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CAPÍTULO VII

MECANISMOS CELULARES DE REPARAÇÃO

A PRESERVAÇÃO DA INFORMAÇÃO GENÉTICA

O papel biológico desempenhado pelas moléculas de DNA exige que elas possuam duas propriedades
fundamentais: autorreplicação e preservação da informação genética.
Para que o conteúdo informacional do DNA seja preservado e corretamente transmitido, de geração em
geração, é indispensável que haja fidelidade na replicação semiconservativa e que existam mecanismos capazes
de reparar modificações estruturais produzidas no material genético por agentes físicos ou químicos do meio
ambiente.
Erros na replicação semiconservativa podem ocorrer espontaneamente, mas, ao final da replicação, são
bastante raros (1 em 109-1011 bases incorporadas) dada a existência de mecanismos capazes de impedí-los ou
corrigí-los. Durante a formação das novas cadeias polinucleotídicas, além das diferenças de afinidade das bases
nitrogenadas [formação preferencial de pares entre adenina e timina (A:T) ou entre citosina e guanina (C:G)]
(Figura VII-1), a atuação seletiva da DNA polimerase e sua capacidade exonucleolítica (“editorial”) que,
agindo no sentido 3’→5’, elimina nucleotídeos incorretamente inseridos, evita grande parte dos erros de
emparelhamento. Em E. coli, a DNA polimerase III (Pol III), responsável pela replicação semiconservativa é
uma enzima constituída de 10 proteínas (subunidades) diferentes e cada célula contém de 10 a 20 moléculas,
que polimerizam de 500 a 1.000 nucleotídeos por segundo. Esta polimerase erra 1 em 104-105 bases
incorporadas. A atividade de “revisão editorial” (exonuclease 3'→5') encontra-se na subunidade epsilon (ε),
codificada pelo gene dnaQ (mutD) (Figura VII-2) e após sua ação (Figura VII-3) o número de bases erradas
passa para cerca de 1 em 107 bases incorporadas.

(a) Emparelhamento correto


(b) Emparelhamento incorreto
1 em 104 bases

Figura VII-1 – Emparelhamento correto e incorreto das bases nitrogenadas do DNA


VII 2

DNA neossintetizado

Fita molde

POLIMERIZAÇÃO EDITORAÇÃO

Adaptado de:

E = subunidade ε = Exo 3’ → 5’ ( mutD = dnaQ)

Figura VII-2 - Estruturas da DNA polimerase durante a polimerização e da editoração


P = Polimerização; E = Editoração (exonucleolítica)

Incorporação de A síntese prossegue


G no lugar de A com a incorporação
correta de A

A subunidade ε excisa G
através da atividade
3’→ 5’ exonuclease

Figura VII-3 - Correção de erros de emparelhamento pela subunidade ε da DNA polimerase

Em células humanas a polimerização é mais lenta (em torno de 50 nucleotídeos por segundo) e o
complexo de replicação é composto pelas DNA polimerases alfa (Polα α), delta (Polδδ) e épsilon (Polεε),
sendo que a atividade de “revisão editorial” encontra-se nas duas últimas. Os erros das DNA polimerases
humanas são semelhantes aos de E. coli e, considerando o tamanho do genoma humano (cerca de 3x109
pares de nucleotídeos), um erro em 107 pode gerar milhares de erros de emparelhamento durante a
duplicação do DNA.

Além dos erros normais das polimerases outros ocorrem por incorporação de nucleotídeos lesados [8-
oxo-GTP (GO) pode parear com adenina] ou por nucleotídeos normais em oposição a bases lesadas [timina
pode parear com O6-metilguanina (O6MeG)]. Em sequências repetitivas ocorre deslizamento das polimerases e
aparecimento de deleções e inserções.
Finalmente as células bacterianas assim como as eucarióticas possuem polimerases especializadas nas
quais a fidelidade de replicação é baixa e, portanto, cometem muitos erros. As representantes destas
polimerases em E. coli são as DNA polimerases II, IV e V e em eucariotos estão incluídas as polimerases da
VII 3

família X [polimerases beta (β) e lambda (λ)] e as da família Y [polimerases eta (η), iota (ι) e kappa (κ)]. Estas
polimerases não têm a “função editorial” e erram muito (1 em 104 para as da família X e 1 em 10 para as da Y).

Correção de erros de emparelhamento em longos fragmentos (Mismatch Repair – MMR)

Após a replicação, os erros que escaparam da “edição” das DNA polimerases necessitan ser corrigidos
por meio de enzimas capazes de remover bases nitrogenadas incorretamente incorporadas à cadeia ou de
degradar segmentos nos quais tenham ocorrido erros, ou ainda, eliminar bases alteradas ou lesadas; para tal, é
indispensável a distinção entre as hélices neossintetizadas e as preexistentes, o que depende dos diferentes
graus de metilação existentes entre elas.
Em E. coli, na hélice neossintetizada a adenina das milhares de sequências 5’GATC3’ não está
metilada. Na hélice parental a adenina está metilada na posição N6 (N6MeA) pela DNA-adenina metilase (32
kDa), produto do gene dam. Quando persistem erros de emparelhamento, após a replicação, algumas enzimas
entram em ação; as proteínas MutS e MutL reconhecem os erros de emparelhamento e a proteína MutH corta o
DNA no sitio 5’ de G de uma das sequências 5’GATC3’ não metiladas adjacentes. Posteriormente a DNA
helicase II, produto do gene uvrD (mutU, recL, uvrE), em conjunto com proteínas que se ligam à hélice simples
(SSB) abrem o fragmento e as exonucleases digerem o DNA. A PolIII sintetiza de novo, conforme mostrado na
Figura VII-4.

E. coli

Figura VII-4 – Correção de erros de emparelhamento em grandes fragmentos (MMR)


Embora a eficiência do reparo de alguns erros dependa da sequência, em E. coli o único erro para o
qual a correção é muito difícil é o par C:C, e o par mais facilmente corrigido é o G:T. Além dos erros de
emparelhamento o sistema também repara deleções ou inserções de até quatro nucleotídeos, originadas pelo
deslizamento da DNA polimerase, normalmente em sequências repetitivas.
A reparação é iniciada pela ligação do homodímero de MutS (95 kDa) ao erro, seguida da ligação de
MutL (68 kDa), também na forma de homodímero, dependente da hidrólise de ATP. A ligação deste complexo,
principalmente MutL, leva à ativação de uma endonuclease GATC latente, associada à proteína MutH (25
kDa), a qual incisa a ligação 5’ da guanina na sequência GATC não metilada.
O sítio GATC pode dirigir a correção de um erro distante de até 1 kb, mas o sinal é muito reduzido
quando a distância ultrapassa 2 kb.
A combinação MutSLH parece “sentir” a presença do erro e da não-metilação, acreditando-se que para
isto se forme uma estrutura alfa (α), que talvez seja a ativadora de MutH.
A reação é estritamente exonucleolítica, iniciando-se no corte em GATC e prosseguindo através do erro
até cerca de 100 bases após. A função exonucleolítica é bidirecional; no sentido 5’→3’ é feita pela
exonuclease RecJ ou pela exonuclease VII (produto do gene xseA) e no sentido 3’→5’ é feita pela exonuclease
I (produto do gene sbcB), pela exonuclease VII ou pela exonuclease X.
Como essas exonucleases só agem em hélice simples é necessário que a helicase II (produto do gene
uvrD), seja utilizada para desenrolar o DNA e permitir a entrada das exonucleases.
VII 4

A última etapa é o preenchimento da lacuna, especificamente pela PolIII, uma vez que outras
polimerases não são capazes de substituí-la, sugerindo uma ligação entre o sistema de reparação e o de
replicação do DNA. A DNA ligase termina o reparo, unindo o DNA neossintetizado ao preexistente.
Cepas bacterianas contendo mutações no gene dam que produzam a enzima em quantidades maiores
que o normal ou não a produzam são hipermutáveis, uma vez que, neste caso, a diferenciação entre as hélices
pela proteína MutH é dificultada.
A correção depende da modificação da adenina na sequência GATC. O DNA sem modificação é
reparado, mas não especifica a hélice o que pode acarretar mutagênese ou quebras duplas pela ação de MutH. O
DNA modificado nas duas hélices não é reparado pelo MMR.
A incisão por MutH ocorre a 3’ ou 5’ do erro e a quebra simples serve de sinal para dirigir a excisão
posterior. Assim, uma quebra previamente existente, não necessariamente no GATC, pode contribuir para o
processo, independente de MutH e GATC, já que o complexo MutSL é suficiente para ativar a excisão.
MutSL ativam a ação da DNA helicase II na quebra e há preferência da excisão na direção do erro,
coordenada também por MutSL. A porção da hélice incisada é destacada pela helicase e hidrolisada pelas
exonucleases.
O complexo γ da DNA polimerase III, que funciona como um carreador coloca o “β-clamp” na hélice.
O β-clamp funciona como um fator de processividade da DNA polimerase III, mas também interage fisicamente
com MutS. O mesmo ocorre com o homólogo eucariotico do β-clamp, o PCNA (Proliferating Cell Nuclear
Antigen) e o fator de replicação C (RFC- homólogo do comprexo γ), que têm importantes papéis na regulação
da excisão no MMR humano.
A inativação do MMR eleva a mutagênese espontânea entre 50 e 1000 vezes além de permitir a
recombinação ilegitima entre sequências quase homólogas.
Os mutantes deficientes em Dam também são hipersensíveis à morte pelo agente alquilante N-metil-N’-
nitro-N-nitrosoguanidina (MNNG). Entretanto, os mutantes duplos dam mutL e dam mutS não são mais
sensíveis que a cepa selvagem, o que implica MutS e MutL no aumento de morte associada à deficiência de
metilação. Por outro lado, a mutagênese é semelhante nas cepas selvagens e nos mutantes dam e dam mutL,
mostrando a separação entre efeitos letais e mutagênicos. Estas observações conduziram à sugestão de que as
lesões O6MeG produzidas por MNNG podem provocar a resposta do reparo por erros de emparelhamento,
devido à formação dos pares O6MeG:T e O6MeG:C.
Como o sistema só repara erros na hélice filha, ele não repara a base metilada na hélice mãe (lesão), já
que, neste caso, seria um reparo abortivo que poderia resultar em letalidade, devido à síntese inútil do DNA.

Em células humanas, diversos genes codificam para proteínas semelhantes à MutS e MutL e a
sua não funcionalidade está relacionada ao aparecimento de alguns cânceres esporádicos e a
praticamente 100% dos cânceres de cólon hereditários HNPCC (Hereditary Non Polyposis Colorectal
Cancer) (Figuras VII-5 e VII-6).

Câncer de Cólon
HNPCC – SINDROME DE LYNCH

DEFICIÊNCIA EM MMR
Figura VII-5 - Exemplo da câncer de cólon
VII 5

HNPCC

Figura VII-6 – Exemplos de câncer de cólon

Aparentemente, em células humanas a correção de erros de emparelhamento funciona de


maneira semelhante ao descrito para E. coli. Em extratos de células humanas já foi verificado que a
correção é realizada de maneira similar e, aparentemente, também ocorre a excisão bidirecional.
Os principais alvos do MMR humano são erros de emparelhamento, tais como: G:T, G:G, A:C e
C:C, entretanto, as proteínas do MMR também se ligam a lesões, tais como: O6MeG, ligada a C ou T,
ligações cruzadas GpG de cisplatina, fotoprodutos da radiação UVC, etc.
Em células humanas foram identificados genes que participam na correção dos erros de
emparelhamento: MSH2 (MSH = MutS Homolog), MSH3 e MSH6 que codificam proteínas homólogas à
MutS bacteriana e MLH1(MLH = MutL Homolog), MLH3, e PMS2 (PMS=Post-Meiotic Segregation), que
especificam diferentes homólogos da MutL bacteriana
As proteínas MSH2 e MSH6 [GTBP (G:T Binding Protein) ou p160] formam um heterodímero
que é ativo na correção de erros de emparelhamento e foi designado MutSα α. MSH2 também forma
complexo com MSH3 gerando MutSβ β . Dependendo do par, os heterodímeros reconhecem diferentes
substratos. MutSα α reconhece erros de emparelhamento de bases e pequenas deleções/inserções enquanto
MutSβ β somente reconhece deleções/inserções preferencialmente grandes e, para uma ligação eficiente de
MutSα α ao erro há necessidade de fosforilação.
A proteína MLH1 também forma heterodímeros com PMS2, PMS1 e MLH3 para formar
MutLα α, MutLβ β e MutLγ. Enquanto MutLα α contribui com MutSα α/β
β para o MMR, MutLγ parece
participar no reparo de inserções/deleções e processos associados com a recombinação meiótica. A
função de MutLβ β ainda não está esclarecida (Figura VII-7).
Em células humanas o reconhecimento dos erros depende de MutSα α e MutLα α e a especificidade
da correção é similar à de bactérias. Aparentemente PCNA, conduzido por RFC, liga-se a MutSα α e
MutSβ β e conduz o complexo para o erro. Quando o erro é encontrado PCNA libera-se do complexo.
Algumas evidências indicam que MutSα α é direcionada à forquilha de replicação para se ligar a PCNA
localizada no DNA replicado e então transferida de PCNA para o DNA após encontrar o erro. O sistema
corrige tanto troca de bases como pequenas deleções e inserções de até quatro nucleotídeos. A reação é
dependente de ATP e é acompanhada por síntese de reparo partindo da incisão e atravessando o erro
(Figura VII-8).
Uma simples incisão em até 1 kb de distância do erro pode dirigir o reparo, entretanto, a
eficiência vai diminuindo com a distância entre 100 e 1000 bases e independe do corte em 3’ou em 5’.
Assim como em E. coli, a excisão parece ser bidirecional e as lacunas geradas começam na incisão
e vão até 90 a 170 nucleotídeos após o erro. Como a excisão é igual para erros de emparelhamento ou
inserção de 2 nucleotídeos acredita-se que o mecanismo seja o mesmo.
A sinalização para distinguir a hélice filha não está clara em mamíferos. Verificou-se que não é
metilação em sequências específicas como em E. coli. O sinal parece ser a permanência de proteínas
associadas à hélice mãe durante a replicação ou a presença de quebras simples na hélice filha que
VII 6

ocorrem durante a replicação ou ainda o PCNA que ao parar na forquilha funcionaria como um sinal de
hélice.

Figura VII-7 – MMR em humanos

ERRO

hMUTSα ENCONTRA O ERRO

ENCONTRA A POLIMERASE
E PÁRA A SÍNTESE

EXO I DEGRADA O DNA

POLIMERIZAÇÃO

Figura VII-8 – Esquema da correção de erros de emparelhamento (MMR) em humanos


→ 3’) da fita contendo o
A exonuclease I humana é, possivelmente, a responsável pela digestão (5’→
erro. Não se conhece a exonuclease responsável pela digestão da fita na direção 3’→ → 5’, embora haja
δ e Polεε seriam as responsáveis por esta digestão. Além
sugestões de que as funções editoriais das Polδ
disto, nenhuma helicase foi ainda detectada para este sistema em células humanas. Aparentemente a
EXO1 é a única diretamente implicada no MMR, sendo também a única que interage com MutSα e
MutLα de eucariotos.
A quantidade de DNA degradado pelo complexo MutSα-EXO1 é controlada pela proteína de
replicação A (RPA), que se liga e protege o DNA em hélica simples que é gerado pela exonuclease. Isto
acarreta a hidrólise de aproximadamente 250 nucleotídeos por vez, o que resulta em muitos ciclos de
degradação até que não haja mais erros presentes.
Recentemente foi detectado que MutLα possui uma atividade exonuclease latente localizada na
subunidade PMS2 e que é ativada por MutSα, PCNA e RFC dependendo de ATP. Esta atividade
introduz quebras simples na hélice descontínua, independente de onde se encontre a descontinuidade.
VII 7

Portanto, MutLα consegue gerar pontos para a hidrólise 5’→ → 3’, mesmo que a descontinuidade esteja a
3’ do erro.
Após a excisão nucleolítica do erro a síntese de reparação é feita pela DNA polimerase δ junto
com PCNA. A etapa final é a ligação pela DNA ligase I.
O tratamento de células com agentes alquilantes tais como MNNG conduz à translocação de
MSH2 e MSH6 para o núcleo, conduzindo ao aumento da atividade de ligação de MutSα α aos erros de
emparelhamento, entretanto, ainda não se mostrou inequivocamente a indução do MMR, tanto em
bactérias como em eucariotos.
A primeira evidência da existência deste mecanismo em células humanas veio de estudos com
uma cultura celular hipermutável, que era deficiente na correção dos erros. Esta cultura foi isolada in
vitro pela sua capacidade de sobreviver em presença de lesões no DNA, pela exposição a agentes
alquilantes, que normalmente matariam as células. A partir destes experimentos a seleção, in vitro, para
resistência a MNNG ou metil nitroso uréia (MNU) conduziu à identificação de diversas linhagens
celulares de mamíferos tolerantes a metilação.
Tanto em bactérias como em células humanas a resistência adquirida contra o efeito letal de
agentes metilantes, a qual não pode ser atribuída ao aumento do reparo das lesões, é definida como
tolerância a metilação.
A linhagem melhor caracterizada é a MT1 (MT = Methylation Tolerance), derivada de células
humanas linfoblastóides TK6, após uma única etapa de seleção para resistência a MNNG. Esta
linhagem, embora seja centenas de vezes mais resistente a MNNG que a parental, em alguns casos é mais
sensível à mutagênese do MNNG. Portanto MT1 tolera adutos citotóxicos.
Células MT1 também exibem um defeito de pontos de checagem (PC) do ciclo celular após
tratamento com MNNG e são hipermutáveis em ausência de MNNG. A mutagênese espontânea é
elevada 60 vezes nas células MT1, sendo em sua maior parte do tipo transversões, transições A→G e
inserções ou deleções de um nucleotídeo.
Baseado nos fenótipos de MT1 e de bactérias deficientes no reparo de erros de emparelhamento
foi sugerido que os defeitos de reparo podem conferir tolerância a agentes alquilantes em células de
mamíferos, assim como ocorre em bactérias.
Células MT1 são deficientes em atividade MutSα α e têm mutações em ambos os alelos do gene que
codifica a subunidade MSH6. MT1 exibe um defeito de checagem no estágio G2 do ciclo celular.
Observações similares foram feitas em células de camundongos com o gene MSH2 nocauteado.

Correção de erros de emparelhamento em pequenos fragmentos (VSP = Very Short Patch)

Outras sequências metiladas existem no DNA, tais como a (CC(A/T)GG), metilada pela DNA-citosina
metilase (Dcm), na segunda citosina, na posição C5. Esta metilação em E. coli protege o DNA contra enzimas
de restrição enquanto em células de mamíferos ela suprime a transcrição, acarretando o bloqueio de alguns
genes. Em condições de baixa de 5-metil citosina (C5MeC) há um aumento da formação de tumores, sugerindo
a localização destas sequências possivelmente em promotores de oncogenes.
A desaminação da C5MeC acarreta a formação do par T:G. O sistema VSP corrige eficientemente T nos
erros T:G que ocorrem naquelas sequências. Os sítios de reconhecimento de Dcm são pontos hipermutáveis
devido à desaminação espontânea da C5MeC do par G: C5MeC, um evento que conduz ao par T:G.
O sistema VSP utiliza dois genes de reparação de erros de emparelhamento, mutS e mutL mas não os
genes mutH e uvrD. Adicionalmente, são necessários os produtos dos genes vsr e polA. O gene vsr está
localizado antes do dcm e fazendo parte da mesma unidade transcricional.
Em heteroduplexes nas quais as sequências GATC estão metiladas, representando DNA replicado, o
sistema VSP entra em ação (Figura VII-9). quando o DNA está em replicação e a hélice filha não está
metilada, age o sistema MutSLH.
O produto do gene vsr é uma proteína de 18 kDa constituindo uma endonuclease de correção de erros
hélice-específica. Ela reconhece o par T:G no contexto CT(A/T)GG e NT(A/T)GG e faz incisões do lado 5’da
timina produzindo terminais 5’PO4 e 3’OH. Aparentemente a PolI (que é requerida para o VSP) remove a
timina com sua atividade exonucleolítica 5’→3’ e faz a síntese de reparo de pequenos fragmentos (entre 10 e
20 nucleotídeos) como é sua característica.
MutS e MutL provavelmente agem estimulando ou regulando a endonuclease Vsr, já que em células
contendo plasmídeos multicópia com o gene vsr, MutS e MutL são dispensáveis no reparo VSP. Além disto, a
proteína MutL interage fisica e funcionalmente in vitro com a Vsr, assim como com MutS.
VII 8

CH3 CH3 CH3

GATC CCAGG
5’ GATC 3’
3’ CTAG GGTCC CTAG 5’
CH3 CH3
CH3
DESAMINAÇÃO DA 5-METIL CITOSINA
CH3 CH3
5’ 3’
3’ GATC CTAGG GATC
CTAG GGTCC CTAG 5’

CH3 CH3 CH3


ATP
Vsr T
CH3 G CH3
5’ MutS MutL 3’
GATC GATC
3’ CTAG MutS MutL CTAG 5’
CH3 CH3
→ 3’ EXONUCLEASE)
DNA pol I (5’→
CH3
CH3
5’ GATC GATC 5’
3’ CTAG GGTCC CTAG 3’
CH3 CH3 CH3
DNA CITOSINA METILASE
CH3 CH3 CH3
5’ GATC CCAGG GATC 5’
3’ CTAG GGTCC CTAG 3’
CH3 CH3 CH3

Figura VII-9 – Esquema do mecanismo de correção de erros de emparelhamento


em pequenos fragmentos (Very Short Patch Repair) em E. coli

Uma vez terminado o reparo, a proteína Dcm metila novamente a citosina. Neste caso, o reparo pode
ser considerado como uma reparação por excisão de nucleotídeos dirigida por MutS e MutL.

Em células humanas, a reparação de G:T para G:C foi demonstrada em extratos nucleares de
células HeLa (HeLa – Henrietta Lacks – Câncer cervical que a matou em 1951). A análise dos
intermediários da reação indica que o reparo envolve a troca de um simples nucleotídeo e, a DNA Polβ β, é
a responsável pelo fechamento da lacuna.
Atividades enzimáticas capazes de incisar as ligações fosfodiéster imediatamente a 5’e 3’da
timina errada foram identificadas em extratos de células humanas.
Uma vez que a timina é liberada como uma base livre, foi sugerido que uma Timina-DNA
Glicosilase (TDG) gere um sítio intermediário abásico, que serve de substrato para as incisões. A enzima
(55 kDa) foi isolada de células HeLa e é uma timina-DNA glicosilase específica para erros, que é capaz de
remover T do par G:T, sem atividade AP liase ou AP endonuclease associada. Em verdade a enzima
reconhece o T pareado com G e não com A, uma verdadeira interação com a base oposta ao erro. O par
G:T é originado da desaminação de C5MeC nas sequências CpG. Esta enzima também pode remover U
dos pares G:U que podem surgir de desaminações de citosina em regiões ricas em G:C. Neste caso este
erro poderia ser corrigido pelo sistema de reparação de bases, o que também ocorre quando o uracil
entra erradamente na molécula de DNA. Após a retirada da timina a TDG permanece no local
impedindo a ação da AP endonuclease APE1. TDG então é sumolada, o complexo se desfaz e assim o sitio
AP serve de substrato para a AP-Endonuclease I (APE1). Após a ação de APE1 o processo ocorre como
um reparo por excisão de bases (ver adiante). No par G:T, também pode atuar a proteína MBD4 (Methyl
Binding Domain), que compete com a TDG. TDG é degradada por sumo, mas MBD4 permanece, porém
inativa (Figura VII-10).

Correção de erros por MutY (metil independente)

O erro G:A ocorre muito frequentemente durante a polimerização, entretanto, na ausência de MutSLH
o número de mutantes com este erro não é muito elevado, devido à existência de outros sistemas; assim, a
proteína MutY retira A do par G:A e também participa da reparação da lesão oxidativa 8-oxoguanina (8-oxoG
= GO), em conjunto com as proteínas MutT e MutM como será visto adiante.
Este sistema libera pequenos fragmentos e é independente de MutSLH, hidrólise de ATP ou metilação.
Os erros G:A são corrigidos para G:C. O reparo requer a função do gene mutY (micA) e da PolI, a qual libera e,
em seguida, incorpora entre 10 e 20 nucleotídeos.
A proteína MutY funciona como uma DNA glicosilase com uma atividade 3’AP liase associada,
removendo especificamente A dos pares errados G:A e C:A com uma eficiência 20 vezes maior para o par G:A.
VII 9

MMR EM
PEQUENOS
FRAGMENTOS
(HUMANOS)

Figura VII-10 – Mecanismo de correção de erros de emparelhamento em pequenos fragmentos

Em células humanas, recentemente foi purificada uma enzima, que cliva especificamente erros
A:G e A:C. A MYH interage com PCNA e é dirigida à forquilha com o erro na hélice neossintetizada,
evitando que o G ou C seja retirado e cause a mutagênese. Ela faz simultaneamente incisões na primeira
ligação fosfodiéster 3’ e 5’ do erro no lado com A e não no lado com G, uma ação muito similar à da
proteína MutY de E. coli.

Erros de emparelhamento e recombinação genética

Normalmente, a frequência de recombinação genética entre E. coli vs S. typhimurium (recombinação


homeóloga) é da ordem de 10-6 para um dado caráter (ex., xyl ou met), comparada com a recombinação entre E.
coli vs E. coli (recombinação homóloga), que é de 10-1.
Em mutantes mutSLH a frequência aumenta cerca de 1.000 vezes quando a divergência de nucleotídeos
é de cerca de 20% (E. coli vs S. typhimurium), sendo os mutantes mutS e mutL os mais eficazes em deixar a
recombinação ocorrer.
A indução do sistema SOS estimula a recombinação homeóloga através da superprodução da proteína
RecA. Já que a proteína RecA é capaz de deixar mais de 30% de erros de emparelhamento na recombinação, o
efeito cumulativo de deficiência de correção de erros de emparelhamento e indução do sistema SOS leva a taxa
de recombinação homeóloga a aproximar-se da homóloga.
Trocas entre sequências divergentes em somente 3% são dramaticamente inibidas por MutS, um efeito
que pode ser significativamente aumentado por MutL. Como estas proteínas não interferem na recombinação
homóloga o maior efeito é bloquear a migração dos cruzamentos das hélices de DNA durante as trocas
homeólogas, não deixando a recombinação ocorrer, formando uma verdadeira barreira entre as espécies.

Barreiras genéticas entre bactérias

Embora a transferência de material durante a conjugação seja altamente eficiente, a frequência de


recombinação entre E. coli vs S. typhimurium é muito baixa, aproximadamente 105 vezes menor que entre as
mesmas espécies.
Durante a conjugação Hfr x F- (Figura VII-11) o DNA entra na célula receptora como uma hélice
simples com a fita líder 5’. Na célula F- a fita complementar é sintetizada, gerando a dupla hélice.
As pontas da dupla hélice são substrato para a enzima RecBCD, que com sua ação helicase e
exonuclease digere a dupla hélice até encontrar uma sequência chi (χ) (5’GCTGGTGG3’). A sequência χ
altera a enzima baixando a afinidade de RecD com o heterodímero RecBC.
Com a perda de RecD o complexo RecBC fica deficiente em exonuclease, mas proficiente em helicase,
produzindo hélices simples de DNA. A proteína RecA forma um polímero na hélice simples e catalisa a
VII 10

procura por sequências idênticas no DNA em hélice dupla. A troca de hélices mediada por RecA requer um
mínimo de identidade para processamento.

Ponte de
protoplasma

Figura VII-11 – Conjugação bacteriana

Durante a conjugação interespécies o número de segmentos com o mínimo de identidade é limitado


pelo grau de divergência entre os DNAs dos conjugantes, diminuindo a velocidade da recombinação mediada
por RecA. Consequentemente, o complexo entre RecA e DNA em hélice simples permanece mais tempo no
cruzamento interespécies que no cruzamento intraespécies, resultando na ativação da função coproteásica de
RecA e desrepressão do regulon SOS. Como resultado aumenta a quantidade das proteínas RecA e RuvAB o
que estimula a recombinação entre as espécies. Assim, o SOS age como um regulador positivo indutível da
recombinação interespécies.
Entretanto, a indução do sistema SOS não afeta a atividade de correção de erros de emparelhamento em
grandes fragmentos (MMR), que é um poderoso inibidor da recombinação entre sequências divergentes e, a
ligação das proteínas MutS e MutL bloqueia a troca de hélices promovida por RecA, reduzindo a frequência de
recombinação interespécies (Figura VII-12).

DNA doador

χ = (5’GCTGGTGG3’)

DNA idêntico

RuvABC

10-1 recombinantes

DNA divergente

Indução do SOS

Alta expressão de recA e ruvAB

MutSL+ MutSL—

10-6 recombinantes 10-3 recombinantes

Figura VII-12 – Esquema do modelo proposto para a manutenção da barreira genética entre
bactérias (papel das proteínas MutS e MutL)
VII 11

Reparação de deleções e inserções

As repetições de dinucleotídeos e trinucleotídeos que ocorrem frequentemente no DNA de eucariotos e


mais raramente em procariotos, representam um problema potencial durante a replicação, provocando
deslizamento entre as hélices e conduzindo a deleções e inserções. A frequência de deleções e inserções num
fragmento de dinucleotídeos repetitivos (AC)20 é aumentada cerca de 10 vezes em cepas de E. coli mutL e mutS,
o que não ocorre em mutantes recA. Este fato correlaciona-se com a detecção de instabilidade em repetições de
dinucleotídeos em células humanas deficientes no reparo de erros de emparelhamento.
Por outro lado, repetições de trinucleotídeos (CTG)180 são mais estáveis nos mutantes mutH, mutL ou
mutS, sugerindo a participação do sistema MMR na promoção das deleções e inserções. Entretanto, a
estabilidade das repetições de trinucleotideos (CGG)80 não é afetada pela reparação de erros de
emparelhamento em E. coli. Em células humanas ainda não foi reportada instabilidade de repetições de
trinucleotídeos em células mutantes, deficientes na reparação de erros de emparelhamento.
A instabilidade de micro-satélites é um biomarcador para a perda de MMR em células tumorais já que
o MMR é o maior guardião contra a instabilidade de micro-satélites. Estes micro-satélites são replicados
inacuradamente, levando a frequentes deslizamentos da DNA polimerase e ineficienmte correção.
A perda do MMR diminui apoptose, aumenta a sobrevivência celular e resulta em resistência a
quimioterapia, portanto, a falha de MMR contribui para o crescimento seletivo destas células durante a
carcinogênese, explicando parcialmente o aumento da suscetibilidade a cânceres tecido específicos associados a
defeitos em genes MMR.
A atuação conjugada dos processos acima descritos faz com que a probabilidade de ocorrência e (ou)
persistência de um erro de emparelhamento seja bastante reduzida, da ordem de grandeza de l0-10, ou seja, de
um nucleotídeo indevidamente inserido para cada 1010 nucleotídeos. Na polimerização normal os erros são da
ordem de 10-4; após a “revisão editorial” passam para 10-7 e após a ação das proteínas Mut são da ordem de 10-
10
. Uma base nitrogenada incorporada erroneamente acarreta alteração do conteúdo informacional,
transmissível às gerações subsequentes, constituindo a mutagênese direta.

REPARAÇÃO DE LESÕES (ASPECTOS GERAIS)

Agentes químicos também podem provocar erros de emparelhamento, causando modificações


estruturais nas bases nitrogenadas e alterando sua capacidade de formação correta de pares. Isto ocorre, por
exemplo, após tratamento com certos agentes alquilantes, como MNNG, capaz de inserir, por exemplo,
grupamentos metil no O6 da guanina, de forma que esta passa a se emparelhar com a timina, e não mais com a
citosina.
Diversos agentes físicos ou químicos do meio ambiente promovem modificações estruturais na
molécula de DNA, englobadas sob a designação genérica de lesões, cuja persistência representa um obstáculo à
manutenção dos processos bioquímicos intracelulares. Assim, é fácil entender a importância dos mecanismos
enzimáticos que atuam restaurando a integridade do genoma ou criando vias que permitam à célula “tolerar” as
lesões, isto é, manter suas funções mesmo sem a eliminação dos danos provocados no DNA.
A não funcionalidade dos mecanismos de reparação conduz à inativação celular após o tratamento com
o agente físico ou químico ou, eventualmente, à modificação do patrimônio genético, isto é, ao surgimento de
mutações. Mas nem sempre os mecanismos de reparação atuam corretamente, em alguns casos eles podem
promover o desaparecimento da lesão, com alteração do conteúdo informacional, o que caracteriza a
mutagênese indireta. Estas diferentes possibilidades encontram-se esquematicamente representadas na Figura
VII-13.
Os mecanismos de reparação do DNA são, em geral, dependentes dos produtos de diversos genes e se
caracterizam por possuírem várias etapas, possibilitando vias alternativas, muitas vezes coexistentes e
competitivas.

REVERSÃO DIRETA DAS LESÕES

Alguns tipos de lesões podem ser revertidos diretamente, mediante a ação de uma única enzima, que
desfaz a lesão produzida, restaurando a integridade da molécula de DNA. Como exemplos de mecanismos
deste tipo de reparação podem ser citados: a ligação direta de quebras simples, a fotorreativação enzimática e a
remoção de grupamentos alquil. Outro mecanismo enzimático é a remoção de dois fosfatos da lesão 8-oxo –
dGTP, formando 8-oxo-dGMP, que não é incorporada ao DNA (ver adiante).
VII 12

DNA

Tratamentos com agentes físicos ou químicos

DNA LESADO

Reparação CORRETA Reparação AUSENTE ou MAL-SUCEDIDA Reparação INCORRETA

DNA RESTAURADO
(Preservação da informação PERDA DE ATIVIDADE DNA MUTADO (Evolução)
biológica) BIOLÓGICA

Figura VII-13 - Atuação dos mecanismos de reparação na eliminação das lesões,


na preservação do conteúdo informacional e na mutagênese

Além destes mecanismos enzimáticos, algumas lesões, como os dímeros de pirimidinas podem ser
revertidos diretamente pela radiação ultravioleta, como é o caso da fotorreversão.

Reparo de quebras simples pela ligação direta

Na maior parte das vezes a reparação das quebras produzidas no DNA pelas radiações X, γ e outros
agentes requer o sistema recombinacional. Além disto, os grupamentos deixados normalmente requerem
processamento para limpeza das pontas antes da polimerização. Em E. coli, e possivelmente em outros
organismos, algumas das quebras simples produzidas podem ser reparadas diretamente pela ação da DNA
ligase. A enzima de E. coli requer NAD e Mg2+ como cofatores e, como todas as DNA ligases, requer pontas
livres no sítio da quebra e a presença de 3’OH e 5’PO4. Assim, uma quebra simples com estas características,
produzida por agentes lesivos, está sujeita ao reparo pela ligação direta (Figura VII-14).

3’ 5’

O O
OH
5’ P 3’
O— O—

+ DNA ligase
+ NAD (E. coli) ou
+ ATP (T4)

3’ 5’

5’ O P O 3’
O—
+ AMP + NMN ou PPi

Figura VII-14 - Esquema do modelo proposto para ligação direta de


quebras simples no DNA de E. coli
VII 13

Fotorreativação

Entre os fotoprodutos formados pelas radiações UV germicidas (UV-C), os dímeros de pirimidinas


(CPD = Ciclobutane Pyrimidine Dimer) são os mais frequentes, sendo os maiores responsáveis pela inativação
celular.
A fotorreativação consiste na eliminação de CPDs formados no DNA pelo UV-C, mediante exposição
das células às radiações UV de comprimentos de onda superiores a 300 nm ou à luz visível. O processo,
esquematicamente representado na Figura VII-15, é mediado pela enzima de fotorreativação ou fotoliase, que
tem a propriedade de combinar-se, mesmo em ausência de luz, com DNA contendo dímeros de pirimidinas.
Quando o complexo enzima-substrato é iluminado, ele se dissocia, sendo liberados o DNA reparado e a enzima,
esta podendo atuar em outros sítios nos quais ainda existam dímeros. Existem entre 10 e 20 moléculas por
célula bacteriana e a fotoliase (49 kDa) age rompendo a ligação ciclobutano entre a duas pirimidinas, numa
velocidade de 5 dímeros /molécula/min e, em E. coli é codificada pelo gene phr. Para estas células os
comprimentos de onda mais eficientes para promover a fotorreativação situam-se entre 340 e 390 nm.

