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DESCOBRINDO O AUDIOVISUAL:

UMA EXPERIÊNCIA NA COMUNIDADE LARA VILELA, NITERÓI

Márcio Blanco Chavez (UFF).

Uma linguagem invisível

A Oficina de Vídeo na Comunidade da Lara Vilela, mais conhecida como Morro do 94,
teve início no dia 02 de Maio de 2002. Ela aconteceu todas as quintas, das 14:00h às 16:30h na
Associação de Moradores da Lara Vilela, localizada no bairro do Ingá em Niterói. Ao longo de
seis meses de atividade, a Oficina procurou despertar o interesse de seus integrantes, adolescentes
e jovens entre os 14 e 21 anos, pela tecnologia audiovisual e desenvolver neles uma reflexão
sobre a sua linguagem, usando como suporte exemplos tirados de filmes, novelas, telejornais,
comerciais e tudo o mais que se utilizasse dessa linguagem pra transmitir algum tipo de
informação que aliasse som e imagem. A proposta foi introduzi-los nos princípios básicos que
regem o audiovisual, a construção do seu discurso como “paradigma de verdade” e a reflexão em
cima desse paradigma. Para tanto, minha principal preocupação foi colocá-los em contato com a
prática desses princípios por entender que essa seria a melhor forma de elucidação do conteúdo
proposto. Desde o começo tornei as aulas as mais dinâmicas possíveis, levando sempre o
equipamento para o local da Oficina e deixando eles bem à vontade para manuseá-lo. Conforme a
prática foi se desenvolvendo fui aprofundando a parte teórica do curso, invertendo assim, a
ordem clássica de aprendizado. Na Oficina de Vídeo a teoria surgiu como uma conseqüência da
prática. Optei por esse tipo de processo por acreditar que a Oficina de Vídeo estaria competindo
com outras atividades extraclasses e, caso não tornasse as aulas atraentes de imediato, correria o
risco de ver seus interesses diminuindo gradativamente. Por aulas interessantes, entendia
atividades bem práticas que despertassem suas curiosidades e interesses em assistir a aula
seguinte. Na mesma época eram oferecidos a essa comunidade cursos de capacitação de agentes
comunitários promovidos e custeados pela prefeitura de Niterói. Seus participantes recebiam uma
espécie de remuneração mensal para realizar o curso, algo impensável no caso da Oficina de
Vídeo, que contava apenas com o apoio logístico da Associação e da Universidade, no tocante a
empréstimo de equipamentos e cessão de espaço.
A idéia do projeto nasceu da constatação de que a evolução tecnológica sendo uma
constante no desenvolvimento do ser humano, sempre esteve circunscrita a uma parcela das
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sociedades. A criação do conhecimento científico e o seu uso foi, durante a história das
civilizações, pressuposto de dominação e manutenção do poder pelas elites.Quando da chegada
do europeu no continente americano, a sua expansão pelo território e conseqüente dominação dos
povos que aqui viviam se deu em grande parte pelo uso de uma tecnologia desconhecida pelos
habitantes da América. Na virada do milênio, a tecnologia se mostra mais presente no nosso
cotidiano, através dos meios de comunicação. O surgimento do cinema, do rádio e da televisão
mudou radicalmente a experiência das relações humanas no séc. XX. Hoje, paulatinamente, esses
suportes são absorvidos pela informática, sendo a Internet seu melhor exemplo e não está muito
longe o dia em que todas as mídias estarão reunidas em uma só. As distâncias territoriais são
substituídas pelo apertar de uma tecla de computador. Em minutos um brasileiro pode estar se
comunicando com um habitante da Finlândia ou mesmo visitando o museu de Prada, na Espanha,
sem precisar sair de casa. É a tão alardeada globalização que, supostamente, estaria
transformando o mundo em uma grande “aldeia global”. Se por um lado o globo terrestre vai se
tornando uma pequena vila, por outro, a aquisição e uso dessa tecnologia vêm criando um fosso
entre quem pode e não pode usufruir dela. Aqui, as diferenças econômicas determinam quem
poderá caminhar rumo ao futuro e quem ficará para trás encoberto por uma nuvem de poeira.
A criação de uma única mídia, que englobe as demais, já pode ser considerada uma
realidade. É também verdade que essa nova mídia irá gerar uma demanda de imagens para
alimentar os seu milhões de usuários. Nesse campo, o vídeo exercerá um papel fundamental na
captação e criação de sons e imagens. Embora, desde a década de 70, ele faça parte de nossas
vidas de uma forma natural, ainda é uma pequena parcela da população mundial que tem acesso a
essa tecnologia e isso configura um fator de segregação social que deve ser levado em
consideração. Desde o aparecimento do cinema, uma nova linguagem vem tomando corpo ao
longo das décadas e se desenvolvendo de tal maneira que a comunicação audiovisual ganhou
tanta importância quanto a escrita. Ainda que isso não seja mais nenhuma novidade e muitos
estudiosos apontem para este fenômeno, é de se espantar que o aprendizado do audiovisual ainda
ocupe uma importância menor na nossa educação formal. Este fato cria distorções nas relações
humanas de conseqüências graves pois vem criando uma verdadeira massa de analfabetos
audiovisuais, gente que recebe diariamente uma descarga enorme de informação audiovisual mas
que não possui os conhecimentos necessários para decodificá-la e muito menos os meios para
produzir informação em contrapartida, como acontece em uma relação ideal de comunicação.
Isso se agrava ainda mais quando o contexto dessa situação se dá em um país como o Brasil,
onde as diferenças sociais são gritantes. Aqui no Brasil, onde o analfabetismo ainda é um
problema comum, o domínio desta nova linguagem pode bem ser usada, e de fato o é, para

