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Salvador e suas encostas

Deslizamentos de terra são eventos motivados por diversos fatores e que ocorrem em terrenos
de relevos acidentados – de forma natural – ou em áreas cujos perfis naturais foram alterados
pela realização de obras e serviços sem que os cuidados adequados tenham sido observados.
Para situar melhor o nosso comentário estamos considerando nesse momento apenas os
deslizamentos de terra ocorridos nas cidades, especialmente em Salvador.

Pesquisando um pouco vamos encontrar um importante trabalho de autoria do engenheiro


Jean Gonçalves Santana intitulado “Acidentes com escorregamento de terra nas encostas de
Salvador-Ba: Contexto histórico” que nos proporciona informações importantes sobre o tema.

De acordo com Santana, os organismos oficiais responsáveis têm registros de deslizamentos


de terra datados de 1551, 1714, 1716, 1721, 1732,1748, 1754, 1795, 1797, 1813, 1846, 1868,
1878 e 1880. Aí o autor interrompe a relação para retornar a listar ocorrências em 1926, 1935,
1964, 1966, 1968, 1969, 1971, 1975, 1978, 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996,
1997, 1998, 1999, 2002 e 2004.

Como podemos ver esses eventos não são desconhecidos de ninguém. É claro que muitas
contenções já foram executadas e varias encostas devidamente estabilizadas, porém, as
populações menos favorecidas continuam a instalar as suas precárias moradias nas áreas
disponíveis, as quais, coincidentemente, são áreas impróprias para a construção de
habitações, que continuam a ser erigidas sob o olhar permissivo e inconsequente das
autoridades que deveriam ser mais enérgicas nos processos de ocupação das terras de
Salvador. São tragédias que se repetem por mais de 400 anos, conforme Santana demonstra
no seu trabalho.

Portanto, as áreas e pontos de risco das encostas de Salvador precisam ter um programa que
cuide das obras e serviços que precisam ser executados para que essas áreas e pontos
deixem de ser de risco. As providências nesse sentido precisam ser tomadas continuadamente,
não importa qual seja o governo de plantão. Alguém tem de chamar a si essa responsabilidade,
seja ele estadual ou municipal. Inadmissível é que todos os anos, ao começarem os períodos
de chuvas intensas, a população que mora nas áreas e pontos de risco e que não têm para
onde ir, pois não existe um programa realmente eficiente que resolva o problema habitacional
da população de baixa renda, fique sujeita às ocorrências fatais e à perda do pouco que
conseguiram construir e adquirir por insensibilidade e falta de vontade política dos governantes.

No dia 30 de junho de 2010, A Tarde on Line [1] informava: “Codesal registra cerca de 540
áreas de risco em Salvador”.

A Defesa Civil de Salvador (Codesal) informou nesta quarta-feira, 30, que existem cerca de 540 áreas de
risco e 2.100 pontos de risco na capital baiana. A estimativa é que cerca de 100 mil pessoas estejam
habitando as áreas de risco na cidade.

Alguns cuidados devem ser tomados pela população a fim de identificar os perigos oferecidos
especialmente nos períodos de chuva. Sinais evidentes como rachaduras nos imóveis e nos terrenos
podem significar um possível desabamento ou deslizamento de terra, principalmente para quem mora
em encostas ou perto de rios e córregos.
Salvador é um município que não possui os recursos necessários para enfrentar todos os seus
problemas. O município está quebrado. No dia 29, próximo passado, a Rede Dia [2] publicou o
artigo que se segue, comprovando o que estamos dizendo:

Cidade completa 462 anos em crise financeira

Terceira maior cidade do Brasil, Salvador completa 462 anos nesta terça-feira (29) em meio a uma crise
financeira que afeta a prestação de serviços públicos e a popularidade do prefeito João Henrique (PP).

