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HISTORIA

De onde veio sua roupa


Tudo o que está no seu guarda-roupa é mais velho que você. E, para chegar
até aqui, as peças passaram por uma viagem e tanto
por Helena Carvalho
Dê uma olhada na sua axila. Não é piada, repare bem nela. Eis o
foco de estudo de muita gente nos últimos 3 mil anos. Estamos
falando de cientistas de um ramo específico: a moda. Não aquela
que só dita o que é in e out no mundo fashion. A moda que
estuda nossas formas e movimentos para achar o melhor jeito de
nos cobrir e proteger. Ainda que pareçam banais, as roupas de
hoje exigiram engenho. Cada protuberância e depressão de nosso
corpo (como a axila) era um obstáculo para o desenho de um
modelo confortável. As soluções encontradas variaram ao longo
do tempo, com direito a bizarrices (como um estojo peniano).
Mas sempre adequadas aos costumes de cada época: ora cobrindo
mais, ora revelando mais. Para entender esse estica e puxa de
tecidos, vamos voltar ao passado e acompanhar as estripulias por
que a roupa passou até chegar à sua axila. Ops, ao seu corpo.
1500 a.C. - 1000 a.C.Quando os faraós dominavam o Egito, as
roupas eram feitas de retângulos de linho amarrados ao corpo. O
pessoal tinha até linha e agulha para costurar tudo, mas gostava
do efeito drapeado que a amarração criava. Para os egípicos,
esse ondulado - o mesmo que cortina de casa tem - era um sinal
de civilização.
500 a.C. - 100 a.C.Os gregos também achavam que roupa justa
era para brutos. Mas tinham truques para sofisticar os trajes
folgados, como presilhas para segurar o tecido. Ou um charme na
cintura: amarravam um cordão e deixavam um pouco de tecido
caído por cima dele. (Como a puxadinha que damos na camisa
que está por dentro da calça.)
400 a.C. - 300 a.C.Se os gregos andavam por aí sentindo um
ventinho nas pernas, os bárbaros precisavam se proteger. Essas
tribos do norte da Europa usavam o primeiro protótipo de calças
de que se tem registro: uma peça que cobria as pernas e tinha
um pezinho, igual a macacões de bebê atuais. Por cima, usavam
túnicas de lã.
SÉCs. 11 a 13As Cruzadas foram essenciais para a evolução da
moda. Depois da briga com os muçulmanos, os europeus católicos
voltaram para casa com tecidos e conhecimento que só os
orientais tinham - como a seda e técnicas de tingimento. O corte
feminino também mudou. Ficou mais ajustado ao corpo, o que
deu origem ao vestido.
SÉCs. 14 E 15O uso de novos tecidos e técnicas fez a criatividade
do pessoal aflorar. É aqui que surge a ideia de in e out, ou seja,
o que está e o que não está na moda. Os europeus variavam
tanto seus trajes que começaram a criar aberrações, como
penteados com chifres e sapatos com pontas enormes, que
chegavam a 45 centímetros.
SÉCULO 16Fazer calça era difícil. Não se sabia ainda como
desenhar um modelo que se ajustasse ao corpo sem apertar as
partes baixas. A solução foi um estojo peniano, o pomposo
codpiece. A exposição da sexualidade estava em alta: as
mulheres usavam até papelão e barbatana de baleia no vestido
para empinar os seios.
SÉCULO 17O rei Carlos 2º, da Inglaterra, resolve inventar moda.
Começa a usar um casaco mais folgado do que o gibão usual da
época. Por baixo, uma túnica e uma camisa que servia como
roupa de baixo. No pescoço, um lenço amarrado, chamado de
jabô. Às vezes usava tudo de uma mesma cor. Foi isso que virou o
terno hoje.
SÉCULO 18Este é o último suspiro da moda da nobreza, que será
varrida pela Revolução Francesa. No auge do estilo rococó, a
preocupação com os modelitos é estética. É só notar os
penteados - não parecem carros alegóricos? De tão elaborados,
eram presos com alfinetes duplos. Surgiu assim o grampo de
cabelo.
1789Os sans-culottes não marcaram só a Revolução Francesa. Ao
contrário da nobreza - que cobria as pernas com meias de seda -
eles usavam calças compridas, que se popularizaram. Os vestidos
ficam mais simples: perdem o volume e os bolsos. As mulheres
passam a carregar as coisas num saquinho, o embrião da bolsa.
SÉCULO 19Se já tinham ganho as ruas, aqui as calças longas
viram coisa também de rico. Aconteceu na Europa, graças ao
dândi George Brummel, um homem que andava sempre na estica
e adotou o modelito. Nos EUA, aparece a primeira calça
feminina, criada para praticar esportes e sugerida pela feminista
Amelia Bloomer.1920O esporte transforma nosso jeito de vestir.
As roupas ficam mais confortáveis (o tênis All Star, por exemplo,
havia acabado de ser lançado). Outra influência: a descoberta da
tumba de Tutancâmon, noticiada no mundo todo. Influenciadas
pelas egípcias, as mulheres cortam os cabelos na altura do
pescoço.1930/40O tailleur, lançado no fim da década de 1920
por Coco Chanel para dar conforto às mulheres, aparece como
hit. O traje ganha cortes cada vez mais masculinos por causa da
2ª Guerra Mundial - é um reflexo da presença constante de
militares uniformizados nas ruas das cidades européias.1950
Embalados pelo clássico do cinema Rebelde sem Causa, os jovens
contestam o american way of life usando jeans. Explode o uso do
biquíni - é o auge da exposição do corpo feminino. E a moda se
moderniza: a industrialização nos EUA leva à produção de peças
em tamanhos P, M e G. Antes, só se comprava roupa por
encomenda.1970Hora de rasgar, sujar e detonar o jeans. No fim
dos anos 70, o punk somou atitude aos trajes. Era preciso ter não
só a roupa certa mas o comportamento certo para pertencer ao
grupo (e um cabelo despenteado, claro). Ao som de bandas como
Sex Pistols, é o punk quem dá força à difusão das tribos urbanas.
HojeSe antes cada um seguia sua tribo, hoje os estilos se
fundem. Viu como o lenço palestino saiu da cabeça de Yasser
Arafat para o pescoço de patricinhas? Mas há um elemento
comum a todos: o jeans. Criado no século 19 como roupa para
mineiros, ele é hoje a base democrática para qualquer modelito,
seja largão ou skinny.
Zíper
É no início dos anos 30 que ele passa a ser usado em roupas. Já existia desde
1893, mas até então só aparecia em acessórios como malas e bolsas.

