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Rodrigo Alberto Correia da Silva

Controle de
Preços de
Medicamentos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Silva, Rodrigo Alberto Correia da


Controle de preços de medicamentos / Rodrigo
Alberto Correia da Silva. -- São Paulo:
Febrafarma - Federação Brasileira da Indústria
Farmacêutica, 2004. -- (Estudos Febrafarma)

Bibliografia.

1. Agências reguladoras - Brasil 2. Indústria


farmacêutica - Controle de preços 3. Medicamentos -
Preços 4. Preços - Determinação I. Título.
II. Série.

04-5569 CDD-615

Índices para catálogo sistemático:

1. Medicamentos: Controle de preços: Farmacologia 615

Fundação Biblioteca Nacional


índice

Sumário Executivo 5

Introdução 7
1. Evolução da regulação estatal da economia 7

Constituições relevantes para o tema da regulação da economia 12


1. A regulação estatal da economia nas constituições brasileiras 13

Regulamentação da economia 19
1. Óbices ao poder regulamentar 21
a. Serviços públicos 26
b. Produtos e serviços de saúde 28

Mercado de medicamentos 40
1. Concentração em mercado relevante 56
2. Barreiras à entrada de novos concorrentes 63
a. Barreiras sanitárias 64
b. Patentes 65
3. Assimetria das informações 74
4. Problemas de agência 81
5. Baixa elasticidade da procura 82

Controle de preços de medicamentos 86


1. Controle de preços de medicamentos no Exterior 92
2. Legislação brasileira de controle de preços de medicamentos 97
3. Regulação de preços de medicamentos pela Lei 10.742/2003 108

Conclusão 125

Bibliografia 130
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Sumário Executivo

O ACESSO aos produtos e serviços de saúde é garantido pela Constituição


Federal de 1988, segundo a qual estes serão fornecidos tanto pelo Estado quan-
to pela iniciativa privada.
Todavia, a despeito da determinação constitucional, temos uma crise social,
pois não são todas as pessoas que têm acesso aos medicamentos, cujo forneci-
mento pelo Estado é muito menos abrangente do que a necessidade das hordas
de miseráveis que vivem no Brasil.
No tocante ao fornecimento de medicamentos pelos laboratórios farma-
cêuticos privados, temos uma situação de mercado muito peculiar em decor-
rência, principalmente, da possibilidade de concentração de poder econômico
nas mãos de alguns dos fornecedores deste mercado, da essencialidade do pro-
duto e do fato de que o paciente não participa da decisão de compra.
Para conter o aumento de preços no setor, o Governo Federal implantou
um controle de preços por meio de Medida Provisória, posteriormente conver-
tida em Lei. O escopo deste trabalho é contrastar referida medida de força com
os ditames da Constituição Federal.
A conclusão considera a medida inconstitucional quanto ao controle de
preços, em decorrência de sua ineficácia comprovada, mas válida em relação
aos outros dispositivos relativos a regulação do mercado de medicamentos.

estudosFEBRAFARMA [ 5 ]
Rodrigo Alberto Correia da Silva

Para Flázinha, o meu anjo.

[ 6 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Introdução

O PRESENTE trabalho tem por objetivo analisar o controle de preços a que os


medicamentos estão sujeitos no Brasil desde junho de 2003, sob o enfoque da
constitucionalidade do referido controle e da forma como é realizado.
Para tanto, faremos uma retrospectiva histórica sobre o tema mercado e sua
regulação, passando por Constituições estrangeiras e nacionais, bem como pela
evolução do tema no século passado no Exterior e no Brasil.
Após esta retrospectiva, analisaremos o tema da regulação na Constituição
Federal de 1988, enfatizando a questão dos serviços públicos, para os quais estão
voltadas a maioria de nossas agências regulatórias, e discutiremos a questão da
saúde, que tem um tratamento diferenciado dos serviços públicos porque pode
ser explorada pelos particulares sem a necessidade de concessão estatal.
Faremos, posteriormente, breves considerações sobre as chamadas falhas de
concorrência no mercado de medicamentos para demonstrar a motivação que
está por detrás do congelamento de preços de medicamentos no Brasil, verifi-
cando como o controle ocorreu em nosso País em períodos recentes.
Analisaremos, detidamente, a Lei 10.742/2003 que estabeleceu o controle de
preços de medicamentos, especificamente no que se refere a sua validade pe-
rante a Constituição Federal, bem como a legalidade dos atos que são pratica-
dos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

1. Evolução da Regulação Estatal da Economia

Desde a divulgação do plano de reforma do Estado no Governo Fernando


Henrique Cardoso e sua conseqüente implementação, o tema da regulação
econômica pelo Estado conquista, cada vez mais, o pensamento de todos aque-
les que lidam com o Direito, especialmente com o Direito Comercial (atual
Direito da Empresa), com o Direito Constitucional e Direito Administrativo.
Apesar de os recentes debates sobre a regulação tratarem o tema como uma
novidade, é importante salientar que a regulação da economia pelo Estado já era
percebida em 1.700 a.C. no Código de Hamurabi1, tendo ocorrido em maior ou
1
“... o Código de Hamurabi, em 1.700 a.C., congelou dois preços básicos na Assíria, o do óleo e o do sal, e esta-
beleceu que os infratores seriam queimados, justamente, em óleo fervente. Porém houve um impasse na exe-
cução da norma: com o congelamento, o produto sumiu do mercado e acabou faltando óleo para exterminar
os sabotadores do plano econômico da Babilônia.” SILVA, Américo L. M. da, A Ordem Constitucional
Econômica, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 1996, pág. 116.

estudosFEBRAFARMA [ 7 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

menor grau em diversos lugares e momentos históricos, ainda que de maneira


casuística e desorganizada, sem uma reflexão teórica mais profunda sobre o
poder econômico e o seu controle.
No Império Romano, o preço dos produtos era livremente acordado entre
as partes em respeito à liberdade de contratar, porém no final do Império surge
por influência da igreja a noção de preço justo e a idéia do enriquecimento
“injusto”, atribuindo, portanto, juízo de valor sobre a atividade econômica.
Salientamos, ainda, o estabelecimento de preços para diversos produtos no
Império Romano por Diocleciano.
Por sua vez, no período medieval temos forte interferência na atividade pri-
vada por força dos grêmios medievais, ao determinarem que seus membros
deveriam cobrar preços razoáveis por seus serviços sem o abuso do monopólio
de atividade de que gozavam.
Durante o mercantilismo as cartas reais são uma clara demonstração da
interferência do Estado na economia, na medida em que passavam aos particu-
lares o direito de explorar atividades tidas como estatais sob regras e contra-
partidas determinadas pelo Estado2.
Em uma tentativa de sistematizar esta evolução, Fábio Nusdeo3 aponta que
historicamente a Economia passou por três sistemas ideais: o da tradição, o da
autoridade e o da autonomia, advertindo que nenhum desses modelos foi puro,
pois tiveram predominância maior ou menor em determinada época e local.
Desde o início da humanidade até a Idade Média a economia seguiu o mo-
delo da tradição, ou seja, não havia grandes questionamentos ou teorizações a
respeito da propriedade dos meios de produção ou sobre o exercício desta pro-
priedade – as pessoas simplesmente faziam as coisas como sempre foram feitas,
o controle da economia era casuístico, fortemente moral e aleatório.
Após este período, tornou-se mais proeminente o sistema de autoridade
segundo o qual toda a condução da economia é determinada pelo fator políti-
co, ou seja, aquele que detinha o poder sobre a coletividade tinha também o
poder de dirigir a economia, tanto do ponto de vista da alocação de recursos
quanto da distribuição de riquezas.
Nesse momento, as ciências sociais e políticas passaram a tratar de temas
que, mais tarde, conformariam a ciência econômica. Este foco de estudos decor-
reu em grande parte das necessidades do planejamento econômico, que era
implementado pelo detentor de poder político.
2
SOUZA, Washington P. A. de, Primeiras Linhas de Direito Econômico, 5 ed., LTR, págs. 332 a 335.
3
NUSDEO, Fábio, Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico, 3 ed., Revista dos Tribunais,
São Paulo, 2001, pág. 97.

[ 8 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Finalmente, chega-se ao sistema de autonomia, baseado nos economistas


clássicos dos séculos XVIII e XIX que identificaram uma operação da economia
baseada no hedonismo, na busca da satisfação dos próprios interesses, em que
todos os homens procuram satisfazer suas necessidades, reais ou psicológicas,
buscando maximizar os efeitos de suas próprias atividades.
Em 1776, Adam Smith sistematiza e consagra tais pensamentos com a teo-
ria da chamada “mão invisível do mercado”, que automática e imperceptivel-
mente o auto-regularia.
Segundo esta teoria, através do sistema de determinação de preços, os com-
pradores e os vendedores emitiriam mensagens sobre a oferta e a procura dos
bens e serviços e realizariam trocas com proporções baseadas nestes dados, que
automaticamente equilibrariam o consumo destes bens e serviços e harmo-
nizariam os interesses dos envolvidos4.
A busca da satisfação desses resultados em uma sociedade que admite a
propriedade privada dá-se em um ambiente que viabilize a realização de trocas,
que são as comunicações entre os indivíduos que interagem num ambiente
chamado mercado.
O mercado nada mais é do que uma abstração, que é sustentada no mundo
concreto por todas as instituições que protegem a propriedade privada e a troca
de mercadorias e serviços.
O Direito, como não poderia deixar de ser, passou então a se ocupar forte-
mente da garantia das instituições do mercado para permitir a operação da
“mão invisível” e garantir a não interferência de fatores externos no mercado,
que poderiam criar barreiras para tal equilíbrio automático.
É interessante notar que o Direito é posto em marcha contrária a até então
adotada pelas economias autoritárias, nas quais a política e o Direito (ainda que
muitas vezes não individualizados) garantiam justamente o poder de intervenção.
Conforme aponta Fabio Konder Comparato, após um período de crença
cega nos benefícios da autonomia privada, a Primeira Guerra Mundial obrigou
os Estados a interferirem na economia para que os agentes econômicos se
alinhassem de forma eficiente no esforço de guerra.
Para nós, naquele momento histórico, o esforço de guerra era o bem
comum, pois a todos os cidadãos das nações em conflito interessava a amplia-
ção ou manutenção da soberania nacional.
4
“Para o pensamento liberal, o interesse próprio seria, portanto, a base principal dos mercados auto-regula-
dos. Se os consumidores são livres para aplicar as suas rendas como o desejarem e se os homens de negócios
são livres para competir sem restrições e conquistar a preferência dos consumidores, então as atividades
econômicas escoarão naturalmente.” TAVARES, André Ramos, Direito Constitucional Econômico, Método,
São Paulo, 2003, pág. 37.

estudosFEBRAFARMA [ 9 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Em 1929, os Estados Unidos da América sofreram com a grande depressão,


tornando perceptível que a economia não se regula automaticamente para a
obtenção do bem comum, por uma série de falhas que desnaturam a efetiva
concorrência entre os participantes do mercado, pressuposto essencial da eficá-
cia da “mão invisível” imaginada por Adam Smith.
Nesse momento fez-se necessária a intervenção do Estado na economia, já
que, como demonstrou Jonh Maynard Keynes o mercado não só não se auto-
regula como pode incidir em um equilíbrio de subemprego, necessitando da
interferência de um fator externo para dar movimento a essa situação inercial
em direção a um equilíbrio de pleno emprego.
Efetivamente o único que tem condições econômicas para realizar esta
intervenção é o Estado, além do que apenas ele é suficientemente interessado no
bem comum para despender recursos neste sentido.
Desta forma, o Presidente norte-americano, Roosevelt, implantou à época,
nos Estados Unidos da América, uma forte política de intervenção e fomento da
economia pelo Estado, batizada de New Deal, a princípio sofrendo grandes
resistências de um sistema econômico e um pensamento jurídico moldado por
150 anos de suporte ao liberalismo econômico e também por interesses
econômicos que estavam obtendo vantagens oportunistas sobre a situação
daquele país e do Mundo.
Ainda temos que considerar que toda uma massa de excluídos gerados pela
revolução industrial passa a se revoltar quanto a sua situação subhumana, espe-
cialmente inspirada nas idéias de Karl Marx, conquistando gradativamente seus
direitos, nascendo a experiência dos Estados Socialistas, no nosso entender com
retorno à economia de autoridade.
A população passa a exigir que o Estado se torne responsável por uma série
de atividades, o que este faz em um primeiro momento, assumindo para si cada
vez mais a obrigação de prestação de utilidades sociais5.

5
“A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e do Estado de Bem-Estar é que, enquanto
naquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também as
obrigações positivas, aqui sem deixar de manter barreiras, se lhe agregam finalidade e tarefas às quais
antes não se sentia obrigado (Gordillo, 1977:74). A idéia de Estado de Bem-Estar ou Estado Social impli-
ca alcançar determinados objetivos de bem comum, de garantia de Direitos sociais, que seriam as mani-
festações concretas de seus postulados, como o amparo à saúde e à previdência social; por outro lado, O
Estado liberal mantém premissas de garantia dos Direitos individuais, como propriedade e liberdade, e de
atuação negativa do aparelho estatal em respeito a estes Direitos. Assim, num momento de intensa dis-
cussão acerca do papel do Estado diante da tão falada globalização econômica, a efetivação e a universa-
lização dos Direitos sociais dependem da atuação decisiva do Poder Público.” ROCHA, Julio César de Sá.
Direito da Saúde: Direito Sanitário na Perspectiva dos Interesses Difusos e Coletivos. 1. ed. São
Paulo: LTR, 1999, págs. 33 e 34.

[ 10 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Contudo, após esse período de absorção de obrigações, o Estado passou a


sofrer com o inchaço da máquina administrativa e com a falta de orçamento
para investir em tais serviços.
“O Estado Providência gerou benefícios e vantagens que redundaram na
multiplicação da população, o que não foi acompanhado da modificação dos
mecanismos de seu financiamento.
(...)
A multiplicação da população e a redução da eficiência das atividades desem-
penhadas diretamente pelo Estado contribuíram decisivamente para o fenômeno
denominado ‘crise fiscal’. A expressão passou a ser utilizada para indicar a situação
de insolvência governamental, inviabilizadora do cumprimento das obrigações
assumidas e do desenvolvimento de projetos ambiciosos.” 6
Apesar de pressionado pela falta de verbas, o Estado, agora social, não se
desvencilhou dos anseios sociais que lhe impõem a responsabilidade pela
prestação dessas utilidades, de modo que optou por devolvê-los para a iniciati-
va privada, mantendo o ônus de zelar pela sua continuidade e universalização,
pois “o atual estágio evolutivo, por muitos considerado ‘neoliberal’, não implica –
a despeito da retomada dos aspectos fundamentais do liberalismo econômico – na
rejeição à grande parte dos avanços sociais, introduzidos especialmente pelo pensa-
mento socialista” 7.
Portanto, embora prestadas pelos particulares, essas utilidades devem per-
manecer sob o controle e a fiscalização do Estado, que o faz através da regula-
mentação da prestação de serviços públicos, ainda que de forma mais liberal
como nos casos de prestação em regime privado – por opção e sob a fiscaliza-
ção do órgão regulamentador.
Nos dias atuais, temos o exaurimento do sistema socialista com a queda da
União Soviética, mas, por outro lado, temos também uma forte tendência dos
Estados tidos como liberais buscarem o bem-estar social, tanto pela assunção de
mais responsabilidades como obrigações perante os cidadãos 8, quanto pela sua
interferência na performance da economia nacional.
6
JUSTEN Filho, Marçal, O Direito das Agências Reguladoras Independentes, Dialética, São Paulo, 2002, pág. 19.
7
TAVARES, André Ramos, ob. cit. pág. 45.
8
“Ao longo do século XX, a ideologia do Estado de Bem-Estar significou a assunção pelo Estado de funções de mo-
delação da vida social. O Estado transformou-se em prestador de serviços e em empresário. Invadiu searas antes
reputadas próprias da iniciativa privada, desbravou novos setores comerciais e industriais, remodelou o mercado e
comandou a renovação das estruturas sociais e econômicas. (...) O resultado foi extraordinariamente positivo; espan-
toso, poderia até dizer-se. As condições de vida elevaram-se a níveis nunca anteriormente experimentados. A expecta-
tiva de vida média da população elevou-se radicalmente. Nunca anteriormente os seres humanos experimentaram
tamanho conforto e tão grande quantidade de benefícios. Mais do que isso, nunca na História se ofertaram benefícios
em termos tão democráticos: saneamento, educação, assistência, previdência foram assegurados para todos os cidadãos,
em condições de igualdade (ao menos, formal).” JUSTEN Filho, Marçal, O Direito das Agências Reguladoras
Independentes, 1 ed., Dialética, São Paulo, 2002, págs. 17 e 18.

estudosFEBRAFARMA [ 11 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Desse modo podemos afirmar que o Mundo se encontra em um sistema


misto, em que a liberdade dos agentes econômicos está condicionada à geração
de bem-estar para a sociedade em que atuam9.

Constituições Relevantes para o Tema


da Regulação da Economia
APÓS o advento dos Estados de Direito, o poder político passou a se expressar
através de Constituições que conformam suas ordens jurídicas. Desta forma, as
evoluções históricas relativas a intervenção do Estado na economia nos perío-
dos recentes foram refletidas nas Constituições de cada país, de modo que pon-
tuamos algumas que influenciaram o Mundo neste aspecto.
A primeira Constituição que mencionou a destinação dos recursos públicos
para o desenvolvimento da economia e do interesse público foi a Constituição
Mexicana de 1917.
Posteriormente, a Constituição da República Soviética Federal Socialista da
Rússia, de 1918, obviamente tratou de aspectos econômicos, revogando a pro-
priedade privada, entre outras disposições sui generis.
Finda a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha devastada, em 1919, criou
a Constituição de Weimar, que sistematizou a ordenação econômica limitan-
do a propriedade privada e a liberdade de contratar, ambas condicionadas à
garantia da dignidade humana, tendo grande influência sobre a Constituição
Brasileira de 1934.
A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas lançou, em 1924, sua
Constituição multinacional, estabelecendo a planificação da economia, melhor
delineada em sua Constituição de 1936.
Em 1931, a Constituição Espanhola mencionou que a riqueza do país esta-
va subordinada aos interesses da economia nacional, contudo teve sua
importância tolhida pela guerra civil de 1936.
9
“Em tese de concurso intitulada “Aspectos da racionalização econômica”, afirmava Oscar Dias Corrêa, já em
1949: “Não haveria exagero se falasse em socialização do capitalismo. Como estamos longe do predomínio
férreo do capital! “Da mesma maneira que o liberalismo político é, hoje em dia, doutrina intervencionista,
em maior ou menor escala, o capitalismo é socialista, em maior ou menor escala.” Eis aqui o verdadeiro inte-
resse na manutenção do estudo desses dois sistemas desenhados anteriormente. Na tese com que obteve a cá-
tedra de Economia da Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, em 1957,
Oscar Dias Corrêa voltava a insistir na mesma idéia de que “o liberalismo se socializa enquanto o socialismo
se capitaliza, ou se liberaliza”. É que o tentava exprimir, em parte, Heilbroner ao anotar: “Na verdade, se for-
mos comparar a Iugoslávia ‘socialista’ com a Itália ‘capitalista’, descobrimos provavelmente muito mais
semelhanças de estilo social, vida cultural e atmosfera geral do que se compararmos Iugoslávia ‘socialista’ com
a China socialista.” TAVARES, André Ramos ob. cit. pág. 45.

[ 12 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

A Constituição Portuguesa de 1933 tinha diversos dispositivos voltados


para a atividade econômica, claramente subordinando a atividade do particu-
lar ao bem comum.
O preâmbulo da Constituição Francesa de 1946 fazia menção a Direitos
sociais e a desapropriação dos monopólios naturais e dos serviços públicos
nacionais, além de conter dispositivos esparsos sobre questões econômicas.
Na Itália, a Constituição de 1947 dedicou um título às relações econômicas,
introduzindo a idéia de função social da propriedade, inspiradora da nossa
atual Constituição Federal.
Não há menção ao Direito econômico na Constituição Alemã de 1949,
contudo, como aponta Ferdinand Lassalle, em seu clássico a Essência da
Constituição 10, não é exatamente o que está ou não escrito no papel chamado
Constituição que efetivamente é a Constituição de uma nação, mas o que seu
povo extrai e como concebe seu sistema jurídico, de modo que, apesar de não
haver dispositivos expressos sobre a vinculação da atividade privada ao inte-
resse comum, esta estava entranhada no sistema jurídico alemão.
Aqui vale apontar que não mencionamos os Estados Unidos da América,
pois foi a evolução jurisprudencial ocorrida naquele país que permitiu a inter-
venção estatal na economia, já que com o fundamento do devido processo legal
substantivo essa nação conseguiu manter a mesma Carta Constitucional criada
no período liberal até os dias atuais e nela integrar conceitos que permitiram tal
intervenção após os debates sobre as medidas do New Deal.

1. A Regulação Estatal da Economia nas Constituições Brasileiras

No Brasil, a Constituição do Império de 1824 garantia o direito de pro-


priedade, o privilégio de invenção, abolia as corporações de ofício e garantia a
liberdade de trabalho, cultura, indústria e comércio, desde que não se
opusessem aos costumes, à segurança e à saúde dos cidadãos.
A Constituição da República de 1891 previa a liberdade de associação e o
livre exercício de profissão, embora a doutrina vislumbrasse a possibilidade de
intervenção do Estado em prol do bem comum, o que efetivamente ocorreu
com as crises do café. Importante emenda ao texto original foi realizada em
1926 para permitir a legislação sobre comércio interior e exterior.
Com a revolução de 1930 veio a Constituição de 1934, de caráter eminen-
temente intervencionista e com um capítulo reservado apenas para a ordem
10
LASSALLE, Ferdinand, A essência da constituição, 6 ed. brasileira, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2001.

estudosFEBRAFARMA [ 13 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

econômica, que condicionava a liberdade à justiça e à existência digna, caracterís-


tica reforçada enormemente pela Constituição de 1937, que abriu caminho para
um intervencionismo total nos mais diversos campos da economia nacional.
Foi a Constituição de 1946 que voltou a libertar o sistema econômico,
determinando que a intervenção estatal deveria ser conciliada com a liberdade
de iniciativa e de empresa, disposição que na época causou polêmica em decor-
rência de sua imprecisão, permitindo que o Estado monopolizasse áreas da
atividade econômica em decorrência do interesse público e ainda condicionasse
o uso da propriedade ao bem-estar social.
A Constituição Federal de 1967 manteve os postulados da Constituição de
1946 e determinou que a União poderia criar planos de desenvolvimento
regional, garantindo que a exploração estatal da atividade econômica seria ape-
nas supletiva da atividade privada. Em 1969 a Constituição foi emendada para
acrescentar que a finalidade da intervenção do Estado na economia visaria sem-
pre a busca da expansão das oportunidades de emprego produtivo.
Importante notar que tanto a redação original da Constituição de 1967
quanto a emendada em 1969 admitiam a intervenção e o monopólio do Estado
para atendimento do interesse público caracterizado pela segurança nacional
ou simplesmente para organizar setores que não pudessem se desenvolver no
regime de competição e liberdade de iniciativa.
Apesar de Oscar Dias Correia, conforme citado por André Ramos Tavares11,
ver essa Constituição condizente com o liberalismo, ou neoliberalismo,
econômico, nos parece que a quantidade de conceitos indeterminados que pos-
sibilitavam a intervenção do Estado na economia dava ampla margem ao inter-
vencionismo estatal.
Existiam diversos fundamentos para sustentar que uma atividade não
poderia se desenvolver em regime de livre iniciativa, o que encerrou um alto
grau de discricionariedade na decisão de intervenção estatal na economia, o que
inclusive pode ser verificado na atuação estatal da época.
Após esta desordenada evolução, tivemos a Constituição Federal de 1988,
que, além de um capítulo dedicado exclusivamente à ordem econômica, tem
outros dedicados aos direitos sociais, e diversos dispositivos de grande impacto
na economia ao longo de seu texto.
Passaremos a tratar dos dispositivos constitucionais que nos parecem rele-
vantes para o debate do tema em questão.
O primeiro deles será o artigo 5, inciso XXII da Constituição Federal de

11
Ob. cit. pág. 126.

[ 14 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

1988 que garante o direito de propriedade, fundamental para a existência do


próprio mercado, mas que cria em muitos a idéia de que se trata de um direito
absoluto, capaz de refutar quaisquer intervenções na fruição da propriedade,
especialmente a dos meios de produção.
A idéia, então, toma forma de argumento de inconstitucionalidade de
quaisquer restrições a este direito, ainda mais considerando que as garantias do
artigo 5 da Constituição Federal não podem ser alteradas pelos atuais legis-
ladores, já que constituem cláusulas pétreas de nossa Constituição (art. 60, § 4º,
inciso IV).
Segundo este raciocínio, qualquer forma de intervenção do Estado na
autonomia dos agentes econômicos privados estaria contrariando o livre uso,
gozo e fruição da propriedade dos meios de produção, na medida em que impõe
limitação ao proprietário, que não poderá cobrar o quanto bem entender pelos
seus produtos.
Contudo, esta forma de raciocinar remonta à revolução industrial e já está
ultrapassada pela nossa nova ordem constitucional, que absorveu o Direito da
era do consumo de massas, onde o consumidor, como parte importante da
sociedade12, deve ser protegido tanto quanto o proprietário.
Isto pode ser observado na redação do inciso XXXII, do referido artigo, ao
estabelecer que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Há que se salientar ainda que a propriedade também já não tem a mesma
amplitude de outrora, estando atualmente sujeita a sua “função social” con-
soante inciso XXII do mesmo artigo 5 de nossa Constituição Federal.
Com efeito, a própria Constituição Federal trata da Ordem Econômica e
Financeira em seu título VII, sendo aplicável a toda a atividade econômica
indistintamente.
Dentro deste título, o artigo 170 da Constituição Federal contém os prima-
dos da atividade econômica em geral, que são (i) valorização do trabalho e da
livre iniciativa, (ii) justiça social, (iii) soberania nacional, (iv) propriedade pri-
vada, (v) função social da propriedade, (vi) livre concorrência, (vii) defesa do
consumidor, (viii) defesa do meio ambiente, (ix) redução das desigualdades
regionais e sociais, (x) busca do pleno emprego, (xi) tratamento favorecido para
as empresas de pequeno porte, (xii) livre exercício de atividade econômica,
dependente de autorização apenas nos casos previstos em lei.
Podemos perceber que o texto constitucional não confere uma liber-
dade total à iniciativa privada, vez que coloca também como pilares da
12
Na medida em que todos o somos em uma outra relação jurídica específica (conforme arts. 2º e 3º do
Código de Defesa do Consumidor).

estudosFEBRAFARMA [ 15 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

atividade econômica itens sociais como valorização do trabalho, justiça


social, função social da propriedade, defesa do consumidor e do meio
ambiente, redução de desigualdades e busca do pleno emprego.
Desta forma, parece-nos claro que a mistura de liberalismo e direitos
sociais aponta para uma forma de exploração da atividade econômica
que deve sempre resultar no benefício da coletividade, ainda que os agentes
econômicos também colham os frutos de seu trabalho e alocação de
capital.
“A liberdade de iniciativa empresarial, portanto, porque inserida no con-
texto constitucional, há de ser exercitada não somente com vistas ao lucro,
mas também como instrumento de realização da justiça social – da melhor
distribuição de renda – com a devida valorização do trabalho humano, como
forma de assegurar a todos uma existência digna. Assim, o lucro não se legi-
tima por ser mera decorrência da propriedade dos meios de produção, mas
como prêmio ou incentivo ao regular desenvolvimento da atividade
empresária, segundo as finalidades sociais estabelecidas em lei.” 13
Nota-se que estamos diante de uma Constituição neoliberal ou de uma
perspectiva de Estado misto, pois os direitos à livre iniciativa, propriedade
privada, livre concorrência e ao livre exercício de atividade econômica são
liberais e visam a criação dos alicerces do mercado e os direitos à justiça
social, função social da propriedade, defesa do consumidor, defesa do meio
ambiente, redução das desigualdades regionais, sociais e busca do pleno
emprego, que são direitos sociais 14.
Pela conformação de Estado misto presente em nossa Constituição Federal,
podemos concluir que a livre iniciativa não é um direito absoluto, devendo ser
inserida no direito de livre concorrência, que é o método escolhido pela
sociedade brasileira para a obtenção dos resultados de justiça social estampados

13
BRUNA, Sérgio V. O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu Exercício. 1 ed. São
Paulo: RT, 1997. P. 141.
14
“Quando a Constituição prevê expressamente o Direito a todos do livre exercício de qualquer
atividade econômica, em alguns casos mediante autorização dos órgãos públicos, tal assertiva deve ser
interpretada conjuntamente aos princípios que regem toda a atividade econômica, com ênfase à
busca do bem-estar social. Assim, não basta o desenvolvimento de uma atividade econômica pela
iniciativa privada que caminhe contrariamente aos objetivos constitucionais, tornando ilegítima a
postura adotada. Na verdade, pode-se dizer se trata de um Direito fundamental, enquanto exercido
no interesse da realização da justiça social, da valorização do trabalho e do desenvolvimento nacional,
como princípios primordiais consagrados constitucionalmente.” SANCHEZ, C.G., Aspectos da
Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enfoque Constitucional. 1999. 120f. Dissertação
(Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica, São
Paulo, pág. 26.

[ 16 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

em nossa Constituição15.
A livre concorrência tem aspectos de direito individual e também de direi-
to difuso, pois é direito do agente econômico que lhe sejam propiciadas opor-
tunidades de uma verdadeira competição com os demais agentes e é direito de
toda a sociedade que seja mantida operacionalidade da competição entre os
agentes econômicos para a obtenção dos benefícios sociais dela advindos.
É possível a interferência estatal para garantir que os mercados atendam a
uma finalidade social já que, embora a propriedade e a livre iniciativa sejam
protegidas como dentro do rol de direitos dos cidadãos, estes hoje se encontram
relativizados em prol dos direitos sociais.
Conforme ensina Eros Grau16, o Estado poderá interferir na economia dire-
tamente, por absorção, quando reservar para si o monopólio de determinada
atividade econômica, por participação, quando partilhar atividade econômica
com a iniciativa privada, indiretamente, por indução, quando adotar medidas
que imponham desvantagens econômicas em determinadas condutas ou vanta-
gens em outras, de modo que leve o agente econômico a, espontaneamente,
seguir determinada conduta ou, finalmente, por direção, quando determinar
condutas para a iniciativa privada.
O Estado também tem importante papel simplesmente atuando como
agente econômico17, utilizando seu peso como comprador ou vendedor de
produtos e serviços, como se verifica, exemplificadamente, quando o Banco

15
“Não só a concorrência é um valor institucional. Institucional é, como visto, todo aquele elemento confor-
mador, necessário para o funcionamento do sistema. Ora, fundamental para qualquer ordem econômica e
para o seu equilíbrio é que todos tenham acesso ao serviço. A questão da difusão dos serviços (normalmente
denominada universalização) é um exemplo típico. Freqüentemente tratada como um objetivo de política
econômica, ela é, na verdade, uma garantia sistêmica ou institucional. Inegável é, como visto no primeiro
capítulo, que se trata de objetivos que não podem ser convenientemente protegidos por uma simples regulação
concorrencial. Constitui-se, portanto, em uma garantia institucional autônoma. A garantia de difusão dos
serviços deve ser aqui compreendida em sentido material, e não apenas formal. Isso significa que ela tem dois
componentes fundamentais. Em primeiro lugar, a garantia de acesso aos consumidores. Essa deriva direta-
mente das garantias constitucionais da concorrência e da defesa do consumidor (art. 170, IV e V), que coe-
rentemente interpretadas, significam a não-exclusão de qualquer consumidor. Entretanto o simples provimen-
to formal dos serviços a todos sem que muitos tenham condições materiais não é também suficiente. Isso não
significa dizer que a regulamentação possa ou deva substituir as políticas sociais. Significa que a regulação,
como também o Direito antitruste, não pode e não deve ser instrumento de criação de desigualdades sociais
e especialmente de exclusão. Novamente aqui essa é a maneira de compatibilizar materialmente os ditames
constitucionais de livre concorrência e da justiça social. Particularmente, o controle das estruturas, cujo
impacto sobre nível de emprego é inegável, tem que ter em conta esse imperativo (o art. 58, 1º, da lei concor-
rencial dele dá conta expressamente).” FILHO, Calixto S., Regulação da Atividade Econômica: Princípios
e Fundamentos Jurídicos. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, págs. 126 e 127.
16
GRAU, Eros Roberto, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 5 ed., São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 27.
17
“A possibilidade de atuação estatal sobre o ambiente econômico, no texto constitucional, não se esgota na
ação normativa, ao seu lado está o atuar regulador da atividade econômica” SCOTT, Paulo Henrique Rocha,
Direito Constitucional Econômico, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2000, pág. 113.

estudosFEBRAFARMA [ 17 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Central passa a atuar como comprador ou vendedor de moeda estrangeira,


interferindo nos mercados de câmbio.
Para o mercado, de maneira geral, “a livre iniciativa pressupõe o Direito de
propriedade consagrado no Capítulo dos Direitos Fundamentais, afastando deter-
minações no sentido de um planejamento vinculante. As regras do livre mercado
apenas encontram limites no instante em que há conluios e outras formas para
prejudicar o consumidor, sendo certo que, nesse âmbito, o Estado deve criar meca-
nismos para conter tais abusos.” 18
Já para o Estado, a Constituição Federal limita no caput do artigo 173 a explo-
ração direta da atividade econômica, exceto nos casos de segurança nacional e rele-
vante interesse coletivo conforme definido por lei. Determina, ainda que, mesmo
nestes casos, o Estado estará sujeito ao mesmo regime da iniciativa privada, evitan-
do a concorrência desleal com os particulares e obriga a realização de licitação e
sujeição à fiscalização para garantir a correta aplicação do dinheiro público.
O artigo 174 da Carta Constitucional em seu caput determina que o Estado
atuará como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo
as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, que será indicativo para a
iniciativa privada e determinante para o setor público19.
Desta forma, “não obstante as dificuldades que se antepõem ao discerni-
mento da linha que traça os limites entre os dois campos, ele se impõe: inter-
venção é atuação na área da atividade econômica em sentido estrito e prestação
de serviço público é atuação econômica em sentido amplo e estão sujeitas a dis-
tintos regimes jurídicos” (arts. 173 e 175 da Constituição de 1988)20.
Com relação ao setor privado, o Estado poderá atuar apenas por partici-
pação, por indução ou para coibir a prática do abuso de poder econômico, nos
18
SANCHEZ, C.G. Aspectos da Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enfoque Constitucional.
1999. 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, págs. 463 e 464.
19
“O art. 174 da carta de 1988 considera o Estado como normatizador e regulador da atividade econômica,
atribuindo-lhe as funções de ‘fiscalização’, ‘incentivo’ e ‘planejamento’. Quanto a este último, diferencial em
‘determinante’ para o setor público e ‘indicativo’ para o setor privado. Confere-lhe competência normativa
regulamentar de suas funções tradicionais, juntamente com as de caráter político-econômico de dinamizar a
própria iniciativa privada, criando-lhe condições de sedução no sentido das realizações que pretende
empreender,mesmo em atenção às de caráter ‘indicativo’ que lhe tocam no planejamento. Este, por sua vez,
quando determinante ao Estado, refere-se, no entendimento de alguns teóricos, não à economia em geral,
porém restritivamente ao ‘planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado’, pela compatibilização dos
planos nacionais e regionais de desenvolvimento” segundo o próprio texto constitucional. Foram mantidas,
desta forma, as funções do Estado que progressivamente se constitucionalizaram, nas cartas anteriores, como
poder-dever do mesmo, porém com a inovação técnica de incluir o setor privado, atraindo-o por incitações
criadas pelo próprio Estado que, assim, procura quebrar-lhes as razões liberais do seu afastamento, pela omis-
são ou desinteresse (Adam Smith). SOUZA, Washington P.A., Teoria da Constituição Econômica. 1 ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 2002, págs. 463 e 464.
20
GRAU, Roberto E. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, pág. 99.

[ 18 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

termos do parágrafo 4º do artigo 173 da Constituição Federal, ou seja, para pro-


teger o Direito de livre concorrência, não sendo permitida por nossa
Constituição Federal a substituição pelo Estado do papel do mercado na for-
mação de preço nas atividades reservadas para a iniciativa privada, exceto nos
casos de abuso de poder econômico para a obtenção de lucros abusivos21.
Partindo destas premissas é preciso verificar o que ocorre no caso específi-
co da saúde, no qual, efetivamente, temos a intervenção estatal em uma ativi-
dade franqueada ao particular com a participação do Estado.

