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Critérios de Vida e de Morte

Neste Artigo:

- Morte Cerebral
- Posturas Opostas

A conceituação da morte é um dos temas mais aguçados da bioética. A definição em


vigência de morte cerebral traça dilemas ainda sem soluções. Ao contrário do que supõe
o senso comum, muitas vezes a fronteira que separa a vida da morte é uma linha difusa
e difícil de estabelecer.

A busca de critérios teóricos que definam o que entende-se por morte, critérios que
possam se deslocar sem maiores dificuldades à prática médica cotidiana, é um dos
temas mais complexos e discutidos que aborda a disciplina científica denominada
bioética, que estuda os aspectos éticos da medicina e da biologia.

Nas últimas décadas do século XX, os avanços que tem experimentado a medicina e o
conhecimento biológico, tem estabelecido complexos questionamentos em torno da
conceituação da morte.

Se bem que são muitos os fatos pontuais que têm feito estes problemas ainda mais
complexos, são principalmente dois os que têm funcionado como gatilho do conceito
que atualmente utiliza-se para determinar quando uma pessoa já não está viva. Por um
lado, a invenção do respirador artificial motivado pela epidemia de pólio nos anos 50,
permitiu que muitas pessoas permanecessem vivas em situações em que antes algo
assim seria impossível; por outro lado, o primeiro transplante de coração, realizado em
1967 pelo Dr. Christian Barnard e a necessidade de contar com estes órgãos para
transplantes estabeleceu a pergunta: Quando é razoável deixar de tratar uma pessoa
conectada a um respirador?

Morte Cerebral

"A utilização de respiradores em pacientes que haviam perdido a consciência


irreversivelmente estava convertendo-se em um problema para os chefes das unidades
de cuidados intensivos. Começaram a ter problemas com as salas cheias de pacientes
irreversivelmente inconscientes, e cada um deles necessitava não somente de uma cama
e um respirador, como também de assistência médica especializada. Para a família, o
respirador prolongava a agonia. Se a pessoa querida já não poderia recuperar a
consciência, já que esta havia se perdido para sempre. Entretanto não estava morta, e
portanto, não podiam aliviar sua dor com os habituais rituais de morte, enterro e luto",
escreve o filósofo australiano Peter Singer, especialista em bioética, em seu livro
"Repansar la vida y la muerte. El derrumbe de nuestra ética tradicional" (Editora
Paidós).

Foi esta situação em que estabeleceu-se a necessidade de contar com um critério que
serviria para decidir se um paciente que havia perdido irreversivelmente a consciência,
mas mantinha suas funções vitais graças ao respirador artificial, continuava vivo em
termos médicos.
Esta situação tornou-se crítica frente a possibilidade da realização de transplantes de
coração, para o qual é necessário a extração do órgão o mais rápido possível, logo que
se estabeleça o estado de inconsciência no potencial doador. "Ante a possibilidade de
realizar transplantes de coração, de repente considerou-se deste outro ponto de vista os
males de pacientes em permanente estado de inconsciência que enchiam as salas dos
hospitais de todo o mundo. Em vez de ser uma carga cada vez mais pesada para os
recursos do hospital, podiam ser convertidos em um meio de salvar a vida de outros
pacientes", recorda Singer.

Tão somente a um mês do primeiro transplante de coração realizado por Barnard, criou-
se o chamado "Comitê Ad Hoc da Faculdade de Medicina de Harvard para Examinar a
Definição de Morte Cerebral", também conhecido como "Comitê sobre a Morte
Cerebral de Harvard", composto por dez médicos, um historiador, um advogado e um
teólogo. Após deliberar, em agosto de 1968 este comitê publicou no Journal of
American Medical Association sua definição de que a morte cerebral (ou coma
irreversível) deve ser utilizada como sinônimo de morte. No dito informe, o comitê
argumentava desta forma suas decisões: "Nosso principal objetivo é definir o coma
irreversível como um novo critério de morte. Há duas razões pelas quais é necessário
uma definição. Primeiro, os avanços nos métodos de ressuscitação e manutenção da
vida têm resultado esforços cada vez maiores para salvar aqueles que sofrem lesões
graves. Às vezes estes esforços têm somente um êxito parcial, e o resultado é um
indivíduo cujo coração continua batendo, porém o cérebro está irreversivelmente
danificado. A carga que se impõe aos pacientes que sofrem a perda permanente do
intelecto, para suas famílias, para os hospitais e para aqueles que necessitam das camas
hospitalares que ocupam estes pacientes em coma é grave. Segundo, os critérios
obsoletos para definir a morte podem causar controvérsia na hora de conseguir órgãos
para transplantes".

Posturas Opostas

Se bem a morte cerebral tem sido adotada como conceito de morte em quase todo o
mundo desenvolvido (o Japão é uma exceção), esta conceituação também deixa sérios
dilemas médicos sem resposta, porque existe quem reclame a necessidade de revisar o
conceito de morte.

"Agora, o coma irreversível como resultado de uma lesão cerebral permanente não é de
nenhum modo o mesmo que a morte de todo o cérebro, argumenta Peter Singer, um
forte inimigo do conceito do coma irreversível como sinônimo de morte. A lesão
permanente das partes do cérebro responsáveis pela consciência pode conduzir a um
estado que se conhece como estado vegetativo persistente. Nestas pessoas, o tronco
encefálico e o sistema nervoso central seguem funcionando, porém a consciência está
irreversivelmente perdida. Hoje em dia nenhum sistema judiciário considera mortas as
pessoas em estado vegetativo persistente".

"Por que deveríamos eleger então a morte do cérebro como o único fator determinante
de morte, em vez da morte dos rins ou do coração, quando se pode suprir a função de
todos eles? A resposta é que não são realmente as funções integradoras e coordenadoras
do cérebro as que fazem que sua morte seja o final de tudo que valorizamos, se não sua
associação com a consciência e a personalidade".
Para Singer, A morte cerebral é tão somente uma "ficção prática" que permite salvar
órgãos para transplantes e suprimir tratamentos médicos inúteis.

O problema de sua parcial inutilidade estabelece casos como os seguintes que


encontram-se no limite da definição de morte. O caso dos bebês anaencefálicos é um
deles, pois são bebês que nascem sem cérebro, porém com o tronco encefálico; é por
isso que estas crianças podem permanecer vivas por anos, porém jamais alcançarão o
estado de consciência. Este e outros casos como, por exemplo, a morte cortical na qual
o paciente segue respirando porém jamais poderá recobrar a consciência, reclamam da
bioética novas definições que se adaptem ao desenvolvimento atual da medicina
EUTANÁSIA

Direito de Matar ou Direito de Morrer?

