You are on page 1of 8

Joalheria Vitoriana

Traduzido de original pertencente a S. Hand, Old Sacramento Living History Program, 2004.
Tradução, adaptação e complementação por Pauline Kisner

A Era Georgiana (1714-1830)


Como a Era Vitoriana e a joalheria por ela produzida se desenvolveram como uma oposição aos
gostos de anos anteriores, é interessante discutir algumas questões sobre a Era Georgiana.

O termo Era Georgiana se refere aos anos em que a Inglaterra foi governada por quatro reis de
nome George (Jorge). Esse período engloba todo o período revolucionário da França e suas
conseqüências, a Independência dos Estados Unidos, além de ser extremamente importante para
a formação da identidade do Reino Unido enquanto nação.

Eram tempos em que a solidez e a estabilidade da antiga aristocracia estava ameaçada pela
dissolução de fortunas, a fuga de filhos para outras terras em busca de riquezas – isso sem contar
os ataques que a nobreza sofria no continente, por conta das Guerras Napoleônicas.

Os comerciantes faziam dinheiro à base de especulações e o comércio estava crescendo e


desafiando a nobreza ao criar uma nova classe de homens ricos, os burgueses, que não tinha
sangue azul. Todavia, esses emergentes, ricos e geralmente muito bem-educados, desejavam
esse mesmo sangue azul como forma de abrilhantar a família e as relações sociais. Muitos
esperavam casar seus filhos com nobres e assim pertencer à nobreza mesmo que apenas por
casamento – com seus descendentes sendo tratados como Sir, Lord e Lady. Para os nobres, esse
tipo de casamento (que muitos consideravam “degradante’) era uma forma de trazer dinheiro para
suas próprias casas e salvar muitos títulos e fortunas centenárias. Essas mudanças na
configuração social da Inglaterra (que foi levada não só para os Estados Unidos, mas também para
as possessões britânicas no Caribe, Índia e Austrália) criavam também uma nova sensibilidade e
uma nova cultura, em que o dinheiro passava a ser o grande divisor social e não mais o
nascimento

A Joalheria Georgiana

No primeiro quarto do século XIX, a joalheria era bastante conservadora, inteiramente feita à
mão e, conseqüentemente, muito pessoal e singular em suas formas. Era pesada e, no fim desse
período, tinha função de ostentação. Há muito que havia regras sobre onde e como a riqueza de
uma pessoa deveria ser mostrada. A hora do dia, estado civil,riqueza, título de nobreza e a idade
determinavam as escolhas de roupas e jóias. O mercador rico podia e demonstrava sua riqueza
através de adornos pessoais, em obediência estrita a essas regras.
Tanto homens quanto mulheres usavam correntes de ouro pesadas e muito adornadas, além
de anéis, fivelas de sapato, adereços de cabelo, broches e botões preciosos. Gemas e metais
preciosos eram costurados nas roupas, numa combinação que os nobres costumavam chamar
apenas de “vulgar” ou “comum”.

Fora de Londres, como nas colônias americanas, eles poderiam vestir-se com mais
liberdade e menos crítica. As mulheres estadunidenses, que ainda não haviam apreendido as
regras de decoro social das classes altas britânicas, eram normalmente criticadas por sua falta de
bom gosto e bons modos pelo modo como se vestiam. A qualidade e o design das jóias variavam
em função das demandas da pessoa em cada momento. Nem sempre as jóias usadas como sinal
de riqueza era de bom gosto ou bom acabamento.

As formas das jóias eram pensadas de modo a mostrar a cor e o brilho das gemas.
Incorporavam-se diamantes lapidados e pedras preciosas em formato de cabucho, com superfícies
lisas e bem cortadas, que enfatizavam os efeitos não só das pedras preciosas, mas também do
vidro. Os motivos usados, especialmente no fim do período, eram de inspirações naturais, flores,
folhas, insetos, pássaros, penas e laços. Devido ao complexo grau de detalhamento usado nas
jóias autênticas, as imitações, feitas de metais inferiores e vidro tingido, eram feitas com o mesmo
cuidado. Engana-se, porém, quem pensa que essas imitações eram usadas apenas pelos de pior
condição financeira; muitas famílias nobres mantinham as peças verdadeiras em cofres ocultos e
mostravam-se em público apenas com as réplicas, garantindo que os originais passassem intactos
à próxima geração.

A Era Vitoriana (1837-1900)


No começo do segundo quarto do século XIX, em 1837, a jovem Victoria (descendente dos
Goerges pela linha paterna e pela linha alemã de Saxe-Corburgo pela linha materna) tornou-se
rainha da Inglaterra aos 18 anos e inaugurou uma nova era, chamada de Vitoriana. Quando ela
ascendeu ao trono, havia uma expectativa de que ela traria alguma tipo de renovação aos próprios
costumes. Apesar de ter sido superprotegida durante a infância, a Rainha Vitória amava jóias e
suas influência contribuiu enormemente sobre os estilos que se desenvolveram até o fim da Era
Vitoriana.

