diferentes correntes teóricas com seus
paradigmas. Dando destaque a algumas destas correntes temos: Marxismo ou
materialismo histórico, história positivista e, a chamada nova história, história cultural e
escola dos annales.
Com a história como ciência da humanidade, começaremos pelo método
positivista de interpretação. Baseado no cientificismo que adotava as leis das ciências
naturais sobre todas as ciências, com um método que previa toda abstração do
pesquisador para não contaminar o objeto com sua subjetividade. Deste ponto de vista a
história não poderia ser interpretada, ao historiador caberia o relato do que estava
registrado nos documentos, isso porque tentava se construir uma verdade incontestável:

O Positivismo pregava a cientifização do pensamento e do estudo


humano, visando a obtenção de resultados claros, objetivos e
completamente corretos. Os seguidores desse movimento acreditavam
num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o
pesquisador/autor e sua obra: esta, em vez de mostrar as opiniões e
julgamentos de seu criador, retrataria de forma neutra e clara uma
dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar. (BIRARDI;
CASTELANI; BELATTO s.d)4.

Dessa forma a história pelo víeis positivista está sempre ligada aos grandes
homens, de grandes acontecimentos. É uma história estática assim como difundido por
Augusto Comte que pregava sobre os movimentos dinâmico/estático, onde segundo ele
o movimento estático devia ser priorizado e era responsável pelo progresso, pois o
progresso segundo pensamento dele não deriva de revolução nem lutas e sim da pacífica
convivência social. Contrário aquilo que se percebe no pensamento de Karl Marx.
No sentido da história positivista tínhamos como fontes históricas um material
resumido haja vista a tentativa de produção de verdade histórica irrefutável. As fontes

4
Fragmento retirado de artigo de internet não apresenta paginação nem ano de publicação. A mesma
nota serve para as referencias dos mesmos autores (as) no correr do texto. Disponível em:
http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html; acessado em 05/01/2010.
16

históricas eram para o historiador positivista tradicional os escritos oficiais, ficando de


fora fontes como achados arqueológicos e monumentos culturais, pois necessitava de
interpretação do historiador/pesquisador para produção historiográfica o que não era
aceito na historiografia positivista, pois essa corrente estava ligada a construção de
verdades incontestáveis, no intuito de reconstruir o momento histórico tal qual ocorreu.
O cientificismo provocou uma nova forma de se compreender o mundo, isto é,
baseada no cientificismo transformaram as realidades sociais, uma ordem histórica que
nunca é absoluta, em verdades absolutas e incontestáveis, pois foram comprovadas pela
ciência, tornando-se em pouco tempo na tônica de todo o pensamento do Velho
Continente, espalhando-se para muitos campos do saber.
Contrário ao que pregava o positivismo, vemos na historiografia contemporânea
um elo entre presente e passado, pois o passado é mais conhecido e bem compreendido
pelas pessoas em outro tempo histórico futuro que pelos contemporâneos de qualquer
fato, pois este está preso ao seu tempo e pode ser influenciado a partir de pressões
políticas ou ideológicas ao analisar algum fato presente. Falando sobre a relação entre
presente e passado, temos sempre uma análise do historiador de um presente com
relação a uma obra ou fato do passado. É neste sentido que Reis discorre a respeito da
verdade histórica pronta, acabada:

Não há um passado fixo, idêntico, a ser esgotado pela história. As


esperas futuras e vivencias presentes alteram a compreensão do
passado. Cada geração, em seu presente específico, une passado e
presente de maneira original, elaborando uma visão particular do
processo histórico. O presente exige a reinterpretação do passado para
se representar, se localizar e projetar o seu futuro. (REIS 2007, p. 09)

A corrente teórica positivista da história teve uma grande influência, sobretudo


até o fim do século XIX e início do século XX, e hoje não podemos dizer que está
completamente esquecida.
A história segundo a perspectiva marxista vê um desenvolvimento dialético a
partir das lutas de classificando organizado em cada período: meios de produção e força
de trabalho. Desta forma, temos meio de produção asiático onde se empregava o
trabalho escravo; meio de produção feudal que tinha como base o trabalho servil; no
renascimento das cidades começa a se esboçar o surgimento do capitalismo que oporia
burguesia e proletariado sendo a base o trabalho assalariado e a exploração da mais-
valia a partir do século XVIII.
17

Percebemos essa linha de pensamento do marxismo a partir das idéias centrais das
obras de Karl Marx. Analisando o pensamento de Marx percebemos que para ele o
trabalho é a mola mestra que proporciona o desenvolvimento humano; a divisão social
do trabalho e a propriedade privada subordinam o trabalhador ao dono dos meios de
produção; a estrutura econômica da sociedade é classificada como infra-estrutura ou
base da mesma e as instituições jurídico- políticas constituem a chamada superestrutura;
a estrutura significativa da realidade com a qual o homem se defronta constituem a
totalidade histórica; o método dialético leva o indivíduo a rever o passado, analisar o
presente e lutar por um futuro. Assim na historia marxista é bem perceptível termos
ligados a economia como: mais-valia, salário, capital, meios de produção, força de
trabalho, proletário etc. A teoria de Karl Marx foi base para a Revolução Russa que pôs
os bolchevistas no poder na Rússia.
A Escola dos Annales que teve como precursores Marc Bloch e Lucien Febvre
trouxeram para o campo da historiografia novas perspectivas, alargando as
possibilidades de interpretações que não havia com outras correntes teóricas, saindo da
tradicional história política. Na chamada ecole dês annales, que tem origem da revista
“os anais da história econômica e social”, a tônica era aproximar outras áreas do
conhecimento a historia, para com essas contribuições suprir limitações na produção
historiográfica. Com a nova perspectiva da história dos annales passa-se a abordar a
história-problema trazendo consigo novos temas dentre eles: as mentalidades, cultura
economia, sociedade e a micro-história. Com novos temas passam a ser abordados
como fontes históricas de diferentes segmentos e tipos além da tradicional fonte escrita
oficial tradicionalmente cultivada. Portanto, a nova história privilegia a documentação
massiva mesmo que involuntária em relação aos documentos voluntários e oficiais.
Nesse sentido, os documentos são arqueológicos, iconográficos, fotográficos,
cinematográficos, numéricos, orais, enfim, de todo tipo. Todos os meios são tentados
para vencer as “lacunas e silêncios das fontes”.
Como na historiografia tradicional não permitia a interpretação, tinha que se ater a
reprodução cronológica dos fatos através de uma narrativa. Também segundo consta os
historiadores tradicionais positivistas não tinham a opção de escolher seu próprio tem
limitados pelo poder da epistemologia das ciências exatas, com olhar imparcial “sem
subjetividade” não poderia fazer juízo de direito, contrario a isso os historiadores dos
annales se colocavam fazendo escolhas e partindo não de um fato, mais levando a
campo “a historia problema”:
18

O historiador, na chamada "escola metódica", não poderia, portanto,


escolher os fatos, pois a escolha era a própria negação da obra
científica. Tal conceito foi amplamente criticado e recusado pelo
grupo dos Annales, personificado sobremaneira, na figura de Lucien
Febvre. Para o historiador toda história é escolha [...], pois, o
historiador cria os seus materiais, ou se se quiser, recria-os; em outras
palavras, o historiador parte para o passado com uma intenção precisa,
um problema a resolver, uma hipótese de trabalho a verificar.
(BIRARDI; CASTELANI; BELATTO, s.d):

A respeito do caráter interdisciplinar dos Annales além do fato de o próprio Le


Goff também representante desta corrente ser geógrafo. “Estão associadas à colaboração
com outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à lingüística, da
economia à psicologia” (JUCÁ, s.d p.12).
É no contexto dos annales que surge a oportunidade de se abordar temas gerais,
mas que podem influir bem perto de uma comunidade qualquer, a chamada historia
local ou micro-história. Nessa perspectiva uma fonte bastante recorrida foi e vem sendo
a história local, apoiada em depoimentos de história oral pode fazer uma reflexão sobre
as memórias que muitas vezes são substituídas no processo de aculturação decorrente do
progresso e industrialização que é empregado pela globalização.
A história no Brasil a princípio está ligada diretamente a Europa, centro
referencial para todas as civilizações daquele período. Todo o compêndio que fossem
discorrer sobre história do Brasil se apoiaria em primeiro em Portugal e Europa até a
chegada dos europeus aqui. Esse modelo se denominou “eurocentrista”, pois colocava a
Europa como desencadeadora de tudo no Brasil bem como em toda América.
Com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1838, o Brasil
começa sua busca por se identificar como uma nação e ao mesmo tempo ser referência
com civilização no novo mundo, porém essa civilização não era abrangente o bastante
para dar conta de toda população ficando de fora: escravos negros e índios. Neste
sentido, a civilização era dos brancos e os negros e índios? Marginalizados. Certamente
este tipo de historiografia que estava fortemente ligada ao modelo europeu tinha em
seus representantes os brancos. Quanto isso afirma Guimarães:

Ao definir a nação brasileira enquanto representante da idéia de


civilização no novo mundo, esta mesma historiografia estará definindo
aqueles que inteiramente ficarão excluídos deste projeto por não
serem portadores de civilização: índios e negros. O conceito de nação
19

operado é eminentemente restrito aos brancos. (GUIMARÃES 1988,


p.7).

Tínhamos então predominantemente no Brasil um modelo que dava preferência às


classes dominantes, por conseqüência da importância do iluminismo e posteriormente
do positivismo na formação da historiografia brasileira. Esse modelo prevalece no
Brasil incontestavelmente até a década de 1970 quando começa a chegar ao Brasil à
chamada nova história

2.1 Memória na formação da história local.

É de longa data a contribuição da memória na formação da história, vem a partir


das sociedades que tinha por meio de transmissão de conhecimento a oralidade, é
imprescindível, sobretudo em sociedades iletradas, para a perpetuação da história. Hoje
nas sociedades letradas o papel da memória é bem mais complexo, pois incluem estudos
de doenças da memória, formas de memorização entre elas a memória eletrônica etc.
Em todas essas formas há uma coisa em comum: memória é sempre uma forma de
guardar informações parciais ou por completo, temporariamente ou definitivamente e de
recorrer a essas memórias passadas quando convier.
Hoje se faz necessário pensar sobre o papel da memória na formação da história
local, Outra questão imperante diz respeito à dicotomia entre história e memória, pois,
sabemos que ambas estão ligadas, porém não são sinônimos. A memória vista a luz da
história diz respeito à apreensão de fatos seja por meio de vivência ou por contato com
outros que vivenciaram tais acontecimentos. Nesse sentido podemos perceber dois
âmbitos da memória: a memória individual e memória coletiva.
A memória coletiva influencia diretamente na construção de uma memória
individual através da síntese ou pode-se dizer, a partir de pontos de vistas do indivíduo
sobre o coletivo social. Para (CARVALHAL5, 2006, s.p): “A memória individual,
construída a partir das referências e lembranças próprias do grupo, refere- se, portanto, a
“um ponto de vista sobre a memória coletiva”.
Na construção da memória coletiva ou individual as lembranças podem ser
internalizadas através da vivência em grupo na qual o indivíduo absorve como sendo
vivência dele próprio. Assim Halbwachs afirma:

5
Citação retirada de artigo de revista da internet, acessado em 10/01/2010 no site:
http://www.espacoacademico.com.br/056/56carvalhal.htm no mesmo não consta paginação.
20

A lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a


ajuda de dados emprestados do presente, e além disso, preparada por
outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem
de outrora manifestou-se já bem alterada. (HALBWACHS 2004, p.75-
6).

Neste sentido vemos as lembranças que muitas vezes povoam a mente do


indivíduo adulto e que são relatos que ele ouvia quando criança. Nunca vivenciou de
fato, porém internalizou a partir dos relatos que ouvia em sua fase tenra da idade ou por
sua família ou em outro meio social.
A memória pode se apresentar ainda em duas formas para que se recorra a ela
posteriormente: na memória escrita, através de documentos, cartas nas sociedades
letradas, onde essa memória escrita chamar-se-á história. Parafraseando Pierre Nora
fala-se muito em memória atualmente, mas porque a memória já não existe e tudo
aquilo que se considera memória é, para Nora, história. Ainda nesta perspectiva
(HALBWACHS, 2004, p. 85) afirma: “a história começa somente do ponto onde acaba
a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória social. Enquanto uma
lembrança subsiste, é inútil fixá-la por escrito”. A memória pode ser:

Como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em


primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o
homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que
ele represente como passadas. (LE GOFF, 1990, p. 423).