Introdução

Este trabalho aborda o tema eutanásia. Esta pode ser entendida por
“Suicídio Assistido” ou “Morte Voluntária”. Este tema já vem a ser debatido
desde há muitos séculos atrás, contudo continua a ser controverso e chocante,
uma vez que interfere com determinados princípios (éticos [Bioética*], religiosos,
jurídicos...), assim como choca inevitavelmente com a concepção criada em redor
do valor da vida e da dignidade humana.
Todos nós sabemos que o objecto deste trabalho é bastante conhecido, levantando
assim inúmeros obstáculos no seu tratamento e na sua pesquisa. De facto, ele tem
despertado o interesse de muitos indivíduos e dos mass media, daí que já tenham
surgido vários debates bastante polémicas acerca deste assunto. Serão descritos
alguns aspectos fundamentais para compreender melhor o tema e também serão
avaliados e debatidos alguns presumíveis efeitos negativos e positivos deste tema.
*Bioética

A Bioética é uma disciplina relativamente nova no campo da filosofia e surgiu em


função da necessidade de se discutir moralmente os efeitos resultantes do avanço
tecnológico das ciências da área da saúde, bem como aspectos tradicionais da
relação de profissionais desta área e pacientes. A Bioética é um ramo da filosofia,
mais especificamente da ética aplicada, e pode ser definida como ”o estudo
sistemático das dimensões morais -incluindo uma visão moral, decisões, condutas e
políticas das ciências da vida e cuidados da saúde, empregando uma variedade de
metodologias éticas em um ambiente multidisciplinar”.
Eutanásia:
direito de matar ou direito de morrer

A palavra "EUTANÁSIA" é composta de duas palavras gregas ― "eu" e


"thanatos" ― e significa, literalmente, "uma boa morte". Na actualidade, entende-se
geralmente que "eutanásia" significa provocar uma boa morte ― "morte
misericordiosa", em que uma pessoa acaba com a vida de outra pessoa para
benefício desta. Este entendimento da palavra realça duas importantes
características dos actos de eutanásia. Primeiro, que a eutanásia implica tirar
deliberadamente a vida a uma pessoa; e, em segundo lugar, que a vida é tirada para
benefício da pessoa a quem essa vida pertence ― normalmente porque ela ou ele
sofre de uma doença terminal ou incurável. Isto distingue a eutanásia da maior parte
das outras formas de retirar a vida.
Todas as sociedades que conhecemos aceitam algum princípio ou princípios que
proíbem que se tire a vida. Mas há grandes variações entre as tradições culturais
sobre quando é considerado errado tirar a vida. Se nos voltarmos para as raízes da
nossa tradição ocidental, verificamos que no tempo dos gregos e dos romanos,
práticas como o infanticídio, o suicídio e a eutanásia eram largamente aceites. A
maior parte dos historiadores da moral ocidental estão de acordo em que o judaísmo
e a ascensão do Cristianismo contribuíram enormemente para o sentimento geral de
que a vida humana tem santidade e não deve ser deliberadamente tirada. Tirar uma
vida humana inocente é, nestas tradições, usurpar o direito de Deus de dar e tirar a
vida. Escritores cristãos influentes viram-no também como uma violação da lei
natural. Este ponto de vista da absoluta inviolabilidade da vida humana inocente
permaneceu virtualmente imutável até ao século dezasseis quando Thomas More
publicou a sua Utopia. Neste livro, More retrata a eutanásia para os que estão
desesperadamente doentes como uma das instituições importantes de uma
comunidade ideal imaginária. Nos séculos seguintes, os filósofos britânicos (em
particular David Hume, Jeremy Bentham e John Stuart Mill) puseram em questão a
base religiosa da moralidade e a proibição absoluta do suicídio, da eutanásia e do
infanticídio. O grande filósofo alemão do século dezoito Emmanuel Kant, por outro
lado, embora acreditasse que as verdades morais se fundam na razão e não na
religião, pensava não obstante que "o homem não pode ter poder para dispor da sua
vida".
Aqueles que defenderam a admissibilidade moral da eutanásia apresentaram como
principais razões a seu favor a misericórdia para com pacientes que sofrem de
doenças para as quais não há esperança e que provocam grande sofrimento e, no
caso da eutanásia voluntária, o respeito pela autonomia. Actualmente, certas formas
de eutanásia gozam de um largo apoio popular e muitos filósofos contemporâneos
têm sustentado que a eutanásia é moralmente defensável. A oposição religiosa
oficial (por exemplo, da Igreja Católica Romana), no entanto, manteve-se
inalterada, e a eutanásia activa continua a ser um crime em todas as nações com
excepção da Holanda e da Bélgica. Aí, a partir de 1973, um conjunto de casos
jurídicos estabeleceram as condições de acordo com as quais os médicos, e apenas
os médicos, podem praticar a eutanásia: a decisão de morrer deve ser a decisão
voluntária e reflectida de um paciente informado; tem de existir sofrimento físico
ou mental considerado insuportável por aquele que sofre; não haver outra solução
razoável (i.e. aceitável pelo paciente) para melhorar a situação; e o doutor tem de
consultar outros profissionais superiores.
Para analisarmos melhor o assunto sobre a eutanásia é necessário estabelecer
algumas distinções. A eutanásia pode ter três formas: voluntária, não-voluntária e
involuntária.
Eutanásia voluntária, não-voluntária e involuntária
Há uma relação estreita entre eutanásia voluntária e suicídio assistido, em que
uma pessoa ajuda outra a acabar com a sua vida (por exemplo, quando A obtém os
medicamentos que irão permitir a B que se suicide). Um exemplo deste caso é o de
Ramón Sampedro:
Ramón Sampedro era um espanhol, tetraplégico desde os 26 anos, que solicitou à
justiça espanhola o direito de morrer, por não mais suportar viver. Ramón
Sampedro permaneceu tetraplégico por 29 anos. A sua luta judicial demorou cinco
anos. O direito à eutanásia activa voluntária não lhe foi concedido, pois a lei
espanhola caracterizaria este tipo de acção como homicídio. Com o auxílio de
amigos planejou a sua morte de maneira a não incriminar sua família ou seus
amigos. Em Novembro de 1997, mudou-se de sua cidade, Porto do Son/Galícia-
Espanha, para La Coruña, 30 km distante. Tinha a assistência diária de seus amigos,
pois não era capaz de realizar qualquer actividade devido a tetraplegia. No dia 15 de
Janeiro de 1998 foi encontrado morto, de manhã, por uma das amigas que o
auxiliava. A necropsia indicou que a sua morte foi causada por ingestão de cianeto.
Ele gravou em vídeo os seus últimos minutos de vida. Nesta fita fica evidente que
os amigos colaboraram colocando o copo com um canudo ao alcance da sua boca,
porém fica igualmente documentado que foi ele quem fez a acção de colocar o
canudo na boca e sugar o conteúdo do copo. A repercussão do caso foi mundial,
tendo tido destaque na imprensa como morte assistida.
A amiga de Ramón Sampedro foi incriminada pela polícia como sendo a
responsável pelo homicídio. Um movimento internacional de pessoas enviou cartas
"confessando o mesmo crime". A justiça, alegando impossibilidade de levantar
todas as evidências, acabou por arquivar o processo.
Mesmo que a pessoa já não esteja em condições de afirmar o seu desejo de morrer
quando a sua vida acabou, a eutanásia pode ser voluntária. Pode-se desejar que a
própria vida acabe, no caso de se ver numa situação em que, embora sofrendo de
um estado incurável e doloroso, a doença ou um acidente tenham tirado todas as
faculdades racionais e já não seja capaz de decidir entre a vida e a morte. Se,
enquanto ainda capaz, tiver expresso o desejo reflectido de morrer quando numa
situação como esta, então a pessoa que, nas circunstâncias apropriadas, tira a vida
de outra actua com base no seu pedido e realiza um acto de eutanásia voluntária.
A eutanásia é não-voluntária quando a pessoa a quem se retira a vida não pode
escolher entre a vida e a morte para si ― porque é, por exemplo, um recém-nascido
irremediavelmente doente ou incapacitado, ou porque a doença ou um acidente
tornaram incapaz uma pessoa anteriormente capaz, sem que essa pessoa tenha
previamente indicado se sob certas circunstâncias quereria ou não praticar a
eutanásia.
A eutanásia é involuntária quando é realizada numa pessoa que poderia ter
consentido ou recusado a sua própria morte, mas não o fez ― seja porque não lhe
perguntaram, seja porque lhe perguntaram mas não deu consentimento, querendo
continuar a viver. Embora os casos claros de eutanásia involuntária possam ser
relativamente raros, houve quem defendesse que algumas práticas médicas
largamente aceites (como as de administrar doses cada vez maiores de
medicamentos contra a dor que eventualmente causarão a morte do doente, ou a
suspensão não consentida ― para retirar a vida ― do tratamento) equivalem a
eutanásia involuntária.
Eutanásia ativa e passiva
Até agora, definimos "eutanásia" de forma vaga como "morte misericordiosa".
Há, contudo, duas formas diferentes de provocar a morte de outro; pode-se matar
administrando, por exemplo uma injecção letal, ou pode-se permitir a morte
negando ou retirando tratamento de suporte à vida. Casos do primeiro género são
vulgarmente referidos como eutanásia "activa" ou "positiva", enquanto casos do
segundo género são frequentemente referidos como eutanásia "passiva" ou
"negativa". Quaisquer dos três géneros de eutanásia indicados anteriormente ―
eutanásia voluntária, não-voluntária e involuntária ― tanto podem ser passivos ou
activos.
Um caso de eutanásia não-voluntária passiva recente é o de Terry Schiavo.
Theresa Marie (Terri) Schindler-Schiavo, de 41 anos, teve uma paragem cardíaca,
em 1990, talvez devido a perda significativa de potássio associada a Bulimia, que é
um distúrbio alimentar. Ela permaneceu, pelo menos, cinco minutos sem fluxo
sanguíneo cerebral. Desde então, devido a grande lesão cerebral, ficou em estado
vegetativo, de acordo com as diferentes equipas médicas que a trataram. Após longa
disputa familiar, judicial e política, foi-lhe retirada a sonda que a alimentava e
hidratava, tendo vindo a falecer em 31 de Março de 2005.
O Caso Terri Schiavo tem tido grandes repercussões nos Estados Unidos, assim
como noutros países, devido a discordância entre seus familiares na condução do
caso. O esposo, Michael Schiavo, desejava que a sonda de alimentação fosse
retirada, enquanto que os pais da paciente, Mary e Bob Schindler, assim como seus
irmãos, lutaram para que a alimentação e hidratação fossem mantidas. Por três
vezes o marido ganhou na justiça o direito de retirar a sonda. Nas duas primeiras
vezes a autorização foi revertida. Em 19 de Março de 2005 a sonda foi retirada
pela terceira vez, permanecendo assim até a sua morte. Este caso tem sido relatado
na imprensa leiga como sendo uma situação de eutanásia, mas pode muito bem ser
enquadrado como sendo uma suspensão de uma medida terapêutica considerada
como sendo não desejada pela paciente e incapaz de alterar o prognóstico de seu
quadro.
A sociedade tem se manifestado nestes 15 anos tanto a favor quanto contra a
retirada da sonda de alimentação através de manifestações públicas e acções
continuadas. Alguns questionam o direito de uma outra pessoa poder tomar esta
decisão, por representação, tão importante em nome de outra. Outros discutem a
questão de recursos já gastos na manutenção de uma paciente sem possibilidade de
alterar o seu quadro neurológico.
A imprensa mundial tem dado destaque a esta situação, além dos noticiários, em
programas de debates, pesquisas de opinião, apresentando uma perspectiva
meramente dicotómica* ou maniqueísta **. As pessoas são forçadas a se
posicionarem apenas de forma contra ou a favor.
Este caso permite abordagens múltiplas. A questão central pode ser a da tomada
de uma decisão desta magnitude por um representante legal que tem questionado a
sua defesa dos melhores interesses da paciente. Outras questões como má prática
profissional, conflitos de interesse de profissionais, familiares, políticos, advogados
e juízes, privacidade, autodeterminação, veracidade, justiça, beneficência,
eutanásia versus homicídio, eutanásia versus retirada de tratamento, entre outras,
podem ser levantadas. Este caso é um exemplo da transformação de uma decisão
privada, que deveria ter sido tomada no âmbito familiar, para a esfera pública, de
uma questão de atender ao melhor interesse da paciente, para transformar-se em
um espectáculo.