DNA DNA Fotoliase Absorção Reparação


nativo com liga-se ao de luz e liberação
dímero dímero (> 300 nm) da enzima

FiguraVII-15 - Esquema representativo da fotorreativação enzimática

Recentemente foi detectado que a fotoliase de plantas também é capaz de desfazer a ligação do
fotoproduto 6-4 (6-4PP = 6-4 Pirimidina Pirimidona).
A fotoliase contém dois cromóforos FADH2 ou FADH- (1,5-dihidroflavina adenina dinucleotídeo) e
folato MTHF [5,10-metenoetiltetrahidrofolil (poliglutamato)] ou deazaflavina (8-HDH). O folato absorve a
maioria dos fótons e é chamado de “antena” da fotoliase. O folato, ao receber um fóton, passa ao estado
tripleto e desativa-se transferindo a energia para o FADH-. O FADH- excitado (singleto) transfere um elétron
para o dímero. Através de um rearranjo eletrônico há quebra do anel ciclobutano, gerando pirimidina e
pirimidina ânion o qual transfere o elétron para o FADHo, regenerando o FADH2 (Figura VII-16A)
A fotorreativação permite não somente o aumento da viabilidade celular após exposição ao UV-C,
germicida, mas também a redução da mutagênese fotoinduzida.
O processo, em E. coli parece ser altamente específico para dímeros de pirimidinas, mas, a fotoliase
talvez desempenhe outros papéis na célula, entre os quais o favorecimento de outros mecanismos de reparação.
A ligação da fotoliase aos dímeros torna estas lesões mais acessíveis ao complexo UvrABC, aumentando a
eficiência da reparação por excisão de nucleotídeos (ver adiante).
Foi mostrado que a FADH2 purificada da fotoliase de E. coli catalisa a monomerização de dímeros de
uracil em poli-U in vitro, mas com uma eficiência 1.000 vezes menor que a de dímeros de uracil do DNA.
A fotorreativação já foi descrita em diversos sistemas biológicos: micoplasmas, bactérias, leveduras,
moscas, sapos, diversas plantas e mamíferos não placentários, mas não em mamíferos superiores.
Em S. cerevisiae o gene PHR1 localiza-se no cromossomo 15 e codifica uma proteína de 66,2 kDa. Este
gene complementa mutantes phr de E. coli deficientes em fotorreativação e vice versa. Diferentemente de E.
coli, em células da levedura existem muitas moléculas de fotoliase (entre 250 a 300 em condições
constitutivas).
VII 14

Curiosamente o gene PHR1 tem a sua transcrição aumentada quando as células são submetidas à
radiação UV-C ou a diversos agentes químicos que interagem com o DNA embora a fotoliase não esteja
envolvida na reparação de lesões químicas.
A fotorreativação é muito importante em plantas, que estão constantemente expostas ao sol. Em estudos
com A. thaliana foi verificado que a fotorreativação é altamente eficiente para reparar dímeros e lesões 6-4PP e
que mutantes uvr2-1 necrosam quando expostos a baixas doses de UV-C. O mesmo fenômeno de sensibilidade
foi verificado no arroz Norin I (economicamente o mais importante no Japão) cujas sementes são deficientes
em fotorreativação de dímeros.
A fotoliase que repara lesões 6-4PP foi inicialmente detectada em D. melanogaster. Posteriormente foi
também detectada em plantas (A. thaliana) e alguns vertebrados (X. laevis e D. rerio). O mecanismo proposto
para a ação destas fotoliases é o mesmo utilizado pelas que reparam os dímeros e, além disto, ambas utilizam
FAD para a transferência dos elétrons para a lesão. A ligação do 6-4PP à fotoliase induz o rearranjo e um anel
oxetano é formado com o auxilio de dois resíduos His na fotoliase. Uma vez sendo formado o radical na lesão a
ligação entre as pirimidinas é quebrada e um elétron é transferido de volta para o cofator catalítico (Figura
VII-16B).
dímero TT

fotoproduto 6-4 TT intermediário oxetane

Figura VII-16 – Fotorreativação do dímero (A) e do fotoproduto 6-4 (B)

Alguns estudos sugeriram a existência de proteínas filogeneticamente correlacionadas à fotoliase


em células de mamíferos e outros mostraram perda de dímeros, dependentemente de luz, em células em
cultura e em pele humana intacta, entretanto, estes estudos não foram confirmados.
Muitos estudos falharam na tentativa de mostrar fotorreativação em organismos mais avançados
que os não-placentários (marsupiais); portanto, acredita-se que ela não exista em seres humanos.
Em células humanas foram detectadas proteínas similares às fotoliases, os “criptocromos”,
porém não relacionadas ao reparo de lesões, mas sim à regulação do ritmo circadiano. Estas proteínas
pertencem à família dos receptores de luz azul que em plantas seriam responsáveis pela floração em
resposta à luz (CRY2).
Já foram clonados os genes hCRY1 e hCRY2 em humanos e mCRY1 e mCRY2 em camundongos.
CRY1 e CRY2 são expressos em diversos tecidos tais como: fígado, testículos, cérebro (nunca expostos à
luz) e retina. O gene mCRY2 é altamente expresso na retina e mCRY1 no núcleo supraquiasmático, que
agem como fotorreceptores do ritmo circadiano em mamíferos.
Aparentemente os genes CRY1 e CRY2 têm papéis antagônicos, uma vez que o período circadiano
é diminuído em camundongos cry1-/- e aumentado em camundongos cry2-/-. Estes genes revelam uma
modificação evolucionária muito interessante, uma vez que uma enzima de reparação de DNA parece ter
se transformado em uma proteína com funções completamente diferentes.
Quando uma dose de radiação UV-C suficiente para causar eritema é aplicada em seres humanos
a aplicação tópica de fotoliase de A. nidulans incorporada a lipossomas acarreta significativa redução do
número de dímeros de pirimidinas nas células da pele e também evita a imunossupressão induzida por
UV-B. Foi também demonstrado que a expressão do gene da fotoliase de marsupiais em camundongos
VII 15

repara eficientemente os dímeros e reduz os efeitos da irradiação na pele (eritema, hiperplasia,


apoptose). A expressão de fotoliases de dímeros em células XP-A humanas reduz substancialmente a
mutagênese e aumenta a sobrevivência ao UV-C.
Os dímeros são os maiores alvos para eventos mutagênicos e formação de mutações nas vias do
gene p53 na formação de células epidémicas pré-neoplásicas. Portanto, a eliminação preferencial de
dímeros dos keratinócitos basais reduz drasticamente a indução de câncer de pele pelo UV.

Fotorreversão

A reversão de dímeros de pirimidinas pode também ser obtida por outros processos, independentes da
fotoliase. Ela ocorre, por exemplo, mediante exposição das células, previamente irradiadas com UV germicida,
a comprimentos de onda situados entre 200 e 300 nm (235nm favorece a fotomonomerização e 280 nm favorece
a dimerização), uma vez que a união de duas pirimidinas é uma reação reversível e que cada comprimento de
onda, ainda que com diferentes eficiências, pode promover tanto a dimerização como a monomerização; a
desdimerização devida unicamente à exposição ao UV-C constitui a fotorreversão direta.
Proteínas ricas em triptofano, como a codificada pelo gene 32 do fago T4, e mesmo oligopeptídeos
ricos neste aminoácido, podem, quando expostos a comprimentos de onda de 334 nm, adquirir a capacidade de
promover a monomerização de timinas dimerizadas, o que parece ser consequência da transferência de elétrons
do anel do triptofano para os dímeros; este fenômeno constitui a fotorreversão sensibilizada.

Reversão direta de alquilações

Transferência de grupamentos alquil

Quando células são tratadas com agentes alquilantes tais como MNU ou MNNG, seu DNA é alquilado
nas mais diversas posições. Em alguns casos, estas lesões podem ser reparadas diretamente, pela remoção dos
grupamentos alquil.
As metilações que ocorrem no oxigênio exocíclico das bases são diretamente removidas, sendo O6MeG
a mais abundante (6 a 8% das metilações totais) e O4MeT a de menor importância (< 0,4%). A metilação da
ligação fosfotriéster é da ordem de 17%. (Na Figura VII-17 estão representados os diferentes sítios de
metilação com as respectivas ocorrências).

Pareamento C:G no DNA Pareamento T:A no DNA

Fosfato na cadeia fosfodiester

Figura VII-17 - Principais sítios de alquilação no DNA

Em E. coli existem duas enzimas que reparam o DNA por transferência direta do grupamento alquil; as
proteínas Ada e Ogt (O6-Metilguanina - DNA Metiltransferases) codificadas pelos genes ada e ogt
respectivamente.
A proteína Ada (39 kDa) remove grupamentos metil das posições O6 da guanina, O4 da timina e da
ligação fosfotriéster enquanto a Ogt só consegue removê-los das posições O6 da guanina e O4 da timina. A
VII 16

remoção dos grupamentos alquil das bases acarreta a inativação das proteínas (enzima “suicida”), entretanto, no
caso da remoção do metil da ligação fosfotriéster, a proteína Ada sofre uma mudança conformacional,
tornando-se um ativador de seu próprio gene, conduzindo à síntese de milhares de moléculas de Ada.
A proteína Ogt (19 kDa) é constitutiva, não tendo sido detectada nenhuma ativação por qualquer
tratamento.
Foi mostrado que os mutantes ada e ogt são propensos a acumular mutações espontaneamente,
mostrando a existência de alquilações espontâneas provenientes provavelmente do cloreto de metila, que é
abundante na atmosfera, com uma estimativa anual de emissão de 5 x106 toneladas, a maior parte de fontes
naturais e de fontes endógenas como a S-adenosil metionina e outros doadores intracelulares.
Apesar da semelhança quanto à sua atuação, recentemente foi verificado que aparentemente Ada
prefere O6MeG e Ogt prefere O4MeT.
Uma vez que as enzimas são capazes de remover diversos grupamentos alquil, há proposta de
denominá-las O6-alquilguanina-DNA alquiltransferases I e II (O6-AgtI e O6AgtII)
A proteína Ada, produto do gene ada remove grupamentos alquil inseridos nas posições O6 da guanina,
4
O da timina com sua parte C terminal de 19 kDa (C-Ada19) e da ligação fosfotriéster, com sua parte N
germinal de 20 kDa (N-Ada20) transferindo-os para uma cisteína constituinte da proteína, o que justifica a sua
inativação durante o processo (Figura VII-18). Uma vez que a metilação da guanina na posição O6 conduz,
durante a replicação semiconservativa do DNA, a erros de emparelhamento, torna-se fácil entender os efeitos
mutagênicos deste tipo de lesão e a importância da reparação adaptativa na redução da mutagênese. Em células
de E. coli não adaptadas existem entre 20 e 60 moléculas desta enzima, cuja concentração pode ser multiplicada
por 100 ou 200 em consequência do tratamento indutor.

metil fosfotriéster

O6 metilguanina

Figura VII-18 – Mecanismo de ação da proteína Ada

Quando a transferência é feita da O6-metil guanina ou da O4-metil timina o metil é capturado pela
cisteína 321 do sítio ativo C terminal (Pro-Cys-His-Arg-Val/Ile) e a enzima é inativada, entretanto quando o
metil é retirado do fosfotriéster ele é capturado pela cisteína 38 (do N terminal) a enzima transforma-se em um
ativador do seu próprio gene, conduzindo à síntese de milhares de moléculas da proteína Ada.
Quando da metilação de cys 38, que é irreversível, Ada transforma-se na ativadora da transcrição dos
genes da resposta adaptativa, ada-alkB, alkA e aidB (Figura VII-19), uma vez que, neste caso, a mudança
conformacional de Ada aumenta a capacidade de ligação aos promotores destes genes, facilitando a ligação da
RNA polimerase.
A transformação da proteína Ada conduz à desrepressão de outro gene, o alkA, que codifica a síntese da
3-metil adenina DNA glicosilase II (AlkA) que remove bases metiladas em diferentes posições (N3 e N7 da
guanina, O2 da citosina, N3 e N7 da adenina e O2 da timina, entre outras).
Na Figura VII-20 está representado esquematicamente o processo da resposta adaptativa para agentes
alquilantes.
VII 17

Ativação da
Metilfosfotriester Fosfato transcrição

O6-metilguanina Guanina

Figura VII-19 - Inativação e ativação da proteína Ada em bactérias

Não induzido

Baixo nível de reparo

Sinal indutor

Ativação da
transcrição

Indução

Aumento da
reparação

Figura VII-20 – Mecanismo da resposta adaptativa para agentes alquilantes

Em células não adaptadas a proteína AlkA atua juntamente com a Tag, mas a quantidade desta não se
altera durante a adaptação; em células adaptadas, a quantidade de AlkA é multiplicada por 20, e esta enzima
passa a ter um papel importante na eliminação de bases alteradas.
A proteína Ada também regula outros genes tais como o alkB e o aidB.
O papel da proteína AlkB é o reparo de N1MeA e N3MeC em DNA em hélice simples. Por outro lado, o
papel da proteína AidB ainda não está bem estabelecido. Aparentemente ela inativa agentes alquilantes antes
que eles causem as lesões, não participando do reparo das lesões.
Após a metilação do N-terminal Ada reconhece as regiões promotoras do regulon ada e recruta a RNA
polimerase para iniciar a ativação dos genes de resistência a metilação. Assim, Ada é um quimiosensor de
metilação em E. coli.
A atividade O6-AGT em leveduras é expressa em um nível de 150 moléculas por célula na fase
exponencial de crescimento e indetectável na fase estacionária. Em S. cerevisiae o gene clonado MGT1 é capaz
de complementar o duplo mutante ada ogt de E. coli. Mutantes deletados em MGT1 são sensíveis à morte e
mutagênese por tratamento com agentes alquilantes. Adicionalmente mutantes mgt1 têm a mutagênese
espontânea aumentada, sugerindo a existência de alquilação endógena em S. cerevisiae. O gene MGT1 mapeia
VII 18

no cromossoma IV e os transcritos não são aumentados por tratamento com agentes alquilantes. Tanto em
leveduras como em mamíferos a sequência (Pro-Cys-His-Arg-Val/Ile) que contém a Cys 321 é conservada.

Em células humanas, a O6-Metilguanina-DNA Metiltransferase (O6-MGMT), ainda conhecida


como Atase, AGT e AGAT, também é uma enzima suicida que repara o DNA transferindo o grupamento
metil da O6MeG no DNA para um resíduo cisteína (145) da enzima em uma reação irreversível (Figura
VII-21).

(145)

ativa

inativa

metiltransferase
(MGMT)

O6 metilguanina guanina

Figura VII-21 – Remoção de grupamentos alquil em humanos

A transferência do grupamento alquil, inativa e transforma a enzima em alvo para ubiquitinação


e degradação por proteases.
Ela repara também O6 etilguanina e O6 butilguanina assim como O4 metiltimina com uma
eficiência mais baixa. Estas lesões são produzidas por agentes alquilantes (MNNG, MNU, etc., contidos
em alimentos, cigarros, etc.). Em condições fisiológicas o DNA é metilado por metilantes naturais como a
S-adenosilmetionina.
A O6MGMT foi detectada em todas as espécies. A enzima humana é uma proteína monomérica
de 24 kDa. Ela é semelhante à Ogt bacteriana e também só tem função de metil transferase para O6MeG
e O4MeT, com uma preferência 10.000 vezes maior para O6MeG. Ela não tem a função de retirar grupos
alquil das ligações fosfotriéster e também não tem a função regulatória parecida com a proteína Ada de
bactérias, embora seja induzida por estresse genotóxico.
O gene da O6-MGMT humana está localizado no cromossomo 10 e tem 6 exons e mais de 170 kb e
a proteína tem regiões de extensa homologia com as bacterianas, entretanto, não há muita homologia de
sequência e o cDNA humano não hibridiza com o DNA genômico de E. coli.
A proteína humana é uma enzima simples, sem cofator, com uma cisteína ativa na sequência
contexto PCHRV/I (Pro-Cys-His-Arg-Val/Ile), que é conservada em todas as O6MGMTs. O sítio ativo é
escondido (latente = críptico) só se tornando acessível após modificação conformacional induzida pelo
contato com o DNA.
Os efeitos citotóxicos, mutagênicos e tumorigênicos da O6MeG são diminuídos pela ação da
enzima O6-MGMT. Não são conhecidos mutantes humanos para o gene da O6-MGMT, entretanto cerca
de 20% dos tumores humanos são sensíveis a MNNG e não possuem atividade O6-MGMT detectável
sendo denominados fenotipicamente Mer- (Methylation repair minus). Similarmente, a transformação de
células humanas com vírus tumorais causa um fenótipo deficiente em O6-MGMT, denominado Mex-
(Methylation excision minus). Embora não sejam mutadas no gene O6-MGMT, a introdução do gene
bacteriano ou humano em células Mer- ou Mex- restaura a resistência a MNNG, o que indica uma
relação de causa e efeito entre a falta de atividade de O6MTMG e a sensibilidade a agentes alquilantes.
VII 19

Após exposição a agentes alquilantes as células humanas podem adquirir resistência à morte e
lesões cromossômicas, mas não à mutagênese. Este fenótipo é denominado tolerância à metilação e
envolve uma deficiência no reparo de erros de emparelhamento.
Durante a replicação do DNA contendo O6-MeG há alta probabilidade da incorporação de timina
na frente da base alquilada. Tanto C como T em frente a O6-MeG são reconhecidas como bases erradas e
serão excisadas pelo sistema MMR, que só age na hélice filha. Portanto, o reparo de O6-MeG é fútil e
perigoso, pois se o MMR continua a excisão as bases colocadas em frente à base alquilada podem gerar
quebras no DNA, aumentando a morte celular.
A O6-MGMT, logicamente, tem um papel importante na prevenção do câncer. Em um grande
número de cânceres, a mutação oncogênica resultou de uma transição G:C para A:T, a qual pode ter
resultado de uma alquilação de G. Em verdade, a superexpressão de O6-MGMT protege camundongos
transgênicos de cânceres induzidos por agentes alquilantes. Em um caso, a expressão de O6-MGMT
humana em camundongos transgênicos protegeu-os contra o linfoma de timo, induzido por MNU. Em
outro caso, a expressão do gene ada de E. coli em camundongos transgênicos protegeu os animais contra
câncer de fígado induzido por dimetil ou dietilnitrosamina.
A ocorrência de tumores cerebrais em ratos jovens tratados com etil nitrosuréia é correlacionada
com a persistência da O6 alquil guanina no cérebro. Similarmente, o tratamento crônico com MNU
especificamente resulta em tumores neurais em animais experimentais e é acompanhado por progressiva
acumulação de O6MeG no cérebro sem a concomitante acumulação em outros tecidos.
Os efeitos citotóxicos das lesões alquilantes podem ser usados no tratamento de câncer.
Clinicamente são usadas nitrosouréias e agentes cloroetilantes tais como carmustina (BCNU), entretanto
o aumento da produção de O6-MGMT é uma das causas da resistência a estas terapias. Portanto, a
inibição de O6-MGMT pode aumentar a eficiência dos tratamentos.
O meio mais simples para inibir a enzima é alquilar a sua cisteína ativa. Por algum tempo a
O6MeG como base livre foi o único substrato usado, entretanto, a O6BuG se mostrou mais efetiva que a
forma metilada. A pré-incubação de linhagens celulares de câncer com esta pequena molécula aumenta a
sensibilidade ao tratamento com agentes tipo CNU. Ensaios clínicos de fase I de O6BuG e BCNU
estabeleceram a dose máxima tolerável. O estudo também mostrou que O6BuG é rapidamente convertida
a 8-oxo-O6BuG, que também é um bom inativador de O6-MGMT in vivo.
Estudo de fase II com doses de 120 mg/m2 de O6BuG não produziram regressão de tumor em
pacientes com glioma maligno resistente a nitrosouréia, embora alguns pacientes exibissem estabilidade
da doença por 18 semanas com o tratamento. Portanto, mais estudos são necessários.
Ainda não foi detectada doença humana associada com a mutação no gene O6-MGMT. O fenótipo
-
Mer parece ser o efeito e não a causa da transformação maligna.
Em células humanas o gene da O6MGMT foi o primeiro que mostrou ser indutível por estresses
genotóxicos e por glicocorticóides, conduzindo à resposta adaptativa das células aos efeitos citotóxicos e
mutagênicos de agentes alquilantes simples.
A expressão de O6MGMT é regulada pela metilação do gene e do promotor. A metilação do
promotor provoca a inibição e a metilação do gene resulta no aumento da expressão da proteína. A
metilação também está envolvida na resistência adquirida por células de melanoma contra drogas
anticâncer contendo cloroetila.
Em células eucarióticas ainda não se detectou a reparação das metilações nas ligações
fosfotriéster.

Transferência de grupamentos alquil por AlkB

As metilações podem ocorrer em 14 sítios diferentes no DNA (ver Figura VII-17), 12 dos quais são
reparados por Ada, AlkA e AlkB. As metilações mais abundantes são N7MeG (70%) e N3MeA (10%).
Alguns agentes alquilantes, tais como: CH3Cl, CH3I e CH3Br, geram metilações em RNA e DNA em
hélice simples (N1MeA e N3MeC), uma vez que estes sítios estão protegidos na dupla hélice.
AlkB é uma dioxigenase α-cetoglutarato-Fe(II) dependente, que utiliza um intermediário ferro-oxo para
hidroxilar N1MeA e N3MeC no DNA. Estes intermediários hidroxilados são instáveis e se decompõem,
gerando formaldeído e regenerando a base íntegra. No caso de N1etilAdenina é liberado acetaldeído, numa
verdadeira demetilação oxidativa (Figura VII-22).
In vitro, AlkB repara DNA em hélice simples assim como DNA em hélice dupla (preparado por
anelamento após a metilação).
VII 20

Além disto, AlkB também é capaz de retirar o N1metil de dATP, impedindo a incorporação do
precursor metilado durante a síntese de DNA.

Figura VII-22 – Mecanismo de ação da proteína AlkB

O primeiro gene humano descrito como homólogo ao alkB de E. coli foi o ABH1. Entretanto, os
resultados obtidos não foram confirmados, embora este gene possua 18,5% de identidade com alkB e
possivelmente tenha uma função relacionada.
Posteriormente ABH2 e ABH3 (também conhecido como DEPC-1), foram descritos e mostraram
complementar a mutação alkB de E. coli.
ABH2 está localizado no cromossomo 12 e é composto de 4 exons e AHB3 está no cromossomo 11,
sendo composto de 10 exons.
As proteínas AHB2 e AHB3 são do grupo da superfamília das dioxigenases cetoglutarato Fe(II)-
dependentes, contendo a sequência contexto de ligação do Fe(II).
As duas proteínas retiram metil de N1MeA e N2MeC e ABH2 é mais ativa em N1MeA e ABH3 em
N3MeC no DNA.
Em contraste com AlkB as proteínas humanas têm muito pouca afinidade por N1-etilA.
As proteínas AlkB e ABH3 preferem DNA em hélice simples e RNA, enquanto ABH2 prefere
DNA em hélice simples e dupla, por isto AlkB e ABH3 reparam eficientemente RNA, entretanto, a
preferência das duas proteínas humanas por DNA é o dobro daquela observada para RNA.
Como as metilações N1MeA e N3MeA são geradas em DNA em hélice simples, foi sugerido que
AlkB e os homólogos devam funcionar nas forquilhas de replicação e nos sítios de transcrição. Em
verdade, os mutantes alkB de E. coli são muito mais sensíveis a agentes alquilantes em fase exponencial
do que na estacionária de crescimento e ABH2, mas não ABH3, colocaliza com PCNA nos “foci” de
replicação. Além disto, alkB também está associado com a replicação em organismos como C. crescentus,
aumentado sua expressão durante a fase S, junto com outros genes requeridos para a síntese de DNA.
Ainda não se demonstrou a indução dos genes humanos pelos tratamentos com agentes metilantes
de hélices simples DNA.

REPARAÇÃO POR EXCISÃO

Aspectos gerais

O isolamento de mutantes de E. coli B denominados Bs-1 e Bs-2, bastante sensíveis às radiações UV-C,
levou, há mais de quatro décadas, à proposição da existência de um mecanismo de reparação independente da
iluminação e que, nestes mutantes, seria deficiente. Por esta razão, este mecanismo foi inicialmente
VII 21

denominado de reparação no escuro (“dark repair”), sendo hoje conhecido como reparação por excisão ou
reparação por excisão-ressíntese.
Este tipo de reparação, provavelmente o mais importante mecanismo de eliminação de lesões foto,
radio ou quimioinduzidas, admite várias vias alternativas, que podem ser agrupados em:
a) remoção da base nitrogenada lesada, seguida da inserção de uma base idêntica, não lesada por uma
“insertase”. Em células humanas foi detectada atividade insertase, mas, o gene não foi detectado e o mecanismo
é obscuro.
b) remoção da base nitrogenada lesada, gerando um sítio apurínico ou apirimidínico, capaz de ser
reconhecido por uma endonuclease, que produz uma quebra na cadeia polinucleotídica, seguindo-se a
eliminação do fragmento, ressíntese e ligação;
c) excisão de um fragmento relativamente curto da cadeia contendo a lesão, seguida de ressíntese e
ligação.
d) excisão de um longo fragmento de cadeia, formado por mais de 1.500 nucleotídeos, seguida de
ressíntese e ligação.

REPARAÇÃO POR EXCISÃO DE BASES (BER)

O material genético é constantemente exposto a agentes físicos e químicos que induzem grande
variedade de modificações no DNA. Para evitar que esses agentes causem mutações ou morte celular os
organismos desenvolveram diversos mecanismos para prevenir e reparar as lesões.
Uma grande variedade de lesões é reparada por um sistema em múltiplas etapas, denominado reparação
por excisão de bases, composto das seguintes etapas:
a) liberação da base lesada ou mal emparelhada por uma DNA glicosilase específica,
b) incisão da cadeia açúcar fosfato no sitio abásico resultante, por uma liase ou por uma endonuclease,
c) remoção do terminal criado,
d) síntese de reparo e
e) ligação do DNA neossintetizado ao preexistente.
O sistema de excisão de bases é o principal sistema para a reparação de bases modificadas, sítios com
perda de bases, quebras simples e pequenas lacunas no DNA.

DNA glicosilases

Bases nitrogenadas lesadas pelo tratamento com agentes físicos ou químicos podem ser removidas pela
atuação de N-glicosilases, capazes de romper a ligação entre a base e a desoxirribose.
Muitas DNA glicosilases reconhecem somente uma forma particular da lesão da base e a maioria das
DNA glicosilases é altamente específica para bases com uma lesão específica.
Elas são proteínas pequenas, com menos de 30 kDa e o aparecimento de bases livres após tratamento
do DNA com agentes genotóxicos é a maior demonstração da atividade das DNA glicosilases. Isto
normalmente é feito por análise cromatográfica seja da mistura inteira da incubação do DNA marcado
radioativamente seja da fração contendo oligo ou mononucleotídeos solúveis em ácido ou álcool.
As DNA glicosilases podem ser monofuncionais, removendo a base e deixando um sítio AP ou
bifuncionais devido a terem associada uma atividade liase que cliva o DNA no lado 3’ do sitio abásico.

Uracil-DNA glicosilases (UDGs)

Família 1 - Uracil-DNA glicosilase (Ung)

É uma enzima codificada em E. coli pelo gene ung, constituindo-se de um polipetídeo de 26 kDa que
remove moléculas de uracil incorporadas ao DNA pela DNA polimerase, que incorpora erradamente uma
molécula de uracil para cada 1.000 a 10.000 timinas.
O uracil também pode ser formado no DNA em consequência da desaminação da citosina, fenômeno
este que ocorre com elevada frequência pela ação de agentes físicos ou químicos. Portanto, Ung tem um papel
relevante em evitar a mutagênese espontânea C:G → T:A.
Algumas formas de vida usam o uracil no DNA (bacteriófagos PBS1 e PBS2 de Bacillus subtilis).
Estas cepas, entretanto, possuem Ung e, em verdade, logo após a infecção o gene ugi do fago (inibidor da Ung)
é expresso, permitindo a replicação do vírus.
VII 22

A Ung utiliza DNA em hélice dupla ou simples contendo deoxiuridina. A enzima retira o uracil e
“engloba-o” no seu sítio ativo, o que limita as lesões reparáveis. Entretanto, além do uracil, foi mostrado que
ela também é capaz de reconhecer 5-fluoruracil e 5-hidroxiuracil. A enzima é capaz de remover 800 resíduos de
uracil por minuto e cada célula tem cerca de 300 moléculas (Figura VII-23).

Figura VII-23 – Mecanismo de ação da Uracil-DNA glicosilase (Ung)

Em células de mamíferos existem duas formas do mesmo gene, designadas UNG2 no núcleo e
UNG1 na mitocôndria. A proteína UNG nuclear co-localiza com fatores de replicação: proteína de
replicação A (RPA) e antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) nos sítios da replicação. A
principal função de UNG em células de mamíferos é remover U quando ele é incorporado em frente a A
durante a replicação, tendo também um pequeno papel na remoção de U em frente a G por desaminação
da citosina fora da replicação. Estas proteínas existem em bactérias, leveduras, mamíferos, plantas e em
alguns virus, mas não em insetos.
Interessantemente, alguns vírus, incluindo HSV1, HSV2 e varicela zoster, codificam sua própria
uracil-DNA glicosilase, indicando a importância desta enzima para sua manutenção. Não existe doença
humana conhecida associada com defeito em UNG.

Família 2 – UDGs (Timina-DNA glicosilases - TDG)

As TDG de eucariotos foram inicialmente descritas pela capacidade de retirar timina dos pares G:T.
Elas também são capazes de retirar uracil mas somente dos pares G:U. As bactérias possuem homólogos
estruturais designados Mug (mismatch-specific uracil-DNA glycosylase). As TDG e Mug existem em
mamíferos, insetos e outros eucariotos (S. pombe).
Estas glicosilases possuem um mecanismo de reconhecimento das lesões diferente da família 1, o que
permite a elas excisar uracil e timina em frente à guanina. Além disto, elas também podem remover a base
alquilada 3,N4-etenocitosina oposta a G e 1,N2-etenoguanina oposta a C, sendo talvez a reparação de adutos de
eteno o papel mais importante para estas enzimas.

Família 3 – 5-Hidroximetiluracil-DNA glicosilase (somente em eucariotos)

O 5-hidroximetiluracil é formado pela oxidação do grupamento metil da timina ou pela


desaminação da 5-hidroximetilcitosina. Ele é detectado em urina de ratos e de humanos e é usado como
medida da formação de lesões oxidativas no DNA nestes organismos. Esta lesão é removida por uma
glicosilase específica presente em todos os vertebrados, mas não em procariotos, provavelmente porque
os procariotos não têm muitos resíduos 5-metilcitosina. A enzima age igualmente em DNA em hélice
simples como em dupla, em contraste com a uracil-DNA glicosilase, que prefere DNA em hélice simples e
outras glicosilases que preferem DNA em hélice dupla. A enzima purificada foi designa SMUG (single-
VII 23

stranded specific monofunctional uracil-DNA glycosylase). Posteriormente foi verificado que ela prefere
DNA dupla hélice (700 vezes mais que hélice simples).
Alem do 5-hidroximetiluracil SMUG pode remover 5-formiluracil e 5-hidroxiuracil do DNA

Família 4 – UDGs de Archaea e algumas bactérias

Bactérias termofilicas vivem em altas temperaturas, uma condição na qual as desaminações são muito
frequentes, gerando pares G:U e G:T, pela desaminação de citosina e 5-metilcitosina respectivamente. Estes
organismos possuem uma família de DNA glicosilases denominada TmUDG. Estas enzimas detectadas em
diversos membros de Archaea hipertermofilicos, possuem centros ferro-enxofre estruturais e parecem agir de
maneira homóloga à proteína UNG de mamíferos na forquilha de replicação.

Proteínas MBD4 de mamíferos

Estas proteínas contêm um domínio (MDB = methyl-binding domain) que se liga a DNA rico em
sequências 5-Me-CpG. A proteína MDB4 tem uma atividade que remove T e U mal emparelhados com G
com alta especificidade para as sequências CpG metiladas. Além da ação glicosilase MDB4 também tem
ação liase. Ela compete com a TDG na remoção de timinas do par G:T.
Além de sua atuação nas ilhas CpG a proteína também remove timina de erros com O6-
metilguanina.

Deficiência em DNA glicosilases

A deficiência de ung aumenta os níveis de mutagênese, principalmente GC → AT em E. coli. Em


leveduras a deficiência de UNG não aumenta muito a mutagênese e em mamíferos a deficiência em UNG causa
pré-disposição para malignidade nas células β e alterações do sistema imune.
Camundongos Ung-/- são férteis e não mostram defeitos no desenvolvimento. Entretanto as células são
parcialmente deficientes na remoção de U incorporado erroneamente. No primeiro ano de vida os camundongos
são normais, mas, após 18 meses, eles morrem mais que o controle e começam a aparecer muitos linfomas de
células β. Isto representa o primeiro exemplo de aumento de malignidade espontânea em camundongos como
resultado da deficiência de uma DNA glicosilase.
Camundongos nocaute para MBD4 apresentam três vezes mais mutações C→ G nos sítios CpG.
Quando cruzados com camundongos com um dos alelos mutados em Apc (adenomatoous polyposis coli) o
resultante manifesta formação acelerada de tumores no trato gastrointestinal e mutações CpG → TpG no gene
Apc. Embora a inativação de MBD4 por si não aumente a susceptibilidade para câncer em camundongos há
alteração do espectro de mutações em genes supressores, modulando, portanto, a pré-disposição para
cancerização

3 metil adenina DNA glicosilases (bactérias) / N-metilpurina-DNA glicosilase (humanos)

Quando do tratamento das células com agentes alquilantes, diversas posições nas bases são alquiladas e
não são reconhecidas pelas proteínas Ada e Ogt. Entre as bases alquiladas, a 3-metil-adenina é a lesão mais
crítica uma vez que interfere com a replicação, conduzindo à letalidade.
Em E. coli, duas proteínas são responsáveis pela eliminação destas bases, as enzimas TagA e AlkA (3-
metil-adenina DNA glicosilase I e II), codificadas pelos genes tagA e alkA, respectivamente. A proteína TagA
(21 kDa) é capaz de reparar diversas bases além da 3-meA. Ela também catalisa a excisão de 3-metilguanina e
3-etiladenina.
A proteína AlkA (31 kDa), além de remover 3-meA é capaz de catalisar a eliminação de pelo menos
mais 20 produtos de metilação, tais como: 3-metilguanina, 7-metilpurinas, 7 e 3-etilpurinas, O2-
metilpirimidinas, 5-hidroximetiluracil, N1-carboxietiladenina, N7-carboxietilguanina, etc.
Em células de E. coli não adaptadas AlkA é responsável pela retirada de 5 a 10% da 3-meA, entretanto
em células adaptadas ela é responsável por 50 a 70% da atividade total.
Em S. cerevisiae o gene MAG1 codifica a metil adenina DNA glicosilase Mag1 que à semelhança de
AlkA remove 3-metilpurinas, 7-metilpurinas, etenoadenina e O2-metilpirimidinas
VII 24

Em células humanas só foi detectada uma N-metil purina-DNA glicosilase (MPG), que é uma
proteína de 33 kDa. A enzima de mamíferos é funcionalmente homóloga à AlkA de E. coli com relação à
especificidade de substrato, entretanto ela não tem homologia de sequência com Tag nem com AlkA,
portanto, o nome N-metil purina-DNA glicosilase é preferido para a enzima humana. Entretanto, o
nome não define completamente o espectro de substratos. A enzima remove também a lesão 8-oxoG
(GO), hipoxantina e 1,N6-eteno adenina da mesma maneira que 3-MeA. Os mutantes de E. coli são
extremamente sensíveis aos efeitos mutagênicos e letais dos agentes alquilantes, entretanto, em
mamíferos não foi detectada nenhuma doença associada com a deficiência de MPG.