Le Goff afirma ainda existir formas mnêmicas que controlam as memórias


coletivas, neste sentido a preponderância da memória coletiva de determinado grupo
social da o poder a esse grupo para que ele dite as memórias que estarão em evidência e
aquelas que serão esquecidas ou soterradas. O pensamento de Le Goff sobre memórias
aponta para existência de uma coletiva em evidência em detrimento de uma memória
individual relegada, esquecida:

Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma


importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se
senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes
preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram
e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios
da historia são reveladores desses mecanismos de manipulação da
memória coletiva. (LE GOFF, 1990, p. 426).

Neste sentido, podemos afirmar que enquanto a classe dominante através da


história tradicional construía uma memória coletiva que é imposta ao restante dos
21

grupos que estão interligados no mesmo país, por exemplo, a memória individual de
vida vai sendo relegada, marginalizada. Isso em partes ocorre, pois os trabalhos
científicos levavam muito em conta a objetividade através de uma narrativa cronológica
baseada em documentos oficiais. Neste sentido a história local não se apresenta, ao
contrário ficamos no âmbito de uma história estereotipada com aparência de história
geral. Ora, toda história e lacunar dependendo do recorte que foi dado. A dinâmica entre
essas memórias relegadas e a memória coletiva, imposta na história oficial é o que
afirma que Michael Pollak:

Se é possível o confronto entre a memória individual e a memória dos


outros, isso mostra que a memória e a identidade são valores
disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente em
conflitos que opõem grupos políticos diversos. (POLLAK 1992, p. 5).

Percebemos assim pontos convergentes entre a visão de Le Goff e a visão de


Michael Polak quanto à memória. Para Le Goff a memória é o objeto de afirmação da
história de uma classe sobre outra, que regra geral prevalece a do grupo dominante.
Assim, a história mesmo escrita teria muita influência nessa sobreposição no âmbito da
memória capaz de reduzir as disparidades entre as classes sociais em uma memória
coletiva. Para Pollak as memórias, coletiva e individual, vivenciam em seu processo de
formação um embate, que segundo ele, é fruto da tentativa de sobreposição de uma
memória que é oficial com uma que tenta se afirmar criando uma identidade pertencente
às minorias, por esse motivo essas memórias encontra-se marginalizadas
Temos na defesa de Pollak ótimo argumento para a utilização de entrevistas
orais a partir da memória de pessoas que vivenciaram períodos históricos ou fatos. Esse
tipo de fonte é fundamental na formação de uma identidade local através da
historiografia, pois permite uma análise de minúcias abordadas pelo historiador
pesquisador. O que não é propiciando pela historiografia político-econômica tradicional
que trata de temas e objetivos tão gerais sem pormenorizar no âmbito local. Neste
sentido o trabalho com história local prioriza os relatos de vida ou de acontecimentos, as
memórias e as confrontam com as bibliografias existentes e também com fontes
primárias escritas. O importante na história local diz respeito à análise das fontes de
maneira correta e uma interpretação nos padrões científicos, pois na nova concepção
histórica a verdade é relativa, ocorrendo versões ou narrativas diversas do mesmo fato
histórico ou objeto.
22

Concluindo a dicotomia entre memória e história apresentada anteriormente


vamos aos conceitos de história. Podemos conceituar história a partir de muitos
dicionários, segundo o embasamento de diversos autores ou muitos estudiosos. Porém,
levaremos em conta as considerações de dois teóricos, a saber, Maurice Halbwachs e
Keith Jenkis. Para (HALBWACHS 2004, p. 84): “a história de uma nação pode ser
entendida como a síntese dos fatos mais relevantes a um conjunto de cidadãos, mas
encontra-se muito distante das percepções do individuo”.
Na concepção de Jenkis podemos dividir história em dois campos: teoria e prática:

No nível da teoria, gostaria de apresentar dois argumentos. O primeiro


[...] é que a história constitui um dentre uma série de discurso a
respeito do mundo [...] a historia, como discurso está, portanto, numa
categoria diferente daquela sobre a qual discursa. Ou seja, passado e
história são coisas diferente. (JENKIS, 2004, p. 23).

Neste sentido história e passado são coisas dicotômicas, a primeira é o discurso


sobre a segunda, embora se tente não se consegue abordar o passado tal qual ele
ocorreu. Assim como também não tem como voltarmos até lá para comprovar se o
discurso que foi feito sobre o passado é uma verdade absoluta como alguns
historiadores de outrora presumiam ser. Diante das afirmações de Jenkis percebemos a
relatividade da verdade histórica, para ele, mesmo essa verdade sendo relativa, ou seja,
havendo vários discursos sobre o mesmo mundo ou passado o historiador tem suas
pretensões limitadas por três campos teóricos: epistemologia, metodologia e ideologia.
Corroborando com Jenkis sobre a relativa verdade histórica afirma que:

A verdade histórica, ela é fundamentalmente histórica. Não há


métodos e historias definitivas que levem (ou tragam) à “verdade
absoluta no tempo”. Em cada presente, o que se tem é uma visão
parcial, uma articulação original do passado e do futuro. (REIS, 2007,
P. 11).

Ao fim da análise sobre o que é história na teoria Jenkis (2004) afirma “a história
é teoria, a teoria é ideologia, e a ideologia é pura e simplesmente interesse material”
(JENKIS, 2004, p. 43). Com a afirmação de Jenkis percebemos quanto o meio em que o
historiador/pesquisador está inserido influência na produção historiográfica produzindo
além de relatos históricos ideologias aprisionadoras ou libertadoras, mas ideologias.
As ideologias comentadas acima estão presentes na prática historiográfica, pois o
historiador, faz isso pra viver, (JENKIS 2004, p. 43) afirma “[...] um desses tipos de
23

história é a profissional, ou seja, a produzidas por historiadores que (em geral) são
assalariados e (no mais das vezes) trabalham com ensino superior, especialmente nas
universidades”. Assim a prática envolve o historiador pesquisador em situações que por
pressão política direta ou indireta o força a mudar sua abordagem ou a deixar de citar
certos nomes em determinadas circunstancias. A história como produção de
conhecimento e de identidade social ou individual é prejudicada ainda porque o
historiador é um ser humano e está sujeito a pressões de todos os lados, o historiador
sofre pressões da “família e/ou dos amigos [...] as pressões do local de trabalho [...] as
pressões das editoras [...]” (JENKIS 2004, p. 47-48). Essas pressões não interferem no
passado, mas no que foi escrito sobre o passado, pois o passado já aconteceu, e história
e passado não são a mesma coisa. Conclui-se então que para Jenkis história é na teoria o
como fazer a história, na prática esse saber fazer história é meio que confrontado pela
realidade das pressões vividas pelos historiadores.
Ainda podemos acrescentar que a história se refaz a partir de novas perguntas ou
problemáticas instituídas pelos historiadores. Neste sentido (MONTENEGRO 2003,
p.19) diz que: “A história enquanto representação do real se refaz se reformula, a partir
de novas perguntas realizadas pelo historiador ou mesmo da descoberta de outros
documentos ou fontes”.

2.2 A história local e a memória

Durante muito tempo a história de vida, testemunhos individuais apurados a partir


de entrevistas com pessoas que vivenciaram algum tempo histórico, a que chamamos de
história oral, foi relegada ou negligenciada nos debates teóricos, desta forma a história
oral não tinha peso teórico metodológico para uso em trabalhos científicos. Com os
trabalhos que abordavam as dimensões da memória de autores como Le Goff,
Halbwachs, Pollak e Nora entre outros, os trabalhos com fontes de história oral ficam
em evidencia e a epistemologia desta fonte passa a ser debatida constantemente.
Da definição do que seria história oral, muitas vezes causam duvidas nas pessoas,
alguns a vêm como fonte, outros, como princípio teórico norteador de trabalhos
historiográficos sobre tudo da história local. A história oral é uma fonte histórica bem
recorrida dos historiadores, fonte a partir de uma metodologia que é a entrevista pela
qual se captura o discurso. Essa pode ser recorrida por qualquer que seja o segmento
historiográfico ou temático, seja de história política social, econômico, cultural:
24

É o caso, por exemplo, da história oral. Esta subdivisão historiográfica


refere-se a um tipo de fonte com o qual o historiador trabalha, a saber,
os testemunhos orais. [...] a história oral, enfim, remete a um dos
caminhos metodológicos oferecidos pela historia e não um enfoque, a
um caminho teórico ou u caminho temático. (BARROS 2004, p. 132-
3).

Por muito tempo o uso da história oral foi descartado, pois consideravam as
entrevistas com relatos de popular pouco relevante, pois o caráter subjetivo das
entrevistas não era visto com bons olhos dentro das ciências, porém hoje diante de
tantas indicações de que a fonte oral é tão subjetiva quanto às fontes escritas que não há
tanta depreciação de um trabalho por se utilizar de entrevistas orais, do contrário, as
pesquisas que visam uma identidade de uma história local estão sempre pautadas na
história oral mesmo que adotando como fonte subsidiária os documentos escritos. Para
isso é necessário saber como encaminhar as entrevistas, utilizar ou entrevistas
estruturadas ou padronizadas, não estruturadas.
Uma das grandes vantagens de se utilizar de entrevistas para formação de fontes
é que ela é acessível a todas as parcelas da população não excluindo os analfabetos,
assim a análise do fato ocorrido em uma determinada localidade pode ser abordada pelo
historiador, privilegiando não só o discurso de quem sabe escrever, ou só da elite, pode
ouvir também os relatos de pessoas humildes, mas que tem seu ponto de vista com
relação aos fatos ocorridos a sua volta. Neste sentido é que a história local fica rica com
uma abrangência a todas as camadas de uma comunidade, cidade, estado e
particularizando acontecimentos que não ocorrem de forma igualitária em todos os
lugares do país e menos ainda do mundo. Quanto ao caráter subjetivo da história oral
podemos nos respaldar nas defesas de autores que afirmam serem os documentos orais
tão subjetivos quanto os escritos, e de fato o é. Se o historiador entrevistando uma
determinada testemunha de algum fato histórico, este pode na entrevista demonstrar seu
ponto de vista na sua narrativa. Da mesma forma um autor em um determinado tempo
histórico pode ser subjetivo em sua narrativa sobre um fato de acordo com a
interpretação que ele teve do fato ou um documento oficial pode conter informações
erradas se tornando também falho. Para M. Pollak o que deve ser feito tanto no uso de
fontes escritas quanto orais é a critica a fonte de forma correta, assim POLLAK afirma
quanto ao uso de fontes orais:

Se a memória é socialmente construída, é óbvio que toda


documentação também o é. Para mim não há diferença fundamental
25

entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da fonte, tal como todo
historiador aprende a fazer, deve, a meu ver, ser aplicada a fontes de
tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente
comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e
qual ela se apresenta. (POLLAK, 1992, p. 08).

Da mesma forma Barros corrobora com o que foi dito por Pollak:

A imprecisão do oral não nos deve enganar; também existem espaços


dissimulados que se escondem na documentação escrita, contornando
silêncios e falseamentos, revelando segredos que o próprio autor do
texto não pretendia revelar, mas que escapa através da linguagem.
(BARROS, 2004, P. 133).

É necessário salientar que a memória é à base da história oral, por esse motivo
quando Pollak começa a se referir à história oral se refere em primeiro lugar à memória.
É a partir do que está na memória de tudo que foi vivido ou internalizado no convívio
com o grupo que os indivíduos constroem sua visão daquele fato ocorrido ou do que
está a sua volta. Também é necessário relembrar que mesmo a narração do vivenciado
fica a cargo de quem viveu o fato como contemporâneo, porém quem escolhe as
categorias marcantes dos discursos, quem analisa e dá sentido aos relatos de vida são os
historiados. Neste sentido temos a afirmativa de Alessandro Portelli citado por
Montenegro: “o controle do discurso histórico permanece firmemente nas mãos do
historiador”. (MONTENEGRO 2003, p. 21).
Se analisarmos o ponto de vista de Le Goff a respeito do que a memória
representa pra ele, podemos relacionar a importância da oralidade intencional ou não na
produção de memória, e a memória também na produção dessa oralidade. Passemos
então a visão de Le Goff apud Montenegro a respeito de memória:

Foi através da memória dos meus pais – e mais ainda pelo contato
com uma memória dos tempos da sua infância e da sua juventude que
sobrevivia nos caracteres, nas suas idéias, nos seus comportamentos
cotidianos – que se edificou em mim o sentido da duração, da
continuidade histórica e, ao mesmo tempo, das rupturas.
(MONTENEGRO, 2003. p. 18).