Regulamentação da Economia
INICIALMENTE, é necessário precisar os termos que usaremos neste trabalho,
com a finalidade de evitar debates infrutíferos e especialmente desnecessários
decorrentes de ruídos de comunicação.
Conforme apontam Marçal Justen Filho 22 e Washington Peloso Albino de
Souza 23, o termo regulation é tomado da literatura inglesa no sentido que, para
nós, seria tanto o de regulação quanto o de regulamentação, e algumas con-
fusões também são causadas pelo termo interferência, que na literatura de lín-
gua hispânica também teria o significado das duas palavras.
Neste trabalho tomaremos “regulação” como toda e qualquer atividade do
Estado voltada para a interferência no mercado, seja na forma direta ou indire-
ta. Será, portanto, o conjunto que contém todas as atividades do Estado voltadas
para obter um resultado através da atividade econômica 24.
21
“Para o Direito constitucional brasileiro, observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho: ‘Não há, na Constituição
vigente, qualquer norma expressa sobre a formação de preços.’ E nem poderia haver se quisesse manter o modelo
econômico de mercado, com a livre iniciativa e a livre concorrência. Trata-se de uma decorrência deste último
princípio. Contudo, estabelece a Constituição no § 4º. do art. 173 que ao Estado incumbe também reprimir o
aumento arbitrário dos lucros (por meio de lei). Ao coibir o aumento arbitrário dos lucros, a Constituição acabou
por admitir, às avessas, o Direito aos lucros da empresa privada como um Direito absolutamente legítimo. O que
se combate – e não vai nenhuma novidade aí – é o abuso desse Direito.” TAVARES, André Ramos ob. cit., pág. 269.
22
Ob. Cit. pág. 15.
23
Ob. cit. pág. 330.
24
“A intervenção estatal no domínio econômico pode ocorrer de maneira direta ou indireta, adotadas as expressões
nos termos a seguir expostos. A intervenção estatal indireta refere-se à cobrança de tributos, concessão de subsídios,
subvenções, benefícios fiscais e creditícios e, de maneira geral, à regulamentação normativa de atividades econômi-
cas, a serem naturalmente desenvolvidas pelos particulares. Na intervenção direta, o Estado participa ativamente,
de maneira concreta, na economia, na condição de produtor de bens ou serviços, ao lado dos particulares ou como
se particular fosse. Trata-se, nesta última hipótese, do Estado enquanto agente econômico. Na lição abalizada de
Eros Grau, a intervenção pode ocorrer de quatro formas: por absorção, por participação, por direção e por indução.
A intervenção do Estado no domínio econômico ocorre por absorção quando ele assume por completo o exercício
da atividade em determinado setor da economia, atuando em regime de monopólio. Ocorrerá o regime de parti-
cipação quando o Estado exercer atividade econômica paralelamente aos particulares. O Estado, nessa situação,
compete com empresas privadas, do mesmo setor. Não se pode ignorar, aqui, contudo, a posição privilegiada que o
Estado passa a ocupar como agente econômico.” TAVARES, André Ramos ob. cit., págs. 57-59.

estudosFEBRAFARMA [ 19 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Porém, o que realmente nos interessa é o poder de emitir comandos nor-


mativos infralegais que vinculem os particulares, posto que tal vinculação por
normas legais diz respeito apenas e tão-somente à validade destas normas quan-
to ao seu procedimento de criação e quanto aos valores cristalizados na
Constituição Federal, ou seja, a cada um dos ramos do Direito aos quais se
relacionam e ao Direito Constitucional.
Importante também notar a diferença entre a regulamentação expedida
pelas chamadas Agências Regulatórias, autarquias especiais e o poder regula-
mentar do Chefe do Poder Executivo, que só pode ser exercido para a fiel
execução de lei.
Vanessa Vieira de Mello25, em sua obra Regime Jurídico da Competência
Regulamentar, traz diversas posições relativas a este poder regulamentar, que
para alguns autores deriva diretamente da Constituição Federal, para outros, da
lei que está sendo regulamentada e, para outros tantos, do poder normativo
ainda existente para o poder executivo em situações de urgência – a nosso ver
sem fundamento na atual Constituição Federal.
Acompanhamos a autora ao entender que o poder regulamentar nada mais
é do que um poder derivado da norma constitucional para emitir ordens aos
servidores públicos e membros da administração pública, para que organizem
operacionalmente a máquina estatal objetivando a efetivação dos ditames
legais, não podendo jamais transbordar dos limites da lei regulamentada ou
desvirtuar suas determinações 26.
25
MELLO,Vanessa Vieira de, Regime Jurídico da Competência Regulamentar, 1 ed., Dialética, São Paulo,
2001 pág. 54.
26
“Damos, ao final, nosso conceito: “É a competência normativa secundária, haurida do texto constitucional, dirigi-
da ao Administrador Público, determinando a expedição de regulamentos, na busca da efetivação da lei, sujeita aos
controles parlamentar e jurisdicional.” Cuida-se de competência normativa secundária. Os regulamentos, conforme
se apresentam no Texto Constitucional, não têm o condão de inovar originariamente na ordem jurídica. Há uma
subsunção, uma preocupação em ater-se aos limites da lei, seu centro de atenção. Observamos que a situação de limi-
tação ao disposto na lei não retira do regulamento seu caráter de fonte de Direito. O regulamento veicula aspectos
técnicos, inerentes à evolução e ao progresso da sociedade, melhorando e possibilitando a aplicabilidade das leis.” (...)
“A doutrina não chegou a um conceito unânime de regulamento. Iniciaremos apresentando o conceito de Oswaldo
Aranha Bandeira de Mello, para quem: “Os regulamentos são regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais, em
desenvolvimento da lei, referentes à organização e à ação do Estado, enquanto poder público. Eles são emanados pelo
Poder Executivo, mediante decreto.” No escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello, o regulamento é: “(...) ato geral
e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de
produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução da lei cuja aplicação demande atuação
da Administração Pública.” Pimenta Bueno assim o definiu: “Os regulamentos são atos do Poder Executivo, dis-
posições gerais revestidas de certas formas mandadas observar por decreto imperial, que determinam os detalhes, os
meios, as providências necessárias para que as leis tenham fácil execução em toda a extensão do Estado. São
instruções metódicas e não arbitrárias, que não podem contrariar o texto, nem as deduções lógicas da lei, que devem
proceder de acordo com os seus preceitos e conseqüências, que não têm por fim empregar os expedientes acidentais e
variáveis precisos para remover as dificuldades e facilitar a observância das normas legais. São medidas que regu-
lam a própria ação do Poder Executivo, de seus agentes, dos executores, no desempenho de sua missão; são atos, não
da legislação, sim de pura execução, e dominados pela lei.” MELLO, Vanessa Vieira de, ob. cit., pág. 55.

[ 20 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Importa ainda diferenciar a regulamentação econômica da criação de leis


pelo Presidente da República por delegação do Congresso Nacional, que por um
aspecto formal inarredável se diferencia do poder regulamentar ora tratado,
pois “não pode haver delegação do Poder Legislativo a entes autônomos do Poder
Executivo para que sejam emitidos regulamentos” 27.
Quanto ao aspecto específico da delegação legislativa, vale notar que os atos
legislativos devem seguir formas específicas de expedição e formalidades
também próprias para sua votação, por exemplo Leis Ordinárias e Leis
Complementares são leis formalmente distintas quanto a sua denominação e
têm quoruns distintos de votação.
É justamente isso que ocorre com as delegações legislativas que devem ser feitas
por Resolução do Congresso Nacional, após solicitação do Presidente da República.
Efetivamente, a única previsão de Delegação Legislativa existente em nosso
ordenamento jurídico é a do artigo 64 da Constituição Federal, que (i) só pode
ser feita ao Presidente da República e (ii) deve seguir a forma do artigo 68 da
nossa Carta Magna 28.
Assim, esta forma de delegação legislativa não poderia ser feita por lei na
medida em que, independentemente de seu conteúdo, a forma da delegação
estaria incorreta tanto quanto o seu destinatário.
Portanto, está claro que estamos tratando de outro fenômeno que enseja a
emissão de normas infralegais pelas autarquias especiais criadas pelos Governos
Federal, Estaduais e Municipais 29, que possamos chamar de regulamentação da
economia ou poder normativo, como consta do artigo 174 da Constituição
Federal que é fundamento de validade das leis que criam tais agências e lhes dá
referida atribuição.

1. Óbices ao Poder Regulamentar

O primeiro óbice que é colocado para o poder regulamentar econômico é o

27
MELLO, Vanessa Vieira de, ob. cit., págs. 94-95.
28
Art. 68. As Leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação
ao Congresso Nacional. § 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso
Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reserva-
da à Lei complementar, nem a legislação sobre: (...) § 2º - A delegação ao Presidente da República terá a
forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
29
Apesar de não ser tema deste trabalho, entendemos pela possibilidade de criação destes órgãos, pelos Estados
e municípios desde que previstos, respectivamente, na Constituição Estadual ou Lei orgânica e relativo a
matérias de sua competência executiva.

estudosFEBRAFARMA [ 21 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

do princípio da legalidade 30, uma vez que o ato regulamentar, apesar de sua
carga normativa, é ato administrativo31 e a atividade administrativa deve estar
estreitamente determinada pela lei, não podendo ser realizada fora desses rígi-
dos limites, consoante disposto nos artigos 5º, II, 37 caput e 84 IV de nossa
Constituição Federal, na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello 32.
“Instaura-se o princípio de que todo poder emana do povo, de tal sorte que
os cidadãos é que são proclamados como os detentores do poder. Os governantes
nada mais são, pois, que representantes da sociedade. O artigo 1º, parágrafo
único, da Constituição dispõe que ‘todo poder emana do povo, que o exerce
através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição’. Além disto, é a representação popular, o Legislativo, que deve,
impessoalmente, definir na lei e na conformidade da Constituição os interesses
públicos e os meios e modos de persegui-los, cabendo ao Executivo, cumprindo
ditas leis, dar-lhes a concreção necessária. Por isto se diz, na conformidade da
máxima oriunda do Direito Inglês, que no Estado de Direito quer-se o governo
das leis, e não o dos homens; impera a rule of law, not of men.
Assim o princípio da legalidade é o da completa submissão da
Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las
em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa
a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores,
só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições
gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no
Direito Brasileiro.”
Desta forma, temos a necessidade de lei que determine a interven-
ção estatal na economia servindo como fundamento de validade do ato
30
“O princípio da legalidade, resumido na proposição suporta a lei que fizeste, significa estar a Administração
Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de
invalidade do ato e responsabilidade de seu autor.” GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 4 ed.,
Saraiva, São Paulo, 1995, pág. 06. “O princípio da legalidade eleva, portanto, a lei à condição de veículo
supremo da vontade do Estado. Nesse sentido, como visto, ela é uma garantia, o que não exclui, contudo, a
necessidade de que ela mesma seja protegida contra possíveis atentados à sua inteireza e contra possíveis
máculas que a desencaminhem do seu norte autêntico. Nessa acepção a própria isonomia de todos perante a
lei é uma contenção de possíveis abusos que ela possa encerrar. A sua submissão à Constituição não deixa,
também, de ser uma delimitação da sua vontade soberana.” BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito
Constitucional, 19 ed., Saraiva, São Paulo, 1998, pág. 186.
31
“É possível conceituar ato administrativo como: declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como,
por exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada
mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle
de legitimidade por órgão jurisdicional.” MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito
Administrativo, 8 ed., Malheiros, São Paulo, 1996, pág. 215.
32
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 14 ed., Malheiros, São Paulo,
2002, págs. 83-85.

[ 22 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

administrativo interventivo, do contrário este simplesmente não será exigí-


vel, posto que ilegal 33.
“A idéia de submissão do Estado à ordem jurídica, aplicável ao Direito públi-
co, opõe-se o princípio, que está na base do Direito privado, da liberdade dos indi-
víduos. Para o particular praticar validamente um ato, não necessita de autoriza-
ção expressa da norma jurídica; basta que o ato não seja proibido pelo Direito. Por
isso se afirma que o particular pode fazer tudo o que a Constituição e as leis não
proíbem, enquanto o Estado só pode fazer aquilo que tais normas autorizam
expressamente. Em outras palavras: a validade dos atos privados depende apenas
de sua não-contrariedade com o Direito, enquanto a dos atos de Direito público
depende não só disso, mas também de seu anteparo em norma (constitucional ou
legal) autorizadora específica.” 34
Com a ressalva, extremamente pertinente, de que o administrador não deve
apenas aplicar a lei, mas integrar o sistema jurídico, Lucia Valle Figueiredo
segue a mesma linha35.
Certo é que, em caso de descumprimento da lei, é possível a anulação “com
eficácia ex tunc, de um ato administrativo ou da relação jurídica por ele gerada ou
de ambos, por haverem sido produzidos em dissonância com a ordem jurídica” 36.
Vale, contudo observar que, no caso das Agências Reguladoras, os atos nor-
mativos por elas emitidos decorrem de poderes conferidos pela própria lei, ou
seja, são as leis que criam estas Agências que lhes conferem poderes para criar
estes atos normativos.
Desta forma, não estamos diante de uma afronta direta ao princípio da
legalidade, pois esta é respeitada. É a própria lei que dá tais poderes dis-
cricionários. Entretanto, apesar de estarmos diante de agências regulatórias
independentes, sua independência não é total, havendo controles do poder cen-
tral sobre elas: “a regulação desse controle está disciplinada no contrato de gestão
existente entre a diretoria da agência e o Ministério correspondente. Assim, esta-
belecem-se indicadores básicos que permitem ao Ministério avaliar o desempenho

33
“A liberdade de contratar envolve: 1) a faculdade de ser parte em um contrato; 2) a faculdade de se esco-
lher com quem realizar o contrato; 3) a faculdade de escolher o tipo de negócio a realizar; 4) a faculdade de
fixar o conteúdo do contrato segundo as convicções e conveniências das partes; e, por fim 5) o poder de acionar
o Judiciário para fazer valer as disposições contratuais (garantia estatal da efetividade do contrato por meio
da coação). Considerando do ponto de vista estatal, o princípio em análise é a garantia de legalidade. Nesse
sentido, exige lei para que se admita legítima a intervenção do Estado, e dentro dos limites constitucionais.”
TAVARES, André Ramos, ob. cit., pág. 249.
34
SUNDFELD, Carlos Ari, Fundamentos de Direito Público, 3 ed., Malheiros, São Paulo, 1997, pág. 151.
35
FIGUEIREDO, Lúcia Valle, Curso de Direito Administrativo, 5 ed., Malheiros, São Paulo, 2001, pág. 42.
36
ZANCANER, Weida, Temas de Direito Administrativo: da Convalidação e da Invalidação dos Atos
Administrativos, 2 ed., Malheiros, São Paulo, 1996.

estudosFEBRAFARMA [ 23 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

do órgão, mediante a aplicação de parâmetros pré-elaborados, tanto para a sua


administração interna quanto para as metas a serem estabelecidas nos planos
anuais de trabalho.” 37
Neste sentido, o problema não versa sobre legalidade, mas sim sobre reser-
va legal. Impõe verificar se a Constituição Federal reservou apenas para a
própria lei a possibilidade de edição de normas regulamentares, ou se o princí-
pio da legalidade também está voltado para o legislador que não pode criar leis
que transfiram esta prerrogativa.
Leila Cuéllar 38 em sua excelente obra conclui que, como nossa atual
Constituição Federal não contém a reserva legal geral e que apenas em alguns
pontos faz menção as necessidades de lei para tratar de matérias específicas,
estaria aberto o campo para a transferência de competência para que instâncias
administrativas editassem as regulamentações econômicas.
Destacada posição defensora da intervenção estatal na economia, segundo
uma análise funcional do direito, é a do Professor Eros Grau39, crítico fervoroso
do positivismo jurídico, que entende vazio.
Para o Autor o positivismo deve ser substituído por uma doutrina real do
direito que aproxima o direito, ou como prefere a análise dos direitos, da políti-
ca e da sociologia, e verifica sua validade não conforme critérios de verdade ou
falsidade, mas sim de aceitabilidade (justificação).
Pessoalmente, nos parece que a posição seria um retrocesso ao negar a
existência de uma ciência do direito, que busca na lógica uma forma de garan-
tir a segurança jurídica.
É importante ter em mente que a publicação da Teoria Pura do Direito por
Hans Kelsen se deu em um momento histórico de procura de independência do
direito da sociologia e, especialmente, da política, para garantir segurança
jurídica através da reprodutibilidade das decisões judiciais.
Kelsen não ignorou que o direito sempre é fruto e reflexo de uma situação
política, mas, simplesmente, separou criatura do criador, isolou o direito posto da
influência política, através de um estratagema teórico que foi a sustentação das
Constituições por uma abstração que chamou de Norma Hipotética Fundamental.
Fazendo isto, Kelsen alçou a Constituição ao fundamento de validade de
todo o sistema jurídico e de sua aplicação, de sua estática e dinâmica, forçando

37
SANCHEZ, C.G. Aspectos da Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enfoque Constitucional.
1999. 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, pág. 48.
38
CUÉLLAR, Leila, As Agências Reguladoras e seu Poder Normativo, 1 ed., Dialética, São Paulo, 2001.
39
GRAU, Eros Roberto, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 5 ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

[ 24 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

que todas as análises partissem do contraste das normas com a constituição e


que todas as decisões considerassem este contraste.
Obviamente que isto privilegia o Poder Constituinte Originário, no nosso
caso a Assembléia que criou a Constituição Federal de 1988, e encolhe os
poderes Executivo, Judiciário e não menos o poder Legislativo Delegado.
A utilização da Teoria Pura do Direito, limitando o operador do direito à
verificação do fundamento de validade das normas contra os preceitos consti-
tucionais, com a verificação da subsunção dos fatos do mundo concreto às
hipóteses contidas nas normas jurídicas, sem a possibilidade de quaisquer en-
xertos de suas vontades políticas neste processo, é a única forma de garantir
segurança jurídica aos cidadãos.
De outra forma, ficaríamos sujeitos à instabilidade normativa, à imprevisi-
bilidade das decisões, à ditadura dos que detêm o poder político, ao casuísmo
das decisões, aos caprichos dos julgadores e dos mandantes do Brasil.
Note-se que, mesmo com o reforço teórico a uma estrutura rígida de apli-
cação do direito, já vivemos em um ambiente legal altamente volátil, o que tem
trazido prejuízos enormes ao nosso povo, de modo que a última coisa que se
precisa é de um arcabouço teórico, elocubrado nas bibliotecas das universi-
dades para justificar os desmandos de nossos governantes.
Ademais, ao cientista, ao estudioso, não é dado mascarar o seu objeto de
estudo para obter as conclusões que inicialmente já queria chegar. O estudo
científico deve ser honesto, calcado na observação e nas informações advindas
do objeto estudado, e isto não é diferente para o cientista do direito, o estudioso
do direito deve analisar o sistema jurídico posto e daí tirar suas conclusões.
A Constituição Brasileira vigente não contém em nenhum artigo qualquer
autorização para a inobservância do princípio da legalidade e da reserva legal,
de modo que as conclusões em contrário, por mais bem-intencionadas, são
comprovadamente falsas, posto que, em desacordo com o objeto estudado.
Em nossa opinião, seguindo a linha de Celso Antônio Bandeira de Mello,
nos parece que o artigo 5 da Constituição Federal, ao mencionar em seu inciso
II que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei” já reserva para a lei a possibilidade de inovação no ordenamento
jurídico, de modo que qualquer lei que possibilite a criação de normas que
imponham a alguém uma obrigação positiva ou negativa será substancialmente
inconstitucional por confrontar com este dispositivo.
Este entendimento é corroborado pelo artigo 25, inciso I, dos Atos das
Disposições Constitucionais Transitórias, já que revogou no prazo de 180 dias
da promulgação da Constituição “todos os dispositivos legais que atribuam ou

estudosFEBRAFARMA [ 25 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao


Congresso Nacional...”
Tampouco nos parece convincente o entendimento de que no poder de fis-
calização constante do caput do referido artigo 174 da Constituição Federal está
implícito o poder normatizador, pela simples razão de que não há qualquer
confusão entre fiscalizar e normatizar, pois é perfeitamente possível e até usual
que seja fiscalizado o cumprimento de normas criadas por outrem, como é o
caso mais corriqueiro da Polícia Civil e Militar ou dos fiscais de rendas.
Porém, simplesmente afirmar que não é possível a edição de normas ino-
vadoras do sistema jurídico pelas Agências Regulatórias seria ir contra as lições
de Carlos Maximiliano em sua brilhante obra Hermenêutica e Aplicação do
Direito 40:
“Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da
que os reduza à inutilidade.”
Uma vez que a parte final do artigo 174 da Constituição Federal expressa que
o planejamento feito pelo Estado é “determinante para o setor público”, seria total-
mente inútil o dispositivo se entendêssemos que apenas a Lei pode impor obri-
gações para o setor público, já que obviamente a lei lhe é determinante, sendo
desnecessária a menção; acreditamos que a edição de regulamentação normati-
zante infralegal pode ser criada por lei para a vinculação do setor público.
Cumpre então analisar o que compõe o setor público, além das atividades
internas da própria administração pública.

a. Serviços Públicos

Além das atividades internas da administração pública, o setor público


também é composto pelos serviços públicos, conforme determina o artigo 175
da Constituição Federal.

“Os doutrinadores praticamente são concordes em afirmar que a definição


clássica de serviço público reunia três elementos, embora se desse maior ou
menor ênfase ora a um, ora a outro, dentre eles, quais sejam:

1) O subjetivo, que considera a pessoa jurídica prestadora da atividade – o


serviço público seria aquele prestado pelo Estado;

40
17 ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, pág. 249.

[ 26 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

2) O material, que considera a atividade exercida – o serviço público seria a


atividade que tem por objeto a satisfação de necessidades coletivas;

3) O formal, que considera o regime jurídico – o serviço público seria aquele exer-
cido sob regime de Direito Público derrogatório e exorbitante do Direito comum.” 41

Insuperável o ensinamento de Duguit de que serviço público “es toda


actividad cuyo cumplimento debe ser regulado, asegurado y fiscalizado por los
gobernantes, por ser indispensable a la realización y al desenvolvimiento de la
interdependencia social, y de tal naturaleza que no puede asegurado completa-
mente más que por de la intervención de la fuerza gobernante.” 42
Para verificação de quais são as atividades assim consideradas em um dado
tempo e espaço histórico temos de nos ater ao critério formal conforme apon-
ta Celso Antonio Bandeira de Mello43.
“Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade
material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente
pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta,
por si mesmo, ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público –
portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –
instituídos em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”.
Depreende-se então, que serão serviços públicos por absorção todos aqueles
assim definidos por nossa Constituição Federal como tais.
No nosso entender, no caso dos serviços públicos, ou outros monopólios
estatais que fazem parte do setor público, as normas emitidas pelas Agências
Regulatórias são voltadas para os próprios servidores públicos, que devem
observá-las na confecção dos editais de concessão de serviço público, que devem
conter a observação de que a prestação do serviço seguirá sua normatização, ou
nas regulamentações de concessão de licenças, autorizações ou permissões para
o exercício das atividades relativas a estes serviços, ainda que por mera liberali-
dade realizadas no chamado “regime privado”, que nada mais é do que um
regime mais abrandado, mas ainda sob a batuta do poder público.
Os agentes econômicos privados não estão, a priori, sujeitos a estas normas,
o que apenas ocorrerá, voluntariamente, na medida em que aderirem aos
contratos administrativos para atuarem nas atividades reservadas ao Estado:

41
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti, Teoria dos Serviços Públicos e sua Transformação, in Direito
Administrativo Econômico, Malheiros, São Paulo, 2000, pág. 42.
42
DUGUIT, Leon, Las Transformaciones Del Derecho Público, 2 ed. Madrid, 1913, pág. 105.
43
Ob. Cit. pág. 600.

estudosFEBRAFARMA [ 27 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

adentraram em um negócio jurídico, de caráter público, devendo, portanto,


aterem-se as suas regras que decorrem de vínculo contratual.
“O próprio dispositivo constitucional indica o caráter contratual do instituto
jurídico em questão, correspondente a uma adesão voluntária do ente concessionário,
sujeitando-se a certas cláusulas regulamentares, assegurado o equilíbrio econômico
financeiro, sem o qual deixaria de haver interesse para a prestação do serviço” 44.
No entanto, estas observações não solucionam o problema ora analisado, pois
os serviços e produtos para a saúde não dizem respeito à atividade monopolizada
pelo Estado, que para exploração pelos particulares depende de adesão aos termos
de sua regulamentação; estamos diante de serviços públicos sim, pois podem e
devem ser prestados pelo Estado em condições normais, mas de serviços públicos
não privativos já que também podem ser livremente prestados pelos particulares.

b. Produtos e Serviços de Saúde

Muito embora não estejam destinados ao monopólio do Estado por nossa


Constituição Federal, os produtos e serviços de saúde podem afetar grandemente
a própria economia e a sociedade, não apenas seus fornecedores e consumidores.
São as chamadas externalidades que se configuram como efeitos colaterais da
atividade econômica, prejudicando ou beneficiando sujeitos que não fazem parte
das relações de compra e venda e que, portanto, não podem ser cobrados ou pre-
miados, pois estes terceiros são estranhos a esta relação originadora dos efeitos.
Assim, a sociedade que sofre os efeitos desta atividade passa a pressionar o
poder político para devolver estes efeitos aos agentes econômicos que partici-
pam da relação de compra e venda promovendo, então, a internalização das
externalidades, o que pode se dar com uma intermediação financeira do Estado,
ao recolher impostos mais altos e devolver benefícios para a sociedade, ou dire-
tamente pelos agentes econômicos que são levados a assumir obrigações para
mitigar ou compensar os prejuízos causados 45.
44
SANCHEZ, C.G. Aspectos da Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enforque Constitucional.
1999. 120f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, pág. 36.
45
“Se, em virtude dos efeitos externos, custos ou benefícios circulam livremente pela sociedade, atingindo-a
diretamente, isto é, sem passar pelos canais do mercado, parece intuitivo dever o seu antídoto basear-se em
mecanismos aptos a promoverem a internalização de tais efeitos, ou seja, destinados a levar os custos e bene-
fícios a incidirem sobre as próprias unidades responsáveis pela sua geração. Como visto, também, este segun-
do aspecto – a internalização de benefícios - é incomparavelmente mais fácil de ser conseguido, pois vai ao
encontro da tendência natural do próprio mercado, por definição um maximizador de receitas. As dificul-
dades são extremamente sérias quando se trata de internalizar ou privatizar efeitos negativos representados
pelos custos sociais. Por isso, em grande parte, as normas jurídicas neste campo têm esta finalidade: promover
a internalização daqueles custos pelas suas unidades geradoras; ou então, simplesmente, impedir a própria
geração dos mesmos.” NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed., Revista
dos Tribunais, São Paulo, 2001. pág. 158.

[ 28 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

É bastante evidente esta característica nos produtos e serviços da saúde, pois


sua utilização gera benefícios para o Estado e para a economia, diminuindo o
absentismo, a queda de produtividade e o abandono de emprego, e ainda, para
a própria sociedade, pois a diminuição dos agravos a saúde é um objetivo de
todos os núcleos sociais modernos.
Portanto, os produtos e serviços de saúde fazem parte de um rol de “bens ou
serviços” que, muito embora exclusivos, geram um tal montante de externalidades
positivas a ponto de serem cada vez mais vistos, eles próprios, como bens coletivos.
É o caso da vacina: aparentemente trata-se de um bem exclusivo, pois protege a
quem foi com ela inoculado. Mas, à medida que uma parcela razoável da popu-
lação a receba, aumentam as probabilidades de todo o conjunto de habitantes
ver-se livre de uma possível epidemia. As altas externalidades fazem a vacina ser
encarada muito mais como um bem coletivo do que exclusivo.
(...)
“Daí o desenvolvimento e a diversificação das modalidades pelas quais o Estado
supre estes bens, quer diretamente, quer mediante a concessão de serviços públicos,
quer pela contratação com terceiros, quer, ainda, via incentivos à produção, pelo
setor privado, de bens dotados de alto coeficiente de externalidades positivas.” 46
Por esta razão o artigo 197 da Constituição Federal considerou como de
“relevância pública” estes serviços cabendo ao “Poder Público dispor, nos termos
da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”.
Temos, então, uma parcela da atividade econômica na qual o Estado, além de
interferir por participação, tem poderes de regulamentação sobre a atividade pri-
vada, o que se dá em decorrência da alta carga de interesse público nela envolvi-
da. Só não temos os produtos e serviços de saúde como típicos serviços públicos
por uma opção do poder constituinte, que não os reservou ao monopólio estatal,
muito embora tenham grande relevância para a interdependência social.
“Não se deve confundir o serviço público com o serviço de utilidade pública.
Estes não incubem ao Estado, que não os titulariza. Apenas que, em se tratando, de
serviço de interesse comunitário, são assim reconhecidos, como ocorre com os
serviços educacionais e assistenciais. Aqui, há um grande interesse por parte do
Estado em aproximar-se mais intensamente da prestação desses serviços, para
acompanhar e fiscalizar a atividade.” 47
É o que Morenilla48 chama de serviço público impróprio ou virtual, no qual
o particular sofre a imposição de uma série de deveres e controles próximos aos
46
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed., Revista dos Tribunais, São
Paulo, 2001, pág. 162.
47
TAVARES, André Ramos, ob. cit., pág. 291.
48
MORENILLA, José Maria Sauvirón, La Actividad de la Administración y el Servicio Público, Comares,
Granada, 1998.

estudosFEBRAFARMA [ 29 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

impostos aos concessionários de serviço público, hipótese evidente no caso da


saúde, conforme aponta Eros Grau, que não usa a mesma nomenclatura de
Morenilla, mas classifica os serviços públicos entre privativos e não-privativos
e aplica as mesmas conclusões quanto à atividade privada nos serviços públicos
não-privativos49.
Embora o direito maior à proteção da vida pelo Estado seja um pressupos-
to do próprio pacto social, a saúde passou a constar expressamente como
Direito em nossa Constituição apenas a partir de 1934, passando a figurar em
todas as Cartas Magnas a partir de então 50.
49
“Cumpre distinguir, desde logo, os serviços públicos privativos dos serviços públicos não-privativos. Entre os
primeiros, aquele cuja prestação é privativa do Estado (União, Estado-membro ou Município), ainda que
admitida a possibilidade de entidades do setor privado desenvolvê-los, apenas e tão somente, contudo, em
regime de concessão ou permissão (art. 175 da Constituição de 1988). Entre os restantes – serviços públicos
não-privativos – aqueles que em edições anteriores deste livro equivocadamente afirmei terem por substrato
atividade econômica que tanto pode ser desenvolvida pelo Estado, enquanto serviço público, quanto pelo setor
privado, caracterizando-se tal desenvolvimento, então, como modalidade de atividade econômica em sentido
estrito. Exemplos típicos de serviços públicos não-privativos manifestar-se-iam nas hipóteses de prestação de
serviços de educação e saúde. Assim, o que torna os chamados serviços públicos não-privativos distintos dos
privativos é a circunstância de os primeiros poderem ser prestados pelo setor privado independentemente de
concessão, permissão ou autorização, ao passo que os últimos apenas poderão ser prestados pelo setor privado
sob um destes regimes. Há portanto serviço público mesmo nas hipóteses de prestação de serviços de educação
e saúde pelo setor privado. Por isso mesmo é que os arts. 209 e 199 declaram expressamente serem livres à ini-
ciativa privada a assistência à saúde e o ensino – não se tratassem, saúde e ensino, de serviço público razão não
haveria para as afirmações dos preceitos constitucionais. Não importa quem preste tais serviços – União,
Estados-membros, Municípios ou particulares; em qualquer hipótese haverá serviço público.” GRAU, Roberto
E. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, págs. 105 e 106.
50
“As quatro Constituições brasileiras anteriores a 1988 passaram a prescrever a assistência à saúde como
Direito dos que trabalham no mercado formal – alijando desse Direito extensos contingentes populacionais
– e a determinar como dever do Estado o estabelecimento de normas de proteção à saúde. Da caridade reli-
giosa para a responsabilidade do Estado, a assistência à saúde – um componente essencial do Direito à saúde
– teve que esperar uma elaboração constitucional distinta, graças a ampla representação da sociedade e do
povo, quando se pactua nova ordem jurídica que reconhece a saúde um Direito social, destacando as ações de
Vigilância e de defesa do consumidor como obrigação do Estado. Obviamente, a sua realização, uma vez que
a saúde se relaciona com as condições materiais de vida, ainda é quimera para muitos – pois, subtraídos
dessas mínimas condições – sem contudo deixar de ser problema para as camadas abastadas, seja por fatores
relacionados com a opulência, seja por fatores relacionados com a tensão social decorrentes, sobretudo, das
desigualdades, expressando-se em doenças de natureza crônica degenerativa e em agravos do grupo das
causas externas.” COSTA, Ediná Alves. Vigilância Sanitária: Proteção e Defesa da Saúde. 1 ed. São Paulo:
Hucitec, 1999, pág. 422. “Mais especificamente “a carta de 1967/1969 estabelece ser de competência da União
estabelecer e executar planos nacionais de saúde, bem como planos regionais de desenvolvimento (art. 8, XIV)
e legislar através de normas gerais sobre defesa e proteção de saúde (art. 8, XVII, c). A Constituição de 1946
estabelece, dentre as competências da União, legislar sobre normas gerais de defesa e proteção da saúde (art.
5, b). A Carta de 1937 dispõe que cabe privativamente à União o poder de legislar sobre normas fundamen-
tais da defesa e proteção à saúde, especialmente da saúde da criança (art. 16, XXVII). A Constituição de 1934
confere competência concorrente da União, e dos Estados em cuidar da saúde (art. 10, II) e incumbe à União,
aos Estados e aos Municípios adotarem medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a mor-
talidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a propagação das doenças transmissíveis
(art. 138, f), de cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais (art. 138, g). Estabelece
ainda essa Constituição que a legislação do trabalho observará a assistência médica e sanitária ao traba-
lhador (art. 121, h). As Cartas de 1891 e 1824 não mencionam expressamente o Direito à saúde”. ROCHA,
Julio César de Sá. Direito da Saúde: Direito Sanitário na Perspectiva dos Interesses Difusos e Coletivos.
1 ed. São Paulo: LTR, 1999, pág. 53.

[ 30 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Na Constituição Federal de 1988, artigo 5, caput, temos garantido o direito


a vida, base do pacto social, uma vez que se o Estado não garante o Direito mais
básico que é a vida de seus cidadãos, certamente perde a razão de sua existên-
cia. Faz parte da vida a saúde, que deve ser igualmente protegida pelo Estado
Brasileiro, consoante expressa o artigo 6 da Carta Constitucional.
Especificamente no que concerne à fiscalização das ações relativas à saúde,
sejam de serviços ou disponibilização de medicamentos, insumos ou correlatos,
são elas de relevância pública, devendo o Estado, além de prestar referidas uti-
lidades, exercer sua regulamentação, fiscalização e controle 51.
“A Lei maior da república estipulou critérios para que a saúde seja correta-
mente determinada em seu texto. Assim vinculou sua realização às políticas sociais
e econômicas e ao acesso ‘as ações e serviços destinados, não só, à sua recuperação’,
mas também, ‘a sua promoção e proteção’. Em outras palavras, adotou-se o con-
ceito que engloba tanto a ausência da doença, quanto o bem-estar, enquanto
derivado das políticas públicas que têm por objetivo, seja apenas a política, seja sua
implementação, traduzida na garantia de acesso – universal e igualitário – às ações
e serviços com o mesmo objetivo (C.F., art 196).” 52
Assim, por força do artigo 197 da Constituição Federal, cuja motivação são as
externalidades sociais geradas pelas atividades privadas relacionadas à saúde, bem
como, em última análise a própria decisão política que foi tomada quando da
Assembléia Constituinte, é possível o planejamento vinculante para a iniciativa
privada deste mercado em especial, hipótese típica de intervenção por direção:
“No caso das normas de intervenção por direção estamos diante de comandos
imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem
necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômi-
ca em sentido estrito – inclusive pelas próprias empresas estatais que a exploram.” 53
É importante notar que a atividade legislativa e regulatória do Estado de-
verá obedecer aos princípios do artigo 170 da Constituição Federal, de modo
que normas infraconstitucionais que não tenham este sentido serão maculadas
pela inconstitucionalidade, sob pena de perda de unidade e consistência da
Carta Constitucional, pois “embora não possam os princípios gerar Direitos
subjetivos, eles desempenham uma função transcendental dentro da Constituição.
51
“A Constituição Federal de 1988 introduziu entre nós o termo ‘relevância pública’. Com efeito, a expressão
indica que as ações e serviços de saúde devem ser desempenhados pelo Poder Público e pela iniciativa priva-
da como atividade essencial na defesa da vida, configurando, em síntese, um princípio-garantia em benefício
do cidadão.” ROCHA, Julio César de Sá. Direito da Saúde: Direito Sanitário na Perspectiva dos Interesses
Difusos e Coletivos. 1 ed. São Paulo: LTR, 1999.
52
DALLARI, Sueli G. Os Estados Brasileiros e o Direito à Saúde. 1 ed. São Paulo: Hucitec, 1995, pág. 30.
53
GRAU, Roberto E. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2003, pág. 128.

estudosFEBRAFARMA [ 31 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Eles é que lhe dão vida e estrutura, porque são como a carne no corpo humano,
revestindo, portanto, a ossatura do esqueleto. É o que dá feição de unidade ao texto
constitucional, determinando-lhe as diretrizes fundamentais.” 54
Especificamente as normas infralegais de regulação no setor de saúde
somente serão constitucionais se afinadas com os objetivos contidos no artigo
196 da Constituição Federal, quais sejam “a redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua pro-
moção, proteção e recuperação”, pois o legislador constituinte fornece a orien-
tação a ser seguida pelo legislador infraconstitucional.
Este ponto tem fundamental importância para o nosso trabalho e merece ser
observado com maior atenção, pois a despeito de sua simplicidade traz conse-
qüências importantes para a análise da validade da legislação infraconstitucional
sob uma ótica incomum para a maioria dos que lidam com o direito atualmente.
Como é sabido, a Constituição Federal além de conter em si o processo de
criação de novas normas jurídicas, sejam infraconstitucionais, ou de fiel exe-
cução de lei, e ainda das próprias emendas constitucionais, fixa o conteúdo das
normas infraconstitucionais, na medida em que limita este conteúdo negativa-
mente, vale dizer, uma norma infraconstitucional não pode ser contrária a um
ditame constitucional, pois se o for não será parte do sistema jurídico, já que
carente de fundamento de validade.
Na maior parte da nossa Constituição temos esta fixação de conteúdo
através de dispositivos constitucionais que simplesmente criam direitos ou
obrigações, para sujeitos que se enquadrem nas condições hipotéticas definidas
por estes dispositivos.
É bem verdade que tais direitos e obrigações são atribuídos de maneira
muito genérica, de modo que permitem a sua especialização e procedimenta-
lização pela legislação infraconstitucional, algumas vezes até com conceitos
vagos que são preenchidos conforme sua interpretação pela sociedade em um
determinado tempo e que, portanto, pode variar com sua evolução.
Mas de qualquer forma, nestes casos, a leitura do texto da Constituição,
preenchendo estes conceitos abertos, e a leitura do texto das normas infra-
constitucionais são o suficiente para se perquirir a validade desta norma.
Contudo, no capítulo da saúde o constituinte originário utilizou outro
instrumental, conferiu um objetivo a ser alcançado pelo Estado, Estado como
junção dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, dando uma
verdadeira missão a ser perseguida pelo Estado Brasileiro, qual seja, a ampliação
do acesso à saúde para a população brasileira.
54
BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

[ 32 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Esta técnica faz com que a análise de validade da norma infraconstitucional


não possa ser feita simplesmente contrastando seu texto com o texto constitu-
cional, é necessário fazer uma análise prospectiva dos possíveis resultados de
sua aplicação, não se olha para o presente ou para o passado. O aplicador do
direito deve olhar para o futuro e buscar prever os resultados da aplicação
daquela norma, para verificar se estes estão de acordo com o determinado pela
Constituição 55.
Neste aspecto nos será útil a teoria pura do Direito de Hans Kelsen56, porque
nos interessa analisar a validade das normas que conferem o poder regulamen-
tar relacionado ao mercado de saúde.
Para Kelsen, o Direito é criado pela chamada norma jurídica fundamental,
que não passa de uma pré-suposição teórica, um artifício utilizado para evitar
questionamentos e aprofundamentos fora do próprio Direito. Desta forma,
Kelsen cria uma teoria pura do Direito, não questionando o poder, apenas estu-
dando o sistema jurídico formado por normas postas, cujo fundamento de
validade será a norma hipotética fundamental.
Kelsen vê dois princípios em todo ordenamento jurídico: o estático e o
dinâmico. Conforme a dinâmica jurídica, a norma fundamental é desprovida de
conteúdo, conferindo apenas e tão-somente competência para a criação da
Constituição, que poderá ter qualquer conteúdo conforme verificamos ao elen-
car as Constituições acima.
Importante notar que Kelsen foi muito criticado ao assim se posicionar,
pois para ele tanto uma Constituição democrática quanto nazista seriam igual-
mente válidas, o que é real se analisado o ponto de vista exclusivo da lógica
formal puramente jurídica.
A Constituição terá normas procedimentais para a criação de leis e suas
respectivas competências, e também normas que fixam, a partir de conceitos
gerais, o conteúdo das normas infraconstitucionais.
A partir desta limitação de conteúdo válido, tem início a estática do sistema
jurídico na medida em que as normas infraconstitucionais terão como funda-
mento de validade a própria Constituição, e seu conteúdo não poderá con-
trastar com o nela fixado.
No caso específico dos artigos 196 e 197 da Constituição Federal, estes
trazem proposições voltadas para um resultado que deve ser buscado no âmbito

55
“As diretrizes constitucionais, que estabelecem obrigação de resultado, vinculam o aplicador ou intérprete,
condicionando a legalidade da norma a submissão aos fins nelas declarados.” DALLARI, Sueli G. Os Estados
Brasileiros e o Direito à Saúde. 1 ed. São Paulo: Hucitec, 1995, pág. 28.
56
KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, 3 ed. brasileira, Martins Fontes, São Paulo, 1991.

