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O direito, sendo um instrumento utilizado pelo homem, está suscetível de toda sorte de

uso, seja para a dominação, ou seja, para a convivência pacífica.

Faremos um resumo histórico

Tratamos aqui do homem selvagem que, se quer, tinham noção de propriedade privada
nem idéia da coletividade.

São grupos que não passaram ainda pela primeira grande divisão do trabalho,
desconhecem leis, as noções de posses, dinheiro, poder, prestígio, coletividade ou
qualquer forma de união que se baseasse em relações humanas mais complexas.

Não é de se espantar que, para estes seres humanos a mera idéia de um conjunto de
normas, costumes ou preceitos que regulamentassem a convivência, não passasse de
algo inexistente. Ora, de que serviria este conjunto regulamentador de convivências (o
direito) se a própria convivência não havia sido percebida. Consequentemente, o direito
ideal era uma esfera estranha à capacidade intelectual daqueles tempos. Tampouco
imaginemos um direito real esquematizado e fixo porque simplesmente reinava a "lei do
mais forte".

Conclui-se deste período que os planos de ação do direito se encontram totalmente


separados posto que um inexiste (ideal) e o outro é esparso(real).

Com o tempo o homem se conscientiza de sua necessidade de se agrupar, pois como


afirmou Aristóteles : 'O homem é um ser eminentemente social ' . Tratemos aqui das
sociedades selvagens, excetuando-se as incas, maias, astecas e algumas outras por
estarem num grau de complexidade social maior que os demais grupos tendo em vista
que possuíam um Estado, governantes e classes sociais.

O homem também aprimora suas técnicas de retirar da natureza aquilo que necessita.
Inclusive, seria importante comentar rapidamente sobre a necessidade.

O que teria levado a humanidade ao estado atual de desenvolvimento se não a


necessidade. Utilizando-se das idéias de Locke, pode-se afirmar que foi a partir do
trabalho empregado pelo homem para pegar aquilo que a natureza oferecia a todos que
surgiu a propriedade.

Não é difícil de imaginar que o homem sempre teve fome e frio e aquele que "tendo
cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente
simples para acreditá-lo" 1[1] não estava seguindo senão as próprias necessidades. Como
é bom salientar, a propriedade em si não é uma necessidade humana mas é fruto desta.
Esta afirmação não perderia sua validade pela provável afirmação de que os índios,
como qualquer ser humano, também têm necessidades mas não têm propriedades. E de
fato assim se verifica, mas ele não tem a propriedade particular ao passo que possui a
coletiva. O que não deixa de ser propriedade uma vez que, se caso alguma tribo inimiga
tentasse se apropriar das posses coletivas, a guerra seria inevitável.

Como visto, foi das necessidades humanas mais básicas que o homem, seja sozinho ou
em grupo, começou a apropriar-se de partes daquilo que a natureza oferecia. Mas a
1
forma como isto era administrado é que vai diferenciar gritantemente os modos que os
grupos sociais vão vivenciar os dois âmbitos de atuação do direito.

O ameríndio não tinha "lei nem rei". Os chefes, sustentados pelo prestígio, sugeriam
algumas medidas que poderiam ou não ser acatadas pela comunidade. O direito real
vivido por aquela sociedade era representado pelos hábitos e costumes de sua gente,
mas devemos ter cuidado em utilizar a palavra direito pois seu significado é bem mais
restrito do que a ampla gama hoje utilizada. Entendamos este direito como uma
expectativa criada pela tribo onde todos devem seguir uma conduta padrão. Em outras
palavras, as "leis" seriam subentendidas, algo do tipo : todos devemos nos submeter ao
bem coletivo, todos devemos defender nossas terras, todos devemos obedecer a
separação dos deveres, etc.

Seria difícil a idéia de que estas sociedades possuíssem um corpo estável de leis para
regulamentar relações que ainda desconheciam. Estas relações por sua vez são muito
conhecidas no velho continente, parte da África e Ásia, pois lá havia uma economia não
de subsistência como se verificava aqui, mas sim um comércio com dinheiro ou
permuta, com posses pessoais e toda uma parafernália de atritos que precisavam de ou
alguma ordem ou de um meio de garantir aos que tinham que continuassem tendo.