*Dicotómico – Bifurcado (certo/errado)

**Maniqueísta – Aquele que admite um principio do bem e um principio do mal,


independentes e em luta um contra o outro.
Há um amplo acordo em que as omissões tal como as acções podem constituir
eutanásia. A Igreja Católica Romana, na sua Declaração sobre a Eutanásia, por
exemplo, define eutanásia como "uma acção ou omissão que por si própria ou por
intenção causa a morte" . A discordância filosófica tem por origem a questão de
saber quais as acções e omissões que constituem casos de eutanásia. Assim, às
vezes nega-se que um médico, que se recusa a ressuscitar um recém-nascido
gravemente incapacitado, esteja a praticar eutanásia (não-voluntária passiva), ou
que um médico, que administra doses cada vez maiores de um medicamento para as
dores que sabe que acabará por resultar na morte do doente, esteja a praticar algum
género de eutanásia. Outros autores defendem que sempre que um agente pratica
uma acção ou omissão que deliberada e intencionalmente resulta na morte prevista
do doente, realizou eutanásia activa ou passiva.
Apesar da grande diversidade de pontos de vista sobre este assunto, os debates
sobre a eutanásia têm-se centrado sobretudo em certos temas:

1. O facto de a morte ser activamente (ou positivamente) provocada, em vez de


ter ocorrido em consequência dos tratamentos de suporte à vida terem sido
recusados ou retirados, é moralmente relevante?

2. Deve-se usar sempre todos os meios de suporte à vida disponíveis, ou há


certos meios "extraordinários" ou "desproporcionados" que não é necessário
empregar?

3. O facto de a morte do doente ser directamente desejada, ou acontecer apenas


como uma consequência antecipada da acção ou omissão do agente, é
moralmente relevante?