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perpetuar a dominação ideológica de uns poucos sobre a maioria. Serve para impor, encobrir,
dissimular, manipular conteúdos de informação de acordo com a vontade dos autoproclamados
“donos” da verdade. Quem mais sofre com a falta de uma política audiovisual democrática são
justamente as classes economicamente desfavorecidas que se vêm tolhidas em sua capacidade de
reflexão e auto expressão. No Brasil, o enorme potencial criativo dessas classes contribuiu de
forma decisiva para a formação de uma cultura brasileira e forjou ao longo de 500 anos de
história a nossa identidade nacional. Embora esse potencial não tenha diminuído nos dias de
hoje, o seu alcance foi consideravelmente abalado, grande parte em função da inexistência de
uma política educacional séria e ambiciosa que contemple o estudo dos meios de comunicação,
envolvendo as formas de construção do seu discurso e o seu impacto sobre as relações sociais. O
resultado é a absorção irrefletida de uma cultura que se apóia exclusivamente na produção de
bens para consumo. É uma imposição que vem de cima para baixo massificando tudo que
encontra pela frente. Exemplos não faltam e podem ser encontrados na música, no cinema, na
literatura, e tudo o mais sobre o qual a lógica do mercado imponha sua mão pesada. Sendo o
principal meio de manifestação cultural da sociedade moderna, o ensino da linguagem
audiovisual é imprescindível para resgatar essa identidade em vias de se perder, através de um
convite à reflexão e do estímulo à produção de uma linguagem com conteúdo próprio e original.

Aprendendo a aprender

Na primeira aula apresentei a eles a câmera de vídeo. Levei um monitor e montei o


equipamento na frente deles. Em seguida “joguei” a imagem da câmera para o monitor e mostrei
como se segurava a câmera em cima dos ombros. Também indiquei como era possível mudar o
enquadramento da imagem através do zoom, o suficiente para que eles dominassem o básico de
seu manuseio e pudessem ficar a vontade para “brincar” com a câmera. O que se deu em seguida
foi um alvoroço só, com todos querendo “filmar” um pouquinho. Houve quem se interessasse
mais em aparecer na frente das câmeras do que em manuseá-las e nessa aula eu deixei bem claro
que todos podiam fazer o que quisessem naquele dia. A maioria ali nunca tinha operado uma
câmera de vídeo e a produção de imagens era uma grande novidade. Algumas meninas da
comunidade vizinha perguntaram se poderiam trazer músicas na aula seguinte para que pudessem
dançar e serem filmadas. Topei na hora.
Na quinta seguinte estavam todos lá, ansiosos pela gravação do “baile” improvisado. As
meninas produziram a parte delas. Levaram um micro system e estavam vestidas a caráter, o que
quer dizer, shorts e bustiês de fazer corar qualquer “alma pudica”. Naturalmente, elas apenas

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usavam os trajes que julgavam serem mais adequados para a exibição da coreografia. A música
era o já conhecido funk do tipo “proibidão”. Notando o entusiasmo da sala de aula,
principalmente dos garotos do 94, montei o equipamento enquanto as meninas ensaiavam seus
passos. Dessa vez incentivei os demais a me ajudarem na montagem, mesmo com algumas
confusões. Queria que eles criassem intimidade com o equipamento técnico o mais rápido
possível. Em seguida perguntei quem gostaria de “filmar” primeiro e combinei que cada um
“filmaria” um pouquinho. Tudo pronto! Demos início ao nosso show. Como era de se esperar em
apresentações desse tipo, onde a música, acompanhada da coreografia possui um forte apelo
erótico, os meninos se mostraram entusiasmados e em pouco tempo estavam brigando para
decidir quem seria o próximo a filmar. As demais meninas que estavam na sala se mostraram um
pouco constrangidas com a situação e preferiram ficar apenas observando. O que aconteceu
durante a gravação e que pôde ser testemunhado por todos devido ao monitor, foi uma sucessão
de closes nas partes íntimas das meninas que se esforçavam por desempenhar a coreografia da
melhor maneira possível. Apesar dos riscos, não interferi dando total liberdade para que eles
filmassem o que interessava a eles. O meu objetivo com isso era ensejar logo em seguida uma
discussão sobre a gravação feita. Mesmo com receios, mantive um distanciamento do que
acontecia e tentava jogar sobre a situação um olhar antropológico. Para mim, naquele momento,
os tipos de enquadramento utilizados eram apenas um reflexo de seus focos de interesse e de um
contexto cultural imanente aquele lugar e daquelas pessoas; e eu não poderia inibir isso a pretexto
de algum tipo de moralismo. Não era esse o objetivo da oficina. Eu não estava ali para educar
seus olhares, mas para permitir uma auto-percepção deles mesmos e de seu mundo através da
linguagem audiovisual. Qualquer comentário a respeito reservaria para discussão em seguida.
Terminado o show, mostrei a gravação à turma e dei início a discussão. As meninas que foram
gravadas ficaram constrangidas, assim como os meninos, pois dessa vez todos assistiam juntos às
imagens. Percebendo o clima falei que as imagens gravadas e os enquadramentos representavam
o interesse de quem as gravou, mas que, apesar disso, eles poderiam ter gravado outras coisas.
Tentei ser o mais delicado possível para evitar mais constrangimentos. Não queria e não devia
condenar nenhuma das partes. Dando o exemplo dos clips, disse que eles poderiam ter gravado
os rostos ou os próprios pés das meninas, enfatizando mais a coreografia do que a erotização que
dela resultava. Falei mais que ouvi e sei que poderia ter incentivado mais as suas falas mas
confesso que o fato daquela ser apenas a segunda aula me deixou constrangido também. De
qualquer forma, as imagens e o constrangimento causado falavam por si só e tenho certeza que a
reflexão foi feita individualmente, embora eu esperasse uma outra oportunidade para discutir o
acontecido com mais profundidade Depois descobri que as meninas que fizeram o baile

