considerações Lucas de Castro Horta Parisi Faculdade de Ciências Humanas, Psicologia - FUMEC
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar de maneira breve o
escrito de Jacques-Marie Émile Lacan, que em 1931 iniciou o conceito de estádio de espelho a partir das experienicias de Henry Walon. Tal conceito tem como função observar e caracterizar a diferenciação que a criança faz de seu corpo e a imagem que projeta no espelho. Dessa maneira o estádio do espelho será necessário para afirmar a importancia da imagem desse próprio corpo na formação do eu, mas ao mesmo tempo fomentando um certo desconhecimento e uma alienação deste próprio eu (Je). Veremos então que esse estádio, novo para o sujeito que experimenta, será significante nesse processo de diferenciação do eu e do outro, o simbólico e o real. O corpo do estádio do espelho terá também uma significante diferenciação do corpo Psicanalitico e do corpo Biológico, fazendo-se necessário então, recorrer a outros constructos cientificos.
O corpo e o eu em toda obra de Lacan, tem sua problemática
revelada desde quando iniciou sua entrada na psicanalise. Sim, é preciso dizer entrada, por considerar que Lacan teve primeiro como formação a Medicina, passando pela neurologia, psiquiatria, onde seu primeiro contato com a psicanalise foi em função do surrealismo, movimento artístico, com forte influência das teorias psicanaliticas de Sigmund Freud e que tem também como caracteristica o papel do inconsciente na atividade criativa. Ainda, sobre o corpo, este corpo não é biologico, mas o corpo “marcado pelo significante e habitado pelo libido, corpo erógeno e singular. Corpo de desejo e portanto, de gozo (...)” (CUKIERT e PRISZKULNIK, 2007) Iniciado na filosofia hegeliana, Lacan a partir de 1933 começa a “interrogar-se sobre a genese do eu, por intermédio de uma reflexão filosófica concernente a consciência de si” (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 194). É a partir então desta análise e dessa interrogação do princípio do eu, que surge a noção de estádio do espelho, conceito este que marca significativamente a entrada de Lacan na psicanalise. Com este conceito então, sobre o qual tem-se a perspectiva de que o “eu se constrói primeiramente a partir do outro, em especial a partir da imagem que lhe é devolvido pelo semelhante, Lacan marca o desconhecimento e a alienação como constitutivo do eu.” (CUKIERT e PRISZKULNIK, 2007). Elaborado, portanto este conceito é preciso então firmar quais foram os outros conceitos principais que Lacan utilizou para chegar à conclusão de que o estádio do espelho era importante na constituição deste eu e o que isso afinal significa.
Estádio do Espelho: Relações com Henri Wallon
Henri Wallon, nascido em 13 de Junho de 1879, em Paris, passou pela
medicina e também pela filosofia antes de chegar na Psicologia. Um intelectual de renome foi também convidado a participar como médico do exército francês em 1914, o que lhe possibilitou estudar lesões cerebrais em ex-combatentes e também o permitiu ficar até 1931 trabalhando como médico de instituições psiquiátricas. Com vasta dedicação à pesquisa do desenvolvimento cognitivo da criança, Wallon até 1937 trabalhou na organização de conferências sobre a psicologia da criança em Sorbonne e outras, o que neste meio tempo, mais precisamente em 1925 vê-se estimulado a fundar um laboratório de Psicobiologia destinado à pesquisa e ao atendimento de crianças com diversas debilidades motoras e cerebrais. Lacan então desenvolve “uma das mais relevantes contribuições no campo da psicologia da criança, relaciona o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e também aos hábitos da criança e conclui que o desenvolvimento da personalidade em sua totalidade não é isolado das emoções.” (LIMA, 2008) Wallon, em 1934 publica sua obra mais importante, para o que mais tarde viria a ser o Estádio do Espelho, o livro As Origens do Caráter, “no qual já se encontram desenvolvidas as suas principais teses sobre o desenvolvimento do eu e o papel da emoção e do movimento nesse desenvolvimento.” (...) É ali, que Wallon irá descrever o que vem a ser o estádio do espelho, momento do desenvolvimento infantil, por volta dos três anos, em que a criança constrói uma imagem externa, um esquema corporal de si. O eu não é um dado original ou inicial na psicologia humana. (SILVA, 2007) Antes, em 1931, Wallon concebe a capacidade do ser humano de observar-se diante do espelho e tomar a consciência de si, e ele então dá o nome de “prova do espelho a uma experiência pela qual a criança, colocada diante de um espelho, passa progressivamente a distinguir seu próprio corpo da imagem refletida. (FONTANARI, 2007)