estudosFEBRAFARMA [ 33 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

do mundo concreto. São determinações da atuação do Estado como Poder


Executivo e Legislativo.
Sendo assim, a conduta do Estado Poder Executivo será a busca cada vez
maior da utilidade pública em saúde, conforme lhe permitirem seus orçamen-
tos. Para o Estado Legislador, que não entrega diretamente a utilidade pública,
fica a obrigação de produzir normas jurídicas que também possam gerar no
mundo fenomênico tais efeitos concretos de ampliação do acesso da população
aos produtos e serviços de saúde.
Faz-se pertinente aqui um questionamento: se as normas jurídicas são
criadas para produzirem efeitos no futuro, no caso específico para provocarem
um comportamento nos agentes econômicos – seja indutiva ou coercitivamente
– que deverá resultar na criação futura de utilidade social, como então avaliar a
constitucionalidade destas normas?
Essa validade deverá ser analisada de acordo com seus aspectos funcionais
e prospectivos, ou seja, uma análise de sua validade segundo um estudo
econômico de seus efeitos possíveis, para verificar se propiciarão ou não os
efeitos determinados pela Constituição.
Esta proposição não parte de uma idéia de direito alternativo ou de uma
tentativa de quebra das estruturas positivistas do Direito. Pelo contrário, foi o
legislador constituinte, que ao fixar o conteúdo das normas infraconstitucionais
o fez não da forma tradicional, delineando uma hipótese de incidência e uma
conseqüência, mas sim fixando objetivos que devem ser alcançados no mundo
concreto pelas normas infralegais.
Porém, nem o aplicador do direito e, sequer a própria ciência do direito, são
aparelhados para fazer este tipo de análise prospectiva, de construção de
cenários futuros, o que pode criar uma instabilidade jurídica terrível, que deses-
truturaria o próprio sistema jurídico se deixada ao sabor das preferências pes-
soais de cada aplicador do direito e, especialmente, de cada julgador em um
casuísmo absolutamente deletério.
Nos parece que o receio deste futuro incerto é que acaba gerando uma
reação de negação na classe jurídica, entretanto, não adianta negar, os artigos
196 e 197 da Constituição Federal de 1988 estão assim redigidos, não cabendo
à classe jurídica rejeitar no todo ou, em parte, uma norma constitucional váli-
da, devendo aplicá-la nos seus exatos termos, considere isto bom ou ruim.
Na nossa opinião, a redação dos referidos dispositivos constitucionais desta
maneira confere uma garantia ao cidadão brasileiro, necessária em face do
poder conferido ao Estado, de regulamentar a atividade econômica até substi-
tuindo as regras de mercado, como no caso em tela, o estabelecimento de obje-

[ 34 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

tivos que devem ser alcançados com este poder é um freio eficaz no seu dire-
cionamento para os interesses sociais.
Resta então o problema de como aplicar referida análise prospectiva de va-
lidade de normas jurídicas, evitando o casuísmo. Nos parece que a solução é,
simplesmente, buscar em outras ciências humanas os mecanismos para a cons-
trução destes cenários futuros, de maneira que possa ser validada ou contesta-
da em bases concretas.
Esta ciência é justamente a economia, é a ciência econômica que se ocupa
de estudar a alocação de recursos escassos, no nosso caso produtos e serviços
para saúde, analisando os comportamentos do mercado, para descobrir quais
são as variáveis determinantes de suas reações e, com base nisto, realizar pre-
visões e criar cenários futuros factíveis.
Não se trata aqui de submeter todo o sistema jurídico a uma perspectiva
econômica, mas simplesmente de se utilizar o instrumento adequado quando
isto é determinado pelo próprio sistema jurídico.
Sendo assim, a validade das normas jurídicas infraconstitucionais que te-
nham por fundamento os artigos 196 e 197 da Constituição Federal de 1988,
está condicionada à análise econômica dos resultados de sua aplicação e, é por
esta razão, que o presente trabalho, a despeito de seu objeto jurídico, trata em
tantas linhas das questões econômicas relativas aos medicamentos.
As questões econômicas são expostas neste trabalho para verificar se con-
forme a ciência econômica indicada pelo próprio direito constitucional como
critério de validação das normas infraconstitucionais, as atuais leis que tratam
da matéria de ampliação do acesso da população aos medicamentos, no caso via
controle de preços, são válidas do ponto de vista do sistema jurídico, se têm sus-
tentação nos artigos 196 e 197 da Constituição Federal que são seu fundamen-
to de validade.
Da mesma forma que no campo econômico geral as normas devem se ater
aos princípios da atividade econômica contidos no artigo 170 da Carta
Constitucional, sob pena de invalidade perante o sistema57, as normas infra-
constitucionais relativas à regulação da atividade econômica pública ou privada
em saúde devem ampliar o acesso universal e igualitário aos serviços a ela rela-
cionados, de modo que as leis contrárias a este objetivo serão inconstitucionais.
57
“Assim, a ordem econômica de que cuido, a ser complementada pelo legislador ordinário, no quadro de seus
princípios – e, saliento, não há nenhum mal em que a Constituição a ele atribua esta tarefa, de dar concreção
aos princípios – veiculada a uma ideologia que não se fecha em si própria. Esse modelo há de ser complemen-
tado pelo legislador ordinário, evidentemente tangido, também, pelos princípios e regras contempladas no
bojo da Constituição.” GRAU, Eros R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2003. pág. 269.

estudosFEBRAFARMA [ 35 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

No tocante à parcela da saúde provida pelos particulares, as normas infra-


constitucionais deverão prover condições, segundo o sistema de livre concor-
rência material, para que a atuação dos agentes econômicos no mercado gere tal
ampliação de acesso à saúde para as pessoas, de modo que as normas que não
tiverem esta orientação serão inconstitucionais por contrariarem os princípios
da atividade econômica constantes do artigo 170 da Constituição Federal.
A imprescindível aplicação harmonizada58 dos artigos 170, 196 e 197 da
Constituição Federal resulta que o conteúdo das normas infraconstitucionais
sobre a matéria de saúde deverão sempre garantir a ampliação do acesso pela
população preservando a livre concorrência material com o combate das falhas
do mercado em questão.
É importante salientar que o presente estudo não tem a pretensão de tratar
de toda a regulamentação das atividades de saúde, mas tão-somente do regula-
mento de preços de medicamentos, deixando de lado as atividades de saúde
suplementar que têm vasta regulamentação realizada pela Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS).
Tampouco se pretende tratar mais do que o necessário para o alcance dos obje-
tivos deste estudo. Não será analisada a integralidade da atividade da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária, que foi criada em 1999 para substituir a Secretaria
de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde e cumulou suas competências e
acervo com novas competências que lhe foram atribuídas, mas que exerce apenas
a regulamentação técnica de produtos e serviços para evitar a exposição da popu-
lação a riscos, incluindo no conceito de risco a ineficácia do produto.
Porém, para a compreensão de alguns aspectos deste trabalho é necessário
mencionar que atualmente a ANVISA tem as seguintes atribuições:

(i) Conceder autorização de funcionamento para empresas que explorem


produtos de interesse da saúde;

(ii) Realizar o registro ou emitir certificado de dispensa de registro para os


produtos de interesse da saúde;

(iii) Emitir normas técnicas relacionadas aos produtos e serviços de inte-


resse da saúde, exceto as fontes de financiamento que estão regulamentadas pela
ANS, e relativas as empresas produtoras ou prestadoras de serviços de saúde;
58
CLÈVE, Clémerson Merlin e FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Algumas Notas sobre Colisão de Direitos
Fundamentais, in Estudos de Direito Constitucional em Homenagem a José Afonso da Silva, 1 ed. São
Paulo, 2003, pág. 237.

[ 36 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

(iv) Intervir, temporariamente, na administração de entidades produtoras


financiadas com recursos públicos assim como nos prestadores de serviço ou
fabricantes de produtos exclusivos ou estratégicos;

(v) Coordenação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), do


Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados e do Programa Nacional de
Prevenção e Controle de Infecções Hospitalares;

(vi) Monitoramento de preços de medicamentos e de produtos para a saúde;

(vii) Atribuições relativas à regulamentação, controle e fiscalização da pro-


dução de fumígenos;

(viii) Suporte técnico na concessão de patentes pelo Instituto Nacional de


Propriedade Industrial (INPI);

(ix) Controle da propaganda de produtos sujeitos ao regime de vigilância


sanitária;

(x) Controle de portos, aeroportos e fronteiras e a interlocução junto ao


Ministério das Relações Exteriores e instituições estrangeiras para tratar de
assuntos internacionais na área de vigilância sanitária;

(xi) Promover a proteção da saúde da população por intermédio do con-


trole sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços sub-
metidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, processos, insumos e
tecnologias a eles relacionados;

(xii) Requisitar informações nos casos de infração a ordem econômica, para


posterior encaminhamento para o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) em caso de suspeita de infração a ordem econômica.

No controle sanitário que é exercido pela ANVISA estão incluídas as


competências para a emissão de regras do exercício da atividade de extração,
produção, fabricação, transformação, sintetização, purificação, fracionamento,
embalagem, reembalagem, importação, exportação, armazenagem de medica-
mentos, drogas, insumos farmacêuticos e correlatos, produtos de higiene, cos-
méticos, perfumes, saneantes domissanitários e produtos destinados à correção

estudosFEBRAFARMA [ 37 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

estética, bem como a prestação de serviços de saúde, como clínicas, hospitais,


unidades de tratamento e laboratórios de análise e registro de alimentos.
Além da competência para a emissão de regras para as atividades acima rela-
cionadas, a ANVISA partilha com as Secretarias de Vigilância Sanitária Estaduais
e Municipais competência para a fiscalização desses estabelecimentos da se-
guinte forma: as Secretarias têm a competência específica de fiscalização cor-
riqueira das empresas que realizem estas atividades e a ANVISA exercerá a fisca-
lização quando da concessão de suas autorizações e certificados podendo, ainda,
agir em cooperação com as Secretarias em regime de competência concorrente.
Em termos gerais, as empresas que pretendam exercer as atividades de
interesse da saúde são reguladas por normas técnicas infralegais específicas e
deverão possuir três documentos essenciais, que devem estar válidos constante-
mente para o exercício regular da atividade e devem ser exigidos para a parti-
cipação em concorrências públicas:

(i) Autorização de Funcionamento para o exercício da atividade específica,


relativa a pessoa jurídica que a exerce, emitida pela ANVISA uma única vez;

(ii) Licença de Funcionamento concedida pela Secretaria de Vigilância Es-


tadual ou Municipal, conforme o caso, relativa ao estabelecimento onde a ativi-
dade é exercida, que deve ser renovada anualmente;

(iii) Certificado de Boas Práticas da atividade (alguns ainda estão sendo


regulamentados, mas é consistente a tendência de regulamentação específica
dos requisitos de emissão do certificado por atividade) relativo ao estabeleci-
mento, o qual é emitido pela ANVISA e renovado anualmente.

As penalidades que podem ser aplicadas tanto pela ANVISA quanto pelas
Secretarias de Vigilância Sanitária podem ser de advertência, multa, suspensão
de exercício da atividade ou revogação das autorizações e licenças.
No caso de medicamentos, todas as suas apresentações que se pretende
comercializar devem ser registradas perante a ANVISA para a aferição de sua
eficácia e periculosidade com referência às suas propriedades terapêuticas e
riscos, bem como a sua bula e embalagem, sendo alguns classificados como de
venda livre, outros como sujeitos a prescrição e, ainda, de venda controlada pela
retenção da receita. Em qualquer caso, os medicamentos só podem ser comer-
cializados após o deferimento voluntário ou automático do seu registro.

[ 38 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Existe ainda a possibilidade de dispensa de registro para medicamentos que


constem da Farmacopéia Brasileira, sendo necessária a solicitação de
Certificado de Dispensa de Registro.

Atualmente, no Brasil, existem três categorias de medicamentos:

(i) Os inovadores ou de referência, que contêm princípio ativo ou combi-


nação de princípios ativos inédita e que devem apresentar estudos suficientes
para demonstrar sua eficácia e seus efeitos colaterais, bioequivalência,
biodisponibilidade, estudos clínicos, dentre outros;

(ii) Os similares, que contêm os mesmos princípios ativos que os de refe-


rência, mas são vendidos ostentando marca comercial;

(iii) Os genéricos, que contêm os mesmos princípios ativos dos de referên-


cia, devendo apresentar estudos de bioequivalência e de biodisponibilidade para
demonstrar que têm a mesma atuação dos de referência e são vendidos osten-
tando o princípio ativo e marca distintiva como medicamento genérico.

As vantagens do medicamento genérico para o laboratório farmacêutico,


apesar do custo dos testes apresentados, são a intensa propaganda governamen-
tal sobre sua segurança, a possibilidade de serem vendidos em substituição ao
medicamento de referência contido na receita, desde que a troca seja feita pelo
farmacêutico e a preferência para compras governamentais.
Como já observamos, para alcançar o tema, além do estudo do Direito,
teremos que analisar alguns aspectos econômicos para verificar a forma da
regulação imposta pelo Estado brasileiro no tocante às atividades de saúde e
sua conveniência em comparação com os resultados gerados pela liberdade de
mercado, pois “se o sistema de mercado assegura o uso eficiente dos recursos para
a produção de bens de caráter privado, a regulamentação tem como condição
necessária a existência de falhas de mercado” 59.

59
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
pág. 230.

estudosFEBRAFARMA [ 39 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Mercado de Medicamentos
QUALQUER relação de compra e venda envolve os mesmos aspectos básicos:
um vendedor, um produto ou serviço, um comprador e um pagamento, cuja
representação é o preço. Em uma relação simples entre dois indivíduos, estes
negociam até comporem um equilíbrio satisfatório de seus interesses contra-
postos sendo, então, realizado o negócio.
Normalmente teremos mais de um vendedor e mais de um comprador e
também mais de um produto ou serviço que podem ser comprados, seja um
substituto do outro ou não, de modo que temos uma grande interação entre
todas estas variáveis.
“Dentro de um modelo de pura concorrência, supõe-se sempre ser a quantidade
procurada uma função do preço, isto é, os consumidores irão amoldar o seu desejo
de obter determinado bem ou serviço ao preço por eles encontrado no mercado.” 60
O estudo das relações verdadeiras que se estabelecem entre as diversas com-
binações de tais variáveis é feito através de uma abstração que pretende isolar o
ambiente em que elas ocorrem, o chamado mercado.
O mercado pode ser estudado em suas características globais ou segmenta-
do nos chamados mercados relevantes, que comporão o ambiente em que
determinados agentes econômicos interagem entre si. Em geral os mercados
relevantes são definidos por produtos passíveis de serem intercambiados 61.
O mercado relevante é o ambiente em que as empresas efetivamente com-
petem entre si pela compra, pelo dinheiro de seu consumidor em relação a pro-
dutos intercambiáveis.
Esse ambiente pode ser segmentado tanto geograficamente, quanto em
relação ao próprio produto. Para definição geográfica do ambiente importa
a verificação da mobilidade dos consumidores para a compra dos produtos
em um ou noutro território.
Dessa forma, temos que apenas produtos intercambiáveis estarão incluídos
em um mercado relevante por conta da possibilidade do consumidor substituir
livremente um pelo outro e satisfazer sua necessidade.
No caso dos medicamentos, a definição de mercado relevante será simples
60
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: RT, 2001. pág. 227.
61
“A delimitação material do mercado é feita a partir da perspectiva do consumidor. O mercado relevante
abrange todos os produtos ou serviços pelos quais o consumidor poderia trocar, razoavelmente, o produto ou
serviço acerca de cuja produção ou distribuição se pesquisa a ocorrência de infração contra a ordem econômi-
ca. Se a mercadoria ou o serviço pode ser perfeitamente substituído, de acordo com a avaliação do consumi-
dor médio, por outros de igual qualidade, oferecidos na mesma localidade ou região, então o mercado rele-
vante compreenderá também todos os outros produtos ou serviços potencialmente substitutos. A definição
geográfica e material do mercado relevante, portanto, apenas pode ser feita mediante análise casuística.”
COELHO, Fábio U. Direito Antitruste Brasileiro: Comentários a Lei 8.884/94. 1 ed. Saraiva: São Paulo,
1995, pág. 58.

[ 40 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

ao se tratar de medicamentos com o mesmo princípio ativo, contudo a situação


se torna um tanto complexa em outras hipóteses, pois a definição do que será
mercado relevante ainda deve levar em conta dois fatores:

(i) A intercambialidade de distintos princípios ativos para o tratamento da


mesma moléstia, inclusive com a comparação da eficácia, conforto do paciente
e efeitos colaterais e;

(ii) A intercambialidade entre os diversos tipos de tratamento, também com


a comparação de eficácia, conforto do paciente e efeitos colaterais.

A questão torna-se complexa, pois com o desenvolvimento da ciência, uma


mesma moléstia ao longo do tempo vai tendo o seu combate aperfeiçoado, de
modo que diversas terapias e medicamentos podem ser indicados para o trata-
mento de uma única doença.
Assim, “a escolha do tratamento, incluindo o medicamento eventualmente
prescrito, define a Concorrência Intermarcas, isto é, dos princípios ativos entre si” 62,
sendo que, considerando o número de drogas possíveis para a realização do
tratamento, multiplicando cada droga pelo número de seus fabricantes, teremos
como resultado a medida da concorrência no tratamento específico. Contudo,
se o tratamento definir apenas um tipo de droga teremos de analisar se ele pode
ser intercambiado por outro.
De toda sorte podemos ainda incorrer no que Ana Maria Nusdeo 63 chama
de concorrência monopolística, que ocorre quando não há realmente um
monopólio ou oligopólio. Contudo, na visão do consumidor há diferenciações
entre os produtos que fazem com que um não concorra com o outro em razão
da inocorrência da percepção da intercambialidade 64.
62
FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo Econométrico
da Indústria Farmacêutica Brasileira. Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 13.
63
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira, Defesa da Concorrência e Globalização Econômica, 1 ed., Malheiros, São
Paulo, 2002, pág. 35.
64
“Podemos distinguir duas fontes de diferenciação de produto: real e informacional. A primeira, relativamente
menos importante para a determinação de barreiras à entrada, consiste na diferença de atributos físicos ou loca-
cionados entre o produto de uma firma estabelecida e os produtos da firma entrantes. Uma empresa já reconhecida
no mercado pode apresentar um produto que atenta com maior acuidade aos elementos demandados pelos consu-
midores, de tal modo que estes possam aceitar pagar um preço superior àquele que seria obtido pelo produto das fir-
mas entrantes. Diferenciação do produto real é especialmente relevante na concorrência entre marcas conhecidas dos
consumidores, não sendo característica tão importante na concorrência entre uma firma estabelecida e os concor-
rentes potenciais entrantes. Não havendo segredos industriais, patentes para a exploração do produto ou propriedade
de ativos exclusivos, as firmas entrantes poderão produzir produtos idênticos aos da firma estabelecida. Mais rele-
vante para o estabelecimento de barreiras à entrada é a diferenciação de produtos de caráter informal. Os produtos
de uma firma estabelecida podem ser preferidos por dois motivos. De um lado, o acúmulo de esforços de propagan-
da e marketing tornam uma marca conhecida, o que informa ao consumidor sobre as características do produto. Em
igualdade de condições, o consumidor irá preferir o produto do qual ele tem informações (isto é, o produto da firma
já estabelecida), o que caracteriza uma barreira à entrada. De outro lado, o consumo continuado do produto já esta-
belecido, mesmo sem esforços de propaganda e marketing, estabelece reputação sobre suas características. Essa re-
putação pode garantir a fidelidade do consumidor, o que corresponde, mais uma vez, a uma barreira de entrada.”
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. pág. 211.

estudosFEBRAFARMA [ 41 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Do nosso ponto de vista, o mercado relevante em medicamentos será definido


pelos tratamentos e respectivas drogas disponíveis para o combate da doença e
neste ambiente é que se deverá buscar a existência ou não de concentração.
“Deve ser observado que, embora se estabeleçam critérios para a definição do
mercado relevante, sua aplicação – e mesmo o próprio estabelecimento dos critérios
– pode levar a diferentes resultados. Ora ampliando excessivamente o mercado em
questão, ora restringindo-o. Em geral, sua delimitação mais ampla tende a des-
caracterizar a exigência de poder de mercado, pois mais produtos serão tidos como
sucedâneos. Ao contrário, sua delimitação muito estreita implicará a identificação
de um poder de mercado possivelmente superestimado. A insistência de critérios
únicos de definição do mercado relevante e sua influência na análise da existência
de poder de mercado propicia uma margem de discussão sobre suas fronteiras pelas
partes envolvidas numa operação sob exame de autoridades antitruste e, mesmo, a
divergência da doutrina com relação aos critérios mais acertados para a definição
do mercado relevante. Nesse último caso, freqüentemente, a discussão tende a um
caráter ideológico. Assim, aqueles adeptos de uma política antitruste mais severa,
confiantes na necessidade de prevenir a concentração de poder de mercado, ten-
derão a defender critérios de definição do mercado relevante mais restritivos. O
contrário se passará com os defensores de uma maior margem de liberdade
econômica, que acreditam na possibilidade de concorrência mesmo em cenários de
maior concentração econômica.” 65
Nos mercados relevantes, as empresas concorrem entre si pela preferência
do consumidor pelo produto ou serviço específico oferecido por elas, buscan-
do uma situação de conforto onde não sofra ataques de outras empresas para
deslocar este consumidor 66.
Na visão liberal clássica o mercado teria condições de se auto-regular geran-
do um ótimo aproveitamento dos bens econômicos através da competição de
seus participantes.

65
NUSDEO, Ana Maria O. Defesa da Concorrência e Globalização Econômica: o Controle da
Concentração de Empresas. 1 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, págs. 30 e 31.
66
“A concorrência deve ser entendida como a luta entre as firmas pelo estabelecimento de poder de mercado;
é o processo de ‘enfrentamento’ das firmas como representantes dos diversos capitais individuais, isto é, como
unidades de valorização e expansão do capital global. Alimentada pelo progresso técnico, a concorrência é um
processo de criação constante, embora descontínuo, de assimetrias entre as firmas. O mercado é onde a con-
corrência acontece, onde esta atua como portadora de inovações e de mudanças qualitativas responsáveis pela
seleção de agentes aptos ao processo. A firma opera sempre na tentativa de concentrar o mercado a seu favor,
como se a situação de monopólio fosse seu objetivo no processo de concorrência.” (POSSAS, 1996). SENHO-
RAS, Elói Martins, Defesa da concorrência: Políticas e perspectivas; Caderno de Pesquisas em
Administração, v. 10, nº 1, janeiro/março 2003.

[ 42 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

“Na concorrência perfeita, o preço surge natural e objetivamente da interação


recíproca dos inúmeros agentes em presença. Funciona soberana, sem ressalvas à lei
da oferta e da procura, e tanto consumidores como compradores pautam suas
decisões única e, exclusivamente, pelas suas utilidades em cotejo com o preço obje-
tivamente fixado pelo mercado, que é único para todos eles. Diz-se que nele o con-
sumidor é rei, já que todo o aparato produtivo se expandirá ou se contrairá em
função do que ele, consumidor, decidir (princípio da soberania do consumidor). Os
produtores tenderão a oferecer o máximo de quantidade compatível com os seus
custos. Irão, portanto, até o ponto em que o preço iguale o seu custo marginal,
deixando de oferecer os bens quando por excesso de oferta o preço de mercado cair
abaixo do custo marginal.” 67
Contudo, a existência de tais mercados não passa de uma abstração na
medida em que as condições para sua existência não estão presentes, exceto em
ocasiões muito raras e efêmeras 68, quais sejam:

(i) Tamanho número de produtores e consumidores, que estes sejam inca-


pazes de individualmente afetar a conduta dos demais concorrentes (inexistên-
cia de poder de mercado);

(ii) Homogeneidade dos produtos – os consumidores trocam, livremente,


um produto pelo outro, apenas por influência do preço;

(iii) Acesso pleno às informações, tanto por parte de consumidores quanto


de fornecedores, de modo que todos conheçam os produtos, os níveis de con-
sumo e preços praticados no mercado;

(iv) Mobilidade total dos fatores de produção e agentes do mercado


(inexistência de barreiras para entrada e saída), onde qualquer agente econômi-
co pode assumir qualquer posição neste mercado;

(v) Inexistência de economias de escala de produção, o que, em nossa


opinião, está incluído na mobilidade total, na medida em que a necessidade de
67
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: RT, 2001, pág. 264.
68
“Uma presunção básica para a funcionalidade dos mercados sempre foi a de serem os fatores de produção
dotados de razoável mobilidade, a fim de poderem reagir aos sinais indicativos, representados pelos preços, os
quais promoveriam em curto tempo os deslocamentos necessários a fim de se reverterem automaticamente
certas situações indesejáveis. A essa capacidade de autocorreção do mercado chamou-se de automatismo. E o
nome é bom, porque os empresarios-produtores eram vistos como autômatos, para, guiados pelo seu hedonis-
mo, poderem responder rápido e fielmente às decisões soberanas do consumidor-rei, via impulsos do sistema
de preços. Tal agilidade, entretanto, na prática não ocorre. Existe, isto sim, uma rigidez mais ou menos pro-
nunciada em quase todos os fatores, impedindo-lhes esses deslocamentos céleres automáticos e oportunos.
Rigidez de toda ordem: física, operacional, institucional, psicológica.” NUSDEO, F. Curso de Economia:
Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: RT, 2001, págs. 139 e 140.

estudosFEBRAFARMA [ 43 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

um investimento ou alcance de uma escala de produção obviamente será


uma barreira;

(vi) Inexistência de externalidades. Posteriormente, o conceito será melhor


explorado, mas por agora podemos tê-lo como malefícios ou benefícios não
refletidos no preço do produto.

Um instrumento importante para a análise do comportamento dos agentes


econômicos nos mercados relevantes é a Teoria dos Jogos 69. Os matemáticos
sempre estudaram os jogos do ponto de vista da análise das variáveis possíveis
e prováveis, de modo que, com o avanço dos estudos de lógica e probabilidades,
foi-se desenvolvendo a Teoria dos Jogos, que teve sua aplicação em economia
estudada já na primeira metade do século XIX, quando Augustin Cournot ana-
lisou a questão da interdependência nas situações de duopólio.
Diversos outros trabalhos influenciaram a Teoria dos Jogos, como por
exemplo, quando o matemático alemão Zermelo provou o teorema de que nos
jogos não-cooperativos de duas pessoas, com ações seqüenciais e informação
completa, é possível determinar todas as jogadas. O mesmo ocorreu em 1944 no
livro Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico, pelo matemático Jonh
von Neuman e o economista Oskar Morgenstein.
Porém, uma contribuição que pode ser considerada decisiva foi dada nos
anos 50 por John Nash, ante a descoberta do chamado equilíbrio de Nash (tam-
bém chamado equilíbrio de Nash-Cournot), segundo o qual em jogos não-
cooperativos é possível uma solução estável (que não leva ao arrependimento

69
“Os jogos, que são objeto de análise econômica, por constituírem método de investigação científica, têm
conotação específica e tratamento formal, que é fornecido pela Teoria dos Jogos. Esta tem como objetivo a
análise de problemas por meio da interação entre os agentes, na qual as decisões de um indivíduo, firma ou
governo afetam as decisões dos demais agentes ou jogadores ou vice-versa. A teoria dos jogos, definida como
estudo das decisões em situação interativa, não se restringe à Economia, sendo também bastante utilizada em
Ciência Política, Sociologia, estratégia militar, entre outras. Dentro da Economia, ou da Microeconômica, a
teoria dos jogos procura analisar o processo de tomada de decisão em situação um pouco diferente da pre-
conizada pela concorrência perfeita. Do mesmo modo que a concorrência perfeita, parte-se do pressuposto
que os agentes tomam decisões intencionalmente, ou seja, procurando atingir um objetivo, e racionalmente –
as ações tomadas são consistentes com a busca do objetivo. Além disso, na teoria dos jogos, assim como na
Microeconômica clássica, pressupõe-se comportamento maximizador, ou seja, o agente toma as decisões
procurando ‘maximizar’ seus objetivos, buscando o máximo lucro, a máxima satisfação, entre outros. O que
diferencia a teoria dos jogos é o ambiente no qual essas decisões (intencionais, racionais e maximizadoras)
são tomadas. Na microeconômica tradicional, o agente decide com base em um conjunto de informações,
num ambiente dito paramétrico, ou seja, ambiente em que o resultado depende apenas da sua decisão, não
importando as ações dos demais agentes. Já em teoria dos jogos, trabalha-se com o chamado ambiente
estratégico, no qual o resultado de determinada ação depende não apenas dela, mas também das ações dos
outros tomadores de decisão.” PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed.
São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 244 e 245.

[ 44 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

dos jogadores) quando os jogadores fizerem opções que lhes garantam uma
situação favorável por força da opção dos demais, ou seja, ainda que não seja a
opção ótima, que poderia ser impedida pelas opções dos outros jogadores, vale
notar que pelo jogo de variáveis é possível ser alcançada mais de uma solução
estável, de modo que a análise dependerá de refinamentos relativos as per-
cepções e preferências dos jogadores.
“Os jogadores são agentes econômicos que tomam decisões. São consumidores
buscando maximizar sua satisfação, firmas que procuram maximizar seu lucro ou
aumentar sua fatia no mercado, investidores que devem decidir entre tomar ou não
um empréstimo, bancos que têm de decidir se concedem ou não empréstimos, ou
mesmo o governo que tem de tomar a decisão de implementar determinada medi-
da econômica. Esses jogadores são, a princípio, considerados racionais e têm prefe-
rências em relação aos resultados do jogo. Na tomada de decisão, eles procuram
maximizar suas preferências.” 70
É interessante observar a contribuição desta análise ao debate relativo a
eficácia das agências regulatórias independentes, que são criadas com o objeti-
vo de aumentar a eficácia do jogador Governo ao aumentar a sua agilidade na
resposta aos movimentos dos demais jogadores – agentes econômicos.
Neste aspecto específico fazemos uma pequena digressão para cruzar com
estas observações outra teoria que nos parece também de grande utilidade,
especialmente no tocante a necessidade da velocidade da regulação estatal,
trata-se da Teoria dos Sistemas de Nilkas Lhumann.
A Teoria dos Sistemas parte da análise da comunicação compartilhada para
o exercício de uma determinada função na sociedade moderna.
Os diversos tipos de comunicação são definidos pelos códigos utilizados
nestas mesmas comunicações, que conformam sistemas com funcionamento
interno auto-referencial que os diferencia do ambiente no qual se encontram.
Assim, temos diversos sistemas no ambiente da sociedade moderna: sistema
político, sistema jurídico e sistema econômico, apenas para citar os que nos
interessam no momento.
Tais sistemas são operativamente fechados, pois o pressuposto de uma
comunicação sempre será outra comunicação (autopoiese). Contudo, são
cognitivamente abertos, já que estão sujeitos a “irritação” pelos outros sistemas
(para o qual são meramente o ambiente), ou seja, traduzem e processam comu-
nicações vindas de outros sistemas.

70
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003,
pág. 247.

estudosFEBRAFARMA [ 45 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

As informações recebidas de um sistema pelo outro são selecionadas e


processadas de acordo com os rituais e regras do sistema receptor. Tal comuni-
cação dá-se através dos chamados acoplamentos estruturais.
Assim, para Lhumann o sistema jurídico está acoplado estruturalmente ao
sistema econômico, através dos contratos e da propriedade, e ao sistema políti-
co através da Constituição, por razões e formas que adiante veremos.
Na sociedade moderna a enorme possibilidade de escolhas gera uma alta
complexidade, pois após uma escolha sempre surgirá seu desdobramento em
diversas escolhas decorrentes e assim por diante.
Surge então o Direito, que tem como uma de suas funções restringir o
número de escolhas possíveis, através do código lícito e ilícito. O Direito alcança
este resultado com a aplicação de modais deônticos que banem da possibilidade
das condutas lícitas aquelas que se quer evitar, dando ao sujeito de direitos e
obrigações menos opções de escolhas válidas reconhecidas pelo sistema.
Desta forma, o Direito alcança uma generalização congruente das expecta-
tivas normativas, já que todos “sabem a regra do jogo”, todos sabem quais são as
comunicações possíveis no sistema, posto que o Direito garante que as comuni-
cações vedadas, os atos ilícitos, serão objeto de uma decisão previamente pro-
gramada pelo próprio sistema através de um “gatilho” bicondicional 71.
Os acoplamentos estruturais decorrem da prestação que um sistema de
entrega para o outro e das interferências que um sistema gera no outro por
conta desta prestação.
Existe um duplo intercâmbio de prestações entre o sistema jurídico e o sis-
tema político.
O sistema político, através do Congresso, cria as normas jurídicas e, desta
maneira, define as expectativas normativas que servirão para o sistema jurídico
aplicar o código lícito e ilícito, de onde se nota que o sistema político se utiliza
de um outro código também binário, qual seja, o de governo/oposição ou de
maioria/minoria.
Por isso é que o acoplamento estrutural entre os sistemas dá-se através da
Constituição, porque lá é onde se encontra o ritual por meio do qual o sis-
tema jurídico recebe comunicações do sistema político. É lá que está o
processo legislativo.
Por um lado, o Direito reforça as premissas normativas recebidas do sistema
71
Nos parece que o Direito trabalha com o bicondicional e não apenas o condicional, já que apenas se a
hipótese ocorrer o conseqüente será legítimo, muito embora muitos bicondicionais diferentes possam apontar
para a mesma conseqüência (p. ex. muitos tipos de infração diferentes podem acarretar a aplicação de uma
multa), mas apenas se um deles efetivamente ocorrer, o conseqüente ocorrerá (a multa só será aplicada se pelo
menos uma das infrações for cometida).

[ 46 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

político, pela sua aplicação repetitiva e, por outro, alivia o sistema político do
fardo do uso da violência, interrompendo um ciclo do uso da violência.
O sistema político é aquele que, na criação do Estado, recebe dos cidadãos o
monopólio do uso da força. Os cidadãos abdicam de resolver suas disputas pelas
próprias mãos e subordinam-se a um poder superior, seja autoritário ou democráti-
co, que resolverá as questões e implementará com o uso da força a solução.
Uma vez que o Direito surge como um sistema que se responsabiliza pelas
decisões quanto à aplicação ou não da força, através de processos pré-definidos
com uma série de garantias, com resultados pré-programados, afasta do sistema
político as eventuais cargas da insatisfação geradas por elas.
Por outro lado, o sistema político garante a implementação das decisões
judiciais através do uso da força conforme definido pelo sistema jurídico.
É importante observar que o sistema político gera decisões programadas,
voltadas para o futuro, através de uma perspectiva teleológica, e o sistema
jurídico, por sua vez, gera decisões previamente programadas, de uma
perspectiva condicional, sempre em um ciclo de comunicação através do
acoplamento estrutural entre os dois sistemas.
Na regulamentação de mercado realizada pelo Poder Executivo com a facul-
dade para o órgão regulador de criar normas jurídicas, o perigo é a reunião do
poder político, já que os cargos nas agências regulatórias apesar de terem a
garantia de independência, têm indicação política, com o poder jurídico, de
modo que o sistema jurídico pode perder a função de conter e legitimar o poder
político, o que deve ser verificado em cada caso, de acordo com o processo de
decisão e competências de cada agência regulatória.
Já para o sistema econômico, que funciona segundo o código de tem/não
tem, o sistema jurídico entrega a prestação de garantir o respeito à propriedade,
já que o conceito de propriedade é meramente jurídico e cultural, pois não
existe vinculação de fato entre as pessoas e as coisas, existindo apenas uma vin-
culação jurídica respeitada pelos demais indivíduos, bem como, a prestação de
garantir que os contratos serão respeitados, sob pena de serem objeto de uma
decisão judicial, que será aplicada pelo sistema político.
Assim, está muito presente a função do Direito de garantir as expectativas
dos agentes econômicos, gerando a base de segurança sem a qual os negócios
não se desenvolveriam.
No caso da regulação econômica, podemos supor que o sistema jurídico
também tem a incumbência de garantir o saneamento do mercado para que o
sistema econômico possa funcionar adequadamente, o mais próximo possível
da concorrência perfeita.

estudosFEBRAFARMA [ 47 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Contudo, os sistemas jurídico e econômico têm grandes diferenças, não só de


código, mas especialmente de tempo. O tempo interno do sistema jurídico é, muitas
vezes, mais lento do que o sistema econômico, o que gera grandes assincronias, pois
o sistema jurídico é mais hierarquizado, além de ter mais procedimentos formais.
Ao passo que o sistema econômico tem menos hierarquia e seus procedimentos são
dinâmicos e casuísticos – especialmente se verificarmos a situação brasileira, em que
temos um processo legislativo (ritual do sistema jurídico que traduz as comuni-
cações do sistema político) extremamente lento e incapaz de responder em tempo
eficaz aos anseios sociais e movimentos dos agentes econômicos.
Surge aqui o cerne da dificuldade na atividade de regulamentação econô-
mica, uma vez que o órgão regulador é criado pelo Direito e este dita seus
procedimentos, cria normas jurídicas (ainda que infralegais), que no caso das
agências regulatórias têm por finalidade a implementação de uma política
pública e interferem grandemente no sistema econômico.
O desafio regulatório é criar e atualizar normas jurídicas com a agilidade
necessária para acompanhar as mudanças no sistema econômico evitando sua
obsolescência, que pode gerar tanto a sua ineficácia, quanto o engessamento
prejudicial ao sistema econômico, tudo isto sem afetar a segurança jurídica que
é justamente a prestação do sistema jurídico.
Simultaneamente, é preciso conciliar o sistema político, que impõe as políticas
públicas que se pretende alcançar, com o sistema econômico, que, por sua maior
velocidade e flexibilidade, se adapta rapidamente às novas normas e diretrizes cau-
sando muitas vezes distorções que geram o aproveitamento predatório das novas
condições, minando a própria política pública que se pretendeu implementar.
Sob o enfoque da Teoria dos Jogos temos que o jogador/agente econômico
se adapta rapidamente à jogada do jogador/governo, que demora demais a
responder a esta adaptação.
Na visão de Luhmann, tal nível de interferência entre os sistemas seria
inconciliável, contudo, a atual proposta para a solução de todas estas incon-
gruências é a criação das agências regulatórias independentes, nas quais (i)
existe mandato fixo para os dirigentes e orçamento próprio para minorar os
efeitos danosos da influencia política e (ii) é conferida uma maior autonomia
legislativa para os dirigentes destas agências, imprimindo-lhes agilidade sufi-
ciente para acompanhar o tempo do sistema econômico. Veremos mais adiante
como se pode tentar manter um nível razoável de separação entre os sistemas
mesmo com tais problemas.
A Teoria dos Jogos também trata de comunicação já que “um jogo também
deve definir que tipo de informações está disponível para os jogadores. Em outras

[ 48 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

palavras, deve-se ter respostas para perguntas do tipo ‘o que o jogador sabe?’ ou ‘ele
sabe sobre as preferências dos outros jogadores, sobre as ações permitidas aos
outros jogadores, sobre os resultados a serem alcançados?’. Chamam-se jogos de
informação completa aqueles nos quais os jogadores possuem todas as informações
necessárias para a tomada de decisão. Esses são os mais conhecidos e mais facil-
mente analisados. Quando parte das informações não está disponível, temos um
jogo de informação incompleta” 72.
Desta forma será fundamental descobrir como transita a informação nos
jogos que se realizam no sistema econômico. Podemos ter “jogos de informação
perfeita (ou seqüências) e os jogos de informação imperfeita (ou simultâneos). Nos
jogos em que a jogada é simultânea, como o ‘par ou ímpar’, a informação é imper-
feita, já que um jogador não sabe o que outro vai fazer. Nos jogos cujas ações ocor-
rem em seqüência, como o xadrez, a informação é perfeita, pois o outro jogador
sabe o que o outro fez antes de fazer sua ação” 73.
No jogo de mercado é possível observar que estamos diante de um jogo
seqüencial no qual cada jogador faz um movimento de mercado e os demais agem
em resposta a ele, o que é facilmente perceptível, por exemplo, em pregões de bolsa.
Os agentes econômicos dentro do jogo adotarão condutas buscando maximizar
os seus resultados, podendo tais condutas ser chamadas de estratégias74, classificadas
72
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 248 e 249.
73
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 248 e 249.
74
“Uma estratégia é chamada de dominante em relação a outra quando os resultados obtidos com sua utilização são
melhores em relação aos resultados obtidos com outra estratégia, qualquer que seja a atuação dos demais jogadores.
Essa estratégia é, assim, melhor que as outras e pressupõe-se que é a que deverá ser escolhida pelo jogador. Outra forma
de escolher a estratégia, quando não existe estratégia dominante, é o chamado maxmin. Nesse caso, o jogador procu-
ra maximizar o mínimo que ele pode assegurar para si, independentemente das estratégias dos outros jogadores. A
estratégia maxmin é a que garante ganho mínimo para o jogador. A idéia aqui é a seguinte: não sei o que fazer, farei
aquilo que me der ‘o menos pior’ dos piores resultados possível. O conceito de equilíbrio (ou solução) de Nash é tam-
bém conhecido como o do não arrependimento. A combinação de estratégias escolhidas leva a um resultado no qual
nenhum dos jogadores, individualmente, se arrepende, ou seja, esse jogador não poderia melhorar a sua situação uni-
lateralmente modificando a estratégia escolhida. Numa situação em que se utiliza o conceito de Nash, um jogador
escolhe a melhor estratégia, dada a escolha do outro. Teoricamente, a maior parte dos jogos que são modelados pela
teoria econômica, como os exemplos citados até aqui, são definidos como jogos não-cooperativos, nos quais cada
agente econômico busca maximizar seu payoff efetivando ações sem se preocupar com o bem-estar do seu oponente
ou o estabelecimento de acordos. Não se pode concluir, no entanto, que o mundo real seja não-cooperativo. Existem
inúmeras situações cooperativas na sociedade. A criação de associações, de sindicatos e cooperativas são exemplos de
cooperação entre os agentes. Tais situações são consideradas, pela teoria dos jogos, como jogos cooperativos, cuja sofisti-
cação matemática e complexidade dos conceitos escapam dos objetivos de um livro introdutório. Os jogos não-coo-
perativos, no entanto, ainda são os mais utilizados nos livros-textos e cursos, em vista da facilidade com que são apli-
cados a inúmeras situações estudadas pela Economia. Outra questão importante diz respeito ao número de vezes que
o jogo é realizado. A repetição de um jogo pode dar início a um processo de aprendizagem acerca das estratégias dos
jogadores, levando a resultados diferentes, caso fosse realizado apenas uma única vez. Imagine sucessivas repetições do
jogo dilema dos prisioneiros. Nesse caso é difícil imaginar que sempre o resultado será os dois confessarem. Enfim, são
inúmeras as possibilidades na teoria dos jogos, o que talvez explique a crescente popularidade que ela vem alcançan-
do dentro da teoria econômica.” PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, pág. 256.

estudosFEBRAFARMA [ 49 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

pela Teoria dos Jogos na tentativa de prever os movimentos futuros dos jogadores.
No sistema econômico partimos da premissa de que os jogadores não
cooperam entre si, mas competem entre si. As situações em que há cooperação
entre os jogadores poderão ser classificadas como práticas cartelizadas, sempre
que intentarem o abuso de posição dominante (individual ou obtida pelos
cooperativos) e prejudicarem a livre concorrência.
Com base na Teoria dos Jogos fica cristalino o conceito de poder de merca-
do que pode se expressar sinteticamente como o potencial de influenciar o com-
portamento dos demais agentes econômicos em um dado mercado relevante,
ou seja, um jogador pode ter o poder de dominar o jogo, sem que os demais
possam se contrapor a este domínio, quaisquer que sejam as suas estratégias.
“O sentido de dominação ou poder de mercado expressa, em síntese, a capaci-
dade de uma empresa ou grupo de empresas de aumentar os preços dos seus pro-
dutos acima do custo marginal, sem perder clientes, i.e., agindo por razoável perío-
do de tempo independentemente dos concorrentes e dos consumidores. A domi-
nação de mercado pode também ser expressa, embora com menos freqüência,
mediante prática temporária de preços predatórios, i.e., abaixo do custo marginal.
O complexo teste jurídico-econômico da dominação exige uma análise estru-
tural do mercado adequadamente definido, no qual os concorrentes atuam. Ponto
de partida dessa análise é a identificação do mercado relevante e da participação
de mercado, embora o percentual de market share não seja um dado bastante em
si para denotar dominação. É necessário, por exemplo, verificar a existência de
substitutos próximos para um produto, processo ou obra objeto da ou relacionado
com o Direito de propriedade.” 75
Neste aspecto é importante o papel exercido pelo Direito Antitruste para o
combate ao abuso de poder de mercado, como sua garantia estrutural do
próprio mercado, garantindo a livre concorrência entre os agentes econômicos.
O Direito Antitruste tem por objeto o controle de concentrações e práticas
anticoncorrenciais em geral, como mecanismo de proteção do mercado do
ponto de vista dos mercados relevantes atingidos por tais ocorrências. É
aplicável a todos os mercados indistintamente, vale dizer, todos os agentes
econômicos estão sujeitos a aplicação destas normas independentemente do
mercado em que atuem. O “objeto da política antitruste é o bem-estar econômico,
que é reduzido pelo abuso do poder de mercado” 76.