Ações e omissões/Matar e deixar morrer


Disparar sobre alguém é uma acção que poderá levar à morte, não conseguir ou
não querer ajudar a vítima de um tiroteio é uma omissão, mas deixou o outro
morrer. Mas nem todas as acções ou omissões que resultam na morte de uma pessoa
são de interesse central no debate da eutanásia. O debate da eutanásia diz respeito a
acções e omissões intencionais ― isto é, com mortes deliberada e intencionalmente
provocadas numa situação em que o agente poderia ter agido de outro modo.
Há alguns problemas em distinguir entre matar e deixar morrer, ou entre eutanásia
activa e passiva. Se a distinção entre matar e deixar morrer se apoiasse meramente
na distinção entre acções e omissões, então o agente que, digamos, desliga a
máquina que suporta a vida de outro, mata este, enquanto o agente que se recusa à
partida a colocar alguém numa máquina de suporte à vida, permite apenas que
alguém morra. Muitos autores não consideraram esta distinção entre matar e deixar
morrer plausível e foram feitas várias tentativas de a traçar de outro modo. Uma
sugestão plausível é que vejamos matar como dando início a um curso de
acontecimentos que levam à morte; e permitir morrer como não intervindo num
curso de acontecimentos que levam à morte. Segundo este esquema, a
administração de uma injecção letal seria matar; enquanto que não pôr um paciente
num ventilador, ou tirá-lo, seria deixar morrer.
É a distinção entre matar e deixar morrer, ou entre eutanásia activa e passiva,
moralmente significativa? Matar uma pessoa é sempre moralmente pior do que
deixá-la morrer?
Foram propostas várias razões para que seja assim. Uma das mais plausíveis é que
um agente que mata, causa a morte, enquanto que um agente que deixa morrer
permite apenas que a natureza siga o seu caminho. Houve também quem defendesse
que esta distinção entre "fazer acontecer" e "deixar acontecer", é moralmente
importante na medida em que põe limites aos deveres e responsabilidades que um
agente tem de salvar vidas. Embora evitar matar alguém exija pouco ou nenhum
esforço, normalmente salvar alguém exige esforço. Se matar e deixar morrer
estivessem moralmente ao mesmo nível, assim continua o argumento, seríamos tão
responsáveis pela morte daqueles que não conseguimos salvar como somos pela
morte daqueles que matamos ― e ser incapaz de ajudar os africanos que morrem de
fome seria o equivalente moral de mandar-lhes comida envenenada. Isto, continua o
argumento, é absurdo: somos mais, ou diferentemente, responsáveis pela morte
daqueles que matamos do que pelas mortes daqueles que não conseguimos salvar.
Assim, matar uma pessoa é, mantendo-se o resto igual, pior do que deixar uma
pessoa morrer.
Mas mesmo que às vezes se possa traçar uma distinção moralmente relevante entre
matar e deixar morrer, é claro que isso não significa que a distinção se aplique
sempre. Pelo menos às vezes somos tão responsáveis pelas nossas omissões quanto
pelas nossas acções.
Além disso, quando o argumento acerca do significado moral da distinção entre
matar e deixar morrer é apresentado no contexto do debate da eutanásia, tem que se
considerar um facto adicional. Matar alguém, ou deixar deliberadamente alguém
morrer, é geralmente uma coisa má porque priva essa pessoa da sua vida. Em
circunstâncias normais as pessoas valorizam as suas vidas, e continuar a viver é do
seu interesse.
Quando se trata de questões de eutanásia é diferente. Em casos de eutanásia, a
morte ― uma vida não continuada ― é do interesse da pessoa. Isto significa que
um agente que mata, ou um agente que deixa morrer, não está a fazer mal mas a
beneficiar a pessoa a quem a vida pertence.
Quando utilizamos todos os meios de suporte à vida disponíveis, sendo alguns
considerados “extraordinários”, estamos perante o conceito de distanásia,
considerada contrária à eutanásia.
Distanásia
A distanásia (do grego “dis”, mal, algo mal feito, e “thánatos”, morte) é
etimologicamente o contrário da eutanásia. Consiste em atrasar o mais possível o
momento da morte usando todos os meios, proporcionados ou não, ainda que não
haja esperança alguma de cura, e ainda que isso signifique infligir ao moribundo
sofrimentos adicionais e que, obviamente, não conseguirão afastar a inevitável
morte, mas apenas atrasá-la umas horas ou uns dias em condições deploráveis para
o doente.
Tecnologias médicas poderosas permitem aos médicos manter a vida de muitos
pacientes que, apenas há uma década ou duas atrás, teriam morrido porque os meios
para impedir a morte não existiam. Devido a isto, coloca-se ainda com mais
urgência uma velha questão: devem os médicos fazer sempre tudo o que é possível
para tentar salvar a vida de um doente? Devem eles fazer esforços "heróicos" para
acrescentar mais umas quantas semanas, dias, ou horas à vida de um doente
terminal sofrendo de cancro? Deve o tratamento activo de bebés que nasceram com
tantas deficiências que a sua curta vida será preenchida com pouco mais do que
sofrimento contínuo ser sempre instigado?
A maior parte dos autores da área concordam em que há alturas em que o
tratamento de suporte à vida deve ser retirado e se deve permitir que um doente
morra. Este ponto de vista é partilhado mesmo por aqueles que vêem a eutanásia ou
o termo intencional da vida sempre como errado. Isto levanta a necessidade
premente de um critério que distinga entre omissões admissíveis e não-admissíveis
dos meios de suporte à vida.
Tradicionalmente, esta distinção foi traçada em termos dos chamados meios
normais e extraordinários de tratamento. A distinção tem uma longa história e foi
empregue pela Igreja Católica Romana para lidar com o problema da cirurgia antes
do desenvolvimento de anticépticos e anestésicos. Se um paciente recusava os
meios normais ― por exemplo, a comida ― essa recusa era vista como suicídio, ou
termo intencional da vida. A recusa de meios extraordinários (por exemplo, uma
cirurgia dolorosa ou de risco), por outro lado, não era vista como o termo
intencional da vida.
Actualmente, a distinção entre meios de suporte à vida que são vistos como normais
e obrigatórios e meios que não o são é na maior parte das vezes expressa em termos
de meios de tratamento "proporcionados" e "desproporcionados". Um meio é
"proporcionado" se oferece uma esperança razoável de benefício para o doente; é
"desproporcionado" se não oferece.
Contudo, nem toda a gente concorda que a interrupção do tratamento
extraordinário ou desproporcionado é um caso de eutanásia passiva.
O Que Pensam Os Portugueses
Segunda-feira, 22 de Abril de 2002
- 62,6% - tem posições favoráveis à prática da eutanásia em Portugal
- 54,1 % - diz que a "eutanásia é um acto aceitável dentro de certos limites"
- 8,5% - aceita a eutanásia sem limite
- 35,3% - opina que a "eutanásia é um acto condenável em qualquer situação"
ou seja, mesmo os grupos mais favoráveis apenas tendem a ver a eutanásia como
uma orientação aceitável em certas condições". São os homens, com idades entre os
30 e os 39 anos, mais escolarizados (com o ensino superior completo ou
incompleto), mais elevados indicadores de cultura de origem, com alto rendimento
individual (161 contos e mais), simpatia pelos partidos de esquerda, nenhuma
confiança na Igreja ou nas organizações religiosas, ateus e muito alta confiança na
ciência aqueles que se apresentam como mais favoráveis à eutanásia".
38,2% diz que "o doente na posse das suas capacidades mentais tem o direito de ser
ajudado pela medicina se decidir morrer".
28% pensa que "quando o doente se encontra em coma profundo, os médicos
podem desligar a máquina com o acordo da família"
33, 6% considera inaceitável que nessa situação seja o médico a decidir
Nota: Estudo publicado este ano sobre "Atitudes Sociais dos Portugueses" da
responsabilidade de José Machado Pais, Manuel Vilaverde Cabral e Jorge Vala, do
Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa
http://jornal.publico.pt/publico/2002/04/22/Publica/TM01CX04.html (1 of 3) [24-
04-2002 18:02:45]
Pacientes Terminais – Morte Encefálica

Daisy Gogliano

Doutora em Direito, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,


São Paulo-SP.

O progresso da tecnologia médico-biológica está a impor profundas transformações


ético-jurídicas.
Em face das novas técnicas de sustentação vital e de reanimação, como a utilização de
meios mecânicos de respiração artificial, o fenômeno morte hoje não se resume
simplesmente na cessação espontânea das funções cardiorrespiratórias. Na atualidade,
fala-se na ocorrência da "morte encefálica" que deve ser constatada por critérios
estritamente médicos, não cabendo à lei defini-los pois isto limitaria a adoção de novos
parâmetros ditados pela própria
evolução da ciência. A interrupção da sustentação vital, uma vez estabelecida a morte
encefálica, não se confunde com a eutanásia ou eventual "direito de morrer", no
sentido de precipitar o evento "morte", o qual, efetivamente, já ocorreu. Por respeito à
dignidade humana o médico deve evitar que o paciente em morte encefálica seja
submetido a terapêutica desnecessária, não só inútil como fútil.

UNITERMOS - Paciente terminal, morte encefálica, legislação.

Os pacientes terminais e a morte encefálica

A personalidade termina com a morte. Extinguindo-se a personalidade não há que se


falar de pessoa e sujeito de direitos. Em respeito à dignidade humana, o cadáver, o
corpo humano inanimado é protegido pelo direito e não pode ser objeto de relações de
direito privado patrimoniais, por ser res extra commercium, por conservar a memória da
pessoa viva e envolver relações de família. A morte interessa para o direito para efeitos
sucessórios, importando, portanto, o momento da morte na determinação de efeitos
jurídicos.