A capital baiana fechou 2010 com um rombo de R$ 276 milhões em caixa, o equivalente a cerca de 10%
da arrecadação do município. Ou seja, sem dinheiro para pagar obrigações financeiras de curto prazo. É
a pior situação de disponibilidade de caixa entre as 17 capitais com dados finais de 2010 disponíveis no
Tesouro Nacional. As que ainda não tem os dados finais de 2010 são: Boa Vista, Brasília, Cuiabá, João
Pessoa, Macapá, Maceió, Manaus, Palmas, São Paulo e Teresina.[2]

Esta é a situação e as chuvas virão de novo, vale a pena lembrar. Vale lembrar também que “O
desconhecimento da história, dizem, nos leva a repetir os erros do passado. Mas, também, a
dizer o que já foi dito, pensar o que foi pensado” (Palácios, 2010) [3] Portanto, não se precisa
inventar nada, a solução existe e já foi amplamente testada. Só não é empregada porque não
há interesse. Tendo em vista que a falta de recursos é um fato consumado, porque não se
buscar soluções alternativas, consideradas não convencionais e que sejam mais baratas? Nos
países do oriente – China, Índia, Japão, Indonésia, Nepal, etc. -, e em outros das Américas –
Colômbia, Equador, Costa Rica, Cuba, etc. (países que sofrem com terremotos) -, o bambu é
um agente natural inigualável de controle da erosão, uma vez que, o seu sistema especial de
raízes cria uma verdadeira malha flexível, constituindo-se num mecanismo eficaz de fixação do
solo, evitando o desmoronamento das margens dos cursos d´água, de proteção das áreas
desflorestadas – evitando-se o surgimento das voçorocas – e, por conseguinte, de encostas e
de taludes. O trabalho efetuado pelos rizomas (raízes), que se espalham bastante por toda a
área e reforça, sobremaneira, o solo, evitando a formação dos “rios de lama”, criados pelas
águas das chuvas e material carreado, que levam ao enfraquecimento dos taludes e
contribuem decisivamente para os escorregamentos dos mesmos.

Além desse reforço, o bambu proporciona uma proteção adicional à área por ele recoberta.
Devido à forma das suas folhas, ao grande dossel criado pelas touceiras, à flexibilidade dos
colmos e à deposição das folhas que caem sobre o solo, calcula-se que esse sistema,
intercepte até 25% (vinte e cinco por cento) do volume de precipitação pluviométrica, evitando
o seu impacto direto com o solo e não permitindo os processos de erosão maciça, ao contrário
das bananeiras, comumente plantadas nessas ocupações irregulares, que produzem um efeito
altamente negativo, haja vista que as suas raízes por diversos motivos, não exercem o papel
de elementos estruturadores do solo e sim de desagregadores.

No Brasil já se estão empregando os bambus com essa finalidade de proteger e conter taludes
e encostas há algum tempo. Na Bahia, na área de contenção de taludes, trabalhos importantes
foram realizados, destacando-se as proteções de barragens situadas em São Desidério e
Correntina há cerca de dez anos, estão “funcionando” perfeitamente e foi baratíssimo em
relação aos processos tradicionais que, inclusive, alguns deles foram empregados e não
aprovaram.

Não estamos advogando a substituição de todos os processos tradicionais de contenção pela


contenção com bambu; existem situações em que esse método não se aplica. Porém, porque
não usá-lo aonde seja viável? Se existem dúvidas quanto à sua eficiência, o mesmo é tão
barato que não custa tentar, uma vez que não existem recursos para a aplicação de outras
soluções. Além do mais, a própria comunidade poderia ser envolvida no processo, gerando
então trabalho e renda.

Virgilio de Senna
Arquiteto
Em 04.04.2011

[1] http://www.atardeonline.com.br/cidades/noticia.jsf?id=4716889
[2] Fonte: Último Segundo
http://www.diasalvador.com/noticia/5912/cidade+completa+462+anos+em+crise+financeira
[3] Gonçalo Armijos Palácios
http://www.jornalopcao2.com.br/index.asp?secao=Ideias&subsecao=Colunas&jornal=410

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