Imaginário, Simbólico e Real
Na estrutura teórica do Estádio do Espelho, precisamos conhecer antes
de forma breve, três estruturas psíquicas da obra lacaniana. Cunhada e elaborada entre 1936 a 1953, o Imaginário, ou a maneira de pensar o corpo a partir do Imaginário implica em considerar os “primeiros momentos da teoria lacaniana e a forma como a imagem do corpo próprio, a partir do outro marca a constituição do subjetivo e a imagem assumida pelo sujeito” (CUKIERT e PRISZKULNIK, 2007) Já a segunda parte da obra, escrita entre 1953 a 1976, tem revelado o corpo Simbólico, que diz “respeito ao corpo marcado pelo simbólico, no qual as diversas partes podem servir de significantes, isto é, ir além de sua função no corpo vivo.” (CUKIERT e PRISZKULNIK, 2007). Vale ir um pouco mais além e tratar de um tema que voltaremos mais em breve numa descrição mais complexa, sobre a origem da constituição do eu em Lacan quando, “numa perspectiva waloniana, a prova do espelho especificava a passagem do especular para o imaginário e em seguida, do imaginário para o simbólico.” (ROUDINESCO e PLON, 1998). Essa transformação se dá num processo dual entre criança e espelho, mais propriamente dito entre o eu e o outro, o que revela extrema importância no estádio do espelho por então revelar as diferenças no mundo humano, ou mais precisamente a diferenciação do que se imagina e finalmente do que é real. A terceira parte, de 1976 a 1980, demarcaria a entrada no Real e a “interrelação desses três registros”. (CESAROTTO e LEITE, 1993) É preciso compreender estas três fases da obra lacaniana, firmando a constituição do psiquismo humano, como uma estrutura, de maneira a compreender cada um passando pela revisão dos outros demais. Por assim pensar ao ler e compreender a obra de Lacan, em sua psicanálise, “o corpo pode ser pensado a partir de sua concepção dos três registros fundamentais. Nessa perspectiva, ele pode ser estudado por meio de três pontos de vista complementares: do ponto de vista do Imaginário, o corpo como Imagem, do ponto de vista Simbólico, o corpo marcado pelo significante, e do ponto de vista do Real, o corpo como sinônimo do gozo.” (CUKIERT e PRISZKULNIK, 2007)
Je: o Estádio do Espelho e sua formação afinal
“...o filhote do homem, numa idade em que, por um curto espaço de
tempo, mas ainda assim por algum tempo, é superado em inteligência instrumental pelos chimpanzés, já reconhece não obstante como tal sua imagem no espelho.” (LACAN, 1949) É definitivamente no Estádio do Espelho, segundo Lacan onde o sujeito (Je, eu) afinal se constitui, e que portanto uma nova dimensão, a dimensão “daquilo que sou” se difere da dimensão “daquilo que dizem que sou”. Numa importante obra, ascendendo-se ao seu sujeito (eu), é que o pequeno bebê aos 18 meses de idade vê-se diante do espelho e a fim de superar-se, ou seja, a fim de querer ser o que realmente é, diferencia-se então dos demais animais e pondo-se de pé, “ainda sem ter o controle da marcha ou sequer da postura ereta, mas totalmente estreitado por algum suporte humano ou artificial (...), supera, numa azáfama jubilatória, os entraves desse apoio, para sustentar sua postura numa posição mais ou menos inclinada e resgatar, para fixá-lo, um aspecto instantâneo da imagem.” (LACAN, 1949) Essa experiência soberana de uma Gestalt humana, ou seja, de uma constituição integral de um sujeito (eu), antes desconhecido, que agora se revela como conhecido é então tomada pela criança que experimenta este momento. A falta, aqui dizendo como a falta de uma completude coordenada pela naturalidade do organismo humano, o corpo igual como tal apresentado no espelho, “da