75
FONSECA, Antônio, estudo cit., pág. 13.
76
SANTACRUZ, Ruy, Preço Abusivo e Cabeça de Bacalhau, Revista Doutrina e Jurisprudência do
IBRAC, v. 7.

[ 50 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Nos últimos anos, vem sendo renovada a importância conferida à política


antitruste. Na Europa, por força da Unificação Européia e, a conseqüente neces-
sidade de garantir um ambiente despido de entraves ao comércio, a política
antitruste é vista como importante instrumento de reorganização do mercado
em composição com a extinção de barreiras tarifárias e não-tarifárias.
Por outro lado, revela-se naquele ambiente a preocupação de monitorar
as alianças estratégicas promovidas entre empresas de países diferentes no
interior da comunidade – motivadas pela pressão competitiva exercida pelos
produtos japoneses – e a onda de fusões impulsionada pelo aumento da escala
do mercado, agora com 344 milhões de consumidores.
Nos EUA, após um período coincidente com as administrações republi-
canas, em que a política antitruste era tida como um dos principais responsáveis
pela frágil performance competitiva dos produtos norte-americanos, observa-se
uma preocupação mais intensa com comportamentos de mercado de grandes
empresas e com o abuso de poder econômico.
Mesmo durante o período em que a política antitruste esteve sujeita às
pesadas críticas – de ordem empírica e teórica – houver aperfeiçoamentos
importantes em sua aplicação, em virtude da rica interação com a academia.
Considerações sobre custos de transação e concorrência potencial passaram a
compor as análises do Federal Trade Commission e do Departamento de Justiça
desde o final dos anos 80.
Japão e Coréia do Sul, respeitando as especificidades da organização de suas
economias, têm reforçado o uso de suas legislações para intensificar a pressão
competitiva sobre suas empresas e desestimular acordos defensivos entre elas.
No Brasil a legislação antitruste teve início na era Vargas com a Lei 1.521/51
que definiu crimes contra a economia popular. Contudo, referida legislação teve
pouca aplicação em razão da demora na ultimação dos processos, bem como,
por seu rigor excessivo. Posteriormente, tivemos a Lei 4.137/62 que criou o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), mas sem prover os
meios necessários para a efetividade de sua atuação.
A Lei 8.158 de 08/01/91 que aparelhou a Secretaria Nacional de Direito
Econômico (SDE) originou-se da necessidade de prover a administração públi-
ca e a sociedade de um instrumental adequado de regulação de comportamen-
tos de mercado que evitasse – ou ao menos reduzisse – as fricções causadas pela
mudança institucional de um ambiente estritamente regulado e controlado
para um ambiente de liberalização das atividades econômicas.
Era também objetivo das autoridades alcançar celeridade na conclusão
dos processos administrativos, preocupação típica da perspectiva do economic

estudosFEBRAFARMA [ 51 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

policy maker e informada pela experiência da primeira fase do CADE, onde


ocorreu muitas vezes de a conclusão do processo administrativo se dar quando
o fato econômico, que lhe dera ensejo, já havia se tornado irrelevante, até
mesmo pelo desaparecimento da parte lesada.
Com base nessa experiência, foi proposta a Medida Provisória nº 204, em
02/08/90, nas palavras de Sampaio Ferraz:
“Convencido da inoperância dos procedimentos administrativos da Lei 4.137/62
(que criou o CADE e os procedimentos de repressão ao abuso do poder econômico),
cujos processos tinham uma duração média de 24 meses para conflitos que exigiam,
pela celeridade das relações econômicas, decisões rápidas e até cautelares, o Executivo
visou, fundamentalmente, a criação de um dispositivo mais leve, de eficácia maior
que, comandado por um órgão do Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional de
Direito Econômico, permitisse da parte do Poder Público uma interferência prévia e
preventiva diante da ocorrência de anomalias de comportamento econômico, capazes
de ferir os princípios constitucionais da ordem econômica” 77.
A Medida Provisória foi seguida de outras, com pequenas modificações de
conteúdo – em função de serem as Medidas Provisórias válidas por um perío-
do predefinido de 30 dias e não passíveis de reedição – até a definitiva promul-
gação da Lei, em janeiro de 1991.
Os problemas decorrentes da demora do CADE em proferir decisão podem
ser resumidos no voto do Conselheiro Leônidas R. Xausa 78:
“2) No mérito, igualmente continuo fiel ao entendimento do Plenário no
Processo 128/92 contra Laboratório Hosbon S.A, também por mim relatado, e no
Processo 164/91 da ilustre Conselheira Lúcia Helena, onde sustentamos a tese de
que a distância excessiva entre a data dos fatos indigitados e o julgamento (aqui de
quase seis anos) frustra o objeto da decisão. O rigor metodológico necessário ao
exame dos eventuais aumentos excessivos de preços se esfuma após tanto tempo,
especialmente se considerada a política governamental errática de controle, à
época, e em conjuntura de metástase inflacionária. 3) De conseqüência, se esta-
belece um desequilíbrio jurídico entre a utilidade social da punição e o dano even-
tualmente causado pela conduta. 4) Pelo que, na tradição deste Colegiado, aplico
subsidiariamente o artigo 267, IV, do CPC, conhecendo do recurso para negá-lo,
sem julgamento do mérito, mantendo o arquivamento.”

77
SAMPAIO FERRAZ Jr., T. (1992) Lei de Defesa da Concorrência: Origem Histórica e Base Constitucional.
Revista dos Mestrandos em Direito Econômico da UFBA, (2):71.
78
Proferido no Recurso de Ofício em Representação n° 275/92 (aumento abusivo de preço), que teve, no pólo
ativo, o Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro e, no passivo, a Hoechst do Brasil Química e
Farmacêutica S.A.

[ 52 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Por fim, com a promulgação da Lei 8.884/94, deu-se efetividade aos ditames
do artigo 170 da Constituição Federal de 1988, estabelecendo o CADE como
autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, ou seja, com personali-
dade jurídica e autonomia necessárias para o exercício da função e, especial-
mente, com mandato fixo para seus conselheiros.
O CADE é responsável pelo controle da concentração de poder econômico
que resulte da integração de duas ou mais empresas, antes independentes,
visando a compra de participação de mercado, e pela repressão ao abuso do
poder econômico.
“A agência brasileira de política da concorrência aprecia os atos de concen-
tração, definidos como fusão, incorporação ou qualquer forma de agrupamento
societário. Para o conhecimento pelo CADE é necessário que cada uma das empre-
sas ou grupo de empresas participantes possua no mínimo 20% de participação de
mercado ou faturamento igual ou superior a 400 milhões de reais.
Na apreciação do ato de concentração, o CADE procura responder, inicial-
mente, se a operação é potencialmente anticompetitiva, i.e., se limita ou de qual-
quer forma prejudica a livre concorrência. Na hipótese de dano potencial, procura-
se estabelecer eventuais eficiências oferecidas pela operação. Um balanço das efi-
ciências e do dano potencial indica se a operação merece aprovação, com ou sem
condições, ou se deve ser desfeita total ou parcialmente.” 79
O CADE também faz um controle de condutas dos agentes econômicos em
conjunto com a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de
Acompanhamento Econômico (SEAE), que exercem funções auxiliares na defe-
sa da concorrência.
A primeira é responsável por instaurar e conduzir processos administra-
tivos que serão encaminhados para decisão pelo CADE, bem como emitir pare-
ceres nos casos de concentração de poder econômico, já à segunda cabe emitir
pareceres nos casos de concentração de poder econômico e nos processos que
investiguem infração à ordem econômica, em todos os casos os pareceres não
são vinculantes da decisão e devem seguir critérios técnicos.
A Secretaria de Direito Econômico (SDE), ligada diretamente ao Ministério
da Justiça, promoverá, para posterior encaminhamento ao CADE, averiguações
preliminares, de ofício ou por requerimento escrito e fundamentado de qual-
quer interessado, função que no caso de produtos de interesse da saúde também
é exercida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, como veremos adiante.

79
Concorrência e Propriedade Intelectual, FONSECA, Antonio, Curso de Defesa da Concorrência organizado sob
a direção FGV/CADE e realizado no ano de 1997 nas cidades de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, pág. 12.

estudosFEBRAFARMA [ 53 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Após a conclusão das averiguações preliminares, no prazo de 60 dias, o


secretário da SDE determinará a instauração do processo administrativo ou seu
arquivamento, quando os indícios de infração à ordem econômica não forem
suficientes para a instauração de processo administrativo, tendo que recorrer de
ofício ao CADE.
No caso de requisição para a instauração do processo administrativo, este
deverá ser feito em prazo não superior a 8 dias, contados do encerramento
das averiguações preliminares, ou, ainda, do conhecimento do fato ou da
representação.
No capítulo que trata das penas, o artigo 23, da Lei 8.884/94 dispõe que:

“Art. 23 – A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis


às seguintes penas:

I – no caso de empresa, multa de 1 a 30% do valor do faturamento bruto


no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à
vantagem auferida, quando quantificável;

II – no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela


infração cometida por empresa, multa de 10% a 50% do valor daquela aplicá-
vel à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador;”

Nestes dois incisos, conseguimos visualizar que, além de penalizar a empre-


sa responsável pela infração à ordem econômica, seu responsável direta ou indi-
retamente também responde pela infração, independentemente de culpa.
A Lei, no entanto, não é extremista, podendo a qualquer momento do
processo administrativo considerar legítimos os atos de concentração do mer-
cado, desde que estes sejam necessários por motivo preponderante da economia
nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumi-
dor ou usuário final.
A Lei de Defesa da Concorrência considera objetivamente como infração os
atos que objetivem prejudicar a livre concorrência, dominar artificialmente o
mercado relevante, aumentar arbitrariamente os lucros ou exercer posição
dominante de forma abusiva.
A norma contém rol exemplificativo de condutas que configuram as hipóte-
ses acima 80, o aumento abusivo de preços 81, consoante análise de circunstâncias
80
Lei 8.884/94 - Art. 20.
81
E no mesmo sentido é a lei de proteção e defesa do consumidor - Lei 8.078/90, Art. 39, inciso X.

[ 54 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

econômicas e mercadológicas relevantes, especialmente (i) o custo dos


insumos, (ii) alterações do produto, (iii) o preço de produtos e serviços simi-
lares ou sua evolução em mercados relevantes comparáveis, ou (iv) a existência
de ajuste ou acordo que resulte na majoração destes preços;
Importante notar que se o agente econômico conseguir demonstrar a
relação de implicação entre o aumento de preços e qualquer dos fatores men-
cionados nos itens “i” a “iii” estará livre da aplicação de quaisquer penalidades
e no caso do item “iv” estará, automaticamente, sujeito a penalidade se par-
ticipou de ajuste ou acordo para o aumento injustificado de preços.
Também deve ser observado que, conforme a jurisprudência do CADE e da
SDE nos períodos de controle de preços – que como se verá no caso de medica-
mentos foram muitos –, não se pode condenar uma empresa por prática de
preço excessivo ou lucros arbitrários, uma vez que os preços são determinados
pelo próprio Estado, não decorrendo da conduta livre do agente econômico.
Vale como exemplo trecho do voto do relator do Acórdão do Processo
Administrativo n° 75/92, Conselheiro Renault de Freitas Castro, in verbis:
“Tendo em vista todas as manifestações dos órgãos competentes a discutir a
matéria aqui debatida, e todas as provas colhidas durante a instrução processual,
especificamente os esclarecimentos prestados pela empresa acionada, entendo não
caracterizada a conduta imposta à Representada, eis que à época, os preços em
questão estavam sob o controle do Governo Federal.
Com isso, por considerar não configurada infração à Lei 8.884/94, em consonân-
cia com o parecer da Douta Procuradoria do CADE, conheço do recurso de ofício da
SDE para negar-lhe provimento e manter a decisão de arquivamento do feito.”
Desta forma, temos que, atualmente, os laboratórios farmacêuticos não
estão sujeitos à incidência das hipóteses acima citadas, pois estão sujeitos a
controle de preços de seus produtos.
A atuação concertada entre concorrentes caracterizada como “os acordos
celebrados entre empresas concorrentes (que atuam, pois, no mesmo mercado rele-
vante geográfico e material) e que visam neutralizar a concorrência existente
entre” 82, também está sujeita a penalização pelo CADE.
Na obra citada, Paula Forgioni aponta que acordos horizontais são aqueles
celebrados entre agentes econômicos, que atuam em um mesmo mercado rele-
vante (geográfico e material) e estão, portanto, em direta relação de concorrên-
cia. Já os acordos verticais disciplinam relações entre agentes econômicos que

82
FORGIONI, Paula, Os Fundamentos do Antitruste, 1 ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001,
fls. 321/326.

estudosFEBRAFARMA [ 55 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

desenvolvem suas atividades em mercados relevantes diversos, muitas vezes


complementares.
Quando se fala de acordos verticais, em teoria da organização industrial e
na legislação antitruste, lida-se com uma imaginária linha vertical que nos
conduz, através da extração da matéria-prima, das várias fases da produção e
comercialização, até o consumidor final do produto. Assim, à guisa de exemplo,
um acordo celebrado entre uma empresa fabricante do produto e outra dis-
tribuidora é um típico acordo vertical.
Também temos como condutas condenadas pela legislação antitruste: (i) a
realização de venda casada, ou seja, condicionar a compra de um produto ou
serviço a compra de outro, (ii) a imposição de restrições ou condutas a parti-
cipantes da cadeia de venda de produtos ou serviços, bem como discriminação
destes, (iii) a manipulação da oferta ou da procura de bens e serviços, ou recusa
injustificada de fornecimento e a imposição de barreiras artificiais à entrada de
concorrentes em um mercado relevante.
Muito se discute sobre a exclusividade do CADE em fiscalizar o mercado,
porém, é salutar a afirmativa de que esta jurisdição é compartilhada com
outras agências reguladoras, quando referente a um setor específico do merca-
do, como é o caso das Telecomunicações, em que o policiamento é realizado em
conjunto com a ANATEL.
Ainda vale apontar como garantia do Estado Democrático de Direito o arti-
go 15 da Lei 8.884/94, que dispõe: “Esta lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídi-
cas de Direito público ou privado,...”, ou seja, os entes públicos estão tão sub-
metidos aos mandamentos desta Lei quanto os particulares.
No caso específico dos medicamentos, temos fatores que geram o poder de
mercado, como a concentração de mercados relevantes, estimulada pela
existência de grandes barreiras à entrada de novos concorrentes e outros que
agravam o problema econômico do acesso da população aos medicamentos,
como a (i) assimetria de informações, (ii) os problemas de agência e (iii) a
inelasticidade da procura por se tratarem de bens essenciais – que também traz
em si um problema social como já tratamos.
Passemos então a estudar as principais falhas de concorrência do mercado
de medicamentos.

1. Concentração em Mercado Relevante

A concentração em um mercado relevante pode ocorrer como decorrência


(i) da competição, na qual os agentes econômicos obtêm parcelas maiores de

[ 56 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

mercado por seus méritos, (ii) de um monopólio estabelecido pelo sistema


jurídico, (iii) de um monopólio natural, no qual as condições fáticas da explo-
ração de dada atividade econômica são tais que pode existir apenas um agente
explorando a atividade, (iv) através da incorporação de concorrentes ou qual-
quer outra forma de agrupamento de empresas ou (v) da obtenção de controle
de um agente sobre outros de modo que gere um poder de mercado em favor
de um concorrente individual ou coletivamente considerado.
Em resumo, a concentração econômica representa uma folha de estrutura
a inibir os mecanismos decisórios e controladores do mercado. Em um mercado
concentrado, a alta de preços proveniente de um aumento da procura não ne-
cessariamente levará a um aumento da oferta, pelo simples fato de ser mais fácil
para as poucas unidades nele atuantes conluiarem-se e elevarem mais os preços.
Por outro lado, estes poderão também subir, por iniciativas dos vendedores conluia-
dos, sem qualquer relação com uma possível elevação da procura 83.
A concentração de fornecedores em um mercado relevante pode levar a
duas situações conforme o nível de concentração – o monopólio e o oligopólio,
cuja diferenciação dá-se apenas quanto às relações entre os que detêm o poder
de mercado, sem diferenciação quanto aos efeitos desta concentração para o
mercado, conforme se infere da Resolução do CADE nº 20, de 09 de junho de
1999, na qual se definiu cartéis como “acordos explícitos ou tácitos entre concor-
rentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em
torno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial,
na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximos
dos de monopólio”, pelo que as afirmações feitas neste item sobre o monopólio
valem igualmente para o oligopólio.
A concentração de mercado relevante faz com que os detentores do poder
de mercado resultante da concentração possam elevar seus preços com a segu-
rança de não perderem clientela.

Conforme aponta a ex-conselheira do CADE, Neide Terezinha Malard:

1) O cartel orienta suas condutas tanto no sentido horizontal – fixando preços,


dividindo mercados ou promovendo acordos com o objetivo de controlar a ino-
vação de produto, estabelecer prazos de entrega, discriminar preços, unifor-
mizar serviços que podem ser prestados ao consumidor, entre outras práticas;
quanto no sentido vertical – fixando preço de aquisição de matérias-primas ou
83
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, pág. 150.

estudosFEBRAFARMA [ 57 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

serviços, impondo a venda casada, organizando esquemas de distribuição,


dentre outras estratégias;

2) O cartel é um fenômeno coletivo que, embora agindo de forma organizada,


com objetivos claros e bem definidos, não se apresenta nem formal, nem mate-
rialmente estruturado. Trata-se de organização informal e clandestina, san-
cionada pelo ordenamento jurídico positivo como conduta criminosa e danosa
ao interesse público, repugnada pela sociedade, a maior vítima de suas condutas;
(...)
3) Entre os participantes do cartel, nem sempre o jogo é aberto, pois iminente
a suspeita da não adesão e até de eventual traição. Se o cartel funciona na
forma esperada ou acordada por seus organizadores, duas situações devem
ocorrer: vende-se menos e os lucros obtidos são os esperados.” 84

Porém, é importante notar que a atuação concertada de concorrentes pode


se dar dolosamente na forma apontada, o que será caracterizado como cartel e
condenado pela legislação antitruste 85 ou, em mercados com poucos concor-
rentes de peso, se dar pela acomodação dos concorrentes alcançada ao longo do
tempo pela verificação dos lances seqüenciais entre eles na definição de seus
preços, o que não caracteriza o ilícito, porém pode trazer os mesmos efeitos
indesejáveis ainda que em menor grau.
A situação de concentração também pode ocorrer do ponto de vista do
comprador, são os chamados monopsônios e o oligopsônios, situação em que o
poder de compra está nas mãos de um ou poucos agentes econômicos, o que
lhes dá o poder de impor preços e condutas aos vendedores, é o que ocorre, por
exemplo, no caso dos grandes supermercados, mas não no mercado de medica-
mentos apesar de os grandes distribuidores e redes de farmácias estarem, cada
vez mais, concentrando poder de compra nos medicamentos em que há grande
número de fornecedores, o mesmo vem acontecendo com o Estado nas lici-
tações públicas para compras de medicamentos para programas oficiais.
Desta forma, a situação torna-se bastante adversa para os laboratórios

84
MALARD, Neide Terezinha, Estudos Introdutórios de Direito Econômico, 1 ed., Brasília Jurídica,
Brasília, 1997, fls. 65-74.
85
“Para a configuração da infração, é necessário que haja efetivo acordo entre os agentes envolvidos. Não
basta apenas o efeito da padronização de preços e condições de negócios. É indispensável que tenha havido
realmente algum tipo de entendimento entre os empresários com vistas ao tratamento concertado da questão.
Se muitos agentes de certo segmento de mercado praticam preços uniformes ou paritários, mas não estabele-
ceram acordo de nenhum tipo nesse sentido, inexiste concerto e tampouco infração.” COELHO, Fábio U.
Direito Antitruste Brasileiro: Comentários à Lei 8.884/94. 1 ed. Saraiva: São Paulo, 1995, pág. 66.

[ 58 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

farmacêuticos brasileiros, que, em sua maioria, disputam mercados em que há


efetivamente grande concorrência, uma vez que não temos desenvolvimento
nacional de medicamentos inovadores, em que os compradores têm grande
poder de mercado e, portanto, os preços tendem a cair, enquanto os labo-
ratórios estrangeiros estão na maioria das vezes posicionados em mercados de
baixo poder dos compradores, exceção feita aos laboratórios estrangeiros fabri-
cantes de medicamentos genéricos.
Finalmente temos a possibilidade de formação de um duopólio, ou seja,
existe apenas um fornecedor e um comprador em um mercado relevante, nesta
situação estes vão se conluiar para conjuntamente explorar o próximo merca-
do, ou seja, aquele em que o comprador é fornecedor, com melhores resultados
para ambos 86.
É o que efetivamente ocorre com os medicamentos em que o produtor do
princípio ativo ou é do grupo econômico do laboratório farmacêutico ou man-
tém vínculos contratuais com este para a exploração dos compradores do
medicamento, de modo que os esforços dos órgãos regulatórios além de se pre-
ocuparem com os laboratórios, também terão de se preocupar com os fabri-
cantes de matérias-primas farmacêuticas se quiserem obter efetivamente os
resultados que almejam.
A concentração de mercado não é, necessariamente, um mal, na medida em
que pode aumentar a eficiência da economia ao reduzir os custos de transação
(especialmente a concentração vertical) e aumentar o poderio econômico
nacional e o ganho de escala de produção, porém também pode levar a
situações indesejáveis.
No monopólio, o fornecedor poderá impor seu preço aos compradores do
produto para maximizar os seus lucros, uma vez que o cliente não terá a opção
de trocar o fornecedor do produto.
Certamente o aumento poderá ser tal que o comprador simplesmente pare
de adquirir o produto, situação em que o monopolista enfrentará uma queda
86
“Em tese os dois agentes em presença deveriam enfrentar uma situação de absoluto conflito de interesses: o
vendedor tentando obter o Maximo de remuneração por um mínimo de produto oferecido; e, vice-versa, o
comprador tentando conseguir o Maximo de produto com o mínimo dispêndio. No entanto, esse conflito abso-
luto, que mais se aproxima de um impasse, acaba por se resolver via um acordo entre o monopolista e o
monopsonista no sentido de se associarem, com vistas a ambos desfrutarem da posição de monopólio detida
pelo segundo no mercado situado abaixo, isto é, naquele no qual ele, monopolista ou oligopolista. Sim,
porque, em tese, a situação descrita seria a de um insumo de produção único no mundo, disponível apenas
Junto a uma única fonte - uma matéria-prima rara, um processo tecnológico especialíssimo -, insumo esse
passível de ser utilizado apenas por uma unidade produtora. Se esta for a situação, parece claro que esta últi-
ma será por uma vez monopolista na venda de seus produtos ou quando menos uma oligopolista, admitin-
do a existência de sucedâneos para estes.” NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito
Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, págs. 272-273.

estudosFEBRAFARMA [ 59 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

em seu faturamento e, portanto, em seu lucro em valores absolutos, o que o


levaria a não adotar esta estratégia 87.
Assim, por força de seu poder de mercado, o monopolista sempre poderá
optar por reconstituir seus lucros simplesmente aumentando os preços para os
consumidores que não perdeu, até o limite em que comece novamente a perder
clientes em um círculo vicioso, criando assim cada vez maiores barreiras ao
acesso dos consumidores aos seus produtos, situação calamitosa para os produ-
tos objeto do nosso estudo por conta de sua relevância social.
“A ineficiência alocativa surge diretamente do exercício do poder de
monopólio, ou seja, do fato de o preço ser superior ao custo marginal. Isso faz com
que o consumo seja inferior àquele que seria socialmente desejado, de tal modo que
se abre espaço para a intervenção do Estado, no sentido de promover a concorrên-
cia e corrigir essa distorção. Mais importante ainda é a ineficiência produtiva, que
se refere a perda de motivação por parte da firma que desfruta de lucros elevados,
refletindo-se em um pequeno esforço gerencial e produtivo. Sobre isso, o ilustre
economista John Hicks diz que ‘o pior custo dos monopólios é a preguiça dos
gerentes’. A concorrência inibe diretamente esse tipo de ineficiência ao pressionar a
empresa a lutar pela sua sobrevivência. Uma ação do governo no sentido de pro-
mover a concorrência pode, portanto, ser benéfica também nesse caso. Finalmente
a ausência de concorrência pode implicar ineficiência dinâmica, uma vez que as
firmas se vêem menos estimuladas a promover investimentos em capacitação
tecnológica. A concorrência é o grande motor da busca de novos produtos, novos
mercados e novos processos produtivos. Sem concorrência o estímulo à atividade
inovativa vê-se diminuído.” 88
Voltando ao conceito de concorrência monopolística, verifica-se que é o que
ocorre com os produtos líderes de mercado, pois parte dos consumidores age
como se estes não pudessem ser substituídos, o que leva o monopolista “virtual” 89

87
“Note-se que, contrariamente ao sucedido no regime de concorrência perfeita para o monopolista, a curva
de procura não é horizontal, isto é, de elasticidade infinita. Para o monopolista a curva de procura é a curva
de procura do mercado, já que ele concentra em si o atendimento de todo o mercado. Logo, enquanto a única
maneira de o vendedor, em concorrência perfeita, aumentar a sua receita é jogar maior quantidade no mer-
cado, o vendedor monopolista não necessariamente procederá assim, muito embora possa também levar a sua
produção até o ponto em que o custo marginal iguale o preço. Isto não significa ser o hedonismo do mono-
polista, o seu desejo de lucros, maior do que o vendedor em concorrência perfeita. A única diferença é ter o
primeiro condições de fabricar este lucro, pela situação por ele ocupada no mercado, que, no caso, deixa de ser
uma estrutura de controle automático como na concorrência pura. A rigor, no monopólio deixa de existir o
preço de mercado, pois ele será, em boa medida, uma decisão do monopolista.” NUSDEO, F. Curso de
Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 269.
88
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 215.
89
Palavra usada como contraposta a real, já que o monopólio não decorre da real comparação entre os
produtos mas sim da percepção que o consumidor tem destes.

[ 60 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

a aumentar seus preços para manter seu lucro absoluto, pelo aumento de sua
margem de lucro, apesar da diminuição do número de unidades vendidas, pois
parte dos consumidores está disposta a trocar o produto pelo seu similar mais
barato; o efeito pode ser verificado quando há perda de patente, portanto de
monopólio legal, pelo laboratório farmacêutico, restando-lhe apenas o que
chamamos de monopólio “virtual” 90.
No caso específico dos medicamentos, “os resultados das regressões reali-
zadas indicam que os preços dos medicamentos líderes sobem mais quanto maior
for a taxa de crescimento dos salários do setor. Os aumentos de preços também são
maiores quando o líder está perdendo participação no mercado para substitutos
genéricos ou similares, o que revela, à semelhança do observado por Frank e
Salkever (1995) nos Estados Unidos, que os líderes preferem se voltar para um seg-
mento de mercado menos elástico a preço – aquele que reluta mais em substituir a
marca pioneira por um similar.
Os resultados obtidos contradizem a usual intuição de que a entrada de novos
concorrentes deve resultar em uma redução dos preços cobrados pelas firmas
líderes. Nossas estimativas apontam justamente o oposto: em consonância com
estudos empíricos efetuados em países desenvolvidos, estimamos que os preços de
medicamentos líderes reagem positivamente ao avanço de medicamentos similares
no mercado; como reverso da moeda, o nível médio dos preços dos genéricos ou
similares tende a baixar e sua dispersão em relação ao preço do líder tende a subir
quando há um acirramento da concorrência na franja.” 91
Outro aspecto importante dos monopólios é observar a conduta do mono-
polista diante da entrada de um novo concorrente em seu mercado relevante,
considerando que estaremos diante de um jogo de dois jogadores, monopolista
versus desafiante, não-cooperativo e seqüencial (portanto de informação completa).

90
“A diferenciação do produto pode ser objetiva, no caso do seu acabamento ou da sua apresentação variarem,
como, também, pode ser subjetiva, quando via propaganda ou outro veículo qualquer se induzir o consumi-
dor a acreditar que determinado produto ou serviço lhe atendam melhor a necessidade sentida ou criada.
Aliás, os símbolos, marcas, patentes, logotipos e outros veículos usados pela propaganda e pela promoção têm
desempenhado um papel fundamental no processo de diferenciação de produtos e de discriminação de mer-
cados. Essa crença, tão ciosamente instilada nos consumidores pelos veículos da publicidade, dá origem à
chamada procura viscosa - objeto de todo concorrente imperfeito -, que vem a ser aquela procura grudenta
que sob várias formas se apega a determinados fornecedores, circulando de um para outro morosa e dificul-
tosamente. Estabelece-se uma espécie de afeição comercial entre alguns clientes e os seus fornecedores, em
função do tipo de atendimento, da decoração do estabelecimento, das características do produto, diferenciadas
em função dessa viscosidade, no fundo um conjunto de características psicoculturais próprias a grupos distin-
tos de consumidores.” NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pág. 266.
91
)].” FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo
Econométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 07.

estudosFEBRAFARMA [ 61 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Dadas estas regras teremos que, após a decisão do desafiante de entrar no


mercado relevante, o monopolista poderá:

a) Não tomar nenhuma atitude contra o desafiante e, como apontado acima,


decidir explorar apenas parte do mercado;

b) Iniciar uma guerra de marketing contra o desafiante, tentando bloquear


a entrada deste, através de campanhas publicitárias, descontos para inter-
mediários etc.

Na primeira opção o monopolista mantém em grande parte seu lucro


bruto, com certeza maior que o do desafiante, pois aproveitará tanto do aspecto
monopolístico de seu produto, quanto da intercambialidade viscosa, porém
corre o risco de ao longo do tempo (i) perder cada vez mais participação de
mercado para o desafiante e (ii) ter novos concorrentes que se sentirão encora-
jados pelo sucesso do desafiante.
Na segunda opção o monopolista provavelmente terá uma diminuição de seu
lucro bruto, e também de sua margem de lucro, pois arcará com os custos da guer-
ra, porém com o passar do tempo poderá manter grande parte de sua participação
no mercado, bem como até conseguir obter a retirada do desafio, pois o desafiante
não conseguirá suportar os custos da guerra; obviamente não estamos consideran-
do a hipótese de dumping, mas apenas a competição lícita entre os jogadores.
A situação torna-se mais complexa quando se verifica que o poder
econômico do monopolista pode ser maior que o do desafiante, de modo que
este pode suportar por muito mais tempo a guerra de marketing, o que ocorre,
por exemplo, em disputas entre empresas nacionais e multinacionais, pois
quando a empresa multinacional é o monopolista, o peso do lucro ou prejuízo
em um determinado país acaba diluído no total de seu faturamento mundial,
de modo que seu fôlego para a disputa será praticamente infinito, especial-
mente se a avaliação do valor de suas ações levar em conta não só o lucro pre-
sente, mas também sua participação de mercado, que possa causar impacto na
remuneração dos acionistas em longo prazo.
Finalmente temos o aspecto intersetorial do monopólio, especialmente em
bem essencial, posto que “o detentor de quantidade relevante de poder econômi-
co é capaz de, maximizando seus lucros, apropriar-se de parcela da renda social
superior a que legitimamente lhe tocaria, se fosse desprovido desse poder. O poder
econômico, assim, pode subverter a correta distribuição da renda social.” 92
92
BRUNA, Sérgio V. O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu Exercício. 1 ed. São Paulo:
RT, 1997, pág. 171.

