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ANÁLISE ERGONÔMICA & LINGÜÍSTICA APLICADA NUM

POSTO DE MARCAÇÃO DE EXAMES DE RAIO-X

França, Maristela Botelho


Doutoranda em Lingüística Aplicada no LAEL/PUC-SP, estagiária do GENTE/COPPE/UFRJ e Profª do
Deptº de Processos Técnicos Documentais da Uni-Rio. Av. Pasteur, 458 - CCH - Urca, Rio de Janeiro - RJ

Abstract

This study analyses problems related to the scheduling of radiological examinations made at
University Hospital Clementino Fraga Filho of Federal University of Rio de Janeiro using
theoretical and methodological background derived from the Ergonomic analysis of work
and Applied Linguistics. According to this perspective, real betterment of work supposes
both the collective formulation of problems - researchers and workers involved with the
whole process of the service - and knowledge of the operative regulations made by
workers to improve their tasks. Based on this assumption, this study observes and analyses
the day- by- day activities at Radiology trying to share the vision worker have of what they
really do and of what they are supposed to do using communicational and technological
supports. This study also poses the question of how discourse analyses may add to improve
the activities related to the scheduling of radiological examinations.
Organização do trabalho
Key words: hospital ergonomics, Applied Linguistics, discourse analyses

1. Breve histórico da parceria entre o GENTE/COPPE/UFRJ e HUCFF

O governo Collor e o governo FHC marcam na História brasileira um período de


mudanças radicais na estrutura da sociedade. Engendradas pela esferas político-econômicas
mundiais dominantes, essas mudanças são apontadas como essenciais não só para se reter a
crise econômica como também para que se possa caminhar no ritmo dos avanços
tecnológicos. Reformas nos setores de produção e no papel desempenhado pelo Estado
estão sendo estabelecidas com base na crença de que, para garantir a sobrevivência mundial,
há necessidade de se promover privatizações bem como de se permitir a desregulação das
relações trabalhistas e dos cuidados com a saúde como forma de reduzir o papel do Estado.
No âmbito dos serviços públicos em geral, a situação é crítica: cortes de verbas,
demissão de pessoal e privatização. É esperado e desejável que, em meio a esse cenário,
profissionais ligados a diferentes disciplinas estejam sendo convocados a mobilizarem seus
saberes através de pesquisas coletivas de modo a encontrar formas de intervir no mundo do
trabalho capazes de produzir mudanças com sentido humano e democrático.
Reconhecendo, nesse contexto, a necessidade de modernização gerencial dos
hospitais públicos com vistas à melhoria do faturamento, da assistência ao paciente e das
condições de trabalho dos profissionais, a direção do Hospital Clementino Fraga Filho
(HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro teve interesse em iniciar uma parceria
estabelecida com o GENTE - Grupo Integrado de Ergonomia e Novas Tecnologias do
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da COPPE com uma base de
trabalho comum que originou o Programa de Capacitação em Ergonomia Hospitalar
(PROCEH).
Dentre os saberes convocados para essa empreitada no HU - Ergonomia Situada,
Filosofia, Psicologia do trabalho - a Lingüística Aplicada, através dos estudos da linguagem
situada ou da linguagem enquanto atividade de trabalho, ganhou o terreno por onde nos
propusemos a trilhar na base de uma pesquisa pluridisciplinar.
Foi constituída uma equipe de pesquisa que ficou conhecida como o grupo do
Hospital. Minha participação no Grupo do Hospital se deu no bojo de um acordo de
cooperação entre o Grupo GENTE/COPPE/UFRJ, coordenado pelo profº Drº Mário César
Vidal, e o Grupo Atelier “Linguagem e Trabalho” da PUC-SP sob a coordenação da Profª
Drª em Lingüística Maria Cecília Pérez de Souza e Silva.