Logo, pela própria ausência de necessidade, as tribos americanas não tinham Estado
(com as raras exceções já citadas) mas não deixavam de ter um esboço do direito real
(conduta esperada) tampouco um do direito ideal (a melhor conduta possível). Ou seja,
o próprio grupo tinha os seus valores (bem representado pelo prestígio) onde os mais
bravios ou sábios eram tomados como modelo (direito ideal) e eles deveriam ser
aplicados (direito real). Ressalvo uma observação que seria importante : o direito real e
o ideal destas épocas são esferas tangentes no campo de atuação haja vista seus direitos
real e ideal serem meras noções e não frutos de reflexões e estudos.

III- Sociedades Antigas

Ao passar dos tempos, este sistema selvagem de convivência sofreu um duro golpe. Na
Europa, principalmente, onde as extensões territoriais foram ficando pequenas, frente ao
crescimento demográfico, aquilo que a natureza oferecia passou a não ser tão abundante
quanto era no início dos tempos.

O homem não podia simplesmente pegar produtos perecíveis e estocá-los pois se


estragariam, a solução foi criar um meio não perecível de garantir o perecível. Então
surgiu o dinheiro. As permutas, até então realizadas por trocas de produtos foram,
progressivamente, substituídas por metais aparentemente sem utilidade, mas que, devida
à sua longa durabilidade, eram escambados por alimentos e outros bens não-duráveis.

"Onde não existisse algo de duradouro e raro, de bastante valor para que se guarde, os homens não estarão
em condições de ampliar as próprias posses de terra mesmo que fosse muito rica, com plena liberdade de
ocupá-la"2 [2] .
Novamente era a necessidade que impulsionava a criação. Mas o próprio comércio se
ampliou , os homens viram-se obrigados a criar um sistema que lhes garantissem as
posses e, praticamente, legitimassem as mesmas. Surge o Estado. As próprias relações
humanas foram ficando mais complexas e homem começa a tomar consciência da
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existência da mesma, neste panorama surge a escrita, a economia, a política, a filosofia,
o direito, enfim o estudo.

Os valores humanos ficam mais aprimorados embora muito longe do ideal hoje
almejado. O direito ideal é enriquecido por teorias originárias destes novos
conhecimentos, os ideais de justiça, a sistematização do direito e outras tantas novidades
vão ampliar a esfera de atuação do direito ideal. Todavia, o homem impulsionado por
suas necessidades, caberia aqui até mesmo o adjetivo "egoístas", também ampliou o
campo das relações de que o direito real deveria se ocupar. Basta-nos recordar das
atrocidades cometidas naquelas épocas (até mesmo em épocas posteriores) para
notarmos que a interseção entre os campos do ideal e do real eram, ainda, muito
pequenos.

Em resumo, uma crítica socialista neste período seria bem recebida, pois as classes,
muito bem estratificadas, apoiavam o seu poder sob a égide do direito. Porém uma
contraposição positivista seria, igualmente, aceita uma vez que foi neste período que
lançamos bases das futuras legislações e ideais que norteariam uma sociedade mais justa
ou ao menos, caminhando rumo a este modelo.

IV- Sociedade Moderna e começo da Contemporânea

Com o avançar dos anos, o homem aprimora ainda mais o campo econômico,
moderniza suas técnicas de produção, sistematiza seus estudos, descobre novas ciências,
enfim, caminha passo a passo para uma melhor satisfação de suas necessidades.

Contudo vale questionar quem eram os beneficiados destas invenções, ou melhor ainda,
de quem que estava sendo saciada a necessidade. Obviamente de uma minoria que
dispunha da propriedade dos meios de produção, que controlava a política e a
economia, em outras palavras, estava no ápice de uma sociedade estratificada e tinha as
rédeas para guiá-la.