A memória é nesse sentido o conectivo do passado com o presente e se


transmitida oral ou por escrito pode permanecer no futuro ou ser relegado. Percebe-se
segundo o pensamento de Le Goff que, a memória em grande medida subsidia a história
nos dando noções importantes para a formação de um tempo histórico quando
26

adquirimos as noções de continuidade/rupturas, permanência/mudanças, alem da noção


de duração dos acontecimentos históricos particulares ou gerais.
A história oral pode ser colocada como contraponto com a história oficial (quase
sempre ressaltando o poder dos donos dos meios de produção neste caso de
conhecimento), uma auxiliando a outra na produção do saber histórico. Assim afirma
Montenegro: “o depoimento oral e as fontes documentais escritas se complementam,
embora requeiram tratamento técnico/metodológico específico”. (MONTENEGRO,
2003, p. 21-22). Isso também é notório no caso de P. Thompson que procura em sua
linha de pensamento igualar às fontes orais e escritas, no sentido de que ambas têm seus
problemas, entre eles a subjetividade igual às duas. Conclui-se que a história oral
mesmo com sua subjetividade constitui um fazer do historiador para adquirir material
para analise e construção de temporalidade a partir da memória coletiva e individual e,
confrontando-a com a história escrita, também denominada oficial, para trazer à tona
problemáticas a partir do que Pollak chama de memória subterrânea, contrastando
aquilo que foi escrito com aquilo que ainda perdura na memória coletiva ou individual.
27

3. A história local em Muriú: os idos de 1960, contexto histórico.


Através das entrevistas de historia oral feitas com moradores da comunidade
buscamos caracterizar Muriú. Começaremos por caracterizar Muriú nos anos de 1960.
As entrevistas constituíram um rico material de onde se podem extrair diversas
abordagens. Muriú é uma praia localizada no litoral norte do Estado do Rio Grande do
Norte, compõe o litoral da cidade de Ceará – Mirim onde se extrema com Extremoz ao
sul e, Maxaranguape na parte norte, ao lado de Jacumã e Porto-Mirim. Seu nome é de
origem indígena, seus primeiros habitantes foram os tupi-guarani, como afirma Sobral a
luz de Câmara Cascudo:

Muriú pertence ao município de Ceará-Mirim/RN. Foram os índios


tupi-guarani que batizaram a praia com o nome Muriú. O significado
do topônimo encontra-se em "Nomes da Terra", de Câmara Cascudo,
diz o verbete: "De „morouú‟, onde há água de beber. Moro ou poro,
6
vale haver, e iú, beber. (SOBRAL, s.p, 2008 ).

Muriú já era conhecida e habitada desde o século XIX, por descendentes de


índios e de portugueses, a área servia basicamente para pesca e, por um bom período
serviu para o escoamento da produção dos engenhos e era o meio de transporte que
trazia diversas mercadorias, já que o acesso por estrada era mais difícil.
Das características antigas de Muriú como: pesca nos currais de peixe e a corrida
do anel citados por Maria Elza Bezerra Cirne em seu texto que compunha o livro
CEARÀ-MIRIM: tradição e engenho editado pelo SEBRAE / RN, foram encontrados na
memória dos pescadores as informações para caracterizar essas representações da
cultura de Muriú até os anos 1950 – 60. O curral de peixe que era um cercado feito com
estaca e cipó, posicionado num lugar estratégico próximo a costa, onde o peixe entrava
e não conseguia sair, sua formação não compunha um circulo, mas um formato como
um trevo. Os pescadores trabalhavam pescando no curral de peixe e recebiam uma
porcentagem do que fosse pego na pesca. Existia ainda na pescaria do curral a figura do
curraleiro que tomava conta do curral. O Ir. Francisquinho cujo pai tomava conta do
curral de peixe dos Varela contribui com sua recordação daquele período.
O curral de peixe tinha dono, era os varela tinha além desse outro
curral lá na cabeça do boi, que era de uma mulher por nome Noêmia.
No curral era como se os peixes fosse o gado, e os pescadores era
como os vaqueiros que cuidava dos peixes. Era uma rede grossa que
duas pessoa mergulhava e ia um por cima também puxando a rede pra

6
Citação retirada de artigo da internet, disponível em:
http://enfocaonline.com/index?ArgENID=1208788191. Acesso: 20/12/2009. Não consta paginação.
28

fechar e pegar os peixes eu pesquei lá com meu pai. (Ir.


FRANCISQUINHO 06/01/20107).

Corroborando com o que foi dito pelo Ir. Francisquinho acima aparece também
nos relatos dos pescadores conhecidos como Luís Lapa, Raimundo Cabo e Manoel lapa
que pescaram na pescaria de curral, divergindo apenas quanto qual curral era de quem,
mesmo assim os nomes dos donos coincidem. Afirma Raimundo cabo:

O currá daqui era de dona Noêmi ficava ali quase de frente o posto de
saúde [...] a pesca era feita por cinco home, eu, um tio meu, Lulu que
você conhece, Damdão e João de Delso. O ganho da pesca era vinte
por cento, se ganhava cem conto, vinte era pros pescadores e oitenta
era pro dono [...] Nessa época a moeda era mireis. ( RAIMUNDO
CABO 20108).

Sobre a técnica de pesca empregada nos currais de peixe nos fala o Ir Luís Lapa,
sem divergir do que já nos havia falado Raimundo Cabo e Francisquinho:

Os currá de peixe uma cerca grande começando na berinha dagua que


chama de ispia, tinha um compartimento que chamava de sala e o
outro que era o chiqueiro, dava o lance na sala primero depois ia da o
lance no chiquero, um pescador mergulhava por baixo com um calão
da rede e ia outro por cima com outro calão, depois puxava a carretia e
fechava a rede, pronto o peixe não saia mais. ( Ir. FRANCISQUINHO
2010).

A corrida do anel9 não fazia mais parte da rotina dessa comunidade na década de
1960, só está ainda presente na memória de alguns pescadores e moradores mais
antigos. Porém quase sendo desprezadas pela memória que segundo o pensamento de
Hobsbawn é seletiva. Frente às novas diversidades da vida necessitam de outras
informações em evidencia na sua mente e estas já não mais requeridas pelo cotidiano
acaba por se perder no tempo. Sobre “a corrida do anel” as informações formavam uma
cocha de retalhos que não divergiam mais se completavam. A começar pelo nome
segundo relatos esta tradição se chamava “tirar memória”, consistia em conduzir a
aliança da noiva do local do casamento até a casa da noiva. Segundo o Sr Raimundo

7
Fragmento retirado de entrevista com Francisco Pereira Leite concedida no dia 06/01/2010. A nota é
extensiva as citações que constem Ir. Francisquinho (2010).
8
Citação retirada de entrevista com o senhor Raimundo Nonato do nascimento no dia 15/01/2010, a
nota é extensiva a todas as citações do mesmo entrevistado identificado como Raimundo cabo 2010.
9
No livro “Ceará – Mirim: tradição e engenho” do SEBRAE-RN, a autora Maria Elza Bezerra Cirne faz
referência a corrida do anel, na comunidade esta prática cultural era conhecida como “tirar memória”.
29

Nonato do nascimento conhecido na comunidade como Raimundo Cabo em entrevista


no dia 15/01/2010, Tirar Memória10 se dava assim:

Nos casamentos iam sempre de cavalo, os casamentos era em Ceará -


Mirim. Na vinda os home pegava o anel da noiva e vinham correndo,
nesse tempo os cavalo comia milho tinha força. Eles vinha passando o
anel a te chegar aqui, quem chegasse com o anel dava a noiva, isso
chamava tira memória. (RAIMUNDO CABO 2010).

Outros relatos apontam para o mesmo lado, alguns de forma confusa ou


incompleta mais tendo o mesmo sentido do ritual de casamento aparecendo também na
entrevista com: Ir. Francisquinho, Ir. Eva, Raimundo Cabo.
Na geografia poucas áreas construídas com uma única rua que era a beira mar um
único acesso que vinha de Ceará – Mirim, por onde passavam caminhões que, quase
sempre atolavam nas areias das dunas que se faziam presente nas estradas. O transporte
daquele período era feito uma vez por semana saindo na madrugada ainda. Afirma-nos
Erilda Severina conhecida na comunidade como ir. Erilda em entrevista realizada em
2010, fala-nos sobre algumas características físicas da década de 1960:

Naquela época não existia nenhuma dessas ruas era um corredor só na


beira da praia, onde hoje é a rua nova até o bar de Pedinho, as casas
eram de barro ou de palha, quando ia fazer casa de barro comprava
vara fora de Muriú [...] o transporte era um caminhão com duas
boléias que saia de madrugada. (Ir. ERILDA 201011).

Ir. Eva reafirma o que foi dito por Ir. Erilda, e acrescenta: “era pouca gente não
tinha muita gente prá viajar”.
As propriedades eram posse segundo depoimentos bastava demarcar os terrenos
com piquetes que já seria dono, não precisando de escrituras nem cercas. Onde é hoje a
Rua Antônio Basílio, principal rua onde antes era o acesso não havia nenhuma
construção segundo Ir. Francisquinho:

Aqui onde é minha casa, a Rua Antônio Basílio não tinha nada era só
mato, fazia era medo por aqui de noite [...] aqui não tinha dono num
precisava nem cercar era só colocar uma marcação e pronto dizia
daqui pra acolá é meu e ninguém mexia. (Ir. FRANCISQUINHO
2010).

10
A expressão “tirar memória” memória é utilizado pelos moradores de Muriú para designar o que Cirne
(2005) chamou “a corrida do anel”.
11
Fragmento do depoimento extraído com entrevista com Erilda Severina, em 04/01/2010. A nota é
extensiva às citações identificadas como Ir. Erilda 2010.
30

Corroborando com as informações de Ir Francisquinho estão os depoimentos de


Sebastião Vieira Clemente conhecido como Basto, Luiz Lapa, Ir. Erilda, também
segundo a Ir. Eva realmente não se tinha dono os terrenos da estrada que hoje é a rua
principal: Eva Ferreira de Souza Coelho conhecida por Ir Eva:

Aqui quem tinha uma casa boa era de taipa, quase todas as casas eram
de palha. Até os veranistas quando vinha pra cá ficava em casa de
palha. Alguns com chão de terra batido. Quando um tinha uma
condição melhó, fazia uma casa de taipa rebocada, com uns paus
grosso assim. (Ir. EVA201012).

Os depoimentos de Basto, Dr. Roberto Furtado, Ir. Erilda entre outros, apontam
para o mesmo tipo de habitação, com todas as características mencionadas acima.
Pelo fato de existirem poucos moradores o cotidiano era mais pacato e os
indivíduos eram solidarias umas as outras e se ajudavam onde o convívio com as
pessoas de fora era bastante pacifico, em geral os que vinham de Ceará-Mirim e, que
tinha em Muriú sua área de veraneio na época quente de verão.
A economia de Muriú naquela época era baseada na pesca do peixe, tendo como
principal instrumento de pesca as jangadas feitas de cortiça, a linha de mão e
tresmalhos. Muriú desenvolvia ainda uma agricultura rudimentar com plantio de feijão e
milho e roças. A atividade de agricultura era complementar a de pesca, onde alguns
pescadores revezavam entre pesca e agricultura, enquanto outros lidavam apenas com as
roças ou com a pesca. O comercio era bastante incipiente em virtude de o baixo poder
aquisitivo das pessoas. Segundo relatos transcritos da entrevista feita com Erilda ela
salienta que a forma de comercializar os produtos naquele tempo era diferente do que se
tem hoje:

As coisas era tudo mais difícil, agente não comprava as coisas como
hoje, quilo de açúcar, pacote de café, quilo de arroz. Comprava uma
quarta de farinha, uma medida de arroz, carne agente comprava em
torno de duas vezes por mês, não tinha nem geladeira pra conservar
direito. Não tinhas nem energia elétrica, quanto mais geladeira. ( Ir.
ERILDA 2010).