2. Aspectos relativos à metodologia adotada

Os estudos sobre o trabalho não concebem estabelecer os objetos de suas análises


sem um conhecimento prévio do ambiente, obrigando o pesquisador a exercer uma
criatividade metodológica. Para tanto, no caso particular deste estudo, nos colocamos em
parceria com a Ergonomia Situada. Isso porque os ergonomistas, como os lingüistas
aplicados, consideram imprescindível que sua investigação se origine de uma demanda
formulada pelas pessoas envolvidas nas atividades em discussão.
Mesmo que, como pesquisadora, tivesse um interesse particular em estudar um ou
outro aspecto de linguagem, esse interesse não deve se sobrepor ao que venha ser relevante
para melhorar aquela situação em particular. A problemática de pesquisa do lingüista tem de
estar relacionada à demanda ergonômica. Mas a demanda ergonômica tanto relativa ao
sentido macro de re-arranjo da organização como as demandas locais dos trabalhadores,
formuladas no curso das interações de intervenção. Isso não significou diminuir o foco do
trabalho sobre a linguagem situada. Neste estudo, isso significou que, num primeiro
momento, tive de me colocar nos passos da Análise Ergonômica do Trabalho, buscando
entender toda a problemática ligada à análise da demanda, da população de trabalho, das
estruturas de funcionamento da organização e da atividade em situações.
A clássica dicotomia ergonômica de trabalho prescrito e trabalho real evidencia a
necessidade de se estudar a atividade de trabalho. Existe um lapso entre o modo como o
trabalho é pensado, ou verbalizado, e o modo como ele efetivamente acontece. Para se
aproximar, o analista do trabalho tem que se colocar num posto, realizando uma observação
situada, questionando os conceitos de trabalho prescrito e trabalho real, observando as
várias nuances entre a tarefa e a atividade. A ação ergonômica de intervenção se dá sob a
base da observação participante.
Com o intuito de estudar as demandas reais, iniciamos a construção das relações
interpessoais entre pesquisadores e trabalhadores visando ao estabelecimento do diálogo na
co-construção de demandas de intervenção. Tivemos o cuidado de enfatizar a escuta no
diálogo com os diversos funcionários do HU. A ergonomia tem por princípio uma demanda
de base sobre o que está acontecendo com a saúde do trabalhador (Wisner, 1996).
Mas nesse ponto, nem mesmo a Análise Ergonômica do Trabalho alcança analisar
toda a problemática embrigada na co-construção de demandas de intervenção. O jogo das
demandas de intervenção é um jogo complexo demais, porque suas regras não são estáveis.
Elas variam conforme a perspectiva que se toma e os cenários em que são colocadas. O
sofrimento no trabalho cria dispositivos; o que as pessoas estão passando também tem de
ser considerado. A experiência dos trabalhadores traz à tona a riqueza do simbolismo da
linguagem (Schwartz, 1996). É preciso começar o exercício da escuta. Começa, então, a
co-construção das demandas locais. O setor se comunica para expressar também uma
vontade de melhorar o serviço. Configurou-se, portanto, um desenho de pesquisa cujo foco
é o mundo do trabalho, este requisitando os saberes da filosofia, da experiência do
trabalhador, da psicologia e da Ergonomia situada. Nesta fase de nosso trabalho apenas
começa a aparecer o apelo ao saber da Lingüística. Por isso optamos por ainda não
acrescentá-la na figura abaixo:
Filosofia Experiência
do
Mundo do trabalhador
trabalho
Psicologia
t do Análise ergonômica
trabalho do trabalho

Figura 1: Saberes convocados para este estudo sobre o trabalho no HU

3. Nos passos da Análise Ergonômica do Trabalho (AET)

Durante as fases da Análise Ergonômica do Trabalho realizadas até fevereiro de


1998, - Análise da demanda e Análise do funcionamento global do serviço, o coletivo de
pesquisa trabalhou num esquema de reuniões semanais, quando a ação individual passou
por uma discussão e por uma validação do grupo. Cada membro, por sua vez, se preocupou
em validar suas observações, descrições e conclusões através de conversas com os grupos
de trabalho que foram se formando em cada um dos setores. Essa validação vem sendo
feita com os trabalhadores e com os diretores do HUCFF também através de reuniões de
restituição. Seguimos a metodologia da Ergonomia de observação do trabalho que enfatiza
a construção de um grupo de pesquisa com os trabalhadores e, por isso mesmo, somente
observamos o trabalho com a permissão desses profissionais após conversas sobre e durante
o trabalho, somente apresentando os conteúdos por eles aprovados.

3.1 A demanda contratada:

Durante os meses de março a julho de 1997, através de reuniões, entrevistas e de


algumas observações gerais, o grupo PROCEH buscou chegar a algumas esquematizações
sobre o que estava acontecendo no processo organizacional do HU como um todo. O
resultado da análise da demanda foi apresentado à Direção do HUCFF, tendo sido
contratada a Ação Ergonômica com vistas à Informatização do Sistema de Exames
Complementares de Diagnóstico e tratamento do HUCFF. Dentre os problemas
levantados, deu-se destaque à perda do laudo de exame devido a erros na identificação do
paciente. Vários exames eram perdidos pela impossibilidade de se identificar a quem
pertenciam. Esse problema gerava a necessidade de se repetir um exame, o que significava
mais trabalho para o pessoal do laboratório, desgaste para o paciente e aumento de custos.
A direção do hospital queria articular a solução desse problema com a informatização dos
serviços, mas sabia que a informatização deveria ser preparada por um estudo do
funcionamento da organização. Assim, surgiu o primeiro contrato entre o GENTE e a
Direção do Hospital objetivando um estudo ergonômico que evidenciasse o trabalho real
das pessoas na regulação do fluxo de exames.
3.2 Estudos preliminares