[ 62 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

2. Barreiras à Entrada de Novos Concorrentes

Em um mercado de concorrência perfeita, ainda que ocorra a concen-


tração de poder de mercado, este se diluirá pelo efeito gerado pelo pró-
prio ciclo de aumentos de preços, que poderá gerar o interesse de agentes
fora deste mercado em convergir para o mesmo, preterindo outros inves-
timentos em troca deste mais lucrativo, o que, em tese, levaria a um
retorno da competição 93.
Contudo, podem existir barreiras que impeçam a entrada destes novos
concorrentes no mercado específico, exigindo destes novos concorrentes um
grande investimento, bem como um baixo resultado inicial, ou que retardem
sua entrada no mercado, garantindo uma dianteira suficiente aos que lá já se
encontram para o reforço de sua posição perante os consumidores, os canais de
distribuição ou os vendedores de insumos necessários.
As barreiras à entrada podem ser definidas, ainda, como os custos em que
um concorrente potencial deve incorrer, em desvantagem aos concorrentes já atu-
antes naquele mercado. Podem constituir barreiras à entrada, nesse sentido, as
economias de escala determinantes de uma produção eficiente, a diferenciação de
produtos, a integração vertical, as fontes de suprimentos de fatores de produção e
complexidade das redes de distribuição – entre os outros fatores que, de forma
efetiva, desestimulem a entrada de novos concorrentes ainda quando os agentes já
instalados aufiram lucros acima do nível competitivo 94.
No caso dos medicamentos, as principais barreiras à entrada serão (i) requi-
sitos e autorizações sanitárias e (ii) patentes que estabelecem o monopólio legal
de exploração do produto pelo seu detentor, que além de acumular os lucros do
período de sua vigência, gozará de maior prestígio perante os consumidores, por
ter sido o pioneiro em seu lançamento e por ser mais tradicional.
93
“Para que uma situação como esta perdure no tempo, com equilíbrio estável, sem que novas firmas sejam
atraídas pelos lucros de monopólio existentes, é necessário que existam barreiras à entrada. Essas barreiras
são custos em que uma empresa entrante tem de incorrer, mas as que já estão instaladas não. Estas podem ser
de natureza tecnológica, como domínio de marcas, patentes e Know-how, devido a restrições de suprimentos,
como Direito de lavra de minérios, ou ainda devido à conquista das preferências dos consumidores, obtidos
por meio de propaganda ou da simples antigüidade de uma marca. Existem, contudo, barreiras à entrada
que são resultados de ações estratégicas das firmas dominantes para expulsar as menores ou para impedir a
entrada de novos concorrentes. Guerras de propagandas têm muitas vezes esse objetivo, ao imporem aos
competidores menores o ônus de responder apenas a uma campanha apenas para manter a participação no
mercado. Da mesma forma, as várias campanhas publicitárias ao longo do tempo ajudam a estabelecer e a
fixar a reputação da empresa. Para a empresa atraente, e sem reputação estabelecida, o esforço e os custos de
propaganda e fixação de reputação serão maiores do que as que já operam.” PINHO, D.B. e VASCONCELOS,
M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 234 e 235.
94
NUSDEO, Ana Maria O. Defesa da Concorrência e Globalização Econômica: o Controle da
Concentração de Empresas. 1 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, pág. 29.

estudosFEBRAFARMA [ 63 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

a. Barreiras Sanitárias

Como dito no item em que tratamos da ANVISA, os laboratórios farmacêu-


ticos só podem operar após a obtenção de (i) autorização de funcionamento da
pessoa jurídica expedida pela própria ANVISA, (ii) licença de funcionamento
de cada estabelecimento expedida pela Secretaria de Vigilância Sanitária
Estadual ou Municipal se o serviço estiver municipalizado e (iii) certificado de
boas práticas de fabricação.
A emissão de tais autorizações depende de investimentos nas instalações
físicas, treinamento de pessoal e validação de processos destes agentes
econômicos. Ressalte-se que para se atingir os requisitos sanitários de fabri-
cação, armazenamento e comercialização de medicamentos, tem-se um
longo período de tramitação até sua emissão e são seqüenciais, ou seja, um é
pré-requisito do outro.
Estes requisitos pré-operacionais, por si só, geram uma barreira à entrada
de novos concorrentes, tanto por conta dos investimentos necessários, que
obviamente devem ser feitos antes da solicitação das licenças e autorizações, já
que as condições reais de operação devem estar presentes quando da realização
de vistorias para sua emissão, quanto por conta do próprio tempo que leva para
uma nova empresa obtê-los.
Quanto aos medicamentos em si, portanto, quanto aos mercados relevantes
especificamente, a entrada somente se dará após o registro do referido medica-
mento pela ANVISA, que avaliará sua segurança e eficácia, processo também
custoso e demorado.
Desta forma, embora tais cautelas sejam imperativas para a segurança da
população, estas representam uma grande barreira financeira e temporal para a
entrada de novos fornecedores em um mercado relevante, de modo que quan-
to mais demorado o processo maior será esta barreira, o que acaba por garan-
tir menos concorrência para aqueles que já estão no mercado relevante e que,
portanto, poderão praticar preços mais altos.
A estratégia adotada pelos governos do mundo todo para diminuir o
impacto da questão é exigir que os medicamentos similares ou genéricos apre-
sentem apenas estudos que demonstrem sua intercambialidade (do ponto de
vista técnico-sanitário) com o medicamento inovador, de modo que reduza o
lapso temporal para a entrada de novos concorrentes.

[ 64 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

b. Patentes

A pesquisa e o desenvolvimento para elaboração de novos produtos


requerem grandes investimentos; assim, para estimular investimentos na
atividade inventiva as descobertas passíveis de exploração industrial são
protegidas por patentes que garantem proteção na exploração de seu objeto
através do estabelecimento de um monopólio, prevenindo que competidores
copiem e vendam esse produto por um preço mais baixo, uma vez que eles
não foram onerados com os custos da pesquisa e desenvolvimento do
produto. A proteção conferida pela patente é, portanto, um valioso e im-
prescindível instrumento para que a invenção e a criação industrializável
tornem-se um investimento rentável.
Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou
modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou
outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de Direitos sobre a criação. Em
contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo
técnico da matéria protegida pela patente.
Durante o prazo de vigência da patente, o titular tem o Direito de excluir
terceiros, sem sua prévia autorização, de atos relativos à matéria protegida, tais
como fabricação, comercialização, importação, uso, venda, etc.
Neste sentido, a obtenção da patente faz com que a firma inovadora possa,
no período de sua vigência, deter o monopólio do produto que, na falta de
outros intercambiáveis, lhe dará o monopólio daquele mercado relevante ou
ainda condições para agir de forma monopolística em relação aos consumi-
dores que não percebem a referida intercambialidade.
A detenção de mercado em monopólio por um largo prazo, aliada com a
característica de ser o primeiro a lançar o produto, ainda faz com que haja
tamanha fixação da marca do produto na mente do consumidor, que os
entrantes no mercado após a expiração da patente terão de se valer de preços
muito mais baixos, com intensa e custosa campanha de marketing para obter
uma parcela de mercado do líder, em decorrência do que se pode chamar de
intercambialidade viscosa, ou seja, os compradores custam a realizar a troca –
os que a fazem.
Para o melhor entendimento dos aspectos por trás dos recentes debates
travados sobre o tema das patentes de medicamentos, é importante mencionar
a evolução histórica do tema no Brasil, para ressaltar o porquê de apenas em
período recente a questão ter se tornado tão evidente no Brasil.

estudosFEBRAFARMA [ 65 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Através do Alvará do Príncipe Regente de 28/04/1809, o Brasil foi o quinto


País do mundo a conceder privilégios de exploração aos inventores. Em 1884,
com outros 13 países, o Brasil adere à Convenção de Paris 95, sendo que os pro-
dutos na área farmacêutica deixaram de ser patenteáveis no Brasil em 1945 96, e
seus processos de obtenção em 1969 97.
A disciplina nacional de protecionismo através da não concessão de
patentes em áreas consideradas estratégicas pelo governo militar foi mantida na
Lei 5.772/71, que também não concedia privilégios às invenções relativas aos
medicamentos e seus insumos:

Lei 5.772/71
Art. 9 – Não são privilegiáveis:

b) As substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos


químicos, ressalvando-se, porém, a privilegiabilidade dos respectivos
processos de obtenção ou modificação;

c) As substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-


farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respec-
tivos processos de obtenção ou modificação.

Conforme compromisso assumido pelo Governo Brasileiro na Rodada


Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, cuja Ata Final de
Resultados foi assinada em Marrakesh em 12/04/94, depositada pelo Brasil em
Genebra em 21/12/94 (devendo, portanto, entrar em vigor no Brasil em
01/01/95), o Brasil promulgou o Decreto 1.355/94 que ia de encontro ao Código
de Propriedade Industrial vigente à época, determinando a concessão de pri-
vilégio a todo e qualquer invento:

Decreto 1.355/94
Art. 27 – Matéria Patenteável

1 – Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção

95
Convenção de Paris de 20/03/1883, revista em: Bruxelas 14/12/1900, Washington 02/06/1911, Haia
06/11/1925, Londres 02/06/1934, Lisboa 31/10/1958 e Estocolmo 14/07/1967, internada pelo Decreto
75.572/75 com a revisão de Haia e com as alterações da revisão de Estocolmo pelo Decreto 1.263/92 (sempre
promulgados com restrições regimentalmente permitidas).
96
Decreto-lei. nº 7.903/45.
97
Decreto-lei nº 1.005/69.

[ 66 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será paten-


teável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de
aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4º do Artigo 65,
no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3º deste artigo, as patentes serão
disponíveis e os Direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação
quanto ao local de invenção, quanto ao seu setor tecnológico e quanto ao
fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

2 – Os membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja


exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem
pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana,
animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde
que esta determinação não seja feita apenas por que a exploração é proibi-
da por sua legislação.

3 – Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:

a) Métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de


seres humanos ou de animais;

b) Plantas e animais, exceto microorganismos e processos essencialmente


biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os proces-
sos não biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros conce-
derão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por
meio de um sistema sui generis eficaz, seja por uma combinação de ambos.
O disposto neste subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em
vigor do Acordo Constitutivo da OMC.

Com vigência para o Brasil, para as áreas de produtos químicos e produtos


e processos relativos a medicamentos e seus insumos, apenas a partir de
31/12/1999:

Decreto 1.355/94
Art. 65 – Disposições Transitórias

4 – Na medida em que um país em desenvolvimento Membro esteja obri-


gado pelo presente Acordo a estender proteção patentária de produtos a
setores tecnológicos que não protegia em seu território na data geral de

estudosFEBRAFARMA [ 67 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

aplicação do presente Acordo, conforme estabelecido no parágrafo 2º, ele


poderá adiar a aplicação das disposições sobre patentes de produtos da
Seção 5 da Parte II para tais setores tecnológicos por um prazo adicional de
cinco anos.

Apesar de ter aceitado e internado a TRIPS e, conseqüentemente, ser obri-


gado a reger a matéria de propriedade industrial de acordo com a mesma, no
que nos interessa (medicamentos etc...) a partir de 31/12/99, o Brasil editou um
novo código de Propriedade Industrial 98 que previa (i) a patenteabilidade dos
produtos em questão e (ii) uma regra de transição para os produtos agora
patenteáveis que não o eram 99, mas que já haviam sido patenteados no Exterior,
conhecida como pipeline:

Lei 9.279/96

Art. 229 – Aos pedidos em andamento serão aplicadas as disposições desta Lei,
exceto quanto à patenteabilidade das substâncias, matérias ou produtos obti-
dos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou
produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer
espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, que
só serão privilegiáveis nas condições estabelecidas nos artigos 230 e 231.

Art. 230 – Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias,


matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substân-
cias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e
medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de
obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou
convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósi-
to no Exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer
mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consenti-
mento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos
preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.

§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da


publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no Exterior.
98
Com vigência a partir de 15/05/97.
99
Na medida em que a TRIPS ainda não estava em vigor e o antigo Código de Propriedade Industrial não
lhes conferia o privilégio.

[ 68 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automati-


camente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se,
no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput
deste artigo.

§ 3º Respeitados os artigos 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as


condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente
no país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no
Brasil, tal como concedida no país de origem.

§ 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo


remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido,
contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no arti-
go 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.

§ 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo


às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos
químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios,
químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os
respectivos processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novo
pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de
desistência do pedido em andamento.

§ 6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, ao pedido deposi-


tado e à patente concedida com base neste artigo.

Art. 231 – Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de


que trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no país,
ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto
não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do ti-
tular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados,
por terceiros, no país, sérios e efetivos preparativos para a exploração do
objeto do pedido.

§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da


publicação desta Lei.

§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será processado


nos termos desta Lei.

estudosFEBRAFARMA [ 69 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

§ 3º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo


remanescente de proteção de 20 (vinte) anos contado da data da divulgação
do invento, a partir do depósito no Brasil.

§ 4º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às


matérias de que trata o artigo anterior, poderá apresentar novo pedido, no
prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência
do pedido em andamento.

Esta regra de transição foi criada para evitar injustiças para com os inventores
que poderiam ser protegidos pela patente de seus produtos, pois ainda estariam
em vigência seus privilégios caso o Brasil não os incluísse no rol dos não paten-
teáveis e resumidamente impunha os seguintes requisitos para sua utilização:

1) A desistência dos pedidos realizados antes de sua vigência;

2) O protocolamento de novos pedidos até 15/05/98;

3) Que não houvesse a exploração dos produtos no Brasil ou investimentos


para tanto;

4) Que o produto não houvesse sido lançado em outros mercados.

Ocorre que as normas relativas às patentes de medicamentos e insumos far-


macêuticos e veterinários foram novamente alteradas pela Medida Provisória
2.014 de 30/12/99, convertida na Lei 10.196/2001, especialmente no que diz
respeito aos seus efeitos para os que produzem e comercializam substâncias,
matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos ou substâncias,
matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medica-
mentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou
modificação, cujos depositantes não tenham exercido a faculdade prevista nos
artigos 230 e 231 da Lei 9.279/96.

Em síntese, a referida norma alterou radicalmente a regra de transição pre-


vista no pipeline para os produtos em questão, determinando que:

1) Os pedidos depositados até 31/12/94 serão indeferidos;

2) Os pedidos protocolados após 31/12/94 até o início da vigência do Novo

[ 70 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Código de Propriedade Industrial 100 serão analisados segundo os critérios


deste, exceto quanto aos pedidos de patente de processo que serão indeferi-
dos, portanto impondo a retroatividade do Novo Código de Propriedade
Industrial desde 01/01/95;

3) A concessão de patentes de produtos e processos farmacêuticos depen-


derá da prévia anuência da ANVISA, sem, contudo haver qualquer esclare-
cimento na lei quanto ao conteúdo desta análise que poderia (i) dizer
respeito pura e simplesmente à regularidade do processo administrativo de
concessão da patente, (ii) dizer respeito à inexistência de inovação do
pedido, posto que a ANVISA tem o cadastro de todos os medicamentos
vendidos no Brasil, ou (iii) dizer respeito à segurança do produto, o que evi-
dentemente teria mero caráter informativo na medida em que este não é
um critério para a concessão de patente.

Houve grandes debates sobre o tema, discorrendo sobre conflitos entre a


Trips e a legislação brasileira, todavia parece-nos inexistir razão para a celeuma,
uma vez que todos os veículos legislativos utilizados são hierarquicamente
equivalentes, de modo que se aplica sempre o posterior, desta forma tivemos a
substituição da Lei 5.772/71, pelo Decreto 1.355/94, pela Lei 9.729/96 e, final-
mente, pela Medida Provisória 2.014/99, convertida na Lei 10.196/2001, não
havendo que se falar em conflito de normas, especialmente no que toca a Lei
9.729/96 (pipeline) e o Decreto 1.355/94, não tendo o segundo criado Direitos
adquiridos ou expectativa de Direitos, porque jamais entrou em vigor, pois foi
substituído pela primeira.
Ademais, os Direitos dos requerentes das patentes são gerados no momen-
to do protocolo, uma vez que se aplica a legislação vigente neste momento,
ressaltando-se a inconstitucionalidade da retroatividade instituída pela MP
2.014/99, convertida na Lei 10.196/2001.
Por fim, aqueles que produziam e utilizavam os produtos que pas-
saram a ser patenteáveis, ainda que se aceite a aplicação retroativa da Lei
9.279/96, poderão continuar a fazê-lo nos termos dos artigos 232 e 45
desta, uma vez que não foram alterados ou revogados pela MP 2.014/99,
convertida na Lei 10.196/2001.

100
Que admite o patenteamento dos referidos produtos.

estudosFEBRAFARMA [ 71 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Lei 9.279/96

Art. 45 – À pessoa de boa fé que, antes da data de depósito ou de prioridade


de pedido de patente, explorava seu objeto no país, será assegurado o Direito
de continuar a exploração, sem ônus, na forma e condição anteriores.

§ 1º O Direito conferido na forma deste artigo só poderá ser cedido junta-


mente com o negócio ou empresa, ou parte desta que tenha direta relação
com a exploração do objeto da patente, por alienação ou arrendamento.

§ 2º O Direito de que trata este artigo não será assegurado a pessoa que
tenha tido conhecimento do objeto da patente através de divulgação na
forma do artigo 12, desde que o pedido tenha sido depositado no prazo de
1 (um) ano, contado da divulgação.

Art. 232 – A produção ou utilização, nos termos da legislação anterior,


de substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos
químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios,
químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os
respectivos processos de obtenção ou modificação, mesmo que protegidos
por patente de produto ou processo em outro país, de conformidade com
tratado ou convenção em vigor no Brasil, poderão continuar, nas mesmas
condições anteriores à aprovação desta Lei.

§ 1º Não será admitida qualquer cobrança retroativa ou futura, de qualquer


valor, a qualquer título, relativa a produtos produzidos ou processos utiliza-
dos no Brasil em conformidade com este artigo.

§ 2º Não será igualmente admitida cobrança nos termos do parágrafo


anterior, caso, no período anterior à entrada em vigência desta Lei, tenham
sido realizados investimentos significativos para a exploração de produto
ou de processo referidos neste artigo, mesmo que protegidos por patente de
produto ou de processo em outro país.

É importante notar que o privilégio garantido pela patente, de forma análo-


ga aos entendimentos relativos a função social da propriedade – até por poder
ser interpretada como a propriedade de um bem móvel – é entendido nos dias
de hoje como uma concessão dada pela sociedade para viabilizar o financia-

[ 72 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

mento do avanço científico que possa gerar benefícios para a própria sociedade,
não podendo haver o abuso deste Direito por parte de seu detentor.
“A nova Lei de Proteção da Propriedade Industrial contém várias disposições
que merecem atenção. Consagra-se a exaustão de Direitos (art. 43-IV e 68 §§ 3º e
4º). Admite-se a cláusula de grantback (art. 63). Admite-se a licença compulsória
sem exclusividade por abuso dos Direitos decorrentes da patente (misuse), por
abuso de poder econômico, por falta injustificada de exploração ou atendimento
insuficiente da demanda, em caso de dependência de patentes e em razão de
emergência nacional ou interesse público (arts. 68 a 72)” 101.
Essas medidas são voltadas a impedir que o detentor do monopólio legal o
use de modo a prejudicar a sociedade ao invés de favorecê-la, solução equiva-
lente foi dada pela Lei de Cultivares 102, que em certo sentido andou melhor, pois
atribui a competência para conceder a licença compulsória ao CADE, que é um
órgão mais aparelhado para tratar de questões de abuso de poder econômico,
que afinal é a hipótese também do abuso de Direito patentário apesar de se
tratar de um poder econômico criado por um privilégio legal.
Para evitar que o detentor da patente pudesse gozar de um período maior
de monopólio do que o da própria patente, decorrente do tempo em que os
novos competidores pudessem levar para obter o registro de produto genérico
ou similar, as autoridades brasileiras não vedam o registro de produto patentea-
do, por entenderem que (i) o registro tem como critério as características do
produto e não sua possibilidade de comercialização e (ii) que a patente confere
Direito individual ao seu titular, que terá de defender seu Direito com os meios
que a Lei de patentes lhe garante.
Ademais, os medicamentos concorrentes, genéricos e similares não pre-
cisam realizar todos os testes realizados pelo medicamento original, de modo
que seu registro deveria ocorrer em prazo mais curto.
Já nos Estados Unidos da América e na Europa a tônica da discussão foi
diferente, o grande debate se deu por conta da perda de uma parte do prazo de
gozo do monopólio legal em decorrência do tempo de desenvolvimento dos
testes de segurança e da demora no registro dos medicamentos, criando uma
diferença entre o prazo formal de patente e seu prazo real, aquele que efetiva-
mente é aproveitado economicamente pelo seu detentor, apesar de lá igual-
mente haver uma extensão do prazo de monopólio decorrente da demora no
registro dos produtos genéricos.

101
FONSECA, Antonio, ob. Cit. pág. 6.
102
Lei 9.456/97 - Art. 28.

estudosFEBRAFARMA [ 73 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Nos Estados Unidos da América foi editada a Lei Waxman-Hatch, que


através de uma forma de cálculo complexo estende o prazo da patente propor-
cionalmente ao prazo para o registro do produto e, por outro lado, liberou os
medicamentos genéricos de realizarem todos os testes realizados pelo medica-
mento inovador, devendo simplesmente passar pelo teste de bioequivalência.
Na Europa, cada país criou, através de legislação própria, um certificado de
extensão de patente. A questão ainda está sendo harmonizada no âmbito da
Comunidade Econômica Européia, uma vez que mesmo países que não adotam
uma lei própria sobre o tema ainda divergem quanto à interpretação das nor-
mas do bloco.
Finalmente, é importante notar que, através de contratos relativos a pro-
priedade industrial, também é possível a concentração de poder econômico,
como por exemplo, no contrato de licenciamento, contratos com cláusula de não
concorrência ou de exclusividade, com o mesmo perfil das fusões e aquisições.
Embora tais contratos devam ser registrados no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial, não se verifica a preocupação com os aspectos concor-
renciais dos ajustes, de modo que também é importante a criação de normas de
controle preventivo de efeitos danosos decorrentes de práticas abusivas através
de tais contratos nos mesmos moldes das normas de controle das concentrações.

3. Assimetria das Informações

Em uma análise simplificadora, podemos entender que a definição do preço


de um determinado produto dá-se através da negociação entre vendedor e com-
prador, ou no jogo do mercado, no equilíbrio alcançado entre os compradores
e vendedores, com relação a este preço.
Portanto, o preço será uma função do valor que o comprador dá ao produto
versus o quanto o vendedor pretende lucrar com a operação, ou seja, o quanto
ele está disposto a reduzir o preço para não perder a venda.
Desta forma, partindo do pressuposto que o vendedor tem uma expectativa
firme e fundamentalmente formada sobre o quanto pretende ter de lucro no
produto, será fundamental para a negociação que o consumidor tenha condições
de avaliar o produto, ou seja, tenha informações suficientes sobre o produto e os
preços de mercado para formar sua percepção do valor do produto.
“Classicamente, havia a crença de os preços conterem em si a informação
relevante essencial para os agentes interessados, pois seria o sinal inconfundível
da escassez ou da abundância, conforme subissem ou baixassem. Tal escassez ou

[ 74 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

abundância estariam refletidas nos preços não apenas a cada momento, quanto às
condições presentes, mas em sua potencialidade, isto é, no tocante às perspectivas
futuras. Assim, muito embora num dado momento o suprimento de café pudesse
estar em seu normal ou até acima, a notícia de uma geada numa grande região
produtora determinaria, muito provavelmente, uma alta de seus preços ante a pers-
pectiva de escassez na próxima safra. Será possível, porém, que logo num primeiro
momento esta notícia não se dissemine e apenas alguns poucos a tenham. Estes,
hedonisticamente, expandirão as suas compras do produto para se locupletarem com
a futura alta, à custa dos demais que, inadvertidamente, se desfizeram do mesmo.
Note-se, ainda, ser também um pressuposto ligado ao ora em exame a perfeita
identificação dos produtos e de suas qualidade ou atributos por parte dos
adquirentes, donde haver um preço para cada tipo de produto, ainda quando não
passem de simples diferenciações do mesmo bem.” 103
No mundo do consumo de massas, normalmente, o consumidor não tem
acesso às informações do produto e muito menos tem condições de entendê-las
e traduzi-las em valor, o que gera a falha de mercado denominada assimetria
da informação, ou seja, o nível de informação que o vendedor tem do produto
é superior ao detido pelo consumidor, como por exemplo expressamente
reconhecido pelo Código de Defesa do Consumidor.
A determinação do valor do produto também passa pelo conceito de utili-
dade total, utilidade que uma única unidade do bem tem para o consumidor, e
utilidade marginal, utilidade que o consumidor terá com unidades adicionais
do produto, porém, não sendo um fator relativo à concorrência no mercado
como um todo, mas sim ao comportamento do consumidor, não vamos nos
deter na questão, embora certamente ela seja pertinente no mundo real.
O que nos interessa é o aspecto da intercambialidade, por sua influência na
concorrência existente no mercado. Como já dito, para ocorrer a intercambia-
lidade o consumidor tem de perceber os produtos como intercambiáveis, vale
dizer, o consumidor precisa pelo menos ter informação que o permita saber que
um produto pode ser trocado pelo outro com a mesma eficácia e segurança.
Quando isto não ocorre temos a concorrência monopolística e a intercam-
bialidade viscosa em favor de um agente econômico conforme já esclarecemos.
Podemos classificar os bens em: (i) bens de busca, cujas informações são co-
nhecidas pelo consumidor antes da compra, (ii) bens de experiência, quando o con-
sumidor somente conhecerá a qualidade do bem após a compra e (iii) bens creden-
ciais, somente um profissional especializado pode conhecer suas características.
103
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, págs. 143 e 144.

estudosFEBRAFARMA [ 75 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Diante dessa classificação temos que os medicamentos são bens credenciais,


já que os pacientes não têm condições de conhecer as características dos produ-
tos mesmo após o seu consumo 104, apenas os médicos têm esta condição, de modo
que no mercado farmacêutico a assimetria da informação é um dado extrema-
mente relevante que aumenta em muito o poder de mercado das empresas já esta-
belecidas, crescente em proporção a novidade e complexidade do produto.
Um dado da realidade atual é que mesmo os médicos sofrem com a assime-
tria da informação, pois não conseguem estar continuamente atualizados sobre
os avanços da indústria farmacêutica. Em sua maioria, o acesso dos médicos às
informações sobre medicamentos dá-se através dos propagandistas dos labo-
ratórios farmacêuticos, que continuamente os visitam trazendo informações
tendentes a prescrição dos produtos que representam 105.
104
“A assimetria de informações é outra característica importante do mercado farmacêutico. No caso dos
medicamentos éticos, é o médico que prescreve o medicamento, restando ao paciente a decisão de comprá-lo
ou não, já que não consta da receita referência à denominação genérica do produto. Esse fato confere ao la-
boratório um poder de mercado muito grande, mesmo nos casos em que possa haver uma opção idêntica à do
medicamento receitado.” Relatório da CPI dos Medicamentos – Título II.
105
“Os medicamentos éticos encaixam-se perfeitamente na categoria de bens credenciais. Sua venda depende da
apresentação de uma prescrição médica. O profissional médico, que é o tomador da decisão de escolha do
medicamento, depara-se com um conjunto crescente de substâncias ativas, cuja eficácia e segurança não são co-
nhecidas por ele. Sua escolha é condicionada por uma série de fatores [Hemminki, apud Pepe e Veras (1995)]:
1. Fatores condicionantes: 1.1. as tradições e a educação da população moldam as expectativas dos pacientes e a visão
do médico; 1.2. o ensino médico e o pensamento profissional determinam o uso dos serviços médicos e definem o con-
ceito de saúde/doença; 1.3. a política pública e a distribuição da renda em cada país afetam a disponibilidade de
profissionais e o acesso a medicamentos; e 1.4. o poder e a vitalidade da indústria farmacêutica. 2. Fatores que influ-
enciam individualmente os profissionais: 2.1. as demandas e expectativas da sociedade; 2.2. a influência da indústria
farmacêutica e os resultados de pesquisas na área; e 2.3. as medidas regulatórias e de controle impostas pelas autori-
dades de saúde. É importante salientar que a falta de informações fluidas, sistematizadas e consolidadas sobre efetivi-
dade comparada entre os medicamentos disponíveis no mercado é um sério obstáculo a uma avaliação abalizada do
médico sobre qual medicamento prescrever, magnificando o efeito do fator 2.2; portanto a fluidez da informação é tão
ou mais importante que a sua mera existência. Temin (1980) aponta três causas para esse problema de informação:
a) a segurança e a eficácia do medicamento têm múltiplas dimensões: quais condições indesejadas visa corrigir;
qual o método de administração ao paciente; qual a velocidade de ação e sua durabilidade; a amplitude de
condições que ele trata; e quais os efeitos adversos etc.; b) os médicos não podem sair usando seus pacientes como
cobaias; e c) falta aos médicos capacidade de extrapolar os resultados dos testes publicados para sua realidade.
Para eles, estatística e prática da medicina são atividades distintas. Eles não têm qualificação para fazer pesquisa
ou avaliar as pesquisas dos outros.
O processo de decisão do médico pode, então, ser compreendido como composto de duas etapas, cada uma com
um tipo de assimetria de informação envolvido:
1. O médico escolhe o tratamento mais eficaz e seguro para o paciente com base em seu conhecimento acadêmi-
co e na sua experiência, ou na experiência de seus pares, apreendida em congressos, revistas especializadas ou
rede de contatos individual. No entanto, Temin (1980), Hellerstein (1994) e Berndt, Pindyck e Azoulay (2000)
apontam para a predominância de um comportamento no qual a prescrição se dá por costume ou inércia.
Isso ocorre porque o médico individual normalmente não obtém uma larga experiência com os efeitos de ne-
nhuma droga em particular (que é o problema do bem credencial), e as pesquisas publicadas disponíveis sobre
drogas concorrentes entre si tendem a tratar mais de biodisponibilidade do que de seus verdadeiros efeitos. Essa
abordagem do médico lhe traz, portanto, duas vantagens: primeiro, minimiza o custo de obtenção da infor-
mação sobre os medicamentos mais indicados para os tratamentos diagnosticados, e segundo, serve como argu-
mento de defesa contra possíveis complicações em um processo jurídico. Disso decorre que a difusão do consumo
de um medicamento gera externalidades de informação para os médicos, e pode-se dizer que os seus hábitos de
prescrição seguem um padrão típico de comportamento de manada [Berndt, Pindyck e Azoulay (2000)].”
FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo
Econométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, págs. 11 e 12.

[ 76 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Com a finalidade de combater a assimetria das informações existentes no


mercado nacional, que dificulta a competição por parte dos medicamentos simi-
lares (medicamentos iguais aos originais mas com marca própria), o Governo
Federal editou a Lei 9.787/99 que criou o medicamento genérico, posteriormente
regulamentada pelo Decreto 3.181/99 e com efeitos reforçados pelo Decreto
3.675/2000, que facilita o registro de medicamentos genéricos importados.
Outra contribuição importante do estudo da assimetria de informações foi o
conceito de seleção adversa. O tipo de problema agora enfocado não mais se refere
ao comportamento pós-contratual, mas sim a adesão ou não à determinada
transação. Um mercado que possui diferentes qualidades de bens, e essa é a infor-
mação privada de uma das partes, tende a ser ineficiente à medida que as
transações desejadas em um mundo de informação perfeita não se realizam.
Resumidamente, o mecanismo de seleção adversa elimina do mercado os produ-
tos de boa qualidade porque o vendedor não consegue convencer o comprador
sobre a qualidade do produto. Da parte do vendedor, a transação só é interessante
se o valor a ser recebido for maior ou igual ao valor do bem, dado em função da
qualidade do bem, não se pode simplesmente comparar valor e qualidade. Como
alternativa, o comprador compara o valor a ser pago com a qualidade esperada.
Se um bem for de alta qualidade, o vendedor, ciente disso, exigirá alto valor para
a transação. O consumidor, no entanto, ignorante quanto à qualidade do bem,
aceita pagar um valor correspondente à qualidade esperada, que, por definição, é
inferior a um bem de alta qualidade. Conseqüentemente, somente os bens de
qualidade inferior seriam comercializados.
A solução para um problema de seleção adversa é conhecida como sinali-
zação. O vendedor agiria de modo que provesse o comprador de informações
confiáveis à respeito do bem – como certificados de qualidade ou garantia –,
atenuando a assimetria de informações e, como conseqüência, o problema da
seleção adversa. O exemplo clássico para este fenômeno é o mercado de carros
usados, no qual a qualidade é variável e dificilmente observável de forma
apropriada 106; para esta questão o medicamento genérico, com o perdão do
trocadilho, também é o remédio.
O medicamento genérico tem sua intercambialidade terapêutica com o
medicamento de referência atestada por testes de bioequivalência e
biodisponibilidade certificados pela ANVISA, tendo sido dada por força da
referida Lei ampla publicidade do fato, financiada pelo governo, constando

106
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva,
2003, pág. 221.

estudosFEBRAFARMA [ 77 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

inclusive da caixa do produto sinal distintivo em destaque para fácil reconhe-


cimento pelo comprador 107.
Ainda em reforço, foi permitida a troca da receita dada pelo médico pelo
farmacêutico sempre que o médico não a proibir no corpo da própria receita,
além do que, para estimular a oferta, foi garantida preferência aos medicamen-
tos genéricos em licitações no âmbito do Sistema Único de Saúde, que também
passou a fazer licitações utilizando o nome da substância ativa do produto.
É interessante observar o ocorrido com o mercado americano com a entra-
da dos medicamentos genéricos, por ser um indicativo do que pode ocorrer no
mercado nacional:
“Centenas de novos medicamentos genéricos foram aprovados pela FDA
em curto espaço de tempo, mesmo com a ocorrência de procedimentos fraudulen-
tos em vários casos. Em 1989, os genéricos compreendiam mais de 33% de todas as
prescrições realizadas nos Estados Unidos.
107
“O médico pode receitar o medicamento pelo nome fantasia ou pelo nome genérico. É aqui que se define a
Concorrência Intramarca entre o produto ‘de marca’ propriamente dito e os medicamentos genéricos e
similares. Aqui as assimetrias de informação são duas: o médico desconhece os preços dos genéricos, e tem
reservas quanto à sua qualidade em relação ao produto de referência. A qualidade, por sua vez, abre-se nas
dimensões de: a) biodisponibilidade - quanto do princípio ativo é absorvido no fluxo sangüíneo, onde e quan-
to age terapeuticamente; b) bioequivalência - dois medicamentos são bioequivalentes se têm a mesma
composição química e a mesma biodisponibilidade; e c) grau de pureza do produto (e, portanto, do processo
produtivo). Uma política de certificação de qualidade teria, portanto, uma função de sinalizadora de infor-
mação para os profissionais a fim de corrigir dois níveis de assimetria de informação na distinção de efetivi-
dade e segurança: dos princípios ativos entre si, e entre os medicamentos de referência e os genéricos de um
mesmo princípio ativo. Deve sinalizar, também, aos médicos e à população que as condições de produção
atendem a requisitos mínimos de controle de qualidade do processo. E o mais importante de tudo: deve sis-
tematizar essas informações de modo que os médicos tenham todos os elementos para poderem comparar a
efetividade dos medicamentos entre si. Vale notar que, mesmo depois que a patente original expira, o paten-
teador original perde o monopólio do medicamento, mas não da marca, por isso é interessante para o labo-
ratório fixar a marca, já que a promoção da substância acaba gerando externalidades informativas (spillover)
para os fornecedores de genéricos. Até certo ponto, fica difícil para o profissional distinguir as dimensões de
qualidade relacionadas à substância daquelas dimensões que separam medicamentos de referência e genéri-
cos. As incertezas decorrentes criam um diferencial de qualidade percebido pelos agentes, que é apropriado
pela firma líder do mercado através da cobrança de um preço maior associado à marca. No caso em que o
medicamento não tem sua patente reconhecida (como era o caso do Brasil de 1969 até 1998), a promoção da
marca reveste-se de importância ainda maior, pois o laboratório tem de diferenciar seu produto dos concor-
rentes que, desde cedo, entram no mercado. Note-se que, como já comentamos, os entrantes podem replicar
os gastos de promoção no lançamento das novas marcas. No caso da concorrência intramarcas, esse custo deve
até ser menor do que o incorrido pelo pioneiro, pois o médico já conhece a substância e suas propriedades tera-
pêuticas, e cabe à firma apenas convencê-lo da sua equivalência - ele estaria, então, internalizando o custo
da certificação, a qual estaria dizendo a mesma coisa ao médico. Mas é importante observar que, mesmo
podendo ser menor, esse custo é, como era o do pioneiro, em boa parte irrecuperável, ou ‘afundado’ (sunk
cost); ora, uma vez incorrido o custo afundado do pioneiro, ele é irrelevante para o seu comportamento pos-
terior, enquanto o custo afundado do entrante define a estratégia deste ao entrar. Mesmo se não admitirmos
que o custo é afundado, o ativo intangível que o investimento na marca cria (um estoque de ‘simpatia’ pela
marca, ou goodwill) já está dado para o pioneiro, ao contrário do entrante.” FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA,
Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo Econométrico da Indústria
Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, págs. 13 e 14.

[ 78 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Os genéricos se fizeram mais presentes em hospitais que em farmácias, as quais


comercializavam um volume muito maior de drogas prescritas. Mesmo assim, a
presença dos genéricos no varejo aumentou de 17% em 1980 para 30% em 1989
[Masson e Steiner (1985)].
O que não ocorreu, contudo, foi a disputa esperada entre o medicamento de
marca e seu substituto genérico pelo mesmo mercado consumidor. Alguns estudos
mostram que, na média, os medicamentos de marca aumentaram seus preços
quando os substitutos genéricos invadiram o mercado [Frank e Salkever (1991),
Grabowski e Vernon (1992)]. Esses acontecimentos foram reportados mesmo quan-
do os genéricos praticavam preços entre 40% e 70% abaixo dos preços dos res-
pectivos medicamentos de marca. Este aparente paradoxo pode ser explicado pela
‘bifurcação’ que ocorre no mercado consumidor, quando da entrada dos genéricos.
Os consumidores mais sensíveis aos preços dos medicamentos tendem a optar
pelo substituto genérico, como é o caso de hospitais e organizações mantenedoras
de saúde. Por outro lado, parcela considerável do mercado consumidor é avessa ao
risco, portanto, insensível aos preços dos medicamentos, como é o caso de médicos
e de pacientes que não se sentem seguros ou informados devidamente a respeito da
eficácia do substituto genérico. Muitas vezes o médico, mesmo estando devida-
mente informado sobre terapias alternativas, prefere continuar prescrevendo os
medicamentos de marca por uma simples questão de hábito ou mesmo falta de
‘cultura’ no que concerne à racionalização de custos.” 108
Conforme dados fornecidos pela ANVISA, no seminário internacional
“Acceso a Medicamentos: Derecho Fundamental, papel del Estado” realizado no
Rio de Janeiro em 22 de outubro de 2002, em 50 classes terapêuticas os genéri-
cos atendem 60% (sessenta por cento) da necessidade de prescrição, e os obje-
tivos da divulgação dos medicamentos genéricos foram alcançados, pois:
Em pesquisa realizada com 2.200 consumidores de medicamentos, com
idades entre 16 e 74, interceptados em drogarias de 236 municípios de 16/11/01
a 12/12/01, constatou-se que:

• 95% (noventa e cinco por cento) dos consumidores conhecem os genéri-


cos e 91% definiram estes medicamentos corretamente;

• 80% (oitenta por cento) dos consumidores confiam que o genérico faz o
mesmo efeito (ou seja, acreditam na intercambialidade do produto);

108
FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo
Econométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 25.

estudosFEBRAFARMA [ 79 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

• 71% (setenta e um por cento) dos consumidores reconhecem os genéri-


cos, 55% pelo G da embalagem e 16% de outras formas;

• 7,2% consultam a lista de medicamentos genéricos.

Contudo foram detectados os seguintes problemas na sua implantação no Brasil:

• Oferta pouco diversificada e insuficiente de genéricos;

• Dificuldades na montagem de processos de registro pelas empresas;

• Demora na concessão do registro – 150 a 180 dias;

• Dúvidas quanto à manutenção da qualidade dos genéricos pós-registro;

• Dificuldade na identificação dos genéricos no momento da compra e


“empurroterapia” do similar com denominação genérica.

Quanto a estes aspectos, o mais alarmante do ponto de vista da concorrên-


cia é, na nossa opinião, o aspecto das dúvidas quanto à manutenção da
qualidade do genérico na medida em que poderá levar a um comportamento do
consumidor de não considerar todos os genéricos intercambiáveis entre si, mas
tão-somente aqueles produzidos por determinadas empresas, criando a figura
de um medicamento genérico de grife, que poderá ter o mesmo comportamen-
to daquele medicamento que mantém uma marca reconhecida no mercado, é o
que já se verifica com o lançamento de medicamentos genéricos por labo-
ratórios fabricantes de medicamentos de marca líder de mercado.
Ademais, do ponto de vista social, as iniciativas relativas ao medicamento
genérico resolvem apenas parte do problema do acesso a medicamentos, uma
vez que apenas a parcela da população que já tem acesso aos medicamentos
passa a consumi-los, enquanto aquela parcela realmente pobre, que não tem
acesso, continua sem tê-lo pois não tem a renda mínima para comprar também
os medicamentos genéricos.