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improvisado não pertenciam à comunidade do 94. Elas eram de uma comunidade ao lado, a do
morro do Palácio.
As aulas seguintes foram dedicadas a um maior conhecimento da câmera. Aos poucos eu
ia demonstrando os seus diversos recursos, ao mesmo tempo em que, dava noções de
enquadramento e seus significados. Utilizei os conhecimentos adquiridos no curso de cinema e
esses primeiros encontros foram dedicados a transmissão de uma pedagogia da linguagem
cinematográfica clássica. Também mostrava alguns efeitos especiais, tais como congelamento da
imagem, strobe, entre outros. Eles gostaram muito do efeito de desaparecimento de algo dentro
da imagem, à maneira feita por Mélies nos primórdios do cinema. Sempre tentei tornar o
aprendizado o mais lúdico e acessível possível, por isso me preocupei desde o princípio em
ilustrar as explicações teóricas com exemplos do dia a dia, uma tarefa que não julguei fácil,
porém muito instigante não só para mim como para eles.
Nos encontros onde falei sobre os enquadramentos, utilizei um filme curta metragem, Biu,
a vida não tem retake de Paulo Halm. É a história de Biu, um servente que trabalha em uma
produtora cinematográfica e tem o sonho de tornar-se uma estrela de cinema. O produtor-diretor,
querendo tirar um sarro com o sujeito, finge oferecer-lhe uma oportunidade. Biu, acreditando que
sua grande chance finalmente chegara, mistura fantasia e realidade e sem conseguir distinguir a
fronteira entre uma e outra acaba sendo vítima de seus desejos. Esse filme é representativo de
uma escola de narrativa clássica. Além de utilizá-lo para exemplificar a utilização dos
enquadramentos a serviço da história, aproveitei o tema para discutir questões sobre racismo,
sonho versus realidade, ética no trabalho com base em uma leitura do filme. Dei atenção
particular a uma seqüência, onde o produtor-diretor discute com um roteirista se o filme em
projeto deveria conter em uma das cenas figurantes com feições comuns, “de pobres”,entre eles
negros ou deveria contar com atores brancos , lindos, tipo modelos. Conforme o produtor-diretor
vai descrevendo a cena que ele deseja, os personagens da cena tipos comuns vão desaparecendo e
dando lugar a atores tipo modelos sob protestos do roteirista que deseja algo mais realista.
Surpreendeu-me o nível de discussão e fiquei satisfeito com o grau de interesse e compreensão
demonstrados. Esse filme além de tematizar os bastidores de uma produção audiovisual e os
eventuais conflitos arte x mercado, serviu de exemplo para um dos efeitos obtidos com a câmera
de vídeo, demonstrados anteriormente
Em um dos encontros resolvi experimentar. Levei dois filmes sem saber ao certo qual
passaria, Pixote e Xica da Silva. Era o quinto encontro e já havíamos combinado de realizar um
vídeo para dali há um mês. Maria, 17 anos, uma das participantes, levou uma sugestão de
reportagem pra ser usada no vídeo que iríamos gravar no dia 20 de Junho. Era uma notícia sobre