Como prevê a AET, depois da análise da demanda, realizamos uma série de análises
estruturadas acerca da organização e de seu ambiente, que nos permitiu a segunda
pontuação da intervenção: a escolha das situações a analisar. Por situações, em ergonomia,
entende-se um posto ou posição-chave que melhor permita captar o sentido e a estrutura do
funcionamento do setor em que se insere.
Consideramos fundamental para dar seguimento aos trabalhos no HU nos
posicionarmos nos setores do hospital onde os exames eram demandados - Enfermaria e
Ambulatório - eram marcados - Marcação de exames laboratoriais e Marcação de exames
radiológicos - eram realizados - Laboratório de Patologia Clínica e de Radiodiagnóstico - e
finalmente onde eram anexados aos prontuários e arquivados - Serviço de Documentação
Médica.
A escolha do setor a ser observado por cada um dos membros da equipe obedeceu
ao critério de um nível de implicação do pesquisador com o tipo de trabalho realizado
naquele local. Aqueles que já tinham uma “história” ligada à enfermagem, por exemplo,
foram para as enfermarias; quem já trabalhava com logística optou pelo setor de marcação
de exames. Em sendo uma lingüista, poderia envolver-me com qualquer um dos setores
considerados chave para a análise do problema dos exames, afinal a linguagem é essencial
no trabalho do hospital. Fiquei responsável pelo setor de Radiodiagnóstico, encarregada de
estudar os problemas ligados à identificação de exames e à emissão de laudos.

4. A demanda relativa ao serviço de Radiodiagnóstico do HU

Durante as diferentes fases de co-construção (entre demandantes, trabalhadores e


pesquisadores) da demanda para uma intervenção ergonômica no HU, o serviço de
radiodiagnóstico foi citado em várias ocasiões como produtor de gargalos no fluxo de
exames pelo atraso na emissão de laudo. A chefia do setor, por sua vez, apontou para a
precariedade do modo como funciona o serviço por causa de problemas com a manutenção
das máquinas e nas condições físicas dos ambientes de trabalho. Mencionou goteiras e falta
de fechadura para garantir a segurança dos equipamentos. Destacou também o problema da
falta de funcionários para atender as demandas do serviço. Remarcou o fato de ser o serviço
de radiodiagnóstico um gerador de recursos para o hospital sem, no entanto, contar com
uma política de faturamento que dê o retorno para garantir o funcionamento e a melhoria do
serviço.
A marcação de exames feita em vários setores foi apontada como uma questão
problemática por gerar um grande fluxo de pessoas transitando diariamente pelo hospital,
dificultando qualquer estratégia de controle. Para a solução desse problema, nos foi
mencionado um projeto de centralização do setor de marcação do HU. Assim sendo,
conhecer de perto a complexidade do setor de marcação do serviço de radiodiagnóstico
configurou-se como uma demanda específica desta observação.
Começamos as observações para saber como a Radiologia se interliga com os
outros setores. Nosso objetivo foi o de descrever as atividades sob a forma de modelos de
funcionamento a fim de (a) levantar algumas hipóteses sobre efeitos e demandas de uma
possível centralização do setor de marcação com relação a exames radiológicos; (b)
levantar algumas hipóteses sobre a demora na emissão de laudos e (c ) levantar algumas
hipóteses relativas à linguagem que ajudem no processo de informatização do serviço.
5. O Setor de radiodiagnóstico e o posto observado

Para esta primeira observação do funcionamento geral do serviço, escolhemos o


setor de raio-x, enfocando mais de perto o funcionamento do atendimento à demanda de
exames advinda do ambulatório . Iniciamos por esse setor por causa do problema de
atrasos na emissão de laudos.
O próprio chefe geral dos serviços radiológicos, em reunião com esta pesquisadora,
apontou esse setor como um dos mais complexos por causa do enorme fluxo de pessoas
que vêm para realização de exames diários (110 atendimentos diários em média), o que abre
margem para uma grande variabilidade no serviço. Realizamos neste setor a análise global
de seu funcionamento seguindo a metodologia da Análise Ergonômica do trabalho o que
compreendeu um questionamento constante sobre as demandas locais, sobre a característica
da população de funcionários e a saúde no trabalho a fim de que pudéssemos levantar
algumas hipóteses relacionadas aos pré-diagnósticos retirados das diferentes situações
observadas.
Neste artigo, apresentaremos as análises das observações realizadas apenas no posto
de Marcação de exame de raio-X, referente à parte do relatório que apresentamos como
conclusão da primeira fase de nossos trabalhos.

