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Trecho do Hino nacional de Angola, apresentado nos anexos. onde estão os anexos??? a banca sentiu
falta....
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Em Angola, estes grupos compreendiam povos bantus e não bantus. Os povos de origem bantu
enquadram-se em 5 grandes grupos: Kikongu, Kimbundu, Umbundu, Lunda/kioko e Nganguela; os povos
de origem não-bantu enquadram-se em 4 grupos: Herero, Nhanheca-Humbe, Ambó e Xindonga. Existem,
ainda, agrupamentos dispersos de Hotentotes (Bosquímanos) no sul e sudeste (José Redinha, 1974).
línguas, artes e costumes. Também no campo da organização social a diversidade é
marcante.
Todos esses grupos organizam complexos sistemas ligados a manutenção e
reprodução através do tempo. Tais sistemas incluem regras e normas de vida que deram
lugar a importantes valores culturais. A maioria dessas regras, normas e valores estão
ligadas a um passado conjunto de ideais, cuja aplicabilidade é problemática em um
contexto diferente daquele que lhe deu origem, mas que garantiam o funcionamento
dessas sociedades.
Algumas dessas características e diferenças alteraram-se ao longo do tempo;
outras se mantiveram, garantindo assim certa continuidade; outras ainda desapareceram
ou vão sendo substituídas dentro de uma descontinuidade ligadas às dinâmicas impostas
pelas condições socioeconômicas, sobretudo as migrações, as guerras, as mudanças
históricas e outros eventos que se deram ao longo dos séculos.
O colonialismo é um fator histórico que pode ser apresentado como forte
responsável pela perda de muitas dessas características. O total desrespeito pelas
estruturas das sociedades existentes na época da implantação colonial e a intensificação
da escravatura, provocaram o desmantelamento dos reinos. As populações africanas
foram desarticuladas sem que, em nenhum caso, se tenha levado em consideração os
limites naturais determinados pela lógica dos costumes, pela geografia étnica, política
ou econômica de cada região e, sobretudo, demarcadas pela autoridade tradicional dos
reis ou sobas (chefes), que as aglutinavam como povos ou nações.
De grupos com um espaço econômico, social, político e cultural bem concreto,
com fronteiras adjacentes e relações diferenciadas entre si, da solidariedade e
coexistência pacífica, e conflitos mais ou menos intensos e duráveis, seguiu-se um
espaço econômico, social, político e cultural “definido geográfica e juridicamente pelo
direito constitucional português, pelos tratados celebrados com Portugal e pelo direito
internacional” (SANTOS, 2001. p.106).
Devido ao fato de a ocupação efetiva desse espaço ter sido lenta, apenas durante
o século XX se consolidou a hegemonia política da sociedade colonial, através do
desenvolvimento do estado local, com seus aparelhos e funções, do que resultou uma
formação social inacabada. Este aspecto parece-nos muito importante porque ajuda a
compreender a inexistência de síntese cultural, apesar de uma tão longa presença de
Portugal em Angola. Por outro lado, também permite a preservação de traços das
identidades étnico-culturais destes grupos, que mantêm vivas as suas memórias
coletivas, reproduzidas através de tradições e crenças transmitidas oralmente, de rituais
de passagem e de diversos tipos de celebrações, apesar dos movimentos migratórios
internos ou para países vizinhos, forçados pela guerra ou pela busca de melhores
condições econômicas e sociais; antes de se identificarem como angolanos, os seus
integrantes identificam-se com o grupo étnico-lingüístico ao qual pertencem.
A prática do império português traduzia-se na exploração de humanos
(escravos), e extração de recursos materiais (minerais e mais tarde matérias primas
agrícolas e piscícolas) e financeiros (impostos), com recurso à coerção para manter a
hegemonia, explorando as diferenças e as rivalidades entre estes grupos, como fonte de
alimentação de uma política baseada no princípio de ‘dividir para melhor reinar’.
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Em Angola o lugar das línguas nacionais está, sobretudo, no interior. As cidades são bastante lusófonas.
fatores ideológicos e culturais que relegaram as línguas angolanas à marginalização
(LÖFGREN, 1989).
A língua, ao ser o meio através do qual o ser humano dá nome à realidade
(atribuindo-lhe um sentido), expressa modos de vida, de ser e estar, de classificar e
ordenar a realidade. A marginalização de uma língua caracteriza também a
marginalização do grupo que a porta.
A perda do hábito da linguagem nacional reflete-se especialmente nas cidades.
No contexto das zonas urbanas, como a capital Luanda, o português é a língua que
predomina, porque são zonas onde os indivíduos são no geral, mais “destribalizados”
dado que se afastaram ou até mesmo cortaram o contato com o seu grupo étnico.
Contudo, manteve-se certa integridade no interior do país, o que nos permite dizer que
“sobreviveu”, até aqui, bastante bem. No contexto das zonas rurais, as línguas mais
usadas são as correspondentes a cada grupo étnico, porque os indivíduos ainda mantêm
uma forte ligação à identidade étnica do seu grupo.
É de se constatar que existe uma linguagem aportuguesada de característica dos
angolanos. Relembrando que a língua é a forma pela qual os indivíduos atribuem
significado ao mundo e que cada cultura tem sistemas de conceitualização do real
diferentes, e sabendo-se que Angola é formada de diferentes línguas e culturas, a
formação do “português angolano” emerge um encontro na diversidade angolana.
A interferência na escrita de língua portuguesa de elementos de línguas bantas
surgiu ainda na época colonial, no campo da literatura. Na altura, os escritores
angolanos estavam constrangidos a utilizarem a língua do colonizador, por ser a língua
que melhor dominavam e por necessidade de se fazerem ouvir por um público mais
vasto. Em face desta limitação, os escritores angolanos precisavam encontrar uma
solução para conseguirem criar, através da sua literatura, um sentimento patriótico de
“angolanidade”. E a solução encontrada foi a introdução na escrita de língua portuguesa
de elementos do crioulo, do quimbundo (temos exemplos marcantes da sua utilização
por escritores angolanos em Eduardo Neves, Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António
Jacinto) ou do umbundo. Tal procedimento tinha como finalidade o repúdio e a
denúncia da opressão colonialista, que vinha implicada no uso do português. "O
emprego das línguas bantas pelo escritor colonizado (ainda que parcelar) é (...) uma
afirmação peremptória e inequívoca de rebeldia e insubmissão ao estatuto de colonato
ou assimilacionismo" (LARANJEIRA, 1985, p.44). No momento, no cotidiano das
cidades, essa linguagem está marcadamente presente e aparece como que em forma de
gíria (ou calão, como se usa em Angola).
Essa discussão em torno das línguas e de seus diversos usos é extensa e tem
diversos desdobramentos. Cabe aqui apenas reforçar que este é um ponto nodal da
discussão que envolve a questão do local e suas singularidades.
“Ontem era noite escura do colonialismo, hoje é o sofrimento da guerra, mas amanhã será o paraíso. Um
amanhã que nunca vem, um hoje eterno. Tão eterno que o povo esquece o passado e diz que ontem era
melhor que hoje”.
(Pepetela – Geração da Utopia)
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As Forças de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC) realizou o ataque contra o ônibus que levava a
seleção de futebol de Togo em Cabinda, Angola, que se deslocava para o campeonato africano de futebol,
realizado em Angola em Janeiro deste ano.
entre estes movimentos nacionalistas angolanos. Dentre eles, a UNITA configurou-se
como principal grupo opositor do MPLA. A guerra civil estava desencadeada.
Nota-se, porém, que desde o início, a guerra civil que se seguiu e acentuou-se
nos anos oitenta teve a participação de forças estrangeiras. A UNITA recebeu apoio dos
Estados Unidos e da África do Sul, enquanto o MPLA foi apoiado pela então União
Soviética e por Cuba, em um contexto internacional ainda marcado pela Guerra-fria
(LIBERATTI, 1999, p. 27-59). Os conflitos internos ocorridos em Angola expressavam
interesses externos e contribuíam para acentuar a divisões étnicas, sociais, regionais de
Angola, herdados no período colonial.