[ 80 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

4. Problemas de Agência

Os medicamentos são bens credenciais e, por isso, apenas um especialista


terá condições de avaliar suas características reais e, portanto, sua eventual
intercambialidade, o que já é suficiente para gerar os problemas de assimetria
das informações combatidos pelos medicamentos genéricos.
Entretanto, no caso de medicamentos temos ainda um outro complicador
que é o fato de que quem opta pela compra do produto não é o paciente, mas
sim o médico ao definir o tratamento indicado. O estudo do tema é feito pela
chamada teoria da agência:
“O modelo básico da teoria da agência apresenta dois atores – denominados
principal e agente – que se relacionam por meio de uma transação qualquer. O
principal é um ator cujo retorno depende da ação de um agente ou de uma infor-
mação que é propriedade privada deste último. Assim, a característica fundamen-
tal de uma relação entre principal e agente é a ‘assimetria de informações’, tendo o
agente uma informação que o principal não dispõe.
Essa relação introduz dois tipos de problemas transacionais, relevantes para a
decisão sobre o modo como devem se organizar as firmas e suas relações com
fornecedores e clientes. O primeiro problema ficou conhecido como risco moral,
referindo-se à possibilidade de o agente fazer uso de sua informação privada em
benefício próprio após a celebração de um contrato, eventualmente impondo pre-
juízos ao principal.
Dois tipos de risco moral podem ser distingüidos: a) informação oculta (hidden
information) – em que as ações do agente são observáveis e verificáveis pelo prin-
cipal, mas uma informação ao resultado final é adquirida e mantida pelo agente;
e b) ação oculta (hidden action) – em que as ações do agente não são observáveis.
Uma ação é observável se o principal é capaz de avaliá-la em qualidade e/ou quan-
tidade, mesmo que isso não implique alguma forma de mensuração. Uma ação é
verificável se, além de observável pelo principal, este tenha meios de provar que a
observou perante a instância responsável pela resolução das querelas contratuais –
por exemplo, um tribunal.” 109
Nessa situação, o principal fica à mercê do agente na definição de sua
participação na relação econômica, o que torna desvinculado do interesse do
principal o equilíbrio na fixação do preço do produto consumido.
O exemplo clássico de risco moral com informação oculta é a relação entre
paciente (principal) e médico (agente). A ação do médico – uma operação ou
109
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 220.

estudosFEBRAFARMA [ 81 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

aplicação de um medicamento – é, presume-se, observável. No entanto, o médico, por


meio de exames e amparado pela obscuridade de seu conhecimento, adquire uma
informação privada essencial a transação em questão, qual seja, o diagnóstico. O
paciente pode exigir contratualmente o acesso a essa informação privada, o que
aparentemente eliminaria o problema de risco moral. No entanto, mesmo que o
paciente fique ciente de um diagnóstico, nada assegura que este seja de fato ver-
dadeiro. Em outras palavras, se o agente tiver motivos para mentir, o diagnóstico
fornecido será inútil, não resolvendo o problema da assimetria informacional. Um
obstetra poderia, por exemplo, recomendar uma cesariana (pela qual, supõe-se, rece-
beria mais que por um parto normal), sem que a situação do paciente exigisse este tipo
de tratamento. Não havendo qualquer restrição ética ao comportamento do médico,
ele poderia mentir na apresentação do diagnóstico, de modo que fizesse uso dos incen-
tivos financeiros que a realização de uma cesariana implicaria. Nesse caso, o médico
estaria usando a assimetria informacional em benefício próprio, influindo negativa-
mente sobre o retorno que o principal (paciente) pretendia obter na transação 110.
Outra hipótese que não parte da má-fé do médico, mas, pelo contrário, de
sua boa-fé em obter os melhores resultados com o menor risco para o paciente,
e para si mesmo, é aquela em que o médico seleciona o melhor tratamento exis-
tente, sem considerar os custos envolvidos – situação bastante evidente por
exemplo em termos de requintados exames diagnósticos.

5. Baixa Elasticidade da Procura

Ao decidir comprar um produto, além das características do produto o con-


sumidor irá considerar suas próprias condições financeiras para pagar o preço
exigido pelo vendedor, tal consideração é relativa e pode ser afetada pela sensi-
bilidade do consumidor ao preço do produto, de modo que para analisar o
comportamento do mercado necessitamos de uma medida desta sensibilidade.
Essa medida da sensibilidade chama-se elasticidade e pode ser definida como
a relação entre o acréscimo (decréscimo) percentual de quantidade e o decréscimo
(acréscimo) percentual de preços 111.
Podemos então agrupar comportamentos padronizados dos compradores
por conta desta medida em:

110
PINHO, D.B. e VASCONCELOS, M.A.S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 220.
111
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, pág. 230.

[ 82 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Procuras extra-elásticas • O índice de elasticidade é maior do que 1. Como já


dito, são curvas ou segmentos delas, a se inclinarem suavemente para a direi-
ta, significando que pequenas variações de preços levarão a grandes variações
das quantidades procuradas.

Procuras perfeitamente elásticas • O índice é igual a 1. A inclinação é


proporcional. Significa que a uma dada variação percentual dos preços
corresponde uma igual variação percentual da quantidade procurada.

Procuras inelásticas ou infra-elásticas • A inclinação é bastante acentuada.


A quantidade procurada pouco reage às variações de preço. O índice de elasti-
cidade situa-se entre 0 e 1.

Procuras rígidas • A elasticidade é igual a zero. Constitui um caso extremo,


talvez teórico, de um bem tão essencial que a qualquer preço sua procura seria
sempre a mesma. É representada por uma reta paralela ao eixo dos preços.

A importância desta classificação reside no fato de apontar como reagirá a


receita trazida pelo bem em questão a um aumento ou baixa do seu preço. Com
efeito, sendo a receita o produto do preço pela quantidade, é fácil compreender que
se a uma baixa de preços a procura reagir com uma elevação mais do que a pro-
porcional, a receita total subirá, mesmo com a baixa de preços.O mesmo já não se
verificará se o coeficiente de elasticidade for inferior a 1. Neste caso, a redução do
preço provocará um aumento da procura, mas menos do que proporcional, insufi-
ciente, portanto, para compensá-la, fazendo cair a receita 112.
Como é evidente, nos dias de hoje, não se pode imaginar um tratamento de
saúde sem o emprego de medicamentos; para o doente o medicamento é essen-
cial para sua sobrevida saudável, de modo que, havendo recursos, o paciente
certamente irá direcioná-los para a compra do medicamento em detrimento
inclusive de outras aquisições ou de sua saúde financeira.
Desta forma, podemos verificar que o fator preço será de baixa relevância
para o paciente na decisão de compra do medicamento, pois este estará dispos-
to a abrir mão de outros bens menos vitais em favor do medicamento. Neste
sentido, teremos então uma baixa elasticidade da demanda em face do preço,
pois elasticidades baixas estão associadas à essencialidade do produto 113.

112
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, págs. 231 e 232.
113
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, pág. 233.

estudosFEBRAFARMA [ 83 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Obviamente que a elasticidade não mantém o mesmo índice em toda a curva


de procura versus preço, variando ao longo desta. Contudo, para a análise de
comportamento devemos nos ater à secção da curva que mais representa o com-
portamento real dos consumidores do segmento estudado em um dado tempo.
No caso dos medicamentos, conforme a política nacional de medicamen-
tos, Portaria nº 3.916/MS/GM, de 30 de outubro de 1998, temos três segmentos
de consumidores que se comportam de maneira diferente:

(a) O segmento com renda acima de 10 salários mínimos, com despesa


média anual de US$ 193,40 (cento e noventa e três dólares norte ameri-
canos e quarenta centavos) per capita, que tem farta condição de comprar
os medicamentos e que tem baixa elasticidade de procura em relação ao
preço, normalmente serão os segmentos em que os líderes de mercado se
fixam após a perda de proteção patentária;

(b) O segmento com renda entre 4 e 10 salários mínimos, com despesa


média anual de US$ 64,15 (sessenta e quatro dólares norte americanos e
quinze centavos) per capita, que tem condição de comprar os medicamen-
tos, mas que tem grande elasticidade de procura de marcas em relação ao
preço, mas em se tratando de medicamentos tem baixa elasticidade para a
procura de tratamentos, obviamente em relação a sua essencialidade e;

(c) O segmento com renda entre 0 e 4 salários mínimos, com despesa média
anual de US$ 18,95 (dezoito dólares norte americanos e noventa e cinco cen-
tavos) per capita, que não tem qualquer condição de adquirir medicamentos
e, portanto, está na situação muito próxima de inexistência de elasticidade
em relação ao preço, pois por mais baratos que os medicamentos se tornem
ainda estarão acima de seu poder de compra – conforme informação divul-
gada pela Associação Pró-Genéricos 50% dos pacientes que precisam de um
medicamento não podem comprá-lo e abandonam o tratamento.

Sendo o consumo per capita de medicamentos no Brasil representado no


quadro abaixo:
População Consumo
Grupo A 15% 48%
Grupo B 34% 36%
Grupo C 51% 16%

[ 84 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Entre novembro de 1999 e maio de 2000, a Câmara dos Deputados realizou


uma Comissão Parlamentar de Inquérito para verificar a situação do acesso da
população brasileira aos medicamentos, a CPI dos Medicamentos desenvolveu
intensa programação de trabalho, tendo sido realizadas 64 reuniões, compre-
endendo audiências públicas e reuniões de trabalho investigatório. Foram
recebidos 2.488 documentos, contendo assuntos gerais e 150 mil documentos
referentes à quebra de sigilo bancário. Transcrevemos uma pequena parte de seu
relatório, que na época retratou o drama do acesso aos medicamentos pela
população brasileira, que levou o Governo Federal a buscar no controle de
preços de medicamentos a solução para a crise.
“Segundo a revista americana The Economist, o Brasil é o 9º país do mundo
em consumo de medicamentos, mas, quando se trata de consumo per capita,
ficamos atrás de mais de cinqüenta países. Enquanto alguns grupos sociais no
Brasil têm um consumo anual semelhante aos dos países avançados, a grande
maioria da população tem um consumo parecido com aqueles dos países mais
pobres do mundo.
Certamente, no interior do segmento de menor consumo per capita, existem
grupos cuja despesa média anual é próxima do zero. Estes grupos dependem exclu-
sivamente dos programas governamentais. Outros grupos, apesar de terem algum
consumo, com despesa própria, despendem uma grande parte dos seus recursos
para comprar remédios, deixando de atender outras necessidades, ou então, não
conseguem comprar todos os medicamentos que necessitam.
O processo de envelhecimento da população brasileira, e o conseqüente aumen-
to da incidência e prevalência de doenças crônico-degenerativas, torna ainda mais
dramática a situação daqueles que não podem comprar medicamentos por sua
própria conta e cria uma demanda cada vez maior, e de maior custo, para o sis-
tema de saúde.
Pelas evidências encontradas por esta CPI, podemos inferir que, sob o ponto de
vista da saúde pública, temos um duplo problema: por um lado, um segmento com
amplo acesso aos medicamentos, consumindo-os de forma abusiva e equivocada,
conseqüência da extrema liberalidade de ação das farmácias e drogarias que ven-
dem qualquer medicamento a qualquer pessoa que as procure; por outro lado,
temos um grande contingente de população que não tem poder aquisitivo suficiente
para comprar no mercado os produtos de que necessita, que depende dos progra-
mas governamentais do SUS, da assistência social ou da caridade alheia.” 114

114
Relatório da CPI dos Medicamentos, título VI.

estudosFEBRAFARMA [ 85 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Desta forma, para a classe B, na qual os medicamentos têm baixa elastici-


dade de procura em relação aos preços, os medicamentos acabam seqüestrando
grande parte da renda destas famílias e para a classe C, em que a procura é prati-
camente inelástica, temos um grande contingente de excluídos, o que gera um
problema social que não pode ser resolvido por uma diminuição de preço dos
medicamentos, mas apenas por uma elevação de renda.

Controle de Preços de Medicamentos

O DRAMA da falta de acesso à saúde diz respeito a um tripé no qual se equili-


bram a sociedade, os governos e a iniciativa privada. Tal tripé é formado pelo
anseio da sociedade em ter acesso a todos os recursos de saúde disponíveis, ter
acesso aos melhores e mais modernos recursos disponíveis e pela escassez de
recursos para viabilizar o alcance destas verdadeiras exigências sociais.
Para o Estado ainda sobra o problema gerado pelo próprio êxito das políti-
cas públicas de saúde, uma vez que quanto melhor o seu desempenho maior será
a demanda por utilidades de saúde, uma vez que a maior oferta de tais utilidades
leva ao aumento global de sua demanda como conseqüência do crescimento e
envelhecimento da população, cuja longevidade depende de tais utilidades, bem
como a uma maior detecção de problemas individuais de saúde, o que acabará
por realimentar o sistema com uma demanda cada vez maior por tais utilidades.
A atividade de saúde é um setor produtivo responsável pela geração e pela
circulação de valores tão expressivos quanto limitadamente conhecidos. A
produção de informações detalhadas sobre a estrutura, a distribuição e a
evolução destes valores é fundamental para a tomada de decisões, bem como
para a formulação e o acompanhamento de políticas públicas no setor.
Diferentemente da regulação da prestação de serviços públicos transferidos
para o particular pelo sistema de concessão, no caso da saúde temos a regulação
de uma atividade privada, cujo acesso aos particulares é franqueado pela
Constituição Federal de 1988 115.
Entretanto, apesar de tratar-se de atividade privada, esta atividade está rela-
cionada a bens coletivos (categoria de bens essenciais, capazes de gerar externa-
lidades para toda a sociedade), de modo que em decorrência do modelo de
Estado de bem-estar social adotado pelo Brasil, e a conseqüente regulação ativa
da economia, o Estado deve (i) prover o fomento dos mercados de oferta de
115
Art. 197.

[ 86 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

bens e serviços de saúde para o aumento da oferta de utilidades públicas (no


caso destes bens coletivos) e (ii) controlar as externalidades negativas da ativi-
dade, especialmente as decorrentes da sua falta ou da especulação no forneci-
mento destes produtos e serviços.
A experiência de controle e de intervenção de preços de medicamentos no
Brasil pode ser dividida em vários períodos: a) o controle de preços realizado
pelo extinto Conselho Interministerial de Preços – CIP, nos anos 70/80; b) a
política do período dos Planos Collor I e II (1990/92); c) o período de acom-
panhamento informal de preços que antecedeu o Plano Real (1993/94); d) a
liberação gradual do período mais recente (1997/99) e, finalmente, o retorno de
sua regulamentação que é o objeto deste estudo.
Nas décadas de 70/80, quase todos os preços da economia, em especial os
de medicamentos, eram controlados diretamente pelo CIP. Exceção feita aos
medicamentos fitoterápicos, oficinais e homeopáticos, todos os demais eram
administrados por aquele órgão.
O CIP foi criado pelo Decreto 63.196/68 com a finalidade de realizar o
acompanhamento de preços e orientação geral da economia brasileira, tendo
como membros os Ministros da Fazenda, da Indústria e Comércio, da
Agricultura e do Planejamento e Coordenação Geral.
Para aparelhar suas competências o CIP tinha poderes para (i) requisitar
informações e esclarecimentos dos agentes econômicos, bem como apresentação
prévia de preços programados, (ii) para restabelecer níveis de preços e (iii) deter-
minar a intervenção do domínio econômico com base na Lei Delegada nº 4 e a
repressão ao abuso do poder econômico com base na Lei 4.137/62.
A edição do Decreto-Lei 808/69 pela Junta Militar que governava o país
acabou concedendo todos os poderes para o CIP ser o órgão encarregado de
aprovar os aumentos de preços de diversos produtos, inclusive os medicamentos.
A lógica de determinação de preços pelo CIP, conforme os artigos 5 e 6
do Decreto 63.196/68, seguia a linha de que os custos adicionados a um lucro
considerado razoável pelos administradores públicos deveria ser igual ao preço
autorizado, de modo que, em uma economia fechada, bastava que o agente
econômico demonstrasse ao órgão um aumento de custos para automatica-
mente lhe ser concedido um aumento de preço e, conseqüentemente, de fatura-
mento, independentemente de qualquer esforço para aumentar sua partici-
pação no mercado ou até de ampliar seu mercado específico.
Todavia, os resultados dessa política foram desastrosos, na medida em que
o empresariado nacional, bem como as empresas multinacionais aqui insta-
ladas, não buscaram mais uma melhoria em seus processos de produção com a

estudosFEBRAFARMA [ 87 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

queda de custos, já que a queda dos custos de produção se refletiria em uma


barreira no momento da negociação de aumento de preços com o CIP.
Sabe-se, por exemplo, que a Central de Medicamentos – CEME, órgão
responsável pelo incentivo à produção nacional de medicamentos, que acabou
se transformando simplesmente em comprador de medicamentos para as ini-
ciativas governamentais, enfrentou, durante muito tempo, problemas de falta
de oferta de diversos medicamentos, que, segundo os fornecedores, ocorreu por
insuficiência de margem de lucro, em razão do controle exercido pelo CIP.
O CIP, no entender de muitos empresários, foi o grande responsável pelas
irregularidades de oferta de muitos medicamentos básicos no mercado, na
década de 80. Os medicamentos mais tradicionais eram justamente os mais
controlados, pelo seu maior consumo e necessidade.
Em síntese, os empresários, para driblar o controle de preços, passaram a
adotar vários expedientes, tais como: cobrança de ágio; a “maquiagem” de pro-
dutos – pequenas modificações nos produtos controlados para justificar preços
acima do permitido; adicional de frete; venda casada; superfaturamento, via
compra direta da matriz; uso de matérias-primas e embalagens inferiores e até
aumentos com autorização forjada. Se impossível a adoção de quaisquer desses
expedientes, ocorria o desabastecimento.
No início do Governo Collor, em março de 1990, quando se deu fim à
existência do CIP 116, os preços dos medicamentos e os demais preços da econo-
mia foram congelados em face do descontrole inflacionário (Portaria MDFP n°
106, de 16/04/90, Plano Collor I). Em agosto do mesmo ano, iniciou-se o
processo de liberação de preços do setor e, em outubro, apenas os medicamen-
tos de uso contínuo permaneceram sob controle. Esse período caracterizou-se
por fortes elevações de preços, o que motivou um novo congelamento de preços
em fevereiro de 1991, agora sob a égide do Plano Collor II, os preços dos
medicamentos foram novamente congelados.
O período de descongelamento do Plano Collor II teve início com a insta-
lação das Câmaras Setoriais 117, mais especificamente com a Câmara Setorial da
Indústria Farmacêutica. A partir da primeira reunião desta Câmara, ocorrida
em 24/05/91, teve início uma nova fase de reajustes de preços no setor, com a
autorização de um aumento linear de 8% para todos os produtos (Portaria
MEFP n° 418, de 29/05/91).

116
Cuja extinção se deu através da Lei 8.030 de 12 de abril de 1990 que instituiu a nova sistemática para
reajuste de preços e salários em geral.
117
Grupos de trabalho que tinham a participação de órgãos do governo e representações da iniciativa
privada para propor medidas para o Governo ao lidar com diversos mercados relevantes.

[ 88 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Em junho foi autorizado novo reajuste (Portaria MEFP n° 430, de


03/06/91), os medicamentos de uso contínuo foram reajustados em 10,8% e os
de uso especial, em 6,48%.
Na segunda reunião da Câmara Setorial, ocorrida em 28.06.91, foi autoriza-
do novo reajuste de preços em forma de um abono no preço de venda que
variou de Cr$ 50,00 a Cr$ 1.250,00 (Portaria MEFP n° 594, de 03/07/91),
ocasião em que foram liberados os preços dos homeopáticos, fitoterápicos e
oficinais, medicamentos tradicionalmente liberados pela política de controle de
preços. Nas duas reuniões seguintes, ocorridas em julho e setembro de 1991,
novos reajustes foram acordados (Portarias MEFP n° 156, de 19/08/91, n° 206,
de 16/09/91 e n° 953, de 07/10/91).
Na reunião de setembro, ficou determinado para o mês seguinte o reinício
do processo de liberação gradual de preços do setor, abrangendo 100 classes
terapêuticas, assim classificadas: classes de venda livre, classes de receituário
médico e de doenças crônicas. Iniciou-se o processo pelas classes de maior
número de medicamentos e de empresas, sendo a primeira etapa autorizada
pela Portaria MEFP n° 940, de 08/10/91, que liberou 24 classes terapêuticas de
venda livre. Com as Portarias MEFP n° 275, n° 309 e n° 363, respectivamente,
de 07/11/91, 27/11/91 e de 20/12/91, foram iniciadas a segunda, a terceira e a
quarta fases do processo de liberação de preços, com a inclusão do segundo,
terceiro e quarto grupos de classes terapêuticas, permanecendo sob controle
apenas as classes terapêuticas de doenças crônicas. Finalmente, em maio de
1992, foram liberados do controle governamental todos os preços dos produtos
farmacêuticos da linha humana através da Portaria MEFP n° 37/92.
No período que antecedeu o Plano Real, os preços foram convertidos para
a URV pela média dos meses de setembro a dezembro de 1993, de acordo com
o disposto na Medida Provisória n° 542, de 30/06/94, que tratou do Plano Real.
Entre junho de 1994 e até o final de 1996, o Governo manteve um entendi-
mento informal com a indústria farmacêutica, por intermédio do qual foram
fixados parâmetros de aumentos de preços a cada 6 meses. Qualquer reajuste
fora desse acerto era encaminhado à SDE/CADE, para ser objeto de investi-
gação no âmbito da Lei 8.884/94.
Entre 1997/99, o Governo, com base no disposto no art. 10 da Lei 9.021/95,
baixou a Portaria n° 127, de 27/11/98, estabelecendo nova sistemática de
acompanhamento de preços, determinando a obrigação de os laboratórios
farmacêuticos comunicarem à Secretaria de Acompanhamento Econômico –
SEAE do Ministério da Fazenda os aumentos de preços dos remédios sujeitos à
prescrição médica.

estudosFEBRAFARMA [ 89 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Após a desvalorização cambial de janeiro de 1999, a SEAE firmou um acordo de


cavalheiros com os laboratórios, nas seguintes bases: a) nos produtos importados
prontos, o repasse do câmbio foi realizado em duas parcelas, projetando-se uma taxa
de câmbio escalonada em duas etapas: a partir de R$ 1,21 em fevereiro para R$ 1,43
em março; e R$ 1,70 em abril. Para as matérias-primas importadas ficou acertado o
repasse em três parcelas: R$ 1,36 em março; R$ 1,52 em abril e R$ 1,70 em maio.
No período julho/agosto de 1999, vigorou novo acordo, objetivando o
repasse do impacto das variações cambiais sobre os demais insumos (basica-
mente embalagens). Segundo a SEAE, o aumento médio acumulado foi de 8,0%.
No final do ano 2000 foi editada a Medida Provisória 2.063/2000 de
18/12/2000, logo substituída pela Medida Provisória 2.138-2/2000 de
28/12/2000, convertida na Lei Ordinária 10.213 a 27/03/2001.
Referidas normas instituíram novamente no Brasil o regime de congela-
mento e controle de preços de atividades particulares, especificamente dos
preços de venda de medicamentos.
O controle de preços de medicamentos foi atribuído à Câmara de
Medicamentos – CAMED, conforme estipulado pelo artigo 12 da Lei 10.213/2001,
que seria responsável pela aprovação e análise de tais preços, bem como dos seus
aumentos extraordinários e exclusão de categorias de produtos desse regime,
entre outras atividades.
Após a extinção da CAMED pelo término da vigência da Lei 10.213/2001
em dezembro de 2002 foi feito um acordo entre a indústria farmacêutica e o
novo governo para a manutenção dos preços de medicamentos.
A proliferação de legislação relativa à saúde decorre evidentemente da im-
portância social dada ao tema. Por sua vez, a maciça intervenção estatal no merca-
do de medicamentos decorre de sua crescente essencialidade na manutenção da
saúde da população e, no caso particular do Brasil, do inexorável aumento da bar-
reira existente entre aqueles que precisam dos medicamentos e o acesso a estes.
As tabelas seguintes demonstram uma queda no consumo total de unidades
de medicamentos no País 118, um aumento de faturamento com vendas se medi-
do em reais e uma queda deste faturamento se medido em dólares norte-
americanos, para o período entre 1997 e 2003, portanto, tanto sob o congela-
mento de preços, quanto em período de liberdade de preços.
A acentuada queda nas vendas de medicamentos é um indicativo do pro-
blema social de falta de acesso aos medicamentos, que se tornou também um
drama da iniciativa privada, que vê o mercado de medicamentos cair a cada dia,
com inegável impacto em seu faturamento, apesar da possibilidade de
manutenção de lucro bruto em mercados monopolizados.
118
Fonte Grupemef, elaborada pela Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica – Departamento de Economia.

[ 90 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Mercado Farmacêutico - Brasil


Vendas nominais em R$ 1000 e
U$ 1000 (sem impostos) e em 1000 unidades
Período: 1997 a 2003 (*)
18.000.000 1.900.000

16.000.000
Vendas nominais em R$ 1000 e US$ 1000

1.800.000
14.000.000

Vendas em 1000 unidades


12.000.000
1.700.000
10.000.000

8.000.000
1.600.000
6.000.000

4.000.000 Vendas em R$ 1000 1.500.000


Vendas em US$ 1000
2.000.000 Vendas em 1000 unidades

0 1.400.000
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003(*)
Os dados de 2001 e 2002 foram retificados
Fonte: GRUPEMEF
Elaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Últimos 12 meses móveis até Julho de 2003

Mercado Farmacêutico - Brasil


Índice da Evolução das Vendas nominais em
Reais (R$), Dólares (US$) e Unidades
Período: 1997 a 2003 (*) Índice Base 1997=100
180
170
160
150
140
Índice Base: 1997=100

130
R$
120 US$
110 Unidades

100
90
80
70
60
50
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003(*)

Os dados de 2001 e 2002 foram retificados


Fonte: GRUPEMEF
Elaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Últimos 12 meses móveis até Julho de 2003

estudosFEBRAFARMA [ 91 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

1. Controle de Preços de Medicamentos no Exterior

Por conta dos aspectos estudados acima, os preços de medicamentos muitas


vezes são elevados por refletirem as falhas de concorrência existentes neste mer-
cado, o que é agravado pelo poder conferido aos fornecedores tendo em vista a
baixa elasticidade da procura por conta da essencialidade do bem.
Em virtude das externalidades geradas pelo fornecimento de bens e serviços
em saúde e sua importância na interdependência social, estes são considerados
serviços públicos impróprios e, embora no Brasil sua exploração seja permitida
para os agentes econômicos da iniciativa privada, estes são regulamentados pelo
Estado, inclusive por determinação constitucional.
Os problemas relativos ao mercado de medicamentos e sua importância
social não são exclusividade do Brasil, embora aqui os problemas sejam agrava-
dos por não termos a criação de medicamentos inovadores pela indústria
nacional, que também não tem como característica a detenção de marcas líderes
de mercado, além dos problemas graves de distribuição de renda.
Desta forma, diversos países criaram modelos de regulação do mercado de
medicamentos, conforme tabelas trazidas pelo estudo do Ipea sobre a indústria
brasileira de medicamentos 119, que espelham as principais políticas de regulação
de preços de medicamentos adotadas pelos países europeus, a primeira (1) com
as políticas de intervenção e reembolsos e a segunda (2) 120 com as políticas para
a diminuição de custos nos atos de prescrição, dispensação e consumo.
119
FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo
Econométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, págs. 17-21.
120
“As políticas relacionadas na Tabela 2 podem ser descritas sucintamente da seguinte forma: Listas Positivas e
Negativas: as agências de controle de qualidade de medicamentos podem aprovar um medicamento para ser lança-
do no mercado, mas isso não significa que ela os considere custo-efetivos, e, portanto, não necessariamente os medica-
mentos aprovados para consumo serão elegíveis para reembolso pelo sistema social de saúde. As listas que excluem
determinados medicamentos do reembolso são ditas ‘listas negativas’. Diretrizes de Prescrição: na verdade, essa é
uma medida relacionada à provisão de informação, e equivale aos guias terapêuticos já sugeridos. Em alguns casos,
esses guias estão disponíveis sob forma de programas de computador. Mas o monitoramento é necessariamente uma
medida de enforcement para que o comportamento de prescrição do médico seja avaliado por seus pares. Cadastros
únicos dos pacientes são manipulados com este fim, seja por meio da instituição do ‘guardião’, que é um clínico-geral
incumbido da triagem dos pacientes, seja através do uso de um smartcard. Orçamentos de Prescrição: médicos indi-
viduais, grupos de médicos (Reino Unido) ou até regiões (Alemanha) são sujeitos a restrições orçamentárias, cujo
enforcement se dá através de multas por excesso de despesa ou partilha de ganhos em caso de economia de recursos.
Substituição de Medicamentos na Dispensação: em geral, os farmacêuticos têm de dispensar exatamente o prescrito.
Segundo Hudson (2000), na Europa os médicos freqüentemente especificam simplesmente o nome genérico do
medicamento. Na maioria desses países, a substituição só é permitida em emergências ou casos excepcionais, e tem
de haver o consentimento do médico, tick-in (em vez de haver a substituição a não ser que o médico proíba, (tick-
out). Controle de Preços ou Preços de Referência: o preço de referência é o preço do medicamento (genérico) mais
barato, e os custos são reembolsados só até esse valor; qualquer valor acima disso é pago pelo paciente ou pelo médi-
co. Co-pagamento: fazendo o paciente pagar por medicamentos parcialmente, o sistema de saúde o incentiva a
cobrar do médico prescrições mais baratas. Prescrição de Genéricos: Em alguns países, a prescrição de genéricos é
encorajada como forma de baixar custos; em outros, onde os preços são baixos, os genéricos não são devidamente
promovidos.” FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo
Econométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, págs. 17-21.

[ 92 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Tabela 1 - Esquemas de Intervenção em Preços


País Preços Reembolso
Alemanha Livres para novos produtos Preços de referência para
produtos sem patente
Bélgica Controle de preços; redução para -
produtos antigos
Canadá Controle de preços -
Dinamarca Acordos de preços (redução) Preços de Referência para Produtos
“Análogos”
Espanha Controle de preços via Preços de Referência para Drogas
negociação com base em custos Múltiplas
Finlândia Controle via reembolso Novos produtos reembolsados
em 50% por 2 anos; preços dos
existentes revisados a cada 2 anos;
uso de dados farmacoeconômicos
quando firmas recorrem por
preço razoável
França Negociação e comparação com -
outros países
Grécia Controle de preços pelo menor -
preço europeu para mesma molécula
Holanda Preço máximo por comparação Preço de referência terapêutica
com a Europa
Irlanda Acordo de preços seguido de -
congelamento (1997/2001); em
seguida, revisão com base em
comparações internacionais
Itália Preço médio europeu para alguns -
produtos; negociação/produtos
novos e inovativos
Noruega Controle se reembolso é desejado Preço de referência (inclusive em
drogas com patente e importações
paralelas)
Portugal Controle de preços (preço médio); -
RPI-X em 1998/99
Reino Unido Acordo com indústria em controlar -
lucros, renovado em 1999 por 5 anos
Suécia Controle se reembolso é desejado; -
base em 10 países; deve ser menor
do que Dinamarca, Holanda,
Alemanha e Suíça; similar a
Noruega e Finlândia
Suíça Livres para novos produtos; interven- -
ção em reembolsos; corte linear de
preços para produtos reembolsados
Fonte: Kanavos (1999)

estudosFEBRAFARMA [ 93 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Verificamos, portanto, que em diversos países apenas os medicamentos


passíveis de reembolso têm seus preços controlados, numa fórmula mais suave
apenas quanto ao valor do próprio reembolso e, em uma mais incisiva, quanto
ao preço do medicamento em qualquer situação, caso este esteja incluído nas
listas de reembolso.
Neste aspecto temos uma aproximação do sistema de adesão vigente nos
serviços públicos próprios, em que o particular adere ao contrato adminis-
trativo que lhe impõe a submissão ao controle estatal para ter um benefício
econômico, pois também os fabricantes de medicamentos nestes países estarão
sujeitos ao controle de preços de medicamentos reembolsáveis, mas em troca
terão um incremento de suas vendas impulsionado pelo próprio reembolso.
Tabela 2 - Políticas de Contenção de Custos nos
Atos de Prescrição, Dispensação e Consumo
País Lista Lista Orça- Dire- Prescrição de Substituição Incentivos Co-
Positiva Negativa mento trizes Genéricos pagamento
Alemanha Não (mas Sim Sim Sim Sim Sim Sim Taxa fixa
planeja)
Áustria Sim Não Não Sim Não Não Não Fixa
Bélgica Sim Não Não Sim Potencial Em Não %
circunstâncias
excepcionais
Dinamarca Sim Não Não Sim Sim Sim - % + taxa fixa
Espanha Sim Sim Não Sim Sim Não Não % até o máximo
por item
Finlândia Sim Não Não Sim Algum Sim Não % + taxa fixa
França Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim %
(“Guardiães”) (“Guardiães”)
Grécia Sim Não Não Sim Não Não Não %
Holanda Sim Não Não Sim Sim Sim Sim Taxa fixa +
franquia
Irlanda Sim Não Não Sim Sim Não Não Franquia
Itália Sim Não Não Sim Não Sim Não % + taxa fixa
Noruega Sim Não Não Sim Não Não Não % / máximo
Portugal Sim Não Não Sim Não Não Não %
Reino Unido Não Sim Sim Sim Sim Não Sim Fixa
Suécia Sim Sim Não Sim Sim Algum Não Franquia
Suíça Sim Sim Não Sim Sim Não Não Franquia + %
Fonte: Kanavos (1999)

Nesta tabela, percebemos que os países europeus se valem de diversas


estratégias combinadas para combater as falhas do mercado de medicamentos
e, assim, garantir a competição entre os fornecedores, que resulta em uma
diminuição de preço.
As listas de medicamentos passíveis de reembolso são um forte impulso
para que o fornecedor mantenha preços baixos para seus produtos, pois apenas
assim estes serão eleitos para reembolso pelos sistemas públicos de saúde, desta

[ 94 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

forma o agente econômico não é obrigado a praticar preços baixos, mas é


induzido a tanto para obter um aumento de vendas de seus produtos.
As diretrizes de prescrição para os médicos visam tratar do problema de
agência, fazendo com que estes tenham a preocupação com os custos dos trata-
mentos que prescrevem, no mesmo sentido estão os orçamentos de prescrição
que são concedidos a grupos de médicos para manejarem os custos dos trata-
mentos de uma população que está sob sua atenção, com recompensa financeira
em caso de êxito.
Os incentivos à prescrição de medicamentos genéricos visam o combate ao
problema de assimetria de informações, conforme mencionamos anteriormente,
o que pode ser reforçado pela permissão de substituição da prescrição médica de
um medicamento de marca por um medicamento genérico pelo farmacêutico.
O co-pagamento visa combater um problema que existe nestes países, que é
o aumento de custo de tratamento impulsionado pelos próprios pacientes, que
por não arcarem com os custos dos medicamentos que são reembolsados pelo
sistema público não têm uma preocupação com seus custos. O problema não
existe no Brasil, pois não temos políticas públicas de reembolso com gastos em
medicamentos, temos apenas políticas de dispensação direta destes pelo Estado.
O controle de preços, através de preços de referência, nesses países não é
feito nos moldes brasileiros com a pura e simples imposição de um preço de
venda, mas apenas com a imposição de um preço para o reembolso do medica-
mento pelos sistemas públicos, de modo que novamente o agente econômico é
induzido e não obrigado a praticar preços dentro de um patamar desejado pelo
órgão regulador.
Já os Estados Unidos da América se caracterizam pela peculiaridade de
terem uma reduzida participação do Estado no financiamento de gastos da
população com saúde, grande parte de sua população dispõe de seguros e
planos de assistência médica privados, o que não impede que também sofram
com o incremento de gastos com a saúde, que foram atacados pelo governo
através de reformas na regulação dos seguros-saúde nas décadas de 70 e 80.
O sistema preponderante até a década de 80 era o de reembolso dos gastos
dos segurados com medicamentos; como o médico era o fator determinante
destes gastos estava presente o problema de agência já discutido, agravado pela
conhecida indústria norte-americana das indenizações, que fazia com que os
médicos não poupassem gastos que pudessem lhes livrar de qualquer respon-
sabilidade por má conduta, o que levou ao aumento de gastos com a saúde.
A desregulamentação dos contratos de seguro a partir de meados dos anos
70 deu liberdade às seguradoras de criarem um novo sistema, o Managed Care,

estudosFEBRAFARMA [ 95 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

cujas características fundamentais são: (i) o apontamento pelo segurado de um


médico responsável por indicar e aprovar quaisquer gastos com procedimentos
ou medicamentos, e (ii) por outro lado os contratos de honorários médicos
contêm incentivos financeiros que refletem os custos e benefícios de longo
prazo obtidos com os tratamentos dos pacientes individuais e também da tota-
lidade dos seus pacientes, além do que, o paciente sempre terá o Direito de
indicar outro médico para a função.
Desta forma, o médico estará preocupado com os custos de tratamento,
pois estes refletem em sua remuneração, e também com a saúde do paciente,
para evitar que este o substitua e também para que este lhe indique outros
pacientes, além de também se preocupar com o aspecto estatístico daquele
grupo que está sob sua gestão 121.
Sendo assim, existe naquele mercado forte pressão por parte dos financiadores
privados de tratamentos médicos e também pelo sistema público, medicare e
medicaid, e ainda pelos hospitais, pela troca dos medicamentos de marca pelos
medicamentos genéricos, tendo em vista a redução de custos acarretada pela troca.
A situação de mercado nestes países difere da do Brasil, pois nos países desen-
volvidos, o custo dos medicamentos é, em geral, reembolsado ao paciente ou pago dire-
tamente ao fornecedor, seja pelo Estado (arranjo mais comum na Europa e Japão), ou
por organizações privadas (caso dos Estados Unidos). A coincidência entre pagador e
regulador significa que há incentivos em fazer fluir a informação e superar o proble-
ma dos bens credenciais, pois os benefícios são apropriados pelo mesmo ente 122.
A legislação brasileira relativa aos planos de saúde, bem como a regulação
proveniente da ANS, não prevê a prestação de assistência farmacêutica com o
fornecimento de medicamentos aos pacientes, deixando ao arbítrio de cada
operadora de plano de saúde optar ou não pelo seu fornecimento. Como referi-
das operadoras efetivamente não optam por este fornecimento espontanea-
mente, o Brasil não conta com os benefícios da pressão que as operadoras de
plano de saúde poderiam fazer para a redução dos preços de medicamentos.
121
“Em Andrade e Lisboa (2000) sistematiza-se a evidência dos impactos do Managed Care tanto sobre os gastos
médios com saúde quanto com a sua taxa de crescimento, ambos inferiores ao do sistema de contrato tradicional.
Além disso, há evidência de que os médicos realizam uma quantidade maior de exames preventivos no Managed
Care do que no sistema tradicional. Em Lisboa e Moreira (2000) mostra-se que os grupos com maiores perdas de
renda em caso de doença, precisamente a PEA, são os maiores beneficiados pelos contratos de Managed Care,
enquanto a população idosa pode preferir os contratos tradicionais que, ainda que mais caros, oferecem maiores
benefícios no curto prazo. Esse resultado, como discutido em Andrade e Lisboa (2000), é consistente com os fatos
estilizados do mercado de seguros norte-americano em que a maior parte da PEA revela preferência pelo primeiro
tipo de contrato.” FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um
Estudo Econométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 23.
122
FIÚZA, Eduardo P.S., LISBOA, Marcos B.L., Bens Credenciais e Poder de Mercado: um Estudo
Econométrico da Indústria Farmacêutica Brasileira, Rio de Janeiro: Ipea, 2001, pág. 17.