Como a Era Georgiana, a Era Vitoriana cobriu um longo período de tempo e foi quebrada em
três períodos estéticos: a Alta Era Vitoriana (também chamada de Era Romântica), a Média Era
Vitoriana (também chamada de Grande Era Vitoriana) e a Baixa Era Vitoriana (também chamada
de Era Estética)1. Muitos estilos de roupas e acessórios entraram e saíram de moda, mas todos
podem ser classificados como vitorianos, de forma geral. As transições não eram claras ou
abruptas – muitos estilos coexistiam, enquanto os gostos se modificavam. As coleções familiares
de jóias das gerações anteriores eram desmontadas ou combinadas com peças novas. Peças
grandes e volumosas podiam ser cotadas ou simplificadas, como um broche transformado em anel.
Peças da Era Georgiana e até anteriores eram preservadas; quem não usaria uma ou duas peças
de uma avó querida ou apenas as guardaria pelo valor sentimental?

A indumentária já havia iniciado uma diferenciação em relação ao período georgiano, que


era pesadamente influenciado pelos estilos franceses de Corte e da própria Revolução. No fim do
período georgiano, coincidindo com a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas, os novos
estilos eram anti-aristocráticos (os vestidos aristocráticos eram considerados imorais!), substituindo
os ornamentos pesados por vestidos simples e leves, que davam mais liberdade ao corpo (Moda
Regência/Império). A joalheria havia quase desaparecido ou se tornado mais sutil.

Com o início da Era Vitoriana, as saias se alargaram novamente, sustentadas por várias
camadas de anágua, o que mostrava a riqueza da família. Novos padrões de tecido e mesmo
moldes eram agora mais acessíveis e baratos devidos às inovações tecnológicas. A aparência da
mulher e sua silhueta foram drasticamente alterados pelas roupas e a joalheria acompanhou essa
mudança.

Os corpetes e blusas vitorianos eram bastante justos ao corpo. Eram firmes e serviam muito
bem de base para botões, broches de ombro e chatelaines com correntes, que pendiam do ombro
ou da cintura, para carregar itens pessoais. Os decotes eram altos ou tinham peitilhos de renda
que exigiam o uso de broches,ou eram levemente abertos sobre a camisa e exigiam colares
longos. As mangas quase de mudavam ano a ano entre 1840-1850; tornaram-se largas e curtas,
permitindo o uso de vários braceletes de uma vez só, tanto para cobrir os braços desnudos, quanto
sobre finas camisas de renda, que iam sob o corpete do vestido. Até 1870, o estilo mais comum de
bracelete media em torno de 3cm, podendo ser feitos de correntes com pingentes (os chamados
“charm bracelets”, uma espécie de amuleto em que cada pingente tinha um significado específico),
pérolas, pedras preciosas ou mesmo cabelo humano trançado com fios de ouro. Os brincos foram
1
Essa denominação não pode ser traduzida diretamente do inglês sem perda de significado. Optei então por usar a mesma
nomenclatura de períodos que aplicamos à Idade Média (Alta, Média e Baixa), ainda mais considerando o grande interesse
que os vitorianos tinham pelo período medieval.
bastante populares exceto por alguns anos entre 1840 e 1890, quando os bonnets tornaram
difíceis o seu uso.

O desenvolvimento do Império Britânico e os tempos de calma e paz encorajaram o


comércio, trazendo à Europa uma série de produtos até então inacessíveis ou muito caros, como
pedras originárias do Oriente e suas técnicas de lapidação. O desenvolvimento de novas técnicas
também permitiu o início da produção em massa de peças de metal, tecidos e até mesmo
espartilhos.

As jóias agora eram usadas em abundância por todos, mas haviam passado por uma
pequena mudança. Mais simples e barata, e agora produzida em grande escala, a joalheria agora
chegava também à classe média (formada por funcionários públicos, burocratas, advogados,
professores e pequenos comerciantes, basicamente). Uma bela jóia denotava muito mais do que
riqueza; ela deveria refletir a posição social da pessoa, mas também sua dignidade e refinamento.
Ainda havia regras rígidas sobre o que era considerado apropriado. Na Europa, apenas as jóias
mais simples podiam ser usadas pelas mulheres jovens e solteiras – cruzes, pérolas, correntes e
jóias de luto. As mulheres mais velhas e casadas eram as únicas que podiam usar diamantes e
gemas preciosas. Contudo, o brilho excessivo das jóias era considerado inapropriado para as
senhoras idosas. Não há notícia de que essas regras se aplicassem aos homens, cuja joalheria era
muito menos proeminente que no período anterior. As peças masculinas consistiam em relógios de
bolso com suas alças, correntes e anéis. Ocasionalmente, alguém poderia ser visto usando uma
bengala cravejada de pedras preciosas ou banhada em ouro.