DNA glicosilases com atividade AP liase associada

Em reações in vitro foi detectada uma associação de eliminação das bases com concomitante quebra
das ligações fosfodiéster. Foi mostrado que as incisões ocorrem por β-eliminação no lado 3’ do sítio AP e foi
mostrado também que esta β-eliminação em sítios AP pode ser facilitada por algumas proteínas básicas, não se
sabendo, entretanto, se elas são verdadeiras enzimas, uma vez que, a quebra por endonucleases envolve uma
molécula de água, ou seja, são endonucleases hidrolíticas.
Isto gerou controvérsias acerca das “verdadeiras” AP endonucleases e sua distinção entre proteínas que
provocam quebras espúrias no DNA.

Química e estrutura dos sítios AP

Os sítios AP existem no DNA como uma mistura de equilíbrio contendo cadeia aberta α, β-aldeído
insaturado, α e β-hemiacetal e cadeia aberta α, β-hidrato insaturado. Os aldeídos abertos constituem somente
1% dos sítios AP, mas são os mais reativos. Os sítios AP podem reagir quimicamente levando à quebra da
cadeia na ausência de proteínas.

β -eliminação – Ocorre de duas maneiras: um próton é transferido do grupo CH2 da desoxirribose α


para o grupo carbonil do carbono 1 ou uma base de Schiff é formada entre uma amina e o grupo C1 carbonil da
cadeia aberta do aldeído. Ambas as reações são seguidas de β-eliminação que deixa 3’ α,β-aldeído insaturado,
4-hidroxi-2-pentenal e 5’PO4, sendo este o mais relevante mecanismo de clivagem nos sítios AP.

δ-eliminação – Em certas condições o aldeído insaturado 3’ pode sofrer uma reação adicional de delta
eliminação, resultado da liberação de 4-hidroxi-pent-2,4-dienal deixando uma lacuna de um nucleotídeo e
terminais 3’PO4 e 5’PO4.

Rearranjo – Em condições alcalinas o aldeído 3’α, β insaturado pode rearranjar-se formando um 3’–2-
oxociclopent-1-enil terminal.

Todas as DNA glicosilases que podem hidrolisar as ligações fosfodiéster no sítio da perda da base o
fazem por β-eliminação. Portanto, foi sugerido que estas e outras proteínas que facilitam a β-eliminação nos
sítios AP devem ser designadas como AP liases e não AP endonucleases.
Na Figura VII-24 estão representadas as reações descritas acima.

MutY-DNA-glicosilase (no contexto da lesão GO) – Sistema GO

A MutY-DNA glicosilase é uma glicosilase de 36 kDa que catalisa a remoção de adenina,


independentemente do estado de metilação do DNA. É codificada pelo gene mutY. Células deficientes em
MutY são hipermutáveis, gerando transversões G:C → T:A.
O gene foi clonado e gera um polipeptídeo de 39,1 kDa cuja sequência apresenta homologia com a
endonuclease III, produto do gene nth de E. coli.
A proteína MutY purificada é capaz de remover adenina do DNA contendo A:G ou A:C e tem
associada uma atividade 3’AP liase.
A proteína evita a mutagênese potencial das lesões GO (G:C→ T:A) que escapam do reparo da
Fpg/MutM, já que esta não reconhece eficientemente GO em frente a A.
Deve ser notado, entretanto, que os mutantes mutY somente conduzem ao aumento de mutações
espontâneas G:C → T:A presumivelmente porque as MutSLH eliminam C:A e possivelmente G:A, tornando o
VII 25

papel de MutY redundante. A MutY é a única glicosilase que funciona na correção de erros de emparelhamento
de bases normais.
5’ 3’ 5’ 3’
\ \ \ \

DNA glicosilase ou Perda


espôntanea de base

~OH

\ \ \\ \\
3’ 5’ 3’
3’ 5’

Hidrólise
β Eliminação* β ,δ
δ Eliminação* AP-endonuclease (classe II)
5’ 5’
\
\
5’
\

OH OH
OH
OH OH O
O
O O

~OH

3’ 3’ /
3’

Figura VII-24 - Mecanismos de incisão de sítios AP no DNA

Sistema GO

A lesão GO pode parear tanto com C como com A, de modo que o sistema GO está envolvido com a
atenuação dos efeitos mutagênicos desses erros de emparelhamento.
A observação de que tanto mutantes fpg/mutM como mutY têm aumento da frequência de transversões
G:C → T:A levou à conclusão que eles devem participar de um reparo comum. Em verdade, havia sido
mostrado que a proteína MutY é capaz de catalisar a remoção de A do par A:GO, um substrato que pode
aparecer na replicação se existirem lesões GO no DNA. Além disto, a proteína MutY permanece ligada ao
DNA após a retirada da A do par A:GO, possivelmente protegendo o sítio GO contra o ataque da Fpg, evitando
quebras duplas.
A superexpressão do gene fpg/mutM corrige completamente o fenótipo mutante mutY. E o duplo
mutante mutY mutM tem uma taxa de mutagênese espontânea que é 20 vezes maior que a soma das taxas dos
dois mutantes isoladamente. Coletivamente estas observações levaram ao modelo de reparação das lesões GO
(Figura VII-25).
VII 26

Dano oxidativo

Replicação

Reparo

Reparo

Replicação
Replicação

Figura VII-25 - Esquema do modelo proposto para eliminação de 8-oxoG do DNA de E.


coli: A) 8-oxoG; B) atividade das enzimas MutY e MutM (Fpg) C) atividade fosfatase de
MutT

Se as lesões GO forem removidas pela MutM antes da replicação, o reparo é efetuado pelo sistema de
excisão de bases normal. Se a lesão GO não é eliminada antes da replicação e a replicação for acurada, entrará
citosina e a Fpg terá outra oportunidade de eliminar a lesão. Entretanto a replicação pode levar à formação do
par A:GO. A excisão de A pela MutY pode iniciar o processo de excisão da hélice não lesada, o que pode
conduzir à formação do par C:GO, que é, outra vez, sujeito à ação da MutM.
Após a remoção da A pela MutY, o ataque a GO pela Fpg é bloqueado pela ligação de MutY ao DNA.
Resta saber como o sistema de excisão de bases consegue contornar este obstáculo e colocar a base certa.
Um terceiro elemento no sistema GO é o gene mutT, cujo produto não é uma DNA glicosilase.
A inativação de mutT causa um aumento de até 10.000 vezes na mutagênese espontânea gerando
transversões A:T → C:G. A proteína codificada por mutT é pequena (15 kDa), tem uma fraca atividade GTPase
trifosfatase, mas é cerca de 1.000 vezes mais ativa sobre a 8-oxo-dGTP (8-oxo-7,8-dihidro-2’-dGTP), originada
da oxidação de dGTP. Sua ação gera 8-oxo-GMP que não é incorporada ao DNA.
A inativação de mutT leva à formação de A:GO durante a replicação e, neste caso, a proteína MutY
conduz à mutagênese A:T → G:C. Em verdade foi verificado que o duplo mutante mutT mutY é menos mutável
espontaneamente que o simples mutante mutT.
Evidentemente a deficiência em proteínas MutY, MutT e MutM acarreta alta taxa de mutagênese
espontânea, devida simplesmente à respiração celular.
O genoma de D. radiodurans codifica múltiplos homólogos de MutT, entretanto o eucarioto S.
cerevisiae, não codifica nem MutT nem MutY.
Em seres humanos genes semelhantes a mutY, mutT e fpg/mutM já foram detectados e a não
funcionalidade do gene fpg/mutM humano é detectada na maioria dos cânceres de pulmão.

Em células humanas o sistema GO atua de maneira semelhante ao descrito para E. coli, evitando
que GO (que pareia igualmente com A e C) conduza às transversões mutagênicas GC→ →TA e AT→ →CG.
Além disto, o sistema GO em humanos envolve outros sistemas de reparação tais como BER, MMR e
NER, como pode ser visto na Figura VII-26.
A proteína MTH1 (MTH = MutT Homolog) é capaz de degradar 8-oxo-dGTP assim como 8-oxo-
dATP e 2 hidroxi-dATP, gerando monofosfatos, que não são incorporados ao DNA. A localização de
MTH1 é ubíqua, sendo encontrada no núcleo, citosol e mitocôndrias, existindo 3 ou 4 variantes (MTHa-
d) nas células.
Em camundongos Mth-/-, aumenta muito a quantidade de tumores espontâneos, embora as
transversões AT→CG não sejam observadas nesses camundongos. Entretanto as transversões GC→TA
aparecem em maior número, assim como inserções/deleções de 1 base em microssatélites de
mononucleotídeos.
VII 27

8-oxo-dG M P

M TH1
M UTA ÇÃ O

A C T G G C A C T T G G
T G A C C G T G A A C G

8 -O xoguanina
Lesão
ox idativa

DN A pol
Replicação

MMR

A C T Go G C A C T Go G C A C T Go G G
T G A A C G T G A C C G T G A A C G

N EIL1
O GG2 RA R OU
OGG1 BER
GO GO A

A C T AP G G A C T AP G C A C T Go G G
T G A A C G T G A C C G T G A AP C G

MM R TCR
BER BER
GGR

A C T T G G A C T G G C
T G A A C G T G A C C G

D NA reparado DN A reparado

F igura V II.12 - R eparo de lesões G O em m am íferos

Figura VII-26 – Mecanismo de reparação das lesões GO em eucariotos

A segunda linha de defesa contra a lesão GO é composta de diversas DNA glicosilases que são
capazes de remover a lesão GO do DNA. O sistema melhor estudado e quantitativamente dominante é a
OGG1 (OGG = Oxo Guanine Glycolylase), também chamada MMH (MutM Homolog), que é a homóloga
humana da MutM/Fpg de E. coli, embora a homologia ao nível de aminoácidos seja muito pequena.
Entretanto é muito grande com a de leveduras e de camundongos.
A enzima só age em hélice dupla e tem alta atividade específica para GO (ou FaPyG)
emparelhados com C. No pareamento com A foi detectada atividade residual.
Mutações no gene OGG1 assim como a perda de heterozigose neste locus foram associadas com
câncer de pulmão, embora a frequência dessas mutações seja muito pequena. Em tumores de rim
aparecem mais frequentemente mutações em OGG1, embora mutações no gene VHL, um supressor
localizado ao lado de OGG1 sejam muito mais importantes para o aparecimento destes carcinomas.
O gene humano OGG1 codifica duas isoformas da enzima α-OGG1 e β -OGG1, resultantes de
“splicing” alternativo de mRNA e as duas isoformas têm sinalização mitocondrial, entretanto, somente
α-OGG1 tem sinalização nuclear.
Recentemente ortólogos humanos da família de proteínas Fpg/Nei foram detectados e designados
NEIL1-3 (NEIL = da família Fpg/Nei). Estas proteínas mostraram-se ativas em pirimidinas oxidadas
como substrato. Entretanto NEIL1 mostrou também grande capacidade para a remoção de GO do par
GO:C (cerca de 10%) de OGG1.
Em células humanas ainda não se detectaram enzimas para a remoção de GO do par GO:A.
Entretanto, em leveduras, a proteína Ogg2 (Ntg1) tem preferência maior para GO:A do que para GO:C.
Em células HeLa uma proteína com as mesmas características também já foi identificada e, sua
atividade é diferente de NEIL1. Adicionalmente NEIL1 catalisa β /δ δ- eliminação enquanto OGG2
catalisa somente β - eliminação.
As células de mamíferos estão equipadas com uma terceira linha de defesa, que consiste na
retirada de A erroneamente incorporada em frente a GO. É a função de MYH (MutY Homolog), uma
DNA glicosilase específica para DNA em hélice dupla que retira A ou 2-hidroxiadenina (2-OH-A)
erroneamente incorporadas em frente a G ou GO.
MYH é regulada pelo ciclo celular, aparecendo em níveis máximos na fase S e co-localiza com
PCNA e também interage com RPA (Replication Protein A), sugerindo uma ação imediata após a ação
do sistema BER, como foi observado para UNG2 e é também relacionada com a reparação dependente
de PCNA, portanto com o BER de longos fragmentos (Ver adiante).
Tumores colo retais são associados, em muitos casos com mutações no gene APC. Entretanto,
algumas famílias com cânceres não têm mutações herdadas em APC. Foi mostrado que em uma destas
famílias os genes APC foram inativados por transversões somáticas G:C → T:A advindas de mutações
herdadas no gene MYH. Consequentemente, mutações em MYH são um exemplo de como uma
deficiência em BER pode predispor para a formação de tumores em humanos.
VII 28

Camundongos deficientes em Ogg1 e Myh têm predisposição para tumores de pulmão, ovário e
também para linfomas, o que não ocorre em simples mutantes. Isto sugeriria a substituição de uma
proteína pela outra para eliminar 8-oxoG. Foi detectado também que isto dependeria do produto do gene
CSB através de um mecanismo ainda desconhecido.

Dímero de pirimidina-DNA-glicosilase (DP-DNA-glicosilase)

Certos organismos possuem DNA glicosilases com atividades AP liases associadas que reconhecem
dímeros de pirimidinas no DNA. A UV-endonuclease de Micrococcus luteus e a UV-endonuclease do fago T4,
codificada pelo gene denV, encontrada em bactérias infectadas são exemplos deste tipo de enzimas.
Estas enzimas reconhecem os dímeros e cortam a ligação glicosídica na posição 5' do dímero.
Posteriormente, cortam a ligação fosfodiéster, deixando uma terminação 3'PO4. Esta terminação é removida
pelas AP endonucleases e a DNA polimerase I e DNA ligase completam a reparação.
A T4-DP-DNA-glicosilase (18 kDa) é absolutamente específica para dímeros de pirimidina. Em sua
ação AP liase ela deixa sempre terminais 5’ (Figura VII-27). A fotorreativação libera timina o que comprova a
ação DNA glicosilase. A de M. luteus também tem 18 kDa e age da mesma maneira.

DP-DNA glicosilase

3’ AP liase

Monomerização do dímero
(fotoliase)

Figura VII-27 - Esquema proposto para o mecanismo de eliminação de dímeros


pela DP-DNA glicosilase do bacteriófago T4.

Recentemente um homólogo funcional dessas enzimas foi detectado em Neisseria mucosa, na qual
Nmu-PdgI e II e cortam o DNA contendo diversas lesões produzidas por UV assim como alguns tipos de lesões
oxidativas, de uma maneira idêntica, isto é DNA glicosilase com AP liase associada.
É interessante salientar que estas endonucleases podem substituir deficiências de excisão em E. coli
assim como em células de mamíferos, entretanto o DNA do gene denV não hibridiza com o DNA total do M.
luteus.

DNA endonuclease III (Timina Glicol DNA glicosilase ou TG-DNA glicosilase)

Esta enzima, designada endonuclease III, foi purificada e mostrou ser uma DNA glicosilase/AP liase
(β-eliminação) que ataca lesões de pirimidinas, mas não os dímeros ou adutos 6-4. Ela recebeu numerosas
designações: timina glicol-DNA glicosilase, uréia-DNA glicosilase, endonuclease de raios X, endonuclease de
raios gama, redoxiendonuclease e simplesmente endonuclease.
Ela é capaz de reconhecer resíduos de pirimidina tais como: timina glicol, 5,6-dihidrotimina, uréia,
ácido beta-ureidoisobutirico, 5-hidroxi-6-hidrotimina, uracil glicol, 5,6-dihidrouracil e 5-hidroxi-6-hidrouracil,
5-hidroxi-2-deoxicitidina e 5-hidroxi-2’-deoxiuridina entre outros, como substrato. Recentemente foi reportado
que a endonuclease III também ataca resíduos de guanina no DNA lesado por agentes oxidantes.
A enzima é codificada pelo gene nth (“endonuclease three”) e tem 23,4 kDa. Ela tem um núcleo Fe-S
que se liga ao DNA, conhecido como “dedo de zinco primitivo”, e parece ser um novo domínio que
aparentemente também existe na proteína MutY.
VII 29

Embora a maioria das bases reparadas pela endonuclease III in vitro seja formada como resultado da
radiação ou oxidação, os mutantes nth não são mais sensíveis que as cepas selvagens ao peróxido de hidrogênio
ou à radiação ionizante. Entretanto, a deficiência neste gene em E. coli leva a um grande número de mutações
espontâneas, mostrando a existência de lesões mutagênicas não reparadas produzidas por agentes endógenos.

Endonuclease VIII

A endonuclease VIII foi purificada em mutantes deficientes em endonuclease III e mostrou uma
atividade TG-DNA glicosilase assim como atividade AP liase. O gene (nei) foi isolado e codifica uma proteína
similar à endonuclease III, exceto que ela tem atividade β,δ liase em vez de somente β. Todos os substratos
para endonuclease III são também para endonuclease VIII, embora ela contribua com menos de 10% da
atividade de reparação e não é claro por que a E. coli teria esta enzima redundante.
Culturas de E. coli deficientes em nei e nth são hipersensíveis a peróxido de hidrogênio e radiações
ionizantes. Estes duplos mutantes também apresentam mutagênese espontânea 20 vezes maior que a cepa
selvagem, principalmente transições C → T. Isto sugere que a função biológica destas enzimas seria o reparo
dos produtos de desaminação das citosinas oxidadas, que pareiam como timinas.

A endonuclease III humana (NTHL1) tem atividade similar a Nth de E. coli e remove uréia e
outras pirimidinas oxidadas. Em camundongos existem pelo menos duas atividades enzimáticas com
atividade semelhante, o que parece refletir a situação de Nei e Nth em E. coli.
Os produtos gênicos em mamíferos com similaridade com Nei e Fpg são designados NEIL1,
NEIL2 e NEIL3. Seus substratos preferidos são pirimidinas oxidadas e resíduos FaPy, sendo pouco
eficientes sobre 8-oxoG. Camundongos com supressão de NEIL1 tornam-se hipersensíveis a radiação γ.

Fpg glicosilase/ Fpg/MutM-DNA-glicosilase /8-hidroxiguanina-DNA glicosilase

A 7-metil-guanina é a mais abundante lesão produzida por agentes metilantes. Este aduto não é letal,
mas a metilação pode levar à abertura do anel imidazol conduzindo à formação de 2,6-diamino-4-hidroxi-5-
(metil) formamidopirimidina (FaPy), que inibe a replicação, podendo ser letal.
Em E. coli, a glicosilase Fpg/MutM (formamidopirimidina-DNA- glicosilase ou Fpg glicosilase),
codificada pelo gene fpg/mutM elimina esta base lesada, sendo também capaz de eliminar a 4,6-diamino-5-
formamidopirimidina gerada pela irradiação com raios X ou γ e por tratamentos com agentes oxidantes como o
peróxido de hidrogênio. Estudos subsequentes mostraram que a Fpg e outra enzima (8-hidroxiguanina
endonuclease ou 8-oxoG-DNA glicosilase), que reconhece 8-hidroxiguanina (ou GO) no DNA eram idênticas.
O gene fpg/mutM foi clonado e a proteína gerada (31 kDa) só age no DNA em hélice dupla.
Os mutantes fpg/mutM, embora não sejam sensíveis às radiações ionizantes ou agentes alquilantes,
demonstram uma taxa um pouco elevada de mutagênese espontânea (transversão G:C →T:A).
A glicosilase Fpg difere das demais, já que tem uma AP liase classe I associada, que faz β,δ-eliminação
e uma atividade desoxirribofosfodiesterase (dRPase). Assim, a Fpg mesmo tendo muitas ações não consegue
liberar a base, clivar a cadeia e processar os terminais para a síntese de reparação, já que deixa um terminal
3’PO4, que necessita uma 3’–diesterase para sua remoção. A ação de Fpg forma uma base de Schiff
intermediária, um mecanismo idêntico ao descrito para a endonuclease III. O significado biológico para as
atividades AP liase e dRPase associadas à FaPy ainda não é conhecido.
Além das lesões citadas, recentemente foi mostrado que a Fpg também é capaz de reconhecer 5-
hidroxicitosina, 5-hidroxiuracil e anéis imidazol abertos contendo aminofluoreno ou aflatoxina.

Uma das mais abundantes lesões induzidas no DNA pelas radiações ionizantes e estresses
oxidativos é a 7,8-dihidro-o-oxoguanina (GO). A 8-oxoG-DNA glicosilase foi primeiro identificada em E.
coli como uma atividade que liberava formamido pirimidinas (geradas como produtos secundários de
purinas alquiladas) do DNA. A enzima foi denominada Fpg e o gene fpg/mutM foi clonado. Mais tarde
foi detectado que ela é a enzima responsável pela eliminação de GO no DNA de E. coli e de células de
mamíferos.
Esta lesão, a GO, é uma fonte importante de mutações espontâneas e a expressão do gene
fpg/mutM de E. coli em células de mamíferos protege-as contra a mutagênese induzida pelos raios X. Isto
pode explicar porque tanto em procariotos como em eucariotos existem quatro mecanismos para a
eliminação de GO: a) Uma 8-oxoGTPase (MTH) (MutT Homolog), que hidrolisa 8-oxodGTP do “pool”
VII 30

de nucleotídeos, gerando 8-oxodGMP, impedindo sua incorporação no DNA; b) A 8-oxoG DNA


glicosilase que remove a base oxidada do DNA; c) A metil purina-DNA glicosilase (MPG), que remove
GO por ação glicosídica e d) Uma DNA glicosilase, MutY em E. coli e MYH em humanos que remove o
resíduo adenina do par GO:A.
A lesão GO pareia com A em alta frequência e embora o par GO:C seja um bom substrato para
a DNA glicosilase, o par GO:A não é. Além disto, a DNA glicosilase MYH ajuda a reparação da lesão
GO indiretamente, iniciando uma reação de reparo que converte GO:A em GO:C.
A Fpg/MutM de E. coli é um monômero de 30 kDa e tem um “dedo de zinco”, responsável pela
sua afinidade pelo DNA. A enzima libera a base por uma ação glicosídica e então o sítio AP é clivado por
β e δ-eliminação. A enzima humana também libera a base e a desoxirribose em uma reação em duas
etapas.
Quando o cDNA do gene MTH é expresso em mutantes mutT de E. coli verifica-se aumento
significativo de atividade 8-oxo-dGTPase, e grande diminuição da mutagênese espontânea, característica
destas cepas. A proteína codificada tem 156 aminoácidos e homologia com a proteína MutT de E. coli.
O gene MYH contém 15 introns e 7,1 kb. Os 16 exons codificam uma proteína (MYH) de 535
aminoácidos (65 kDa), com 41% de identidade com a proteína MutY de E. coli. O gene humano mapeia
no cromossomo 1, entre p32.1 e p34.3.
Em células humanas a proteína homóloga de Fpg foi denominada OGG1, entretanto ela tem
muito pouca homologia com a proteína bacteriana. O gene OGG1 foi localizado no cromossomo 3 entre
p25 e p26, em uma região comumente deletada em cânceres de pulmão. Ele pode, possivelmente,
funcionar como um gene humano supressor de tumores e a perda parcial ou total das proteínas humanas
OGG1 pode predispor as células para a transformação oncogênica, como visto anteriormente.

AP ENDONUCLEASES

Os sítios AP podem aparecer espontaneamente pela hidrólise da ligação glicosídica e, em diversos


estudos foi sugerido que mais de 25.000 sítios AP sejam gerados por dia por célula humana em condições
fisiológicas normais.
Um mecanismo alternativo para a incisão do DNA durante o reparo por excisão de bases pode ser a
hidrólise das ligações glicosídicas seguida da hidrólise da ligação fosfodiéster catalisada por uma 5’ AP
endonuclease deixando terminais 3’OH e 5’PO4, portanto, as AP liases in vivo devem ter um papel secundário
na incisão do DNA nos sítios AP.
As AP endonucleases clivam as ligações fosfodiéster adjacentes aos sítios AP. As enzimas da classe I
clivam a ligação 3’, e as de classe II clivam a ligação 5’ do açúcar abásico. Todas as enzimas de classe I
conhecidas são glicosilases com AP liases associadas. As de classe II não têm AP glicosilases associadas e são
as “verdadeiras” AP endonucleases.

AP endonucleases em E. coli

Exonuclease III

A exonuclease III foi caracterizada como uma 3’ → 5’ exonuclease (necessita de terminal 3’OH e dupla
hélice) com uma atividade fosfatase associada.
Além destas ações ela também degrada copolímeros mistos de ribo e deoxiribonucleotídeos, o que
corresponde a uma atividade RNaseH. A exonuclease III tem também uma atividade fosfodiesterase que
remove resíduos 3’-fosfoglicolato do DNA. Esta atividade pode também remover os resíduos aldeído 3’ α, β
insaturados gerados após a β-eliminação nos sítios AP. Isto pode ser mostrado, pois a exonuclease III pode
ativar o DNA incisado pela AP liase da endonuclease III para servir de “primer-template” para a PolI de E. coli.
Além disto, a enzima também tem uma atividade 5’ AP endonuclease, que antes de ser caracterizada foi
denominada de endonuclease II e também endonuclease VI.
A exonuclease III, produto do gene xthA, é uma proteína de 28 kDa e a atividade endonuclease tem
necessidade absoluta de Mg2+ e é inibida em presença de EDTA. A enzima catalisa a hidrólise, em hélice dupla,
de sítios AP no lado 5’ da perda da base deixando terminais 3’OH e 5’dRPO4.
A presença de diversas funções catalíticas associadas a uma pequena proteína sugere que um único sitio
ativo catalise todas as reações enzimáticas da exonuclease III, através de três importantes domínios em sua
estrutura. Um é o sítio ativo que catalisa a clivagem das ligações fosfodiéster em uma das hélices do DNA. O
VII 31

segundo reconhece a estrutura de dupla hélice e o terceiro reconheceria o espaço deixado pela base retirada,
facilitando a função AP endonuclease.
O papel biológico da atividade AP endonuclease da exonuclease III ainda não é claro, mas os mutantes
xthA são sensíveis ao peróxido de hidrogênio e às radiações UV longas que produzem lesões oxidativas no
DNA.
A natureza das lesões responsáveis por tal fenótipo não é conhecida, mas, os radicais livres produzidos
pelo peróxido de hidrogênio podem gerar quebras simples com terminais 3’PO4 e a exonuclease III é
responsável por mais de 99% da atividade 3’-fosfatase em E. coli. Além disto, a exonuclease III também ataca
DNA contendo produtos de fragmentação de timina como resíduos de uréia, sugerindo que esta enzima tem um
papel no reparo de lesões oxidativas.
Mutações no gene katF (rpoS), também resultam em sensibilidade aumentada à radiação UV longo e
peróxido de hidrogênio. Este gene codifica o fator sigma (σ) e a sua deficiência elimina a expressão da
exonuclease III, sugerindo de o gene xthA seja regulado por katF.

Endonuclease IV

A endonuclease IV foi identificada como uma AP endonuclease resistente a EDTA. Entretanto, em


ausência do substrato (DNA), a endonuclease IV pode ser inativada por pré-incubação com agentes quelantes
de metais, tais como: EDTA ou 1,10-fenantrolina, sugerindo que a enzima contém um componente metálico
essencial.
Parecida com a atividade da exonuclease III, a endonuclease IV ataca as ligações fosfodiéster no lado
5’ da perda da base, deixando grupos 3’OH. Adicionalmente ela também pode remover fosfoglicoaldeído, 3’-
fosfato, desoxirribose-5-fosfato e resíduos 4-hidroxi-2-pentenal do terminal 3’ do DNA dupla fita. Ela também
tem uma ação contra resíduos de uréia. Em verdade, a única diferença é que a exonuclease III tem uma ação 3’-
exonuclease que não está presente na endonuclease IV.
O gene que codifica a endonuclease IV é o nfo (“endonuclease four”), e a proteína tem 31,6 kDa.
Os mutantes deficientes em endonuclease IV são sensíveis a MMS, mitomicina C e aos agentes
oxidantes tert-butil hidroperóxido e bleomicina. Em mutantes duplos nfo xthA a sensibilidade a estes agentes e
às radiações ionizantes é aumentada. Os mutantes nfo são mais sensíveis ao tert-butil hidroperóxido e à
bleomicina que os mutantes xthA sugerindo que a endonuclease IV pode reconhecer algumas lesões que não são
reconhecidas pela exonuclease III. Em verdade, recentemente, foi detectado que a bleomicina gera uma lesão
específica no DNA que requer a endonuclease IV para um reparo eficiente.
Agentes químicos como paraquat e menadiona, que são reduzidos enzimaticamente in vivo via
transferência de um elétron e então autooxidados gerando radicais superóxido, induzem aumento de 10 a 20
vezes no nível de endonuclease IV. A endonuclease IV também é induzida quando as células deficientes em
superóxido dismutase são cultivadas em presença de oxigênio puro, e esta indução é independente do gene
oxyR que controla o regulon de estresse oxidativo induzido por peróxido.
A endonuclease IV está presente nas células em níveis dez vezes menores que a exonuclease III,
entretanto chega a níveis equivalentes à exonuclease III após tratamento das células com agentes que geram
superóxido ou pelo oxido nítrico, que ativam o regulon SoxRS (Ver adiante).
Na Figura VII-28 estão representadas as diferentes vias de cortes do DNA pelas DNA glicosilases com
AP liases associadas (Endo III, Endo VIII e Fpg) e as AP endonucleases (Exo III e Endo IV).
Recentemente foi detectado que a endonuclease IV também é capaz de clivar o DNA do lado 5’ de
algumas pirimidinas oxidadas, independentemente da ação das glicosilases, mecanismo denominado de reparo
por incisão de nucleotídeos (NIR).

AP endonucleases em eucariotos

Em eucariotos há uma dicotomia: em leveduras existem duas AP endonucleases (Apn1 e Apn2)


que são estruturalmente e funcionalmente semelhantes à endonuclease IV e exonuclease III
respectivamente, enquanto em Drosófila e em humanos existe somente uma endonuclease estrutural e
funcionalmente homóloga à exonuclease III.
Os sítios AP bloqueiam a transcrição e a replicação sendo, portanto, citotóxicos e altamente
mutagênicos. As AP endonucleases realizam duas funções: elas eliminam os sítios AP gerados pelas DNA
glicosilases, ou perda espontânea de bases (depurinações que ocorrem com alta frequência),
posteriormente, elas “limpam” os terminais 3’ das quebras geradas por espécies ativas de oxigênio e
radiações ionizantes. Tais quebras, normalmente deixam 3’-fosfoglicolato ou 3’-fosfato. As AP
VII 32

endonucleases de classe II eliminam essas espécies gerando um terminal 3’-OH que pode ser usado pela
DNA polimerase.

Exo III, Endo


E IV Endo III, Endo VIII, Fpg

xthA, nfo nth, nei, fpg

Figura VII-28 – Representação dos cortes de AP liases e AP endonucleases bacterianas

A proteína Apn2 de S. cerevisiae tem atividade AP endonuclease, 3’fosfodiesterase e 3’→ 5’


exonuclease. A Apn1, responsável por mais de 90% da atividade AP endonuclease é semelhante à
endonuclease IV de E. coli e o gene APN1 pode complementar a sensibildade de mutantes nfo de E. coli a
agentes alquilantes e oxidantes, entretanto não complementa mutantes xthA, o que é feito pelo gene
APN2.
A AP endonuclease humana APEX1(APE1), produto do gene APE1, é um monômero de 36 kDa,
com um alto grau de identidade com a exonuclease III de E. coli e em adição à atividade 5’AP
endonuclease ela também tem uma atividade 3’→ →5’ exonuclease específica para DNA em hélice dupla.
O polipeptídeo codificado por APE1 mostrou ser o mesmo da proteína regulatória nuclear
chamada REF1, um fator redox que se acredita regular o fator de transcrição AP-1 do heterodímero
FOS-JUN através da redução de um resíduo de cisteína localizado no domínio de ligação ao DNA. O
domínio N-terminal de 61 aminoácidos da proteína humana que não é conservado nos outros organismos
e que também é dispensável para a função AP endonuclease é essencial para a atividade de ligação ao
DNA da proteína JUN oxidada. A enzima bacteriana não pode substituir esta função.
Não se conhece doença humana associada a mutações neste gene, entretanto, em camundongos a
inativação de Ape1 leva à morte de embriões, logo após a implantação. A manutenção de uma cópia
funcional de Ape1 mantém a viabilidade dos camundongos, mas com sinais de estresse oxidativo e as
células desses animais são muito sensíveis a agentes oxidativos. Adicionalmente camundongos deficientes
em Xpc e com um alelo de Ape1 são mais mutáveis por UV-B que os que têm os dois alelos funcionais.

O gene APE1, antes designado HAP1 (HAP = Human AP) é constituído por 5 exons e mapeia no
cromossoma 14q11.2-12. A sequência de aminoácidos da proteína tem homologia com a exonuclease III
de E. coli, BAP1 de bovinos, Ape1 de camundongos e Rrp1 de Drosófila.
Mutantes duplos dut xth(Ts) de E. coli, inviáveis a 420C por serem incapazes de reparar sítios AP
causados pela excisão de uracil, podem ser recuperados pelo gene APE1 humano. Entretanto, APE1 não
complementa nenhum dos fenótipos de mutantes nfo.

EVENTOS PÓS-INCISÃO

DNA desoxiribofosfodiesterase de E. coli.

Para completar a excisão o processo requer a remoção do resíduo 5’-desoxirribose fosfato. Em E. coli
foi detectada uma proteína designada DNA-desoxirribofosfodisterase (dRPase) de 50-55 kDa que cliva por
hidrólise o 2-desoxirribo-5’-fosfato.
VII 33

Preparações altamente purificadas de dRPase parecem ser idênticas ao produto do gene recJ de E. coli,
um gene implicado no reparo recombinacional e na correção de erros de emparelhamento, com uma atividade
exonuclease 5’ → 3’ para hélice simples.
A ação combinada de DNA glicosilases, AP endonucleases e dRPase deve deixar uma lacuna de um
nucleotídeo no DNA que pode ser fechado por uma das DNA polimerases.
Em verdade, quando oligonucleotídeos contendo um simples resíduo dUMP são incubados com
extratos de E. coli ou células humanas o tamanho do evento de reparo é de um nucleotídeo.
No caso das terminações deixadas pela Endonuclease III, aparentemente tanto a PolI como a PolIII,
com sua ação 5’→3’ exonuclease são capazes de realizar o término da reparação, e talvez por isso o fago T4
irradiado com UV tenha uma sobrevivência reduzida em hospedeiras deficientes em PolI comparada com a
obtida na cepa selvagem.

Células de mamíferos contêm N-glicosilases e AP-endonucleases, que parecem atuar por


mecanismos análogos aos observados em E. coli; da mesma forma, uma insertase para purinas já foi
isolada destas células e uma dRPase também foi parcialmente purificada de células humanas. Ela tem
massa molecular de 47kDa e está localizada no núcleo.

Síntese de reparo
DNA polimerase I de E. coli (PolI)

É uma proteína com 109 kDa, produto do gene polA, que tem funções catalíticas para polimerização do
DNA na direção 5’→3’, pirofosforólise, troca PPi, degradação exonucleolítica 3’→5’ e degradação
exonucleolítica 5’→3’. Ela tem uma propriedade única que é a capacidade promover a replicação a partir de
uma incisão, sem necessidade de outras proteínas, e sua atividade exonucleolítica 5’→3’ pode excisar
fragmentos contendo mais de 10 nucleotídeos. Além disto, um ciclo de aproximadamente 20 etapas de
polimerização ocorre antes que a enzima se dissocie lentamente da fita molde.
Na digestão proteolítica da PolI são detectados dois fragmentos: o Klenow (carboxi terminal) que
contém a função editorial 3’→5’ e o pequeno fragmento que possui a atividade exonuclease 5’→3’ envolvida
na degradação da porção do RNA dos fragmentos de Okazaki e separação da hélice 5’ durante a translação de
quebras.
A abundância relativa de PolI (200-400 moléculas/célula) comparada com a PolII (40 moléculas/célula)
e PolIII (10-20 moléculas/célula) também sugere um papel da PolI I na síntese de reparo. No entanto, todas as
polimerases são capazes de funcionar in vivo e in vitro no DNA com lacunas criadas pelo sistema
endonucleolítico UvrABC (ver adiante).

DNA polimerase II de E. coli (PolII)

Esta enzima, produto do gene polB (90 kDa), não tem atividade exonucleásica 5’→3’, necessitando de
lacunas de perto de 100 nucleotídeos para sua ação.
O gene clonado de polB mostrou ser o dinA, um dos diversos genes sob controle do regulon SOS
recA/lexA (ver adiante).