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o caso do cantor Belo, acusado de envolvimento com o narcotráfico no Rio. Aproveitei o gancho
para discutirmos sobre o poder da mídia e a repercussão do caso. Gostei muito das intervenções
do aluno Elias, 18 anos. Ele mostrou opiniões bem interessantes, afirmando que o caso Belo só
ganhara tal proporção, pois se tratava de uma pessoa de origem humilde que havia ascendido
profissionalmente através da música e por ser conhecido cantor de pagode. Esse assunto acabou
se ramificando em vários outros, tais como o uso abusivo da autoridade policial. Ouvi relatos do
Elias quando abordado por policiais em “revistas” ou subidas ao morro. Elias disse que certa vez
fora abordado por soldados da PM, que estavam bêbados. Eles insistiram em levá-lo até a polícia
apesar de não apresentar qualquer tipo de suspeita. Só foi deixado em paz após seu pai ter
escutado a discussão e ter descido para ver o que acontecia. Segundo ele, os policiais só temiam
os mais velhos. No dia anterior o BOPE (Batalhão de Operações Especiais) havia subido à
favela e Elias disse que essa corporação era a mais temida pelos traficantes, o que acabou
confirmando a existência de um “movimento” no morro, embora pequeno. Segundo Aline, 17
anos, “Não chega nem a ser ‘movimento”. Depois tentei puxar um assunto sobre o poder do
tráfico junto a comunidade, dizendo que o ciclo de vida de um traficante era muito curto. Tive a
impressão de um certo desconforto em falar a respeito, por isso acabei falando mais
genericamente sobre o tema, sem tentar remetê-lo a realidade do 94. Disse que o poder que
seduz o jovem e o leva a ingressar no tráfico é muito ilusório, pois quando se consegue o
“respeito” e o dinheiro, perde-se a liberdade tornando-se o traficante um refém do seu “negócio”.
Disse que essa sedução seria exercida pela promessa de vantagens que o trabalho no tráfico
traria, como a aquisição de armas, roupas caras e um prestígio entre as meninas. Nesse momento
Aline, sentindo-se atingida pessoalmente com meu comentário, me interrompeu, dizendo que
aquilo não era verdade. Retruquei afirmando que não queria fazer generalizações, embora
realmente fosse isso o que estava fazendo. Perguntei se algum deles conhecia um caso parecido e
Elias disse que sim. Aproveitei a ocasião para especular sobre as origens dessa violência. Elias
falou sobre a raiz do problema, sobre ter que fazer uma conscientização lá do início. Falou
também sobre as desigualdades sociais. Tentei falar sobre a possibilidade dos problemas sociais
no país serem históricos, o que Elias prontamente concordou, falando sobre o passado do Brasil
como colônia de exploração, ao contrário do passado dos Estados Unidos, como colônia de
povoamento. Foi então que eu decidi passar filme Xica da Silva.
Passei outros filmes para discussão, e decidi me aprofundar em seus conteúdos após a
realização do nosso primeiro vídeo pois sentia que eles haviam adquirido um chão seguro por
onde poderiam caminhar rumo a uma compreensão mais abrangente a partir do material visto.
Um deles foi o filme “Como Nascem os Anjos” de Murilo Salles que rendeu uma discussão

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muito boa a respeito do papel da mídia. Em seguida levei o resultado de uma experiência
semelhante a que eu realizava,desenvolvida em São Paulo. Tratava-se da Oficina Kinoforum de
realização e produção audiovisual. Eram 16 curtas digitais, dirigidos, produzidos e fotografados
por jovens de 17 a 25 anos, a partir de seus próprios roteiros. Esses jovens eram em sua maioria
de bairros carentes da periferia de São Paulo e participavam dessas oficinas sob orientação de
profissionais da área audiovisual Essa mistura de conhecimento profissional e amadorismo, no
melhor sentido da palavra, gerou curtas muito interessantes por possuírem uma linguagem
experimental que ia contra os cânones da produção audiovisual que eles estavam acostumados a
ver. A minha intenção ao exibir esse vídeo era mostrar para os participantes da Oficina que
experiências iguais àquelas que eles faziam parte aconteciam em outros lugares do país com
resultados muito bons. Eu também queria ver e comentar as suas reações ao assistirem
produções que subvertiam a “impressão de realidade” que eles havia experimentado na realização
do vídeo da nossa oficina. Infelizmente nesse dia a participação foi pequena e a discussão não
rendeu da maneira que desejava por um imprevisto acontecido ao término da sessão mas pelo
pouco que pude conversar com eles percebi que a recepção havia sido boa Cheguei a falar sobre
o audiovisual como representação poética à exemplo dos muitos vídeos vistos ali. Um dos
participantes, Joílson, 16 anos, gostou particularmente de uma história que tematizava o tempo.
Outro, Alexandre, 21 anos, já gostara mais do vídeo que possuía uma estrutura narrativa
semelhante a que ele havia experimentado. No final, concordamos que mais para frente
experimentaríamos essa linguagem poética na realização de um vídeo.
Dessa forma, os encontros transcorreram em um misto de improviso e antecipação. Se por
um lado isso trouxe uma dinâmica interessante para as aulas, em alguns momentos mostrou-se
um verdadeiro caos, agravado pela presença oscilante dos participantes. No final das contas, a
opção se mostrou acertada, pois de fato a assiduidade era uma coisa complicada em função da
vida que eles tinham fora dos encontros. Qualquer forma de se estabelecer um programa de aulas
integrado e causal, teria sido um desastre. A Oficina teve início com uma presença de treze
pessoas e terminou com seis pessoas. Aqui não custa lembrar que a participação da Oficina foi
aberta a toda comunidade, independente da idade, não obstante eu tivesse um interesse maior em
direcioná-lo para os mais jovens.

Abrindo os olhos

O grande auge da Oficina foi o vídeo que fizemos, quase todo ele idealizado pelos
participantes. O seu processo de realização consumiu um mês e meio entre o argumento e a sua