A Alta Era Vitoriana ou Era Romântica


(1837-1860)
Os primeiros anos do reinado de Vitória podem ser descritos como românticos ou
sentimental e refletiam a juventude e a própria legendária história de amor da rainha com seu
primo e marido, o príncipe Albert.

O Era Romântica foi um período de alegria familiar e conjugal para a rainha. As jóias do
período refletem um clima de confiança e tranqüilidade. Ornamento de ouro eram decorados com
gravações, esmaltados delicados e formas que imitavam o movimento das serpentes. As jóias
eram normalmente decoradas com pérolas, turquesas e coral rosa. As peças favoritas eram
relicário, mementos e suvenires de viagens e eventos.

Em 1848, Vitória e Albert compraram uma residência de campo na Escócia. A partir de


então, a influência escocesa se fez sentir na joalheria, assim como nas roupas, com a
popularização do xadrez, permanecendo popular até a morte do rei, em 1860. As jóias de
influência escocesa eram geralmente feitas de ouro ou prata, usando uma pedra nativa das Terras
Altas da Escócia, chamada cairgorm, uma espécie de quartzo transparente, com coloração similar
à do chá inglês. Esse material não existe mais, mas podem ser facilmente substituídos por citrino.

As gemas eram avaliadas por seu significado e a eles se atribuíam propriedade mágicas. O
coral era considerado protetor contra o mal e a doença e as crianças usavam colares e braceletes
desse material.

Os relicários eram especialmente apreciados e feitos de materiais variados. Algumas vezes


eram usados sob a roupa, para proteger os sentimentos da visão pública. Geralmente os relicários
guardavam miniaturas de retratos pintados à mão (mais tarde também se introduziram as
fotografias) e cachos de cabelo. Eram usados não só como pingentes, mas também como
amuletos em braceletes, como alfinetes e mesmo como anéis.

A Rainha Vitória adorava anéis e não era raro vê-la usando vários ao mesmo tempo, às
vezes tomando todos os dedos!

Os broches eram extremamente populares e usados de várias maneiras. Podiam ser usados
no ombro, no pescoço, na cintura, no cabelo, mas também em laços (fazendo as vezes de colar) e
braceletes. Nem todos os broches eram feitos de metais preciosos, visto que o desenho era tão ou
mais importante que o material utilizado. Juntamente com prata, ouro e outros metais, esmaltes,
madrepérola e pedras eram usadas. Mesmo pedras vulcânicas eram entalhadas em formato de
camafeus e vendidos como souvenirs das ruínas de Pompéia. Jóias de prata e platina não foram
muito usadas antes da Era Eduardiana e quase todo o ouro era amarelo ou rosado.

Havia ainda as jóias feitas de...cabelo humano! Muitas eram simplesmente relicários e
mementos dos entes queridos já falecidos, que incorporavam cachos de cabelo dos mortos. Essa
prática, que já existia antes da Era Vitoriana, tornou-se muito comum a partir da morte do Príncipe
Albert, em 1860, e a conseqüente formação da estética do luto pela própria Rainha.

Em toda a joalheria vitoriana, motivos florais e naturalísticos eram comuns. Flores realistas,
com detalhes botânicos, permitiam a identificação clara das espécies retratadas. Folhas, insetos,
flores, vinhas e pássaros com penas era moldados, estampados e entalhados nas jóias. Os
motivos também incluíam uma grande carga de simbolismo, muitas vezes causado pelo revival
gótico e medieval do período.

Os símbolos religiosos eram constantes na joalheria vitoriana. Não apenas símbolos


cristãos, como pombas, cruzes e anjos, mas também símbolos encontrados em achados
arqueológicos. Hera, dragões e letras gregas eram largamente usados.

A serpente era um motivo popular. A serpente engolindo a si mesma era um símbolo de


eternidade e comprometimento, tomado da tradição germânica/escandinava. As serpentes de ouro
e prata enroscavam-se em partes do corpo em forma de anéis, braceletes e colares. Broches,
bolsas de relógio e alfinetes mostravam serpentes sinuosas guardando ou segurando uma pérola
ou gema preciosa. O anel de noivado entregue pelo Príncipe Albert à Rainha Vitória tinha o formato
de uma serpente.