A guerra civil em Angola, com períodos de diferentes intensidades e
abrangência territorial dos conflitos armados, travou-se por mais longos dezesseis anos
(1975-1991), principalmente nas áreas do interior do país. Em Março de 1991, o
governo do MPLA e a UNITA assinaram um acordo de paz e foram marcadas eleições
gerais para o segundo semestre de 1992. Os acordos previam, até a data das eleições,
entre outros compromissos, a formação de um exército nacional único e a instituição do
pluripartidarismo. Uma missão das Nações Unidas foi enviada a Angola para apoiar e
acompanhar o fim dos conflitos e a desmobilização do excedente das tropas dos dois
partidos armados.
Em Outubro de 1992 o MPLA venceu as eleições. O líder da UNITA, Jonas
Savimbi, não aceitou o resultado eleitoral, vários compromissos dos acordos de paz
foram desrespeitados e a guerra recomeçou, atingindo cidades importantes do país,
inclusive a capital – Luanda. A UNITA ocupou várias cidades e capitais de províncias
em todo território do país e a guerra recrudesceu do final de 1992 até 1994.
Em 1994, com grande pressão da comunidade internacional para a retomada do
processo de paz, um novo acordo entre os dois partidos é assinado em Lusaka (Zâmbia).
Na realidade, a década de 90 foi marcada por tentativas fracassadas de estabelecimento
de paz em Angola e uma guerra de baixa intensidade foi mantida até o final de 1997,
quando os conflitos voltaram a agravar-se.
Angola entrou numa nova era no dia quatro de Abril de 2002, com a assinatura
do cessar-fogo entre as forças armadas e os rebeldes, seis semanas após a morte de
Jonas Savimbi, líder da UNITA.
A guerra de Angola, que se arrastou por mais de 30 anos, criou um quadro
político, econômico e social, levou a que hoje se encontrem, segundo estatísticas
oficiais, cerca de quatro milhões de angolanos despojados dos mais elementares
direitos5. Sendo que esse número cresce se somado ao conjunto de angolanos que,
mesmo dentro das áreas urbanas, vive situações de pobreza acentuada6.
As conseqüências da guerra foram muito além dos atingidos diretamente por ela,
já que se refletiram, indiretamente, no conjunto do país. Uma prova disso é a
inexistência de um setor que seja da vida social, política, cultural e econômica que não
tenha a guerra como justificativa para o seu não desenvolvimento.
Eleições partidárias ocorridas em 2008 ratificaram o poder do MPLA, que
venceu com um número de votos acima de 70%7, e se mantém no poder até o presente
momento, e vem apresentando planos agressivos de desenvolvimento, principalmente
no que tange a reconstrução de estradas e das cidades que transformaram o país num
verdadeiro “canteiro de obras”, conforme as palavras proferidas pelo presidente, José
Eduardo dos Santos8.
Esta é a reduzida síntese de uma história muito extensa e, sobretudo, densa, que
envolve desde a partilha da África, a colonização, os movimentos de resistência que
surgiram e outros fatores, e não cabe em um trabalho como este trazer todos os pontos
desta caminhada sangrenta, difícil e demorada.
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11
Landmine Monitor, Angola: http://www.the-monitor.org/index.php/publications
12
Ministério de Planeamento / Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2005): Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio - Relatório de Progresso 2005,
http://mirror.undp.org/angola/LinkRtf/Angola_MDG_Prog_report_2005.pdf
13
INE/UNICEF (2003): MICS – Multiple Indicator Cluster Survey – Avaliando a Situação das Crianças e
Mulheres Angolanas no Início do Milênio – Relatório Analítico, Maio de 2003, Luanda,
http://www.unicef.org/angola/mics.pdf
14
O registro eleitoral de cerca 8,3 milhões de eleitores (o que corresponde a apenas 40% da população,
segundo uma estrutura etária que considera que 60% desta não atingiu ainda a idade eleitoral) indicia uma
população próxima dos 20 milhões de habitantes.
Em sua grande maioria, a população extremamente pauperizada das grandes
cidades de Angola desenvolve seus próprios esquemas de sobrevivência e de acesso a
produtos e serviços básicos que podem ser montados, em alguns casos, a partir de
sistema de trocas. Essas diversas práticas são conhecidas como “esquema” ou
“bisnos16”.
Muitas são também as formas irregulares encontradas pela população para
garantir a sobrevivência que pouco a pouco vão se tornando modos comuns de atuação,
para a prestação de serviços básicos, tais como educação e saúde. A prática da
“gasosa”17 faz parte de uma corrupção cotidiana. É como uma gorjeta que todos sabem
que deve ser paga para que seu pedido seja encaminhado, para que seu filho tenha vaga
na escola pública quando ao princípio não haveria mais vagas disponíveis, para que o
paciente seja atendido na rede hospitalar pública. Muitas vezes não se trata apenas de
suborno monetário, mas também de acionar um sistema de favores em que os laços de
solidariedade (familiares, de grupo social, de afinidades políticas) têm um peso
importante.
Em 2001, Angola foi considerada como tendo uma das mais altas taxas de
mortalidade infantil, abaixo dos cinco anos de idade, em todo o mundo. Nessa altura,
15% dos bebês nascidos morriam antes de completarem um ano de vida (150 óbitos, em
1000 nados vivos) e até a idade de cinco anos, a cifra subia para 25% (250 óbitos, em
1000 nados vivos). Em 2003, a mortalidade, abaixo dos cinco anos, aumentou para 260
em 100018, que é a terceira taxa mais alta no mundo e muito acima da média na África
Subsariana, onde se registram 177 óbitos, em 1000, por ano19. As taxas de mortalidade
são quase iguais nas áreas rurais e urbanas, situação pouco usual que reflete as extremas
condições de pobreza em que vivem as pessoas nos bairros e musseques periurbanos.
15
UNDP Human Development Report (2007/2008): Country Fact Sheet – Angola, (PNUD, Relatório de
Desenvolvimento Humano)http://hdrstats.undp.org/countries/country_fact_sheets/cty_fs_ago.html
16
Popularmente criado de uma “aportuguezação” da palavra Inglês Business.
17
Refere-se aos engradados de refrigerante e cerveja que foram por muito tempo moeda de troca em
Angola. Hoje em dia “gasosa” pode querer dizer apenas uma quantia em dinheiro.
18
Este continua a ser o indicador referido pela UNICEF em seus documentos e pronunciamentos.
19
Ministério de Planeamento / Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2005): Objetivos
de
Desenvolvimento do Milênio - Relatório de Progresso 2005, p. 40-42.
As principais causas que estão por detrás destes números são doenças como a
malária, doenças diarréicas e infecções respiratórias, entre outras. Só a malária é
responsável pela vasta maioria desses óbitos e os esforços feitos para controlar a doença
não tiveram êxito. Tem sido relatado que a incidência da malária aumentou de 16%, em
2000, para 22%, em 2003, o que significa que a doença continua a ser grandemente
ameaçadora.
Outros indicadores são igualmente alarmantes, tais como a má nutrição crônica
que atinge quase um em cada 2 crianças (45%), a mortalidade materna, situada entre
1400 e 1700 mulheres, em 100.000 nascimentos20, e o índice de 19% da população que
trata a água antes de beber21. Este último indicador pode ter melhorado devido às
campanhas relacionadas com o surto de cólera, em 2006, que causou mais de 1000
mortes.