[ 96 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

2. Legislação Brasileira de Controle de Preços de Medicamentos

No Brasil a regulação de mercados muitas vezes é feita através de um controle de


preços ou de um congelamento de preços. Em verdade, o congelamento de preços
nada mais é do que um controle de preços com um prazo pré-fixado de manutenção
dos preços tabelados, pelo que daremos o mesmo tratamento para ambos.
Importante neste ponto fazer menção que nossas críticas ao controle de
preços são voltadas para a atividade privada, não se referindo aos serviços
públicos próprios, prestados em regime de direito público, na medida em que
nestes não temos concorrência que pudesse levar a uma estabilização de preços,
pois estamos diante de um monopólio legal.
Após o CIP e os congelamentos gerais de preços em nossa economia, tive-
mos uma situação de liberdade em relação ao tema específico de preços de
medicamentos, exceto pelos processos abertos pelo CADE por abuso de poder
econômico, os quais foram por uma razão ou outra todos arquivados.
No apagar das luzes do ano 2000, foi novamente implementado o congela-
mento e controle de preços de medicamentos através da Medida Provisória
2.063/2000 de 18/12/2000, logo substituída pela Medida Provisória 2.138-2/2000
de 28/12/2000 que foi até sua 4ª (quarta) edição e finalmente se transformou na
Lei 10.213/2001 de 27/03/2001, que congelou os preços de todos os medicamen-
tos pelo prazo de 1 (um) ano, permitindo aumentos através de uma complexa
fórmula que aplicava o chamado Índice Paramétrico de Medicamentos.
O controle de preços de medicamentos foi atribuído à Câmara de
Medicamentos – CAMED, conforme estipulado pelo artigo 12 da Lei
10.213/2001, que seria responsável pela aprovação e análise de tais preços, bem
como dos seus aumentos extraordinários, e exclusão de categorias de produtos
desse regime, entre outras atividades.
Muito embora a Lei 10.213/2001 tivesse previsão, em seu artigo 12, de uma
forma de aumento de preços de medicamentos, colocava que este aumento era
extraordinário e excepcional, de modo que o ordinário em sua aplicação foi o
congelamento dos preços, até porque não havia na Lei critérios claros para a
concessão deste aumento de preços.
Os artigos 5 e 6 da Lei 10.213/2001 estabeleciam critério sui generis para a
sujeição dos laboratórios farmacêuticos ao congelamento de preços, dividindo
estas empresas em duas classes distintas conforme tenham praticado aumento
dos preços de seus produtos no período de 1/11/1999 a 31/10/2001 em per-
centual (i) maior ou igual ou (ii) menor ao Índice Paramétrico de Medi-
camentos, arbitrariamente fixado em 4,4% (quatro virgula quatro por cento)
(itens 2.1 e 2.2 do anexo da Lei 10.213/2001).

estudosFEBRAFARMA [ 97 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

As empresas que se enquadravam no primeiro grupo não podiam aumen-


tar seus preços enquanto perdurasse o congelamento, e as empresas que se
enquadrassem no segundo grupo “(ii)” poderiam aumentar seus preços em
janeiro de 2001 até o limite deste Índice Paramétrico de Medicamentos (4,4%)
considerado no período de 1/11/1999 a 31/10/2001, respeitado o limite de 135%
(cento e trinta e cinco por cento) do Índice Paramétrico de Medicamentos.
Desta forma, as empresas sujeitas ao congelamento de preços tinham sua
conduta posterior à vigência da Lei 10.213/2001 (possibilidade de utilização do
aumento em janeiro de 2001) determinada por atos praticados antes desta
vigência (entre 1/11/1999 e 31/10/2001).
Com isto, a Lei 10.213/2001 impunha de maneira dissimulada a retroação
dos seus efeitos, penalizando aqueles que antes de sua vigência adotaram con-
duta que era arbitrariamente vedada, qual seja, ter aumentado seus preços
acima do limite de 4,4% (quatro vírgula quatro por cento) naquele período.
Ora, a irretroatividade das Leis existe, justamente, para impedir desmandos
e perseguições, para impedir que alguém seja penalizado por conduta imutável,
pois pretérita, uma vez que os sujeitos passivos da lei só devem, pois só podem,
obedecê-la após sua vigência ou pelo menos após sua existência, momento em
que têm a consciência da conduta que a lei lhes impõe.
Ademais, a irretroatividade das leis também protege o cidadão, em um sis-
tema onde o criador da lei não conhece aqueles que por ela serão atingidos,
pois sua incidência dependerá de atos futuros, evitando a criação de leis com
“alvos certos”, o que, exemplificando pelo absurdo, seria equivalente ao
governante, querendo castigar fulano, criar norma por medida provisória
tornando crime conduta praticada no dia 17/04/2001 que ele, de antemão,
sabe que foi praticada por este.
Portanto, a Lei 10.213/2001 foi inconstitucional por ferir o artigo 5, inciso
XXXVI, da nossa Constituição Federal, que trata da irretroatividade das Leis.
A Lei em questão também trazia inválida delegação de poderes à CAMED 123
que, segundo esta, tinha poderes para, sem parâmetros definidos, (i) julgar os
pedidos de reajustes extraordinários de preços, (ii) decidir pela exclusão de gru-
pos ou classes de medicamentos da incidência do regime de congelamento de
preços e (iii) definir os documentos a serem apresentados nos Relatórios de
Comercialização que deveriam ser apresentados mensalmente pelos labora-
tórios farmacêuticos.
123
Integrada pelo chefe da Casa Civil, ministro de Estado da Justiça, ministro de Estado da Fazenda e
ministro de Estado da Saúde, e com comitê técnico formado pelo secretário de Direito Econômico do
Ministério da Justiça, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e um represen-
tante da Casa Civil.

[ 98 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

O princípio da legalidade, base dos países minimamente democráticos, está


cristalino no artigo 5, inciso II, de nossa Carta Magna, “ninguém é obrigado a fazer
ou deixar de fazer senão em virtude de lei”, cabendo repetir em virtude de lei, e não
em virtude de decreto, de portaria ou até de resolução de quem quer que seja, pois
estas normas simplesmente não são lei como requer o princípio constitucional.
Assim, não é possível que nenhum órgão público inove o ordenamento
jurídico, criando, extinguindo ou modificando Direitos, como tinha poderes para
fazê-lo a CAMED conferidos por transferência pela Lei 10.213/2001. Isto signifi-
ca dizer que a criação de Direitos e deveres é prerrogativa apenas do Poder
Legislativo, e não tendo este poder criado tal obrigação não pode o Poder
Executivo fazê-lo, a menos que haja uma delegação legislativa pelo Congresso
Nacional transferindo a competência para legislar sobre determinado tema
específico para o Presidente da República – único apto a receber tal delegação, ou
através de medidas provisórias que na verdade nada mais são do que um poder.
O conteúdo do artigo 12 da Lei 10.213/2001 pretendeu realizar, disfarçada-
mente, referida delegação conferindo à Câmara de Medicamentos prerrogativa jus-
tamente para inovar o ordenamento jurídico sem quaisquer parâmetros ou obje-
tivos que deveriam ser perseguidos ou alcançados com seus atos regulamentares:

(i) Alterando o aspecto subjetivo da hipótese de incidência da Lei – com


poderes para “excluir grupos ou classes de medicamentos da incidência”;

(ii) “Julgar [segundo os critérios que inventasse, conforme deixa claro o


inciso VII do referido artigo 12, ao frisar que a câmara iria ‘elaborar ...
os critérios para a concessão de reajuste extraordinário de preços’, assim o
inciso I do artigo 12 da Lei 10.213/2001 obrigou o empresariado nacional à
mendicância por aumentos de preços, com grau inaceitável de discriciona-
riedade pelos administradores públicos”;

(iii) “Regulamentar [na verdade criar critérios e normas jurídicas, pois estes
não estão na lei] a redução dos preços dos medicamentos que forem objeto de
redução de tributos”.

Ora, o princípio da legalidade existe justamente para frear os arroubos do


Poder Executivo e garantir que a vontade do Congresso – verdadeiro sensor da
vontade social e espelho da sociedade que o elegeu – seja soberana sobre as das
demais funções do Estado, sendo certo que ao votar fato consumado (como todos
os outros abusos de Medidas Provisórias) de alto apelo de marketing político não
expressa livremente esta vontade, como bem sabe nosso Poder Executivo.

estudosFEBRAFARMA [ 99 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Consoante à Lei 10.213/2001 o controle de preços não dizia respeito ao con-


trole de preços de medicamentos produzidos por empresas estreantes no mer-
cado relevante de algum medicamento, em primeiro lugar porque, conforme
visto, a empresa estreante não detém poder de mercado, de modo que contro-
lar seus preços é uma atitude totalmente contrária ao estímulo da competição e
depois porque, a despeito dos entendimentos contrários, referida norma não
continha tal determinação.
A questão dizia respeito ao enquadramento dos produtos da empresa
estreante na hipótese do artigo 8 da Lei 10.213/2001 – passível de análise inicial
e indeferimento pela Câmara de Medicamentos, ou na hipótese do artigo 9
desta Lei – passível apenas de congelamento após sua apresentação a referida
Câmara, pois (i) no primeiro caso a empresa estaria sujeita a estabelecer os
preços iniciais de seus produtos pela média das apresentações já existentes e (ii)
apenas a manter seus preços congelados, sendo livre para esta estipulação inicial.

Art. 8 – Quando houver a inclusão de novas apresentações de medicamen-


tos à lista de produtos vendidos pela empresa, os preços unitários iniciais
não poderão exceder à média dos preços unitários das apresentações já exis-
tentes, e nem ser elevados até 31 de dezembro de 2001.

Art. 9 – Quando houver a inclusão de produtos novos à lista de produtos


vendidos pela empresa, o preço inicial não poderá ser elevado até 31 de
dezembro de 2001.

A controvérsia que se estabeleceu quanto ao enquadramento das empresas


estreantes decorreu dos conceitos de nova apresentação ou produto novo con-
tidos nestes artigos que necessitavam de uma perfeita interpretação para o
enquadramento do caso concreto em uma ou outra hipótese – produtos novos
ou novas apresentações.
A resolução nº 4 da CAMED pretendeu elucidar esta questão determinan-
do, em seu artigo 1º, que:

§ 1º Consideram-se produtos novos, para efeito do disposto no artigo 9 da


Medida Provisória nº 2.138-3, de 2001:

I – os produtos que apresentem em sua composição ao menos um fármaco


ativo que seja ou tenha sido objeto de patente, por parte da empresa res-
ponsável pelo seu desenvolvimento e introdução no mercado no país de
origem, e não disponível no mercado nacional;

[ 100 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

II – as novas concentrações e associações no País, desde que destinadas à


utilização em indicações terapêuticas diferentes das indicações originais.

E que:

§ 2º Consideram-se novas apresentações, para efeito do disposto no artigo


8 da Medida Provisória nº 2.138-3, de 2001:

I – os produtos objeto de alteração de registro;

II – os produtos que forem incluídos no rol de medicamentos já comercia-


lizados pela empresa e que não se enquadrem na definição de produtos
novos, prevista no parágrafo anterior.

Justamente neste ponto é que a Câmara de Medicamentos extrapolou de


sua função regulamentadora infralegal e mudou o conceito contido na Lei
10.213/2001, conceituando como produto novo apenas aquele patenteado ou
inovador, inexistente no País, e nova apresentação todo o resto.
Referida solução é totalmente contrária aos objetivos constitucionais da re-
gulação do mercado de medicamentos, na medida em que justamente o produ-
to patenteado é que detém monopólio de mercado relevante e tende a ter seus
preços mais altos, e o não-patenteado é o desafiante em mercado relevante que
tende a ter preços mais baixos e, portanto, ser mais acessível para a população.
Percebe-se que tanto o artigo 8 quanto o artigo 9 da Lei 10.213/2001
tratavam da “inclusão” de novos produtos ou novas apresentações em um
conjunto formado pelos “produtos vendidos pela empresa”, contrariamente à
Resolução nº 4 da CAMED que tratou desta inclusão no conjunto de produtos
vendidos no País, conforme podemos verificar no quadro abaixo.

estudosFEBRAFARMA [ 101 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Quadro de Comparação de Conceitos

Conceito legal Conceito infralegal


Lei 10.213/2001 Resolução nº 4 da Camed
Novas Inclusão de novas Novas I - os produtos objeto
apresentações apresentações de apresentações de alteração de registro;
(art. 8) medicamentos à lista (Art. 1º, § 2º) II - os produtos que
de produtos vendidos forem incluídos no
pela empresa rol de medicamentos
já comercializados
pela empresa e que
não se enquadrem na
definição de produtos
novos, prevista no
parágrafo anterior.
Produtos Inclusão de produtos Produtos I - os produtos que
Novos novos à lista de Novos apresentem em sua
(art. 9) produtos vendidos (Art. 1º, § 1º) composição ao menos
pela empresa um fármaco ativo que
seja ou tenha sido
objeto de patente, por
parte da empresa
responsável pelo seu
desenvolvimento e
introdução no
mercado no País
de origem, e não
disponível no
mercado nacional;
II - as novas concen-
trações e associações
no País, desde que
destinadas à utiliza-
ção em indicações
terapêuticas
diferentes das
indicações originais.

[ 102 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

O artigo 8 da Lei 10.213/2001 determinava que seria aplicado “quando


houver a inclusão de novas apresentações de medicamentos à lista de produtos
vendidos pela empresa”, deixando claro que são novas apresentações de produ-
tos que já existiam na linha de produtos vendidos pela empresa e não como
constou da desastrada Resolução novas apresentações de produtos que já exis-
tiam no mercado farmacêutico, pois se assim o fosse sua redação seria “quando
houver a inclusão de novas apresentações de medicamentos à lista de produtos”
vendidos no mercado nacional.
No mesmo sentido o mandamento do artigo 8 da Lei 10.213/2001, determi-
nando que “os preços unitários iniciais não poderão exceder à média dos preços
unitários das apresentações já existentes”, só podia estar tratando da média das
apresentações já existentes de produtos da empresa, e não como quiseram
nossos administradores públicos – a média das apresentações já existentes no
mercado brasileiro, pois, seria fugir à vontade da lei: termos a hipótese tratando
de um conjunto (produtos vendidos pela empresa), para o mandamento deter-
minar uma conduta com relação a outro conjunto (produtos vendidos no
mercado nacional).
Não se pode chegar a outra conclusão pela interpretação teleológica do dis-
positivo legal, na medida em que este visava simplesmente evitar que se
driblasse o congelamento de preços mudando apenas a apresentação do
medicamento para alegar que se tratava de um novo produto 124.
No mesmo sentido o artigo 9 da Lei 10.213/2001 determinava que, “quan-
do houver a inclusão de produtos novos à lista de produtos vendidos pela empresa,
o preço inicial não poderá ser elevado até 31 de dezembro de 2001”, deixando claro
que havendo a inclusão de novos produtos à lista dos medicamentos já vendi-
dos pela empresa, estes teriam seus preços estipulados por esta, mas que tais
preços não poderiam ser aumentados.
Referida disposição não poderia ser diferente, pois a inclusão de um novo
medicamento à lista de produtos da empresa implica em investimentos de
pesquisa e modificação de estrutura industrial que devem ser amortizados,
investimentos mais altos de marketing para a colocação do produto, etc.
Cabendo salientar que a norma legal não continha qualquer menção
a patente ou novidade no País, como o fazia a Resolução, que além de tudo
feria o princípio da igualdade ao privilegiar as empresas mais poderosas,
que têm as maiores margens de lucro com os tais medicamentos inovadores,
124
Por exemplo, remédio que era vendido em xarope e passa a ser vendido em comprimidos, ou remédio recomen-
dado para 1 comprimido de 2Y mg por dia, por outro recomendado para 2 comprimidos de Y mg a cada 12 horas
(que são meras novas apresentações de produtos, mantendo assim a clientela mas fugindo do congelamento).

estudosFEBRAFARMA [ 103 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

tratando os desiguais com desigualdade, a qual agravava a situação, não que


a compensava.
No mesmo sentido, a Lei 10.213/2001 determinava em seu artigo 3º que, no
seu período de vigência, “as empresas produtoras de medicamentos observarão
para, o reajuste de seus preços, as regras contidas nesta lei”, já deixando claro que
visou controlar o reajuste de preços e não a definição inaugural de preços de
medicamentos, como também ficava clara a vedação de “elevações de preços”,
determinada em seu parágrafo único.
No mesmo sentido os novos produtos de um laboratório farmacêutico que
já existia antes da edição da Lei, mas que não explorava o mercado relevante
destes novos produtos, também não estava sujeito à definição inicial de preços,
mas apenas ao controle de seu reajuste.
Com efeito, o artigo 4 desta Lei “define os parâmetros para reajustes de
preços” através da Fórmula Paramétrica de Reajuste de Preços de Medica-
mentos, sendo certo que o resultado de sua aplicação é tão-somente a definição
do valor máximo do RMP – Reajuste Médio de Preços, que era determinado
pelo artigo 6 da Lei.
Igualmente, o critério para a permissão caso a caso de Reajuste Médio de
Preços decorria da diferença entre a Evolução Média de Preços da empresa 125 e
o Índice Paramétrico de Medicamentos de 4,4%.
Conforme se verifica no item 2.1 do Anexo da Lei 10.213/2001 que definia
a Fórmula Paramétrica de Reajuste de Medicamentos, o EMP era calculado com
base em variáveis definidas pelo histórico de faturamento do medicamento no
período de 1º de novembro de 1999 a 31 de outubro de 2000 e seus preços no
período de 1º de agosto de 1999 a 30 de novembro de 2000, informações que
deviam ser fornecidas na forma da Resolução nº 1 da CAMED.
Para os novos produtos (considerados como aqueles que não foram comer-
cializados nestes períodos sob nenhuma apresentação pela indústria analisada)
não existia no caso concreto este histórico, sem o qual não é possível aplicar
a Fórmula Paramétrica para cálculo de reajuste de preços, pois sua única
constante IPM (Índice Paramétrico de Preços) não é suficiente para manter a
integridade da fórmula.
Assim, considerando as variáveis de faturamento para os produtos
conceituados como novos como “Ø”, pois inexistentes, teremos a perda da
consistência da fórmula paramétrica, pois tínhamos divisões por “Ø”:

125
Evidentemente inexistente para produtos não comercializados pela empresa anteriormente.

[ 104 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

F i = 0, já que suas variáveis Pji e Qji serão “Ø”, conseqüentemente FPi = Ø


(de maneira mais correta impossível), não obtendo então o EMP adequado.

P iEMP = Ø, pois P iago/99 = Ø

Tudo resultando que o RMP será igual a “Ø” (de maneira mais
correta impossível), independentemente do preço do produto em
janeiro de 2001 (caso este preço também não seja “Ø”).

Igualmente, demonstrando que o ratio legis foi o controle do reajuste de


preços e as suas reduções na mesma proporção da redução da carga tributária,
o artigo 14 da Lei 10.213 estabelecia penalidades apenas para “a empresa que
infringir as regras sobre elevação e redução de preços de medicamentos” 126.
No tocante a empresas que, além de estreantes no mercado relevante, ainda
estreavam no mercado de medicamentos, tínhamos que o disposto no artigo 8,
da Lei 10.023/2001, que regrava a “inclusão de novas apresentações de medica-
mentos” na lista de produtos comercializados pela empresa, claramente limitou
a sua aplicação a empresas que já operam no mercado farmacêutico antes do
lançamento da nova apresentação, pois, nos termos deste artigo, estas novas
apresentações serão acrescentadas “à lista de produtos vendidos pela empresa”.
Ora, se as empresas estreantes não tinham lista de produtos vendidos, pois
ainda não venderam nenhum produto, não estão acrescentando produtos “à
lista de produtos vendidos”, mas sim criando uma lista de produtos que serão
vendidos, não estando incluídas nas hipóteses da Lei 10.213/2001.
E no mesmo sentido está a regulamentação feita nos termos do parágrafo
2º, do artigo 1º da Resolução nº 4 da CAMED, englobando duas hipóteses no
controle de preços:

“I – os produtos objeto de alteração de registro” – que não se referia aos


produtos das empresas estreantes, pois estes não sofriam alteração dos seus
registros recém-concedidos e;

“II – os produtos que forem incluídos no rol de medicamentos já comercia-


lizados pela empresa e que não se enquadrem na definição de produtos novos,
prevista no parágrafo anterior.”
126
Art. 14. A empresa que infringir as regras sobre elevação e redução de preços de medicamentos estabele-
cidas nesta Lei fica sujeita às sanções administrativas previstas no art. 56 da Lei 8.078, de 11 de setembro
de 1990.

estudosFEBRAFARMA [ 105 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Muito embora referida norma infralegal (inciso II do art. 1º, da Resolução


nº 4 da CAMED) fosse revestida de caráter residual (aplicava-se aos casos não
enquadrados nas categorias específicas), sua hipótese de incidência continha
um limitador dos casos sob seu foco de aplicação, uma excludente de seu con-
junto hipotético de fatos imponíveis, que em Direito tributário seria chamada
de norma de não incidência 127.
Esse limitador criava um subconjunto de casos possíveis dentro da norma
residual em questão que não se submete a esta.
No caso, esse limitador atuava no critério subjetivo da norma, pois dentro
do conjunto de produtos “que não se enquadrem na definição de produtos
novos”, impunha que estes fizessem parte do “rol de medicamentos já comercia-
lizados pela empresa”, o que a contrário sensu impõe que somente as empresas
que já comercializassem medicamentos estavam enquadradas na sua hipótese
de incidência.
Evidentemente que no sistema da Lei 10.213/2001 a empresa estreante no
mercado de medicamentos ou em um mercado relevante de medicamentos
sujeitava-se ao congelamento de preços, apesar de poder estabelecer livremente
seus preços iniciais.
Em 06 de setembro de 2001, o Presidente da República editou a Medida
Provisória 2.230/2001 alterando radicalmente esse sistema de aplicação da
análise de preços de lançamento de novos produtos/novas apresentações de
medicamentos, dando novos poderes para a CAMED além de estender o con-
gelamento de preços até dezembro de 2002.
Segundo esta nova Medida Provisória os medicamentos ou apresentações
vendidos a partir de 2002 tinham regime jurídico diferenciado para o estabele-
cimento de seus preços iniciais.
Segundo o parágrafo único inserido no artigo 8 da Lei 10.213/2001, “as
novas apresentações incluídas na lista de produtos vendidos pela empresa, em
2002, observarão os critérios de definição de preços unitários iniciais estabele-
cidos pela Câmara de Medicamentos e não poderão ser elevados até 31 de
dezembro de 2002”.
E, de acordo com o parágrafo único, inserido no artigo 9, da Lei
10.213/2001, “os produtos novos incluídos na lista de produtos vendidos pela
empresa, em 2002, observarão os critérios de definição de preços unitários iniciais
estabelecidos pela Câmara de Medicamentos e não poderão ser elevados até 31 de
dezembro de 2002”.
127
Denominação usual, mas imprópria, já que a norma de não incidência é mero complemento da norma de
incidência que lhe diminui a abrangência.

[ 106 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Referida Medida Provisória permitiu que a partir de 2002 a Câmara de


Medicamentos:

1) Determinasse livremente “os critérios de definição de preços unitários


iniciais” das novas apresentações, que anteriormente teriam de ser infe-
riores apenas a média dos preços unitários das apresentações já existentes,
dando, assim, competência para a CAMED alterar por Resolução o manda-
mento da norma jurídica em questão e;

2) Determinasse livremente “os critérios de definição de preços unitários


iniciais” dos novos produtos, que anteriormente não estavam sujeitos à
análise de seus preços de lançamento, dando competência, na melhor das
hipóteses, para a CAMED alterar por Resolução o mandamento dessa nova
norma jurídica que determina a análise dos preços de lançamento dos
medicamentos novos.

Mas não é só, a Medida Provisória em questão foi editada pelo Sr.
Presidente da República no dia 06 de setembro de 2001, contendo normas para
aplicação apenas em 2002.
Ora, é sabido que, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal de 1988,
em sua redação original, o Presidente da República só pode adotar Medidas
Provisórias “em caso de relevância e urgência”.
Parece-nos evidente que não havia urgência na edição da referida Medida
Provisória, posto que foi editada em setembro de 2001 com sua eficácia apenas
para o ano de 2002, sendo contraditória a determinação desta eficácia diferida,
com o próprio conceito de urgência, pois o que urge não pode esperar até 2002,
ainda mais tendo em vista que as Medidas Provisórias, na forma da
Constituição Federal, em vigor quando da edição desta Medida Provisória,
tinham vigência por apenas 30 dias.
Dessa forma, nosso Presidente da República poderia, sem maiores difi-
culdades, ter feito projeto de lei para submissão à votação de nossas Casas
Parlamentares no regime de urgência previsto no parágrafo único do artigo
64 da Carta Magna. Este seria o caminho constitucional e, acima de
tudo, democrático.
No dia 05 de setembro de 2001, o Plenário do Senado Federal aprovou a
Emenda Constitucional nº 32, que impediu a reedição de Medidas Provisórias
mais de uma vez, mas que, em seu artigo 2º, determinou que as medidas pro-
visórias editadas em data anterior à sua publicação permanecessem em vigor
até sua revogação por outra Medida Provisória, ou até deliberação definitiva do
Congresso Nacional.
estudosFEBRAFARMA [ 107 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

No dia da votação da Emenda, o Deputado Efraim Morais convocou sessão


no Plenário da Câmara dos Deputados para o dia 11 de setembro de 2001 para
a promulgação da referida Emenda Constitucional nº 32, e no dia 06 de setem-
bro de 2001 foi publicada a citada Medida Provisória.
Desta forma, referida Medida Provisória, como tantas outras, teve vigência
como se Lei fosse, atitude premeditada e contrária à moralidade adminis-
trativa, posto que voltada a burlar as normas constitucionais voltadas a provi-
soriedade das, por isso assim denominadas, Medidas Provisórias.
Com efeito, tal Medida Provisória além da inconstitucionalidade já aponta-
da padeceu de outro vício insanável pela ausência do pré-requisito da urgência
existente na redação original do artigo 62 da Constituição Federal e existente na
nova redação do artigo dada pela Emenda Constitucional 32/2001, pelo que
todos os seus efeitos tanto no tocante a extensão do prazo de congelamento de
preços de medicamentos, quanto na extensão dos poderes da Câmara de
Medicamentos, são inválidos perante nosso sistema jurídico.

3. Regulação de Preços de Medicamentos pela Lei 10.742/2003

Após o término da vigência do congelamento de preços apontado acima, no


vácuo criado na mudança de governo causada pela eleição presidencial, vigorou um
acordo entre os laboratórios farmacêuticos e o novo governo que manteve o
congelamento de preços até a edição da Medida Provisória 123 de 26 de junho de
2003, que novamente congelou os preços de medicamentos até março de 2004,
determinando que a partir de então os preços de medicamentos seriam definitiva-
mente controlados, tendo sido convertida na Lei 10.742 de 6 de outubro de 2003.
Pelo exposto, quanto às falhas existentes no mercado nacional de medica-
mentos fica clara a necessidade de regulação deste mercado para a criação de
condições efetivas de concorrência 128, salientando que a intervenção só se
128
“Na teoria de preços, num regime de concorrência, existem o preço normal e o de mercado. O preço normal
é praticamente inviável de obtenção, considerando o dinamismo social e a constante mutação das relações e as
condições econômicas. O preço de mercado é aquele constatado em determinado momento, influenciando pelo
jogo da oferta e procura de bens. Sua determinação condiciona-se às leis do mercado, que são: regra da utili-
dade, entendendo-se que o preço é único num dado momento para um objeto determinado; regra de ação, na
qual o preço tende a subir quando a procura excede a oferta e o preço tende a baixar na situação inversa; regra
de reação, na qual a alta de preços tende a reduzir a procura e a aumentar a oferta, assim como a baixa faz
aumentar a procura e diminuir a oferta; regra do equilíbrio, na qual o preço se estabelece a tal nível que a ofer-
ta se iguala à procura. Ocorre, no entanto, que essas regras que atuam no mercado livre de determinações nem
sempre apresentam os resultados pretendidos, gerando desequilíbrios. Nesse momento se justifica a intervenção
do Estado para regular e reequilibrar a economia, afastando as distorções geradas.” SANCHEZ, C.G. Aspectos
da Relação entre Estado e Iniciativa Privada: Enfoque Constitucional. 1999. 120f. Dissertação (Mestrado
em Direito Constitucional) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, págs. 86 e 87.

[ 108 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

justifica nos mercados relevantes em que esta realmente não se apresente, pelo
que devemos estudar se a medida tomada pelo Governo Federal é legítima para
esta finalidade.
Com efeito, “a fixação de preços pelo Estado gera a obrigação, para o agente
econômico, de praticá-lo no limite fixado, daí se originando dois Direitos distintos:
o público, do Estado, de ver cumprida sua determinação, tendo em vista a satisfação
do interesse social; o privado, da parte adversa contratante, de ver satisfeito o seu
interesse, pessoal, em não pagar mais do que o definido pelo texto normativo” 129.
Sendo assim, o agente econômico só poderá cobrar pelos seus produtos os
valores autorizados pelo órgão competente para definir seus preços, podendo
em caso de descumprimento tanto ser penalizado administrativamente, quanto
ser acionado pelos compradores de seus produtos.
O controle de preços trata das conseqüências da falta de concorrência, dos
seus efeitos, sem efetivamente tratar das causas que levam ao seu aumento abu-
sivo, é uma medida extrema que substitui o próprio mercado, pois bloqueia o
sinal que os agentes econômicos trocam entre si, qual seja o próprio preço,
referida medida acaba gerando grande poder para o administrador público,
que passa a ter a competência para tomar a decisão sobre o aumento de preço
solicitado pelo fornecedor.
Dessa forma, o poder econômico acaba submetido ao poder político que
passa a dar uma finalidade ao mercado, contrastando com a própria idéia de
concorrência que levaria os fornecedores na ânsia de aumentar sua participação
no mercado a buscarem diferenciais entre si de forma aleatória. O controle de
preços aniquila a efervescência do mercado que é responsável pelas evoluções
inusitadas do próprio mercado selecionadas pelas escolhas do consumidor.
No controle de preços o poder político dá uma finalidade ao mercado, a
finalidade política que acaba com esta efervescência natural do mercado, já que
o agente econômico passa a jogar com base não mais nos movimentos dos con-
sumidores mas sim com base nos movimentos do governo, passando a buscar a
maximização de seus resultados através deste relacionamento com o governo.
O fenômeno é o mesmo que já ocorreu nos tempos do CIP, quando os agentes
econômicos deixaram de buscar o aumento de produtividade e redução de custos,
simplesmente porque para maximizar seus resultados não poderiam diminuir seus
custos, pois se o fizessem não teriam argumentos para obter aumentos de preço.
Outro malefício do controle de preços é o risco de o administrador
público competente para aprovar os aumentos de preços passar a utilizar
129
GRAU, Roberto E. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2003, págs. 86 e 87.

estudosFEBRAFARMA [ 109 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

seu poder para fins próprios, sejam escusos ou simplesmente fins políti-
cos, o que é até natural já que para este a maximização dos resultados se
dá pela popularidade de suas medidas e não pela sua eficiência, de modo
que este poderá adotar medidas populares mas ineficientes do ponto de
vista econômico.
No nosso entender é ingênuo argumentar que o administrador público
procurará sempre as medidas mais eficazes porque estas gerarão melhorias
econômicas que lhe darão maior popularidade, na medida em que seus
interesses pessoais tendem a interferir em seu critério de julgamento, uma
vez que:

(i) Os políticos têm em mente sempre o calendário eleitoral, de modo que


suas medidas têm de produzir resultados sensíveis no período pré-eleitoral
para que eles possam colher resultados nas próximas eleições ainda que as
medidas produzam efeitos negativos após este prazo e;

(ii) Também há assimetria de informações nas eleições, de modo que o que


importará para o político não são os efeitos reais de suas medidas mas sim
os efeitos perceptíveis pelo eleitor.

Efetivamente, diversas opções econômicas podem ser tomadas para ter um


bom resultado em curto prazo, com péssimos resultados em longo prazo, por
exemplo o aumento de importações de países que, por diversas razões, possuem
preços mais competitivos em relação aos fornecedores nacionais (p. ex. legis-
lação trabalhista, fiscal ou ambiental mais branda), o que gera uma redução
momentânea de preços mas acaba por desmantelar o parque industrial nacional
criando dependência de importações, como ocorrido no mercado de matérias-
primas farmacêuticas.
Ainda que todos os agentes econômicos e políticos estejam extremamente
bem-intencionados e desprendidos de seus interesses pessoais – hipótese abso-
lutamente cerebrina já que sabidamente irreal –, o controle de preços trará
malefícios a longo prazo porque (i) os detentores de capital serão arredios a
fazer investimentos em um mercado sujeito a possíveis humores políticos, e (ii)
os políticos teriam de ser oniscientes em relação às informações do mercado e
dos fornecedores e consumidores envolvidos para conseguirem ajustar total-
mente os preços tabelados à realidade temporal e regional dos mercados rele-
vantes em tempo real, o que evidentemente é impossível, de modo que suas
decisões têm grande probabilidade de serem equivocadas, intempestivas e

[ 110 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

injustas, gerando graves desequilíbrios e instabilidades para o mercado regula-


do, o que gradativamente levará ao desabastecimento 130.
Por estas razões o controle de preços de medicamentos não foi recomen-
dado pela CPI dos Medicamentos:
“Dentro do atual quadro político-econômico brasileiro não há mais campo
para a prática de políticas de tabelamento de preços. A experiência passada a
respeito foi desastrosa, especialmente no caso dos medicamentos. Os laboratórios,
para driblar o controle de preços, passaram a adotar vários expedientes: cobrança
de ágio; ‘maquiagem’ de produtos; venda casada; preços de transferência na com-
pra de matéria-prima diretamente da matriz; uso de matérias-primas e embala-
gens inferiores e até aumentos com autorização forjada. Se impossível a adoção de
quaisquer desses expedientes, ocorria o desabastecimento.
Por outro lado, o tabelamento de preços, além de não assegurar preços estáveis
por prazos razoáveis, afugenta os investimentos que poderiam ser feitos no setor,
seja para pesquisa e desenvolvimento para a produção de novos medicamentos,
seja para a implantação de plantas mais modernas e produtivas.
Não há, portanto, em economias de livre mercado, como a nossa, alternativa
para evitar a prática de preços excessivos e lucros arbitrários que não seja através
130
“Quais serão as conseqüências deste controle de preços? Podemos analisá-las utilizando o instrumento já
desenvolvido de oferta, demanda e equilíbrio. Ao preço P1 haverá demanda insatisfeita. Nem toda a quan-
tidade desejada pelos consumidores (Q0) pode ser adquirida, pois os ofertantes só desejam vender a quanti-
dade Qs. Sem o tabelamento, surgiriam pressões para os preços aumentarem, de forma que tornasse a
quantidade demandada igual à oferecida. Em outras palavras, o mecanismo de preços é responsável ou é a
forma pela qual a quantidade ofertada se distribui entre os consumidores. Com o aumento de preços, desa-
parece o excesso de demanda. Estabelecido o tabelamento, os preços não poderão subir. Serão necessários
outros mecanismos para distribuir a quantidade ofertada entre os consumidores. Vários sistemas aparecem
espontaneamente. Vamos apresentá-los por meio de um exemplo. Suponhamos que joguem, no Morumbi,
São Paulo e Corinthians decidindo o campeonato paulista. Os ingressos são tabelados e limitados. O público
que deseja apreciar o espetáculo é maior que a capacidade do estádio. Surge o excesso de demanda. Como este
problema pode ser resolvido? Existem várias possibilidades. I – surgirem filas nas bilheterias. Os primeiros
que chegarem serão contemplados. As filas aparecem não só no futebol, mas nos cinemas, nos ônibus e outros.
É critério que surge quando aparece excesso de demanda. II – serem feitas vendas por debaixo do pano. A
Federação Paulista de Futebol reserva certo número de ingressos e os vende aos amigos. Em geral, a Federação
separa parte dos ingressos aos clubes, e estes os vendem a seus diretores e conselheiros. Esses adquirem ingres-
sos sem precisar entrar em filas. Mas não é só neste caso que surgem essas vendas. Podem surgir para qual-
quer produto que seja escasso em certo momento. Um vendedor qualquer recebe produção limitada de deter-
minado artigo de grande demanda. Para quem ele vai vender? Em geral, vai dar preferência aos fregueses
antigos, aos amigos e a outras pessoas, por outras razões. Para os demais consumidores, a mercadoria “está
em falta”. III – surgir o mercado negro. Alguns elementos (cambistas) compram certas quantidades de ingres-
sos e os vendem a preços maiores que os fixados, daí auferindo lucros. O mercado negro surge quando a
autoridade não dispõe de meios adequados para fiscalizar as vendas. O mercado negro pode surgir no ataca-
do ou no varejo, dependendo das condições de mercado e de fiscalização. Assim, por exemplo, se houver pou-
cas empresas produtoras do bem tabelado, a fiscalização nesse nível é fácil e operante. Mas, se no varejo hou-
ver muitos vendedores, as dificuldades de fiscalização poderão causar o aparecimento do mercado negro. Essas
três são as formas mais comuns e surgem espontaneamente no mercado.” PINHO, D.B. e VASCONCELOS,
M.A S. (orgs) Manual de Economia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, págs 153 e 154.

estudosFEBRAFARMA [ 111 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

dos instrumentos de controle indireto de preços, via monitoramento e acompa-


nhamento do mercado.
Em absoluto defendemos a desregulamentação do setor. É dentro dessa ótica
que entendemos deva ser construído um ambiente de regulação de preços que possa
superar os problemas decorrentes das falhas de mercado e assegurar o equilíbrio
relativo dos preços de medicamentos.
É isso que existe nas economias de mercado do mundo e o Brasil não pode se
afastar dessa realidade.” 131
As mesmas opiniões foram expressas pelo Ministério da Fazenda:
“O Ministério da Fazenda é de opinião que trata-se de alternativa que não
pode ser descartada, tendo em vista a importância do setor para a saúde e para a
poupança da população. O Ministério é, entretanto, de opinião que as medidas de
natureza estrutural e regulatórias acima discutidas, uma vez adotadas, terão o
condão de assegurar evolução módica de preços nesse setor. O Ministério é de
opinião que essas medidas devem ser implantadas antes de ser considerada a
hipótese mais traumática de controle de preços. Isto porque a eventual instituição
de sistema de controle de preços (i) poderia ter o efeito, indesejável, de inibir inves-
timentos no setor, inclusive em pesquisa e desenvolvimento; (ii) seria contrária ao
processo de liberação de preços da economia que o Brasil vem conhecendo ao longo
dos últimos anos, e que tem efeitos benéficos para o grau de competição entre os
agentes econômicos; (iii) introduziria distorções no funcionamento do setor, prin-
cipalmente por substituir, com relação a preços, as decisões dos agentes econômicos
pelas decisões, necessariamente menos eficientes, do Governo.” 132
O tabelamento de preços também encontra dificuldades práticas de apli-
cação, que o tornam ineficiente, conforme apontou Paulo Correa, Secretário-
Adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da
Fazenda 133, na época da própria CPI dos Medicamentos:
“O tabelamento de preços não funciona por diferentes razões. Uma delas é
que a empresa regulada detém, por definição, mais informações sobre o seu
negócio que o órgão regulador. Nessa situação, é difícil para o órgão regulador
distingüir despesas legítimas das ilegítimas e praticamente impossível definir os
preços socialmente ótimos. Mesmo que fosse possível calcular tais preços, vigiar
a sua aplicação não seria uma tarefa factível: são mais de 10 mil apresentações
de medicamentos éticos comercializados em mais de 42 mil drogarias. Por isso,
131
CPI dos Medicamentos, Título XII – Conclusões.
132
Nota à imprensa, sobre preços de medicamentos, divulgada em 27/11/98.
133
CORREA, Paulo, Para além do Tabelamento, Disponível em
http://www.fazenda.gov.br/seae/arquivos/artigo_remedios.pdf>, Acesso em 15 out. 2003.