Meia-calça
Nos anos 30, mulher chique usava meia de seda, de um tipo que tinha uma
costura na batata da perna. Com a guerra e a falta de recursos, foi preciso
inovar: as mulheres passaram a desenhar a risca nas pernas para simular
meias e se manter elegantes.

Biquíni cavadão
As mulheres de biquíni nos anos 50 parecem modernas? Então saiba que elas
estavam mais de 1 000 anos atrasadas. As romanas já usavam biquínis no
ano 200. E o mais curioso: era por pudor. Ao contrário das gregas, que
praticavam esporte nuas, as romanas não curtiam malhar peladas.
Recorriam a trajes esportivos de duas peças.

Nó na garganta
O pano cheio de frufru enrolado no pescoço do rei Carlos 2º evoluiu até virar
a nossa gravata do dia-a-dia

Jabô
O lenço de renda exibido por Carlos 2º virou moda no século 17.

Ascot
Mais tarde os nós viraram tendência - este era o da nobreza inglesa.

Solitária
O século 18 foi das perucas - para prender os cachos artificiais, os homens
trocaram o lenço por uma fita preta. As pontas da fita eram amarradas no
pescoço - e as sobras criaram a gravata de hoje.

Partes baixas
O desenho que deu conforto às nossas pernas

Só no século 19 apareceram calças como as de hoje. Ou seja, com este bico


entre as pernas - o gancho. Antes, as calças tinham de ser largas ou ter
codpiece para não nos apertar.

Ombro amigo
O recorte das mangas e sua saga até chegar à versão final

Usado por bárbaros, era a inspiração para os modelos dos séculos 17 e 18.
Tinha tecido demais e formava rugas.

Busca por conforto: a manga raglã, versão do século 19 feita por um lorde
britânico que perdeu um braço em guerra.

A cava atual, criada também no século 19. Tecido suficiente na manga para
que o ombro tenha espaço para se mover.

A moda do futuro
Ninguém pode prever se vamos continuar a usar jeans ou se vai aparecer
uma nova moda viral por aí. Mas dá para apostar que as roupas do futuro
vão ser funcionais. É possível que as calças jeans não tenham mais tamanhos
pre-definidos. A empresa londrina Bodymetrics já escaneia o corpo do
cliente e faz o jeans perfeito para ele. Sua calça também poderá esquentar
sozinha quando estiver frio. Ou realizar truques tecnológicos. Quer um
exemplo? Japoneses já lançaram um tecido que transforma você em um
homem invisível. A ideia até que é simples. Do lado de trás, ele é feito de
microcâmeras. Na frente, é uma tela. As câmeras enviam a imagem que
está atrás da pessoa para a tela que está na frente, tornando-a
"transparente". Quem sabe a invisibilidade se torne o novo pretinho básico.
Para saber maisEnciclopédia da ModaGeorgina O’Hara Callan,
Cia das Letras, 2007.A Roupa e a ModaJames Laver, Cia das
Letras, 1989.

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