Quanto ao VIH/SIDA, Angola goza de uma taxa de prevalência razoavelmente
baixa, embora como todos os outros dados, este número também esteja associado à certa
incerteza. O fator mais freqüentemente apontado como uma das razões da baixa taxa de
prevalência é a longa guerra que impediu a circulação de pessoas e bens na maior parte
do país. Acredita-se, no entanto, que isto venha a mudar tendo em conta a reabilitação
das infra-estruturas e o fato de que os “angolanos têm quase todos os fatores de risco
associados a um rápido aumento da soro-prevalência”22.
Embora a cidade de Luanda apresente um crescimento assustador nos dias de
hoje, com a inauguração de prédios comercias, condomínios de luxo, Shopping Center,
centro de convenções, hotéis e etc., ela vem sofrendo, desde a independência,
pouquíssimo aperfeiçoamento do seu “equipamento urbano”. O esforço da guerra é em
parte responsável pela ausência de investimentos na recuperação da cidade e ampliação
do sistema urbano. Sendo assim, seus prédios encontram-se num lamentável estado de
degradação, suas vias públicas apresentam ausência de calçamento (passeio público), e
sua rede de saneamento mínimo, bem como a rede de abastecimento de água e energia
elétrica apresenta grandes dificuldades.
As observações que se seguem foram feitas por um dos funcionários da empresa
no Brasil, em relação as suas impressões após a sua primeira visita a Angola.
20
Ministério de Planeamento / Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2005): Objectivos
de Desenvolvimento do Milénio - Relatório de Progresso 2005, p. 40-42
21
INE/UNICEF (2003): MICS – Multiple Indicator Cluster Survey – Avaliando a Situação das Crianças e
Mulheres Angolanas no Início do Milénio – Relatório Analítico, Maio de 2003, Luanda, secção 15.
22
Unicef Angola, VIH/SIDA, visão da questão, http://www.unicef.org/angola/hiv_aids.html
O que mais me espantou é o país estar em pleno crescimento. E isso é uma
coisa que eu particularmente nunca poderia imaginar. Chegar num local e
você ver o número de obras. É prédio crescendo de um lado para o outro…
Isso mostra que estão fazendo um grande investimento lá. Porém, por outro
lado, você vê uma grande pobreza. Então você vê às vezes um mega prédio,
um condomínio maravilhoso, e do outro lado da calçada tem simplesmente o
que a gente diria uma favela. E isso sim é chocante. Porque aqui a gente até
tem isso, mas não tão próximo (Contabilista Brasil).
Pelo pouco que pude perceber no período que eu estive e lá e pelo contato
com as pessoas que eu tive, pelo que me passavam, pelos relatos que eles
diziam era uma realidade bem mais dura. Isso que a gente tem aqui, o acesso
a rede de esgoto, rede sanitária é totalmente diferente lá. É muito mais
dificuldade, se lá na guest house a gente conseguia tomar banho, conseguia
ter nosso jantar, almoço, todos os dias, ter luz, parecia ser algo assim muito
difícil pra eles. Eu acho que eles na verdade têm muito, muito mais
dificuldade. E eu acho que quando você começa a entender essa dificuldade
você tem que olhar o povo de Angola também com outros olhos. Que eles
não têm a facilidade, todo acesso que a gente tem e às vezes não faz bem uso
disso, né… Então eu pude notar lá, que na verdade falta muita coisa para
eles, muita coisa que pra gente aqui é básico, mas que pra eles é nossa
senhora ta a milhões de distância! Você andando ali por onde eu tava, você
vê muito lixo, sabe, muita coisa (RH Brasil).
23
INE/UNICEF (2003): MICS – Multiple Indicator Cluster Survey – Avaliando a Situação das Crianças e
Mulheres Angolanas no Início do Milénio – Relatório Analítico, Maio de 2003, Luanda, secção 25.
24
INE/UNICEF (2003): MICS – Multiple Indicator Cluster Survey – Avaliando a Situação das Crianças e
Mulheres Angolanas no Início do Milénio – Relatório Analítico, Maio de 2003, Luanda, secção 25.
25
Ministério de Planejamento / Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2005): Objectivos
de Desenvolvimento do Milénio - Relatório de Progresso 2005, p.30. O Ministério da Educação fala em
4,5 milhões de crianças no sistema de ensino, com base apenas no numero de matriculas registadas em
2009.
A rede de ensino no país ainda é muito apertada. Nem todo mundo tem a
chance de entrar pra uma universidade. Há pessoas que são obrigadas a ficar
pelo ensino médio [...] Então se torna mais difícil encontrar emprego. E por
estarmos num país onde o nível de vida é muito elevado, as pessoas são
obrigadas a trabalhar mais cedo. Por isso é que encontramos no país muito
estudante trabalhador […] as pessoas não têm a chance de se dedicar
integralmente aos estudos e depois ir pro mercado de trabalho, senão vai ter
que passar fome. Senão a família vai ter que passar dificuldades, etc. […]
Bom, aqueles que não têm a chance de entrar pra universidade para não
chegarem em casa têm que arranjar qualquer coisa pra fazer. Ainda que seja
alguma coisa que não vai de encontro com a sua formação média. […] Então
é difícil trabalhar, estudar em Angola. Porque as empresas são poucas. Como
são poucas exigem cada vez mais, maior qualificação do pessoal. E o sistema
de ensino ainda tem um déficit muito grande, então as pessoas ainda não têm
as qualificações que essas empresas exigem. Então as pessoas são obrigadas a
trabalhar em qualquer coisa (Contabilista Angola).
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O Trânsito na cidade de Luanda impressiona pelo caos causado pelo pouco número de sinais de
trânsito, agravado pela má conservação das estradas, que se encontram bastante esburacadas e um fluxo
de carros maior do que a cidade consegue comportar, devido a carência de transportes públicos.
públicos aliada ao fato de haver obras de reconstrução por toda a cidade, a ausência de
vias alternativas (comprometidas pelas más condições das estradas e construções
anárquicas), e o excessivo fluxo de carros particulares em circulação na cidade. Diante
dessas condições, os candongueiros27 ou taxistas, detentores de uma das reduzidas
alternativas que a população tem, acabam por praticar preços desmedidos. Para reforçar
esta observação, inserimos a seguir a fala de um funcionário de Angola:
Até bem pouco tempo atrás não havia transporte público no país. Os
transportes públicos estavam quase todo obsoletos, o governo não havia feito
novos investimentos para repor, então ficou um certo tempo sem transporte
público. Claro, os taxistas tomaram conta do mercado. Sendo eles tomando
conta do mercado acabavam por especular. Nós aqui temos o preço definido
pelo governo. Quem define a taxa a cobrar pela corrida de táxi é o governo.
Mas os taxistas por estarem a dominar o mercado,– e a especulação aqui
mora –, cobram aquilo que querem e bem apetecem. Se ele acorda bem
disposto vai te cobrar uma taxa normal, mas vai te fazer uma linha mais curta
do que a que tem feito normalmente. Se ele cobrar uma taxa mais elevada vai
te levar até, vai fazer uma linha normal. Então você passa por essa
dificuldade (Contabilista Angola).
3.2.4 Governação
27
Candongueiro é o nome dado popularmente aos veículos de transporte de passageiros em Angola. São
vans pintadas de azul e branco que fazem o transporte em diferentes rotas da cidade.
28
Christian Michelsen Institute (2006): Civil Society in Angola‐ Inroads, Space and Accountability p.2)
http://www.cmi.no/publications/file/?2411=civil‐society‐in‐angola‐inroads
Decorridos dezesseis anos após ter realizado as suas primeiras eleições
legislativas e presidenciais em 1992, o país voltou a realizar eleições legislativas, em
2008. As eleições resultaram numa vitória massiva do MPLA que conseguiu 191 dos
220 assentos (correspondendo a 86,8%) na Assembléia Nacional29. Isto habilita o
partido majoritário a mudar a Constituição, de 1992, sem depender dos outros partidos.