imago, que é estabelecer uma relação do organismo com sua realidade – ou, como se costuma dizer, do Innenwelt com o Unwelt.” (LACAN, 1949) Com esse desenvolvimento, da perda seguida pelo ganho, a perda daquele corpo despedaçado para agora um corpo unificado frente à experiência de observação do outro, constitui a formação do indivíduo integral, o que no estádio do espelho revela como disse Lacan, um salto da insuficiência para a antecipação, o que “fabrica para o sujeito apanhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de ortopédica – e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental.” (LACAN, 1949) Nesse jogo de dispersão de suas partes para a unidade das mesmas, o bebê é encontrado por uma angustia imediata, devido à este “despedaçamento” e então a fantasia de um corpo dividido. “No primeiro momento do estádio do espelho, a criança percebe o reflexo no espelho como se fosse um ser real; essa imagem é imaginada como sendo de outro. Numa segunda fase, a criança percebe que o outro do espelho não é um ser real, não passa de uma imagem. E a terceira fase a criança sabe que o refletido é uma imagem dela própria. Lacan também entende o espelho como uma metáfora do vinculo entre a mãe e o filho, progredindo desde a dimensão visual e imaginária até a dimensão simbólica, com a aquisição da linguagem verbal. (SANTOS et al, 2007 apaud ZIMMERMAN, 1999) Pode-se então considerar a importância, por exemplo, do período de amamentação. O encontro da mãe com a criança num insight de extremo significado em que se contempla a beleza da afetividade, o bebê pôe-se diante de um novo espelho, agora, o olhar da mãe. “É nesse momento que a criança reconhece sua própria imagem a partir da imagem do Outro diante do espelho, ilustrando o aspecto conflituoso da relação dual. Quando a criança se reconhece no espelho, ela tem uma representação do seu corpo diferente da percepção que tinha antes da vinda de suas sensações internas, e se volta para sua mãe pra lhe pedir confirmação do que se passa. O reconhecimento da mãe é, então essencial para a criança perceber seu corpo. (SANTOS et al, 2007 apaud QUEIROZ, 2005) Finalizando os escritos aqui apresentados sobre o estádio do espelho e também procurando contemplar o ultimo estágio deste estádio, Crespin (2004), sinaliza como é importante considerar esse olhar, não como visão, mas a “questão a que se refere é a da representação. Assim, a representação permite ao bebê se construir, enquanto que a ausência de representação torna-se um verdadeiro impasse, “pois tudo transcorre como se o bebê fosse confrontado com um olhar que não o vê, e por isso a identificação que cristaliza o eu não é possível”. Temos então “a importância do estádio do espelho para a formação do psiquismo humano, para a “passagem do (eu) especular para o (eu) social”. (SANTOS et al, 2007) Fontanari, 2007, finalmente conclui: A composição da propriocepção do corpo em contraste com a imagem - imaginário - a partir da visualidade - espelhamento - com a impossibilidade de ordenamento da motricidade e do desordenamento da propriocepção inicia a representação do sujeito no espaço que será investida depois compondo o self - a representação do corpo e do si-mesmo no ego. Referências Bibliográficas:
CUKIERT, Michele e PRISZKULNIK, Léia. Considerações sobre eu e o corpo em Lacan. In
Estudos de Psicologia, 143-149. São Paulo, USP, 2002. ROUDINESCO, E. & PLON, M. (1998). Dicionário de Psicanálise Rio de Janeiro: Jorge Zahar. SILVA, D. L. Do gesto ao símbolo: a teoria de Henri Wallon sobre a formação simbólica. In Educar, Curitiba, n. 30, p. 145-163, 2007. Editora UFPR FONTANARI, Juliano. Lhermitte, Clérambault, Capgras, Frégoli... E Lacan: Ensaio sobre a história da gênese da idéia do Estádio do Espelho. In: Nature or Nurture: Sobre os fundamentos da neuropsiquiatria do self: Neuropsicanálise. Porto Alegre, 2002. Leite, M. P. de S. O lugar do corpo no tratamento analítico: Lacan e o esquema ótico. Trabalho apresentado no Seminário Psicanálise e Linguagem. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica. 1999 LACAN, Jacques. Escritos. São Paulo: Jorge Zahar, 1998. 937 p. (Campo freudiano no brasil)