É de se ponderar que a concepção inicial de morte cerebral exsurgiu pari passu com o
advento dos transplantes de órgãos e tecidos humanos. Os avanços tecnológicos da
medicina propiciaram prolongar indefinidamente uma vida, por intermédio da
circulação extracorpórea e respiradores artificiais, possibilitando, ainda, a ressuscitação
cardíaca, o que veio revolucionar o tradicional conceito de morte clínica, a tradicional
parada cardíaca e respiratória, modificando-se, assim, o conceito de morte. Com a
realização dos transplantes de órgãos impôs-se novos critérios na determinação da
morte, justamente visando facilitar os transplantes ante as exigências de órgãos íntegros,
viáveis, hígidos e perfundidos, ao lado de novas técnicas de controle da rejeição.

Tais questões levam não só os médicos como os juristas ao reexame da questão - vida e
da morte - , eis que a realização dos transplantes, ab initio passou a depender de uma
rápida extração do órgão do doador antes que sobreviesse a morte celular, ou seja, a
destruição celular, denominada morte biológica. De outro lado, as novas técnicas de
reanimação vieram permitir que se prolongassem artificialmente as grandes funções
vitais do organismo, como a circulação e a respiração.
Considerando que a morte é um processo lento e gradual, distingue-se a morte clínica
(paralisação da função cardíaca e da respiratória) da morte biológica (destruição celular)
e da morte inicialmente conhecida como cerebral e hoje caracterizada como encefálica,
a qual resulta na paralisação das funções cerebrais. A morte clínica pode, em face dos
avanços tecnológicos da medicina, desaparecer com os processos de reanimação,
permitindo, assim, manter a vida vegetativa, mesmo após a superveniência da morte
cerebral. A morte, antes identificada como a cessação da atividade espontânea da função
cardíaca e respiratória, com a paralisação circulatória irreversível, passou a ser
determinada com a paralisação das funções cerebrais.

O fato é que a fixação de critérios na determinação da morte denominada "cerebral" foi-


se estabelecendo à luz das normas que se criaram para a realização dos transplantes, o
que ensejou os mais variados debates sobre o assunto, na busca de uniformização de
conceitos.

Em 1968, o Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS),


vinculado à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à UNESCO, reuniu-se em
Genebra, e estabeleceu critérios sobre morte cerebral aprovados por unanimidade, em
declaração conjunta por todos os países que ali compareceram, fundada sobre "o que se
deve entender por morte do doador", em casos de transplantes: "1) perda de todo sentido
ambiente; 2) debilidade total dos músculos; 3) paralisação espontânea da respiração; 4)
colapso da pressão sanguínea no momento em que deixa de ser mantida artificialmente;
5) traçado absolutamente linear de eletroencefalograma".

Na caracterização da morte "cerebral" inúmeros simpósios e congressos se realizaram


no sentido de elaborar documentos nesse sentido, como a "Declaração de Sidney", e a
do "Comitê de Harvard" utilizada por muitas clínicas cirúrgicas. Outros, por sua vez,
preferem a declaração contida na The Human Tissue Act, de 1961, da Inglaterra, que
trata especialmente da morte cerebral, cujas considerações preliminares merecem ser
transcritas, pelo significado que encerram: "Em 1974 o médico chefe do Departamento
de Saúde e Segurança Social pediu aos Colégios Reais que considerassem a definição
de morte cerebral (brain death) e seu diagnóstico. A questão surgiu no contexto do
estabelecimento da morte de possíveis doadores de órgãos, mas teve um maior interesse
para todas as situações clínicas em que as funções vitais eram unicamente mantidas por
meios mecânicos. Em resposta àquela solicitação foi escrito um documento que foi
recentemente aprovado unanimemente pela Conferência dos Colégios Reais e
Faculdades do Reino Unido. Este documento, que aparece a seguir, descreve em termos
gerais a diagnosis de morte e estabelece critérios detalhados de diagnósticos para
determinar quando ocorre a morte nos casos em que as funções vitais tenham sido
mantidas mecanicamente".

Prossegue, com os consideranda, na explicação do desenvolvimento da medicina, com


as novas técnicas de reanimação: "Com o desenvolvimento das técnicas e cuidados
intensivos e sua ampla aplicação no Reino Unido, chegou a ser uma situação comum
nos hospitais ter pacientes em estado de coma profundo e inconscientes, com graves
lesões cerebrais, que são mantidos com respiração artificial por intermédio de
ventiladores mecânicos. Este estado tem sido reconhecido desde há muitos anos e tem
sido preocupação da classe médica estabelecer critérios de diagnóstico de tal rigor, que
uma vez cumpridos possa ser desconectado o ventilador mecânico com a segurança de
que não havia nenhuma possibilidade de recuperação".
O fato é que têm sido muitos os argumentos filosóficos sobre a diagnosis de morte, que
não se circunscreve mais com a cessação das funções vitais da respiração e da
circulação. Entretanto, com a capacidade técnica de se manter artificialmente estas
funções, tem-se constituído tema de grande interesse público o dilema de quando
desconectar o ventilador. Aceita-se que a morte ocorre com a cessação permanente da
atividade do tronco cerebral, ensejando, assim, o conceito de morte encefálica, mais
abrangente do que "morte cerebral", não obstante a expressão "morte cerebral", em seu
significado comum e vulgar diga respeito à cessação de todas as funções cerebrais.

A questão diz respeito à caracterização da morte encefálica, termo este mais abrangente
do que "morte cerebral" e tecnicamente mais perfeito, não obstante as legislações
adotem a terminologia "morte cerebral", dentre a variedade de critérios estabelecidos.
Ressalta-se que o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, por intermédio da sua Clínica Neurológica, em 1983 estabeleceu critérios de
morte encefálica (8).

Considerando que a morte clínica (paralisação da função cardíaca e respiratória) pode


reverter com os processos mecânicos de reanimação, ocasião em que se pode instaurar a
vida vegetativa, a qual pode ser mantida, mesmo após a superveniência da morte
encefálica, o dilema do médico com a morte está justamente na decisão de suspender os
esforços de reanimação, pois uma vez ocorrida a morte encefálica revela-se estéril
prosseguir mantendo-se artificialmente as funções cardiorrespiratórias, em terapêutica
fútil, desgastante, onerosa tanto aos pacientes como para as instituições hospitalares, no
sentido de evitar aos familiares um trauma sobrevindo de inúteis esperanças.

Vale ressaltar as ponderações do Professor Motta Maia, Catedrático de Cirurgia da


Universidade Federal do Rio de Janeiro, que em 1968 publicava original artigo sobre
"Novos aspectos da cirurgia moderna", demonstrando, naquela época, os avanços da
medicina, o progresso científico, revolucionando conceitos básicos, com o
estabelecimento de novas doutrinas. Examinando a questão sob quatro aspectos:
médico-biológico; moral-religioso; médico-legal e técnico-científico, tece importantes
esclarecimentos. Sob o aspecto médico-biológico estuda o conceito de vida e morte, a
questão central nos transplantes de partes de cadáveres, dando-nos a concepção de vida:
"O professor Wassermann, Chefe do Departamento de Medicina Interna do "Karl
Bremer Hospital", da Universidade de Stellenbosch, da África do Sul, concebe vida
como a atividade biológica, sociológica e psicológica, manifestada por um dinamismo
mantido por processos intrínsecos ao organismo - elementos naturais - e sustentada por
outros fatores extrínsecos adquiridos pelo próprio homem - a cultura. Obviamente, a
morte seria a conseqüência da desintegração total destes elementos (9).