6. Pré-diagnósticos sobre a rotina de marcação e de registro de exames

- A atividade de marcação de exames da recepcionista consiste no controle da data


de realização dos exames em relação ao dia da consulta e na instrução do paciente sobre o
preparo para certos exames.
- A atividade de controle da data do exame também consiste numa classificação de
pacientes como alérgicos a certas substâncias ou não.
- As atividades das quais o formulário de exame faz parte são dificultadas sobretudo
pelo fato de que estes são preenchidos em uma escrita manuscrita por médicos que
conserva um grau de “ilegibilidade” característico da escrita médica.
- O conhecimento sobre o preparo necessário para a realização do exame deve
pressupor também o conhecimento do melhor modo de transmiti-lo ao paciente. Em nossas
observações, vimos que é preciso explicar oralmente ao paciente como deve proceder para
o preparo do exame. O suporte escrito não é o único instrumento dessa atividade de
transmissão do preparo de exames ao paciente. A explicação oral parece ser imprescindível.
- o agendamento do dia da consulta sofre a influência do médico requerente do
exame, através do discurso relatado do paciente sobre o que disse o médico: “ele disse pra
vir aqui no dia”; “olha o que o doutor escreveu aí”. Desse modo, o paciente atua na
tentativa de regular a distância entre o tempo que leva todo o processo de exame e o dia da
consulta.
- a concomitância entre o dia da realização do exame e o dia da consulta pressupõe
uma sincronia de funcionamento de serviços que não acontece entre o tempo de
atendimento da Radiologia e do Ambulatório no HU. Os pacientes chegam a esperar três,
quatro horas para realizarem o exame, arriscando-se a perder a consulta no ambulatório.
- as ações em torno da atividade de marcação exigem do funcionário o
conhecimento do fluxo do processo de Identificação.
- no momento do registro de exames, o funcionário desse posto chega a reescrever
o nome e o número do prontuário do paciente no formulário de pedido de exame. Esse
procedimento é chamado de “tradução” pela funcionária do fluxo que está num posto mais
a frente do processo de registro de exames realizados que a descreve como uma atividade
de cooperação no trabalho. De qualquer maneira, tudo isso implica maior quantidade de
tempo gasto na atividade e de espera do paciente na fila de registro.

7. Algumas hipóteses:

(a) falta das informações necessárias sobre os tipos de exame realizados no setor e sobre as
rotinas de preparo de certos exames.
(b) a rotatividade dos funcionários contratados para o posto não é compatível com a
quantidade e a complexidade de informações sobre exames e seus respectivos preparos
necessárias para o trabalho real de marcação.
(c) A marcação de exames para o mesmo dia da consulta evidencia a possibilidade
incorporada pelo funcionamento do serviço de Radiologia de o próprio paciente levar a
radiografia sem o laudo para seu médico.
(d) A recepcionista que marca o exame mobiliza não apenas as competências previstas pela
organização formal para realização da tarefa de checar a condição de alérgico do
paciente. Sua atividade se fundamenta num uso simbólico da linguagem: “O sr. tem
alergia a camarão?” Uma das recepcionistas observada que estava há apenas um mês e
meio no serviço simplesmente perguntava ao paciente: “O sr. é alérgico?” Em geral,
obtendo resposta negativa. No dia do exame o paciente passava mal ao realizá-lo,
obrigando o médico a interromper os procedimentos. O fato de ele ser alérgico
demandava a presença de um anestesista e o auxílio, em alguns casos, de um aparelho
respirador.
(e) A interação recepcionista-paciente determina pontos chave no sucesso da realização do
exame no que diz respeito à marcação do dia para a realização do exame; à transmissão
do preparo ao paciente e a caracterização de “não-alérgico” do paciente.
(f) a atividade de registrar exames exige um nível de cooperação não previsto pela
organização formal entre a recepcionista, técnicos e funcionários do fluxo: a “tradução”.
(g) A legibilidade dos escritos parece ser a condição básica de funcionamento desse
instrumento de trabalho, o que, no entanto, não é garantida pela escrita médica.