Segundo relato de moradores não havia energia elétrica na comunidade, o que


permitia um convívio mais coletivo, pois as brincadeiras noturnas tinham que acontecer
num ambiente que pudesse ser iluminada por candeeiros a querosene, isso também por

12
Fragmento de entrevista concedida por Eva Ferreira de Souza Coelho no dia 15/01/2010. É
extensiva às citações identificadas com Ir. Eva 2010.
31

não existir elementos da modernidade que propicia a individualidade como, por


exemplo, meu carro, meu computador, essa individualidade proporciona um efeito
danoso no convívio interpessoal, bem como impulsiona o consumismo para satisfazer o
prazer individual. No discurso do Ir. Francisquinho, percebemos a convivência coletiva
nas brincadeiras à noite, sem energia elétrica na comunidade:

[...] aqui não tinha energia elétrica né [...] as brincadeiras era clareada
com umas latas de leite ninho, agente furava a tampa e colocava um
pavio bem grande e ai dava pra clariá, ai agente brincava [...] só tinha
energia elétrica no verão se colocava um motor a óleo que iluminava,
mais quando dava dez hora ele desligava [...] na festa de São Benedito
ele colocava umas lâmpadas iluminando a praça ali. Nesses dias ia até
mais tarde o motor ligado. (Ir. FRANCISQUINHO 2010).

Nos dizeres de Ir. Erilda também aparece o fator coletivo da comunidade daquele
tempo sem estes recursos eletrônicos. A roda de pessoas para contemplar o programa de
rádio tanto demonstra uma coletividade quanto, uma padronização de informações
através do único veículo de comunicação de massas da comunidade segundo ela:
Os homens vinham à tarde lá pra perto da pracinha ali perto da igreja
pra ouvi os homens dentro do rádio, por que só tinha rádio parece que
só um [...] aqui só tinha energia quando chegava o verão lá pros
veranistas, eles ligavam o motor ai tinha energia, ligava geladeira
televisão e tudo [...]. (Ir. ERILDA 2010).

No âmbito das celebrações culturais tínhamos em Muriú, como ainda hoje temos a
festa do padroeiro São Benedito, naquele tempo a festa tinha duração de dois dias,
ocasião onde ocorriam os leilões tradicionais em qualquer festa de padroeiro Brasil
afora. Cabe ressaltar que essa festa de caráter religioso que atravessa tanto tempo e
expressa a fé dos moradores na ajuda divina, as preces a São Benedito por um bom ano
de pesca é fundamental para manter viva a esperança por uma vida melhor. Temos no
depoimento obtido na entrevista com Dr. Roberto Furtado que veraneia há quase oitenta
anos na praia de Muriú, seu pai já usava a praia como área de veraneio assim como os
barões da oligarquia dos engenhos ceará-mirinenses, quando fala sobre a festa do
padroeiro em entrevista do dia 02/01/2010:

[...] a festa do padroeiro naquele tempo eram só dois dias,[...] não


tinha essas coisas de hoje não, tinha parque não, eram dois dias
algumas pessoas doavam um bolo, uma galinha ai se fazia o leilão era
muito bom, as disputas pra ver quem iria comprar a galinha. Hoje são
oito dias de festa, mais naquele tempo, era festa de reis no dia cinco de
janeiro e no dia quinze tinha a festa de São Benedito, já aconteceu de
32

se antecipar e fazer tudo juntos a festa de São Benedito e a festa de


reis, tudo no dia cinco de janeiro. (ROBERTO FURTADO 201013).

Ainda falando de expressão cultural, a partir de alguns depoimentos foi


constatado que ocorriam apresentações freqüentes de boi de reis e também da chegança,
ambos com características teatrais. Além do grupo de índios de Jacumã que desfilava
em Muriú no período do carnaval ainda tinha o circo que vinha a comunidade. Para
anunciar as apresentações de qualquer uma dessas atrações foi dito nas entrevistas que
era pelo meio da rua gritando mesmo, pois não tinham carros de som para anunciar.
Com relação ao circo daquele período nos afirma Dr. Roberto Furtado:

A naquele tempo era o palhaço andando mesmo pela rua pra anunciar
que iria ter espetáculo. A noite agente ia pro circo pra ver o palhaço
falando pornografia [...] o circo não tinha nem banco, agente é que
levava o nosso tamborete pra assistir o espetáculo [...] era todo mundo
misturado não tinha essa de rico e pobre não, não, era veranista e
nativo tudo igual. (ROBERTO FURTADO 2010).

A respeito do boi de reis e chegança afirmou Ir. Francisquinho:

A chegança era assim como os marinheiro, eles faziam um barco todo


de barro, ficava igual a um barco de verdade, e ali em cima daquele
barco eles apresentavam como se fosse uma peça, era ali perto onde é
a igreja católica. O boi de reis eles não era daqui, vinha de fora. E
anunciava a dança de boi de reis pela rua a pé, pulando brincando no
meio da rua, era muito engraçado, queria que tu vice. (Ir
FRANCISQUINHO 2010).

De acordo com a Ir. Eva além das danças folclóricas boi de reis, chegança, as
danças de roda, a congada e o fandango também faziam parte do cenário folclórico da
comunidade. Praticamente todos esses eventos folclóricos se davam em consonância
com a festa do padroeiro, ou esporadicamente, com exceção das danças de roda que
faziam parte da noite dos moradores de Muriú daquela época além de “to no poço”,
“Remaninha”.
O que girava ainda em torno da festa era a costura de roupa quase que
exclusivamente para a festa do padroeiro. Segundo Ir. Eva as mulheres nesse período
compravam tecido para fazer roupas de cama, cortinas e roupas para a festa do
padroeiro. Os casamentos e batizados realizados também nesse período compunham a
festa no domingo pela manhã. Estes casamentos e batizados constituíam mais demanda

13
Fragmento de depoimento obtido através de entrevista concedida por Dr. Roberto Furtado em
02/01/2010. É extensivo às citações que constem a identificação Dr. Roberto Furtado 2010.
33

para as duas únicas costureiras daquele período para fazerem vestidos para as
respectivas cerimônias.
Diante dos relatos históricos dos moradores podemos caracterizar Muriú até a
década de 60, como uma pequena aldeia de pescadores, com poucas relações comerciais
à base de dinheiro, com predominância para pesca, sobretudo artesanais, porém com
uma agricultura subsidiária. Não existia nesse período pesca da lagosta, relatos mostram
que esse tipo de crustáceo era capturado de forma acidental no anzol com linha de mão,
não tinha valor comercial, sendo muitas vezes doada. Uma pratica cultural característica
da região praieira, com apresentações de Boi de Reis, Pastoril, fandango e chegança.
Com patrimônio arquitetônico bastante humilde mesmo nas casas de veranistas, que se
constituía de moradores de Ceará – Mirim. Com um caráter comunitário onde as
pessoas se ajudavam, se respeitavam se cumprimentavam na rua, tempo em que a
sobrevivência era difícil, porem o convívio social era prazeroso.
3.1 A pesca da lagosta: do panorama mundial ao nacional.
A produção e comércio da lagosta no mundo se dão de forma significativa desde
a década de 1950, onde Canadá e EUA são os maiores produtores. Dos tipos de lagostas
mais comuns na comercialização são duas as mais freqüentes de acordo com estes
mesmos dados, historicamente, percebe-se que este mercado é dominado pelas lagostas
de pinça e as espinhosas, liderando as lagostas de pinça. Já a lagosta capturada na costa
brasileira compreende dois gêneros segundo (BURMANN, 2002)14 “a lagosta vermelha
(Panulirus Argus) e lagosta verde (P. Laevicauda)”. No ranking da produção de lagosta
o Brasil até 2003 ocupa a sexta posição em importância na produção de lagosta. No
comércio da lagosta tanto na importação quanto na exportação mundial é liderada pelos
EUA, seguido do mercado chinês e o canadense. Esses mercados consumidores
impulsionaram a produção de lagosta em diversos países inclusive o Brasil na década de
1960. No Brasil a exploração de lagosta começa por volta de 1953. A pesca da lagosta
abrange do estado do Pará ao Nordeste brasileiro. No Ceará se evidencia a pesca da
lagosta desde 1955, porém de forma artesanal, a partir de 1960 essa atividade se fixa
com a produção industrial de lagosta, com a introdução de grandes embarcações
consideradas de grande porte, com instrumentos de refrigeração e equipamentos de
pesca:

14
Retirado de artigo de internet, disponível em http://burmannblog.blogspot.com/2008/11/proibida-
pesca-da-lagosta-no-litoral.html. Acessado no dia 03/12/2009. Não consta paginação.
34

A pesca da lagosta começou a se desenvolver no estado do Ceará em


torno de 1955, Fonteles Filho (1988) e Ferreira (1995). A frota
industrial de grandes barcos passou a existir a partir do início da
década de 1960. A arte de pesca utilizada era o covo ou Landuá.
(CARVALHO; FERREIRA; VACONCELOS; OLIVEIRA;
CAMPOS 1996, P. 02).

Um fator relevante para a grande exploração da lagosta no mercado mundial se


deve ao seu valor econômico. A lagosta em relação a outros tipos de pescados é muito
valorizada. Outros tipos de pescados chegam a custar pouco mais de 10% do valor da
lagosta. Tomando como ponto de partida o ano de 1953 para o mercado mundial de
lagosta percebemos um crescimento, a produção de lagosta passa de 93.198 toneladas
para 175.553 toneladas em 198315. Percebemos então que a produção de lagosta
duplicou em três décadas.
Diante das informações analisadas exposta em pesquisa da UFPE percebemos que
o Brasil não aparece no panorama internacional da produção de lagosta no ano de 1953,
aparecendo a partir de 1960, com pouca representatividade se compararmos com países
como Canadá, EUA, Reino Unido e Austrália. Percebe-se também que os EUA por ser
um dos maiores exportadores é também o maior importador, o que indica que ele
industrializa parte do que ele importa de outros países e, exporta a outros países.
A lagosta é comercializada mundialmente de diversas formas:

O comércio internacional de lagosta vem se intensificando nos últimos


anos, sendo que são os maiores produtores, os que também se
destacam tanto na importação quanto na exportação. A lagosta é
comercializada de diversas formas: caudas congeladas, inteira cozida,
inteira e cauda fresca, viva e em conserva. (A. MELO; BARROS16
2005).

A lagosta por seu alto valor já foi pivô de desentendimentos entre Brasil e França na
década de 1960, na chamada “guerra da lagosta”. A frança com seus armadores de pesca
bem equipado pescando na costa brasileira, o governo brasileiro e pescadores se
opuseram reivindicando a França que ordenasse a seus armadores que parasse a
exploração ilegal. A França reivindica que o Brasil desse os privilégios para ela na
exploração, ainda era contrária a comercialização como importação brasileira:

15
Retirado de artigo eletrônico disponível em: http://www.sober.org.br/palestra/5/1162.pdf
16
Fragmento de artigo retirado da internet disponível em
http://WWW.sober.org.br/palestra15/1162.pdf_23 acesso em 02/12/09
35

A pesca da lagosta foi o estopim de um conflito diplomático entre o


Brasil e a França nos anos 1960. Os jornais noticiaram amplamente os
acontecimentos motivados pela insistência de navios franceses em
freqüentar a plataforma continental nordestina. Atraídos pela então
farta população de lagosta na costa brasileira, os franceses reclamaram
ao Itamaraty vantagens melhores. Em um documento da SUDENE -
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste -, de 1962,
constava que “nessas conversações a parte francesa mostrou-se:
contrária à comercialização de lagostas como importação do Brasil,
referindo que os direitos cobrados na França em tal caso se elevam a
35%, e insatisfeita com a restrição imposta à eventual participação sua
no capital de sociedades mistas de pesca, que não poderá exceder a
40%”. (MUNIZ 2002)17.