A simbologia e o sentimentalismo eram levados tão a sério que as jóias carregavam


mensagens ocultas, que podiam ser lidas por quem a recebesse:

Hera: Amizade, fidelidade ou casamento.


Samambaia: fascinação
Brinco-de-Princesa: constância
Mal-me-Quer: Lembrança
Salamandras e Lagartos: amor apaixonado (acreditava-se que esses animais seriam
capazes de sobreviver ao fogo)
Flechas: Amor
Coração Coroado: o amor triunfará
Cães: fidelidade
Borboletas: alma
Pombas: domesticidade
Margarida: Inocência
Harpa: Irlanda ou amor constante
Lilases: primeiras sensações de amor
Mistletoe*= um beijo
Mãos entrelaçadas: amizade ou amor duradouro
Instrumentos Musicais: Harmonia
Coração em chamas: amor inflamado, paixão arrebatadora.
Mosca: humildade
Rosas: muitos significados, dependendo do tipo e da cor. Um livro do período lista 35
significados diferentes para diferentes rosas.

As pedras preciosas usadas também possuíam seus próprios significados

Pérolas: lágrimas
Ametista: devoção
Diamante: constância
Esmeralda: esperança
Rubi:paixão

Na Era Romântica, pérolas e diamantes eram muito caros e estavam disponíveis apenas
para os muito ricos. Mas havia alternativas para a classe média: ametistas, opalas, turquesas e
pérolas barrocas, que são facilmente encontrados na joalheria vitoriana. Turmalinas, hematitas e
topázio azul não eram utilizadas nesse período.

A Média ou Grande Era Vitoriana


(1860-1885)
Os estilos leves e delicados do período anteriores evoluíram para peças mais pesas e
conservadoras, que nós naturalmente consideramos como referência da joalheria vitoriana.
As jóias diurnas consistiam em peças feitas de conchas, ágata, jásper e ametista, com
motivos clássicos. As jóias noturnas eram feitas de gemas brilhantes, como diamante, em
molduras metálicas detalhadas com motivos etruscos, esculpidos à mão. A descoberta de sítios
arqueológicos na Itália trouxe à luz exemplos de joalheria antiga, que serviram de inspiração para
os estilos desse período.

Os camafeus antigos tinham sido redescobertos no começo do século e várias escolas com
mecenas influente, como o Papa e Napoleão, esforçavam-se para ressuscitar a arte de esculpir
pedras e conchas. Os camafeus foram muito populares ao longo de toda a Era Vitoriana e
tornaram-se maiores e mais decorados durante a década de 1860. Embora o motivo tradicional do
busto fosse ainda bastante usado, muitos camafeus agora retratavam cenas completas. Os
camafeus eram esculpidos em uma cor, usando conchas pretas, ônix,lava ou chifre. Esses últimos
eram muito utilizados durante o período de luto e poderiam ser guardados dentro de um relicário,
junto com um cacho de cabelo do ente falecido.

Assim como os gostos pessoais da Rainha influenciaram a aristocracia do período, os


nobres também ditavam as modas para as massas – com resultados desastrosos para o comércio
de jóias nos últimos anos de seu reinado. Seguindo-se à morte da mãe da rainha e do Príncipe
Albert em 1861, o uso de jóias brilhantes durante o dia rapidamente saiu de moda. As jóias de luto
tornaram-se mais procuradas do que nunca. A própria Rainha nunca mais tirou o luto completo até
a morte.

As jóias de luto e as roupas da Média Era Vitoriana seguiam um protocolo rígido. Havia
regras que regulavam o tempo em que o preto era usado ou quando outras cores poderiam ser
reintroduzidas e quais eram elas. Para as jóias, usava-se apenas as pedras escuras: azeviche,
granada, hematita, e ônix.
A Baixa Era Vitoriana ou Era Estética
(1885-1900)
No final dos 1800, as teorias controversas de Darwin sobre a evolução e as novas
descoberta botânicas criaram uma demanda por jóias que lembravam animais ou insetos. As
mulheres adicionavam peças de renda às roupas, presas por pequenos alfinetes que lembravam
besouros, joaninhas e borboletas. Os animais mais populares eram macacos e pavões. As novas
modas femininas traziam novas cores e cortes mais leves às roupas. Assim, as safiras coloridas
foram reintroduzidas no guarda-roupa. Os diamantes se tornaram ainda mais populares.

Com a descoberta de novas minas de prata nos Estados Unidos, a partir de 1859, esse
material vinha se tornando cada vez mais barato. Uma grande variedade de braceletes em alto-
relevo, relicários, pingentes com monogramas e broches surgia no mercado, destinada
principalmente à classe média. Nessa época, as primeiras peças em estilo art nouveau começam a
ser fabricadas na Europa.

You might also like