DNA polimerase III de E. coli (PolIII)

A DNA polimerase III é um dímero com dois complexos multiproteicos com 10 subunidades diferentes
e tem atividades exonuclease 3’→5’ e 5’→3’.
A DNA polimerase III não consegue degradar dinucleotídeos e requer um substrato em hélice simples
para sua ação exonucleásica 5’→3’.
Uma forma pequena da subunidade β da PolIII (β*) é sintetizada em resposta à radiação UV e este fator
pode agir como uma unidade alternativa da DNA polimerase III durante a síntese com erros. A DNA
polimerase III é necessária para o reparo correto das lesões de H2O2 e MMS.

DNA ligase de E. coli


VII 34

Para que a reparação se complete, a DNA polimerase I insere alguns nucleotídeos (10 a 20) na lacuna
deixada pelas AP endonucleases e a DNA ligase completa a reparação.
A DNA ligase, produto do gene ligA tem 77kDa e catalisa aproximadamente 25 ligações por minuto de
terminais 3’OH- 5’PO4, e existem de 200 a 400 moléculas/célula.
Na Figura VII-29 está representado o processo geral de reparação por excisão de bases em E. coli.
5’ 3’

3’ 5’

MODIFICAÇÃO DE BASE (EX.: ALQUILAÇÃO, OXIDAÇÃO)

5’ 3’

5’
3’

(DNA GLICOSILASE OU PERDA ESPONTÂNEA)


REMOÇÃO DA BASE
5’ 3’

3’ 5’

3’-AP Liase (Classe I)


5’-AP Endonuclease (Classe II)*
P
5’ OH 3’ 5’ 3’

3’ 5’ 3’ 5’

Desoxirribofosfodiesterase 3’-Diesterase de reparo*

P
5’ OH 3’

3’ 5’

Polimerização (DNA pol I) Ligação (DNA ligase)


5’ 3’

3’ 5’

Figura VII-29 - Esquema do modelo proposto para o reparo por excisão de bases em E. coli

O mecanismo BER em mamíferos

Em células de mamíferos o reconhecimento das lesões é feito por 11 diferentes glicosilases


caracterizadas por diferentes substratos, especificando seus modos de ação (Tabela VII-1)

Tabela VII-1- DNA glicosilases em humanos


Glicosilase Especificidade
MBD4 U e T na frente de G
MPG 3-MeA, 7-MeG, 3-MeG etenoA, hipoxantina

MYH A na frente 8-OxoG


NEIL1 Formamidopirimidina, pirimidinas oxidadas (ex.
timina glicol)

NEIL2 5-hidroxiuracil: hidroxicitosina


NEIL3 Pirimidinas fragmentadas e oxidadas

NTHL1 Pirimidinas com anel saturado, oxidadas e


fragmentadas
OGG1 8-OxoG pareada com C, T e G

OGG2* 8-OxoG em frente de G e A


SMUG1 Uracil
TDG U, T ou etenoC na frente de GT na frente de G, C
eT

UNG Uracil
* Ainda discutível

As do tipo I removem a base, gerando um sítio AP (Ex. MPG), enquanto as do tipo II removem a
base e subsequentemente clivam o sítio AP por uma atividade 3’endonuclease (AP liase) gerando quebras
simples (Ex. OGG1). Após a ação das glicosilases do tipo I a incisão no sítio AP ocorre por AP
endonucleases APE1, resultando em 5’dRPO4 e 3’OH.
VII 35

A endonuclease APE1 é estimulada por XRCC1 (XRCC = X Rays Cross Complementating) e o


resíduo pode ser na forma de furanose ou aldeído.
Basicamente as células de mamíferos utilizam duas maneiras distintas de completar a reparação
por excisão de bases. No primeiro caso há a inserção de um único nucleotídeo, através da Polβ β que, após
essa inserção, retira o 5’dRPO4, já que ela tem atividade liase e pode liberar a forma hemiacetal do
5’dRPO4 por β eliminação.
Entretanto, a Polβ β também age na reparação em longos fragmentos. A remoção do 5’dRPO4 após
a remoção do primeiro nucleotídeo é o ponto de decisão entre BER curto (1 nucleotídeo) e longo (10-13
nucleotídeos).
Sítios AP oxidados ou reduzidos, aldeídos 3’-insaturados ou 3’ fosfatos são resistentes à β -
eliminação pela Polβ β , portanto, após a inserção do primeiro nucleotídeo ela se dissocia e o processamento
agora depende de PCNA, o que ocorre em aproximadamente 25% das lesões.
A natureza da DNA glicosilase (e da lesão) também influencia na escolha do caminho. A
reparação de hipoxantina ou etenoadenina iniciada por MPG utiliza os dois mecanismos enquanto a
reparação de 8-oxoG iniciada por OGG1 vai sempre pelo caminho curto.
Em uma reação dependente de PCNA a Polβ β polimeriza trechos de DNA. A decisão entre
inserção de uma base ou de várias dependeria da concentração de ATP no sítio AP, o que aparentemente
é modulado por LIG3 e XRCC1, sendo que o caminho curto ocorre em altas concentrações de ATP e o
caminho longo em baixas. Em verdade foi mostrado que XRCC1 interage com Polβ β no caso do BER
curto.
Por outro lado aparentemente PCNA estimula o caminho longo quando Polβ β ou Polδ são usadas
para a síntese de reparo com auxilio de RCF (Replication Factor C) resultando na incorporação de mais
de 10 nucleotídeos. Portanto, PCNA promove o caminho longo de BER pela sua interação e coordenação
das atividades de Polimerase e FEN1.
A remoção da estrutura resultante (5’-dRPflap) é realizada pela FEN1 (FEN= Flap
ENndonuclease) estimulada por PCNA.
A ligação, neste caso é feita pela DNA ligase I, que interage com Polβ β e PCNA.
No caso anterior, em que somente 1 nucleotídeo é incorporado, a ligação é feita pela DNA ligase
III, que interage com a Polβ β , XRCC1 e PARP [poli(ADP-ribose)polimerase-1].
É interessante salientar que a proteína p53 estimula BER “in vitro” pela interação direta com
APE1 e Polβ β , estabilizando a ligação de Pol β aos sítios AP.
Nas mitocôndrias, a única polimerase, a DNA Pol γ polimeriza e tem atividade dRPase,
funcionando no BER.
Outras polimerases nucleares DNA Pol λ e DNA Pol ι, podem remover resíduos dRP e podem
substituir a DNA Pol β, em reações in vitro.
Células de mamíferos codificam três ligases diferentes LIGI, LIGIII e LIGIV e tanto a I como a
III podem atuar no BER curto in vitro. A LIGIV está associada ao reparo de quebras duplas.
A LIGI completa o reparo pós-replicativo dos fragmentos de Okazaki após a excisão do primer
de RNA por FEN1. Seu ortólogo em S. cerevisiae é codificado por CDC9.
A LIGIII catalisa a maioria dos eventos de BER curto e tem duas isoformas designadas Ligase
IIIα eLigase IIIβ.

Polinucleotídeo cinase fosfatase (PNPK).

Algumas DNA glicosilases/AP liases como as enzimas NEIL1 e NEIL2 de mamíferos podem fazer
delta eliminação, o que necessita uma nova estratégia para o BER. O 3’fosfato pode ser convertido em
3’OH pela ação de PNPK, resultando em uma lacuna de um nucleotídeo, delimitada por 3’OH e
5’fosfato. PNPK é a principal enzima de mamíferos com atividade 3’fosfatase.
A lacuna pode ser preenchida pela DNA Polβ e ligada, constituindo um mecanismo de BER que
pode ocorrer independentemente de AP endonucleases e pode ser importante em algumas lesões
produzidas por agentes oxidativos.
Nas Figuras VII-30 e VII-31 estão representados os modelos propostos para a reparação de bases
em células de mamíferos.
VII 36

- - - - - - - -
⊥ ⊥ ⊥⊥⊥⊥⊥⊥ REPA RO PO R
G li c o s i la s e EX CIS Ã O D E BA SE
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F ig u r a V II . 1 6

Figura VII-30 – Reparação de bases em mamíferos

Figura VII-31 – Reparação de bases em mamíferos

Reparação de quebras simples em humanos

As quebras simples aparecem com uma frequência de dezenas de milhares por célula por dia pelo
ataque direto de metabolitos intracelulares e por quebras espontâneas, sendo definidas como
descontinuidades em uma das hélices do DNA.
A fonte mais comum das quebras simples é o ataque oxidativo por ERO endógenas e estas
quebras ocorrem três ordens de grandeza mais frequentemente que as quebras duplas. Elas surgem
diretamente pela desintegração do açúcar oxidado ou indiretamente durante o processo de reparação por
excisão de bases, das bases oxidadas, sítios abásicos ou bases alteradas de outras maneiras. As quebras
podem surgir também como resultado de um erro ou atividade errônea de enzimas como a
topoisomerase 1 (Topo 1).
A Topo 1 cria um complexo intermediário contendo um corte na hélice durante a transcrição ou
replicação para relaxar o DNA. Este complexo é rapidamente fechado pela Topo 1, entretanto, em
algumas situações, a Topo 1 pode converter o complexo em uma ligação Topo 1-quebra simples ou Topo
1-quebra dupla, no qual a Topo 1 fica ligada à extremidade 3’ da quebra, simples ou dupla. A deficiência
VII 37

na reparação deste tipo de lesão está associada à Ataxia Espinocerebelar com Neuropatia Axonal
1(SCAN1).
De modo geral a não reparação de quebras simples em células proliferativas é o bloqueio ou
colapso das forquilhas na fase S, levando à formação de quebras duplas. Um grande número de quebras
pode levar à instabilidade e morte celular. Em células não proliferativas as quebras simples levam à
parada de RNA polimerase durante a transcrição. Em algumas situações as quebras podem induzir a
morte celular pela excessiva ativação da proteína sensora de quebras simples, a poli(ADP-ribose)
polimerase 1 (PARP1).
A ativação prolongada de PARP1 leva à diminuição de NAD+ e ATP e/ou liberação do fator de
indução de apoptose pela mitocôndria. Este tipo de morte é relevante em condições patológicas como
diabete, artrite e pós-isquemia de ataque cardíaco.
A maioria das quebras simples é reparada por um mecanismo global que pode ser dividido em
quatro etapas básicas: detecção, processamento das pontas, síntese da lacuna e ligação.
As quebras devidas à degradação da desoxirribose oxidada são detectadas por PARP1, que se liga
e é ativada pela quebra. Ela rapidamente se automodifica e ribosila outras proteínas com cadeias de poli
(ADP-ribose) (pADPr). Uma vez ribosilada ela se dissocia do DNA e as pADPr, junto com ela, são
degradadas pela poli(ADP-ribose) glicosilase (PARG), restaurando o sistema sensor de quebras simples.
Aparentemente PARP1 também participa indiretamente do sistema de excisão de bases, mas não está
claro se participa na detecção do Topo 1-quebra simples.
PARP1 parece também acelerar o reparo regulando a estrutura da cromatina, ribosilando
histonas e dissolvendo nucleossomas, criando “foci” para o acesso das proteínas de reparação.
A maioria, senão todos os terminais 3’ e 5’ são lesões e precisam ser restaurados para originar 3’-
OH e 5’- fosfato, para que a síntese da lacuna e a ligação possam ocorrer e diversas enzimas são
responsáveis por este processo, para evitar a citotoxicidade. Por exemplo, a remoção do terminal
5’desoxirribose (5’- dRP) fosfato pela DNA polimerase β é mais importante para manter a resistência
celular do que o seu papel na polimerização da lacuna. A não remoção dos terminais leva ao colapso das
forquilhas de replicação e à inativação.
Terminais 3’- fosfato e 3”- fosfoglicolato são os mais comumente induzidos por ERO e são
substrato para a polinucleotídeo cinase 3’ – fosfatase (PNKP) e AP endonuclease I (APE1)
respectivamente. Por outro lado as quebras devidas ao BER normalmente contém o terminal 5’ – dRP,
criado pela ação de APE1 nos sítios abásicos e é eliminado pela ação liase da DNA polimerase β.
Entretanto, quando esse terminal está oxidado o reparo é desviado para o reparo em longos fragmentos e
a lesão será removida pela flap endonuclease (FEN1).
Outros terminais deixados por BER podem ser o 3’- fosfato e o 3’-α,β aldeído insaturado, criado
por DNA glicosilases com atividade AP liase e estes terminais são substratos para PNKP e APE1
respectivamente.
Outros terminais são os 3’- Topo 1 – quebra simples e 5’- AMP – quebra simples. O primeiro é
processado pela tirosil-DNA fosfodiesterase 1 (TDP1) e o segundo, ligado por uma ponte pirofosfato,
devido à falha na ligação, é processado pela aprataxina (APTX).
É importante salientar que XRCC1 é particularmente importante, interagindo diretamente com
PNKP, APTS e DNA pol β e indiretamente, através da DNA ligase IIIα3, com TDP1. Estas interações são
importantes para acumular estas enzimas nas lesões oxidativas.
A síntese das lacunas normalmente ocorre pela inserção de uma base (reparo curto), mas em
alguns casos é necessário usar o reparo longo. A DNA pol β é a polimerase usada, por exemplo, para as
quebras induzidas por MMS, mas não para as quebras de lesões oxidativas. Neste caso, outras
polimerases como a DNA pol λ ou ι, com atividade dRP liase, podem atuar, ou então o sistema vai pelo
caminho longo com as polimerases β ou δ/ε.
Outras proteínas participam da síntese da lacuna, assim, PARP1 e FEN1 estimulam o caminho
longo pela DNA pol β e o complexo RFC-PCNA, constituído do fator de replicação C (condutor de
PCNA) e o antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) promovem a polimerização por DNA pol
δ/ε. Também neste caso XRCC1 interage com PCNA e DNA pol β, acumulando-as na quebra.
A última etapa do processo é a ligação. No genoma humano foram identificados três genes (LIG1,
LIG3 e LIG4), que codificam 5 polipeptídeos diferentes. LIG3 codifica três polipeptídeos: DNA ligase IIIα
(LIG3α), DNA ligase IIIβ (LIG3β) e uma isoforma mitocondrial (mLIG3).
LIG1, LIG3α e mLIG3 estão implicadas no reparo de quebras simples. mLIG3 interage com
DNA pol γ e é requerida para a integridade do DNA mitocondrial enquanto LIG1 e LIG3α estão
envolvidas no reparo longo e reparo curto, respectivamente. LIG3α precisa interagir com XRCC1 e
VII 38

LIG1 interage com PCNA, para se acumularem no sitio da lesão oxidativa. Como XRCC1 se liga a
PCNA para acumulá-la na lesão, indiretamente XRCC1 acumula também LIG1. Na Figura VII-32 está
representado um modelo para a atuação da PARP, em um modelo de reparação BER em humanos.
Quebra simples
(raios X ou γ)

XPG

Figura VII-32 – Reparação de quebras simples – papel de PARP


Aparentemente todas as enzimas participantes do reparo de quebras simples são constitutivas,
entretanto, em alguns tipos celulares há um pequeno aumento de algumas enzimas tais como XRCC1 e
APE1 em resposta a agentes genotóxicos, estresse oxidativo ou lesões isquêmicas no cérebro,
possivelmente por alterações na expressão gênica.
Nas células em replicação aparentemente existe um sistema acoplado à replicação que
possivelmente opera em conjunto com a recombinação homóloga, uma vez que uma quebra simples
quando é encontrada pelo sistema de replicação se transforma em quebra dupla.
Mutações em genes de reparo de quebras simples conduzem a doenças como SCAN1 e ataxia-
oculomotor apraxia 1 (AOA1). Nesta última os sintomas são parecidos com a ataxia de Friedreich e
ataxia-telangiectasia (AT), porém sem a sensibilidade característica às radiações ionizantes e sem a
predisposição para o câncer, comuns em AT. Mutações em aprataxina (APTX) são responsáveis pelo
aparecimento de AOA1.
Pacientes com SCAN1 exibem atrofia cerebelar e neuropatia periférica e a doença é associada
com mutações em TDP1, que repara terminais Topo 1 – quebra simples.
Como o sistema nervoso consome 20% do oxigênio inalado, isto acarreta alto nível de estresse
oxidativo e são encontrados baixos níveis de enzimas antioxidantes o que conduz à suposição de que
outras doenças neurológicas nas quais o estresse oxidativo é o fator etiológico (Parkinson e Alzheimer)
seriam consequência de defeitos de reparo em quebras simples, assim como o declínio neurológico
durante o envelhecimento normal.

REPARAÇÃO NIR

Existem duas clases de endonucleases que reconhecem lesões em bases; a Endo IV de E. coli e a APE1
humana são representativas da primeira classe e a endonuclease V da segunda. A maior função da Endo IV e
APE1 é o reconhecimento e processamento de sitios AP como parte do BER, entretanto, ambas as enzimas
também podem incisar o DNA em algumas bases lesadas por oxidação.
A maior função da Endo V é a incisão a 3’ de bases desaminadas no DNA. Uma terceira classe existe
em E. coli é a Vsr que reconhece erros T:G e cliva a 5’ do erro, como já visto.
A Endo IV de E. coli é capaz de clivar o DNA a 5’ de várias bases oxidadas tais como 5,6-
dihidrouracil, 5,6- dihidrotimina, e 5-hidroxiuracil, que também são substrato para a APE1 humana.
Posteriormente foi mostrado que estas enzimas também clivam o DNA a 5’ de α-deoxiadenosina e α-
deoxitimidina (nucleotídeos com a deoxiribose na forma α-anomérica). Foi mostrado que as ações de NIR e
VII 39

BER dessas enzimas são em sítos separados, estando a ação de NIR na porção N-terminal. O modo de
reconhecimento dessas enzimas ainda não está esclarecido.
Recentemente foi detectado que a proteína Endo IV tem atividade exonuclease 3’→ 5’ no mesmo sítio
que a função de NIR, já que mutanes com a substituição de dois aminoácidos perdem um dedo de zinco e as
duas funções são inativadas. Foi sugerido que a reparação NIR acoplada à exonuclease 3’ → 5’ previne a
formação de quebras duplas que ocorreriam quando as lesões estão proximas das duas hélices.

Endonuclease V

A endonuclease V foi identificada como uma enzima chave para iniciar o reparo de purinas
desaminadas com uma incisão não usual um nucleotídeo a 3’ da lesão. A endo V também tem atividade em
sítios AP, pareamentos errados com uréia, inserções e deleções, flaps e irregularidades na hélice (estruturas Y).
A enzima cliva preferencialmente purinas pareadas erradamente e com muito mais afinidade liga-se
com as purinas desaminadas

REPARAÇÃO POR EXCISÃO DE NUCLEOTÍDEOS (NER)

A reparação por excisão de nucleotídeos consiste em uma série de reações enzimáticas requeridas para
remover virtualmente qualquer lesão do DNA, incluindo a maioria, senão todas, as removíveis pela reparação
por excisão de bases. Os nucleotídeos lesados são excisados como fragmentos de tamanho fixo,
independentemente da natureza da lesão. O mecanismo é constituído de 5 etapas gerais: reconhecimento da
lesão, incisão, excisão, síntese de reparo e ligação.
O sistema é constituído de dois mecanismos, denominados: reparo genômico global (GGR) e reparo
acoplado à transcrição (TCR). O GGR é independente da transcrição e remove lesões de partes do genoma que
não estão sendo transcritas e da fita que não é transcrita. O TCR promove a remoção de danos nos genes
ativamente transcritos.
No reparo global em E. coli, as duas primeiras etapas deste processo são feitas por um conjunto de três
proteínas, UvrA, UvrB e UvrC codificadas pelos genes uvrA, uvrB e uvrC, em uma série de reações
dependentes da hidrólise de ATP. O sistema UvrABC possui um amplo espectro de especificidade de substratos
e foi proposto que ele reconheça modificações da conformação do DNA e não necessariamente as bases
modificadas.
Em estudos realizados na década de 60 sobre a reparação de dímeros de pirimidinas, formados no DNA
pelas radiações ultravioleta germicidas, utilizando cepas resistentes (E. coli B/r e K-12) e os mutantes sensíveis
Bs-1 e AB1886 (uvrA), foi mostrado que os dímeros eram removidos, em ausência de luz, nas cepas resistentes
(uvr+), mas não nos mutantes sensíveis (uvr-), sendo o processo designado de reparo por excisão, já que,
diferentemente da fotorreativação, em que não se verificavam incisões, neste caso as incisões eram detectadas
após a irradiação com UV-C.
Posteriormente foi verificado que nenhum dos mutantes uvrA, uvrB ou uvrC eram capazes de remover
dímeros de pirimidinas do seu DNA e que estes mutantes eram também sensíveis a outros agentes como:
alquilantes bifuncionais, ácido nitroso, mitomicina C, etc.
O sistema UvrABC também atua na reparação de lesões produzidas no DNA de fagos que infectem a
célula bacteriana. Assim, a capacidade infecciosa de fagos como o T1, T3, T7 e λ, se previamente lesados pela
radiação UV, é bem maior em células que possuem reparação por excisão que nos mutantes nela deficientes,
fenômeno que constitui a reativação pela célula hospedeira (host cell reactivation - hcr). Este tipo de reparação
não ocorre em mutantes uvrA, B ou C, e é bloqueado por determinados compostos que atuam sobre o sistema
UvrABC de E. coli, como a acriflavina ou a cafeína.
Mediante o emprego de técnicas de sequenciamento de bases nitrogenadas do DNA, acopladas à
digestão enzimática de fragmentos contendo extremidades marcadas com um precursor radioativo, foi mostrado
que o sistema UvrABC é capaz de produzir duas roturas na cadeia polinucleotídica. Quando a lesão é um
dímero de pirimidina, o sistema promove quebras na oitava ligação fosfodiéster do lado 5' do dímero e na
quarta ligação no lado 3' (no caso do aduto 6-4PP, o corte é na quinta ligação), deixando, como extremidades
livres, 3'OH e 5'PO4.
O gene uvrA, localizado no minuto 92 do mapa de E. coli tem um sítio de ligação para o repressor
LexA no seu promotor e codifica uma proteína de 103 kDa que contém dois sítios de ligação de ATP e dois
dedos de zinco.
VII 40

O gene uvrB, localizado no minuto 17, tem um sítio de ligação para o repressor LexA no seu promotor
P2 e codifica uma proteína de 76,6 kDa, contendo um sítio de ligação a nucleotídeos.
O gene uvrC, localizado no minuto 4l,5, não tem sítio de ligação para o repressor LexA. Codifica uma
proteína de 66 kDa.
A proteína UvrA é uma ATPase modulada por DNA e mutações localizadas no domínio C-terminal,
onde existe um dedo de zinco, conferem extrema sensibilidade ao UV, devido à sua incapacidade de ligação ao
DNA.
A proteína UvrB purificada não apresenta atividade ATPase, a qual só é observada quando UvrB
interage com UvrA em presença de DNA lesado ou não e UvrB só se liga ao DNA em presença de UvrA.
A proteína UvrC tem um domínio C-terminal com um alto grau de homologia com o C-terminal da
proteína ERCC1 (ERCC = Excision Repair Cross Complementing) humana. Ela é uma proteína que se liga a
hélice simples com grande afinidade e também se associa com o complexo UvrB-DNA.

Mecanismo molecular da incisão dupla

A ligação de ATP à proteína UvrA conduz à sua dimerização, formando UvrA2. O dímero liga-se ao
DNA lesado.
UvrB então se liga a UvrA2 e o complexo desloca-se para o local da lesão e, nesta situação, a proteína
UvrA “sente” a presença da lesão, reconhecendo o sítio lesado. A proteína UvrB liga-se à lesão e o dímero
UvrA2 é liberado.
A proteína UvrC liga-se ao complexo UvrB-DNA e a incisão dupla é catalisada por UvrB no lado 3’ e
UvrC no lado 5’ da lesão. Recentemente foi mostrado que, in vitro, a proteína UvrC pode realizar os dois
cortes, entretanto, isto ainda não foi verificado in vivo.
A proteína UvrD (helicase II) retira UvrC e um oligonucleotídeo de 12 ou 13 bases contendo a lesão,
entretanto, UvrB permanece ligada ao DNA, provavelmente para proteger a hélice simples formada.
A PolI desloca UvrB e polimeriza a lacuna que é selada pela DNA ligase.
O sistema UvrABC não reconhece um grupo químico específico ou estrutura no nucleotídeo lesado. Ela
reconhece uma deformidade especifica na hélice dupla, causada por uma variedade de diferentes agentes
genotóxicos. Ela reconhece desde grandes lesões tais como dímeros de pirimidinas, adutos de pirimidinas,
adutos de 2-aminofluoreno, adutos de aflatoxina B1, monoadutos e ligações cruzadas de psoraleina até
pequenas lesões como O6MeG, glicol de timina e sítios AP.
A excisão de dímeros de pirimidinas é precedida pela dupla incisão. A ligação de UvrC ao complexo
UvrB-DNA resulta na incisão nos dois lados adjacentes à lesão. A localização precisa das incisões é afetada
pela sequência. Os cortes são feitos no lado 3’, aparentemente influenciados pela proteína UvrB e esta incisão
precede o corte em 5’ pela proteína UvrC.
As radiações UV-C praticamente não produzem quebras na cadeia polinucleotídica; entretanto, se após
a irradiação, as células forem incubadas em meio nutritivo estas quebras começam a aparecer, como mostrado
na Figura VII-33; nestas condições, o número de quebras aumenta até atingir um máximo, começando depois a
diminuir, uma vez que a ocorrência das outras etapas do processo leva à sua progressiva eliminação.
VII 41

A B

Figura VII-33 - Cinética de produção, pela endonuclease, de quebras na cadeia


polinucleotídica, após irradiação com UV germicida. Uma cultura bacteriana foi exposta
ao UV germicida, uma alíquota sendo removida para análise por ultracentrifugação em
gradiente alcalino de sacarose; o restante foi incubado a 37oC, em meio nutritivo,
sendo retiradas alíquotas para análise por centrifugação em diferentes momentos. A)
perfis de sedimentação; B) representação do número de roturas observadas durante a
incubação pós-irradiação.

A liberação do fragmento lesado é dependente da reação coordenada excisão-ressíntese por UvrD e


DNA polimerase na presença de nucleotídeos. O fragmento removido pode ter 12 ou 13 nucleotídeos. UvrD
afeta a liberação do fragmento e de UvrC, entretanto UvrB só é liberada após a entrada da PolI e dos
nucleotídeos.
Em células humanas são necessárias pelo menos 16 proteínas para realizar a mesma dupla incisão (ver
adiante).
Uma vez removido o segmento do DNA que contém a lesão, novos nucleotídeos devem ser inseridos, o
que é feito mediante complementação da sequência de bases existentes na hélice oposta, pela atuação de uma
polimerase. Em E. coli foram isoladas e caracterizadas três polimerases, todas dotadas também de atividade
exonucleolítica, designadas como PolI, PolII e PolIII, codificadas respectivamente pelos genes polA, polB e
polC. PolI e PolIII podem degradar o DNA no sentido oposto ao de polimerização, o que lhes permite atuar
também na eliminação de nucleotídeos inseridos incorretamente durante a replicação semiconservativa,
desempenhando, portanto, um papel de "revisão editorial", já referido anteriormente.
A PolI I atua especificamente sobre DNA em dupla hélice, desde que este contenha uma terminação
3'OH e, no passado, foi considerada como a enzima responsável pela replicação semiconservativa do DNA de
E. coli. Posteriormente, o isolamento de cepas deficientes nesta enzima, levou à reavaliação de seu papel,
admitindo-se que sua ação seja a de preenchimento das lacunas geradas pela atuação da endonuclease UvrABC
e de outras enzimas tais como as AP endonucleases.
A PolII tem atividade bastante limitada em relação à PolI na reparação de lesões, parecendo atuar
somente quando as células são deficientes nesta última enzima. A PolIII é a principal responsável pela
replicação semiconservativa, mas também pode substituir a PolI, embora com eficiência reduzida, nos
processos de reparação na ausência de PolI.
A verificação experimental da neossíntese de fragmentos da cadeia polinucleotídica foi tornada
possível mediante a utilização de técnicas análogas às empregadas por Meselson e Stahl para demonstrar que a
replicação do DNA é semiconservativa. Tais técnicas fundamentam-se em que cadeias polinucleotídicas
sintetizadas em presença de 5-bromouracil (ou do isótopo 15N, como foi feito nos experimentos originais para o
estudo da replicação) são mais densas que as sintetizadas em sua ausência e, desta forma, podem ser separadas
por ultracentrifugação em gradientes de cloreto de césio. Se o DNA estiver previamente marcado com 14C-
timina e, após a irradiação, for adicionado 5-bromouracil contendo 3H ao meio de cultura, a análise das
densidades e da distribuição de radioatividade permite verificar ter ocorrido síntese de fragmentos da cadeia
polinucleotídica, uma vez que há incorporação no DNA do precursor marcado com 3H, mas as dimensões dos
fragmentos são bastante reduzidas, já que não alteram a posição de sedimentação da cadeia polinucleotídica (ou
seja, não modificam sua densidade de forma perceptível pela técnica empregada) (Figura VII-34).
Esquemas experimentais desta natureza permitiram verificar que os segmentos neossintetizados são, em
geral, de dimensões reduzidas, inferiores a 20 nucleotídeos, o que está de acordo com o descrito anteriormente
e mostrado na Figura VII-35. Em mutantes polA, entretanto, pode ocorrer neossíntese de fragmentos bastante
VII 42

maiores, contendo entre 1.500 e 9.000 nucleotídeos, processo designado como reparação por excisão de longos
fragmentos (long-patch repair) e também observável, embora raramente, em células selvagens irradiadas com
UV-C (somente cerca de 1% dos sítios nos quais tenham surgido lesões são por ele reparados, sendo os 99%
restantes corrigidos pela inserção de curtos fragmentos). Várias características desta forma de reparação,
inclusive a necessidade de síntese de proteínas, a dependência do gene recA e a cinética do fenômeno permitem
incluí-la entre os processos indutivos, que serão vistos adiante. Aliás, recentemente foi mostrado que a PolII é
uma das enzimas induzidas quando o sistema SOS é desreprimido.
Replicação semiconservativa Replicação de reparo (não conservativa)

Figura VII-34 – Verificação experimental da neossíntese de fragmentos pela DNA pol I

5’ 3’

5’
3’
A A
B
5’ 3’
A A
3’ B 5’
ATP
A A
ADP + Pi
5’ 3’

B 5’
3’

C
incisão 5’ incisão 3’
5’ 3’

3’ C B 5’
12 ATP
HELICASE II
C + ADP + Pi
5’ 3’

3’ B 5’

DNA pol I, dNTP’s, NAD; LIGASE


B
5’ 3’
DNA pol I
5’
3’

5’
3’

3’ 5’

Figura VII-35 - Esquema do modelo proposto para o mecanismo de excisão de


nucleotídeos UvrABC em E. coli.

A última etapa do processo de reparação por excisão é a união do fragmento neossintetizado à


extremidade livre da cadeia pré-existente, mediante o estabelecimento de uma ligação fosfodiéster entre o
radical 3'OH daquele e o grupamento fosfato da posição 5' desta última. Em E. coli esta etapa é mediada por
uma polinucleotídeo ligase, codificada pelo gene ligA, cuja atividade é dependente da presença de
nicotinamida-adenina dinucleotídeo (NAD); células deficientes neste gene são bastante sensíveis às radiações e
a outros agentes que provocam lesões no DNA.
VII 43

Em células humanas pode-se detectar o processo de excisão através da medida de síntese de DNA fora
da fase S (síntese não programada). O sistema é semelhante, entretanto, o número de bases eliminadas no
fragmento removido é maior (25 - 30 nucleotídeos – ver adiante).
O reparo por excisão de nucleotídeos é o único sistema de reparação para grandes adutos de DNA
como acetilaminofluoreno-guanina, cisplatina-guanina, psoraleina-timina. Adicionalmente, todas as lesões que
são reparadas primariamente pelo reparo direto e pelo reparo por excisão de bases também podem ser excisadas
por este sistema de reparo. Não há modificação covalente de base conhecida que não seja substrato para o
sistema de excisão de nucleotídeos
A estratégia básica do reparo global é similar em pro e eucariotos. Em ambos os sistemas, um
complexo reconhece o sítio da lesão, uma nuclease dependente de ATP, constituída de subunidades, faz duplas
incisões, uma de cada lado da lesão e uma helicase excisa o oligonucleotídeo contendo a lesão.
Tanto o sistema UvrABC de E. coli como o sistema humano incisam a quinta ligação fosfodiéster do
lado 3’da lesão. No lado 5’ o sistema UvrABC de E. coli incisa a oitava e a de humanos incisa a vigésima
quarta ligação fosfodiéster, para dímeros de pirimidinas. Existe variabilidade nos locais exatos das incisões
dependendo da lesão e da sequência, entretanto, normalmente, a enzima de E. coli excisa oligonucleotídeos de
10-13 bases contendo a lesão e a excinuclease humana remove oligonucleotídeos de 25-30 bases, também
contendo a lesão.
Em E. coli três subunidades são necessárias e suficientes para fazer as duas incisões. Em humanos,
mais de 16 polipeptídios, nenhum dos quais tem qualquer homologia com as subunidades UvrABC de E. coli
são requeridos para fazer a dupla incisão. O oligonucleotídeo excisado é então substituído pela síntese de
reparo pelas DNA polimerases e fatores acessórios. Recentemente foi detectado que UvrB e XPD (proteína
humana constituinte do fator de transcrição TFIIH, com atividade helicase) possuem identidade estrutural.

NER EM EUCARIOTOS

O processo consiste de diversas etapas sequenciais: reconhecimento da lesão, formação do bulbo,


incisão da hélice lesada, retirada do oligonucleotídeo contendo a lesão, polimerização de reparo e ligação.

Reconhecimento da lesão

O complexo de reconhecimento é constituido de três subunidades: XPC (XP = Xeroderma


Pigmentosum), HR23B (HR = Homolog of RAD) e centrina 2. XPC é uma enzima que se liga ao DNA
com afinidade 100 a 1000 vezes maior por DNA lesado. Recentemente foi mostrado que XPC liga-se à
hélice simples em frente à lesão. Adicionalmente XPC é poliubiquitinado logo após ocorrer a lesão no
DNA, um processo reversível que não leva à sua degradação, mas sim ao aumento da afinidade por DNA,
lesado ou não.
Tanto HR23A como HR23B interagem com XPC e aumentam sua atividade, mas somente
HR23B é encontrada em associação com XPC. Como há cerca de 10 vezes mais moléculas de HR23B que
XPC é possível que HR23B tenha outras funções. Possivelmente HR23B controle a ubiquitinação de
XPC.
O complexo XPC-HR23B está sempre associado à centrina 2, que parece estabilizar o complexo e
aumentar a atividade NER.
No caso das lesões de UV, o 6-4PP causa grande torção no DNA, sendo um bom substrato para
NER, o que não é o caso dos dímeros, que são substratos pobres. Neste caso o complexo DDB, um
heterodímero que se liga a DNA lesado (Damaged DNA Binding), composto de DDB1 e DDB2 (grupo de
complementação XPE), tem alta afinidade por 6-4PP e por dímeros. É sugerido que a ligação de DDB aos
dímeros aumenta a torção do DNA acarretando o recrutamento de XPC, o que é crítico para o reparo
eficiente de dímeros.
Interessantemente o complexo DDB faz parte da ubiquitina ligase E3. DBB1 pode ser parte de
duas das enzimas E3, uma em associação com DBB2/XPE e outra em associação com CSA (ver adiante).
O complexo com CSA poliubiquitina CSB levando à sua degradação. Em contraste o complexo com
DDB2 contendo a enzima E3 poliubiquitina XPC, mas não causa a sua degradação, porém aumenta a sua
ligação ao DNA. Entretanto, DDB2 também se ubiquitina no processo e é degradada, mantendo XPC no
controle do processo.
Uma observação importante é que fibroblastos primários deficientes em p53 apresentam defeito
no reparo de CPDs e eficiência reduzida na GGR, sugerindo uma atenuação da indução de XPC e DDB2,
que são induzidos em fibroblastos humanos após UV-C, através da p53. Em verdade, na síndrome de Li-
VII 44

Fraumeni, que se caracteriza por deficiência na indução de DDB2 por p53, há deficiência no reparo de
CPDs.