Esse tipo de incidente leva-nos a pensar nos números relativos à produção,


importação e exportação, pois essa prática de invasão da costa brasileira deve ter
ocorrido não só com a França e não só naquele período histórico já que o Brasil não
apresentava produção de lagosta.
No Brasil a pesca da lagosta apresenta uma frota de embarcações de pequeno,
médio e grande porte, apresentando as de grande porte principalmente no estado do
Ceará. Os apetrechos de pesca que ocorrem na costa nordestina passando por certo
desenvolvimento ou poderíamos dizer passou por algumas mudanças: “As modalidades
de captura existentes são, como já foi dito anteriormente, a pesca de rede (caçoeira), a
de covo (landuá) e a de compressor (mergulho). (CARVALHO; FERREIRA;
VACONCELOS; OLIVEIRA; CAMPOS 1996, p. 04).

3.2 A exploração da lagosta em Muriú (1960-80).

De acordo com os relatos obtidos na pesquisa de campo, coleta de dados de forma


oral, com depoimentos de vida e sobre a comunidade identificamos como ponto de
partida o ano de 1960 em diante na pescaria da lagosta para fins comerciais com
apetrechos voltados para a captura da lagosta. Anterior a esse período a pesca da lagosta
se restringia a captura acidental na qual esse pescado tinha pouquíssimo ou nenhum
valor. Esse fato é comum as comunidades pesqueiras da lagosta pelo Brasil a fora.
Ficaremos como exemplo uma comunidade cearense de Canoa Quebrada, onde o
desenvolvimento se deu de forma semelhante. Enquanto a lagosta não tinha valor
econômico não existia nenhum esforço para capturá-la, isso ocorria de forma acidental e
era alimento dos próprios moradores da comunidade. Quando a lagosta é posta como

17
Artigo retirado de internet disponível em
HTTP://www.memorialpernambuco.com.br/memorial/117historia/guerradalagosta1.htm, acessado em
02/12/09 as 15h24minh.
36

produto de grande procura começam as mudanças na comunidade. Conforme trecho


retirado de um cancioneiro de José da Rocha Freire conhecido como Zé Melancia:

A lagosta de repente, no Ceará, de refeição de pobre, passou à de rico.


Houve tempo, e não está distante, que a unidade podia ser adquirida
ao preço de cinco cruzeiros velhos. Mas bastou que barcos franceses,
de pesca, se aproximassem do nordeste, por volta de 1960, para que o
crustáceo, localizado nas águas da costa marítima, atiçasse a gula do
pescador profissional a soldo de firmas de grandes capitais. A pesca
de lagosta é realizada com o jereré, este mede aproximadamente um
metro de boca, e um metro e trinta de saco, o que se entende como
"corpo de jereré". (CAMPOS 199918).

Deu-se da mesma forma a exploração da lagosta na praia de Muriú. Segundo


relatos de moradores da comunidade que presenciaram o início da grande procura por
lagosta, antes a lagosta só era capturada acidentalmente com linha de mão, nesta ocasião
pouquíssimas vezes se vendiam o pescado, era mais utilizado na alimentação dos
nativos mesmo. Quando era comercializada era a baixos preços e, algumas vezes doado
a um amigo ou compadre veranista que estivesse na praia. Na entrevista obtida com
moradores isto fica bem evidente, como foi relatado por Sebastião Vieira Clemente
conhecido na comunidade por Basto, em entrevista concedida no dia 15/01/2010
quando perguntado se os pescadores já utilizavam a lagosta:

Não, ainda não, antes de começar não usava não. Às vezes por acaso
eles pegava uma lagosta, duas, três no Maximo com anzol. Sem valor
era utilizada pra pessoa se alimenta, o pescador cozinhava e levava pra
casa pra comer. [...] começou em 1960, e era pescada com um aro,
como uma argola, tinha uns que chamava landuá, outros chamava
pitimbóia, outros chamava pulsar e era tudo a mesma coisa qualquer
um desses três nomes[...]. (BASTO19 2010).

Com a grande reserva de lagosta na praia de Muriú, começam a aparecer às


primeiras empresas de pesca beneficiamento e comércio da lagosta. Tiveram várias
segundo relatos dos moradores. Segundo Basto a primeira empresa de pesca a se
instalar na comunidade foi uma que se chamava Morga, não se sabe a origem dessa
empresa, com embarcações próprias e material de armadilha para captura da lagosta.
Como já foi narrado por Basto, a armadilha utilizada primeiramente foi landuá que
também era chamado de pitimbóia ou pulsar. Seguindo uma sequência teríamos depois

18
Fragmento de cancioneiro retirado de revista eletrônica jangada Brasil, não contém paginação.
19
Fragmento de entrevista Com Sebastião Clemente, no dia 15/01/2010. A nota é extensiva a outras
citações no decorrer do trabalho que sejam identificadas como Basto 2010.
37

o covo e posteriormente a pesca com mergulho. Essas técnicas têm suas disparidades
entre si e principalmente em relação às técnicas de pesca já utilizadas há tempos na
praia de Muriú. Dessas técnicas a que trouxe mais problemas a adaptação dos
pescadores foi o mergulho, mas retornaremos a ele posteriormente.
A partir do momento em que se evidencia a grande quantidade de lagosta nas
proximidades de Muriú e as empresas se instalam, começam as mudanças a começar
pela embarcação que antes eram todas a pano20, como as jangadas de cortiça. As
embarcações a pano que chegam por parte das empresas eram feitas de madeira, as
outras embarcações eram botes a motor geralmente de pequeno ou médio porte, ou seja,
medindo até doze metros de comprimento. Neste sentido o pescador além de se deparar
com outras técnicas de pesca também teve de reformular seu dicionário. Ele antes estava
habituado com palavras como: escota, estais, vela, trancas, contra escota, passou a falar
em motor a óleo, pifar, bateria, gelo, nível de óleo, acelerador, (Hélio Galvão apud,
SOBRAL, 2009).
Podemos identificar esses pontos de modificações na comunidade pesqueira como
modernização, a modernidade é vista de formas variadas por diferentes pensadores, se
nós vemos à modernidade pelo pensamento durkheimiano concebemos um período de
grandes turbulências e transformações, se analisarmos pela perspectiva do pensamento
weberiano tem-se uma perspectiva pessimista, nesta linha de pensamento a
modernidade é vista um mundo paradoxal onde o progresso material se da à custa da
burocracia que esmaga a criatividade individual. Durkheim assim como Marx via os
benefícios trazidos pelo progresso como gratificante e esses benefícios superavam as
características negativas da modernidade.
Em Muriú o progresso trazido pela modernidade é de significativa relevância do
ponto de vista material na vida de seus habitantes que a partir da exploração da lagosta
puderam adquirir diversos bens duráveis, bem como uma melhor qualidade de
alimentação. Nos discursos dos moradores é notória essa visão de melhoria da vida
material como nos mostra parte do depoimento de Raimundo E. Sales conhecido na
comunidade como José de Vicente em entrevista dia 26/12/2009:
Rapaz pra sobrevivência ficou muito melhor depois da lagosta, as
pessoas poderiam comprar as coisas né, compra uma casa, comprar
comida tudo. Mais a relação com as pessoas dentro da comunidade
depois da lagosta teve mudança pra pior, ficaram desunido, não se

20
Embarcação à vela que tem como vetor o vento, essas embarcações são características de colônias de
pescadores bastante simples.
38

respeitam mais, antigamente era a época dos ignorantes mais havia


respeito hoje é a época dos civilizado e as pessoas não se respeitam.
(JOSÈ DE VICENTE 2009).

Para Basto quanto para José de Vicente os benefícios trazidos pela lagosta
formam muitos, porém diverge com relação ao convívio com os outros dentro da
comunidade. Para José de Vicente as melhorias nas condições de vida foram seguidas
de maus relacionamentos entre moradores. Basto concebe que as coisas só mudaram pra
melhor.

O relacionamento de pessoas assim, eu acho que mudou pra melhor


não teve nenhuma diferença assim de piorar não na relação com as
pessoas assim de tratar mal um com o outro, não mudou não, mais as
pessoas melhoraram muito de vida. Em 19975 eu tinha um barco de
pesca. Em 1980 eu comprei um fusca novo zero com dinheiro de
lagosta e comprei o baluarte terceiro [...] as coisas melhoraram muito.
Você vê antes da lagosta era só casa de taipa, quem tinha uma casa de
taipa tinha uma casa boa, não tinha uma casa de tijolos, hoje você não
vê uma casa de taipa, só vê casa de tijolo ou de telha, pra você vê
como mudou, ninguém enricou, mas melhorou as coisas. (BASTO
2010).

Quanto à melhoria das condições de vida é perceptível nos discursos de todos os


entrevistados, assim como o fato de que também foi um consenso quase de todos os
entrevistados quanto às perdas no bom relacionamento interpessoal na comunidade.
Também se manifesta Ir. Erilda com relação às melhorias em entrevista no dia
05/01/2010:

As coisas melhoraram muito com certeza, aqui quando se comia carne


era uma vez por semana, quando se matava um animal, o resto era só
peixe, as casas de palha ou de taipa, depois foi que as pessoas
começaram a ganhar dinheiro e começaram a fazer casa de tijolo, só
depois das lagostas. (Ir. ERILDA 2010).

Os mesmos aspectos da melhoria de vida são corroborados com os depoimentos


de outros moradores como Ir. Eva, Elionaldo, José de Vicente, Raimundo Cabo e
Roberto Furtado que em entrevista no dia 02/01/2010, dá os aspectos com relação às
mudanças na relação entre as pessoas depois da lagosta:

Olhe agente vivia aqui numa relação muito boa. Antes da pesca da
lagosta como os pescadores não sabia quanto valia a lagosta muitas
vezes eles davam de presente, também agente ajudava eles quando era
preciso, cansei de acabando de chegar de Natal tinha um aqui pedindo
socorro. Lá eu ia prestar socorro, quando ia ganhar neném levava e
39

trazia a mãe. Ai eles davam os filhos pra gente ser padrinho, eu tenho
muito afilhado aqui, to cansado de parar aqui as peladas de futebol na
praia enquanto passava porque os meninos vinham me dar à bênção.
Depois da pesca da lagosta esses mundos ficaram mais afastados, não
existe mais isso de dar lagosta, agora eles se pegam querem logo
vender, digo com certeza que a relação antes era bem melhor. (Dr.
ROBERTO FURTADO 2010)

Essa modernidade com beneficio material não é acompanhado do beneficio social


e cultural. Como o final do trecho da entrevista com José de Vicente mostra, em
decorrência dos progressos trazidos pela modernidade vem junto o desrespeito, com os
pares e em particular com o meio em que essas pessoas viviam. Na vida cultural dessas
pessoas há uma guinada de tal forma que as memórias do período anterior quase
desaparecem. Em boa parte dos entrevistados relatos da vivencia ou do que era dito
pelos mais velhos sobre o ritual de “tirar memória” (corrida do anel), e os currais de
peixes, já mencionado, ficam praticamente relegados.
Essa modernidade quando interfere na relação do grupo com o meio em que vive
faz com que o ecossistema marinho seja afetado. Quando se fala em produção de
lagosta se pensa logo em aumentar a capacidade de captura, porem não se dá conta que
para um desenvolvimento pesqueiro ocorrer de forma sustentável não se deve pensar em
aumentar vertiginosamente a produção e sim criar mecanismos para que a prática da
pesca seja uma forma de desenvolvimento sustentável para essa população e não uma
explosão de produção em um período e depois se esgotar deixando as pessoas em
situação difícil de sobrevivência. Segundo relatos de pescadores esse desrespeito gera
uma conseqüência danosa a existência desse crustáceo. Assim diz Maurino em
entrevista no dia 23/12/2009:

Rapaz antes já tinha um período de defeso, agente num pescava não, a


empresa era que pagava. Também tinha um negócio, a empresa não
queria lagosta ovada não, mas tinha uns cara que pegava a lagosta e
raspava as ova e trazia mas dava pra perceber que a lagosta era
ovada.( MAURINO 2009).

Quanto esse período do defeso há entre os entrevistados uma divergência. Alguns


afirmam que o defeso era custeado pelas empresas. Porém Basto afirma que na verdade
não havia um seguro pago pela empresa na verdade o que havia era o chamado vale21
que até hoje é utilizado. Basto em entrevista no dia 15/01/2010 nos esclarece quanto a
isso:

21
Forma de adiantamento de dinheiro dos atravessadores ou donos de botes, quando não há pesca.
40

Essa leis de fiscalização começaram acho que por volta de 1975, com
a SUDEP, era só a SUDEP, não tenho dia determinado não só sei que
foi com a SUDEP [...] não, não existia isso da empresa pagar defeso
não, o que acontecia era que eles faziam vale. No período que não
pescava ia pedia um vale, mais não era uma lei não. (BASTO 2010).