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edição final. A idéia foi trazida pela aluna Maria e posta em discussão na turma. Uma piada do
humorista Tom Cavalcanti que ela ouvira no programa Domingão do Faustão e que levou já
redigida para a turma. Discutimos o texto e eu lhes expliquei como era formada uma equipe de
gravação, suas funções e o caminho que a história percorreria desde sua concepção até a edição.
Muitas idéias surgiram, como, por exemplo, a de fazer uma televisão de isopor e um dos
alunos colocar a cabeça dentro dela como se fosse um repórter dando uma notícia. Decidimos
que aproveitaríamos a discussão em torno do “caso Belo. As funções foram distribuídas de
acordo com a vontade de cada um. Uma coisa que eu notei ao longo da oficina é que a câmera
invariavelmente acabava sendo operada pelos meninos, embora eu incentivasse que as meninas
também a utilizassem. Nos encontros seguintes começamos a fazer ensaios com a câmera já com
alguns objetos de cena. A história exigia a participação de três atores. Aqui ocorreu o oposto da
disputa pela operação da câmera. As meninas tomaram a iniciativa e se mostraram mais dispostas
a representar os papéis que a história exigia. O problema é que ela exigia a participação de um
homem (Jorge), uma mulher (Inocência) e um menino de mais ou menos 10 anos (Pedrinho). O
papel do homem seria fácil de resolver mas e o do garotinho? Uma das participantes, Lívia, de 14
anos, se dispôs a fazer o papel de Pedrinho, embora ela fosse mulher e não tivesse a idade que o
personagem pedia. Expliquei que poderíamos fazer uma farsa já que se tratava de uma piada
mesmo, portanto, o fato de uma menina fazer o papel de um garotinho, ao invés de atrapalhar,
ajudaria no tom de chacota da história. No entanto, a caracterização teria que ser bem feita para
não beirar o ridículo. Todos ali então concordaram que a cena onde Pedrinho aparecia deveria
conter elementos que remetessem à idade do personagem para que o público pudesse fazer a
associação desejada Aos poucos, então, eu colocava problemas para que eles resolvessem, ora
como produtores do vídeo, ora como possíveis espectadores da obra que eles realizavam.
Em outro momento do ensaio, perguntei como a cena poderia ser dirigida. Alexandre
sugeriu que um dos atores entrasse pela lateral do quadro. Aproveitei a deixa para ilustrar a idéia
de imagem “fora-de-campo”. Dessa forma resolvi pela prática algo que poderia ter sido explicado
teoricamente com a análise de filmes mas acho que esse caso específico foi mais interessante
tendo em vista que uma dificuldade real de encenação gerou uma solução que foi pensada e não
mostrada. Tive a certeza que essa noção de imagem “fora-de-campo” estava de alguma forma
presente na sugestão, embora não explicitamente como conceito, mas como espaço inconsciente
da diegese da imagem. Não devo ignorar que todos ali estão acostumados com essa noção da
prática, pelo hábito de assistirem televisão, principalmente novelas e filmes, mas o que eu
procurei com a oficina foi dar visibilidade a esses mecanismos e processos que operam a “ilusão”
da imagem de forma subliminar em 90% das vezes.

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A realização desse vídeo foi muito importante para demonstrar como é construída a falsa
impressão da realidade presente na maior parte dos produtos audiovisuais que estamos
acostumados a ver na mídia. Confesso que, para isso, orientei bastante a direção do vídeo
preocupando-me com noções de continuidade, raccords e iluminação. Julguei muito importante
essa etapa como forma de desmistificar a produção imagética e impulsioná-los para um
questionamento de seu uso. Com isso, chamei a atenção para o uso da narrativa clássica como
uma forma, entre tantas outras, de produção de inúmeros tipos de discurso. A próxima etapa, de
edição, foi reveladora desse mecanismo, pois eles puderam testemunhar como se dá a mágica
operada pela edição, onde imagens gravadas fora da ordem cronológica ganham uma
continuidade fluída. Mais uma vez, nessa etapa, orientei o trabalho sem deixar de me preocupar
com suas opiniões, mas procurando o objetivo previsto na gravação.
Considerei a realização desse vídeo e seu resultado muito importante para as etapas
seguintes pois, na minha opinião, ele forneceu um suporte básico para se discutir outros filmes
que levei posteriormente, assim como introduzir outras práticas de construção de um discurso
que não o clássico narrativo, como por exemplo, o documentário e o filme experimental. No
caso da edição, infelizmente, não pude me aprofundar na parte técnica. Priorizei a teoria pois só
tínhamos um dia para realizar a edição. Inclusive, esse foi um dos obstáculos que tivemos que
superar, a falta de uma estrutura ideal de trabalho, o que também nos impossibilitou de realizar o
vídeo da forma como o idealizamos. Apesar de todo o apoio institucional dado pela Universidade
no que se refere a empréstimo de equipamentos, este não pôde acontecer sempre que requisitado,
pois o seu uso era compartilhado com todos os funcionários e alunos do Instituto de Artes e
Comunicação Social. Tenho certeza de que, se a oficina dispusesse de uma estrutura própria
nesse sentido, os resultados poderiam ter sido obtidos de forma mais rápida e independente, pois
eles teriam o equipamento a sua disposição para uma prática diária que pudesse ultrapassar os
limites da Oficina e envolver toda a comunidade em projetos de integração e desenvolvimento,
como pro exemplo, uma TV comunitária local.
Após finalizado o vídeo, a satisfação era geral pois havíamos passado por uma etapa
importante da nossa Oficina. Em uma das reuniões, onde todos os participantes assistiram o
vídeo, discutimos a respeito da sua realização e todos se mostraram surpresos com o resultado
final. A opinião geral era que ninguém esperava que a gravação, do jeito como fora feita, fora
de ordem cronológica da história e num misto de improvisação e euforia, pudesse ter dado no que
deu : Uma narrativa linear, cujo efeito de “impressão da realidade”, típica da gramática
cinematográfica clássica, fora experimentada e alcançada no trabalho em vídeo. O senso geral era
que eles não veriam mais um filme da mesma forma que antes. A sua leitura estaria sempre