De contrapartida, analisa a morte, como um fenômeno natural que se ordena e se


processa de maneira gradativa até chegar ao estado de ausência de atividade vital.

Diz Motta Maia que "no espírito popular e no domínio jurídico está enraizada a idéia de
que a morte se traduz pela ausência das funções da respiração e da circulação - morte
vegetativa" (9).

Acrescenta: "Este estado, é hoje em dia considerado pelos biologistas como uma pura
ficção, pois este estado poderá ser recuperado por métodos artificiais, se a função
cerebral estiver em condições de reversibilidade. A cessação definitiva da atividade
cerebral, brain death, seria para os modernos biologistas e neurologistas, o momento da
morte, por se estatuir a perda da personalidade, determinando, portanto, a
impossibilidade de relação com o mundo exterior. E a proscrição definitiva do indivíduo
perante a coletividade" (9).

Esclarece ainda Motta Maia: "Entretanto, registre-se que a ausência das funções
cerebrais não impede que sejam mantidas artificialmente as funções de respiração e de
circulação, o que os fisiologistas denominam de vida técnica. O conhecimento deste
fato é de grande importância para a transplantação de órgãos de cadáver, pois a
manutenção artificial das funções cardiopulmonares, durante um certo período,
garantindo o estado nutritivo de tecidos e órgãos, favorece as condições da
transplantação. Por outro lado, os biologistas demonstram que mesmo após a cessação
das funções permanece o estado de atividade vital, durante um certo período, nas
células, tecidos e órgãos - vida residual. Este estado gradativamente chega à
desintegração, o que seria o estado de morte total. A duração deste último período é
variável de indivíduo para indivíduo, depende da hierarquia textural e da natureza
estrutural dos tecidos e dos órgãos. Este período - time factor - é de primordial
importância para o êxito da transplantação. Como muito bem se expressa Pierre Müller,
de Lille, o limite da vida reside nas células e nos tecidos, verdadeiros órgãos em
miniatura, possuidores de certa autonomia vital quando separados do todo, perdendo
gradativamente esta atividade, até chegarem à desintegração" (9).

Tecidas estas considerações, expressa Motta Maia a conceituação de morte, citando


Jorge Voigt, de Copenhagen, para quem "a morte só ocorre quando toda a vitalidade
espontânea (aos órgãos e tecidos) cesse permanentemente" (9).

O fato é que a nova conceituação de morte - brain death - adotada por muitas legislações
exsurgiu com maior vigor no momento em que se buscou facilitar a transplantação de
órgãos e tecidos, na caracterização do time factor que viesse possibilitar a nova técnica
cirúrgica, inserindo-se, assim, em quase todos os países dentro do ordenamento jurídico
que tem por objeto o transplante de órgãos.

A determinação da morte, ou melhor, do momento da morte, tem sido debatida até hoje,
com a proposição de vários critérios, sem uniformidade, em face das experiências que
se vêm realizando nesse campo. Cumpre ressaltar as observações feitas por Luiz
Alcides Manreza, da Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo: "A principal discórdia, do ponto de vista científico, é conceitual e não
técnica. Aqueles que defendem o uso do eletroencefalograma (EEG) procuram o
diagnóstico da morte de todo o encéfalo, ou seja, a morte de todas as células nervosas.
Aqueles que condenam o uso do EEG para tal finalidade procuram o diagnóstico de
morte encefálica (ME) do encéfalo como um todo, como uma unidade funcional,
concentrando-se na avaliação da atividade do tronco cerebral. E, realmente, para isso, o
EEG com eletrodos de couro cabeludo não tem valor" (10).

Lembra o autor que "desde o conceito original de ME de Harvard, no qual se exigia a


ausência de atividade de todo o sistema nervoso central (SNC), complementado por
EEG isoelétrico, até os conceitos mais atuais de grandes centros, observamos que o
elemento crucial para o diagnóstico de ME é a cessação permanente da atividade do
tronco cerebral" (10).
Explica ainda que "uma série importante de trabalhos tem demonstrado que uma
pequena atividade cortical residual pode persistir em partes do córtex algum tempo após
a inatividade do tronco cerebral. E não há um único registro de atividade do tronco
cerebral, em tais casos. A recíproca, contudo, não é verdadeira, pois há registro de
diversos pacientes com mínimos sinais de atividade de tronco cerebral e com EEG
isoelétrico que se mantiveram indefinidamente" (10).

Aludindo aos problemas estruturais dos serviços médicos, acrescenta o autor: "Esta
situação nos angustia terrivelmente se considerarmos que, em nosso serviço, ocorre
morte biológica em cerca de 80% dos pacientes que preenchem as condições clínicas,
enquanto se aguarda a realização do segundo EEG, uma vez que no primeiro se
evidenciou pequena atividade elétrica cortical. Existe ainda uma série interminável de
problemas de ordem técnica, desde os artefatos produzidos pela parafemália que
normalmente encontramos em uma Unidade de Terapia Intensiva e que acompanham
um paciente em coma, da movimentação de pessoal até as limitações de tempo e
horário, se considerarmos que a grande demanda de politraumatizados é à noite e nos
fins de semana"(10). Conclui o autor sobre a inexistência, em nosso país, de uma lei
clara sobre o assunto, mencionando vários diplomas legislativos.

Avelino Medina, em importante trabalho, apresenta considerações sobre o tema,


esclarecendo que: "A expressão coma irreversível (coma depassé) é usada por alguns
autores para pacientes que entram imediatamente em coma após traumatismo craniano
ou episódio de anóxia, mas que retém fragmento de função neurológica tais como
reações pupilares ou reflexos corneanos. Além da inconveniência da expressão, tão
imprecisa chamada coma irreversível, há o sentido contraproducente da palavra
irreversível". Sustenta ainda que "... alguns pacientes evoluíram para recuperação, com
ou sem incapacidade residual, mormente se tratando de crianças. É expressão que deve
ser evitada" (11).

Tendo em vista as imprecisões conceituais entre morte clínica e morte cerebral, bem
como morte biológica, utilizadas indiscriminadamente, além da morte encefálica, de
caráter particularizado, empregadas aleatoriamente, citamos a descrição de Avelino
Medina do processo biológico de morrer que ocorre na seguinte ordem: "Primeiro, o
córtex cessa de funcionar; depois, o tronco encefálico; depois, os movimentos
respiratórios espontâneos; depois a atividade cardíaca; finalmente, as outras funções
vegetativas. Quanto mais desenvolvido o córtex cerebral na escala zoológica, mais
depressa o córtex morre; durante a ressuscitação, quanto mais desenvolvido o córtex
cerebral, maior a probabilidade de o animal ter restabelecido plenamente as funções
vitais. Provavelmente, o córtex cerebral exerce função vicariante (compensadora) de
outras áreas encefálicas e seu dano significa perda de grandes capacidades adaptativas e
de defesa. Pode-se inferir a gravidade clínica de pacientes com lesão encefálica,
implicando distúrbio de consciência, mormente no sentido de embotamento e supressão
da consciência" (11).