Segundo Newton Freitas a regulamentação da pesca da lagosta data mesmo do


período apontado por Basto. Newton Freitas ainda acrescenta:

A redução da população de lagosta com a exploração foi muito


evidente e exigiu a intervenção do Estado. A partir de 1975, o governo
federal regulamentou o período de interrupção da pesca (período de
defeso para a reprodução do crustáceo), estabelecido de janeiro a maio
de cada ano. (FREITAS 2009)22.

Notadamente a melhor defesa para lagosta não se constitui do período do defeso,


que compreende um período de interrupção para reprodução da lagosta. A problemática
da proteção deste crustáceo seria mais bem empregada, ou seja, seria mais eficaz e
eficiente se fosse feita de forma a conscientizar as pessoas quanto à importância tanto de
não se pegar lagostas abaixo da medida de comércio, bem como de promover o
conhecimento quanto à arte de pesca predatória e a iminência da extinção do crustáceo
tão valorizado. Ora, no período do defeso até hoje o IBAMA fica correndo a traz dos
armadores que seus donos não respeitam o período do defeso, quanto à medida de
comércio da lagosta (bitola) esquenta o comércio clandestino de lagosta que são
apanhadas.

3.3 A chegada das empresas: a divisão do trabalho e o imaginário do pescador.

Com a constatação de que Muriú possuía um grande potencial pesqueiro se


instalaram diversas empresas de pesca e beneficiamento do pescado. Como já foi dito a
primeira empresa a se instalar aqui foi a Morga, posteriormente se fixaram outras
empresas trazendo sempre as técnicas que aqui ainda não havia segundo José de Vicente
que fala na entrevista no dia 26/12/2009.

Aqui teve a Copen, trazendo as jangadas a motor, depois veio a


Itapesca, depois veio a Norte Pesca com embarcação de grande porte e
pequeno porte, depois veio a Frinap que tinha estaleiros que
reformava as embarcações, a Frinap era de Abelardo Bezerra. Aqui a
Frinap fazia tudo, fazia covo pra eles e pra vender a outras empresas,

22
Fragmento de artigo da internet, disponível no site: http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp
acessado em 02/12/2009.
41

beneficiava a lagosta, a lagosta já saia daqui pronta pra exportação.


(JOSÉ DE VICENTE 2009).

Das palavras de José de Vicente podemos identificar que a produção lagosteira


não se restringe a pescadores e donos das embarcações há toda uma cadeia produtiva. A
partir das empresas que se instalaram em Muriú podemos organizar uma cadeia
produtiva da seguinte forma: pescadores, catraieiros, as pessoas que trabalhavam no
beneficiamento, principalmente mulheres. Essa ampla cadeia produtiva se traduzia em
circulação financeira na comunidade, ou seja, daquilo que era produzido boa parte do
lucro corria na própria comunidade. Apesar de as pessoas locais não terem a menor
idéia de qual valor da lagosta na exportação, aqui tudo era contabilizado e a principio a
lagosta era medida por peça e não por quilo, isso talvez em conseqüência da boa
qualidade das lagostas encontradas aqui, um local praticamente virgem nessa
exploração.
Assim quando se foi instalando aqui estas empresas e quando as técnicas vão se
modificando temos uma variação tanto na divisão do trabalho quanto na hierarquia de
trabalho, tanto nas embarcações quanto na empresa. Desde o princípio o imaginário do
pescador foi floreado pelo momento bom de grande ganho na pesca da lagosta. Quando
os entrevistados foram indagados quanto ao imaginário dos pescadores à resposta foi
uma só: Viveu o momento. Francisco Ferreira Galdino, Feló como é conhecido na
comunidade, em entrevista no dia 18/12/2009 diz:

Caba vei, viveram o momento, não pensavam em juntar nada, poucas


pessoas juntava alguma coisa. O cara queria era gastar, tomar banho
de cerveja, fechar cabaré, não queria nem saber. Acho que porque
achava que sempre que fosse pro mar trazia mais e quase sempre
durante um tempo trazia mesmo, mas eles não pensava não. (FELÓ
2009)23.

Essa condição de não pensar no futuro é constatado por todos que foram
entrevistados, isso pode estar ligado às mentalidades desses pescadores que havia saído
há pouco tempo de uma modalidade de produção onde o fruto era pouco lucro. Diante
da nova situação ele não está ainda adaptado a esse pensamento capitalista tão pesado.
Segundo o pensamento de Duby o mental muda mais lento que o social, sendo assim
essas pessoas passaram por mudanças econômico – social porém suas mentalidades
ficaram a de tempos a traz.

23
Citação extraída de entrevista com Francisco Ferreira Galdino no dia 18/12/2009. A nota é extensiva a
outras citações do mesmo entrevistado identificado como Feló 2009.
42

Outro depoimento que demonstra a falta de preocupação com o futuro foi o do Dr.
Roberto Furtado, onde ele fala de pescadores que após ganhar dinheiro não voltava no
outro dia para trabalhar, só voltava quando o dinheiro acabava demonstrando a falta de
preocupação com seu futuro:

Tem outra coisa viu, o pescador é indolente, ele chegava fazia conta
recebia o dinheiro e sumia. Ia tomar cachaça, se encontrar com
mulheres, só voltava quando não tinha mais dinheiro. Ai chegava por
ali e dizia eu não vim pescar porque o vento estava ruim ai não dava
pra pescar. Ou então dizia que tava doente sendo mentira. (ROBERTO
FURTADO 2010).

Basto afirma que esse pensamento está ligado ao fato de na época os pescadores
confiarem que indo pescar traria lagosta e também por conta de sua mentalidade. Para o
pescador isso não era uma variável era uma constante, devido à grande quantidade de
lagosta que havia no estoque natural. Há relatos de que na época saiam caminhões de
cabeças de lagosta das empresas para serem jogadas fora. Ora se pega em um dia uma
quantidade de lagosta que chega a encher um caminhão só com as cabeças das lagostas
como imaginar que acabaria? Assim Basto afirma:

O mergulhador ganha mais que o manguereiro, mas tem manguereiro


que tem uma casa pra morar tem mergulhador que não tem. Porque o
mergulhador como ganhava mais ele não pensava em no outro dia ir
trabalhar e juntar o dinheiro, gastava tudo. O manguereiro como
ganhava menos ele pensava em cuidar da família e ta sempre presente
pra trabalhar [...] com certeza isso ta bem claro ele achar que todo dia
tava cheio de lagosta no mar né, nunca pensava que um dia a lagosta
fosse chegar num ponto que dificultasse. (BASTO 2010).

Voltemos então para questão das mudanças nos equipamentos de pesca e o que
essas mudanças acarretaram na comunidade. Já falamos da pesca acidental, quando não
se tinha nenhuma técnica de captura da lagosta. Logo após começam a vir às empresas,
mesmo assim a pesca era feita de forma artesanal com embarcações sendo as jangadas
de taboa, onde nessas embarcações pescavam em media dois a três pescadores com o
principal instrumento sendo o landuá ou pitimbóia, nesse período quem tivesse
conhecimento pra navegar poderia pleitear uma vaga para pescar nas jangadas das
empresas. Com a empresa Norte Pesca, surgem as embarcações que segundo os
pescadores mais velhos eram grandes começa a se introduzir a pescaria de covo, nessa
pescaria pescam em média três a quatro pescadores, sendo distribuída a sua hierarquia
da seguinte forma: mestre responsável pela navegação, deveria saber onde fundear os
43

covos bem como das marcações para quando fossem despescar; contra mestre auxiliava
o mestre e outros serviços de despesca; proeiro era responsável por puxar os covos
despescar e arriar novamente.
A pesca da lagosta com técnica de mergulho veio pra Muriú através de um fiscal
da SUDEP chamado Wilson Polier que começou com mergulho de cilindro de oxigênio.
Segundo Basto a pesca de mergulho com o compressor adaptado tem inicio em Caiçara
do Norte em 1973 pela pouca quantidade de covos eles mergulhavam na Urca da
Conceição e depois foi se espalhando pelo estado do Rio Grande do Norte. Na pescaria
de mergulho se pescam em um barco em media cinco pessoas, dois manguereiro, dois
mergulhadores e o mestre do barco. Nesse tipo de pescaria de mergulho se adapta um
botijão de gás a um compressor e o mergulhador recebe o ar por meio de uma
mangueira, esse ar compromete bastante o mergulhador, pois não é tem um bom nível
de oxigênio, outro fator que faz com que essa prática seja muito perigosa é fato de que
os mergulhadores não tinham nenhuma instrução de mergulho não sabiam dar a
chamada descompressão24o que acarretava vários acidentes deixando muitos pescadores
aleijados ou mortos.
Foi perguntado a todos os pescadores entrevistados se o dinheiro circulava por
aqui mesmo na comunidade, a resposta de todos foi positiva que o dinheiro circulava
por aqui, porém quando perguntados se sabiam quanto valia a lagosta lá fora todos
responderam que não fazia a menor idéia. O senhor José de Vicente quando perguntado
sobre o ganho do pescador e se ele ficava na comunidade respondeu:

O ganho era pouco se ganhava quinze por cento do lucro, mas parte do
dinheiro ficava aqui mesmo na comunidade [...] se sabia quanto
eles pagariam aqui mais agente não sabia qual o valor da lagosta
lá fora não. Aqui o dono da firma fazia as contas e pagava um
valor já estipulado por ele. (JOSÉ DE VICENTE 2009)

Podemos identificar os pescadores segundo pensamento de Marx como alienado,


pois não tinham idéia do valor real do produto que era fruto de seu trabalho.
Aproveitando o pensamento marxista podemos analisar esse período de expropriação
com os pescadores que é intrinsecamente da pesca por determinismo geográfico, sendo
separado da prática da pesca, pois não eram portadores dos meios de produção. Assim
sendo restavam-lhes a venda de sua força de trabalho. Ainda segundo o pensamento de

24
Processo de demorar bastante na subida para se adaptar a pressão atmosférica que é diferente no
fundo do mar e acima do mar.
44

Marx qualquer salário não paga o trabalho de um trabalhador, pois ele não conhece o
produto final de sua força de trabalho. Isso é completamente aplicável ao que ocorreu
em Muriú.