Esperava-se que as eleições presidenciais tivessem lugar em 2009, mas, em
Novembro de 2008, a sua realização foi condicionada (pelo Presidente da República) à
preparação e aprovação da nova Constituição30. Neste mesmo ano, Angola foi colocada
em 131º lugar, num total de 167 países, no Índice de Democracia, da Economist
Intelligence Unit. O que conduz, nesse índice, a uma classificação de regime autoritário.
Um dos principais esforços do governo, depois da guerra, foi levar a
administração pública a todo o território nacional, cobertura que possivelmente
conduziria a uma melhoria da prestação de serviços públicos. O governo está a ensaiar
uma descentralização financeira (ou desconcentração) através da locação de fundos para
serem administrados pelos municípios e do estabelecimento de Conselhos de
Auscultação e Concertação Social (CACS) com caráter consultivo e que estão abertos à
participação da sociedade civil31, segundo um critério arbitrário do Governador
provincial, administrador municipal ou comunal32.
Apesar destas experiências, Angola continua a ser um Estado altamente
centralizado, onde todos os poderes, legislativo, executivo e judicial, são controlados,
de perto, pela presidência. Em 2008, a Global Integrity considerou que Angola “sofre
de uma das piores estruturas anticorrupção do mundo ”33. Em relatório emitido este ano,
o ranking de percepção da corrupção coloca Angola no 10º lugar entre os países em que
existe mais corrupção, começando a contagem pelo fim da tabela elaborada pela
Transparency International. Em termos globais, Angola é o 168º país onde a corrupção
é mais perceptível, num total de 17834.
29
Comissão Nacional Eleitoral, Eleições legislativas 2008, resultados nacionais,
http://www.cne.ao/estatistica2008.cfm.
30
RTP (Lusa): Presidente condiciona data de eleições presidenciais à aprovação de nova Constituição, 28
de Novembro, 2008, http://tv1.rtp.pt/noticias/?article=150759&visual=3&layout=10
31
Ver Orre, Aslak (2009): Kalandula e os CACS – Voz ou prestação de contas, facilidade de
comunicação, para uma discussão excelente das aberturas e limitações dos Conselho de Auscultação e
Concertação Social
32
Ver Decreto-Lei 02/07 sobre os Conselho de Auscultação e Concertação Social.
33
Replatório Global Integrity: Angola 2008, http://report.globalintegrity.org/Angola/2008
34
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?...
3.2.5. A Economia
35
Banco Mundial (2009): Delegados Reúnem-se para Discutir a Economia de Angola e o Impacto da
Crise Financeira Global,
http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/COUNTRIES/AFRICAEXT/ANGOLAEXTN/0,,conte
ntMDK:2 1997076~pagePK:141137~piPK:141127~theSitePK:322490,00.html
36
FMI (2009): Conclusões do Conselho Executivo do FMI 2008 Artigo IV Consulta com Angola,
http://www.imf.org/external/np/sec/pn/2009/pn0951.htm
37
Para uma excelente visão geral das relações entre Angola e China ver: Campos, Indira eVines, Alex
(2007): Angola e China – Uma Parceria Pragmática, Documento apresentado na Conferência do CSIS,
http://www.csis.org/media/csis/ pubs/080306_angolachina.pdf
38
Segundo dados oficiais dos relatórios de orçamentos do Ministério das Finanças: “Relatório de
Fundamentação” (http://www.minfin.gv.ao/docs/dspOrcaPass.htm e
http://www.minfin.gv.ao/docs/dspPropostaOrcam.htm e FMI (2007): Angola: 2007 Artigo IV Consulta,
p. 17 http://www.imf.org/external/pubs/cat/longres.cfm?sk=21422.0.
39
Ministério das Finanças (2007): Orçamento Geral do Estado 2007 – Balanço Geral da Execução, p. 25,
Devido aos enormes recursos naturais, como segundo maior produtor de
petróleo da África Subsariana e quarto maior produtor mundial de diamantes, a longa
guerra, o déficit democrático e os fracos indicadores sociais, Angola é um verdadeiro
exemplo do ‘paradoxo da abundância’.
De acordo com o inquérito levado a cabo, em Fevereiro de 2009, por uma
empresa inglesa, ECA International, Luanda está em primeiro lugar no que diz respeito
às cidades mais caras do mundo40. Como expõe o nosso entrevistado, “viver em Angola
em princípio não é fácil. Estamos num país em que o custo de vida ainda é muito
elevado, e a especulação toma conta do país” (Contabilista, Angola).
De fato o custo de vida é alarmante, principalmente em relação à habitação e
alimentação, o que impede que parte considerável da população tenha acesso a vários
produtos e serviços, em virtude dos seus rendimentos não poderem suportar os preços
altos praticados. Um litro de leite importado pode custar US$ 3, enquanto o aluguel de
um pequeno apartamento de dois quartos pode chegar facilmente aos US$ 7.000 ao mês.
Para reforçar o consenso dessa informação reproduzimos a seguinte enunciação:
http://www.minfin.gv.ao/fsys/OGE_BALANCO_2007FINAL4.pdf
40
http://www.citymayors.com/statistics/expensive-cities-intro.html
41
A Sigla DNV deriva de Det Norske Veritas, que significa em português “ A Verdade Norueguesa”
A DNV foi criada em Oslo, Noruega, em 1864, com a finalidade de garantir,
para grupos seguradores, a qualidade na construção de navios. Desde então o papel da
empresa tem sido identificar, avaliar e aconselhar o modo como se deve gerir riscos,
entendendo que a gestão de riscos não visa necessariamente eliminá-los, mas ter uma
idéia geral dos riscos mais críticos e geri-los de forma profissional.
Por sua atuação global, a empresa não segue as restrições locais de um ou outro
país. Suas práticas administrativas são orientadas, como aponta Bauman (1999), por
uma ética universal que, indiferentemente do local em que atua, mantenha a
homogeneidade no relacionamento com seus públicos. Em seu encargo é possível
perceber os valores genéricos que orientam a relação com os públicos de interesse e que
são segmentados pela empresa em clientes, sociedade, funcionários e fornecedores. De
acordo com o que é divulgado pela empresa por meio do site ou outros instrumentos, o
objetivo da DNV é de “salvaguardar a vida, a propriedade e o meio ambiente” e os seus
valores são descritos do seguinte modo:
42
Encontrado em www.dnv.com
crescimento da indústria de navegação colocou para a DNV a demanda de estar onde os
clientes estão. “Era necessário trabalhar nos seus navios onde quer que eles estivessem,
não poderíamos pedir que os navios chegassem até nós” (Formador, Noruega). Esta é
uma razão por que foi necessário construir uma rede internacional nos principais portos,
e evidentemente também nos países mais importantes na área de construção de navio. A
construção de navios mudou da Europa há 50 anos, primeiramente para o Japão,
seguidamente, nos anos 60 e 70, começou a mudar para Coréia, e nos anos 90 para
China. Esta foi sem dúvida a razão preliminar para a empresa se estabelecer em novos
países.
Além disso, houve também abertura de oportunidades para ir para alguns desses
países por outros serviços, como por exemplo, por razão das competências no setor de
petróleo e gás desenvolvidas por meio da experiência no mar do norte, que se tornaram
bastante úteis em locais como a Índia, Sudeste Asiático, Golfo do México e Brasil. A
integridade técnica deixou de ser a única questão, e a capacidade de gestão e os sistemas
tornaram-se também um desafio, o que criou uma certa orientação para outros setores.
Houve então a possibilidade de expandir esses serviços para vários países o que
possibilitou a construção de uma organização mais robusta.
Atualmente os principais focos são as indústrias: Marítima, Óleo, Gás e Energia,
Petroquímica, Aeroespacial, Automotiva, Financeira, Alimentos e bebidas, Assistência
médica, Tecnologia de Informação e Telecomunicações.