Abertura do DNA – O complexo TFIIH

Após a o reconhecimento da lesão, o fator de transcrição TFIIH (TF – Transcription Factor),


constituído de dez subunidades diferentes tem um papel importante na abertura do DNA, através da
helicase XPB. Três outras subunidades (ciclina H, cdk7 e MAT1) formam o complexo CAK (Ciclin
Activated Kinase) que fosforila diversas proteínas no processo de síntese de RNA pela RNAPII.
Além de XPB o THIIH tém outra helicase XPD, de polaridade oposta, que abre o DNA na região
da lesão. Aparentemente somente a atividade ATPase de XPB e não sua atividade helicase é necessária
para a abertura do DNA.
XPB e XPD, junto com mais outras cinco subunidades (p62, p52, p44, p34 e TTD-A) formam uma
estrutura à qual se liga o complexo CAK, são os responsáveis pelo desenrolamento do DNA em torno da
lesão. Interessantemente o TFIIH é um dos diversos componentes da RNA polimerase II, requerida para
a iniciação do processo de transcrição.

O complexo XPA

XPA é outra proteína que se liga ao DNA lesado. Ela é associada com três subunidades do RPA
heterotrímero, que é uma proteína que se liga a hélice simples. Acreditava-se que o complexo XPA fazia
parte do reconhecimento da lesão, entretanto, recentemente foi mostrado que o complexo XPA é
recrutado após a ação de TFIIH.
Acredita-se que talvez XPA identifique a hélica que contém a lesão para que ela seja incisada,
entretanto, embora seja esencial para o NER o papel de XPA ainda não é conhecido.

Incisão e Excisão das lesões

Após a abertura da hélice do DNA, a excisão da lesão é feita por duas incisões em posições
definidas nos lados da lesão. A incisão no lado 3’ é feita por XPG e em 5’ pelo complexo XPF-ERCC1.
A incisão dupla é absolutamente dependente da hidrólise de ATP. Diferentemente da incisão em
E. coli, na qual a 3’ precede a 5’, em humanos ela é randômica. Não há evidência da existência de um
complexo reparossoma.
XPG é uma endonuclease estrutura específica com preferência para junção hélice simples dupla
hélice, formada no final da bolha. XPG é necessária para a ação de XPF-ERCC1 no outro lado da bolha,
mas não age primeiro necessariamente. Em verdade XPG parece estabilizar TFIIH, uma vez que na sua
ausência o complexo CAK e a subunidade XPD se dissociam do complexo.
A atividade endonuclease de XPF-ERCC1 está em XPF e, aparentemente, ERCC1 somente
estabiliza XPF e reciprocamente XPF estabiliza ERCC1. Embora as duas subunidades contenham
domínios de ligação ao DNA, o de XPF é inativo, portanto, parece que ERCC1 leva XPF à lesão. Por
outro lado, ERCC1 contém um domínio nuclease semelhante à XPF, porém inativo.
Além do seu papel em NER, ERCC1 e XPF têm outros papeis na recombinação e na manutenção
de telômeros. Ainda em leveduras Rad1-Rad10 (ortólogos de ERCC1-XPF) removem os resíduos 3’-PO4
gerados por atividades AP liase de algumas glicosilases de BER. Finalmente, ERCC1-XPF parece estar
envolvido nas etapas iniciais do reparo de cross-links, incisando a primeira hélice assim como na segunda
etapa no reparo NER da outra hélice.
Após a incisão dupla algumas subunidades permanecem no complexo pós-incisão, assim como a
UvrB em E. coli, de tal maneira que uma lacuna em hélice simples nunca existe como intermediário.
O fragmento eliminado contém 25-30 nucleotídeos e a polimerização é também de 25-30
nucleotídeos.

Síntese de reparo e ligação

O complexo pós-excisão é dissociado pelas proteínas de replicação de reparo. A síntese de reparo


requer PCNA e, desde que, entre as polimerases humanas, somente a Polδ δ e Polεε requerem PCNA, é
sugerido que a síntese de reparo seja processada por estas enzimas. Estudos de inibição por anticorpos
δ seja a enzima que faz a síntese de reparo. Em
com extratos celulares livres de células sugerem que a Polδ
VII 45

δ, Polεε e mesmo a PolI de E. coli podem fazer a síntese de reparo, mas não a Polβ
sistemas definidos, Polδ β.
Na replicação do DNA o fator RFC age como um casamenteiro para PCNA, para conduzí-lo ao DNA e
então conferir processividade para Polδ δ e Polεε. Na síntese de reparo RFC/PCNA parecem ter duas
funções: a dissociação do complexo pós-incisão e a formação de um local de entrada para a síntese de
reparo, possivelmente de maneira análoga à replicação.
A lacuna é fechada de maneira precisa, sem aumento para os lados 3’ou 5’ e então o tamanho do
reparo é exatamente igual à lacuna da excisão (25-30 bases). O reparo é terminado por uma das 4 DNA
ligases humanas. Até recentemente havia a sugestão de que possivelmente a DNA ligase I faria a ligação,
etretanto, novos dados sugerem ser a DNA ligase III, junto com a sua parceira XRCC1, que completa o
NER. Aparentemenete a DNA ligase I tem um pequeno papel em células que replicam ativamente, mas
não nas quiescentes.
Nas Figura VII-36 está representado o mecanismo proposto para a excisão de
nucleotídeos (GGR) em células humanas.

A - Lesão provoca distorção

B – XPC e HR23B detectam a


distorção e estabilizam a curvatura

C – Recrutam TFIIH para o sítio da lesão

D – As helicases XPD e XPB criam


estrutura de bulbo com cerca de
20 pares de bases

E – RPA, XPA e XPG são recrutadas


formando o complexo pré-incisão

F – ERCCA-XPF junta-se ao complexo,


incisa em 5’ e XPG incisa em 3’

G – RPA permanece ligada ao ssDNA


facilitando a síntese de reparação por
Pol β ou ε auxiliada por RFC e PCNA;
a ligase completa o reparo.

Figura VII-36
VII 46

A deficiência em qualquer dos genes XP conduz à doença Xeroderma pigmentosum,


caracterizada por altíssima incidência de câncer de pele (Figuras VII - 37, 38 e 39).

Figura VII-37 – Exemplos de Xeroderma pigmentosum (XP)

Figura VII-38 – Xeroderma pigmentosum


VII 47

Figura VII-39 – Xeroderma pigmentosum

REPARAÇÃO ACOPLADA À TRANSCRIÇÃO (TCR)

A maioria das células, na natureza, é muito pouco proliferativa. Nas células que se dividem lentamente
ou que não se dividem, a replicação do DNA é muito diminuída, ou mesmo ausente (células diferenciadas de
mamíferos). Entretanto, a transcrição continua para os processos fisiológicos normais (síntese de RNA e
proteínas), assim, a maquinaria de transcrição encontra lesões muito mais frequentemente que o sistema de
replicação, as quais podem levar a consequências deletérias.
Para lesões tipo dímeros de pirimidinas, o DNA transcrito é reparado mais rapidamente, que o não
transcrito tanto em células humanas como em E. coli. Além disto, este reparo preferencial é feito na fita líder e
em humanos somente nos genes transcritos pela RNA polimerase II. O fator que modula o reparo parece ser a
interação da RNA polimerase com a lesão.

Reparação acoplada à transcrição

Em E. coli o aumento da reparação na hélice transcrita é mediado por TRCF (Trancription-Repair


Coupling Factor), codificado pelo gene mfd (mutation frequency decline). O TRCF ou Mfd é uma proteína de
130 kDa com estruturas de helicase, mas sem atividade helicase até agora demonstrada in vitro.
O mecanismo deste reparo consiste no reconhecimento, pela Mfd, da RNA polimerase parada na lesão.
A Mfd libera a RNA polimerase e o transcrito truncado e ao mesmo tempo recruta o complexo proteico UvrA2B
do sistema de excisão de nucleotídeos ligando especificamente UvrA. Os sítios de ligação de Mfd e UvrB à
proteína UvrA são parcialmente superponíveis, assim, após recrutar o complexo UvrA2B para o sítio da lesão a
Mfd ajuda a dissociação de UvrA facilitando a formação do complexo pré-incisão UvrB-DNA.
No caso de dímeros de pirimidina, a reparação na hélice transcrita é cerca de dez vezes mais rápida que
na hélice não transcrita. No caso da lesão 6-4 PP a velocidade é praticamente a mesma, uma vez que a
reparação desta lesão é bem rápida. Aparentemente a ligação da RNA polimerase na dupla hélice, na lesão, cria
a distorção necessária para a translocação do complexo UvrA2B e pré-determina onde a incisão deve ocorrer.
Os mutantes mfd são moderadamente sensíveis às radiações UV e a mutagênese espontânea é apenas
três vezes maior que nas células selvagens.
No mecanismo proposto, Mfd aproxima-se da RNA Pol pelo lado 5’, interagindo com o DNA e
subunidade β, da polimerase. Por uma ação translocase Mfd empurra a polimerase para uma posição anterior e
realinha o seu sitio ativo com o final 3’ do primer de RNA. Se o bloqueio é removido (lesão removida ou
bypass) o complexo avança. Se a lesão não é reparada a translocação para trás pode levar à liberação do RNA e
da polimerase. Neste caso Mfd permanece ligada ao DNA após a liberação da RNA polimerase e recruta UvrA
e a maquinaria de reparo para o sítio da lesão.
VII 48

Aparentemente Mfd também facilita a dissociação de UvrA2 do complexo UvrA2B-DNA acererando a


formação do complexo UvrB-DNA. Na Figura VII-40 está representado, esquematicamente, o mecanismo de
reparação acoplada à transcrição em bactérias (TCR). Após a formação do complexo UvrB-DNA o mecanismo
é idêntico ao GGR.
O RNA mensageiro produzido, neste caso, é descartado, o que não ocorre em células de mamíferos.

Figura VII-40 – Reparação acoplada à transcrição em E. coli

Em humanos o mecanismo é similar ao de E. coli, somente mais complexo. Duas proteínas são
necessárias para fazer a ligação transcrição-reparo, CSA (CS = Cockayne Syndrome) e CSB.
Deficiências em TCR são diretamente relacionadas com a síndrome de Cockayne, que é caracterizada
pela falta de reparo acoplado à transcrição. Os genes correspondentes de células de Hamster Chinês
(CHO) são o ERCC8 e ERCC6. As células CS apresentam sensibilidade aumentada à radiação UV e
deficiência em TCR. Entretanto, apresentam GGR normal.
Nos pacientes CS a incidência de tumores não é elevada, o que pode ser explicado pela eficiente
eliminação das células lesadas através de apoptose.
O reparo acoplado à transcrição ocorre somente em genes transcritos pela RNA PolII, é
observado com qualquer lesão que bloqueie a transcrição (em geral lesões grandes que necessitam o
sistema de excisão de nucleotídeos), ocorre mais rapidamente na fita transcrita e mutações em cinco
genes causam a síndrome de Cockayne [CSA/ERCC8, CSB/ERCC6, XPB e XPD (como parte de TFIIH)
e XPG].
A proteína CSB, mas não a CSA, interage diretamente com RNA PolII. Quando RNA PolII é
bloqueada no sítio da lesão, CSA e CSB ativam o TCR. Estudos recentes sugerem que CSB usa a sua
atividade translocase para remover o complexo RNA PolII da lesão. Em verdade, a exposição das células
a agentes lesivos como cisplatina e radiação UV-C induzem a ubiquitinação de RNA PolII dependente de
CSA e CSB nas forquilhas de transcrição facilitando sua liberação, degradação e proteólise quando a
lesão não pode ser reparada.
Quando a RNA PolII está parada em um dímero CSB pode estimular a elongação pela adição de
um nucleotídeo ao transcrito nascente. Em verdade CSB só age quando a RNA Pol está em modo de
elongação.
Foi mostrado que o TFIIH é recrutado primeiro e RPA é recrutado quando a hélice simples é
formada. Então, XPA é recrutado para o sitio da lesão seguido de XPG e XPF, portanto, CSB parece ser
requerida para a incisão.
O papel de CSA, ainda é desconhecido, embora seja necessária a sua presença. Em verdade CSA
é parte de um complexo E3 de ubiquitina ligase constituido de DDB1, Culina4A, ROC1/Rbx1 e o
VII 49

signalossoma (CNS) COP9. Portanto, aparentemente o complexo CSA é responsável pela ubiquitinação e
degradação de CSB após irradiação UV, estabelecendo uma ligação funcional entre CSA e CSB
Quando a reparação é possível o fator de elongação TFIIS ativa a endonuclease criptica da
polimerase, o que resulta no encurtamento do RNA nascente pela hidrólise do terminal 3’. Este
encurtamento é necessário para a associação com o sitio catalítico da polimerase após a parada. O
deslocamento da RNA PolII por aproximadamente 20 nucleotídeos permite a reparação do DNA e a
RNA PolII então alonga o transcrito truncado.
A maior diferença entre este modelo e o de procariotos é que em E. coli o transcrito truncado é
descartado e em células humanas ele é reusado.
Outra síndrome envolvida na reparação acoplada à transcrição de CPDs é a síndrome de
sensibilidade ao UV (UVSS), que não pertence ao grupo de complementação CS. Isto sugere que o TCR é
muito mais complexo que inicialmente pensado, o que não acontece com o GGR que está melhor
estabelecido, como já descrito.
Na Figura VII-41 está representado o modelo proposto para a reparação acoplada à transcrição
em células de mamíferos, no conjunto do GGR.

Figura VII-41 – Reparação acoplada à transcrição em seres humanos

Foi mostrado recentemente que lesões oxidativas como 8-oxoG e Timina Glicol (TG) podem
bloquear a RNA PolII e, portanto ser reparadas por TCR. Elongina e CSB, que afetam a velocidade de
elongação mostraram estimular o bypass de TG enquanto Elongina CSB e o fator de elongação TFIIS
podem todos aumentar o bypass de 8-oxoG. Como a transcrição sobre estas lesões causa erros de
emparelhamento of fatores de elongação neste caso estariam contribuindo para a “Mutagênese
Transcricional” produzida por essas lesões. Na Figura VII-42 está representado o modelo proposta para
o TCR de lesões oxidativas em células de mamíferos.
A deficiência na reparação acoplada à transcrição causa a Síndrome de Cockayne, caracterizada
por sensibilidade ao sol, envelhecimento precoce (progeria), nanismo, distúrbios neurológicos
(microcefalia), etc. (Figuras VII-43, 44 e 45)
VII 50

Genes envolvidos
CSA
CSB
Complexo TFIIH
XPG

Figura VII-42 - Reparação TCR de lesões oxidativas

3 anos 7 anos 9 anos

Figura VII-43 – Síndrome de Cockayne


VII 51

Yang Yang é uma menina de 12 anos.


Seus órgãos funcionam como os de alguém com 50-60 anos.
Figura VII-44 – Síndrome de Cockayne

Figura VII-45 – Síndrome de Cockayne (Progeria)

Outra doença humana relacionada à deficiência da reparação por excisão é a Tricotiodistrofia,


caracterizada por sensibilidade ao sol, cabelos e unhas frágeis (trichoschisis), deficiência em enxofre, pele
escamosa, retardo físico e mental (Figuras VII-46, 47 e 48).
Nestes dois casos, embora haja uma relação com genes de reparação por excisão de nucleotídeos
(XP), os pacientes com a Síndrome de Cockayne ou com a Tricotiodistrofia não são mais suscetíveis a
câncer que os indivíduos normais.
VII 52

Figura VII-46 - Tricotiodistrofia

TTD – cabelo quebradiço (trichoschisis)

Figura VII-47 - Tricotiodistrofia


VII 53

B – TTD 3 meses
A – WT 3 meses D – TTD 15-16 meses
C – WT 15-16 meses

Figura VII-48 - Tricotiodistrofia

REPARAÇÃO RECOMBINACIONAL

A existência, na célula bacteriana, de duas ou mais cópias de determinada sequência de DNA pode
favorecer a manutenção da viabilidade após tratamentos físicos ou químicos, pela recombinação de fragmentos
não lesados entre si.
As primeiras evidências sobre a existência deste fenômeno foram obtidas com bacteriófagos, com base
em vários tipos de estudos, quais sejam:
a) a reativação por multiplicidade, que consiste em um aumento do número de centros infecciosos
produzidos quando cada bactéria é infectada por dois ou mais fagos irradiados; o fenômeno é consequência da
recombinação entre genomas lesados, cada um deles incapaz, isoladamente, de se replicar, mas podendo fazê-lo
se existirem vários exemplares no interior da célula;
b) a reativação cruzada, análoga à anterior, observável quando ocorre infecção da célula por dois tipos
distintos de fagos, relacionados geneticamente, um dos quais inativado pela radiação; alguns "marcadores"
genéticos deste último são encontrados entre os fagos produzidos após a lise bacteriana, o que evidencia a
ocorrência de recombinação;
c) a reativação pelo profago, verificada, por exemplo, quando uma bactéria lisogênica, portadora do
profago λ, é infectada por um mutante virulento (λ vir), previamente irradiado; nestas condições, a
probabilidade de multiplicação do fago é maior que a observável se a bactéria infectada não fosse lisogênica, o
que costuma ser interpretado como conseqüência de recombinação entre o DNA infectante e o profago, que
apresentam quase 100% de homologia.
A conjugação bacteriana constitui outro fenômeno importante para a compreensão da reparação pós-
replicativa, consistindo na incorporação, ao genoma bacteriano, de segmentos de DNA exógeno, incorporação
esta dependente da proteína RecA, codificada pelo gene recA. Neste caso particular, uma bactéria ("macho")
transfere uma cópia de seu cromossoma para outra ("fêmea"), do que resulta a incorporação ao patrimônio
genético da receptora de um ou mais genes da doadora, como visto anteriormente. O fenômeno só ocorre em
cepas fêmeas portadoras do alelo selvagem do gene recA e a verificação de que as células deficientes neste
gene são bastante sensíveis às radiações e a diversos agentes químicos levou à formulação da hipótese de que a
recombinação genética estaria ligada a alguma forma de reparação.
Cepas deficientes, simultaneamente, em reparo por excisão (uvrA, por exemplo) e em recombinação
(recA) são muito mais fotossensíveis que as células deficientes em somente um destes mecanismos, o que
permite afirmar tratar-se de duas vias independentes de reparo (Figura VII-49). Por outro lado, esta
constatação justifica a utilização de mutantes desprovidos de excisão nos estudos visando avaliar a eficiência da
reparação pela recombinação genética.
VII 54

Figura VII-49 – Sobrevivência de mutantes uvrA, recA e uvrA recA à radiação UV-C

O duplo mutante uvrA recA é inativado por um único dímero de pirimidina formado no DNA, enquanto
células deficientes somente em excisão serão inativadas quando sofrerem, em média, 30 lesões e as selvagens,
proficientes nos mecanismos de reparação, cerca de 700 lesões.
Os resultados experimentais assim obtidos indicam que:
a) a irradiação das células, assim como tratamentos com diversos agentes químicos, provocam o
bloqueio da replicação semiconservativa do DNA, que, em muitos casos, não é permanente;
b) a replicação que então ocorre é descontínua, correspondendo às dimensões médias dos segmentos
neossintetizados às distâncias entre as lesões, dependentes da dose de radiação aplicada;
c) à medida que aumenta o tempo transcorrido desde a irradiação, crescem as dimensões dos
fragmentos neossintetizados, o que sugere sua progressiva associação;
d) as lesões provocadas pelo tratamento físico ou químico não desaparecem completamente (ao menos
em mutantes desprovidos de excisão), diluindo-se ao longo das divisões celulares, podendo ser detectados por
três ou quatro gerações após a irradiação;
e) em mutantes recA o fenômeno não é observável.
Com base nestes argumentos experimentais foram apresentados diversos modelos para a reparação de
quebras simples e outras lesões, pela recombinação genética.
As trocas de material genético entre as moléculas de DNA, aspecto central no qual se fundamenta o
modelo apresentado na Figura VII-50, foram verificados por meio de experimentos nos quais as hélices
parentais foram marcadas com isótopos "pesados" de nitrogênio ou de carbono, sendo a análise realizada por
ultracentrifugação em gradientes de cloreto de césio. Outro método fundamenta-se na incorporação de
bromodeoxiuridina na hélice parental, sendo os segmentos que contenham este análogo de timina detectados
nas hélices filhas por fotólise. Outro argumento experimental decorre da observação da presença de dímeros de
pirimidinas nas hélices filhas, que não foram irradiadas, indicando a existência de recombinação genética, fato
este observado não somente em procariotos, mas também em células de mamíferos.
A estabilização da ligação da proteína RecA, no sítio da recombinação parece ser devida à ação do
produto do gene ssb, uma proteína capaz de se ligar a zonas do DNA em hélice simples ("single strand binding
protein" = SSB). Nesta situação a proteína RecA forma longos filamentos que envolvem as hélices do DNA
promovendo a troca de hélices. Por outro lado, SSB também pode inibir a formação do filamento por não deixar
a proteína RecA se ligar.
Recentemente foi mostrado que o complexo proteico RecF, RecO e RecR dirige a ligação da proteína
RecA no DNA contendo quebras simples. Este efeito de RecFOR é especifico para DNA com lacunas e não
funciona com DNA em hélice simples.
O complexo RecFR tem alta afinidade pela junção do DNA em hélice simples com DNA em hélice
dupla (lacuna) e impede a formação do filamento de RecA fora da junção. Já RecOR impede a dissociação de
RecA do DNA em hélice simples, estabilizando o nucleofilamento e facilitando a formação do D-loop pela
proteína RecA nos terminais 5’ dos DNA lineares (Figura VII-51).
VII 55

Figura 50 – Troca de material genético entre as hélices

Figura VII-51 - Papel de RecFOR no reparo recombinacional

A nuclease RecBCD pode conduzir RecA no DNA em hélice simples e é essencial para a recombinação
homóloga. O complexo liga-se especificamente a terminais de DNA em hélice dupla e a ação helicase desenrola
cerca de 1000 pares de base por segundo, dissociando cerca de 30000 pares de bases antes de se dissociar. Esta
digestão deixa um longo filamento em hélice simples com terminal 3’.
Quando RecBCD encontra o octâmero χ a nuclease 3’→ 5’ é atenuada e a 5’→3’ é ativada enquanto a
helicase não é alterada. Isto conduz a um longo filamento em hélice simples com o χ no terminal 3’, que é o
substrato para a ligação de RecA. RecBCD também tem uma atividade adicional que dirige a ligação de RecA à
hélice simples contendo χ, com a exclusão de SSB.
Em mutantes sbcB, C ou D, deficientes em RecBCD a recombinação homóloga ocorre a níveis
semelhantes a células selvagens, uma vez que, componentes do sistema RecF podem processar os terminais
duplos do DNA. A DNA helicase é provida por RecQ com pequena contribuição de UvrD e HelD. Entretanto
RecQ não tem atividade nuclease nem a propriedade de levar e colocar RecA na hélice simples contendo SSB.
Assim há necessidade da nuclease RecJ, também pertencente ao sistema RecF, para degradar o DNA em hélice
simples de 5’ para 3’, gerando a hélice simples com terminal 3’ necessário para a ligação de RecA e inicio da
VII 56

recombinação homóloga. Na Figura VII-52 estão representados os papéis de RecJ e RecBCD na preparação do
DNA para a ação de RecA.

Reparo de Reparo de
lacunas quebras duplas

Figura VII-52 – RecJ e RecBCD no reparo recombinacional

Uma vez realizada a recombinação, as proteínas RuvA e RuvB promovem a migração das hélices
interligadas, as chamadas "junções de Holliday", que são "resolvidas" através de cortes promovidos pela
proteína RuvC, sendo o complexo de proteínas Ruv denominado “resolvase” (Figuras VII-53 e 54).
É interessante salientar que os genes ruvA e ruvB fazem parte daqueles controlados pelo sistema SOS.
Em mutantes ruvA ou ruvB o processo ainda pode ser realizado já que a proteína RecG pode substituir as
proteínas RuvA e RuvB.

Figura VII-53 – Migração das junções de Holliday


VII 57

Figura VII-54 – Resolução das junções de Holliday

RuvC (19 kDa) é uma endonuclease que pode resolver as junções de Holliday através de clivagem
endonucleolítica nos pontos de cruzamento. O corte é feito nas duas hélices, perto de uma sequência consenso
específica, 5’-(A/T)TT(G/C)-3’. Dependendo de como o corte é feito nas junções de Holliday podem ser
gerados produtos corrigidos ou emendados (sem ou com crossover). Um caso especial de resolução de junções
de Holliday em estruturas de pé de galinha é que a resolução conduz a quebras duplas.
A migração de forquilhas produzida por RuvAB é muito maior que a produzida por RecA e, além disto,
a migração pode ultrapassar lesões de radiação ultravioleta como dímeros de pirimidinas em níveis que inibem
a troca de hélices mediada por RecA.
Rec G é outra proteína que promove a migração das junções de Holliday. RecG (76kDa) é um
monômero que se liga especificamente às junções e promove a sua migração, tendo função idêntica a RuvAB.
Em verdade mutantes duplos ruv e recG são deficientes em recombinação homóloga.

Reparação de quebras duplas

Em adição ao reparo de quebras simples, as células de E. coli têm a capacidade de reparar quebras
duplas no seu DNA. Estas quebras podem ser produzidas pela radiação ionizante assim como pelo
processamento das lesões produzidas pela radiação UV (que não produzem quebras duplas diretamente). As
quebras duplas podem ocorrer em células selvagens irradiadas com elevadas doses de radiação UV, nas quais a
proximidade dos dímeros pode acarretar, no processo de excisão, a quebra dupla. Em células deficientes em
excisão as quebras podem ocorrer no DNA parental opostas a uma quebra não reparada na hélice filha,
possivelmente através de um ataque de uma endonuclease específica para DNA em hélice simples. Além disto,
a resolução de algumas estruturas (pé de galinha) também pode produzir quebras duplas.
O reparo de quebras duplas é induzido e faz parte das funções SOS. Em verdade, o pretratamento de E.
coli com UV ou raios X induz resistência a radiações X e γ, possivelmente por aumento da capacidade de
reparar quebras duplas. Logicamente o reparo requer a presença de outra molécula de DNA em dupla hélice,
contendo a mesma sequência de bases da hélice quebrada, o que ocorre frequentemente quando as bactérias são
cultivadas em meio rico. Este fato correlaciona-se com a observação de que células de E. coli contendo
múltiplos genomas são muito resistentes aos raios X.
O modelo aceito para este tipo de reparação pode ser visto na Figura VII-55. De acordo com o
modelo, a quebra é processada por ação exonucleolítica de modo a gerar terminais 3’OH que invadem o DNA
homólogo intacto e para a síntese de reparo, iniciada nos terminais invasores. Dependendo de como as junções
de Holiday são resolvidas, as moléculas resultantes podem ser recombinantes ou não (com ou sem crossover).
Um mecanismo alternativo que não gera crossover á e síntese dependente do anelamento de hélices
(SDSA), no qual a hélice invasora serve de iniciador da síntese e gera homologia suficiente para recrutar a
segunda hélice para anelar (Figura VII-55). Este mecanismo não gera duas junções de Holliday e, portanto,
não leva a crossover.
VII 58

Figura VII-55 – Modelo para a reparação de quebras duplas


O reparo requer o gene recA+ funcional. A proteína RecA catalisa a invasão pela hélice 3’. Em células
selvagens o reparo de quebras duplas também depende de recB+ e recC+ funcionais. O mecanismo para a
geração dos terminais 3’OH envolve a entrada do complexo RecBCD na quebra dupla. Este complexo
exonucleolítico ao encontrar uma seqüência χ (chi) produz uma sequência invasiva 3’OH de alguns
nucleotídeos, que a proteína RecA insere na hélice dupla.
O requerimento para RecBCD em células selvagens é absoluto uma vez que uma simples quebra dupla
é letal em ausência de RecA ou RecBCD, mas não impede o crescimento celular na célula selvagem.
O reparo de quebras duplas é um processo complexo e diversos genes além de recA e recBCD estão
implicados neste reparo (recN, recF, recJ, radA, e uvrD). O gene recN é de particular interesse, desde que sua
expressão é regulada pela resposta SOS e o seu produto é requerido para o reparo de quebras duplas, mas não
para o reparo de quebras simples. Possivelmente RecN deve ter um papel em ajudar a manter juntas as hélices
duplas durante o reparo.
O fechamento das lacunas formadas durante o processo de reparo recombinacional é realizado por PolI
e PolIII. A etapa final do processo é promovida, à semelhança do que ocorre na reparação por excisão, pela
DNA ligase.

Tolerância de Lesões

O encontro da forquilha de replicação com um dímero de pirimidina produzida por UV-C pode ter
como consequência a formação de lacunas na hélice simples. O processo de reparação destas lacunas foi
designado como reparo pós replicativo, mas, mais corretamente deve ser designado de reparo de lacunas na
hélice filha, já que não se constitui em um verdadeiro reparo de uma lesão. Em verdade o mecanismo é uma
tolerância de lesões. O mecanismo depende de RecA e facilita a sobrevivência sem que o dímero seja excisado.
O suporte ao modelo vem de experimentos nos quais a adição de timidina radioativa logo após a
irradiação permite a observação de que o peso molecular do DNA neossintetizado é significativamente menor
que o sintetizado em células não irradiadas. Entretganto, se as células forem incubadas posteriormente, o peso
molecular do DNA aproxima-se daquele das células não irradiadas.
A interpretação deste fato é que após a irradiação com UV-C a replicação do DNA continua normal até
encontrar a lesão. Há então um retardo antes de continuar em um ponto adiante da lesão, gerando, portanto,
uma descontinuidade (lacuna) na hélice filha, que posteriormente é reparada. A lacuna pode ser complementada
com DNA parental, resultando em lacunas na hélice parental, que podem ser eliminadas por síntese de reparo
usando como molde a hélice filha complementar. Os produtos deste processo são duas moléculas de DNA, uma
intacta e outra contendo a lesão na hélice parental (Figura VII-56).
A formação de lacunas pode ser também deduzida através da eliminação dos dímeros pelo sistema de
excisão ou pela fotorreativação, uma vez que neste caso os fragmengtos de DNA neossintetizados após a
irradiação são bem maiores que os obtidos em mutantes uvr.
VII 59

3’ TT
3’ TT REPLICAÇÃO 5’
5’
3’
5’
TT Pareamento e iniciação de troca entre fitas pela RecA (“cortando em
trans”)

Formação da Junção de Holliday pela RecA TT

b

TT
Migração das fitas
(RecA, RuvAB, RecG)
a→ ←a


b TT
a
Resolução por migração reversa das fitas Resolução por clivagem da junção
(RecG e RuvAB)
de Holliday (RuvC)

TT b
TT

Figura VII-56 – Mecanismo de tolerância de lesões

No mecanismo proposto está implícita a troca de material entre as hélices, que foi observada através do
emprego de isótopos pesados 13C-timina, 15N-timina ou 14C-timina no meio de cultura das bactérias por diversas
gerações. Após a irradiação as células são deixadas por menos de uma geração em meio contendo 3H-timina,
que cria um meio de densidade híbrida no qual a 3H-timina está somente na hélice filha. Se houver troca de
material 3H-timina deve aparecer covalentemente associada com 15C-timina, como foi observado
experimentalmente em experimentos com gradientes de cloreto de césio.
Outra evidência da troca de material entre as hélices veio de experimentos nos quais, após o evento
recombinacional foram detectados (através de tratamento com UV-endonuclease do fago T4) dímeros de
pirimidinas igualmente distribuidos entre a hélice parental e hélice filha.
Há evidências de que proteínas do sistema RecF participem também deste mecanismo, participando do
reparo de cerca de metade das lacunas. A outtra metade aparentemente depende da função exonuclease 5’→ 3’
da DNA polimerase I. Em ambos os casos há troca de material entre as hélices e é independente de RecB e
RecC.
Há também evidências de que uma endonuclease produz uma quebra no DNA complementar oposto à
lesão, entretanto não se conhece o gene ou a proteína responsável por essa ação endonucleolítica.

O processo de recombinação para fechar as lacunas em frente aos dímeros foi a primeira
sugestão de um mecanismo de tolerância de lesões em E. coli . A existência deste mecanismo em células
humanas não está definitivamente provada. Algumas evidências da transferência de dímeros de
pirimidinas para as hélices filhas já foram obtidas. Em células irradiadas na fase G1, de 1 a 3% dos
dímeros produzidos na hélice parental podem ser detectados na hélice filha, assim como a detecção de
quebras duplas na fase S após a irradiação com UV (em células deficientes em excisão) é consistente com
tal modelo. Os detalhes bioquímicos destas reações de recombinação em células humanas ainda são
desconhecidos.

Reparação de quebras duplas em humanos

A recombinação homóloga não é favorecida em células humanas e, portanto, a maioria dos


eventos de integração é resultado de recombinações ilegítimas, envolvendo homologias em trechos muito
pequenos de DNA.
Estas recombinações ilegítimas estão envolvidas no reparo de quebras duplas. Terminações
abruptas assim como pequenas protuberâncias, complementares ou não, podem ser reunidas com
eficiências diferentes.
As quebras duplas são potentes indutoras de efeitos genotóxicos (quebras cromossomiais,
rearrajos, trocas) e morte celular.
VII 60

Em humanos uma única quebra dupla não reparada, inativando um gene especifico pode ser
suficiente para induzir a morte celular por apoptose.
A reparação das quebras duplas pode ocorrer pela recombinação homóloga (HR = Homologous
Recombination) (que é livre de erros) ou pela recombinação não homóloga (NHEJ = Non-Homologous
End-Joining) que é caracteristicamente sujeita a erros. Em leveduras predomina a HR enquanto em
mamíferos a predominância é da NHEJ, porém isto depende do ciclo celular, sendo que NHEJ ocorre
mais em G0/G1 enquanto HR ocorre preferencialmente em S e G2, quando a cromátide irmã já foi
sintetizada.

NHEJ

Este reparo é considerado sujeito a erros, pois ele gera pequenas deleções e inserções. Para que o
pareamento dos terminais ocorra pode ser necessária uma pequena degradação já que o sistema junta
eficientemente as quebras que tenham menos de quatro bases em hélice simples.
A maquinaria NHEJ é composta de três complexos: MRN, KU e DNA ligases. É consenso que os
complexos MRN e KU ligam-se à quebra dupla logo após a sua formação, aparentemente para manter as
pontas unidas e inibir a sua degradação. KU e MRN também participaqm no recrutamento, estabilização
e estimulação das ligases na quebra.
O complexo MRN é composto de RAD50, MRE11 e NBS1, acreditando-se que RAD50 seja capaz
de manter as pontas juntas para facilitar o seu pareamento e MRE11 tem atividade DNA nuclease e cliva
estruturas no final das quebras, tais como projeções 3’ na transição hélice dupla hélice simples.
Em leveduras o complexo é chamado MRX e é composto de Rad50, Mre11 e Xrs2. As funções de
Rad50 e Mre11 são idênticas às dos vertebrados. A Xrs2 é fosforilada em resposta à formação de quebras
duplas, como parte do sinal para parada do ciclo celular, o que possivelmente também acontece com a
NBS1.
Ku70 e Ku80 são partes de um grande complexo chamado DNA-PK, onde a subunidade catalítica
DNA-PKcs é requerida para NHEJ. Ku liga-se aos terminais da quebra e também faz contacto direto
com Lig4, talvez estabilizando e estimulando a ligação final do NHEJ. A falta de Ku em leveduras
acelera a degradação dos terminais sugerindo que ele protege os terminais, estabilzando os terminais da
quebra e prevenindo a ressecção a 5’.
A DNA ligase envolvida em NHEJ é a Ligase IV. Ela liga-se pelo C terminal ao cofator XRCC4 e
o complexo é completado por XLF (Cernunnus em humanos), que estimulam a reação da ligação feita
pela Ligase IV. Na Figura 57 está representado um modelo da NHEJ (a e b) e da HR (c) e na Figura VII-
58 estão representadas outros modelos de NHEJ.