4. A METODOLOGIA NO ENSINO DE HISTÓRIA

O ensino de história no Brasil vem se aprimorando entre acertos e erros, tateando


do ambiente escuro em que o colocaram as correntes contrárias ao ensino tradicional,
para a luz no fim do túnel apontada pelo pensamento das correntes sócio-construtivistas
ou escolanovista. Nesse aprimoramento as práticas se constroem e reconstroem, muitas
permanecem outras se modificam para dar conta do caráter problematizado das
temáticas que se pede para uma formação de um cidadão crítico. Porém, desse ponto
inicial da história tradicional à escola da inovação e construção há o meio termo, que
constitui o veneno das práticas pedagógicas nas escolas Brasil a fora. Um ponto que tem
uma prática que é avançada para ser tradicional e ultrapassada pra ser sócio-
construtivista. Para que haja o ensino/aprendizagem não se faz necessário empregar uma
prática única e acabada, todos os meios devem ser tentados a fim de fazer com que o
aluno desenvolva suas competências para uma prática social equilibrada na busca de sua
identidade cultural que é fundamental para o planejamento de ações futuras.
O ensino tradicionalmente instituído de história nas escolas brasileiras desde o
princípio se constitui em material ideológico das elites bem como auxiliava na formação
de uma identidade de pertencer a um país chamado Brasil, sobretudo na formação do
nosso território e identidade nacional brasileira. Para a construção dessa identidade
nacional o ensino se valeu de ressuscitar os mitos que outrora eram os vilões (entre eles
o Tiradentes) para posteriormente se transformarem nos heróis nacionais. Mais
invocado pelo poder político instituído que pela afinidade com o povo. Essas práticas da
história nas escolas tinham o progresso como objetivo através da ordem cronológica dos
fatos, fruto da historiografia positivista presente e predominante no Brasil, sobretudo no
século XIX, conseguindo permanecer até as ultimas décadas do século XX. Quanto isso
nos fala Campos, Barroso Junior e Bezerra25:

25
Autores de artigo sobre historiografia e ensino de historia na atualidade, com titulo “os antecedentes
historiográficos como base para o ensino de história atual”, não consta paginação ou ano de publicação.
45

O problema que se coloca é como o século XIX, ícone da vertente


positivista, fundadora da historiografia, que postulava a objetividade
do conhecimento, a captura dos fatos, desconhecendo a
problematização do real e privilegiando a organização, o arranjo e
cada coisa em seu devido lugar para a perfeita orientação ética da vida
social, ainda permanece um dos pilares de sustentação dos paradigmas
atuais. (CAMPOS; BARROSO JUNIOR; BEZERRA).
De certo essa prática alicerçada a corrente positivista produzia alunos
contemplativos que não eram construtores de um conhecimento sobre uma visão de
mundo que permitisse a ele ponderar e considerar aquilo que o mostravam como
verdade pronta e acabada, próprio do fazer da pesquisa na vertente positivista.
É importante compreender que na metodologia do ensino tradicional o centro
estava mais voltado para o conteúdo e o professor que para o aluno e a relação entre
ensino e a aprendizagem. Desta forma os alunos são receptores e os professores por
mais eruditos que fossem eram meros reprodutores de um saber sem nenhuma crítica.
Fazendo assim com que o aluno nos dizeres de Paulo Freire o aluno aprenda a pensar
errado, quando o papel do professor nos novos paradigmas é fazer com que o aluno
aprenda a pensar certo:

Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da


paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não
apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. [...]
O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao
texto, temeroso de arriscar-se, [...]não percebe, quando realmente
existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no
país, na sua cidade, no seu bairro [...]Fala bonito de dialética mas
pensa mecanicistamente. Pensa errado. (FREIRE 1996, p. 14-15).

Por isso nas ultimas décadas notamos o esforço de profissionais da área de


educação na perspectiva de transformar o aluno receptor que simplesmente reproduz
aquilo que é transmitido nas salas de aula naquele aluno participativo, que pode e deve
se transformar em sujeito de sua própria história. Temos então nas palavras de Paulo
Freire um referencial na transformação desses discentes, assim como da prática dos
docentes:

Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível e


pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou
continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes
não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo
contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos
vão se transformando em reais sujeitos da construção e da
reconstrução do saber ensinando, ao lado do educador, igualmente
46

sujeito do processo. (FREIRE 1996, p. 14).

Para que isso tome corpo como resultado esperado eficaz e eficiente é necessário
modificar não só a ação pedagógica em sala de aula, se faz também necessário inovar
nos materiais que subsidiam a apreensão ou construção do saber nas salas de aula,
saindo do tradicional quadro, giz e livro, que no caso brasileiro é uma vitória quando os
temos, e buscar subsídios diretamente na documentação que é utilizada para construção
historiográfica que se justifica frente o argumento explicitado por Circe Bittencourt:

As justificativas para utilização de documentos nas aulas de história


são várias e não muito recentes. Muitos professores que os utilizam
consideram-nos um instrumento pedagógico eficiente e insubstituível,
por possibilitar o contato com o “real”, com as situações concretas de
um passado abstrato, ou por favorecer o desenvolvimento intelectual
dos alunos, em substituição de uma forma pedagógica limitada à
simples acumulação de fatos e de uma história linear e global
elaborada pelos manuais didáticos. (BITTENCOURT 2004, p. 327).

De fato ao se referir a documentos não necessariamente se falam em cartas-


testamentos, escrituras, inquéritos. Podemos nos referir a um relato oral que toma por
base as vivências de uma pessoa que presenciou em loco o fato tem seu ponto de vista
do ocorrido mais não foi perguntado. Esse relato oral serve também para fazer com que
o aluno consiga formular sua idéia de continuidade, permanência, mudanças e rupturas
imprescindíveis na formação do tempo histórico de cada aluno, na formulação de sua
visão de mundo.
Este trabalho é mostrado como uma forma alternativa de se abordar o conteúdo
histórico sem necessariamente estar preso ao cronograma do conteúdo programático
elaborado de forma vertical pelos órgãos estaduais e federais sem levar em conta a
especificidade de cada localidade. Esse trabalho traz a contribuição local de assuntos
anteriormente tidos como universais mais que muitas vezes o aluno não o compreende
em sua volta, pois não foi levado a pensar no contexto que o cerca.
São exemplos aplicáveis desse trabalho, por exemplo, a abordagem da dinâmica
do capitalismo, suas divisões entre os meios de produção e força de trabalho, assim
como o estudo do modelo marxista de concepção social que são abordados geralmente
no oitavo ano do ensino fundamental na disciplina de história, quando mostramos ao
aluno essas relações que não só ocorreram na Europa daquele período histórico, mais é
presente em seu cotidiano da pesca da lagosta onde, o dono do barco e das redes, covos,
landuás e compressores e do capital necessário para fazer o rancho do barco para que o
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pescador possa pescar, enquanto o pescador conta apenas com sua força de trabalho
para arriar os covos, as redes, os landuás, ou ter coragem de enfrentar os perigos do
fundo do mar no mergulho com compressores. O pescador sabe fazer, enquanto o dono
do bote possui o modo pelo qual pode vir a ser feito esse trabalho, ou seja, o meio de
produção.
Podemos também ter nesse trabalho uma forma de se abordar no sexto ano do
ensino fundamental o trabalho do historiador, a partir das fontes de história oral, como
uma forma de se compreender o processo de escrita da história, levando em conta as
mudanças na forma de se conceber o que são os documentos que subsidiam o trabalho
do historiador no processo de construção da história. Com o confronto de depoimentos
orais diferentes e analisando secundariamente os documentos escritos, levam-nos a
perceber de forma empírica a formação das diversas versões que se formam no entorno
de um mesmo fato, ou problemática.
Pode-se também fazer uso deste material subsidiando os alunos do nono ano
fazendo com que eles desconstruam a idéia de uma identidade nacional única como
pretendiam formar desde o período de independências, constituição da república até os
presidentes militares no período da ditadura militar, fazendo com que eles conhecessem
o contexto que vivia sua localidade em diferentes períodos, para que ele identifique a
formação de uma história plural, assim temos nas palavras de Ricardo Oriá que afirma
sobre a utilização de conteúdos que priorize a cultura a partir da memória no ensino –
aprendizagem no ensino de história é: “[...] a fim de estimular, nos alunos, o senso de
preservação da memória social coletiva, como condição indispensável à construção de
uma nova cidadania e identidade nacional plural”. (ORIÁ 2006, p. 128).
O conteúdo deste trabalho pode ser utilizado como fonte bibliográfica,
subsidiando o conhecimento nas aulas de economia do Rio Grande do Norte, no ensino
médio se falando de extrativismo, também para que ele perceba qual o ponto que
globaliza a sua localidade, o que tem em Muriú que a coloca no panorama global, neste
caso em primeiro foi a produção de lagosta. Na aula de cultura do RN os indícios de
praticas culturais locais seria uma boa opção para trabalhar a identidade e ligar essas
práticas a um contexto mais amplo a nível estadual e nacional, para que ele perceba
também suas semelhanças com o seu país e não só as diferenças.
Objetivamos com a utilização da temática local nas aulas de história que os alunos
consigam identificar as rupturas e permanências, consiga adquirir uma noção de tempo
histórico levando em conta os acontecimentos de curta, média e longa duração, consiga
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reconhecer suas peculiaridades a partir do que sua comunidade tem em comum e


diferente com relação a outras localidades e outros tempos históricos, assim será capaz
de reconhecer e respeitar as diferenças encontradas em relação a outros grupos culturais.
Sobre isso nos afirma Fonseca:
Conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais em
diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais,
econômicas e políticas reconhecendo diferenças e semelhanças entre
eles [...] Reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas
presentes em sua realidade e em outras comunidades, próximos ou
distantes no tempo e no espaço [...] Valorizar o patrimônio sócio-
cultural e respeitar a diversidade, reconhecendo-a como um direito dos
povos e indivíduos e como elemento de fortalecimento da democracia.
(FONSECA 2003, p. 32-33).

Os pontos de exemplos aplicáveis que podem suscitar aulas em diferentes séries


do ensino fundamental, colocados a cima, a partir da temática abordada neste trabalho
cumprem para o ensino o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da educação – LDB para
Fonseca:

Os currículos do Ensino Fundamental e Médio devem ter uma base


nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia
e da clientela. (FONSECA 2003, p. 32).

Da mesma forma também encontramos nos PCNs de história a cerca da


introdução de temas locais, assim como do inovar do professor para que o aluno
compreenda seu meio a partir do contato com outras localidades, neste ponto vejamos o
que nos dizem os PCNs de história para o ensino fundamental:

[...] cabe ao professor criar situações instigantes para que os alunos


comparem as informações contidas em diferentes fontes bibliográficas
e documentais, expressem suas próprias compreensões sobre o assunto
e investiguem outras possibilidades de explicação para os
acontecimentos estudados [...] Na localidade onde as crianças moram,
existem problemáticas que só podem entendidas na medida em que
elas conhecem histórias de outros espaços e de outros tempos [...].
(PCNs 2001, p. 61-63).

Na fase de estágio supervisionado foi identificada uma dificuldade muito acentuada no


que diz respeito à leitura e interpretação de textos bem como de outros tipos de leituras como,
por exemplo, leituras de imagens bem como de filmes cinematográficos o que dificulta ainda
mais o processo de formação do sujeito histórico ativo. Por isso em nossa metodologia deve-se
priorizar o uso de fragmentos de documentos, para incentivar a leitura e a interpretação de
49

informações para produção de sua visão de mundo. Outra opção é o convite de pessoas com
mais vivencia na comunidade para ser entrevistada pelos alunos, daí eles podem saciar suas
curiosidades logo após confrontar essas informações com outras bibliografias para legitimar
seus pontos de vista e hipóteses. Trazer a sala de aula instrumentos de pesca de diferentes
momentos para que ele possa refletir sobre as continuidades e rupturas no processo de pesca na
sua comunidade, relacionar essas mudanças com o progresso, a modernidade e os benefícios e
maléficos para a sua comunidade, o que permitira a ele uma criticidade maior no que diz
respeito à relação modernidade / qualidade de vida / sustentabilidade, que imprescindível para
continuidade de determinadas práticas na comunidade em que ele se insere.

4.1 História local e a sala de aula

A elaboração dessa proposta foi baseada na dificuldade dos alunos da Escola


Municipal Augusto Xavier de Góis. Esses alunos apresentavam grande dificuldade em
compreender o contexto amplo dos fatos trabalhados baseado unicamente nos livros
didáticos. A relação de aspectos da historia local com os acontecimentos dos fatos em
nível de espaço e tempo mais globais que os farão compreenderem melhor sua
realidade, uma forma avaliativa que dê conta da heterogeneidade dos níveis de
aprendizagem bem como das atividades ocorridas em sala de aula que será diferenciada
da forma tradicional constitui o cerne desta proposta.
O ensino de história no Brasil de forma categórica vem utilizando o livro didático
como único recurso didático, o que acarreta às aulas uma carga muito grande de
imobilidade e apatia por parte de alunos e professores, fazendo com que o aluno cidadão
e sujeito histórico que é objetivado pelos intelectuais da educação e da mesma forma
pela LDB e pelo PCN de história. Assim segundo os PCNs é imprescindível para o
aluno relacionar as problemáticas que são recorrentes em sua localidade e compará-la
com outras localidades para daí compreender as relações interpessoais nos diversos
tempos e espaços históricos, é vendo outros contextos e estudando outros espaços que
podemos mensurar e entender as problemáticas que nos cercam. O estudo de espaços e
tempos históricos é importante para os PCNs de história para o ensino fundamental por
que:

A opção por estudos que relacionam as problemáticas locais com


outras localidades explica-se pelo fato de que, nos estudos históricos é
fundamental localizar o maior numero possível de relações entre os
acontecimentos e os sujeitos históricos, estabelecidas, também, alem
de seu próprio tempo e espaço, em busca de explicações mais
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abrangentes que dêem conta de expor as complexidades das vivencias


históricas humanas [...] assim, só numa dimensão de tempo que se
alarga em direção ao passado e numa dimensão de espaço que
contempla outras localidades, é que se evidenciam as particularidades
locais e o que nela existe em comum ou recriado em relação aos
outros lugares. (PCNs 2001, p. 64).