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acompanhada do implícito das imagens, aquilo que justamente cria a “ilusão” ou, em outras
palavras, gera o discurso audiovisual.
A idéia do segundo vídeo que fizemos foi alcançada após diversas discussões onde não
faltaram sugestões mirabolantes, como por exemplo, fazer um filme de época. Eu sabia que havia
aberto uma porta por onde entrariam diversos sonhos mas era preciso dar um caráter pragmático
ao nosso próximo objeto sob risco de inviabilizá-lo. Dessa forma eu agia, mesmo que a contra
gosto, como um censor de devaneios audiovisuais pois não tínhamos recursos para muitas das
idéias sugeridas. Tentando ser o mais sutil possível para não criar animosidades eu os conduzia
até a idéia de fazer um documentário. Do ponto de vista da produção, seria o ideal dentro da
nossa realidade e além disso estaria sendo criada a oportunidade para discutirmos e praticarmos
uma outra vertente da linguagem audiovisual. Meio decepcionados, eles aceitaram a proposta e
logo nos pusemos a discutir sobre qual realidade nos debruçaríamos. Na minha cabeça, o mais
natural era que pudéssemos falar sobre a realidade deles pois ela estava diretamente ao alcance de
nossas mãos e cabeças. Alexandre sugeriu que fizéssemos um documentário sobre a realidade da
comunidade onde viviam. Bingo! Era onde eu queria chegar Ele queria fazer um vídeo do tipo
“A vida como ela é”, onde seriam feitas entrevistas com os moradores com perguntas sobre as
suas vidas, as condições de moradia (Muitas das famílias ali viviam em condições que beiravam
a indigência), etc… Fiquei muito empolgado com a idéia e ele também por ver que ela tinha sido
bem recebida. Os demais não se opuseram e marcamos que na próxima reunião aprofundaríamos
o que seria o próximo vídeo. No encontro seguinte, no entanto, Alexandre mudou
completamente a sua disposição. Já não mostrava o mesmo entusiasmo quanto a idéia e sugeria
que fizéssemos algo diferente. Surpreso, perguntei o motivo da mudança de comportamento e
ele foi evasivo dizendo que achava que um vídeo daqueles não interessaria a alguém. Eu
contestei imediatamente mas desconfiava que as razões eram outras. Maria também achava o
mesmo e aos poucos todos mostraram a mesma disposição que Alexandre. Diante de tamanho
argumento nada mais pude faze a não ser abrir mão da idéia. Até hoje desconfio que aquela
resistência por parte do grupo fora tomada antes, em conversas entre eles mas até hoje apenas
posso fazer suposições. Uma dela é que o tráfico, ainda que incipiente no lugar, poderia trazer
problemas.
Realidade do 94 posta de lado,partimos para outra idéia. Um dia eu caminhava para mais
uma reunião da Oficina quando, ao passar em frente a uma escola voltada para surdos e mudos,
me deu um estalo. Era a milésima vez que passava em frente ao seu prédio e apenas conhecia o
lugar através das crianças e adultos que paravam diante do portão e se comunicavam através da
linguagem de sinais. É incrível como o diferente pode se tornar comum por força do hábito. Eu,

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passando ali quase todos os dias e nunca havia me tocado que dentro daquele prédio existia um
universo tão rico de possibilidades, aguardando apenas um pequeno gesto meu de desviar o passo
para se fazer conhecer. Saindo do meu trajeto rotineiro e tão seguro, resolvi entrar para conhecer
o ambiente. Encontrei uma mulher muito simpática que prontamente atendeu à minha
curiosidade de saber mais a respeito daquele lugar. No mesmo dia da levei a idéia para a
Oficina. Unanimidade. Todos concordaram e prontamente começamos a refiná-la. O Primeiro
passo era conhecermos mais sobre a APADA (Associação de Pais e Amigos do Deficente
Auditivo). Conseguimos que uma das mães de um aluno nos visitasse e fizemos a sabatina.
Foram muitas perguntas e uma paciência enorme da mãe para não deixar qualquer dúvida.
Pesquisa feita, elaboramos um roteiro de perguntas e colocamos a mão na massa. No dia marcado
para a gravação do vídeo, combinamos que todos ali fariam de tudo um pouco, câmera e
entrevista. Começamos pela presidente da Associação que falou sobre o funcionamento da
APADA e as dificuldades enfrentadas em receber as verbas de manutenção do lugar. Em seguida
fomos até as salas e registramos o dia a dia de uma aula. Entrevistamos alunos e professores.
Nesse momento aconteceu aquilo que julgo ser a maior lição do vídeo : Uma das participantes,
Lívia, 14 anos, entrevistava uma das professoras com a ajuda um intérprete. Improvisando no
roteiro de perguntas, Lívia, sem qualquer maldade, resolveu perguntar se a escola recebia pessoas
normais para aprendizado da linguagem de sinais. Momento de silêncio. A professora,
visivelmente contrariada, se empenhou em dizer que naquele lugar todos eram normais e que a
deficiência não os tornavam diferentes. Lívia não sabia onde enfiar a cara de tão envergonhada
que ficou. Mesmo sem querer, ela nos dava a todos ali uma lição sobre o preconceito.