8. Hipóteses e Recomendações sobre uma central única de marcação

- Os contratos temporários de trabalho não propiciam o vínculo com o posto bem


como o desenvolvimento das competências necessárias para a realização das tarefas. No
posto de marcação de exames, seja numa central única de marcação ou não, deve haver
funcionários contratos por regime de trabalho que permita não só a experiência no trabalho
como também uma implicação com esse trabalho.
- a gestão de variabilidades como máquinas em manutenção e mudanças de horário
exigem uma comunicação constante entre o funcionário do setor de marcação e técnicos e
residentes da Radiologia. Uma central de marcação fora da Radiologia teria de contar
necessariamente com um canal de comunicação direto entre eles.
- uma central única de marcação não extinguiria o posto de Recepção na Radiologia,
que ficaria apenas sem uma de suas funções. No posto, além das atividades de marcação,
são realizadas as atividades de registro de exames, de regulação no atraso de sua realização
com relação a pacientes em precário estado de saúde e atividades não previstas para o
serviço já que, como vimos, o setor funciona como a central de informações do sub-solo
do hospital.
9. Condições de continuidade do trabalho.

Esta intervenção passou por uma etapa de recontratação da ação ergonômica. Com
a mudança da Direção e das chefias de setores como resultado da eleição ocorrida em
dezembro de 1997 no HU, houve mudança também nas políticas de gestão acarretando uma
transformação nas estratégias de intervenção.
Reiniciamos uma escuta das pessoas que planejam, gerenciam e exercem diferentes
atividades localizadas em diferentes setores do cenário que pretendemos focalizar, para que
elas apontem brechas por onde a entrada dos pesquisadores seja benvinda no sentido de
poder estar contribuindo para uma mudança e uma melhoria desejada. Estamos também
reiniciando a construção das relações interpessoais com os grupos de trabalhadores da
Radiologia a partir da apresentação de relatório sobre o que realizamos até agora.
Apresentamos todo o trabalho do grupo de pesquisadores na I Jornada de Ergonomia
Hospitalar realizada no dia 7 de maio de 1998 no HU. Nessa ocasião, formalizamos a
segunda etapa desta ação ergonômica através do estabelecimento de novos termos da
contratação. A demanda com relação aos exames realizados no setor de Radiodiagnóstico
continua mantida pela atual direção.
A etapa seguinte, portanto, consistirá em suprir o pré-diagnóstico com fatos e análises ainda
mais detalhadas do setor de Raio-X.

10. Proposta de continuidade do trabalho

Nossa proposta de continuidade dos estudos prevê, durante os meses de junho a


agosto de 1998, observações sistemáticas no setor de marcação, de Identificação e de
emissão de laudos.
Estamos nos propondo a constituir nosso observatório (Theureau,1992) em torno
das interações entre recepcionista e paciente considerando-as como chave para todo o
processo de marcação e de realização de exame porque:
a) o discurso relatado do paciente sobre o que “o dr. disse...” coloca em cena o
médico requisitante do exame que instruiu o paciente no sentido de regular o tempo de
realização do exame e o dia da consulta. Estaremos buscando pistas discursivas da
influência do médico na regulação do serviço. Através do relato sobre o que disse o médico,
o paciente atua na tentativa dele de regular a distância entre o tempo de processo de exame
e o dia da consulta. Ele instrui o paciente no sentido de agilizar o exame para o dia da
consulta marcada. O paciente traz ao seu discurso frases como “ele disse pra vir aqui no
dia...”; “olha o que o doutor escreveu aí”; Formulamos a hipótese de que , através do
discurso do paciente, o médico requisitante do exame regula todo o processo para que o
exame esteja em suas mãos no dia da consulta. A instrução que o médico dá ao paciente
parece ser um aspecto da profissão do médico com relação ao outros membros da
organização, estendendo sua atuação para além do momento e do lugar da consulta.
b) existe um discurso de transmissão do preparo necessário para a realização do
exame que se utiliza tanto do suporte escrito quanto do suporte oral no curso da atividade
de marcação. O conhecimento sobre o preparo deve pressupor também o conhecimento por
parte do funcionário do posto do melhor modo de transmiti-lo ao paciente. Em nossas
observações, vimos que é preciso explicar oralmente ao paciente como deve proceder para
o preparo do exame. O suporte escrito não é o único instrumento dessa atividade de
transmissão do preparo de exames ao paciente. A explicação oral é imprescindível. Há uma
hipótese de que como um elemento do gênero hospitalar, existe nessa esfera um discurso de
transmissão de preparo de exame dirigido ao paciente que se utiliza tanto do suporte escrito
quanto do suporte oral no curso da atividade de marcação. Estamos nos propondo a
examinar as particularidades desse discurso em situação, no curso das atividades de
marcação.

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