Temos a partir deste trabalho uma forma de levarmos a dimensão do local para a
sala de aula, esta forma é a utilização de documentos em sala de aula. Porém, para
utilizarmos esse tipo de material de forma didática devemos em primeiro lugar
reconhecer uma diferença primordial entre o uso do documento pelo historiador na
pesquisa histórica e o uso do documento como material didático. Sabemos que o
historiador ao analisar os documentos tem um objetivo diferente do que o professor terá
em utilizá-lo em sala de aula, também que o historiador possui conhecimentos prévios a
respeito do assunto ao qual a documento faz referência, é a partir desse conhecimento
que ele vai encontrar as perguntas a fazer a seu documento, quando o documento é
indagado pelo historiador, quando ele começa a trabalhar com ele a fim de adquirir as
respostas necessárias a sua problemática o documento se constituirá em fonte histórica.
Desta forma, devemos nos preocupar em não estar forçando a barra, pensar que estamos
estimulando o ser critico e ao invés disto estamos tentando formar pequenos
historiadores. A esse respeito afirma Circe Bittencourt:

Recorrer ao uso de documentos nas aulas de história pode ser


importante, segundo alguns educadores, por favorecer a introdução do
aluno no pensamento histórico, a iniciação aos próprios métodos de
trabalho do historiador. Neste caso, há certa ambição em transformar o
aluno em uma “espécie de historiador” [...] os documentos tornam-se
importantes como um investimento ao mesmo tempo afetivo e
intelectual no processo de aprendizagem, mas seu uso será equivocado
caso se pretenda que o aluno se transforme em um “pequeno
historiador” [...] (BITTENCOURT 2004, p. 327-28).

Quanto à escolha de documentos escritos devemos levar em consideração alguns


critérios para transformá-los em material didático no processo pedagógico de
aprendizagem nas salas de aulas. Estes documentos não devem, por exemplo, ser muito
extenso para que seja condicionado o planejamento dentro do tempo da aula já que os
dias letivos são fracionados em horários. Também se deve levar em conta o nível de
desenvolvimento dos alunos para que o documento não esteja repleto de palavras
difíceis ficando além da compreensão dos alunos.
51

Porém, no uso de bibliografias, documentos e fontes em salas de aula como


recursos didáticos, temos um específico que é de fácil compreensão por parte dos alunos
uma vez que a forma de falar faz parte de sua realidade. Esta fonte é a entrevista semi
estruturada ou depoimento da história oral, apontada pelos PCNs de história para o
ensino fundamental, que contribuirá para a compreensão dos problemas atuais através
de uma leitura de fatos ocorridos no passado de forma sistemática levando em conta o
contexto, os argumentos os pontos de vista, organizando as informações adquiridas em
fontes primárias e contrapô-la às fontes secundárias como textos de historiadores, textos
de livros didáticos e até trabalhos monográficos:

Cabe ao professor ensinar os seus alunos a realizar uma leitura crítica


de produções de conteúdos históricos, distinguindo contextos,
funções, estilos, argumentos, pontos de vistas, intencionalidades.
Assim, além de as crianças terem a oportunidade de obter e organizar
informações diretamente das fontes de informação primárias
(construções, utensílios, depoimentos orais, fotografias), podem
aprender a obter informações de modo crítico, em fontes secundárias
(textos enciclopédicos, de historiadores, didáticos, documentários
históricos). (PCNs 2001, p. 81).

Sempre que concebemos o ensino de história se irradiando do local para o


contexto mais amplo e retornando para o local, estamos falando em construir alunos
autônomos com capacidade de identificar as relações a sua volta, um aluno que tem
consciência de seu papel junto à localidade onde mora, sabe quais seus direitos conhece
seus deveres, reconhece que é fruto de uma atividade política, no sentido não da política
instituída, mas aquela que é fruto do relacionamento inerente humano no decorrer de
gerações e gerações. Caracterizando a construção da cidadania, ou seja, do aluno
cidadão. Isso se percebe a partir do que nos diz os PCNs de história para o ensino
fundamental:

Assim, a proposta é de que os estudos sejam disparados a partir de


realidades locais, ganhem dimensões históricas e espaciais múltiplas e
retornem ao local, na perspectiva de desvendá-lo, desconstruí-lo e de
reconstruí-lo em dimensões mais complexas. (PCNs 2001, p. 65).

Essas dimensões mais complexas podem ser entendidas como as relações que os
alunos descobriram entre os seus conterrâneos e indivíduos de localidades tão distantes
e distintas que em sua mente não passou a hipótese de que houvesse relação alguma.

4.2 A proposta de avaliação


Os critérios de avaliação apontados pelos PCNs de história são os seguintes:
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Reconhecer algumas semelhanças e diferenças que a sua localidade


estabelece com outras coletividades de outros tempos e outros
espaços, nos seus aspectos sociais, econômicos, políticos,
administrativos e culturais [...] reconhecer alguns laços de identidade
e/ou diferenças entre os indivíduos, os grupos e as classes, numa
dimensão de tempo de longa duração [...] reconhecer algumas
semelhanças, diferenças e permanências no modo de vida de algumas
populações, de outras épocas e lugares. (PCNs 2001, p. 73).

A proposta avaliativa deste trabalho deve ser feita de forma a priorizar os diversos
momentos da aprendizagem dos discentes, para tanto é necessário uma avaliação
continuada, tomando como referencia não só a prova ou os testes para a aptidão ou
inaptidão, para avançar ou ser retido em determinada série ou ciclo. É necessário saber
também que os alunos de uma forma quase geral no Brasil têm por habito a prática de
perguntas e respostas através de questionários, tanto nas atividades corriqueiras quanto
nas provas ou testes, a perpetuação desta prática tem feito com que cada vez mais os
alunos ficassem apáticos no processo de ensino aprendizagem, também decorre disso a
prática da cola, já que tem suas respostas previamente em seu caderno para copiar para
prova. Outra reivindicação muito freqüente nas salas de aula diz respeito a dois tipos de
avaliação, uma é a prova com consulta, que feita aos moldes correto é uma estratégia
que funciona significativamente, sobretudo nos estudos dirigidos, porém se feitos aos
moldes do que pretendem os alunos não avalia e ainda acostumam mal os alunos no
processo de decorar e colar.
No processo de avaliação não se deve fazer com que os discentes decorem todos
os conceitos acerca de rupturas/permanecias, continuidade/descontinuidade, os
conceitos de tempo histórico assim como o tempo de duração dos eventos históricos,
decorando os conceitos de eventos de curta, média e longa duração. O que se deve fazer
é que esses alunos possam identificar todos esses pontos em seu meio, as rupturas, as
continuidades, a duração de seus eventos compararem e compreendê-los para poder usá-
lo como sujeito do presente que pode propiciar um futuro mais concreto. Podemos
utilizar como critérios de avaliação pontos que sejam liames entre o ensino-
aprendizagem e a formação de um cidadão responsável e inquisidor, como se requisita
de um bom profissional posteriormente. Então, são critérios de avaliação para essa
proposta a assiduidade no transcorrer das aulas, boa comportamento nos momentos das
aulas, coerência na produção de textos ou na formulação de respostas discursivas a
respeito da temática abordada. Sempre ao fim das discussões fechando a abordagem de
53

cada assunto ou tema se lançara duas, no máximo três, perguntas para respostas
subjetivas e de interpretação do que foi debatido para que o aluno treine sua capacidade
de formulação de hipótese e construção de sua visão de mundo. Desta forma, não
trabalhamos com um saber inflexível decoreba e sim com um saber reflexivo e que se
reconstrói mediante a apresentação de informações e lhe instigando a analisá-lo de
forma crítica. A prova não será descartada, comporá a avaliação, mas, não será o peso
principal para atribuir nota. Assim o aluno não será prejudicado caso no dia da prova
tenha algum imprevisto pessoal, também evita que alunos mal intencionados percam
aula durante boa parte do bimestre e venha no dia da prova com a cola e adquira nota de
aprovação sem, no entanto, reunir conhecimentos e competências suficientes para estar
no nível posterior no outro ano.
54

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao termino do trabalho de pesquisa concluímos que de fato a pesca da lagosta foi


um evento de proporção significativa no desenvolvimento econômico da comunidade de
Muriú trazendo ganhos significativos no que diz respeito à melhoria na condição de
vida, com a possibilidade de adquirir bens duráveis e melhoria na habitação coma
construção de casas de alvenaria como apontava nossa hipótese. Concluímos também
que o dinheiro circulava bastante dentro da comunidade, pois a escala de produção não
dizia respeito só à pesca, mais a produção de covos, de tela para a fabricação dos covos,
beneficiamento da lagosta, cada nível desses significava pessoas empregadas e dinheiro
circulando na comunidade, porém se evidencia que os moradores só sabiam quanto
custava à lagosta aqui mais seu valor final depois de beneficiada ele não tinha
conhecimento. Esta melhoria na condição de vida não se efetiva na vida de todos os
pescadores que tiveram oportunidades iguais, alguns ascenderam socialmente enquanto
outros permaneceram em condições sociais ainda bastante incipiente devido as suas
mentalidades não estarem voltadas para a acumulação de capital ponto principal do
mundo capitalista globalizado, quem não guarda não tem. A melhoria na condição de
vida houve, porém, nas relações interpessoais pode-se afirmar que houve prejuízos neste
relacionamento, no cumprimentar ao passar nas ruas, no respeito de um para com o
outro e consigo mesmo, no respeito ao meio ambiente que lhe proporcionou melhorias
de vida. Conclui-se que há um desenvolvimento de técnicas que vão sendo introduzidas
no decorrer do tempo começando por volta de 1960 com o pulsar ou landuá,
implantação da pesca com covo e posteriormente com mergulho por volta de 1975, este
ultimo prevalece desde esse período no Rio Grande do Norte. Todas estas modalidades
de pesca agiram de forma predatória do meio ambiente, com sobre pesca e a cima de
tudo com a captura de indivíduos abaixo do tamanho comercial e em fase de desova
prejudicando a reprodução do crustáceo.
Se vidência também que as práticas culturais que eram freqüentes aqui vão
desaparecendo na comunidade à medida que as relações de produção vão se acirrando
na comunidade, por exemplo, apresentação de fandango, boi de reis, chegança, corrida
do anel (tirar memória), a pescaria nos currais de peixes, passam a fazer parte só da
55

memória de poucos moradores, alguns traços culturais que permaneceram foram: a


pescaria dos tresmalhos e poucos ainda pescam com linha de mão.
Apesar de todo esse desenvolvimento produzido a partir da pesca da lagosta não
se pode conceber a historia da comunidade de Muriú como antes e depois da lagosta,
pois essa é apenas um recorte temporal entre tantos possíveis, porém, é incontestável o
caráter de mudanças e permanências em decorrência desses acontecimentos.
Podemos perceber nesta pesquisa a duração de alguns eventos como, por
exemplo, a pesca da lagosta como um evento de longa duração, porém a introdução da
pesca em si é um evento de curta duração, bem como a mudança de técnica de pesca do
landuá para o covo. Se falando de memória percebemos que quando falamos da pesca
da lagosta na comunidade a memória individual dá lugar à memória coletiva. Assim
percebemos também o caráter seletivo da memória que não armazena tudo mais
seleciona aquilo que lhe é interessante.
Os relatos orais foram imprescindíveis para reconstrução de aspectos de Muriú da
década de 60, reforçando a necessidade de uso dessas praticas em trabalhos para se
comparar a história popular da história oficial, ou quando não se tem acesso a
documentos oficiais e outros tipos de fontes.
Concluímos também que este trabalho é de fundamental importância para uso
pedagógico na formação de alunos ativos, na perspectiva de alcançar a cidadania e de
formar uma memória e uma identidade cultural própria que é imprescindível para uma
educação significativa eficaz e eficiente na produção de sua própria visão de mundo,
saindo de uma ideologia dominante difundida pelos livros didáticos até agora para um
saber do âmbito local comparado a um conjunto mais geral, possibilitando a reflexão
dos discentes sobre o mundo.
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