Considerações

A despeito de todas as dificuldades enfrentadas, considerei o resultado da Oficina muito


satisfatório, pois acredito que eles desenvolveram novas ferramentas para compreender e
questionar a mídia audiovisual. A despeito da intenção de estimular a reflexão sobre o
audiovisual de maneira geral, a oficina acabou se concentrando em torno da mídia cinema.sobre a
qual possuo mais experiência e conhecimento. Também falamos sobre televisão e a sua
produção, principalmente novelas e noticiários. mas essa mídia ocupou um espaço menor em
nossa Oficina. Aqui é importante distinguir o esforço de discussão que uma e outra mídia
suscitavam pois a experiência cinematográfica, no que pude constatar através de questionário
distribuído entre os jovens da comunidade, era vivenciada de maneira deslocada do seu habitat
natural, as salas de cinema. Os filmes eram conhecidos principalmente através da televisão e

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dentro de uma função social que dizia respeito exclusivamente ao entretenimento. Ver filmes na
televisão e em uma sala de cinema, como se sabe ,são experiências bem diferentes. A televisão,
“tendo de simular um diálogo em contato familiar com seu público, apoia-se numa retórica
do direto. O que aparece no vídeo pretende ser apreendido como simultâneo ao tempo do
espectador” (Sodré, 1977).. A experiência do cinema já exige um outro tipo de relação do
público. A montagem cinematográfica é o principal elemento criador de significado de um filme
e portanto exige uma atenção maior, um “mergulho”no tempo fílmico diferente do tempo “real”
com quem a televisão mantém um vínculo mais estreito. As características de uma sala de
cinema, onde toda a nossa atenção está voltada para a tela diante de nossos olhos, ajudam nesse
mergulho que em última instância é um mergulho em nossas próprias identidades. O cinema
revela muito de nós, como um espelho refletindo sonhos, desejos, medos. A tela de TV, ao
contrário da tela de cinema, compete com o cotidiano de um lar, decoração, ruídos da
vizinhança, telefone, etc...A experiência no 94 me indicou que esse mergulho no tempo fílmico
do cinema sofre ações inerentes ao espaço de fruição próprio da televisão. Os moradores do 94
assistiam a um filme em meio a outras atividades do lar, o que conferia à sua leitura
características diferentes daquelas experimentadas dentro de uma sala de cinema. Além disso, e
não menos importante, assistiam a um filme no mesmo espaço onde se assiste uma novela, um
programa de auditório ou um noticiário de televisão. Essa aproximação entre o real e o fabricado
mostra-se perigosa na medida em que confunde territórios e induz ao esquecimento pois as
imagens televisivas, atropelando-se umas as outras em uma ansiedade desenfreada de seduzir
nossos olhares, são fabricadas para “não serem vistas”, para o nosso consumo imediato.
Entorpecidos por essa sedução diária, baixamos nossa guarda para o que há por detrás de cada
imagem, como se o espaço existente dentro daquela pequena tela fosse tão natural quanto o ato
de comer ou beber um copo d’água Naturaliza-se o ver televisão de tal forma que acabamos
abdicando de nossa capacidade de reflexão. No meio dessa torrente imagética a ficção acaba se
confundindo com a realidade. É o que nos aponta, por exemplo, a sugestão de uma das
participantes de encenar um caso verídico, como o do cantor Belo, dentro da encenação de uma
piada. Um dos principais motivos desse entorpecimento, mais do que o grau de escolaridade ou a
condição social, é uma falta de domínio dos códigos que compõem a linguagem cinematográfica.
Alguém que nunca tenha passado por um banco escolar consegue desenvolver a capacidade de
comunicação oral mas vê o seu potencial interpretativo gravemente diminuído. Da mesma
forma, o simples fato de uma pessoa conseguir ver e compreender a narrativa de um produto
audiovisual qualquer não garante que ela esteja apta a decodificá-lo de maneira eficiente e mais
ainda de construir um discurso crítico audiovisual Isso porque a linguagem audiovisual está tão

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amplamente difundida em nossa sociedade que aprendemos naturalmente a nos relacionar com
ela, quase sempre de maneira passiva. Isso não quer dizer que o olhar do expectador seja vazio de
significados. Os diversos filmes que vimos durante a Oficina e as seguidas discussões a respeitos
deles me provaram que todos ali eram capazes de fazer suas interpretações, no entanto, o grau de
profundidade com que a discussão dessas interpretações podiam se encaminhada estava
seriamente comprometido pelo desconhecimento da gramática audiovisual. Mais ainda, a
imagem operando como forma de discurso ideológico possui um papel preponderante nos dias de
hoje. A falta de uma discussão mais a sério a respeito dessa questão deixa margem para um maior
poder de convencimento e indução que essas imagens podem suscitar.
Nesse ponto se faz importante analisar o tipo de produção cinematográfica veiculada na
televisão. Em 99% dos casos se trata de um estilo de obra que segue os padrões da escola clássica
narrativa. Esse tipo de escola criou e sedimentou ao longo dos últimos 80 anos de história do
cinema uma linguagem hoje amplamente reconhecível e identificável pelo grande público,
mesmo aquele que nunca ouviu falar em .D.W.Griffith. Nesse tipo de linguagem a associação
analógica preexiste ao enunciado, constituindo significações que precisam ser imediatamente
apreendidas pelo telespectador. Dessa forma, a sua transparência se assemelha a da imagem
televisiva. Daí resulta uma contaminação mútua e gradativa entre a linguagem fílmica ficcional
e a linguagem televisiva noticiosa. O programa Linha Direta é um claro exemplo disso.
Ficcionaliza-se a realidade por um lado, enquanto que a leitura de um filme de ficção é feita com
vista a uma constituição do real.
Um outro ponto de dificuldade durante o tempo da Oficina foi a provocação dos debates
a respeito dos filmes. Na maior parte das vezes era difícil arrancar comentários dos participantes.
Confiro a isso uma cultura arraigada em nossas escolas de que professor é professor e aluno é
aluno. Um está ali para repassar conhecimentos estabelecidos e o outro para adquiri-los. Esse é
um modelo educacional fadado ao fracasso. Sem estímulos ao debate por parte do professor, o
aluno não reflete sobre o conteúdo do conhecimento, automatizando assim a transmissão do
saber. Por outro lado, o professor engessa o “ensinar” pois desconsidera os demais universos do
qual o alunos faz parte fora da escola. Cristaliza-se o conhecimento como algo pronto e acabado,
sem nenhuma relação com a realidade viva e em permanente mutação. Mais do que falta de
equipamentos e salários baixos, a falta de diálogo entre alunos e professores, ao meu ver, é um
dos principais motivos de atraso em nossas escolas.e não há nenhuma justificativa que exima o
professor da falha por não promover a troca. Todos têm a ganhar
No caso da oficina eu tinha a vantagem de não estar em um ambiente escolar formal,
sendo obrigado a respeitar uma grade disciplinar fixa, horários, prazos. Eu agia por conta própria