Figura VII-57 – Reparação de quebras duplas (NHEJ e HR)


VII 61

Figura VII-58 – Reparação de quebras duplas (NHEJ)

Antes da ligação os terminais precisam ser processados, pois normalmente não vão ter 5’PO4 e
3’OH ligáveis, como é o caso das quebras produzidas pelas radiações ionizantes. Durante a NHEJ a
polinucleotídeo cinase (PNPK) é recrutada através de interações com XRCC4 para corrigir estas
modificações. A enzima é capaz de fazer as duas modificações, pois contém atividades 5’ cinase e 3’
fosfatase. Outra enzima, Aprataxinase é capaz de remover grupamentos adenilato do 5’PO4 e também
interage com XRCC4 (Figuras VII-57a e VII-58A).
Outras nucleases são necessárias para corrigir erros, eliminar bases lesadas e ressecar os
terminais das quebra duplas para permitir o pareamento. Por exemplo, a ressecção pode revelar DNA
repetitivo que pode ser reparado através do anelamento de hélice simples (SSA). Se a sequência
homóloga não é encontrada rapidamente, a ressecção de 5’ para 3’ pode estender-se por muitos
quilobases. No caso da ressecção expor sequências repetitivas as duas hélices simples podem anelar-se
para reparar a quebra. As sequências que não estão envolvidas no anelamentlo podem ser removidas por
nucleases e lacunas resultantes são fechadas por síntese de DNA e ligação.
O anelamento consiste do recrutamento pela RPA da RAD52, que tem as propriedades de
anelamento. A clivagem dos nucleotídeos é feita por uma flap endonuclease especiacializada a RAD1-
RAD10 e também envolve MSH2, MSH3 e SLX4. A maquinaria de replicação termina o reparo (Figuras
VII-57b e 58B).
SSA causa a deleção de uma sequência repetitiva mais a sequência localizada entre as duas, sendo
considerado um mecanismo mutagênico e como os genomas têm uma grande quantidade de sequências
repetitivas ele é muito importante.
Em células humanas a nuclease Artemis interage com DNA-PK e torna-se capaz de agir como
uma endonuclease flap nas projeções 3’ ou 5’ das quebras duplas.
DNA polimerases também são necessárias para fechar as lacunas nas hélices simples das
complementaridades parciais das projeções 3’ ou geradas pelas nucleases.
Normalmente são as polimerases da familia X: Polλ e Polμ que conseguem fazer sintese sem
template. A adição randõmica de alguns nucleotídeos parece contribuir para juntar quebras duplas sem
microhomologia. Junto com Pol4, Polλ e Polμ podem fazer a junção de terminais incompatíveis,
extendendo projeções com pareamento errado ou não pareadas (Figura VII-58C).

Recombinação homóloga (HR)

Na recombinação homóloga o cromossomo lesado entra em contacto físico com o não lesado, na
homologia de sequência, que é usada como iniciador para o reparo.
O processo envolve proteínas codificadas pelo grupo epistático RAD52, composto por RAD50,
RAD51, RAD52, RAD54, RAD55, RAD57, RAD59, RDH54, MRE11 e XRS2. Em adição a esses genes,
VII 62

DNA nucleases (Exo1, Sae2, Rad-1 a Rad10), helicases (Sgs1, Srs2), topoisomerases (Top3), polimerases
(Pol32) e ligases também são requeridas para completar o processo.
O mecanismo básico é composto de três etapas: 1) ressecção da hélice 5’ terminal da quebra; 2)
invasão, pela helice simples criada, de uma hélice dupla homóloga e troca de hélices e 3) resolução dos
intermediários de recombinação. Dependendo de como se dá a invasão (uma quebra ou ambas a
quebras) a HR pode seguir caminhos diferentes: anelamento de hélices dependente de síntese (SDSA),
reparo de quebras duplas clássico (DSBR) (Figuras VII-55 e 57c) e replicação induzida pela quebra
(BIR). O prérequisito essencial para a HR é a ressecção do terminal 5’. A ressecção gera um longo
terminal 3’ em hélice simples capaz de procurar sequências homólogas, invadir a dupla hélice e servir
como iniciador da síntese. A síntese permite recuperar as sequências perdidas na quebra assim como
reconstituir as sequências perdidas na ressecção.
A ressecção, aparentemente é feita pela EXO1 e outra(s) ainda não identificada(s) e as proteinas
do complexo MRN (RAD50, MRE11, NSB1) assim como CtIP, e EXO1 estão claramente envolvidas no
processamento dos terminais da quebra.
A invasão da hélice dupla envolve o afastamento de uma das hélices e pareamento com a outra,
formando um DNA hibrido (D-loop), caracterizando a troca de hélices. Este processo é feito pela
recombinase RAD51 com a ajuda de RPA, que se liga a hélice simples com alta afinidade. RPA liga-se
aos filamentos 3’ e interage com BRCA2 que interage também com RAD51, facilitando sua ligação à
hélice simples, deslocando RPA.
Aparentemente RAD55 e RAD57 estabilizam o filamento e estimulam a troca de hélices e RAD54
ajuda na procura da homologia e no pareamento e maturação do intermediário após a formação do D-
loop. Além disto, RAD54 parece atuar também no remodelamento da cromatina para que o
nucleofilamento de RAD51 tenha a invasão facilitada.
A sintese de DNA, tendo como primer a hélice invasora, permite aumentar o D-loop, permitindo
a recuperação das sequências perdidas com a quebra. Isto permite também o reanelamento dos
terminais da quebra através da nova região complemantar sintetizada. As sequências não envolvidas no
anelamento são clivadas e o reparo pode ser terminado pelo preenchimento das lacunas. Este mecanismo
é chamado SDSA e não conduz a crossing-over.
Helicases da família RecQ, tais como BLM são capazes de separar RAD51 da hélice simples e
junto com RAD54 desfazer o D-loop, reparando a quebra.
Alternativamente, a sintese de DNA aumenta o D-loop e permite a captura da segunda quebra,
que também pode ser alongada e, o fechamento das lacunas e ligação cria a estrutura chamada Junções
de Holiday as quais após clivagem podem ou não gerar crossing over. Os genes das “resolvases” ainda
não foram identificados em humanos, porém, a atividade existe em extratos celulares.
Foi demonstrado recentemente que os intermediários duplos de Junções de Holiday podem ser
desfeitos pela ação de helicases e topoisomerases. A helicase BLM pode produzir aumento da D-loop,
permitindo o enrolamento do DNA e a ação das TOPOIII alfa topoisomerases e não provocando
crossing-over.
Quando o D-loop é clivado pelas nucleases Mus81-Mms4 que tem preferência por estruturas
ramificadas sempre ocorrerá crossing-over (Figura 55).

Replicação induzida pela quebra (BIR)

Em alguns casos somente uma terminação pode ser usada para o reparo. Por exemplo, quando
somente um terminal encontra a homologia ou quando um terminal é perdido. Um terminal de quebra
dupla também pode surgir pelo colapso da forquilha de replicação, quando a forquilha encontra uma
quebra simples ou uma lacuna, gera-se uma quebra dupla em uma das cromátides.
No contexto de um terminal de quebra dupla, o reparo ocorre através da replicação induzida pela
quebra. O terminal da quebra invade a sequência homóloga, inicia a sintese unidirecional do DNA
através do sitio de invasão e replica o cromossoma template.
Um modelo de BIR envolve a formação de uma junção de Holiday e sua clivagem resulta no
reparo associado com a completa duplicação do braço do cromossomo usado com template.
Consequentemente BIR resulta em perda de heterozigose em larga escala se ele ocorre entre
cromossomos homólogos.
BIR depende de RAD51 e também RAD52, RAD54, RAD55 e RAD57. Rcecentemente foi
mostrado que BIR opera nas duas hélices e requer a subunidade Pol32 da DNA polδ.
VII 63

Escolha entre os mecanismos NHEJ e HR (papel do ciclo celular)

Nas células em G1 a ressecção é rara e, portanto, HR é muito baixa. Poucos foci de RPA são
observados. Os foci de RAD52 não são observados a não ser para grandes doses de radiação ionizante.
Estas condições favorecem NHEJ. Isto também explicaria a alta sensibilidade de células deficientes em
KU durante G1 e em leveduras haploides na fase estacionária, considerada G1. Em leveduras diploides
NHEJ é reprimida e ainda não está clara a reparação de quebras duplas em G1.
A ressecção é ativa em S e G2, assim ativando HR e a cromátide irmã é a preferida por promover
um reparo livre de erros e as coesinas são as principais determinantes da escolha entre os mecanismos.
Após a formação da quebra H2AX recruta as coesinas para manter as cromátides irmãs
próximas uma da outra para facilitar a recombinação. Consistente com isto as coesinas co-localizam com
sitios de lesões do DNA induzidas pelas radiações ionizantes.
Quando a quebra ocorre NHEJ chega primeiro em todas as fases do ciclo, G1, G2 e S, sendo mais
pronunciada em G1 e G2. Por outro lado, há uma competição entre NHEJ e HR para reparar as quebras
em S e G2. Consistentemente KU ligado à quebra interfere com fatores de HR, inibindo a ressecção e
ainda outros fatores como Ligase4 também podem suprimir HR por estabilizar KU ligado aos terminais.
Aparentemente o reparo por NHEJ durante a fase S é deletério já que acarreta erros e por isso
ele deve estar reprimido na fase S, favorecendo HR. Neste caso a PARP1 e a proteina de reparo pós
replicativo RAD18 suprimem sinergisticamente os efeitos tóxicos de NHEJ, por mecanismo ainda
desconhecidos. Ainda a presença de MRE11 associado à cromatina na fase S, mesmo em ausência de
lesões pode favorecer o HR antes da ligação de KU.
Em células de mamíferos BRCA2 modula a formação do filamento de RAD51 na hélice simples.
BRCA2 é fosforilada por cinases dependentes de ciclina (CDKs) e esta fosforilação bloqueia a interação
de BRCA2 com RAD51. Esta fosforilação é baixa na fase S aumentando em seguida, portanto, BRCA2
também tem papel na regulação da escolha entre os mecanismos HR e NHEJ.

Controle da ressecção
O papeis das CDKs é razoavelmente conhecido. CDK é ativa na fase S e G2 e promove a
ressecção ainda de modo desconhecido. Recentemente uma proteína humana CtIP mostrou estar
envolvida na regulação. Assim, a quantidade de CtIP é baixa em G1 e atinge o pico em S. Ela interage
com o complexo MRN regulando a ressecção.
A CtIP fosforilada interage com diversos fatores como BRCA1, que é recrutada para o sitio da
lesão por MRN e pode formar um complexo com MRN e CtIP em S e G2, facilitando a ressecção.
A deficiência na reparação de quebras duplas conduz ao aparecimento de Ataxia-telangiectasia,
uma doença autossômica recessiva caracterizada por sensibilidade aumentada às radiações ionizantes e
alta predisposição à cancerização (Figuras VII-59, 60 e 61).

Telangiectasia

Sensibilidade a raios X
Deficiência em reparo de quebras duplas

Gene ATM codifica a proteína ATM, que


é o sensor de quebras duplas do DNA
Ataxia

Figura VII-59 – Ataxia telangiectasia (AT)


VII 64

Figura VII-60 – Ataxia telangiectasia

Figura VII-61 – Ataxia telangiectasia

REPARO DE LIGAÇÕES CRUZADAS (Interstrand cross-links = ICLs)

Diversos quimioterápicos são capazes de produzir ligações cruzadas entre as hélices do DNA e entre
eles podemos citar as mostardas nitrogenadas, a mitomicina C, a cisplatina e os psoralenos. Como estas lesões
são letais, tais agentes são normalmente usados na quimioterapia do câncer, e os psoralenos são utilizados na
fotoquimioterapia de psoriasis, vitiligo e linfoma cutâneo de células T.
Estes quimioterápicos podem produzir adutos covalentes, com as bases do DNA (normalmente com as
guaninas) podendo formar monoadutos em uma das hélices ou biadutos nas duas hélices conduzindo à
formação de ligações cruzadas entre as hélices.
As mostardas nitrogenadas formam ligações com o N7 da guanina no sulco maior e a ligação cruzada
ocorre quase que exclusivamente com a guanina nas sequências 5’-GNC-3’, produzindo uma distorção da
hélice nesta região (Figura VII-62).
A mitomicina C reage com o N2 da guanina nas sequências 5’-CG-3’, no sulco menor, não conduzindo
a nenhuma perturbação da estrutura pela formação da ligação cruzada.
VII 65

Figura VII-62 – Ligação da mostarda nitrogenada ao DNA

Os compostos de platina, principalmente cisplatina, formam adutos com o N7 de purinas


(principalmente guanina) nas sequências 5’-GG-3’, 5’-GNG-3’ e entre adenina e guanina em 5’-AG-3’. A
presença da ligação cruzada resulta em significante deformação do DNA no local da ligação.
Os psoralenos são compostos (furocumarinas) usados desde o antigo Egito no tratamento de vitiligo e
psoriasis. O 8-metoxipsoralen (8-MOP, o mais utilizado nos tratamentos) forma preferencialmente adutos
covalentes com timinas nas sequências 5’-TA-3’ e 5’-TA-3’. A ligação do 8-MOP à timina é dependente de um
fóton de luz UV-A e se o monoaduto receber um segundo fóton forma-se a ligação cruzada entre as timinas das
duas hélices. Esta ligação cruzada causa distorção na molécula do DNA, mas não muito grande.
Estas lesões são muito tóxicas, sendo que uma única lesão é capaz de inativar células bacterianas
deficientes em reparação (uvrA recA) e cerca de 20 a 40 lesões não reparadas podem inativar células humanas.
Em bactérias o reparo de ligações cruzadas é realizado em diversas etapas. Ocorre a incisão dupla em
uma das hélices, pelo sistema UvrABC, na nona ligação fosfodiéster a 5’ da lesão e na terceira ligação no lado
3’. Posteriormente, a atividade exonucleolítica 5’ da PolI digere o DNA formando uma lacuna no terminal 3’.
Isto gera a estrutura necessária para que ocorra a recombinação genética com outra hélice de DNA. Após a
recombinação, o sistema UvrABC pode agir na outra hélice, liberando a lesão. A própria PolI faz a
polimerização da lacuna gerada e a DNA ligase completa a reparação (Figura VII-63A).
Recentemente o nosso grupo mostrou que, para algumas ligações cruzadas (mitomicina C e psoralenos)
a proteína UvrB é crucial e, aparentemente, age de maneira independente do sistema UvrABC.
Em experimentos com mutantes deficientes em PolII (∆polB) foi observado que o tratamento com
mostardas nitrogenadas sensibiliza muito estas células, o que levou à sugestão que para este quimioterápico,
para a ligação N7-N7 guanina, existem dois mecanismos de reparação das ligações cruzadas. O primeiro
mecanismo é idêntico ao descrito acima (UvrABC e recombinação), enquanto o segundo admite que a lacuna
deixada pela primeira excisão de UvrABC seja prenchida pela PolII através de síntese translesão, usando a
hélice lesada como template. Neste caso, a lesão também seria liberada por UvrABC em uma segunda incisão.
O mesmo tipo de mecanismo também foi observado para a ligação cruzada N2-N2 guanina da acroleina, porém
utilizando a PolIV na síntese translesão (Figura VII-63B)
Este segundo mecanismo parece não atuar em ligações cruzadas de psoralenos e no caso de ligações
cruzadas de mostardas nitrogenadas parece haver um terceiro mecanismo, independente de NER e
recombinação, mas ainda desconhecido.
In vivo outras proteínas estão envolvidas neste reparo, já que mutantes RecB, C, D, F, G, O e R são
sensíveis a agentes que causam ICLs. RecFOR promove a ligação de RecA ao DNA em hélice simples,
facilitando o emparelhamento homólogo, principalmente em ausência de quebras duplas. RecBCD é necessária
quando uma quebra dupla é formada durante o reparo do ICL. A quebra dupla pode ser formada pela ação
direta de nucleases ou quando uma quebra é feita perto do ICL e a forquilha de replicação chega à lesão. RecG
ou RuvABC são responsáveis pela resolução dos intermediários da recombinação.
VII 66

F o r m a ç ã o d e lig a ç ã o
F o r m a ç ã o d e lig a ç ã o c r u z a d a n o D N A
c r u z a d a n o D N A

I n c is ã o p e lo
s is t e m a U v r A B C
I n c is a õ p e lo
s is t e m a U v r A B C S ín t e s e d e D N A
“ T r a n s le s ã o ”

B r e c h a f o r m a d a
2 a I n c is ã o
p e la D N A P o l I
U v r A B C

S ín t e s e d e D N A
I n v a s ã o d e c a d e ia - R e c A
L ig a ç ã o
S ín t e s e d e D N A

R e s o lu ç ã o d a s J u n ç õ e s d e H o llid a y
2 a in c is ã o

S ín t e s e d e D N A
L ig a ç ã o

F ig u r a V I I . 2 3 – R e p a r o d e lig a ç õ e s c r u z a d a s
(“ c r o s s lin k ” o u “I C L ”) e m b a s c t é r ia

Figura VII-63 – Reparação de ligações cruzadas em bactérias


Os processos de reparação de ICLs foram conservados em eucariotos, desde leveduras até o
homem. Nas células humanas o processo necessita de NER, recombinação homóloga e reparação
translesão.
Embora o processo em células de mamíferos seja mais complexo que em bactérias, o mecanismo é
muito semelhante, sendo observada a incisão dupla e o posterior processamento. Entretanto, em
eucariotos existem diferenças dependentes do ciclo celular, sendo que as ligações cruzadas podem ser
encontradas no DNA duplex, pela maquinaria de transcrição e na forquilha de replicação. Este último
caso ocorrendo somente na fase S.
O reconhecimentto das ligações cruzadas, em ausência de replicação pode ocorrer de várias
maneiras e o complexo XPC-H323B-centrina2 é capaz de se ligar à lesão e promover a dobra do DNA,
forçando a lesão cruzada a sair da hélice. Outro fator de reconhecimento associado ao NER é o
complexo DDB1-DBB2, que se liga a lesões diversas. Este complexo é um membro da CUL4-E3
ubiquitina ligase e polubiquitina XPC, DBB2 e CUL4, posicionando XPC na lesão.
Mutantes em XPC não são sensíveis a cisplatina enquanto mutantes CSA e CSB, assim como
XPA, XPD, XPF e XPG são bastante sensíveis, sugerindo que XPC não reconhece ligações cruzadas de
cisplatina, mesmo com a grande distorção promovida pelo quimioterápico. Por outro lado, mutantes
XPC são muito sensíveis a mitomicina C, que não produz grandes distorções no DNA. A resposta destes
mutantes a ligações cruzadas com psoralenos é controversa.
Mutantes deficientes em XPE não são sensíveis a psoralenos, sugerindo que o complexo DDB1-
DDB2 não esteja envolvido no reconhecimento daquelas ligações cuzadas.
Algumas ligações cruzadas sensibilizam células deficientes em MutSα (MSH2-MSH6) e MutSβ
(MSH2-MSH3), entretanto, parece que o envolvimento das funções do MMR no reparo das ligações
cruzadas talvez seja devido à correção da síntese de reparo e não no reconhecimento das lesões.
As proteínas da Anemia de Fanconi, FANCA, FANCC e FANCG são capazes de se ligar a DNA
contendo ligações cruzadas com psoralenos. Como células de pacientes com Anemia de Fanconi são
conhecidamente incapazes de reparar diversos tipos de ligações cruzadas, estes resultados corroboram
aquelas observações.
Como visto anteriormente os mutantes CSA e CSB são muito sensíveis a cisplatina. Além disto, o
mesmo tipo de sensibilidade foi mostrado para psoralenos, o que implica a reparação acoplada à
trancrição no processamento das ligações cruzadas.
Após o reconhecimento da lesão o sistema NER é o responsável pela incisão e mutantes
deficientes em XPF ou ERCC1 são extremamente sensíveis a agentes que fazem ligações cruzadas,
enquanto os sensíveis em XPG assim como os deficientes em outras proteínas do NER não são muito
sensíveis. Células mutantes nos genes XPF ou ERCC1 não são capazes de fazer a incisão de ligações
cruzadas de mostarda nitrogenada ou de psoralenos, mostrando a clara dependência desta endonuclease
no reparo destas lesões, enquanto a outra endonuclease XPG parece ser dispensada. Já para as ligações
VII 67

cruzadas da cisplatina os mutantes deficientes em XPF/ERCC1 são muito mais sensíveis que os mutantes
em XPB, XPD e XPG, mas todos são deficientes na incisão.
Em experimentos de reconstituição com fatores purificados de NER (XPA, RPA, TFIIH, XPC,
XPG, ERCC1/XPF) são geradas duas incisões adjacentes à ligação cruzada.
Usando psoralenos foi observado que as incisões a 3’e 5’ são separadas por 9 nucleotídeos, são
dependentes de XPF e são reduzidas em células deficientes em FANCA ou quando anticorpos anti
FANCA são adicionados. Resultados similares são obtidos com células deficientes em outros genes FA,
incluindo FANCB, C, D2, F e G, embora a supressão não seja completa.
Experimentos recentes sugerem que XPF/ERCC1 funciona associado com a proteína SLX4, que
também serve de suporte para outros complexos e outras nucleases estrutura específicas, MUS81-EME1
e SLX1. A associação com SLX4 aumenta a atividade das nucleases XPF, MUS81 e SLX1 quando
complexada. Por outro lado XPF/ERCC1 também participa do reparo recombinacional, de quebras
duplas e de adutos, mas não está claro o papel de SLX4 nestas ações.
Está bem estabelecido que células com defeitos em reparo recombinacional são sensíveis a
agentes que fazem ligações cruzadas e mutações em alguns desses genes estão relacionados ao câncer. A
formação de quebras duplas pelos agentes que fazem ligações cruzadas pode ser monitorada por
eletroforese pulsante assim como pelo aparecimento dos foci γH2AX, que é normalmente usado como
marcador. Entretanto outras lesões como quebras simples podem induzir esses foci e consequentemente
outras medidas devem ser realizadas.
As quebras duplas só são observadas durangte a fase S quando do tratamenteo com agentes que
fazem ligações cruzadas, portanto foi desenvolvido um modelo no qual a formação da quebra dupla na
forquilha parada na lesão é seguida pela incisão por XPF/ERCC1 e reparo recombinacional da lacuna
resultante, obviamente dependente de sequências homólogas que somente apareceriam em G2 com a
cromátide irmâ suprindo a informação.
Alguns relatos descrevem a necessidade de XPF/ERCC1 para a formação de focus γH2AX em
resposta a psoralenso e UV-A. Outros observaram que XPF/XRCC1 não é necessaria para a formação de
quebras duplas por mitomicina C e mostarda nitrogenada, sendo sugerido que a nuclease MUS81-EME1
seja requerida. Isto está de acordo com a proposição de que esta nuclease está envolvida na conversão de
estruturas de bloqueio de replicação em quebras duplas, que podem ser reparadas pela recombinação e
restaurar a replicação. Em verdade, após exposição à mitomicina C os foci Rad51 aparecem tanto em
células selvagens como em mutantes Mus81 e os foci desaparecem nas selvagens, mas permanecem nas
mutantes, sugerindo a ação de Mus81 após a recombinação e esta discrepância ainda não está resolvida.
O recrutamentlo de Mus81-Eme1 para a forquilha parada requer SNM1B, um dos três ortólogos
do SNM1 de S. cerevisiae. Células deficientes em SNM1B são sensíveis a mitomicina C e cisplatina, mas
não a UV. SNM1B interage com o complexo MRN, indiretamente com FANC2 e é requerida para
ativação de ATM e Chk2 após tratamento com mitomicina C, tendo sido proposto que SNM1B é
essencial para a conversão da forquilha parada em uma quebra por clivagem por Mus81-Eme1.
As proteínas FA têm papel importate neste processo. FANCM e FAAP24 parecem reconhecer
forquilhas paradas e por reversão da forquilha permitem o acesso de enzimas e proteínas reparadoras. A
atividade do complexo principal (A-C, E-G, L, FAAP100) é requerida para a ação do mecanismo FA,
para a monoubiquitinação de FANCD2 e FANC1, além de ser importante para a síntese translesão.
FANCD2 e FANC1 em conjunto com o remodelador de cromatina Tip60, estão envolvidas na
reconstrução da forquilha quebrada via recombinação homóloga, que também utiliza FANCD1/BRCA2
e FANCN/PALB2.
O decréscimo na monoubiquitinação e na formação de foci por FANCD2 em células deficientes
em ERCC1 após mitomicina C ou hidroxiuréia levou à proposição de que a formação de quebras é o
evento crítico conduzido por FANCD2 e isto requer a atividade de XPF/ERCC1, embora ainda haja
dúvidas sobre quem recruta quem.
O papel do reparo recombinacional ainda é discutido no fechamento da lacuna. Aparentemente
as lacunas são fechadas pelas polimerases da família Y através de síntese translesão. Possivelmente a
única exceção seria a ligação cruzada da cisplatina, onde XRCC3, um parálogo de Rad51 estaria
envolvida.
O intermediário das incisões requer processamento antes do fechamento da lacuna e remoção do
monoaduto resultante. Normalmente este processamento requer uma helicase, que pode ser a FANCJ,
cujas células deficientes na sua ação são sensíveis a agentes que fazem ligações cruzadas. A digestão de
alguns nucleotídeos talvez seja necessária para permitir a síntese de reparo pelas polimerases e PCNA.
Um candidato Pso2 (SNM1) foi identificado em leveduras e possivelmente nas células humanas age o seu
VII 68

ortólogo SNM1, uma enzima com ação 5’-exonuclease de hélice simples. Esta proteína é um membro da
família que inclui, entre outras, SNM1b/Apollo, envolvida na replicação de forquilhas colapsadas e
SNM1C/Artemis envolvida em recombinação NHEJ e V(D)J. Corroborando estas hipóteses,
camundongos deficientes em SNM1 e células humanas com SNM1 suprimido por siRNA são sensíveis a
mitomicina C.
Uma vez que a síntese através da base com aduto não é possível há necessidade do recrutamento
de polimerases translesão. Estas polimerases são a maioria da família Y e necessitam do PCNA
monoubiquitinado, para se ligarem e funcionarem. A modificação de PCNA requer pol32, um
componente da Polδ replicativa, funcional. Portanto, aparentemente, o encontro da Polδ com o
monoaduto resultante gera o sinal para o monoubiquitinação de PCNA e recrutamento das polimerases
translesão, que então completarão a síntese da lacuna.
Embora a sintese acurada sobre dímeros de timina possa ser feita pela Polη, muitas lesões
requerem a ação de duas polimerases, uma para colocar a base no sítio da lesão e Polζ para extender a
síntese. Por exemplo, a síntese através de adutos intra-hélice de benzopireno e cisplatina requer a
combinação de duas polimerases. Dependendo da lesão agem Polκ ou Polη para inserir a base e depois
Polζ para a extensão.
Células deficientes em RAD18, que regula a síntese translesão assim como a ubiquitina E3 ligase
para PCNA e Rev3, a subunidade catalítica da Polζ, são sensíveis a mostarda nitrogenada, mitomicina C
e cisplatina. Outro exemplo são as células de pacientes XPV, deficientes em Polη, que são sensíveis a
psoralenos + UV-A. Neste caso, as células mostram produção aumentada de foci γH2AX, sugerindo que
esta polimerase contribui para o reparo das ligações cruzadas e reduz a probabilidade que elas
encontrem a forquilha que resultaria em quebra dupla.
A Polκ humana pode sintetizar atravées de substratos que imitem acroleina, incorporando dCTP
em frente a G com o aduto sugerindo que a polimerase pode corrigir lesões G-N2-N2G sem erros
enquanto Rev1 e Polζ são ineficientes e mutagênicas.
Uma vez terminada a sintese translesão o sistema NER age de novo. Entretanto, algumas
evidências sugerem que certos monoadutos resultantes da primeira etapa do reparo sejam reconhecidos
por DNA glicosilases como NEIL1, já que celulas deficientes são sensíveis a PUVA. E outras DNA
glicosilases também podem estar envolvidas tais como a Metil Purina Glicosilase (MPG), cujos mutantes
também são sensíveis a PUVA. Na Figura VII-64 estão representados os modelos para a reparação de
ICL em mamíferos.
Ligação cruzada

DNA (fita dupla) Transcrição Replicação Replicação (convergência de forquilhas

Figura VII-64 – Reparação de ligações cruzadas em mamíferos

BER E REPARAÇÃO DE ICL

Existem evidências que BER também participe do reparo de ICL, especificamente a endonuclease
VIII (nei) NEIL1 DNA glicosilase, a N-metilpurina DNA glicosilase (MPG ou AGG) e a principal AP-
VII 69

endonuclease APE1 contribuem para a resistência celular aos ICLs, sendo que NEIL1 processa
intermediários do reparo de ICLs.
Na fase G1 o reparo de ICL depende do reconhecimento por XPC/RAD23B ou alternativamente,
na transcrição, do reparo TCR. A excisão depende de ERCC1/XPF. Após a primeira incisão há
necessidade de digestão de nucleotideos ligados ao agente químico, o que provavelmente é feito por
nucleases de reparo de ICLs (DCLRE1A/SNM1A) formando o intermediário com um nucleotídeo ligado
ao agente químico. O reparo da lacuna é feito por DNA polimerases translesão, possivelmente as
polimerases κ, η, ζ e a deoxicitidil transferase REV1. O processo então continua com a segunda incisão
pelas proteínas NER.
Na fase S, o encontro da forquilha com o ICL causa uma resposta complexa em que o ICL é
removido e a forquilha restabelecida. O modelo atual prevê que a forquilha parada seja reconhecida por
diversas proteínas incluindo FANCM e FAAP24, que são deficientes na Anemia de Fanconi. Em seguida
ocorre a incisão pela endonuclease MUS81-EME1 no lado do ICL e por ERCC1-XPF no outro lado. Após
a incisão há a disgestão por SMN1 e reparo da lacuna pelas polimerases, sendo que as proteinas FA
participam na síntese translesão e são requeridas para a mutagênese. Após a excisão do ICL a forquilha
pode ser restaurada pela recombinação homóloga, envolvendo outras proteínas FA, incluindo FANCD1
(BRCA2) entre outras.
A participação de BER no reparo de ICLs foi inferida desde 1990 quando foi mostrada a ligação
de MPG a ligações cruzadas de cisplatina e a sensibilidade de camundongos Mpg -/- a BCNU e
mitomicina C. Além disto, leveduras mutantes no correspondente MAG1 são hipersensíveis a mostarda
nitogenada e também foi mostrado que os camundongos Mpg-/- são sensíveis a PUVA com
trimetoxipsoralen (TMP), mas não a angelicina e, além disto, têm o reparo de quebras duplas alterado e
aumento da apoptose quando expostos a PUVA com TMP, mas não há evidêncas de atividade glicosilase
de MPG em substratos contendo monoadutos de ICL de MMC, TMP ou 8MOP, sugerindo um papel
indireto para a ação de MPG.
Recentemente foi mostrado que a inativaçao de APE1 por siRNA resulta em hipersensibilidade
de células HeLa a PUVA com 8-MOP, similar as mutantes em FANCD2. Posteriormente foi verificado
que NEIL1 pode agir junto com APE1 para iniciar o reparo de monoadutos de PUVA com 8-MOP, mas
não em ICLs. Outras glicosilases humanas (MPG, NEIL2, NTH1, OGG1) não agem junto com APE1.
Consistentemente mutantes Neil1 são sensíveis a PUVA com 8-MOP.
Bioquímicamente foi mostrado que NEIL1 excisa eficientemente o fragmento de ICL após a
primeira incisão por NER quando se forma a tripla hélice, sugerindo que a glicosilase pode agir em dois
estágios do reparo de ICLs.
A reação do psoraleno com timina causa distorções de modo a que talvez a NEIL1 possa agir
eliminando o 8-MOP-T, ou a distorção permite que a NEIL excise uma base instável do lado do ICL,
facilitando a incisão.
Recentemente foi mostrado que outra proteína de BER e reparo de quebras simples, a XRCC1
também se liga a ICLs de cisplatina, o que expande a lista de fatores BER no reparo de ICLs.
Mais recentemente foi mostrado que mutantes FA produzem menos NEIL1 e que um plasmídeo
carreando o gene de NEIL1 complementa a hipersensibilidade de células FA a agentes que fazem ICL.
Estas observações sugerem que a sensibilidade das células FA aos agentea que produzem ICLs e lesões
oxidativas pode em parte ser devida à deficiência de NEIL1.
A deficiência no mecanismo de reparação de ICL conduz à sensibilidade a agentes intercalantes e
anemia de Fanconi, com predisposição para cancerização (Figuras VII-65 e 66).
VII 70

Figura VII-65 – Anemia de Fanconi

Figura VII-66 – Anemia de Fanconi

PONTOS DE CHECAGEM (PC)

Define-se PC os eventos que diminuem ou param a progressão do ciclo celular em resposta a


lesões no DNA e referem-se a G1/S, intra S e G2/M.
Os PC têm três componentes: sensores, transdutores de sinal e efetores. Não há demarcação
absoluta uma vez que o sensor ATM (Ataxia Telangiectasia Mutated) também funciona como
transdutor. Além disto, foi identificado um novo grupo denominado mediadores, que incluem: BRCA1,
claspina, 53BP1 e MDC1 e, conceitualmente. estão colocados entre os sensores e os transdutores de sinal
e, assim como ATM estes mediadores parecem participar de mais de uma etapa da resposta de
checagem.
Embora G1/S, intra S e G2/M sejam distintos, as moléculas sensoras que ativam os vários PC
interagem entre os PC e agem por vezes como sensores em um e controlador em outro. Similarmente as
moléculas transdutoras de sinal, que são cinases e fosfatases são distribuídas por diferentes PC em vários
graus
VII 71

Os efetores (proteínas que inibem a transição de fase) dos PC são, naturalmente, quem dá aos
pontos a sua identidade única. Entretanto, vários sensores, mediadores e transdutores podem ter papel
mais proeminente em um PC que em outro. Na Figura VII-67 estão representados os componentes dos
pontos de checagem em células humanas.
Lesão no DNA

Sensores

Mediadores

Transdutores

Efetores

Figura VII-67 – Componentes dos pontos de checagem em células humanas

SENSORES

Claramente, RPA é um importante sensor tanto para NER como para PC. Entretanto, dois
grupos de proteínas foram identificados como sensores específicos de PC, os dois membros da família
fosfoinositide-3-cinase-like cinase (PIKK), ATM, ATR e o complexo RFC/PCNA (transportador de
clamp e Polimerase clamp)-related Rad17-RFC/9-1-1.

ATM e ATR

Mutações em ATM causam Ataxia telangiectasia em humanos, uma condição caracterizada por
degeneração cerebelar, imunodeficiência, instabilidade genômica, radiossensibilidade e predisposição
para câncer.
ATM é uma proteína de 350 kDa. Ela tem atividade cinase e esta atividade é estimulada in vivo
por agentes que induzem quebras duplas e in vitro por DNA linear. ATM liga-se preferencialmente às
terminações do DNA na forma monomérica. Após exposição das células à radiação ionizante ATM
fosforila muitas proteínas incluindo Chk2, p53, NBS1, BRCA1 e ela mesma.
ATR foi detectado como um gene com sequência homóloga a ATM e spRad3, dai o nome ATR
(AT and Rad3 related). Mutações em ATR causam a Síndrome de Seckel, com sintomas muito parecidos
com AT. ATR assim como ATM é uma cinase com especificidade por resíduos Ser e Thr nas sequências
consenso Ser-Thr-Glu-Glu e ela fosforila essencialmente as mesmas proteínas que ATM.
Em contraste, ATR é ativada in vivo por UV em vez de radiação ionizante. A enzima liga-se
melhor ao DNA lesado com UV e a ligação aumenta com a dose. ATR não se liga a terminais, portanto
não reconhece quebras duplas como ATM.
O protótipo da família PIKK, DNA-Pk é um heterodímero de 450 kDa com uma subunidade
catalítica (DNA-PKcs) e um dímero de Ku70 e Ku80. O dimero Ku70/Ku80 liga-se à terminação do DNA
e recruta DNA-PKcs que então fica ativada como uma proteína cinase DNA dependente. Acredita-se que
ATM e ATR sejam recrutadas de maneira similar. Para ATM ainda não se conhece, mas ATR,
aparentemente ATRIP (ATR Interacting Protein) parece fazer esse papel.