Com a decadência da nobreza e a ascendência da burguesia, uma nova classe começa a


lutar pelo poder, e aqui abre-se um pequeno parêntesis para uma breve reflexão: Marx e
Clastres estariam com a razão de afirmar que a luta de classes movimenta a história,
mas sem desconsiderar que muitas idéias influenciam enormemente, a tal ponto, de
mudarem o rumo histórico de sociedades que até então estavam fadadas a quimeras
mesquinhas e vãs, ou o retorno à barbárie.

E, para as idéias, estará reservado um século em especial : o século das luzes, que
apesar de ter rendido muitas críticas mostrou-se eficaz pois seus críticos se
manifestaram , paradoxalmente, através de mais idéias ainda.

Foi neste século que muitas das posturas humanas foram analisadas. O campo político
foi extraordinariamente enriquecido, bastando citar Montesquieu com a separação dos
três poderes, Quesnay e Tourgot no campo econômico e seu liberalismo, o próprio
Rousseau e sua defesa à liberdade de opinião, enfim, poder-se-ia citar uma lista de
nomes de ilustres pensadores que engrandeceram o rol do direito ideal.
Reiterando, com tantas novas idéias e ideais, o campo de existência do direito ideal foi
ampliado de modo até então nunca visto. Mas esta conquista mais desanimou que
propriamente engrandeceu as relações humanas: toda aquela beleza da justiça,
igualdade, liberdade e fraternidade ficara restrita às paginas das muitas publicações, sem
nenhuma aplicação consistente no direito real.

As mãos do trabalhador não sentiram alívio algum em sua jornada de trabalho em


detrimento do iluminismo, mas pelo contrário, imaginar-se um ser digno de viver toda
aquela filosofia, contrastava tristemente com a realidade. Não é de se espantar que Karl
Marx tenha se sensibilizado tanto com aquela vergonha que a sociedade vivia; as idéias
evoluíram sem que o homem as tivessem acompanhado efetivamente. O capitalismo
mostrava um direito real com um campo de aplicação mesquinho perto das inúmeras
possibilidades mais justas.

Ressalvo que o direito em si não era um meio de domínio de classes, mas assim se
apresentava frente ao seu mau uso. Da mesma forma que não podemos dizer que o fogo
é puramente predador por queimar, pois pode aquecer; o direito, igualmente sendo um
instrumento, não será essencialmente bom ou mau, mas sim, será bem ou mal utilizado.

Aí é que nascerá toda a chave para esta questão do caráter do direito : enquanto
instrumento mal utilizado no campo real, será amplamente revisto nos séculos
posteriores (XIX e XX) para tentar aplicar um pouco mais do plano ideal na esfera do
real. As desigualdades serviriam como espécie de tormenta pela qual a sociedade deve
passar para acordar dos seus próprios males e sentir a necessidade da melhora.

"(...). Devemos construir instituições sociais, asseguradas pelo poder do estado, para proteção dos
economicamente fracos contra os economicamente fortes. (...)"3 [3]

V- Sociedade Contemporânea

Como dito anteriormente, no século passado e principalmente neste, o direito no campo


positivista (muito visível na legislação brasileira que é adepta desta corrente jurídica) o
próprio direito tem sido melhorado visando uma aplicação àqueles que mais necessitam
de sua atuação. Ou seja, neste século, o mundo como um todo tem se esforçado em
aproximar os planos ideal e real o máximo possível, obviamente, apesar das melhorias,
estamos longe de viver uma aproximação completa dos dois âmbitos. Como exemplo
desta firmação temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição
Cidadã (a nossa constituição de 88) e outros tantos tratados e leis que tentam colocar
uma maior interseção entre o ideal e o real, e mais ainda, fazer com que o elo que une
ambos os planos se consolide ainda mais.

Não pretendo aqui ficar indiferente às inúmeras manifestações de injustiça e


desigualdade que são, até mesmo, freqüentes mundo afora, mas não posso, igualmente
cegar-me às conquistas que foram conseguidas com muitos sacrifícios e batalhas. Como
exemplo, basta citar o art.05 da CF-88 caput "todos são iguais perante perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, (...)" e nos remeter um século atrás na história
brasileira para repararmos que a simples concepção de tal idéia seria inviável, pois os
escravos não teriam igualdade com os brancos, as mulheres não teriam, por sua vez, a

3
mesma igualdade que os homens, e entre os próprios homens não haveria igualdade de
condições entre o branco e o mestiço.