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Logística e TI
Qualificação e
Verificação
Contabilidade e Finanças
Em Angola, as operações da DNV tiveram início em 2003, atraída pelo grande mercado
de qualificação e inspeção propiciado pelo alto potencial da indústria petrolífera, alvo
de empresas de prestação de serviço como a DNV. Tendo então como clientes as
principais empresas do ramo de petróleo e gás, a DNV Angola conta atualmente com 38
funcionários, entre técnicos, que representam na verdade “o produto da empresa”, pois
têm o papel de prestar consultoria, inspecionar e qualificar, e cujo fruto do trabalho é
gerado através das horas de trabalho vendidas; e os chamados funcionários de suporte
administrativo, que têm como objetivo de trabalho, garantir o funcionamento de todo
um sistema logístico, financeiro, administrativo, informático e de gestão de pessoas.
Tendo em vista a complexidade da organização e sua atuação a nível global, o
código de conduta da empresa toma princípios universais de boa conduta corporativa,
postura social e ambientalmente responsável.
A empresa tem políticas de investimento na formação dos seus profissionais,
tanto em treinamentos e capacitação técnica, quanto na educação formal. Para tal,
possui financiamentos educacionais que possibilitam o acesso do trabalhador ao ensino
superior. Atualmente, na DNV Angola, encontramos 8 funcionários que freqüentam a
universidade e a DNV é responsável por custear 80% do valor das suas mensalidades.
A dinâmica de trabalho da empresa proporciona o convívio com as demais
subsidiárias através de sistemas de informações e telecomunicações. São reuniões por
teleconferência, correios eletrônico, indicadores regionais e globais alimentados por
informações localizadas dos sistemas integrados de gestão, além de viagens curtas de
uma ou duas semanas para coordenar e supervisionar projetos e atividades das equipes.
A linha geral de atuação das políticas da empresa é estabelecida pela matriz.
Todo o processo de gestão do trabalho se dá a partir de alguns sistemas globais como o
Partner, para a gestão dos recursos humanos, o TEAM, que é um sistema de gestão de
projetos, Agresso para gestão financeira, e o Baswere, que serve para o processamento
de faturas, e todos eles, por se tratarem de sistemas globais em uso em toda empresa,
têm o inglês como linguagem comum de comunicação. A DNV possui disponível na
intranet sistemas de gestão que agilizam a adaptação dos funcionários nas ações do dia-
a-dia. Os sistemas padronizam comportamentos e prescrevem as atividades, o que
garante a universalidade das ações.
A organização procura padronizar as ações e para tal cria diretrizes para garantir
a homogeneização das práticas que, segundo Schwartz (2006), objetivam controlar a
comunicação para manutenção do poder utilizando sistemas de prescrição de meios,
procedimentos e metas.
43
DNV Management System
Noruega. Estas políticas devem ser levadas em conta em todos os locais onde a
organização se encontra. Os principais treinamentos de funcionários são também
desenvolvidos globalmente. A empresa disponibiliza cursos em sua matriz, e também
cursos web-based na Intranet da empresa.
A matriz da organização é também responsável pela aprovação dos orçamentos
anuais e da aprovação das necessidades de contratação de funcionários. Todas as
decisões que envolvem recursos financeiros precisam passar pela aprovação da matriz.
A organização trabalha com diretrizes preestabelecidas, sendo assim, na intranet
da empresa estão disponíveis, por exemplo, os manuais de seleção de funcionários,
metodologia para a contratação, com objetivo de padronizar a forma de contratação no
mundo.
Mas este prescrito identificado nos documentos, que é visível, não antecipa tudo
o que deve ser executado pelo trabalhador. Há o jeito de o trabalhador organizar o
processo do seu trabalho, originado de costumes e hábitos criados internamente e
inseridos nas rotinas. Estes também são da ordem do prescrito.
No caso das políticas de mobilidade internacional, poucas coisas são
customizadas para o ambiente local dos países. As adequações às situações locais são
feitas mais para atender as exigências de cunho legal-trabalhista de cada país e estão
mais relacionadas à documentação e trâmite legal. A questão salarial também é
adequada ao mercado local, sendo que existe uma metodologia global que é
parametrizada de acordo com as pesquisas salariais do mercado local. Mas, por questões
de importância de cada operação e culturais também, há dificuldade na efetivação de
políticas que sejam realmente globais.
As tarefas estão distribuídas de forma bastante clara, porém algo que pode ser
considerado um problema, relatado em diversas situações na empresa é a falta de
“backup”, termo usado para nos referirmos a “substitutos”, ou seja, colegas que seriam
capazes de desempenhar as tarefas de outros, em caso de ausência. Com a elevada taxa
de absenteísmo que já apresentamos, este fato se torna um desafio, uma vez que muitas
vezes um certo trabalho pode ficar paralisado, quando a pessoa responsável para
desempenhá-lo não está presente por diversos motivos.
É comum, muitas vezes em tom de brincadeiras, escutarmos comentários como:
“fulano não está autorizado a ficar doente na data de processamento de pagamento de
salários”, ou outros do mesmo tom, pois estão todos cientes que para certas situações,
uma ausência pode originar o atraso de uma atividade, que pode trazer implicações
bastante complicadas na situação do trabalho.
Uma vez que a política da empresa enfatiza o fato de que o número de
funcionários da equipe de suporte deve ser proporcionalmente menor que o número de
funcionários técnicos, os funcionários da equipe de suporte são contratados para atender
demandas, em postos peculiares. Nesse sentido, a situação acima citada se agrava, não
só pelo número reduzido de funcionários, mas também pela exclusiva detenção de
certos conhecimentos ou saberes na mão de apenas um indivíduo. Algumas vezes, na
ausência de um funcionário, até existem colegas disponíveis para realizar certa tarefa,
mas o fato não acontece, por não haver a detenção de conhecimento, pois é cada um
fazendo a sua tarefa específica.
Essa falta de multifuncionalidade dos funcionários é uma dificuldade da
empresa, pois na ausência de um funcionário, não há outro para assumir suas funções.
Na ausência de mais de três funcionários, vários aspectos são comprometidos.
44
Significa “Nós na DNV”
as suas funções no processo de trabalho e aprenderam a partir do seu interesse e
dedicação. É na prática que o funcionário vai se qualificando e constituindo sua
competência.
Você acabou de chegar, você não sabe nem o que resume, daquele, da onde
saiu aquilo, e você tem que se virar pra depurar aquela informação
(Contabilista Brasil).
Então foi mais aprender a manusear o sistema. Onde é que eu entro pra
registrar isso? Ah entra aqui, depois daqui faz duplo clique, depois é só
começar a registrar e tal, aqui é a descrição, olha tem essas descrições aqui
que eu fiz no power point, podes copiar aqui. E foi assim. Depois fui me
adaptando (Contabilista Angola).
Então o quê que você faz: Você pede auxílio a um colega, a outro, e assim
você vai aos poucos aprendendo, mas se você ficar testando, às vezes você
pode acabar apertando um botão indevidamente. Então é assim, tudo bem que
você vá aos poucos, ah eu vou tentar achar um relatório diferente, eu vou
tentar fazer uma pesquisa diferente, mas tem que ter muita ajuda dos colegas
(Contabilista Angola).
Sobre isso Schwartz e Durrive (2007) destacam que a formação deve ser como
um processo de apropriação dos valores e da experiência que não estão necessariamente
presentes na técnica, mas que remetem a uma dimensão da experiência não formalizada,
presente nos coletivos. Destaca-se o fato de que os profissionais entrevistados extraíram
praticamente todo conhecimento, necessário ao exercício da sua atividade profissional,
45
O nome foi alterado com o intuito de preservar a identidade
da observação, das experiências práticas, dos ensinamentos trocados entre colegas de
trabalho.