Rad17-RFC e o 9-1-1.
VII 72

O complexo Rad17-RFC é o homólogo estrutural de PC do fator de replicação RFC. A forma


replicativa do RFC é um hetero pentâmero composto de p140, p40, p38, p37 e p36. No Rad17-RFC a
subunidade p140 é substituída pela proteína Rad17 (75 kDa). O complexo 9-1-1 (Rad9-Rad1-Hus1) é o
PC de PCNA, um homotrímero com estrutura circular. Embora não tenha muita homologia Rad9-
Rad1-Hus1 forma uma estrutura similar a PCNA.
Na replicação RPC liga-se às junções com templates primer, desloca a DNA Polα e recruta
PCNA, que circunda o DNA. PCNA recruta Polδ, que substitui RFC no complexo replicativo e então
PCNA-Polδ provoca a síntese de DNA altamente processiva. Rad-17-RFC e 9-1-1 parecem ter o mesmo
papel durante a resposta de PC.
Quando as células são expostas à radiação ionizante ou UV, ATR e 9-1-1 associam-se à
cromatina, independentemente um do outro. Rad17-RFC liga-se constantemente à cromatina,
independente de lesões no DNA. Assim como RFC é um casamenteiro que leva PCNA para o DNA,
Rad17-RFC leva o complexo 9-1-1, de maneira similar. Rad17-RFC/9-1-1 claramente tem a função
similar a RFC/PCNA. O que confere especificidade para o PC ainda é desconhecido, entretanto, a
fosforilação de Rad17 por ATR apos lesão no DNA é necessária para a resposta de PC.

MEDIADORES

São proteínas simultaneamente associadas com os sensores de lesão e transdutores de sinal.


O mediador protótipo é o scRad9, que funciona entre o scMec1 (ATR) e scRad59 (Chk2). Outro
mediador Mrc1 (Mediator of replication checkpoint), encontra-se em S. cerevisiae (sc) e S. pombe (sp) é
expresso somente na fase S e é necessário para a sinalização entre Mec/spRac3 para scRac53/spCds1.
Em humanos três proteinas que contém o modulo de integração proteína-proteína BRCT estão
na categoria de mediadores. A 53BP1 (p53 binding protein), TopBP1 (Topoisomerase binding protein) e
o MDC1 (Mediator of DNA damage Checkpoint 1). Estas proteínas interagem com sensores de lesão tais
como ATM, proteínas de reparo como BRCA1 e o complexo MRN, transdutores de sinal tais como Chk2
e ainda moléculas efetoras como p53. A resposta de PC de lesões é abortada nas células com nível baixo
ou ausência destas proteínas.
Em adição a estes mediadores característicos, outras proteínas como H2AX, BRCA1, complexo
MRN e SMC1 (Structural Maintenance Chromatin) tem papel essencial na ativação das cinases de PC,
mas não são considerados simples mediadores, pois também participam na reparação, pareamento das
cromátides e segregação. Similarmente, a claspina humana que originalmente foi classificada como
mediador, parece funcionar mais como um sensor. Em Xenopus é requerida para fosforilação de xChk1
por xATR, mas também é recrutada para forquilhas paradas independentemente de xATR e xRad17.

TRANSDUTORES DE SINAL

Em humanos existem duas cinases Chk1 e Chk2 com função estrita de transdutor de sinal na
regulação do ciclo celular e respostas PC. Ambas são Ser-Thr cinases com especificidade moderada de
substrato. Em mamíferos a quebra dupla sentida por ATM é transduzida por Chk2 e os sinais de lesões
de UV sentidos por ATR são transduzidos por Chk1, embora haja alguma sobreposição entre as funções
das duas proteínas. Significativamente Chk1(-/-) causa letalidade embrionária em camundongos
enquanto camundongos Chk2 (-/-) são viáveis e parecem exibir quase normal resposta a PC. Mutações
em Chk2 humana causam uma síndrome parecida com Li-Fraumeni com predisposição para câncer.

EFETORES

Em humanos, três fosfotirosina fosfatases Cdc25A, B e C desfosforilam as cinases dependentes de


ciclina que agem nas proteínas diretamente envolvidas na transição do ciclo celular. A fosforilação destas
Cdc25 pelas cinases de PC cria sítios de ligação para as proteínas adaptadoras 14-3-3 das quais 3 tem 8
isoformas. A fosforilação inativa as proteínas Cdc25, excluindo-as do núcleo, causando degradação
proteolítica em ambas. As proteínas Cdc25 não fosforiladas promovem a transição G1/S por
desfosforilação de Cdk2 e promovem a transição G2/M por desfosforilarem Cdc2 fosfotirosina.

O PC G1/S
VII 73

O PC G1/S impede as células de entrarem na fase S em presença de lesões no DNA, inibindo a


iniciação da replicação. Em condições normais as células na fase G1 preparam-se para entrar na fase S
em um estágio denominado ponto de restrição. O ponto de restrição precede em duas horas o inicio da
síntese de DNA. Se houver uma lesão a entrada em S é bloqueada mesmo que as células já tenham
passado o ponto de restrição. Se a lesão é uma quebra dupla causada pela radiação ionizante ou
radiomiméticos, ATM é ativada e fosforila muitas moléculas alvo, notadamente p53 e Chk2. Esta
fosforilação resulta na ativação de dois mecanismos de transdução de sinal, um para iniciar e outro para
manter as células em G1/S.
A reação que inicia a parada em G1/S é a fosforilação de Chk2, que por sua vez fosforila a
fosfatase Cdc25A, causando a sua inativação por exclusão nuclear e degradação proteolítica mediada por
ubiquitina. A perda de Cdc25A resulta na acumulação de Chk2 fosforilada (inativa), que é incapaz de
fosforilar Cdc45 para iniciar a replicação nos sítios dos complexos pré-formados ORC-ORI.
Se a lesão é por UV e agentes UV-miméticos o sinal sentido por ATR, Rad17-RFC e complexo 9-
1-1 conduz à fosforilação de Chk1 por ATR. A Chk1 ativada então fosforila Cdc25A, conduzindo à
parada em G1/S.
A parada inicial é causada pelo mecanismo ATM-Chk2-Cdc25A ou ATR-Chk1-Cdc25A, mas esta
resposta rápida é seguida por um mecanismo de manutenção mediado por p53, que permanece
operacional algumas horas apos a detecção da lesão no DNA. No estágio de manutenção ATM ou ATR
fosforilam Ser15 de p53 diretamente e Ser20 através de ativação de Chk2 ou Chk1.
A fosforilação de p53 inibe sua exportação do núcleo e a sua degradação, resultando em altos
níveis de p53. p53 ativa seus genes alvo, incluindo p21 WAF-1/Cip1, que se liga e inibe a fase S, promovendo
a formação do complexo Cdk2-Ciclina E e, assim, mantendo a parada G1/S. p21WAF-1/Cip1 também se liga
a Cdk4-ciclina D e inibe a fosforilação de Rb. A fosforilação de Rb resulta da sua liberação do fator de
transcrição E2F, que é requerido para a transcrição dos genes da fase S para que a fase S possa
prosseguir (Figura VII-68).

Início da replicação Transcrição dos


genes da fase S
Parada rápida G1/S Manutenção da parada G1/S
Figura VII-68 – Ponto de checagem G1/S

Em leveduras o sinal para o inicio da parada G1/S é possivelmente o bloqueio da replicação na


lesão, no caso de UV. Possivelmente as lacunas geradas pelo NER são possivelmente o sinal, já que NER
é necessário. No caso de NER, não há retardo no inicio da fase S, mas, logo há parada possivelmente pelo
bloqueio da replicação na lesão. Ainda não se sabe muito bem qual o sinal para a parada por UV, mas
alguns experimentos sugerem que o fotoproduto 6-4PP seja o responsável e os sensores reconheçam esta
lesão e não o dímero.

PC intra S
VII 74

Este PC é ativado por lesões feitas na fase S ou lesões que escaparam ao PC G1/S.
Embora existam evidências de retardo na progressão da forquilha de replicação por um
mecanismo ativo tal como sequestro de PCNA por p21WAF1/Cip1 ou ubiquitinaçao de PCNA por scRad6, o
mecanismo predominante da parada em S é a inibição do disparo das origens de replicação tardias.
Quando a lesão é uma quebra dupla, ATM, o complexo M/R/N e BRCA1 são requeridos para
ativação do PC. É sugerido que todas essas proteínas de reparo funcionem como sensores já que elas se
ligam a DNAds (ATM) e a estruturas ramificadas (M/R/N, BRCA1 e BRCA2). Em adição ao reparo
estas proteínas participam no PCS através de uma cascata cinase sinalizadora.
Para quebras duplas o PCS tem dois caminhos. Um bem entendido ATM-Chk2-Cdc25A-Cdk2 e
um segundo que depende da fosforilação de SMC1 por ATM com o auxilio de BRCA1, FANCD2 e NBS1,
que também ativa o processo de reparação mediado por essas proteínas de recombinação incluindo as
coesinas SMC1 e SMC3.
Há evidências in vivo de que H2AXγ (H2AX fosforilada), 53BP1, BRCA1, Mre11, FANCD2 e
SMC1 co-localizam em foci contendo a quebra dupla, operados pelo mediador MDC1, denominado IRIF
(Ionizing Radiation Induced Foci). Em algum ponto ATM deve localizar-se no IRIF uma vez que ele
fosforila H2AX, 53BP1, NSB1, BRCA1, FANCD2 e SMC1, que colocalizam neste sítio. Possivelmente as
proteínas de reparo ligam-se à lesão, são ativadas por ATM e atuam no reparo e na indução do PCS.
Em células de pacientes AT, a síntese de DNA não é inibida pela radiação (RDS – Radioresistant
DNA Synthesis) e as células aparentemente atravessam a fase S sem nenhum retardo. RDS é também
observado em células com mutações em subunidades do complexo M/R/N e em FANCD2, mas não está
diretamente relacionado com sensibilidade à radiação ionizante. Na Figura VII-69 está representado o
PC intra S regulado por ATM (quebras duplas).

Início da replicação

Inibição da síntese replicativa do DNA

Figura VII-69 – PC intra S regulado por ATM

Quando o DNA é irradiado com UV, a principal família PIKK sensora é ATR ou mais
precisamente o heterodímero ATR-ATRIP. ATR liga-se diretamente à cromatina e pode ligar-se
diretamente às lesões do UV ou à hélice simples gerada pelo mecanismo de reparo e fica ativada. ATR
ativada fosforila Chk1 que por seu lado fosforila e regula negativamente Cdc25A e assim inibe o disparo
das origens de replicação.
A presença de hélices simples durante a fase S induz o PC dependente de ATR que inibe o
disparo das origens, regulando negativamente a atividade proteína cinase de Cdc7-Dbf4 que é necessária
para a ligação de Cdc45 à cromatina. Portanto, a downregulaçao de Cdk2/Ciclina E (complexo CDK) ou
Cdc7/Dfb4 (complexo DDK) pode resultar na inibição de origens de replicação tardias durante o PC
intra S. A sinalizaçao iniciada por ATR também resulta na fosforilação de BRCA1, NBS1 e outros alvos
(Figura VII-70).
VII 75

DNA em hélice simples Forquilha de replicação paralisada

Inibição do inicio da replicação Recuperação da forquilhas


(atraso da fase S) de replicação

Figura VII-70 – PC intra S regulado por ATR

A DNA polimerase ε (Polε) também pode ter papel de sensor da lesão durante a fase S. Polε é
necessária para a replicação coordenada do DNA cromossômico e também está implicada na excisão de
nucleotídeos, excisão de bases e reparo recombinacional. O N terminal tem função de polimerase e
exonuclease. Interessantemente em leveduras o C terminal, mas não o N terminal, é necessário para a
viabilidade, indicando que a função sensora de PC de Polε é mais importante que a função polimerase.
Em mamíferos o C terminal de Polε interage com Mdm2, talvez como parte da resposta a lesões no DNA.

O PC G2/M

Este PC previne as células de entrarem em mitose em presença de lesões no DNA.


Dependendo do tipo de lesão o ATM-Chk2-Cdc25 ou ATR-Chk1-Cdc25 ativam a parada do ciclo
após a lesão. Para lesões tipo UV o ATR-Chk1 inicia a parada do ciclo, mas a manutenção da parada é
então feita pelo ATM-Chk2. Para outro tipo de lesão, tipo quebra dupla, a ordem é inversa e, nos dois
casos, as cinases de PC inibem a entrada em mitose por diminuição de Cdc25 e aumento de Wee1, os
quais, juntos, controlam a atividade Cdc2/Ciclina B.
Inicialmente acreditava-se que Cdc25C seria o efetor do PC de G2/M, mais tarde verificou-se que
este papel cabia à fosfatase Cdc25A. Após fosforilação a fosfatase Cdc25 liga-se às proteínas 14-3-3, é
sequestrada para o citoplasma e é degradada pelo mecanismo ubiquitina-proteossoma. A inativação de
Cdc25 leva à acumulação de Y15-fosforilada Cdc2 e parada de mitose (Figura VII-71). A iniciação do
PC G2/M não é tão simples e as MAP cinases p38γ e p38α estão implicadas no PC G2/M para radiação
ionizante e UV respectivamente, entretanto o mecanismo ainda é desconhecido.

O PC de Replicaçao (S/M PC)

É o processo no qual a mitose é inibida enquanto a replicação do DNA continua ou não e o ATR-
Chk1-Cdc25 é utilizado.
Recentemente foi verificado que o PC de replicação ativado por hidroxiuréia e afidicolina é
independente de ATM e ATR, mas as induzidas por UV e radiação ionizante são dependentes, sugerindo
que forquilhas de replicação e lesões no DNA durante a fase S podem inibir a mitose por mecanismos de
sinalização diferentes.
VII 76

Figura VII-71 – PC G2/M

PARADA DA REPLICAÇÃO E SÍNTESE TRANSLESÃO

Em E. coli foram isoladas cinco polimerases. A PolI é requerida para a maturação da hélice descontínua
e é a responsável pela complementação dos diferentes sistemas de reparação. A Pol III é a polimerase
replicativa. Após exposição a agentes que lesam o DNA, as células de E. coli respondem através do sistema
SOS, induzindo mais de 30 genes envolvidos na reparação do DNA. Entre os genes induzidos três codificam
para DNA polimerases não essenciais: PolII, PolIV e PolV.
A PolII é requerida para reiniciar a replicação livre de erros nas lesões induzidas por UV. A replicação
pára quando PolIII encontra uma lesão bloqueadora. A forquilha retrocede e a hélice filha neossintetizada serve
como molde para a síntese posterior por PolII. O tamanho sintetizado depende do que foi sintetizado na hélice
não lesada. A forquilha é restabelecida por migração reversa das hélices, atravessando a lesão sem repará-la. A
lesão poderá ser reparada mais tarde por outros mecanismos (Figura VII-72).

Figura VII-72 – Ação da DNA polimerase II


VII 77

In vitro, PolII pode sintetizar através de sítios AP e alguns adutos por um mecanismo denominado
desalinhamento de “primers”, que ocorre em sequências repetidas. Neste caso o deslizamento de “primer” e
“template” provoca “loops” e a polimerização leva a mutações “frameshift”.
A PolIV é o produto do gene dinB (isolado há mais de 20 anos), mas somente recentemente
caracterizado como codificador de uma DNA polimerase.
Esta polimerase existe normalmente nas células, mas é induzida cerca de 10 vezes na resposta SOS. A
PolIV não é capaz de atravessar dímeros de pirimidinas, mas algumas lesões parecidas são atravessadas e ela
também é capaz de estender “primers” desalinhados. Além disto, ela também pode atuar nas forquilhas paradas
nas lesões, estendendo terminais aberrantes. Os mutantes dinB não são deficientes em reparação do DNA, mas
têm deficiência em mutagênese não dirigida, portanto, muito mais mutações são observadas na progênie de
fagos lambda propagados em células irradiadas que nas não irradiadas. PolIV também é responsável pela
maioria das mutações “frameshift” adaptativas do gene lacZ(-1).
A PolV é o produto dos genes umuDC. Ela é capaz de atravessar dímeros de pirimidinas e sítios AP in
vitro. Além disto, a mutagênese observada em células irradiadas com UV, transições T→C nos dímeros de
timina são correlacionadas com a capacidade da PolV atravessar os dímeros. A expressão desta polimerase é
altamente regulada tanto ao nível de transcrição como postranscricionalmente possivelmente para evitar grande
quantidade de mutações no DNA. UmuC é a mutapolimerase e UmuD, após processamento por RecA co-
protease auxilia UmuC. Na Figura VII-73 está representado um modelo proposto para a atuação da DNA
polimerase V. Mais detalhes sobre esta mutapolimerase serão desctitos adiante em “Reparações indutivas”.

Pol V

Figura VII-73 – Atuação da DNA polimerase V

Até o momento foram detectadas 16 polimerases em eucariotos. Três destas; Polα α, Polδ
δ e Polεε
são requeridas para replicação do cromossomo e outra, a Polγγ é requerida para replicação do DNA
mitocondrial e para reparação. As outras 12 parecem ter funções especializadas no reparo e na
estabilidade cromossômica.
As proteínas de reparo associadas com a recuperação e a ultrapassagem do bloqueio da
replicação são denominadas polimerases sujeitas a erros ou mutapolimerases.
Grandes lesões bloqueiam a replicação do DNA diretamente, o que leva ao recrutamento de
diversas proteínas de reparo para o local da lesão, isto é, para a forquilha de replicação parada. Como
este recrutamento é feito ainda não se sabe. Durante a replicação normal, PCNA forma um anel
deslizante e estimula a replicação pelas DNA polimerases. O transportador de PCNA é feito pelo
chamado transportador de anéis, que é idêntico ao fator de replicação C (RFC). No reparo do DNA a
função de PCNA é terminada por outro transportador específico das lesões (complexo RAD9-1-1),
formado pelas proteínas RAD9, HUS1 e RAD1, que pode servir a diversas proteínas de reparo. (Após
irradiação com radiações ionizantes HUS1 desloca-se do citosol para o núcleo, onde se associa com
PCNA e RAD9).
VII 78

Após a irradiação, outra proteína, a RAD17 é fosforilada por ATR e então recruta o complexo
RAD9-1-1 para a cromatina. Há indicações de que RAD17 substitui RFC1, a maior subunidade do
complexo RFC, formando um novo complexo com as outras unidades do RFC, designado RAD17-RFC,
que é o transportador de anéis para RAD9-1-1. Em leveduras já foi mostrado que a mutapolimerase
DINB interage com HUS1/RAD1, e sua associação com a cromatina é dependente de RAD17.
A síntese de DNA translesão é feita pelas polimerases eta, kappa, iota, mu e zeta.
A polimerase eta (Polηη = POLH, RAD30, XPV) é uma enzima de baixa fidelidade, pois não tem a
função editorial (atividade exonuclease 3’→ →5’), portanto erra muito (10-1 a 10-2). A Polηη está implicada
na forma variante de xeroderma pigmentosum (XPV) e reduz a sensibilidade ao UV nas células XP. Em
verdade a Polη η tem a capacidade de inserir AA em frente a dímeros de timina. No XPV ela está mutada e
sua função é substituída por Polιι, que erra muito mais e introduz mutações, levando ao câncer.
A polimerase kappa humana (Polκ κ = POLK, DINB) é homóloga à DNA polimerase IV codificada
pelo gene dinB de E. coli. Polκ κ também exibe alta taxa de erros, mas em contraste com as outras
mutapolimerases tem moderada processividade e pode sintetizar mais de 25 nucleotídeos durante a
síntese translesão.
A polimerase iota (Polιι = POLI, RAD30B) é o homólogo de RAD30 de S. cerevisiae, e tem uma
taxa de erros de 1x10-2, errando mais em frente à timina e menos em frente à adenina.
A polimerase humana mu (Polµ µ = POLM) tem grande analogia com a deoxinucleotidil
transferase terminal.
A polimerase zeta (Polζζ = POLG, REV3L) é constituída por duas subunidades (REV3 e REV7)
que cooperam com REV1. Na Figura VII-74 está representado um modelo para a síntese translesão em
eucariotos.

1 – Bloqueio da replicação por um dímero T^T

2 – Complexo RAD6-RAD18 ubiquitina PCNA

3 – Interação de PCNAU com polη desloca polδ e polη


ultrapassa a lesão

4 – Liberação de polη por baixa afinidade,


reassociação de polδ e a síntese prossegue

Figura VII-74 – Modelo para síntese translesão em eucariotos

Algumas mutapolimerases, além de fazer a síntese translesão parecem também estar envolvidas
diretamente na remoção de lesões. A polimerase lambda humana (Polλ λ = POLL) tem homologia de 32%
com Polβ β = POLB, e tem atividade desoxirribose fosfato liase (dRPase), inserindo nucleotídeos em
pequenas lacunas contendo 5’-fosfato, sendo, portanto associada ao BER.
Polιι parece atuar em BER de pares G:U e A:U, devido à sua atividade 5’-deoxiribose fosfato
(dRP) liase
Pouco se sabe acerca das DNA polimerases humanas sigma [Polσ σ = POLS, TRF4 (DNA
Topoisomerase Related Function)], assim como da DNA polimerase theta (Polθ θ = POLQ), que é
homóloga do produto do gene mus308 de D. melanogaster, que codifica uma DNA polimerase-helicase
talvez envolvida na reparação de ligações cruzadas.
µ está envolvida na hipermutação dos genes da imunoglobulina e participa
Interessantemente Polµ
no fechamento dos terminais, durante a recombinação V(D)J e no NHEJ.
VII 79

As mutapolimerases são as maiores responsáveis pela mutagênese induzida por agentes que
causam lesões no DNA capazes de parar a forquilha de replicação. Elas talvez representem o elo entre as
funções SOS mutagênicas de E. coli (controladas por RecA e UmuDC) e as funções SOS em mamíferos.
Na Tabela VII-2 estão relacionadas as polimerases de eucariotos e suas respectivas famílias.
Devido a grandes confusões relacionas aos nomes das polimerases humanas em diferentes
trabalhos, foi proposta uma nova nomenclatura HUGO (HUman Genome Organization), que também
consta da tabela.

TABELA VII-2 – FAMÍLIAS DE DNA POLIMERASES DE EUCARIOTOS


DNA POLIMERASES – NOMENCLATURA HUGO (Human Genome Organization)
FAMÍLIA DESIGNAÇÃO GREGA S. cerevisiae NOME HUGO

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
A gamma (Polγ) MIP1 POLG
A theta (Polθ) NI POLQ
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
B alpha (Polα) POL1 POLA
B delta (Polδ) POL3 POLD1
B epsilon (Polε) POL2 POLE
B zeta (Polζ) REV3/REV7 POLG
B phi (Polφ) POL5 NI
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
X beta (Polβ) NI POLB
X lambda (Polλ) POL4 POLL
X Terminal Transferase NI TDT
X mu (Polµ) NI POLM
X sigma (Polσ) TRF4/TRF5 POLS
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Y Rev1 REV1 REV1
Y eta (Polη) RAD30 POLH
Y iota (Polι) NI POLI
Y kappa (Polκ) NI POLK
------------------------------------------------------------------------------------------------------------

NI - AINDA NÃO IDENTIFICADO

REPARAÇÕES INDUTIVAS

Agentes físicos ou químicos podem provocar respostas celulares articuladas, mediadas por
determinados sinais e expressadas, fenotipicamente, pela desrepressão de um ou mais genes, que são transcritos
em RNA mensageiro e traduzidos em proteínas.

Respostas adaptativas

Quando células procarióticas ou eucarióticas são incubadas com concentrações reduzidas (subletais) de
determinados agentes químicos, elas podem tornar-se mais resistentes a tratamentos posteriores com
concentrações elevadas (letais) do mesmo agente.
Este fenômeno, conhecido como reparação adaptativa, é explicado pelo acúmulo intracelular de uma ou
mais enzimas capazes de eliminar lesões provocadas, no DNA, pelo tratamento, reduzindo assim seus efeitos
letais ou mutagênicos; para que ela se expresse, é indispensável que a célula possa sintetizar proteínas após o
primeiro tratamento "indutor".

a) agentes alquilantes

A resposta adaptativa a agentes alquilantes já foi mencionada na parte de reparação direta, onde
discutimos o papel da proteína Ada, que é induzida quando as células bacterianas são tratadas com pequenas
concentrações de agentes alquilantes (MMS, MNNG, etc). Adicionalmente à proteína Ada são induzidas as
proteínas AlkB, AlkA e AidB e neste caso as bactérias ficam protegidas contra concentrações letais dos
mesmos agentes alquilantes. Na Figura VII-75 estão representados o esquema experimental para a
demonstração da adaptação e a sobrevivência e mutagênese de bactérias adaptadas e não adaptadas (ver
também as Figuras VII-19 e 20).
VII 80

Procedimento experimental para


ensaio da resposta adaptativa em
bactérias.

FIGURA VII 75 - Sobrevivência e mutagênese de culturas bacterianas,


adaptadas ou não, tratadas com agentes alquilantes.

a) agentes oxidantes

A resposta adaptativa tem sido descrita após tratamento com diversos agentes químicos, inclusive com
peróxido de hidrogênio, substância que atua tendo como intermediários radicais livres, especialmente o radical
hidroxil. Existem evidências de que células pré-tratadas com peróxido de hidrogênio tornam-se mais resistentes
ao UV longo, reforçando a idéia deste tipo de radiação atuar por meio de ERO.
O gene oxyR codifica a proteína OxyR, responsável pelo aumento da resistência celular ao peróxido de
hidrogênio. O produto do gene oxyR é um regulador positivo de pelo menos 9 genes. Pelo tratamento com
peróxido de hidrogênio a proteína OxyR é oxidada em dois de seus resíduos cisteína acarretando sua ativação.
Uma vez ativada, OxyR ativa a transcrição de diversos genes tais como: katG (catalase hidroperoxidase I),
ahpCF (alquilhidroperóxido-NADPH oxido-redutase), grxA, (glutaredoxina), gor (glutationa redutase), dps
(uma proteína que protege o DNA das lesões de peróxidos) e fur (um controlador do transporte de ferro para a
célula). Os outros genes ativados ainda não foram detectados.
Além disto, OxyR ativa a síntese de oxyS, que codifica um mRNA não transcrito que parece regular
mais de 20 genes adicionais, possivelmente por um mecanismo antissense. Na Figura VII-76 está representado
um esquema da indução da proteção contra peróxido de hidrogênio controlada por OxyR.
Recentemente foi detectado mais um gene que requer OxyR para a sua indução; henF, cujo produto é
requerido para a ativação de hidroperoxidase I e hidroperoxidase II. E por técnicas de “microarray” foram
detectados diversos genes ativados por OxyR: henH, cujo produto atua na síntese do heme, seis genes do
operon suf que parecem participar na reparação, no “cluster” de Fe-S, e mais quatro genes de função
desconhecida
Além do gene oxyR as células tratadas com peróxido de hidrogênio induzem um conjunto de 21
proteínas, três das quais são também induzidas pelo choque térmico. O mecanismo molecular da indução, pelo
peróxido de hidrogênio, dos genes independentes de oxyR ainda não é conhecido.
Da mesma forma que para o peróxido de hidrogênio, o tratamento com substâncias que geram radicais
superóxido, tais como: paraquat e menadiona, torna as células resistentes a altas doses desses agentes, na
dependência da integridade do locus soxRS.
Este sistema regulatório age em duas etapas, sendo SoxR uma proteína sensora e ativadora. Quando
ativada pela oxidação dos clusters 2Fe-2S, SoxR induz a transcrição de soxS, um regulador positivo que
estimula a transcrição de mais de 16 outros genes responsáveis pela resposta a superóxido. Normalmente este
sistema não é ativado por peróxido de hidrogênio, entretanto foi demonstrado recentemente que, em condições
muito especiais tanto o H2O2 como o oxigênio singleto, podem ativar SoxRS.
Os produtos do regulon soxRS induzido incluem: Mn-superóxido dismutase (sodA), endonuclease IV
(nfo), glicose-6-fosfato desidrogenase (zwf), aconitase (acnA), fumarase estável (fumC), ferridoxina redutase
(fpr), bomba de efluxo de toxinas e antibióticos (acrAB), mRNA antissense para a porina OmpF (micF) e o
controlador de transporte de ferro para a célula (fur) e outros ainda não conhecidos.
VII 81

O Sistema OxyR

H2O2 OxyR
Catalase HPI
Dps
GSH redutase
OxyR* Glutarredoxina
Ahp
Fur
mRNA OxyS → rpoS

Figura VII-76 – Adaptação a peróxidos pelo sistema OxyR

Os radicais superóxido induzem proteínas que são diferentes das induzidas pelo produto do gene oxyR.
Uma destas proteínas é a endonuclease IV (produto do gene nfo), que é a única enzima de reparação conhecida
induzida por esta via de estresse oxidativo. Na Figura VII-77 está representado um esquema da indução da
proteção contra radicias superóxido controlada por SoxRS.

O Sistema SoxRS
SodA
O2 i -
SoxR G6PD
NO Flavodoxinas
NADPH
SoxR* ferredoxina
redutase
Fur
soxS SoxS Endonuclease IV
Aconitase A
Fumarase C
acrAB
micF
Figura VII-77 – Adaptação a superóxidos pelo sistema OxyR

Em células de mamíferos ainda não foi detectada uma resposta articulada induzida pelo estresse
oxidativo.

c) termotolerância

Quando células são expostas a altas temperaturas (não letais) uma série de proteínas de choque térmico
(HSPS) são induzidas e, neste caso, as células ficam protegidas contra o efeito de temperaturas mais elevadas
(letais). Em E. coli o aumento da temperatura de 37°C para 42°C induz estas proteínas e as células ficam
protegidas contra os efeitos letais de subseqüente aquecimento a 52°C.
VII 82

Em E. coli o aumento da temperatura ativa e estabiliza o fator de transcrição das HSPS (σ32), produto
do gene rpoH (htpR), impedindo sua ligação com duas das proteínas induzidas, DnaK e DnaJ.
Algumas destas proteínas são induzidas por outros agentes tais como análogos de aminoácidos,
deprivação de fontes de carbono, infecção por fagos, tratamento com etanol, etc, sugerindo que as HSPS podem
proteger as células contra uma variedade de estresses ambientais.
Durante o choque térmico são induzidas pelo menos 20 proteínas em E. coli e quase todas são
homólogas às induzidas em células eucarióticas.
A maioria destas proteínas, incluindo DnaK, DnaJ, GrpE, GroEL, etc, são denominadas chaperonas ou
chaperoninas ("protetores"), uma vez que, quando superproduzidas podem proteger várias outras proteínas da
inativação pelo calor. Algumas delas (DnaK, DnaJ e GrpE) conseguem reativar proteínas desnaturadas tais
como a RNA polimerase e proteínas ribossomais.
Por outro lado, pelo menos três (Lon, Clp e DegP) são proteases que estão envolvidas na degradação de
proteínas desnaturadas não "reparáveis", que se acumulam durante o crescimento normal ou em condições de
estresse.

Em células humanas as proteínas induzidas pelo choque térmico são homólogas às induzidas nas
bactérias.

FUNÇÕES SOS

Em termos de reparo, particular importância tem sido dada a um conjunto de funções celulares
desreprimidas quando surgem lesões no DNA, as chamadas funções SOS, cuja expressão é dependente da
existência de alelos selvagens de dois genes, recA e lexA. Em E. coli, pelo menos 40 genes já foram
identificados como capazes de se desreprimir nestas condições, o que caracteriza a pleiotropia da unidade
genética constituída por recA e lexA. Em muitos casos, estas respostas só se expressam em condições de
máxima eficiência quando a biossíntese proteica encontra-se plenamente funcionante.

a) controle molecular das funções SOS

O sistema de controle de expressão das funções SOS é relativamente complexo, envolvendo as


proteínas RecA e LexA. O modelo hoje admitido fundamenta-se nos seguintes princípios, todos já verificados
experimentalmente, ao menos em E. coli, e mostrados esquematicamente na Figura VII-78.

Figura VII-78 – Modelo para o controle das funções SOS em E. coli

a) o produto do gene lexA (proteína LexA) é o repressor de diversos genes, entre os quais encontram-se
o próprio gene lexA, o gene recA, genes ligados a processos de reparação, genes ligados a outras funções
celulares como a filamentação, etc.;
VII 83

b) a proteína RecA é uma enzima multifuncional, desempenhando diversos papéis na célula (controle
da recombinação genética e da reparação pós-replicativa, por exemplo); quando ocorre o sinal indutor, algumas
moléculas desta proteína passam ao estado co-proteolítico (co-protease RecA), cuja interação com a proteína
LexA promove a auto-clivagem desta última; como esta é o repressor de diversos genes, estes se desreprimem,
inclusive o próprio gene recA, do que resulta o aumento da quantidade intra-celular das proteínas RecA, LexA e
outras que estavam reprimidas por LexA;
c) após a eliminação das lesões (e consequentemente do sinal indutor), o nível de co-protease RecA se
reduz e a proteína LexA, neste momento acumulada na célula, volta a reprimir os genes indutíveis;
d) mesmo sequências informacionais que não sejam reprimidas pela proteína LexA poderão ser
liberadas do controle se seus repressores possuírem estrutura relativamente semelhante à da proteína LexA,
pois a protease RecA será também capaz de clivá-los, o que ocorre, por exemplo, com o repressor do profago λ.
Além dos danos produzidos no DNA por agentes físicos ou químicos, outros fenômenos podem
provocar o aparecimento do sinal indutor, tais como o bloqueio da replicação semiconservativa do DNA ou, no
caso de certos mutantes bacterianos termossensíveis, a incubação das células em temperaturas não permissíveis.

b) papel dos genes recA e lexA

Grande parte dos conhecimentos que tornaram possível a proposição dos modelos SOS foi obtida
mediante o isolamento e caracterização de diversos mutantes de E. coli, possuidores de alterações nas
sequências informacionais dos genes recA e lexA. A análise do papel destes genes foi também bastante
facilitada, nos últimos anos, pelo emprego de técnicas de DNA recombinante.
As principais mutações isoladas no gene recA são:
- recA (Def), que acarreta bloqueio de todas as funções das quais participa a proteína RecA, incluindo a
inexistência de recombinação genética, de reparo pós replicativo e a impossibilidade de expressão das funções
SOS, uma vez que não há produção de co-protease RecA;
- recA 441, que faz ser a proteína RecA ativável para o estado proteolítico, mesmo na ausência de
lesões no DNA ou de bloqueio da replicação semiconservativa, por simples aumento de temperatura (37°C para
42°C);
- recA 430, que bloqueia a função de co-protease da proteína RecA, mantendo intacta a função
recombinacional;
- recA 142, que bloqueia a função recombinacional da proteína RecA, mantendo intacta a função de co-
protease.
As principais mutações isoladas no gene lexA são:
- lexA (Ind-), que acarreta a síntese de uma proteína LexA resistente à clivagem; desta forma, os genes
não podem ser desreprimidos e as funções SOS não se expressam;
- lexA (Ts), que leva à síntese de uma proteína LexA termossensível, de tal forma que, mesmo em
ausência de lesões no DNA, as funções SOS se expressam a 42°C;
- lexA (Def), que, pela deficiência em proteína LexA, leva à expressão permanente (constitutiva) das
funções SOS.
Muitos dos atuais conhecimentos sobre o controle exercido pela unidade genética recA-lexA foram
obtidos por meio de experimentos realizados com o emprego do bacteriófago Mu, cujo DNA, após infectar uma
célula bacteriana, pode incorporar-se aleatoriamente no DNA celular, ou seja, pode inserir-se nos mais diversos
sítios do cromossomo. Por meio de técnicas de DNA recombinante foi construído um fago Mu com as
seguintes características: (i) operador não funcionante, o que torna a expressão de seus genes dependente do
operador do cromossomo da bactéria; (ii) inserção, no conteúdo informacional do DNA do fago, do gene lacZ,
gene estrutural que codifica para a síntese da β-galactosidase; (iii) sítios normais e funcionais para integração
no cromossomo bacteriano. Quando este DNA viral insere-se no gene estrutural de uma determinada proteína
bacteriana, esta não é mais sintetizada, mas o operador deste gene passa a controlar a formação de β-
galactosidase. Se a inserção ocorre em um operon que se expresse constitutivamente, a enzima será
permanentemente sintetizada em níveis correspondentes à proteína constitutiva controlada pelo operon; quando
a inserção se processa em um gene indutível, a síntese de β-galactosidase obedecerá ao comando do operador,
isto é ocorrerá em nível basal nas células não induzidas e aumentará em presença do agente indutor. Nos
experimentos visando ao estudo das funções SOS, a bactéria a ser infectada era, adicionalmente, portadora de
uma deleção no gene lacZ, de tal forma que todas as moléculas desta enzima formadas podem ser atribuídas à
transcrição do gene contido no DNA viral. Assim, para acompanhar a desrepressão de uma determinada região
do cromossomo bacteriano, basta dosar, quimicamente, a β-galactosidase. Nestas condições, em mutantes lexA
VII 84

(Ind-) a síntese de β-galactosidase será basal em qualquer situação e nos mutantes lexA (Def) será
constitutivamente alta quando a inserção do fago se der em um gene indutível pelo sistema SOS.
Com base neste tipo de procedimento, e em outros análogos, foram determinadas as posições, no mapa
cromossômico de E. coli, de diversos genes desreprimidos pelo sinal indutor das funções SOS, alguns dos quais
estão mostrados na Figura VII-79 e Tabela VII-3. Adicionalmente alguns genes contidos em plasmídeos
podem também se expressar nestas condições, como ocorre com os genes mucA e mucB, participantes do
controle de processos incorretos de reparação e da mutagênese e que provavelmente, são alelos dos genes
bacterianos umuC e umuD. Alguns genes responsáveis pela síntese de colicinas, também contidos em
plasmídeos, desreprimem-se quando ocorrem lesões no DNA.