Ainda de acordo com Avelino Medina: "Morte cerebral é o dano irreversível, global de
todo o encéfalo incluindo o tronco encefálico, mantendo-se as atividades pulmonar e
cardiovascular por processos artificiais. O processo biológico de morrer tem imensa
complexidade de ordem neurofisiológica, fisiológica, terapêutica e legal. A morte não é
um momento, mas parte de um processo que, em certas circunstâncias, pode ser
interrompido, por não ser necessariamente terminal. A posição filosófica ante os
eventos da morte varia conforme a cultura e a ideologia de determinada sociedade. O
grande problema é o diagnóstico seguro de morte cerebral, visto que nenhum processo
tecnológico isolado mostrou-se integralmente satisfatório" (11). Tecidas estas
considerações é de se assinalar que não compete ao Direito conceituar e muito menos
estabelecer por intermédio de lei critérios para a constatação da morte, pois, cabe à
Medicina, como ciência, fazê-lo. Todo e qualquer diploma legislativo que se proponha a
determinar qualquer parâmetro definitivo estará colaborando para impedir a adoção de
novos procedimentos médicos que acompanham o próprio avanço da Medicina, pois na
evolução do tempo teremos certamente novo conceito de morte. Ademais disso, o
Direito como ciência, como a arte do bom e do eqüitativo, não se resume na lei,
considerando as mais variadas formas de expressão de que se reveste, como pode ser
visto em R. Limongi França (4).

Tendo presente a própria individualidade humana, em que os critérios na constatação da


morte cerebral ou encefálica se diferenciam caso a caso, dentro das condições clínicas
de cada paciente, levando em consideração todo um conjunto de causas e efeitos, na
complexidade de que se reveste, não cabe ao Direito estabelecer padrões que venham a
se chocar com a própria finalidade da Medicina, tantas vezes esquecida e olvidada, em
que a ética assume, na verdade, caráter complementar e supletivo, na atuação concreta a
que se propõe.

Basta constatar que do conceito inicial e tradicional de "morte cerebral", previsto nas
várias legislações sobre transplantes e que passou a diversos Códigos de Deontologia
Médica, passou-se à utilização de uma terminologia mais precisa e adequada, com a
denominação atual de morte encefálica e que com o evoluir do tempo poderá sofrer
modificações, considerando os estudos sobre a atividade do tronco cerebral e do córtex.

Por sua vez, as imprecisões legislativas quanto à determinação da morte, as quais se


encontram justamente no seio das legislações sobre transplantes de órgãos e tecidos
humanos, derivam do fato de que o estudo isolado da conceituação da morte cerebral,
esta considerada em sua terminologia ampla, restou descurado, o que fez com que
muitos países proibissem toda e qualquer verificação da morte cerebral por médicos
participantes da equipe de transplantes, legando tal atividade aos neurologistas e
intensivistas, ou melhor, aos médicos alheios à equipe cirúrgica e especializados na
matéria, buscando-se, assim, toda a isenção necessária na realização do ato médico.

Não é sem razão que comungamos da opinião de Avelino Medina quando discorre sobre
o aspecto legal sob o qual "o médico há de se resguardar cuidadosamente. O ponto de
vista de morte cerebral é científico e não de lei, na maior parte do mundo, inclusive no
Brasil. Grande problema na prática é determinar se e quando interromper as medidas de
sustentação vital. Deixar que a família decida sobre tais medidas contribui para aliviar a
"consciência" do médico. Opina Negovsky que "somente o médico - que compreende
integralmente a possibilidade de salvar o paciente - tem o dever de decidir da
interrupção da sustentação vital quando não houver mais esperança de o paciente tornar-
se novamente um ser humano". Em certos países, existem processos legais imputando a
responsabilidade ao médico por morte decorrente de imprudência. Nos Códigos Penal e
Civil brasileiros, encontramos respaldo para implicações semelhantes" (11).

Concluímos que estabelecida a morte cerebral, com base em diagnóstico preciso, em seu
significado amplo, abrangente, com a manutenção da sustentação vital, meramente
vegetativa, por intermédio de meios mecânicos, a suspensão ou interrupção da
reanimação torna-se lícita e também necessária, evitando-se com isso tratamentos
inúteis, onerosos, tanto para a família e os responsáveis pelo paciente como pela
instituição hospitalar.

Não há que se falar em eutanásia, em possível "direito de morrer", em face da


impossibilidade de o paciente voltar a ter vida sem o auxílio das máquinas. Não há
também que se falar em pessoa, na ausência de reatividade vegetativa e respiração
espontânea, dentro da complexidade de critérios na configuração da morte encefálica.

O que se pretende demonstrar é que toda e qualquer interrupção de sustentação


cardiorrespiratória em face da morte encefálica não pode ser confundida com a
eutanásia, no sentido de privar de vida um ser humano por motivos filantrópicos,
propiciando-lhe a "boa morte", com o intuito de evitar sofrimento intenso e acima de
tudo desnecessário.

Segundo o ilustre professor Marco Segre, da Faculdade de Medicina da Universidade de


São Paulo: "Não se trata de autorizar, ou de proibir a prática da eutanásia, mas apenas
de definir se o paciente está vivo ou morto" (12). Maior clareza é impossível, pois o
dilema construído em torno da questão - interrupção dos meios mecânicos - nada tem a
haver com a "eutanásia" ou eventual direito de morrer,direito este, diga-se desde logo,
da personalidade, que diz respeito ao direito ao próprio corpo e nada obsta, com
fundamento no consentimento esclarecido que o paciente decida sobre si mesmo e sobre
a sua própria vida. Nada impede que um paciente recuse receber, em sã consciência,
com plena aptidão de entender e de querer, tratamento médico, como também dispor,
em declaração de última vontade, o que abrange os relativamente incapazes que podem
testar, no sentido de interromper toda e qualquer sustentação vital inútil e desnecessária,
quando constatada a sua morte cerebral. O médico está obrigado a agir, isto sim, em
estado de necessidade, diante de iminente perigo de vida.

O novo Código de Deontologia Médica da Itália, aprovado em 1989, cuida em capítulo


especial da assistência ao paciente terminal, sob a epígrafe - Assistenza ai morrenti - ,
onde proscreve qualquer forma de eutanásia, tanto passiva como ativa, voluntária ou
involuntária, como também alude ao coma, cuja sustentação vital deve ser mantida até o
momento da constatação da morte "nos modos e tempos estabelecidos pela lei",
permitindo a manutenção vital na morte clínica, "segundo a lei", a fim de ser mantida
uma atividade orgânica destinada aos transplantes e pelo tempo estritamente necessário
(13).

A Morte Encefálica em matéria de transplantes de órgãos

O recente Decreto n° 879, de 22 de julho de 1993, que regulamenta a Lei n° 8489, de 18


de novembro de 1992, que "dispõe sobre a retirada e o transplante de tecidos, órgãos e
parte do corpo humano, com fins terapêuticos, científicos e humanitários", não obstante
a sua inescondível inconstitucionalidade, por extravasar a própria lei que pretende
regulamentar, cuida, em visível imprecisão técnica, em nítida contradição, da morte
encefálica, considerando-a no seu inciso V, do art. 3°, "a morte definida como tal, pelo
Conselho Federal de Medicina e atestada por médico".
Desconsiderando, portanto, ab initio, os próprios avanços da Medicina, principalmente
das instituições voltadas exclusivamente para a pesquisa científica, notadamente aquelas
que se dedicam às várias áreas especializadas da Medicina, tal preceito vem coarctar o
acolhimento do progresso médico nessa matéria. Por outro lado, ao pretender outorgar
ao Conselho Federal de Medicina a prerrogativa de definir a morte encefálica, está a
confundir definição da morte encefálica com o estabelecimento de critérios na sua
constatação, eis que, ad argumentandum, toda pesquisa médica nessa área,
cientificamente comprovada, não poderá ser acolhida enquanto se "chocar" com a
referida "definição" a ser dada pelo CFM, na padronização preestabelecida que está a
impor.

O próprio fato da adoção da nova terminologia - morte encefálica - ter substituído a


antiga - morte cerebral - vem demonstrar, por si só, que, certamente, com a evolução,
teremos conceituações cada vez mais precisas.