Sobre isso, encontramos suporte em Wisner (1994), que aponta que a extensão
da transferência conhece alguns limites inevitáveis quando um país tem um
desenvolvimento industrial limitado. Subestima-se, freqüentemente, no sucesso e na
produtividade das grandes empresas, a importância do contexto industrial que as
contornam, as múltiplas micro, pequenas e médias empresas que fornecem o material
especializado e, mais ainda, o pessoal qualificado indispensável em caso de
dificuldades. Uma pane que é reparada na Noruega em duas ou três horas, por exemplo,
pode exigir dois a três dias no Rio de Janeiro; duas a três semanas em Luanda e dois a
três meses no interior do país, em decorrência das diferentes densidades do contexto
industrial.
Problemas relacionados à falta de preparo técnico de usuários, falta de
programas elaborados de treinamento, deficientes programas de atendimento e suporte
pós-venda a usuários por parte de fornecedores, problemas mais ou menos sérios de
manutenção de equipamentos, ausência ou séria limitação dos serviços de suporte aos
usuários diretos do sistema (interno ou externo à empresa usuária), entre outros, são
extremamente comuns em países como Angola, possuidor de um parque industrial
debilitado.
Muito semelhante à fala transcrita acima, o episódio a seguir também nos foi
narrado por um dos entrevistados, e nos dá uma idéia da defasagem de tempo que
ocorre na realidade de Angola aliada a diversas razões. Para a resolução de um
problema técnico foi preciso um período de mais de um mês para que o mesmo fosse
solucionado.
Uma das coisas que realmente acontece aqui em Angola é o tempo que as
coisas levam. Muito por conta da cultura do “deixa andar”… Quando
tínhamos um problema de uma peça, quando a antena de comunicação
começou a dar problema, então precisava-se de um técnico para vir aqui. E
tudo começou com a questão do visto. Em termos de trabalho o sinal era
muito errático, muito lento. Poderíamos numa manhã estar tudo bem, estar a
receber e-mail, poder acessar recursos da rede que residem nos servidores da
Noruega (que são os sistemas usados de produção, financeiros) … Então nós
requisitamos é claro, que um técnico que teria que vir, pois aqui localmente
não tem um técnico que poderia ver isso, porque o nosso fornecedor de
serviço é um fornecedor que veio da Noruega. Esse fornecedor veio cá em
Angola, instalou a antena, instalou o serviço e voltou. Ele não reside cá em
Angola, não tem uma filiação aqui em Angola. Então quando existe esse
problema de tecnologia uma das desvantagens é o fato de quando houver
problemas em que a necessidade da presença de um técnico, que espera-se
normalmente não ser necessário, há esse problema do técnico ter que vir lá de
fora. Então quando se fala em técnico ter que vir lá de fora, está se a falar de
vistos (que é uma grande dor de cabeça) … Há a questão das linhas aéreas de
ligação com Angola, há a questão de adquirir visto, em que país pode se
adquirir pois não tem representações angolanas em todos os países, as
embaixadas algumas vezes levam mais tempo, algumas vezes menos tempo,
e muitas vezes surge também a questão da proximidade que você tem com
essa embaixada, que tipo de visto essa embaixada normalmente fornece. Se
tivermos a falar de uma China o visto é assim [Faz um gesto indicando
rapidez com os dedos], se tivermos a falar de um Estados Unidos o visto
também é assim [repete o gesto]. Se estivermos a falar de uma
Checoslováquia, que foi a questão desse técnico que teve que vir aqui, já é
um bocadinho mais complicado porque a embaixada da Checoslováquia
raramente recebe pedido de vistos para Angola, são poucos técnicos que vêm
de Angola. Então foi uma das questões. E levou um certo tempo para esse
técnico vir aqui. Durante esse tempo todo é claro que os problemas
continuavam. Recebia diariamente reclamações dos colegas das finanças que
tinham que usar ferramentas das financeiras. Como não podiam usar [as
ferramentas], as faturas acumulavam e ficavam em atraso… O técnico lá
conseguiu vir, mandaram a peça em primeiro lugar pra ver se facilitava, a
gente foi lá, mas a peça realmente não resolveu o assunto. Aí o técnico veio e
fez lá as suas análises (Logístico Angola).
Por exemplo, ter que fazer uma transferência bancária, ter que fazer um
levantamento bancário, você gasta tempo, gasta horas no banco só para
levantar dinheiro. Você faz transferência para o fornecedor, às vezes por
dificuldade, às vezes o fornecedor não recebe o dinheiro a tempo porque o
banco ficou sem sistema, por exemplo, é um caso. As pessoas também ainda
não estão muito habituadas às evoluções que a tecnologia tem vindo a
oferecer, tipo: pra enviar uma fatura, pra entrar em contato com a pessoa, as
pessoas ainda não estão habituadas a usar o Outlook para enviar e-mail, tem
que fazer carta; depois porque o estafeta não chegou porque houve
engarrafamento, o estafeta não conseguiu chegar para fazer as faturas, aí tens
dificuldades em lançar essa fatura e o monthly close está aí a chegar, não sei
quantos mais. São dificuldades mais conjunturais, porque é complicado às
vezes você trabalhar aqui. Você tem que prestar uma informação lá, ao
Brasil, né,... Mas é pá, por algum motivo o sinal da Nexus está muito baixo,
você não está conseguir entrar em contato com eles, muita gente a
sobrecarregar a rede e aqui nós temos a “sorte” (risos) de ser mais devagar o
sistema, muita gente no sistema e você não consegue fazer as operações em
um minuto. Você às vezes para fazer uma operação, o Agresso fica aí... Até
gravar, lá passa algum tempo. Isso tudo acaba sendo uma envolvente
conjuntural (Contabilista Angola).
São muitas coisinhas pequeninas que muitas vezes a pessoa tende a não dar
muita importância, mas têm um certo impacto na vida de quem recebe esses
serviços, ou seja, os meus colegas que são meus cliente praticamente…
Tenho que fazer isso, e a pessoa tenta fazer, mas dá muito trabalho, e muitas
vezes não acontecem num clique… Deviam acontecer. Na área de infra-
estruturas, por exemplo, tem um colega que neste momento que a persiana da
varanda não fecha. Coisa simples! Você podia dizer a alguém, olha vai lá e
fecha isso, mas não acontece. Está há mais de 3 semanas. Porque você chama
o técnico pra ir ver e o técnico simplesmente não aparece. E, às vezes, a
pessoa também está enrolada com outras coisas e esquece de checar. E
quando você não está em cima das pessoas, as pessoas simplesmente não vão
fazer… coisas do gênero (Logístico, Angola).
Este caso não é isolado, pois na nossa experiência de trabalho, também nos
envolvemos em episódios similares. Em um deles, nos vimos obrigados a fazer
telefonemas para os fornecedores de serviços, de números restritos, pois o fornecedor
não atendia as ligações ao ver os números da DNV. Neste caso, precisava-se de um
reparo em uma impressora de uso freqüente de todos os funcionários do escritório, e a
entrega da peça que deveria ser reposta não foi feita conforme o compromisso mantido.
Diante de tal contexto há a constante necessidade do uso de si pelos
funcionários, que se vêm permanentemente obrigados a reinventar no seu cotidiano,
modos de trabalhar, num convite ao uso do que vem a ser denominado de inteligência
prática (DEJOURS, 1993). No caso descrito acima, para a normalização do
funcionamento da impressora, foi preciso que o próprio funcionário depois de duas
semanas tentasse descobrir o problema por sua iniciativa e solucioná-lo ao invés de
esperar pelos técnicos que não apareciam. Ele tomou essa decisão devido à sua
experiência em lidar com tais serviços: “Eles dizem que vêm, mas nunca vêm. E eu não
podia deixá-los levar a impressora para a oficina deles, porque aí mesmo é que
ficaríamos sem” (Logístico Angola).