Figura VII-79 – Alguns genes de E. coli regulados por LexA

TABELA VII-3
Alguns genes reprimidos pela proteína LexA em E. coli
========================================================
Gene Localização (min) Função
------------------------------------------------------------------------------------------
recA 58 Recombinação genética, co-protease
lexA 91 Repressor SOS
uvrA 92 Reparação por excisão
uvrB 17 Reparação por excisão
umuDC 25 Reparação mutagênica
sulA(sfiA) 22 Inibidor da divisão celular
ruvAB 41 Recombinação genética
polB 2 Replicação do DNA
=========================================================

A natureza do sinal indutor ainda é bastante controvertida, embora dele participem, provavelmente,
regiões do DNA em hélice simples (pelas lesões ou pela inibição da replicação) e o trifosfato de adenosina
(ATP). Nestas condições, algumas moléculas da proteína RecA passam ao estado co-proteolítico e, desta
forma, adquirem a capacidade de promover a auto-clivagem da proteína LexA e outros repressores, cuja
estrutura primária tenha algumas afinidades com aquela, o que ocorre, por exemplo, com o repressor do profago
λ.
VII 85

A análise da sequência de bases nitrogenadas nos operadores de vários genes que se expressam quando
as funções SOS são induzidas permitiu verificar a existência de significativas homologias entre elas, provável
razão de serem reprimidos pela mesma proteína (LexA).

c) principais funções SOS

Embora todas as funções SOS sejam, provavelmente, induzidas por um mecanismo comum, isto não
significa que elas se desreprimam simultaneamente. As diferenças de cinética já observadas para a
desrepressão das diversas funções talvez possam ser explicadas por diferentes graus de afinidade entre a
proteína LexA e o operador ao qual ela se fixa. Algumas destas funções serão resumidamente abordadas a
seguir.

Reativação e mutagênese induzidas de fagos

Quando um fago, lesado pela radiação ou por um agente químico, infecta uma bactéria, os sistemas
enzimáticos desta podem, em muitos casos, reparar, total ou parcialmente, as lesões formadas no DNA viral, o
que constitui o fenômeno da reativação pela célula hospedeira. Quando, entretanto, a bactéria foi previamente
também irradiada, verifica-se um significativo aumento da capacidade de multiplicação viral, o que constitui a
reativação induzida do fago, também denominada Weigle-reativação. Esta reativação é acompanhada de
elevada mutagênese entre os fagos produzidos, fenômeno designado como mutagênese induzida do fago ou
Weigle-mutagênese. A Weigle-reativação e a Weigle-mutagênese encontram-se esquematicamente
representadas na Figura VII-80.
A

Figura VII-80 - Weigle-reativação e Weigle-mutagênese. A) Esquema experimental para


observação dos fenômenos; B) Aumento da sobrevivência de fagos irradiados, quando
utilizados para infectar células também lesadas; C) aumento da mutagênese, nas mesmas
condições.

Uma vez que a expressão dos dois fenômenos, depende de mecanismos bioquímicos que se processam
no interior da célula, é fácil prever que eles alcancem suas máximas amplitudes algum tempo após a irradiação,
tempo este que, em E. coli, corresponde a cerca de 30 minutos; assim, sua visualização torna-se mais fácil se os
fagos irradiados infectarem as bactérias meia hora após a exposição destas à radiação, ficando as células,
durante este tempo, em condições que assegurem síntese proteica.
Embora existam significativas analogias entre a Weigle-reativação e a Weigle-mutagênese, os dois
fenômenos não podem ser considerados como expressão de um único mecanismo. O aumento de sobrevivência
depende da funcionalidade dos genes uvrA, uvrB, uvrC, umuC e umuD, mas pode ocorrer em duplos mutantes
recA(Def) lexA(Def), nos quais a mutagênese não é observada. Assim, é possível admitir que a reativação exija
somente a desrepressão dos genes implicados nas funções SOS, requisito atendido nos referidos mutantes, dada
a alteração da proteína LexA, mas mutações no fago parecem exigir, além da desrepressão destes genes, a
funcionalidade da proteína RecA.

Mutagênese bacteriana
VII 86

Como já foi referido, mutações podem ocorrer por erros de emparelhamento durante a replicação
semiconservativa do DNA, como ocorre em células tratadas com certos agentes alquilantes (EMS, MMS,
MNNG, etc.), constituindo a mutagênese direta. Adicionalmente também ocorre a chamada mutagênese
espontânea, que engloba todas as mutações para as quais os conhecimentos atuais não permitem identificar um
agente causal (as ERO e os sítios AP, talvez possam justificar algumas ou muitas destas mutações).
Mas estas formas de alteração do conteúdo informacional representam somente uma pequena fração do
total de mutações produzidas nas células. A maior parte é consequência de processos incorretos de reparação
das lesões provocadas no material genético o que constitui a mutagênese indireta.
As mutações gênicas consistem em modificações da seqüência de nucleotídeos de um determinado
gene, do que resulta a perda da atividade do produto por ele codificado, ou sua alteração; no nível molecular,
este tipo de mutação pode ser provocado por dois mecanismos básicos, quais sejam:
a) a substituição de uma base nitrogenada por outra, fenômeno que inclui as transições (substituição de
uma purina por outra purina ou de uma pirimidina por outra pirimidina) e as transversões (situação na qual uma
base purínica é substituída por uma pirimidínica, ou vice versa), mostradas na Figura VII-81.

Figura VII-81 - Mecanismos de mutagênese por substituição de bases


nitrogenadas. A) transição; B) transversão.

b) o deslocamento do referencial de leitura do código genético ("frameshift"), consequente à inserção,


ou à deleção, de um ou mais nucleotídeos do DNA, como pode ser visto na Figura VII-82.
A ocorrência de uma mutação gênica em uma célula pode ser detectada mediante a verificação da
alteração fenotípica dela dependente, tal como a impossibilidade de sintetizar uma certa enzima. Em muitos
casos, é possível verificar que esta enzima não está presente nas células mutadas, ao contrário do que ocorre nas
células originais, ditas do tipo selvagem em relação ao caráter genético considerado; em outras situações, a
enzima ainda é sintetizada, mas em quantidades reduzidas, ou com atividade diminuída. Uma vez que a
sequência de nucleotídeos de um gene pode ser determinada, torna-se relativamente fácil, analisar a mutação.
A expressão fenotípica de uma mutação gênica pode ser alterada pela introdução, no patrimônio
genético da célula, de outra mutação, capaz de atuar como supressora da primeira. A mutação supressora pode
ocorrer no próprio gene mutado (isto é, ser intragênica, como ocorre pela inserção ou deleção, de um
nucleotídeo em uma seqüência na qual tenha ocorrido defasagem do referencial de leitura), ou processar-se em
um gene distinto (supressão intergênica, que se expressa mediante modificação, por exemplo, da tradução do
RNA mensageiro correspondente ao gene mutado, acarretando a síntese de uma proteína ativa).
VII 87

Figura VII-82 - Mecanismos de mutagênese por defasagem do referencial de leitura. A)


inserção de um par de bases nitrogenadas; B) deleção de um par de bases
nitrogenadas; C) inserção de um par de bases e deleção de outro, em sítios próximos.

À luz dos conhecimentos atuais, deixando de lado alguns mecanismos que ainda não estão esclarecidos,
a mutagênese indireta parece ser uma forma de expressão das funções SOS. Uma evidência de sua existência
foi obtida por meio de experimentos nos quais o DNA do fago ΦX174, após irradiação com UV, foi adicionado
a extratos celulares obtidos de culturas de E. coli, irradiadas ou não. Nesta última situação, a síntese
semiconservativa é interrompida quando a polimerase encontra uma lesão, enquanto na primeira ela ultrapassa
as fotolesões, o que sugere a existência, nos extratos acelulares de bactérias irradiadas, de uma polimerase que
consegue replicar o DNA mesmo ultrapassando lesões e, consequentemente, não obedecendo rigorosamente às
informações contidas na outra hélice, o que representa um requisito para o reparo mutagênico.
A mutagênese indireta não é observada em mutantes recA (Def) ou lexA (Ind-), nem em ausência de
biossíntese proteica, o que permite incluí-la entre as funções SOS. Adicionalmente, em células de E. coli
portadoras de mutações nos genes umuC e umuD não ocorre mutagênese indireta, o que permite supor tenham
estes genes papéis fundamentais no processo; admite-se, assim, que eles sejam responsáveis pelo surgimento,
na célula, de uma polimerase incorreta, a mutapolimerase (em verdade a PolV, já descrita).
Esta enzima talvez também possa provocar erros de emparelhamento durante a replicação
semiconservativa de moléculas de DNA não lesadas, o que justificaria o aumento de mutagênese observado
quando fagos não irradiados infectam células previamente expostas a agentes físicos ou químicos. A PolIV foi
recentemente implicada neste processo.
A proteína RecA, além de desreprimir os genes umuC e umuD, quando se transforma em co-protease,
deve também desempenhar outro papel na mutagênese indireta, uma vez que o fenômeno não ocorre em duplos
mutantes recA (Def) lexA (Def), nos quais os genes umuC e umuD estão desreprimidos.
Recentemente foi detectado que a co-protease RecA também está envolvida na clivagem da proteína
UmuD, gerando UmuD’. UmuD’ na forma de dímero e em conjunto com UmuC constituem a mutapolimerase
DNA polimerase V, a maior geradora de mutagênese em E. coli.

Indução lisogênica

Já foi visto que um fago temperado pode incorporar-se ao cromossomo bacteriano, sob a forma de
profago, mantendo-se em uma espécie de equilíbrio, graças à atuação de um repressor, de natureza proteica,
codificado pelo profago. A inativação deste repressor leva ao rompimento do equilíbrio, permitindo a chamada
indução lisogênica. A destruição do repressor (ou mais precisamente a sua clivagem) pode ser desencadeada
por diversos tratamentos físicos (como irradiações) ou com certos agentes químicos (compostos mutagênicos e
cancerígenos, por exemplo).
Em culturas bacterianas, já foi possível, após o tratamento indutor, acompanhar o acúmulo de proteína
RecA, sua parcial transformação em co-protease RecA e a clivagem do repressor, o que também foi visto in
vitro, empregando repressor purificado, proteína RecA e um meio adequado, contendo oligonucleotídeos. A
VII 88

cinética de clivagem de repressor do fago pela co-protease RecA é bem mais lenta que a da proteína LexA,
apesar das analogias estruturais existentes entre elas.
Na Figura VII-83 pode ser vista a cinética de indução de uma cultura lisogênica de E. coli,
evidenciando-se a produção de fagos após a exposição a um agente que lesa o DNA, no caso a radiação UV. É
interessante ressaltar que esta indução não ocorre em cepas recA (Def), mas pode ser detectada em células lexA
(Ind-), embora seja mais lenta e conduza a uma menor produção de fagos; como, nestas condições, não deve
ocorrer desrepressão dos genes sob o controle da proteína LexA, é possível que as quantidades basais da
proteína RecA possam redundar na formação de co-protease RecA em quantidades suficientes para a clivagem
do repressor. Aliás, indução lisogênica em cepas selvagens foi observada em condições de bloqueio da
biossíntese proteica por um antibiótico, a rifampicina, que inibe a transcrição do DNA.

Figura VII-83 - Cinética de indução de uma cultura lisogênica de E. coli, após


irradiação com UV. A produção de fagos está expressa pelo número de unidades
formadoras de placas de lise (ufp) por mililitro de cultura.

Filamentação

Quando uma célula bacteriana sofre lesões produzidas por agentes físicos ou químicos, pode-se
evidenciar o fenômeno da filamentação, que consiste no progressivo aumento das dimensões celulares,
especialmente do comprimento, sem que ocorra a septação. Se o fenômeno atingir uma amplitude excessiva,
ele será irreversível e conduzirá à inativação; em caso contrário, o filamento pode sofrer septação, dando
origem a duas ou mais células viáveis, isto é, capazes de formar colônias em meio de cultura gelosado. A
filamentação pode ser provocada pela expressão fenotípica de algumas mutações em genes que controlam a
replicação do DNA, assim como pela indução das funções SOS. Em E. coli, a formação de filamentos após
tratamento com agentes físicos ou químicos é dependente do produto de dois genes, sulA e sulB, anteriormente
designados como sfiA e sfiB, ambos sendo reprimidos pela proteína LexA, o que explica possam ser transcritos
quando a célula acumula co-protease RecA. É bastante provável que a filamentação, desde que não excessiva,
propicie melhores condições para a manutenção da viabilidade celular após a produção de lesões no DNA. Um
dos modelos aceitos para explicar o fenômeno consiste em admitir que a desrepressão dos genes da
filamentação levaria à biossíntese de um ou mais fatores proteicos, capazes de inibir a septação celular (por
inibir a polimerização de Ftz) e, consequentemente, a divisão; corrigidas as lesões do DNA, a síntese deste fator
cessaria e o filamento se dividiria em duas ou mais células.

Outras funções SOS

Como já foi mencionado na tabela VII.3, diversas outras funções SOS foram caracterizadas, todas
dependentes da funcionalidade dos produtos dos genes recA e lexA, cujos mecanismos moleculares só agora
começam a ser esclarecidos. Entre elas, merecem especial menção o bloqueio da respiração celular, a
degradação do DNA pós-irradiação e a radiorresistência induzida.
VII 89

O bloqueio da respiração celular pós-irradiação constitui uma função SOS cuja natureza molecular
ainda não está esclarecida, não ocorrendo em mutantes recA (Def) ou lexA (Ind-), nem em ausência de
biossíntese de proteínas. É possível que este bloqueio da respiração forneça melhores condições à célula para
sobreviver após exposição à radiação.

A degradação do DNA pós-irradiação é, em grande parte, mediada pela exonuclease V, produto dos
genes recB, recC e recD, cuja ação é controlada pela proteína RecA. Assim, torna-se fácil entender que em
mutantes recA (Def) esta degradação seja intensa e possa, em muitos casos, conduzir à inativação celular.
Logo, à semelhança do que foi visto para a filamentação, um certo nível de degradação do DNA parece
favorecer a manutenção da viabilidade celular, mas, se exagerada, ela deve conduzir ao resultado oposto.

A radiorresistência induzida consiste no fato de que células previamente expostas a doses


relativamente reduzidas de UV ou de radiações ionizantes tornam-se mais resistentes a uma nova irradiação
com estas últimas; uma vez que este fenômeno depende dos mesmos requisitos que as funções SOS, ele
costuma ser incluído entre as respostas celulares induzidas pela presença de lesões no DNA. Como algumas
enzimas ligadas ao reparo são acumuladas intracelularmente após a exposição à radiação ou a agentes químicos,
torna-se lógico supor que este acúmulo crie melhores condições para a sobrevivência a uma segunda irradiação.

Funções SOS em eucariotos ?

A existência, em células de mamíferos, de funções análogas às que acabam de ser descritas em


bactérias constitui um dos pontos mais polêmicos entre os foto e radiobiologistas. Diversos fenômenos
foram observados e interpretados como uma forma de expressão de mecanismos induzidos de reparação
do DNA em eucariotos, mas, em muitos casos, outras interpretações são igualmente possíveis.
Entre os mecanismos descritos, o aumento de sobrevivência de vírus irradiados, quando infectam
células de diversas linhagens também lesadas por tratamentos físicos ou químicos, parece constituir a
menos controvertida forma de expressão de funções análogas às SOS. Este fenômeno foi observado, por
exemplo, com fibroblastos humanos, células de rim de macaco, células HeLa e células de xeroderma
pigmentosum, após exposição ao UV ou aos raios X. Mas a parcial sincronização da divisão celular
promovida por estes tratamentos talvez possa justificar o aumento de sobrevivência, independentemente
de alguma forma de desrepressão gênica.
A hipótese da existência de um mecanismo geral do controle de diversos genes em eucariotos é
bastante atraente, pois, se verificada experimentalmente, ela poderia justificar inúmeros fenômenos da
maior relevância, entre os quais a própria transformação neoplásica.

Genes e proteínas induzidas por lesões no DNA

Existem cerca de 20 genes GADD (Growth Arrest by DNA Damage), definidos por um aumento
de seus transcritos após o aparecimento das lesões.
β por agentes alquilantes é bem documentada e
Entre as proteínas de reparação a indução de Polβ
existem evidências que O6MGT é induzida por MNNG e outros agentes, incluindo UV, por mecanismos
ainda desconhecidos. Uma proteína que se liga a lesões do DNA (DDB) é induzida por UV e cisplatina.
Ela se liga ao fotoproduto 6-4 mas não ao dímero ou adutos de cisplatina e está ausente em alguns
pacientes XPE, mas não em outros.
A heme oxigenase, que faz o heme ser convertido em bilirrubina (aceptor de ERO) é altamente
induzida por UV longo e H2O2 e existem algumas evidências de que ela tenha um papel na defesa celular
como antioxidante.

Reativação de vírus

Como descrito para E. coli , uma das respostas SOS é o aumento da sobrevivência e mutagênese
de bacteriófagos em células irradiadas (W-reativação e W-mutagênese). Experimentos similares foram
realizados em células humanas usando uma grande variedade de tratamentos e vários tipos de vírus
(herpes simplex, citomegalovírus, etc).
Os pré-tratamentos das células foram feitos com UV, raios X, agentes alquilantes, cafeína,
hidroxiuréia, etc., e os vírus foram submetidos aos mesmos tratamentos ou com outros agentes lesivos.
VII 90

Na maioria dos casos os resultados foram negativos e, quando positivos, foram altamente
variáveis e muito menores do que os observados para a W-reativação em E. coli.
A reativação foi observada em células XP e vírus herpes simplex, mostrando que o fenômeno
seria independente da reparação por excisão de nucleotídeos, entretanto, muitos estudos foram
realizados posteriormente e os resultados não foram confirmados, e principalmente, nunca foi detectado
aumento de mutagênese em vírus herpes tratados com radiação UV.

ALTERAÇÕES GENÉTICAS E REPARO DO DNA NA CARCINOGÊNESE HUMANA

Alterações genéticas

Dados experimentais e epidemiológicos suportam uma associação causal entre alterações genéticas e
câncer. A inativação mutacional de genes supressores de tumor e a ativação de oncogenes estão associadas à
maioria dos cânceres, sendo que a maioria das substâncias mutagênicas é cancerígena. Além disto, a
deficiência em reparação do DNA é associada ao risco de cancerização, já que a deficiência em reparação pode
conduzir à mutagênese.
É postulado que a mutagênese tem um papel tanto na iniciação como na progressão da carcinogênese,
já que o processo celular que suprime a mutagênese está comprometido.
A associação entre alterações genéticas e câncer foi observada há muitos anos. Por exemplo, a
translocação cromossômica denominada Philadelphia é encontrada na maioria dos glóbulos brancos de
pacientes com leucemia. Adicionalmente as células tumorais apresentam instabilidade genética, aberrações,
rearranjos, aneuploidia, etc.
O início do entendimento das alterações genéticas veio dos estudos de vírus oncogênicos. Vírus
oncogênicos a RNA expressam oncogenes c-ras e c-myc, que permitem a transformação pelos vírus e têm
homologia com proto-oncogenes humanos RAS e MYC. Posteriormente foi detectado que RAS e MYC são
superexpressos em células cancerosas através de potentes promotores heterólogos.
O estudo do retinoblastoma humano levou à detecção do gene supressor de tumor RB
(RetionoBlatoma), cuja perda de função leva à formação de tumores na retina de crianças.
Outro supressor de tumores é a proteína p53, que inicialmente foi identificada como o alvo do vírus
tumoral SV40 e mais tarde foi mostrado estar inativada em uma série de células tumorais.
Mutações puntiformes e deleções são encontradas em RB e TP53 e, a perda do segundo alelo em
cânceres hereditários ocorre com frequência aumentada. Diversos genes supressores são conhecidos
atualmente.
Foi postulado que o mínimo de mutações requeridas para a transformação oncogênica em humanos
inclui inativação de TP53 e RB, ativação de RAS (ou outros membros desta via) e expressão constitutiva de
TERT, genes que controlam a proliferação celular. As mutações mais prevalentes nos cânceres humanos são
nos genes repressores TP53 e RB, e são representadas tanto por troca de bases como por deleções/inserções.
A proteína RB é o regulador chave do ciclo celular e a perda desta função leva à proliferação celular e
falência da diferenciação terminal, isto é, um aumento do “nascimento celular”. A proteína p53 é importante na
resposta celular ao estresse, controlando o reparo do DNA o ciclo celular e a apoptose, por isso a perda de
função da p53 pode levar à diminuição da apoptose, isto é, um decréscimo da “morte celular”, por isto, a
inativação destes genes leva a um aumento do número de células, isto é, à proliferação celular.
O desenvolvimento do câncer pode ser também promovido por mutações que ativam a expressão de
proto-oncogenes que regulam a proliferação celular, através da secreção de fatores de crescimento (PDGF),
receptores de tirosina cinase de superfície (EGFR, HER), sinais de tradução de proteínas G (RAS) e fatores de
transcrição nuclear (MYC).
Mutações “missense” em RAS são encontradas em cerca de 20% dos cânceres estudados. O gene MYC
é normalmente ativado por rearranjos que colocam o gene sob o comando de promotores fortes, levando ao
aumento do número de cópias de mRNA. Estes fatores conduzem à estimulação da proliferação celular, levando
à expansão da população celular, acumulando-se com os efeitos da perda da função da supressão de tumores.
Um requerimento adicional peara o desenvolvimento do câncer é a “imortalização” celular. Células
normais têm um número finito de divisões e morrem. Isto é atribuído ao encurtamento gradual das sequências
repetidas teloméricas no final dos cromossomos, que os protegem contra a degradação e junção dos seus
terminais. A ausência de telômeros leva à instabilidade genética e morte celular por apoptose. As células
VII 91

tumorais conseguem se “perpetuar” ligando o gene da telomerase (TERT), que codifica uma enzima que
mantém o comprimento do telômero.

Mutadores, proliferação e desenvolvimento de câncer

Foi estimado que muitas células tumorais têm milhares de mutações. Entretanto, não está claro se a
instabilidade genética é a causa ou a consequência do fenótipo do câncer. Diversos argumentos sugerem que o
fenótipo mutador seja a causa do câncer. Por esta hipótese é assumido que pelo menos 5 eventos (mutações) são
requeridos para o desenvolvimento do câncer
Assumindo que as mutações somáticas são em torno de 10-6 por divisão celular, a probabilidade de 5
eventos independentes ocorrerem em uma célula seria de 10-30 por divisão. Mesmo considerando que temos
1014 células no corpo e em torno de 50 divisões durante a vida, isto leva a um risco calculado de 10-15. Desde
que o câncer é muito mais prevalente que isto, é sugerido que um aumento da frequência de mutações seja
necessário para o desenvolvimento do câncer.
Embora seja claro que um aumento da mutagênese possa promover o desenvolvimento do câncer, pode
ser questionado que em tecidos altamente proliferativos a indução do fenótipo mutador não seja um pré-
requisito para o desenvolvimento do câncer. Neste caso, podem ocorrer divisões suficientes de células
promovendo acumulação de mutações que promovem vantagem seletiva e expansão clonal.
Se o primeiro evento provoca uma vantagem no crescimento da célula, ela irá proliferar, aumentando a
probabilidade do segundo evento dentro da população expandida. Isto está de acordo com o aumento de câncer
com a idade. Tempo maior e maior número de divisões aumentam a probabilidade de geração do estado
mutador ou mais mutagênese e expansão clonal.
É bem conhecido que a estimulação da proliferação celular tanto por injuria como por promotores de
tumor ou hormônios podem aumentar os efeitos mutagênicos de agentes genotóxicos. Por exemplo, o promotor
de tumor TPA (forbol 12-miristato 13 acetato) aumenta a frequência de mutações induzidas pelo
benzo[a]pireno, em camundongos, devido ao aumento da proliferação das células lesadas. Isto é também
observado com N-etil-N-nitrosoureia, cuja mutagenicidade é dramaticamente aumentada em fígado com
hepatectomia parcial (que aumenta a proliferação celular).
É possível que a proliferação celular induzida por hormônios como estrogênio ou hiperplasia por
agentes externos como arsênico possam aumentar a mutagênese. Tais agentes estimulam a expansão da
população mutante, que adquiriu vantagem seletiva e ambos os efeitos contribuem para a ligação entre
proliferação celular e aumento do risco de câncer.

Mecanismos epigenéticos

Alterações na expressão de genes ligados ao câncer podem ocorrer por mecanismos epigenéticos. O
mais conhecido mecanismo epigenético envolve e metilação do DNA e a acetilação, metilação e fosforilação de
histonas. A desmetilação de regiões promotoras nas sequências GpC podem levar à superexpressão de proto-
oncogenes e o silenciamento da expressão gênica pode ocorrer como resultado da hipermetilação, podendo
conduzir à condensação cromossômica.
Parece haver uma relação entre a metilação do DNA e modificações nas histonas. Algumas
desacetilações e metilações de histonas estão associadas com a metilação do DNA e silenciamento de genes.
Estas mudanças epigenéticas também podem tornar os genes mais suscetíveis a lesões, alterando a sensibilidade
de algumas sequências à mutação.

TESTES PARA IDENTIFICAÇÃO DE COMPOSTOS MUTAGÊNICOS E (OU)


ONCOGÊNICOS
VII 92

Nas últimas décadas, inúmeros argumentos experimentais foram acumulados indicando o papel
desempenhado por lesões produzidas no DNA como agentes causais de mutações, do desenvolvimento de
diversos tipos de câncer, do aparecimento de mal-formações congênitas e de outros processos patológicos.
Muitas destas lesões são originadas por agentes físicos e químicos existentes no meio ambiente aos
quais a população está normalmente exposta, como é o caso de diversos fármacos, de muitos agrotóxicos, de
alguns produtos cosméticos, de poluentes industriais, de aditivos alimentares, etc.
O número de compostos químicos aos quais o homem está exposto, já se aproxima de 120.000, aos
quais se acrescem, a cada ano, entre 1.000 e 2.000 novos produtos. A análise dos riscos envolvidos na
utilização de todas estas substâncias é de indiscutível importância, mas constitui, a curto ou médio prazo, tarefa
praticamente inexequível.
A metodologia mais adequada para a investigação dos riscos potenciais decorrentes do emprego de
compostos químicos é a experimentação com animais de laboratório, mas esta conduta encontra obstáculos
praticamente intransponíveis, tais como: (i) o alto preço de cada análise, dados a relativa complexidade do
trabalho e o elevado número de animais a serem tratados, o que leva o estudo de um único produto a custar
algumas centenas de milhares de dólares; (ii) o fato de só serem obtidos resultados com significação estatística
após 2 ou 3 anos de experimentos; (iii) as dificuldades de detectar riscos inerentes a drogas que produzam
efeitos em pequena escala, pois isto exigiria fossem utilizados alguns milhares de animais, o que tornaria
inexequível a realização da pesquisa.
Por estas razões, nos últimos 10 anos foram desenvolvidos testes menos onerosos e capazes de fornecer
resultados em prazos mais curtos, dotados de elevado índice de confiabilidade. Neste sentido, particularmente
úteis se mostraram os trabalhos realizados com células em culturas, frequentemente designados como testes
rápidos. De forma esquemática, estes testes podem ser incluídos em um dos seguintes grupos:
a) medida da mutagênese observada em culturas de bactérias, de leveduras e de células de mamíferos;
b) avaliação da transformação celular;
c) medida da interação dos compostos químicos com o DNA ou avaliação das lesões nele produzidas;
d) determinação da intensidade do reparo do DNA após tratamento com a substância em estudo;
e) avaliação da expressão das funções SOS;
f) detecção de aberrações cromossômicas induzidas ou troca entre cromátides irmãs.
Os testes fundamentados na medida da mutagênese de células em cultura são de execução
relativamente simples, especialmente quando utilizadas preparações de bactérias ou de leveduras. Hoje, a
metodologia mais difundida com esta finalidade é o chamado "teste de Ames" ou "Mutateste", empregado por
mais de 2.000 laboratórios no mundo e por meio do qual já foram analisados milhares de compostos químicos.
Análises desta natureza visam à determinação da reversão para prototrofia de cepas de Salmonella typhimurium
auxotróficas para histidina e biotina e, conforme a natureza da cepa empregada, permitem distinguir compostos
que atuem promovendo substituições de bases nitrogenadas dos que agem por defasagem do referencial de
leitura; procedimentos análogos têm sido eventualmente adotados com outros gêneros de bactérias, tais como E.
coli e B. subtilis.
O desenvolvimento de técnicas para o cultivo de células de mamíferos tornou possível o emprego de
diferentes metodologias visando à avaliação da toxicidade genética de compostos químicos nesta células,
inclusive em fibroblastos humanos. Evidentemente, a utilização experimental de sistemas biológicos mais
próximos ao homem, especialmente se comparados com os sistemas bacterianos, justifica o interesse
despertado por análises desta natureza. Hoje, já é possível o estudo da mutagênese provocada em células de
mamíferos, medindo-se o aparecimento de mutantes resistentes a determinados compostos. Assim, por
exemplo, mutações ocorridas no locus HGPRT (hipoxantina guanina fosforribosil transferase), presente em
cópia única no cromossomo X, podem tornar as células resistentes à 8-azaguanina e à 6-tioguanina; da mesma
forma, resistência à oubaína, que depende de uma expressão gênica dominante, resulta em alterações na
atividade da ATPase sódio-potássio dependente. O recente isolamento de linhagens celulares obtidas de
roedores, deficientes no reparo do DNA, deve permitir, a médio prazo, o desenvolvimento de testes mais
confiáveis para avaliação de atividades mutagênicas. Além disto, ensaios para detecção de mutações reversas
em vírus infectantes de células de mamíferos e a indução do vírus SV40 em células por ele transformadas
também podem ser empregados como indicadores do potencial mutagênico de produtos químicos. Por
enquanto, uma vez que estes testes são relativamente onerosos e exigem significativo tempo de trabalho para
sua realização, ainda parece justificável a avaliação de lesões produzidas no DNA como indicadora de
potencialidade mutagênica e (ou) oncogênica, admitida a premissa de que qualquer agente capaz de promover
tais lesões deva alterar o conteúdo informacional, o que provavelmente é verdade para a grande maioria dos
compostos químicos.
VII 93

O acompanhamento da cinética de reparo, após tratamento de células em cultura com determinado


agente químico, tem sido frequentemente apontado como teste válido para identificação de atividades capazes
de produzir lesões no DNA; recentemente, diversas técnicas de medida dos processos de reparo foram
analisadas como indicadores de capacidade mutagênica, quais sejam: (i) análise do DNA por sedimentação em
gradientes de cloreto de césio; (ii) análise cromatográfica em colunas de celulose; (iii) análise por fotólise de
DNA contendo bromodeoxiuridina; (iv) eluição alcalina do DNA tratado; (v) análise por sedimentação em
gradientes de sacarose; os resultados deste estudo, não foram favoráveis à utilização dos testes baseados
unicamente na capacidade de reparação como indicadores de atividades mutagênicas e (ou) oncogênicas.
Os testes fundamentados na avaliação da expressão das funções SOS, constituem indicadores de valia
para a detecção de genotoxicidade em composto químicos. Entre as diferentes funções SOS, além da
mutagênese, costuma ser analisada a indução lisogênica e a filamentação. A medida da primeira constitui o
chamado "Induteste", normalmente realizado em culturas de E. coli deficientes no reparo por excisão e
portadoras de mutações que as tornam bastante permeáveis a inúmeras drogas. A filamentação pode ser medida
diretamente, empregando dispositivos eletrônicos capazes de estabelecer as dimensões das células em cultura,
mas sua avaliação fica bastante facilitada quando, por meio de manipulação genética, o gene estrutural para
determinada enzima fica controlado pelo operador de um dos genes SOS.
Os estudos citogenéticos das aberrações cromossômicas produzidas em células em cultura, mediante
tratamento com compostos químicos, constituem técnica de realização simples. Os testes são considerados
suficientemente reprodutíveis, embora a sensibilidade não seja muito elevada. De qualquer forma, eles podem
fornecer subsídios importantes para a análise crítica dos riscos inerentes ao emprego de drogas, especialmente
se utilizados em conjunto com outros testes, como os de mutagênese e indução das funções SOS.
Quando os cromossomos ou cromátides sofrem quebras, os fragmentos acêntricos não conseguem se
dirigir aos pólos durante a anáfase. Na telófase estes pedaços de cromatina não são incluídos nos núcleos das
células filhas e assim formam os micronúcleos, que são observados no citoplasma das células.
Este teste não define que tipo de aberração cromossômica foi causada, sendo utilizado como triagem
inicial. Para determinar os tipos de aberrações deve ser realizado um estudo mais completo, com a observação
de todos os cromossomos ao microscópio.
Algumas substâncias só se mostram capazes de promover lesões no DNA se convertidas em formas
ativas, o que muitas vezes é possível mediante o tratamento com enzimas obtidas de extrato de fígado de
roedores; este procedimento, denominado ativação por metabolização, tem sido bastante empregado para a
realização de testes visando a detectar compostos mutagênicos e (ou) potencialmente oncogênicos.
Considerando as características técnicas dos diferentes testes disponíveis, seus respectivos custos, a
incidência de resultados errôneos ("falsos-positivos" ou "falsos-negativos"), a reprodutibilidade dos resultados,
a experiência já acumulada e diversos outros fatores, alguns procedimentos experimentais parecem reunir
melhores condições para o seu emprego em larga escala. São eles;
a) mutagênese em Salmonella typhimurium, empregando-se cepas indicadoras de mutações por troca
de bases nitrogenadas e por defasagem do referencial de leitura, cujo esquema experimental e alguns resultados
obtidos podem ser vistos nas Figuras VII-84, 85 e 86;
VII 94

Figura VII-84 – Esquema experimental do teste de Ames

TA100 – Azida sódica 0, 2,5 e 5ug placa

Figura VII-85 – Teste de Ames com diferentes doses do composto


VII 95

TA100 mms 10 ul

Figura VII-86 – Teste de Ames qualitativo

b) a indução lisogênica de culturas de E. coli cujo esquema experimental e alguns resultados podem ser
vistos nas Figuras VII-87, 88 e 89;

Figura VII-87 - Esquema experimental do Induteste


VII 96

Figura VII-88 – Induteste qualitativo

Figura VII-89 – Resultado experimental obtido no Induteste

c) o acúmulo da enzima beta-galactosidase, colocada sob o controle do promotor do gene sulA (sfiA)
que comanda a filamentação bacteriana, uma das funções SOS. Os princípios básicos, o esquema experimental
e exemplos de resultados podem ser vistos nas Figuras 90, 91, 92 e 93.
VII 97

Figura VII-90 – Princípios básicos do Cromoteste

Figura VII-91 – Esquema experimental do Cromoteste


VII 98

Figura VII-92 – Resultado experimental obtido no Cromoteste

Figura VII-93 – Cromoteste qualitativo

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