Ainda que hoje exista o preconceito social e racial, ele é crime inafiançável, panorama
muito dissonante do percebido no século passado onde um ser humano poderia possuir
legalmente um outro ser humano. Contudo, esta mudança só foi possível por que os
homens repararam que este absurdo contrastava com os ideais da famosa igualdade que
permanecera latente no plano ideal; foi necessária a luta dos abolicionistas e dos
próprios negros para esta modificação. Em resumo, a bela disposição das nossas leis já
provam que o caráter do direito dependerá de sua aplicação. Se quisermos ser déspotas,
basta afastar o campo ideal do real e teremos normas mecânicas e arbitrárias que
instaurarão relativa ordem, até que o próprio homem não consiga viver neste sistema
sufocante e, movido pela necessidade de uma liberdade de escolha, comece a aplicar
mais o direito ideal no campo real.

Não entrarei nos méritos de discussões do caráter da natureza humana, abarcando


questões do tipo: se somos essencialmente egoístas ou não, se somos suscetíveis de só
seguir leis naturais ou se nos preocupamos com questões transcendentais, etc.
Simplesmente vou me limitar a confirmar o que espero ter explicado com relativa
clareza : o direito é instrumento precioso, é através dele que poderemos garantir nossa
melhoria enquanto seres sociais, ou através dele podemos sufocar o semelhante e
vivermos tais quais parasitas, sugando o que inúmeros sofismas podem garantir como
que sendo nosso. Marx , Popper, Clastres, Locke, Engels, Rousseau e outros tantos não
se contradiziam em privilegiar determinada conceituação de direito, eles somente o
enxergavam em certo plano que naquele período parecia mais evidente.

Imaginar os prognósticos possíveis que o futuro do direito pode assumir é trabalho que
reservo aos adivinhos, pois nunca se sabe quando uma nova idéia pode revolucionar
uma mentalidade, nunca se sabe quando uma mentalidade pode revolucionar um
comportamento e, por fim, nunca se sabe quando um comportamento pode mudar
graças à uma idéia.

Pode ser que nossos avanços morais (ainda que a passos lentos) amplie o plano do ideal
e nos vejamos forçados a lutar para repelir novas dominações. Ou pode ser que
apliquemos ainda mais o ideal em nossa legislação, tornando-a mais coerente com sua
finalidade positivista.

Desde o início deste trabalho, tentei alinhar o que havia de mais importante e necessário
para demonstrar que ambas as correntes foram muito felizes e ponderadas em suas
considerações. Obviamente que temas que aqui foram citados como a economia, o
comércio, o uso do dinheiro, a liberdade, a necessidade, o direito e a própria noção de
homem como ser social e apto a novas descobertas, mereceriam uma atenção que
poderiam render páginas e mais páginas, sem que, contudo, mudasse o objetivo inicial
do trabalho.

Como uma observação final, seria interessante atentar que, depois de tantos milênios
vivendo na Terra, o homem pode demostrar sua vocação ao auto-conhecimento e ao
conhecimento da natureza (o qual se encontra inserido, fazendo parte dela). Demonstra,
igualmente, uma tendência ao aperfeiçoamento não só de sua tecnologia como crêem os
mais pessimistas, mas também tende a melhorar a si mesmo e até a própria sociedade.
Não seria utopia crer que os séculos vindouros serão melhores que os precedentes, pois
como já foi dito, o próprio homem é movimentado pelas suas necessidades, e o homem
tende a melhorar porque ele sente a necessidade de ter o melhor. Não me refiro aqui a
casos isolados, mas na sociedade como um todo. A capacidade de se melhorar
intelectualmente é uma dádiva que nos impulsionará sempre à luta para que vivamos um
direito ideal. Finalizo, então, utilizando as palavras de Engels que muito bem resumem
esta expectativa em torno da humanidade:

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