Outro caso que inserimos neste contexto foi relatado em uma das entrevistas,
onde vemos indicações sobre a morosidade do processo, a necessidade de parcerias para
ter as questões resolvidas, bem como uma fenda em relação ao uso de tecnologia:
Tem um exemplo bem patente que até hoje não consigo resolver. A empresa
tem cartões de crédito. Esses cartões de crédito estão no nome de um
funcionário, por exemplo. Então cada vez que a empresa usa um dos cartões
de crédito, no final do mês, o banco deveria nos enviar o extrato das despesas
com o cartão de crédito, que é para nós conferirmos se o que eles colocam no
extrato foi realmente aquilo que a gente gastou. Mas o banco não envia. O
banco não envia. Acho que uma sociedade normal, depois do final do mês, o
banco diz: “olha está aqui o extrato da tua conta, está aqui os borderôs das
transferências que você pediu”, mas o banco não envia. Ok. Então depois é
aquela. Tem que enviar uma série de e-mails para o departamento de cartões.
Você envia e-mails, não respondem. Até uma certa altura, nós tínhamos um
contato lá que até respondia, mandava os extratos. Com um mês de atraso, às
vezes, mas mandava. Só que eles depois decidiram que esses extratos já não
podem ser enviados diretamente ao cliente. Ou seja, nunca deveriam ser
enviados diretamente ao cliente. Aquele contato, se calhar, é que facilitava a
nossa vida. Deveria ser enviada para a agência comercial. E a agência
comercial por sua vez enviar ao cliente. Ok. Só que a agência pega e guarda
os extratos, quando recebe. E a gente fica aqui nessa, vai, pergunta, já chegou
o extrato? Você vai lá, não, ainda não chegou. Já chegou o extrato? Não,
ainda não chegou. Lá você tem que fazer uma confusão, tem que falar com a
gerente, falar com o subgerente, vai lá no departamento de cartões, marca
reunião. Só depois daquela confusão aparecem alguns extratos, por exemplo.
Só para ter uma noção, tem um extrato de julho de 2008 que até agora ainda
não conseguimos receber… É um gasto que a gente não contabilizou. Está
em aberto. Por quê? Está no cartão de crédito. Saiu na nossa conta um valor
que é global e nós não sabemos o detalhe deste pagamento… Imagina. Não
contabilizando um gasto, lógico, é menos custo. E se nós não contabilizarmos
um custo, vai aumentar o resultado da empresa. Imagina que foi um custo de
1000 e a empresa nesse momento está com um lucro de 2000. Se esse custo
fosse contabilizado o lucro não seria de 2000, seria apenas de 1000. Isso
também é fruto da burocracia que o país vive. Quando esses extratos
poderiam muito bem nos ser enviados por e-mail, até porque eles já faziam
isso. Mas agora nós temos que nos deslocar, ir até lá, marcar reuniões, não sei
o quê. Isso é tempo perdido, a documentação mesmo assim não vem, é
preciso uma série de barulho... E prontos. As pessoas que vivem num outro
mundo às vezes não entendem que nós passamos essa dificuldade… É claro,
pra uma sociedade normal é quase que inconcebível você não ter extrato
bancário de um ano atrás. É quase que inconcebível (Contabilista Angola).
As questões aqui citadas estão também relacionadas com a conduta das pessoas
nos locais de prestação de serviço. Sendo prática de um esquema de sobrevivência
exercido por muitos funcionários principalmente dos serviços públicos, a prática da
gasosa, por exemplo, já citada no capítulo 3, se coloca como uma barreira no trabalho
dos funcionários da DNV, que têm implicado nos valores e código de conduta da
empresa como uma prática proibitiva.
O que acontece é que as pessoas estão muitas vezes a espera de uma certa
“gratidão” – o que nós chamamos aqui de gasosa – e se você não estiver
disposto a dar uma “gratidão” por você achar que é o teu direito de receber
este serviço, e depois ficar chato, ainda por cima, então aí mesmo é que
acabas não recebendo nada (Logístico Angola).
Tentar ser o menos chato possível. Tentar uma simpatia, buscar uma simpatia
das pessoas para amenizarmos o clima em primeiro lugar. E em segundo
lugar, tento não puxar muito em primeiro com essa pessoa. Você puxa um
bocado hoje e vê que a pessoa está assim com uma certa atitude, recua e
deixa estar, e volta amanhã, e numa segunda ou terceira vez você já pode
puxar um pouco mais, ir um bocado mais a fundo, fazer com que essa pessoa
consiga te dar o serviço que ela tem que te dar, mas que ela nem sequer acha
que tem que estar ali para te dar esse serviço. Ela acha que está ali, sei lá,
para receber o seu salário (Logístico Angola).
O trabalho é uso de si, isto quer dizer que ele é o lugar de um problema, de
uma tensão problemática, de um espaço de possíveis sempre a negociar [...] É
o indivíduo em seu ser que é convocado são, mesmo que inaparente, recursos
e capacidades infinitamente mais vastos que os que são explicitados, que a
tarefa cotidiana requer (SCHWARTZ, 2000, p. 40).
Claro é um sistema que também tem muitas vantagens. É um sistema que tem
muitas e muitas vantagens que facilitariam o trabalho, só que acredito que
nós levamos mais tempo agora com a Basware do que antes quando
tratávamos as faturas manualmente e imputávamos no Agresso (Contabilista
Angola).
Então as normas que nós aplicamos aqui são as normas que aplicam-se em
Portugal. O jeito que a gente trabalha contabilidade é o jeito que Portugal
trabalha. Só que parece-me que o Brasil trabalha de um jeito, de um jeito
diferente até porque o plano de contas deles não tem nada a ver com o plano
de contas português, é completamente diferente, tem nomes que só são deles
mesmo (Contabilista Angola).
A partir das leituras de Wisner (1994), nós somos levados a perceber que as
causas muitas vezes ligadas a problemas que as organizações enfrentam, não estão
diretamente ligadas a razões que podem ser vistas “a olho nu”, e que, principalmente em
se tratando de casos onde se dá a transferência de tecnologia, a antropotecnologia nos
ensina a lançar uma investigação de fatores que vão além das atividades e resultados do
dia-a-dia, e buscam um entendimento a nível mais conjuntural no meio onde se dá a
inserção das tecnologias, processos ou conhecimentos específicos. Em adição a isso, os
estudos já realizados por pesquisadores nesta área, nos dão claras trilhas para reflexão
do fato de que análises mais minuciosas são indispensáveis quando se busca por
resultados satisfatórios e sucesso no processo de transferência de tecnologia de um país
para outro. Estas análises devem levar em consideração não só fatores ligados a
realidade local, mas também as estratégias de gerência das empresas. Wisner (1994) vai
afirmar, de forma contundente, que os trabalhadores dos países em vias de
desenvolvimento industrial vão ser responsabilizados injustamente, pelos problemas
organizacionais e tecnológicos que vão surgir nesses processos de transferência de
tecnologias que não partam de um estudo da complexidade da realidade do país onde
essa nova tecnologia vai ser operada.
Uma leitura no texto de Dejours (1993),“Cooperação e construção de identidade
em situação de trabalho”, nos remete a seguinte discussão: que esforço está sendo
realizado pela organização de formas a emendar os laços de cooperação, que nos
parecem tão fragmentados, entre os funcionários da filial de Angola e Brasil?
Cooperação, para Dejours (1993), são laços construídos pelos trabalhadores em vias de
realizar, voluntariamente, uma obra comum. Para que haja os laços cooperativos, é
preciso existir relações de intercompreensão e interdependência. Esse processo é
construído coletivamente, mas sua construção não é impulsionada por exigências
externas (trabalho prescrito), mas por iniciativa dos próprios agentes (no trabalho real).
Para que sejam suprimidas as barreiras da falta de cooperação, é importante que
a empresa evoque o sentido de coletividade dos funcionários. A comunicação e o
reconhecimento são apontados por Dejours (1993) como as condições necessárias para a
construção desses laços. O que enfatiza a importância de saber como essa
comunicação está sendo realizada e se a aplicação do reconhecimento tem sido uma
realidade nesta empresa.