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e todos ali na oficina também. Sempre fiz questão de deixá-los bem a vontade para expressarem
suas opiniões e atitudes, algumas vezes vendo o risco de instalar o caos. No entanto, esse risco
era necessário e altamente salutar pois estávamos lidando com uma prática que não se encerrava
em si. O estudo da linguagem audiovisual e de seus conteúdos abria uma janela enorme para a
discussão dos mais diversos temas, como sexo, drogas, tráfico, escola., todos relacionados com a
vidas dos participantes. Em muitos momentos eu me vi confrontado com experiências, relatos,
opiniões que jogaram por água abaixo pré conceitos com os quais eu ia armado e cuja origem
muitas vezes não vinha do contato direto com a realidade mas através de jornais, livros. Eu
percebi que um educador para exercer idealmente a sua função deve estar despido de qualquer
visão pré fabricada e, mais importante, deve estar pronto para aprender junto com os seus alunos
que também são seus professores. Mesmo assim, na Oficina eu era chamado de professor,
embora e repetidas vezes eu dissesse a eles que não merecia esse nome pois estava ali
aprendendo tanto quanto eles. Talvez tenha aprendido mais até e eles nem venham a saber disso
Quando cheguei a ser duro sempre foi em função do coletivo, nunca do individual. Tentei
respeitar ao máximo as particularidades como no caso de uma das alunas, Lívia, ser ali a única
pessoa a morar fora da comunidade, o que chegou a trazer alguns problemas pois ela pertencia à
classe média e era vista como a diferente pelos demais. A certa altura Lívia chegou a reclamar de
perseguição enquanto os demais se queixavam de sua “vontade de aparecer” durante as aulas.
Uma questão delicada que quase custou fim da Oficina não tivesse eu detectado a situação a
tempo e agido para apaziguar os ânimos. Também revalidei minha crença no papel que a
Universidade Pública deve ter na mudança do atual quadro social. Infelizmente, a falta de
atenção e apoio demonstrados pelo governo, muitas vezes, faz com que iniciativas desse tipo
fiquem pelo meio do caminho.
Além disso, reafirmei a importância de se introduzir a discussão do audiovisual no ensino
primário e médio, dando a mesma atenção que se dá à teoria literária. Por incrível que pareça, os
meios educacionais ainda vêem o audiovisual como mero complemento de atividades
verdadeiramente educativas, como leituras de textos, por exemplo, ou seja, como um
recurso adicional e secundário em relação ao processo educacional propriamente dito
(Duarte, 2002). Nesses tempos em que se discute qual padrão de transmissão digital o Brasil deve
desenvolver é de fundamental importância que se dê atenção para o ensino do audiovisual,
sobretudo, quando percebemos que essa nova tecnologia vem para transformar as formas de
relações entre os homens.

Referências Bibliográficas

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Duarte; Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte; Autêntica, 2002


Sodré, Muniz. O Monopólio da Fala: função e linguagem da televisão no Brasil. Petrópolis,
Vozes, 1977.

Bibliografia

Carriére; Jean-Claude. A linguagem Secreta do Cinema. Rio de janeiro, Nova Fronteira. 1995.

Duarte; Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte; Autêntica, 2002

FASE. “O que Pinta de Novo, Pinta na tela do Povo” In: Proposta 28: experiências em educação
popular”. Rio de Janeiro, FASE, 1986.

____________. “Vídeo Popular: as outras cores da imagem” In: Proposta 43: experiências em
educação popular. Rio de Janeiro, FASE, 1989.

Konder, Leandro. O que é Dialétca. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994.

Rosado, Eliana Martins da Silva e Romano, Maria Carmem Jacob de Souza. O Vídeo no Campo
da Educação. Ijuí, Editora UNIJUí, 1993.

Sodré, Muniz. O Monopólio da Fala: função e linguagem da televisão no Brasil. Petrópolis,


Vozes, 1977.

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