Ademais disso, a locução inserida no texto legal - "atestada por médico" - ampla e
abrangente, afronta ao nosso ver, os critérios mais avançados que determinam a
especialização desse ato médico, de extrema responsabilidade, que deve ser realizado
por mais de um médico, tal como preceitua The Human Tissue Act, de 1961, da
Inglaterra, e a The Human Tissue Act of Northern Ireland, de 1962, que resultou da
Conference of Royal Colleges e das Faculdades do Reino Unido, portanto, detentores da
opinio doctorum.

Naquela época, recomendava-se no Reino Unido, em nítido avanço em relação aos


demais países, a realização do diagnóstico por mais de um médico, especializado, com
mais de cinco anos de experiência e alheios à equipe de transplantes.

Além disso, observamos logo a seguir, que em visível contradição, o parágrafo único do
aludido inciso V, do art. 3°, preceitua que "a definição de morte encefálica, a que se
refere o inciso V deste artigo, não exclui os outros conceitos de condições de morte",
em péssima redação.

Isto posto, em matéria de transplantes, dentro dos objetivos da regulamentação


estabelecida, por intermédio de "decreto", que extrapola a própria lei a que se propõe
"regulamentar", extravasando seu âmbito, o atual diploma revela-se um retrocesso em
relação às demais legislações modernas.

Completando as contradições, constata-se ainda, que o seu art. 8.°, ato contínuo,
determina que "a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano será precedida
de diagnóstico e comprovação da morte (sem especificar), atestada por médico (não
importa o status) nos termos da Lei de Registros Públicos", a qual, diga-se desde logo,
cuida do "óbito" e do seu "assento", "em vista do atestado médico, se houver no lugar,
ou, em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou
verificado a morte (art.77, Lei n° 6.015/73), confundindo transplantes in vivo, com
mortis causa.

Assim, embora desvincule o diagnóstico e a comprovação da morte (sem especificar) do


transplante de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, em que o médico que atestar
não poderá ser o mesmo a realizar o transplante, embora transplante se realize por
intermédio de equipe, chega ao ponto de impor, uma vez comprovada a morte
encefálica, nos termos do seu inciso V, do art. 3.°, ou seja, aquela "definida como tal
pelo CFM e atestada por médico", a sua notificação compulsória, "em caráter de
urgência", não obstante disponha no seu parágrafo 1.°, do art. 8.°, que "o diagnóstico e a
comprovação da morte não deverão guardar qualquer relação com a possibilidade de
utilização de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para transplantes".

Assinala-se, entretanto, que a morte encefálica (genericamente denominada cerebral)


não se liga necessariamente aos transplantes, objeto do referido diploma legal, à falta de
uma regulamentação mais precisa, em face dos preceitos éticos que envolve, o que faz
com que a matéria, por si só, permaneça lacunosa, notadamente quando diz respeito à
dignidade da pessoa humana.

Qualquer regulamentação que venha afrontar o direito ao corpo, que se subsume no


direito à vida e à saúde, os quais se sobrepõem como garantia constitucional, como
direitos da personalidade, estará eivada de invalidade, dada a própria natureza jurídica
desses direitos.

Conclusão

Em relação aos pacientes terminais, sem qualquer conotação específica com os


transplantes, somos de opinião no que concerne aos pacientes incapazes plenamente ou
aqueles que, muito embora capazes civilmente não possam manifestar o seu
consentimento, compete ao médico e à própria instituição médica em que se encontra o
paciente, ministrar a terapêutica adequada, de acordo com os preceitos éticos, porque,
acima de tudo, é dever do médico preservar a vida humana.

Chamamos a atenção para o que afirma Marco Segre: "A opção clara, de um paciente
lúcido, pela não aceitação de técnicas que lhe prolongam a vida, irremediavelmente
ameaçada, deve, a meu ver, ser respeitada. Parece-me ser, esse, um problema de
relacionamento médico-paciente, em que o direito de receber ou não um tratamento
assiste a esse último. Poderá o médico, discordando, suspender a assistência ao enfermo
(exceto em situações bem específicas), que procurará outro profissional para tratá-lo, se
assim o desejar" (12).

Quanto à interrupção de meios mecânicos de sustentação vital, esclarece com


ponderação: "Merece discutir-se, contudo, até que ponto o médico tem o direito - e
mesmo o dever - de participar do processo de sustação da vida. Se, por formação, tem
obrigação de preservá-la, por que lhe atribuir justamente a função aposta?" Diante dessa
indagação, considera que "é bem verdade que é obrigação primeira do médico atenuar o
sofrimento, divinum opus sedare dolorem. Daí decorre que a assim chamada eutanásia
indireta, quando a morte é favorecida por determinados medicamentos, imperiosos para
a sedação do sofrimento do doente, é a prática melhor aceita sob o ponto de vista moral.
Ainda uma vez, observamos a importância decisiva do relacionamento médico-paciente;
o segundo não desejando sofrer, e o primeiro devendo evitar, a todo custo, seu
sofrimento"(26).

Discordamos, com a devida venia, da proposição acima, ao considerar como eutanásia


indireta o ato médico de minorar o sofrimento, no "favorecimento da morte" por
determinados medicamentos, na sedação do paciente, porque a Medicina, como ciência,
não se resume em dar medicamentos, mas preservar a vida, a integridade, a pessoa
como um todo, no apoio moral, psicológico e físico, onde se compreende também a
atenuação do sofrimento do paciente terminal.

Aludindo ao coma depassé, que na opinião acertada de Marco Segre guarda conexão
aparente com a eutanásia, temos o seu magistério ao assinalar que "é óbvio que a vida
deve ser mantida sempre, e a cessação de cuidados médicos só pode coincidir com o
momento da perda da vida. Assim, vê-se que já não se trata de autorizar, ou de proibir a
prática da eutanásia, mas apenas de definir se o paciente está vivo ou morto"(12).

Estabelecendo diferenças conceituais importantes, observa: "Convém lembrar que a


perda total de reflexos, a isoeletricidade do eletroencefalograma e a ausência de toda
resposta cerebral só podem caracterizar a ausência, quiçá reversível, da função
especializada das células cerebrais, com persistência, ainda, da função vital. Na vigência
de certas intoxicações, esses mecânismos podem ocorrer. Cabe ainda referir que "morte
cerebral" não é sinônimo de "morte encefálica", estando atingida, nesta última, a própria
coordenação da vida vegetativa e não apenas a da vida de relação, conforme ocorre na
morte cerebral. Existem casos atuais de pacientes sem qualquer sinal de atividade
cerebral e cuja vida vegetativa não cessa (respiração, pulsações cardíacas), mesmo após
a suspensão das técnicas de respiração artificial" (12).

Portanto, não há que se confundir eutanásia, em suas várias modalidades, com a


interrupção da sustentação vital por meios mecânicos, quando da ocorrência da morte
encefálica, no seu sentido estrito e médico, porque o paciente já está morto e não pode
existir eutanásia de quem já morreu.

Em conclusão, considerando que o presente estudo, por si só, não comporta maiores
digressões, dada a vastidão da matéria, frisamos que toda e qualquer terapêutica médica
tem por fundamento e por pressuposto o respeito à dignidade humana, na tutela de
direitos privados da personalidade e na relação médico-paciente, em que sobreleva o
direito ao respeito da vontade do paciente sobre o tratamento; o direito do doente ou
enfermo à dignidade e à integridade (físico-psíquica); o direito à informação que se
deve fundar no consentimento esclarecido; o direito à cura apropriada e adequada; o
direito de não sofrer inutilmente, na proporcionalidade dos meios a serem empregados,
na diferenciação que se impõe entre terapêutica ineficaz e terapêutica fútil, isto é, na
utilização de uma terapia racional e vantajosa, que não conduza a uma terapia violenta e
indigna.

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