Na verdade você tem uma ponte aí no meio, né? Eu não vou te dizer que as
informações não chegam, não é isso, mas você tem um filtro aí no meio… e
aí até que ponto elas são integralmente passadas, com o mesmo teor, com a
mesma segurança de informação. É um pouco difícil acontecer, né? Quando
você tem esse filtro no meio. Isso cabe muito na verdade a quem ta passando,
o trabalho daquele comunicador de estar transmitindo a mensagem, a
eficiência da clareza e da segurança de na forma que ele recebeu ele
transmitir (RH Brasil).
Outro fato que descrevemos, refere-se às lacunas de comunicação,
presumivelmente motivadas pela distância e pela falta de participação dos funcionários
da subsidiária em Angola em eventos relevantes.
É mais fácil pra mim por estar aqui no Brasil sentada… E olha que mesmo
assim eu sinto às vezes muita dificuldade de certas coisas que não são
passadas até mim.E olha que eu tô aqui. Eu sinto e compreendo que uma vez
você estando mais afastado, estando em Angola, as coisas são mais
complicadas ainda. Pra se ter essa comunicação e essa informação num
tempo mais rápido. Mas eu acho que deveria sim, eu concordo que a
comunicação deveria ser, ter canais que pudessem disseminá-los mais
facilmente, que todo mundo pudesse saber do que está acontecendo, e porque
não, se são gestores de processos de lá, de RH, seja contábil, se são gestores
daquilo, poder opinar sobre aquilo que está acontecendo. Eu vejo assim que
são coisas que são bem disseminadas, mas temos muito que trabalhar em
cima disso. Ainda não vejo assim a DNV com essa transparência toda, ainda
não é. Não posso te dizer que isso seja um ponto forte (RH Brasil).
Mas também nunca procurei saber, mas como observadora você vê que há
uma falta de estimulo. Não se sabe que por conta do salário que eles ganham
no fim do mês, se é pelo tipo de procedimento que a empresa tem com eles,
se existe uma valorização de uns em detrimento de outros, então é uma série
de coisas, de questões que a gente fica se perguntando pra saber se é
realmente isso (Contabilista Brasil).
E o que a gente às vezes nota, até que eu não comentei são problemas assim
pequenos que acabam por afastar os funcionários angolanos muito tempo do
escritório. Mas é uma questão de realidades também. Por exemplo, o
funcionário Angolano, ele vive um problema de um falecimento de um
parente. Então ele fica dias fora da empresa. Coisa que aqui no Brasil não
acontece. Você tem um parente que faleceu infelizmente, se for um parente
se não for pai ou filho, você vai ao funeral e volta se bobear para trabalhar. Já
o funcionário de Angola não, ele se ausenta realmente. Por motivos menores
ele se estiver doente, ele não vai fica, dois, três, quatro, cinco dias ausente.
Então isso tudo para o Brasileiro é chocante. Porque o brasileiro ele vem, ele
pode estar com, gripado, com febre, e a pessoa ela assume aquele
compromisso que ela tem que trabalhar, não eu vou tomar remédio, vou
melhorar e tudo. Só no último caso ela se ausenta. Só que a gente vê que em
Angola por motivos infinitamente menores há uma ausência do escritório. E
isso espanta. A gente, muitas vezes, é tratada de uma maneira até irônica,
porque se ausentar tanto? Mas isso é uma questão que tem que ser trabalhada.
Isso tem que verificar com as pessoas, não se sabe se é realidade
(Contabilista Brasil).
Mas, que eu tenho certeza que isso é uma característica muito nossa. Nós
somos um povo muito família. É uma coisa que eu sei da Europa, é que
família resume-se apenas nessa de esposa e filhos, é tua mãe ta doente você
liga para saber como é que está. Nós não, se mãe está doente, nós não temos
mais capacidade para trabalhar, e essa é uma característica nossa. A mãe
morreu, você vai chorar 15 dias. Já não acontece a pessoas que vejo na
Europa. Há casos muito, muito visíveis, pessoas famosas até, que o pai
faleceu e estiveram a trabalhar no dia seguinte. Acho que é um povo, focam-
se mais pelo trabalho do que nas relações. Eu acho isso, daquilo que eu pude,
que eu posso acompanhar de longe, eu vejo isso (Contabilista Angola).
As pessoas acabam tendo a idéia de que nós não estamos a fazer nada para ter
a informação. Quando nós estamos a dar um litro para ter a informação. É
mais nesse sentido. Mas seis meses, vocês não conseguem o extrato? Tem
que ir lá, tem que telefonar, tem que mandar e-mail. Como se nós não
tivéssemos feito isso, mas a gente faz. Só que é pá aqui é um pouco mais
lento mesmo esse processo. Esse é um bom exemplo que tem dificultado
muito a nossa vida. São os... Neste momento estamos com quatro despesas
com cartão de crédito ainda não contabilizadas. (Contabilista Angola)
Isso também é fruto da burocracia que o país vive. Quando esses extratos
poderiam muito bem nos ser enviados por e-mail, até porque eles já faziam
isso. Mas agora nós temos que nos deslocar, ir até lá, marcar reuniões, não sei
o quê. Isso é tempo perdido, a documentação mesmo assim não vem, é
preciso uma série de barulho... E prontos. As pessoas que vivem num outro
mundo às vezes não entendem que nós passamos essa dificuldade.
(Contabilista Angola)
É um país com pessoas, não com bichos, porque parece que você ta indo pra
um lugar que é uma selva, e que não é nada disso. É um lugar que tem
centros empresariais, um lugar que ta crescendo, que tem shopping, e que
tem problemas como também tem aqui no nosso país. Então algumas
pessoas, internamente, infelizmente, da DNV Brasil, tratam como ir a Angola
como um castigo… Então é assim, todo lugar tem seu ponto positivo, e todo
lugar tem seu ponto negativo… quando abre-se a boca e fala-se vou precisar
passar 15, 20 dias em Angola, as pessoas se descabelam… Mas também ao
ponto que quando eu cheguei me enviarem comunicator perguntando se eu
tinha sobrevivido. Sobreviver? Porquê? Não fui pra guerra. Foi só um
trabalho. Ninguém ia me matar, ninguém ia arrancar pedaço, ninguém ia
fazer nada. Então é uma ignorância muito grande (Contabilidade Brasil).
O grande desafio para uma empresa global, onde se tem presente uma
diversidade de realidades é saber lidar com as diferenças e transformá-las em néctar
para atingir resultados, estabelecendo parcerias que agreguem valor e criticar a
produção de desigualdades. Compreender um pouco da atividade dos outros será ainda
uma opção para que os laços de cooperação sejam constituídos. Durrafourg (2007)
afirma que não se deve separar o trabalho da vida das pessoas, que se deve procurar
compreender que gerir é levar em conta modos de viver diferentes, valores diferentes,
evitando cair na ficção do trabalhador médio, homogêneo:
Eu acho que na verdade quando as pessoas falam certas coisas é por não
conhecer o país, eu acho que cada país tem a sua cultura, claro, tem as suas
dificuldades, como aqui no Brasil a gente tem várias dificuldades, mas que as
vezes isso também é um certo preconceito, entendeu? Sabe aquela coisa
enraizada como você tem de alguns países que você tem aquele preconceito
de saber que aquilo ai por um certo período, e grande período (não vou dizer
que foi pouco), foi cultivado e aquilo fica enraizado e as pessoas não
conseguem ver aquele cenário de uma outra maneira. Então acham que por
acaso se uma coisa não dá certo, acha que tudo não dá certo. Não se emprega
na verdade a melhor boa vontade, porque se tem a desculpa de que: “Ah,
você não sabia que aquele país era assim mesmo?” Então não deu certo não é
culpa sua. Então é fácil, né? Quando você já tem na verdade um motivo
antecipado para as coisas não darem certo (RH Brasil).