[ 112 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

não há experiência internacional exitosa de tabelamento de preços.


Mesmo o Canadá, que vem sendo mencionado como exemplo a esse respeito,
controla apenas os preços dos medicamentos com patente em vigor no país. No
Reino Unido, outra referência freqüente, o que existe desde 1993 é uma política de
compras públicas que estabelece, como condição de aquisição, um nível máximo de
reajuste de preços, o que é distinto do simples tabelamento de preços de medica-
mentos vendidos em drogarias.
A previsão de sanções à fixação de preços abusivos, que consta da Lei 8884/94,
apresenta pelo menos um problema operacional. O conceito de preço ‘abusivo’ só
faz sentido quando existe um parâmetro de referência. Ao definir esse parâmetro,
entretanto, todos os preços superiores tornam-se, por conseqüência, ilegais.
Estaríamos, portanto, de volta ao sistema de tabelamento de preços, com todas as
contra-indicações conhecidas.
Alternativamente, poder-se-ia considerar ‘abusivo’ todo o preço decorrente de uma
conduta anticompetitiva, independentemente do parâmetro de referência. Esta inter-
pretação implica, entretanto, redirecionar o foco da questão do simples tabelamento de
preços para o da investigação das condutas que lhes dão origem. É sintomático que
todos os 151 casos de abusividade de preços (35 da indústria farmacêutica) julgados
pelo CADE, entre 1997 e 1998, tenham sido considerados improcedentes.”
O resultado desastroso do tabelamento de preços pode ser observado
empiricamente nas tabelas preparadas pela Federação Brasileira da Indústria
Farmacêutica, que engloba as associações representativas dos laboratórios far-
macêuticos, nacionais e internacionais, que operam tanto com medicamentos
inovadores, quanto genéricos e similares.
A primeira tabela representa a perda de faturamento da indústria farma-
cêutica com vendas de medicamentos no Brasil:

estudosFEBRAFARMA [ 113 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Brasil - Indústria Farmacêutica


Valor das Vendas (sem impostos)
US$ bilhões - Período: 2000 a 2003 (*)
7,0
6,5 Perda de 2 bilhões de dólares nas vendas nos últimos 3 anos
6,0
5,5
5,0
4,5
4,0
3,5 6,71
3,0
US$ bilhões

5,69
2,5 5,20
4,68
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
-0,48 -0,52
-0,5 -1,02
-1,0
Perda nas vendas Perda nas vendas Perda nas vendas
-1,5
2000 2001 2002 2003(*)
Fonte: GRUPEMEF
Elaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa Febrafarma

A tabela abaixo aponta a perda de recolhimento de impostos incidentes


sobre as operações da indústria farmacêutica:
Brasil - Indústria Farmacêutica
Arrecadação de Impostos Diretos sobre as Vendas
US$ bilhões - Período: 2000 a 2003 (*)
1,8
Perda de 500 milhões de dólares na arrecadação
1,5 de impostos diretos nos últimos 3 anos

1,3

1,0
1,65
0,8
US$ bilhões

1,40
1,28 1,15
0,5

0,3

0,0
-0,25 -0,12 -0,13
-0,3
Perda na arrecadação Perda na arrecadação Perda na arrecadação
-0,5
2000 2001 2002 2003(*)

Elaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa Febrafarma

[ 114 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

A tabela abaixo espelha a perda de postos de trabalho na indústria farma-


cêutica no Brasil:
Brasil - Indústria Farmacêutica
Nível de Emprego (direto)
Período: 2000 a 2003 (*)
52.000
49.600 Perda de 3.800 postos de trabalho nos últimos 3 anos

48.100
Empregos diretos

48.000 47.300
45.800

44.000

40.000
2000 2001 2002 2003(*)

Fonte: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa

Abaixo, temos a tabela que demonstra o quanto arredios os detentores de


capital se encontram com o mercado brasileiro de medicamentos, através da
perda de investimentos em ativos fixos na indústria farmacêutica no Brasil,
demonstrando que os capitais estão migrando para outros investimentos e que,
a longo prazo, a competição no mercado de medicamentos tende a diminuir
ainda mais como efeito da redução da oferta de medicamentos e presença de
concorrentes neste mercado.
Brasil - Indústria Farmacêutica
Investimentos e Expectativa de Investimentos em Ativo Fixo
US$ milhões - Período: 2001 a 2003 (*)
700
Perda de 1,5 bilhão de dólares nos investimentos
600 em ativo fixo nos últimos 3 anos 616
561
500
506
US$ milhões

400

300

200 Investimentos
Expectativa de
100 147 investimentos
121
100
0
2001 2002 2003(*)
Fonte: Interfarma/Grupo de Empresas
Elaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa Febrafarma

estudosFEBRAFARMA [ 115 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

E por fim, a queda das exportações da indústria farmacêutica nacional que


sinaliza nossa perda de competitividade em relação ao mercado internacional
de medicamentos.
Brasil - Indústria Farmacêutica
Exportações e Expectativa de Exportações
US$ milhões - Período: 2001 a 2003 (*)
350
Perda de 298 bilhões de dólares nas
300 exportações nos últimos 3 anos

269
250
240
US$ milhões

200 214

150
153
142
132
100
Exportações
Expectativa
50

0
2001 2002 2003(*)
Fonte: Interfarma/Grupo de Empresas
Elaboração: Febrafarma/Depto. de Economia (*) Estimativa Febrafarma

Da análise das tabelas anteriores, podemos extrair que a política de conge-


lamento e controle de preços, que já não solucionou o problema do acesso a
medicamentos da indústria nacional nos anos 70/80, também não produziu
efeitos positivos em seu renascimento recente, pelo que a Lei 10.742/2003 que
novamente impôs este sistema de autoridade neste mercado certamente tam-
bém não resolverá o problema, pois, como dito, cuida apenas dos efeitos das fa-
lhas do mercado de medicamentos, não de suas causas, que portanto perduram.
Ademais, o controle de preços contido na Lei 10.742/2003 prevê reajuste de
preços anuais, o que apenas serve para aumentar sua ineficiência, tendo em conta
que a rapidez do sistema econômico não se ajusta à lentidão de, apenas anual-
mente, poder se dar o reajuste de preços, de modo que o estabelecimento de prazo
fixo apenas aumenta a assincronia existente entre os sistemas econômico, jurídi-
co e político, o que milita fortemente contra o próprio sentido da regulação feita
pelo Poder Executivo que visa reduzir e não aumentar tal assincronia.
Portanto, considerando o disposto no artigo 196 da Constituição Federal
que determina que somente serão constitucionais as medidas eficazes do ponto
de vista econômico para aumentar o acesso da população aos medicamentos e
que, como visto, o congelamento de preços não é eficaz para esta finalidade,
resta evidente a sua inconstitucionalidade.

[ 116 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Isto posto, o artigo 4 da Lei 10.742/2003, que trata da fixação de preços


de medicamentos e seu artigo 7, que trata do estabelecimento de preços para
produtos novos ou novas apresentações 134, devem ser automaticamente
considerados banidos de nosso Direito, tornando ineficaz o inciso IV, do artigo
6 da referida Lei, que prevê a exclusão e re-inclusão de mercados relevantes no
controle de preços 135.
Neste ponto é importante salientar que o debate ora em pauta não tem qual-
quer relação com os aspectos já questionados do controle de preços de mensali-
dades escolares perante o Supremo Tribunal Federal, que tem como paradigma
o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 319-4, proposta pela
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, Confenem.
A importância da diferenciação decorre de os serviços de educação terem
em comum com o setor de saúde o fato de serem serviços públicos não priva-
tivos e, portanto, existir a possibilidade de algum desconhecedor dos debates
travados naquela ocasião os confundir com os ora realizados.
Pois bem, naquela oportunidade a Confenem sustentou a impossibilidade
do controle de mensalidades escolares pela afronta ao artigo 170 da Cons-
titituição Federal, especialmente no tocante à livre iniciativa.
Neste estudo, sustentamos algo completamente diferente, sustentamos a
inconstitucionalidade do controle de preços de medicamentos pela sua ineficá-
cia e contrariedade aos artigos 196 e 197 da Constituição Federal, que obvia-
mente devem ser aplicados em conjunto com o artigo 170 da mesma Carta.
Os argumentos daquela ação judicial jamais poderiam ser os mesmos que os aqui
expendidos pelo simples fato de que a obrigatoriedade de ampliação de acesso não
existe no artigo 209 da Constituição Federal que trata da atuação privada na educação.
Após este breve mas necessário esclarecimento, salientamos que, ainda que
se pudesse entender como constitucional o tabelamento de preços, os critérios
estabelecidos pelo referido artigo 4 da Medida Provisória 123/2003 são absolu-
tamente impróprios para alcançar os fins constitucionais ou da própria norma
expressos em seu artigo 1º.
Nos termos do citado artigo 4, a fixação de preços de medicamentos será
baseada em um modelo de teto de preços calculado em três fatores, quais sejam:

134
Para os quais valem as mesmas observações feitas sobre os artigos 8 e 9 da Lei 10.213/2003 feitos
anteriormente.
135
Medida razoável caso o tabelamento fosse constitucional, pois permite a avaliação da existência de concor-
rência em mercado relevante e sua liberação, embora o inciso careça de determinação clara deste objetivo,
bem como de um tratamento específico não só para o tratamento peculiar dos mercados relevantes, mas
também para cada jogador de um mercado relevante em relação ao poder de mercado que detém, não tem
sentido controlar preços de um desafiante que ainda não acumulou poder de mercado.

estudosFEBRAFARMA [ 117 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

a) Um índice monetário, o IPCA/IBGE, que contém em sua composição


fatores que não estão relacionados com o mercado de medicamentos e não
contém fatores intimamente relacionados com o setor, como, por exemplo,
a variação cambial;

b) Um percentual de fator de produtividade destinado a passar para os con-


sumidores os ganhos de produtividades da indústria, o que traz novamente
as práticas do CIP na medida em que as empresas deixariam de buscar a pro-
dutividade, pois esta se torna prejudicial na fixação oficial de seus preços;

c) Um fator de ajuste de preços relativos com um componente (i) intra-


setor com base no poder de monopólio, na assimetria da informação e nas
barreiras a entrada; e (ii) entre setores calculado com base na variação de
custos de insumos, caso não sejam recuperados pelo IPCA/IBGE.

Este último componente merece algumas considerações no tocante ao com-


ponente intra-setor. Em primeiro lugar espanta que o componente realmente re-
lativo à análise casuística de mercados relevantes, verdadeira regulação econômica,
tenha apenas ínfima influência na determinação dos referidos preços.
Em segundo lugar, é bastante evidente que, ao inverter a relação colocando o
tabelamento de preços em primeiro lugar e para todos os medicamentos comer-
cializados e, depois, permitindo uma análise oficial dos fatores concorrenciais, a
efetivação da métrica se torna inviável, especialmente se considerarmos a divisão
geográfica de mercados relevantes, pois (i) a máquina estatal não terá recursos
humanos para a análise de todos os mercados relevantes (conforme já menciona-
do) e acabará por fixar índices gerais que não refletirão a realidade de cada mer-
cado relevante e (ii) a lógica de funcionamento da máquina estatal não con-
seguirá realizar as liberações de preços em velocidade suficiente para acompanhar
a velocidade das oscilações de mercado, gerando prejuízos ao próprio mercado.
O órgão responsável pela regulação de preços de medicamentos segundo a
Lei 10.742/2003 é a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos
(CMED), que tem competência para estabelecer critérios para fixação de mar-
gens de comercialização de medicamentos a serem observados pelos represen-
tantes, distribuidores, farmácias e drogarias, inclusive das margens de farmácias
voltadas especificamente ao atendimento privativo de unidade hospitalar ou de
qualquer outra equivalente de assistência médica (art. 6, inciso V).
A prática não é nova pois desde a Portaria nº MEFP 37/92 já temos a fixa-
ção de margens de lucros das farmácias em 30%, com resultados desastrosos

[ 118 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

conforme apontou a CPI dos Medicamentos, que inclusive também concluiu


pela sua inconstitucionalidade:
“Por outro lado, as investigações feitas demonstraram, claramente, que a
Portaria n° 37/92, por prefixar margens para as distribuidoras e farmácias, estimu-
la a prática de sobrestimação de custos/preços. Assim, para cada 1% de aumento nos
custos dos laboratórios, ela repercute em acréscimo de 1,43% no preço de varejo do
medicamento. Ademais, é patente a sua inconstitucionalidade por prefixar margem
de custos/lucros das distribuidoras e farmácias, razão pela qual estamos propondo
sua revogação.” (Relatório da CPI dos Medicamentos – Título XII – Conclusões).
De modo que igualmente entendemos absurda a manutenção da referida
medida até os dias de hoje e inconstitucional também esta reincidência da Lei
10.472/2003 nos erros do passado.
A despeito do inconstitucional congelamento/controle de preços, com rea-
justes anuais, a nova norma de regulamentação de preços de medicamentos
possui inegáveis avanços se comparada com a anterior, especialmente porque
contém os objetivos que devem ser alcançados pelo órgão regulador, quais
sejam: promover a assistência farmacêutica à população por meio de mecanis-
mos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor (art.
1º), os quais estão em consonância com a norma constitucional.
Referida norma cria órgão específico para a regulação do setor, o que é
saudável tendo em conta suas especificidades e relevância social, porém anda
mal ao determinar que a composição do órgão será feita pelo Executivo, que o
fez através do Decreto 4.776/2003, determinando que o órgão será composto
por um Conselho de Ministros presidido pelo Ministro da Saúde, com a parti-
cipação do Chefe da Casa Civil da Presidência da República, do Ministro da
Justiça, e do Ministro da Fazenda, determinando que as decisões serão tomadas
por unanimidade, o que é claramente contrário à agilidade na tomada de qual-
quer decisão que depende de negociação entre as pastas.
O Conselho de Ministros terá competência para I – aprovar critérios para
reajustes de preços de medicamentos; II – decidir pela inclusão ou exclusão de
produtos no regime de tabelamento; III – aprovar o regimento interno da
CMED; e IV – aprovar os preços dos medicamentos que forem objeto de alte-
ração da carga tributária.
Para as funções operacionais foi constituído um Comitê Técnico Executivo
coordenado pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Mi-
nistério da Saúde e composto pelo Secretário-Executivo da Casa Civil da Presidência
da República, pelo Secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, e
pelo Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

estudosFEBRAFARMA [ 119 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

Desta forma, percebe-se que não foi criada uma agência com poderes inde-
pendentes, mas simplesmente um órgão do Poder Executivo, que certamente
decidirá as questões do mercado farmacêutico segundo critérios políticos, com
todos os problemas já mencionados 136.
Excluindo-se o conteúdo inconstitucional da Lei 10.742/2003, resta que a
CMED terá por objetivos a adoção, implementação e coordenação de atividades
relativas à regulação econômica do mercado de medicamentos, voltados a pro-
mover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que
estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor, com as
seguintes competências:
• Definir diretrizes e procedimentos relativos à regulação econômica do
mercado de medicamentos;
• Coordenar ações dos órgãos componentes da CMED voltadas à implemen-
tação dos seus objetivos;
• Sugerir a adoção, pelos órgãos competentes, de diretrizes e procedimentos
voltados à implementação da política de acesso a medicamentos;
• Propor a adoção de legislações e regulamentações referentes à regulação
econômica do mercado de medicamentos;
• Opinar sobre regulamentações que envolvam tributação de medicamentos;
• Assegurar o efetivo repasse aos preços dos medicamentos de qualquer
alteração da carga tributária;
• Sugerir a celebração de acordos e convênios internacionais relativos ao setor
de medicamentos;
• Monitorar o mercado de medicamentos, podendo, para tanto, requisitar
informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisquer
outros dados que julgar necessários ao exercício desta competência, em
poder de pessoas de direito público ou privado;
136
“Com efeito, dentro de uma perspectiva normativo-constitucional, o Direito de proteção à concorrên-
cia é entendido como legislação que dá concretude aos princípios jurídicos da livre iniciativa, de livre
concorrência e da repressão ao abuso do poder econômico – princípios de base da ordem econômica
constitucional brasileira. Essa característica, de certa forma comum a todos os ordenamentos jurídicos
de nações cujo sistema econômico é o de mercado, impõe seja a aplicação das normas antitruste admi-
nistrada por autoridades administrativas independentes – autarquias no Direito Brasileiro – e pelo
Poder Judiciário, isolando-a de pressões políticas mais imediatas. Diferem, assim, de outros instrumen-
tos de política econômica sob controle direto do poder Executivo.” NUSDEO, Ana Maria O. Defesa da
Concorrência e Globalização Econômica: o Controle da Concentração de Empresas. 1 ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2002, pág. 63.

[ 120 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

• Zelar pela proteção dos interesses do consumidor de medicamentos;

• Decidir sobre a aplicação de penalidades, na Lei 8.078, de 11 de setembro


de 1990, relativamente ao mercado de medicamentos sem prejuízo das
competências dos demais órgãos do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor em concorrência com o CADE.

A CMED deverá exercer estas competências para combater cada uma das
falhas de concorrência existentes no mercado de medicamentos, valendo-se de
múltiplas estratégias combinadas, conforme já vem sendo realizado por diver-
sos países do mundo, o que certamente é mais efetivo do que simplesmente
impor um arbitrário controle de preços aos laboratórios farmacêuticos.
Importante notar que além do controle dos atos expedidos pela CMED,
em relação a sua eficácia econômica, estes não deixam de ser atos administra-
tivos que devem também ser analisados sob luz das normas e princípios do
Direito Administrativo.
Portanto, o ato regulatório deverá atender aos princípios da finalidade,
razoabilidade, proporcionalidade, motivação (com seus motivos determi-
nantes), impessoalidade, publicidade, devido processo legal (processual e
substantivo), moralidade, responsabilidade do Estado, sujeito ao controle judi-
cial sobre os mesmos e também ao princípio da eficiência.
O princípio da eficiência remete ao alcance concreto de objetivos pelos
administradores públicos. No caso de atos regulamentares, as normas infra-
legais criadas devem conduzir aos objetivos propostos pelo sistema jurídico, que
dá validade aos mesmos também em atendimento ao princípio da eficiência,
portanto, no caso, novamente, eficiência econômica, para ampliação da oferta
de medicamentos e competitividade no setor 137.
Para reforçar a necessidade de análise econômica dos atos praticados pela
137
“Em uma divisão exclusivamente didática, Roberto Dromi e Carlos Menen separam em duas espécies de ação
de eficiência: 1. Na “organização econômica”, que seria destinada ao planejamento (imposição de metas), regu-
lação (de contratos e serviços), descentralização (privatização, competição e desmonopolização), fiscalização,
estabilização e promoção (fomento e investimento); e 2. Na “organização administrativa”, que visaria a obtenção
de uma Administração racional, desburocratizada, moderna e não legista. Dicotomia esta que, embora interes-
sante, não é tecnologicamente mais adequada. Mais produtivo é ressaltar que o princípio da eficiência não
somente se aplica à organização (aspecto estático), como também à própria atividade administrativa (aspecto
dinâmico). Entretanto, mesmo utilizando-se a distinção proposta, cabe salientar que por eficiência administrati-
va deve-se compreender não só a chamada organização e atividade eminentemente administrativas, como tam-
bém, e muito, a econômica. Por outro lado, em uma concepção abrangente, não seria correto falar em “eficiência
administrativa”, mas sim em “eficiência de Estado”, pois não se pode acreditar que somente nas funções adminis-
trativas o Estado precisaria ser eficiente. São, portanto, passíveis de submissão ao ideal de eficiência também as
funções judiciárias e legislativas (além daquelas de cunho propriamente governamental).” GABARDO, E.
Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. 1 ed. São Paulo: Dialética, 2002, págs. 18 e 19.

estudosFEBRAFARMA [ 121 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

CMED, nos valemos também do princípio da legalidade 138, pois consideran-


do que o artigo 1º da Medida Provisória 123/2003 determina “a finalidade de
promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que
estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor”, quaisquer
atos contrários a este objetivo do ponto de vista econômico estarão condena-
dos a ilegalidade.
Ademais, a determinação legal para que o administrador tenha o
dever/poder de praticar um ato administrativo sempre será relativa a um fato
que será a mola propulsora da prática do ato administrativo, uma situação de
fato é condição necessária e suficiente para a prática do ato.
Neste sentido, a existência do fato é pressuposto de validade do ato admi-
nistrativo que foi praticado, que sem este fato, não o seria, temos aí a doutrina
dos motivos determinantes dos atos administrativos 139.
O motivo “é, pois, a situação do mundo empírico que deve ser tomada em
conta para prática do ato. Logo, é externo ao ato. Inclusive o antecede. Por isso não
pode ser considerado como parte, como elemento do ato.
(...)
Em todo e qualquer caso, se o agente se embasar na ocorrência de um
dado motivo, a validade do ato dependerá da existência do motivo que hou-
ver sido enunciado. Isto é, se o motivo que invocou for inexistente, o ato será
inválido.” 140
Ao tratarmos de normas de regulação econômica, o motivo sempre será um
fato econômico, pois econômico é o substrato da norma, assim na falta do
138
“Inexiste poder para a Administração Pública que não seja concedido pela lei: o que ela não concede expres-
samente, nega-lhe implicitamente. Por isso, seus agentes não dispõem de liberdade – existente somente para
os indivíduos considerados como tais – mas de competências, hauridas e limitadas na lei.(...) A ligação da
Administração Pública com a lei é, portanto, extensa e inafastável, podendo ser resumida como segue: a) seus
atos não podem contrariar, implícita ou explicitamente a letra, o espírito ou a finalidade da lei; b) a
Administração não pode agir quando a lei não autorize expressamente, pelo que nada pode exigir ou vedar
aos particulares que não esteja previamente imposto nela.” SUNDFELD, Carlos A. Direito Administrativo
Ordenador. 1 ed. 3ª Triagem. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, págs. 29 e 30.
139
“Motivo é a circunstância de fato ou de Direito que autoriza ou impõe ao agente público a prática do
ato administrativo. Consubstancia situações do mundo real que devem ser levadas em consideração para
o agir da Administração Pública competente. São ações ou omissões dos agentes públicos ou dos admi-
nistrados ou, ainda, necessidades do próprio Poder Público que impelem a Administração Pública à expe-
dição do ato administrativo. (...) A obrigatoriedade da existência, no mundo real, dos motivos alegados e
que determinam a prática do ato administrativo, como requisito de sua validade, acabou por dar origem
à teoria dos motivos determinantes. Por essa teoria só é válido o ato se os motivos enunciados efetivamente
aconteceram. Desse modo, a menção de motivos falsos ou inexistentes vicia irremediavelmente o ato pra-
ticado, mesmo que não exigidos por lei.” GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 4 ed.: Saraiva,
São Paulo, 1995, pág. 66.
140
MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 14 ed., Malheiros, São Paulo,
2002, pág. 350.

[ 122 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

motivo econômico, descrito na necessária motivação do ato regulatório, referi-


do ato será nulo 141.
Desta forma, temos que o motivo para a prática do ato regulatório deverá
sempre ser o fato econômico de ausência de concorrência ou de redução da
oferta de medicamentos em um mercado relevante, de modo que tais atos de-
verão estar devidamente motivados neste sentido e, caso seja comprovada a
inexistência do motivo, estes serão inválidos.
Obviamente também não será lícita a convalidação do ato regulatório caso
o fato econômico aconteça após sua emissão 142, como por exemplo a redução da
concorrência pela retirada de fornecedores em um dado mercado relevante,
causada por um ato regulatório, emitido com base em uma falta de concorrên-
cia inexistente antes de sua emissão.
Conforme coloca Weida Zancaner, é um problema de dimensão temporal,
pois o motivo deveria existir num dado tempo, anterior à produção do ato
administrativo subseqüente; não tem utilidade para este fim o motivo que
vier a acontecer após a produção do ato administrativo, pois “a ausência do
motivo de fato impossibilita a convalidação do ato, posto que não há como fazê-lo
retroagir à data de sua emissão” 143, tanto mais em se tratando de ato regulatório
que pode até gerar a falha de mercado que se propunha a combater.
De modo que resta claro que a argumentação tanto do órgão regulador
quanto dos agentes econômicos sempre será econômica e balizada em aspectos
técnicos, devido ao peculiar objeto e aos objetivos das normas regulatórias.
Sendo assim, é à luz dos objetivos econômicos da Lei 10.742/2003 que
devem ser analisados os atos praticados pela CMED, ou seja, todos os atos

141
“O motivo do ato administrativo constitui o pressuposto fático (ocorrência no mundo fenomênico) que per-
mite ou determina que a Administração o emita. Tais circunstâncias fáticas devem, por óbvio, estar previstas
em lei (motivo legal) e, uma vez configuradas, legitimam a administração a praticar o ato. Recorde-se por
oportuno, que o motivo do ato há de estar em perfeita sintonia com o motivo legal, isto é, as circunstâncias
fáticas previstas em lei devem estar caracterizadas. Ter-se-á, assim, um ato inválido, pelo menos do ponto de
vista do motivo.” SIMÕES, Mônica M. T., O Processo Administrativo e a Invalidação de Atos Viciados.
120f, pág. 149.
142
“Nem sempre, todavia, ocorre a desejada sintonia [entre o motivo legal e o motivo de fato]. Em situações
deste jaez, está-se diante de um ato inválido, por vício de motivo, quando, então, revela-se imperiosa a restau-
ração da legalidade. Num primeiro momento, poder-se-ia cogitar de convalidar o ato. Mas seria isso possí-
vel? Uma análise mais detida conduzirá à resposta negativa. Ora, se o ato apresenta vício quanto ao motivo,
significa isso dizer que o pressuposto fático previsto em lei para a prática do ato não restou configurado. E,
para que o ato seja válido o motivo deve indiscutivelmente fazer-se presente. Não seria razoável supor que
a administração pudesse, após a emissão de ato inválido por ausência de motivo, convalida-lo.” Mônica
Martins Toscano Simões, em tese de Mestrado apresentada perante a PUC/SP, sob orientação do Professor
Celso Antônio Bandeira de MELLO. O Processo Administrativo e a Invalidação de Atos Viciados, pág. 149.
143
ZANCANER, Weida, Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, 2 ed., Malheiros,
São Paulo, 1996, pág. 65.

estudosFEBRAFARMA [ 123 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

regulamentares emitidos pela CMED devem ser economicamente efetivos para


fazer com que no curto, médio e longo prazos seja ampliada a oferta de medica-
mentos e a competitividade nos mercados relevantes atingidos pela medida, sob
pena de serem ilegais, por descumprimento ao artigo 1º, da Lei 10.742/2003.
Da mesma forma acreditamos que os artigos 196 e 197 da Constituição
devem ser aplicados para verificar a validade das normas infralegais de regulamen-
tação do mercado de medicamentos, por uma análise econômica e prospectiva,
também acreditamos que o mesmo deve ser feito quanto ao artigo 1º da Lei
10.472/2003, pois o legislador não o colocou na norma inutilmente, apenas para
elucidar o que lhe passava pela mente, se o fez, foi para produzir efeitos, para con-
duzir aqueles que têm competência para emitir os atos regulamentares que a Lei
cria e para reprimir os atos que praticarem contra os objetivos desta competên-
cia, que nada mais é do que um instrumento para o seu alcance.
Isto posto, a CMED tem o poder/dever de emitir normas regulatórias rela-
tivas aos mercados relevantes em que constatar a inexistência de competição,
economicamente eficazes para fomentar a competição e ampliar a oferta de
medicamentos, porém deve evitar a sua emissão em mercados relevantes onde
a competição exista.
Infelizmente, a despeito da capacidade dos membros da CMED, o que
se tem observado é que suas resoluções vêm sendo absolutamente desproposi-
tadas, criando regras absurdas e sem justificação técnica possível, como esta-
belecer critérios de fixação de preços de medicamentos novos por grandes
grupos cujo critério nada tem a ver com a situação do mercado relevante do
medicamento, mas segundo um critério subjetivo; comparar preços com países
sem qualquer identidade com o Brasil; fixar percentuais de preços de medi-
camentos genéricos em relação a outros produtos, eventualmente afastando
competidores que poderiam ter preços menores mas talvez em percentual
menor que o fixado, etc.
Não se sabe se isto decorre de falta de informações, falta de recursos, falta
de pessoal, ou apenas do velho hábito dos governos brasileiros de quererem
resolver problemas concretos com normas que sacrificam a iniciativa privada,
apenas para agradar a platéia que ainda tem uma visão maniqueísta do
mundo, mas nada disto justifica esta atitude que, no médio e longo prazos,
apenas agrava o problema de acesso da população aos medicamentos, que já
não é pequeno.

[ 124 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

Conclusão

A PARTIR do momento em que o ser humano passou a produzir excedentes em


sua luta pela subsistência, surgiu a possibilidade de trocas deste excedente por
outras coisas com outras pessoas, hipoteticamente surgiu assim a primeira
operação econômica.
Evidentemente uma troca pressupõe que as coisas trocadas sejam das partes
e que as outras pessoas respeitem esta suposição. Surge a propriedade, a regra de
conduta segundo a qual alguém pode dispor de alguma coisa e os demais devem
respeitar o Direito da pessoa de fazer com esta coisa o que bem entender.
Ademais, as partes têm de se respeitar mutuamente no sentido de que se
entregue um bem deve se dar a entrega do outro, com o aproveitamento social
destas trocas surge ainda um sistema social que garante que a troca seja honra-
da, criando penalidades para os que não honrarem a troca.
Desta simples situação hipotética podemos tirar a idéia de que as
relações econômicas dependem do Direito para se realizarem e também que
o Direito existe também porque as relações, em grande parte econômicas,
precisam ser garantidas.
O Estado surge para monopolizar o uso da força e para defender os
cidadãos. Neste monopólio ele se torna responsável por criar e fazer cumprir o
Direito, que também cria e dá forma ao próprio Estado.
Além das funções ligadas ao Direito, o Estado também se torna responsável
pela prestação de utilidades públicas e posteriormente pelo bom andamento da
própria economia privada, para o alcance do bem-estar social, conforme lhe
dita o Direito.
Da interação destes fatores sucintamente apontados, temos que o Direito e
a economia estão intimamente ligados na medida em que são objetos culturais
interdependentes e necessários para a vida em sociedade.
A atuação livre dos agentes econômicos, sempre em busca de seus interes-
ses hedonistas, que levou a grande avanço da humanidade, deixa de ser uma
solução viável quando os agentes econômicos acumulam tamanho poder que
deixam de se curvar aos ditames dos consumidores para passar a ditar regras
para estes, momento em que o Estado é chamado a intervir.
O Estado também não consegue prestar todas as utilidades públicas que
concentrou e passa a conceder à iniciativa privada o privilégio de seu forneci-
mento, mas mantém seu poder interventivo nestas atividades de grande
relevância social.

estudosFEBRAFARMA [ 125 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

A intervenção do Estado na economia restou refletida pelo Direito em nor-


mas destinadas a proteger a higidez do mercado (legislação antitruste), a regu-
lar a atuação dos agentes econômicos em relação aos serviços públicos privati-
zados, bem como, regular a atividade dos agentes econômicos que fornecem
utilidades que, apesar de não serem monopolizadas pelo Estado, são tão rele-
vantes para a sociedade que também são de responsabilidade do Estado, que
deve regular estes mercados, como de fato ocorre com a saúde e a educação.
No Brasil, nossa atual Constituição Federal admite a planificação das ativi-
dades relacionadas à prestação de serviços públicos por conta da adesão ao
contrato pelos particulares que prestam serviços públicos, garantindo a livre
concorrência para os particulares nos demais mercados.
Apesar de os produtos e serviços de interesse da saúde não serem propria-
mente considerados serviços públicos, suas muitas externalidades fizeram com
que o Constituinte de 1988 considerasse esta atividade econômica como de
interesse público, e, muito embora não tenha estabelecido um monopólio para
o Estado, sujeitou os particulares ao mesmo tipo de regulação que é exercida
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pela Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS) e agora pela Câmara de Regulação do Mercado de
Medicamentos (CMED).
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária trata dos aspectos técnicos da
garantia dos cidadãos contra o risco dos produtos e serviços para a saúde, bem
como, da fiscalização de sua prestação adequada.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar cuida dos riscos contra a econo-
mia popular inerentes à atividade de seguro saúde.
A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) é respon-
sável pela regulação econômica do mercado de medicamentos para o aumento
da competição no mercado de medicamentos e oferta destes para a população.
A Lei 10.742/2003 que criou referida Câmara impôs o controle e congela-
mento de preços de medicamentos, medida inconstitucional por conta de sua
reconhecida ineficácia para a ampliação ao acesso aos medicamentos.
Porém, referida Lei também conferiu outras competências regulamentares
para a CMED válidas perante nosso ordenamento jurídico, pois é validada a
regulamentação deste mercado sempre que se reconhecerem falhas de com-
petição em um dado mercado relevante.
A regulação deverá ser sempre realizada com a observância dos objetivos
de ampliação ao acesso aos medicamentos para a população, combatendo caso
a caso as principais falhas do mercado de medicamentos, onde temos fatores
que geram o poder de mercado como a concentração de mercados relevantes

[ 126 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

(i) estimulada pela existência de grandes barreiras à entrada de novos concor-


rentes, e outros que agravam o problema econômico como a (ii) assimetria de
informações, (iii) os problemas de agência e (iv) a inelasticidade da procura por
se tratarem de bens essenciais – que também traz em si um problema social.
Desde que a CMED mantenha os atos que emitir em consonância com os
princípios da ordem econômica contidos no artigo 170 para atingir a finalidade
especificada no artigo 196 da Constituição Federal, prestigiados no artigo 1º da
Lei 10.742/2003 acreditamos que a regulação do mercado de medicamentos por
órgão especializado pode produzir bons frutos.
Todavia, concluímos que é inconstitucional o controle de preços de medica-
mentos, e necessária e constitucional a regulação específica do mercado de
medicamentos, porém vemos problemas no órgão que tem a competência para
realizá-la devido à falta de independência do poder político, de modo que seus
atos devem ser constantemente contrastados com os princípios de Direito
administrativo, com os princípios da ordem econômica e, especialmente, ser
feita a verificação técnica de sua correção e eficácia para o saneamento de cada
mercado relevante.
Nos estudos realizados colhemos algumas medidas que poderiam ser
implementadas, por sugestão da CMED, para o aumento da competição no
mercado de medicamentos sem a criação de impactos prejudiciais ao mercado,
com ampliação de acesso a população e aumento da atividade econômica.
A primeira dessas medidas seria o fomento da assistência farmacêutica por
parte dos planos, seguradoras e gestores de auto-gestão de saúde, através de
normas de incentivo sugeridas pela CMED, a exemplo do que já é feito nos
Estados Unidos da América, de forma que fosse inserido no mercado um com-
prador com maior poder de mercado e que assim forçaria a redução de preços
gerando a ampliação do acesso a classe “b” da população; as operadoras de
planos de saúde iriam:

“a) Incentivar a prescrição dos genéricos em virtude da pressão por contenção


dos custos dos serviços prestados;

b) Exercitar o poder de barganha dos planos de saúde perante a indústria


farmacêutica na aquisição/reembolso de produtos de marca, diminuindo os
preços desses medicamentos ao consumidor final.

Um bom exemplo a ser seguido é o Pharmacy Benefit Managers, dos EUA, que
são empresas privadas especializadas na aquisição de medicamentos a custos

estudosFEBRAFARMA [ 127 ]
RODRIGO ALBERTO CORREIA DA SILVA

menores, em razão das grandes compras efetuadas, para o suprimento dos planos
de saúde.” 144
Conforme aponta Rodney de Castro Peixoto 145, “O chamado PBM –
Pharmaceutical Benefit Management é um sistema de gerenciamento de serviços
de saúde que teve início nos Estados Unidos na década de 80, e em alguns anos se
tornou padrão na distribuição e prescrição de medicamentos naquele país. O PBM
envolve uma gama de clientes e administra benefícios na venda e aquisição de
medicamentos e serviços, permitindo um controle de custos otimizado. É um con-
junto de ferramentas, procedimentos, padrões e informações atuando para suprir
os interesses das partes envolvidas na administração e distribuição de produtos e
serviços de saúde.
Através do PBM, empresas operantes no ramo de saúde estabelecem uma rede
de distribuição entre si, facilitando a comunicação, cortando custos, agregando
valores, mantendo clientes, adquirindo insumos, fortalecendo marcas, em suma,
estreitando relacionamentos comerciais com a obtenção de maiores vantagens
operacionais. E seus clientes obtêm vantagens como rapidez, maior segurança
na obtenção de medicamentos, descontos progressivos e demais facilidades de
pagamento, comunicação segura para o processamento e recebimento de créditos,
fortalecimento de parcerias comerciais.”
Já temos no Brasil algumas operadoras de PBM que estão expandindo seus
negócios com a colaboração de operadoras de planos de saúde e laboratórios
farmacêuticos com ganhos evidentes para o mercado, porém, com apoio
governamental tais ganhos poderiam ser muito ampliados, como por exemplo
terceirizando a assistência farmacêutica oficial para tais empresas mediante
licitações públicas.
Importante avanço para os participantes da cadeia farmacêutica seria a
imediata revogação da fixação de margens de preço de comercialização, pelos
efeitos anti-concorrenciais, bem como, a concessão de apoio para que labo-
ratórios farmacêuticos desafiantes possam efetivamente concorrer com os
medicamentos líderes de mercado, tanto através dos medicamentos genéricos,
quanto incentivando a pesquisa para a descoberta de novas drogas que possam
se tornar líderes de mercado.
No mesmo sentido, o fornecimento constante de informação relativa a
fabricantes, marcas e preços de medicamentos intercambiáveis aos médicos,
bem como o custo dos tratamentos indicados e, finalmente, a mais importante,
144
Relatório da CPI dos Medicamentos, título V.
145
PEIXOTO, Rodney de Castro, PBM, Conceito Descrição e Aspectos Contratuais, disponível em
<http//www.csalaw.com.br>, Acesso em 15 de ago. 2003.

[ 128 ] estudosFEBRAFARMA
CONTROLE DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS

a criação de um ente regulatório realmente independente de pressões e vieses


políticos são medidas que podem aumentar a concorrência no mercado de
medicamentos sem desnecessários solavancos.
Contudo é importante não esquecer que o grande drama da sociedade
brasileira é a classe C, que não tem acesso a tratamentos médicos e depende apenas
da assistência farmacêutica do Governo, e que este problema não é causado por
falhas no mercado de medicamentos, mas sim pela miserabilidade do nosso povo.
Por tudo o que foi exposto e tudo o mais que foi levantado, mas não coube
nestas linhas, fica claro que a verdadeira regulação, a regulação que efetivamente
resolve os problemas da população e não apenas os problemas dos governantes,
não é feita no atacado, é feita no varejo, caso a caso, analisando um mercado
relevante de cada vez, e combatendo as falhas de mercado se existirem, quanto
a cada medicamento especificamente.
A regulação feita no atacado, com a edição de normas inadequadas, não só
não resolve como piora o problema, acirra as próprias desigualdades e falhas do
mercado, afugenta os agentes econômicos e deixa a população mais carente de
medicamentos, de modo que a regulação mal feita é ainda pior que a ausência
de regulação.

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