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Mensagem apresentada à Camara Legislativa do Estado do Piauhy em 1° de junho de 1913, seção
Ordem Pública, p. 13.
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Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piahuy em 1° de junho de 1930 pelo
governador João de Deus Pires Leal, seção Secretaria de Estado da Policia, sub-seção Delegacia Geral da
Policia, p. 78.
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01/06/1913. Força publica, p.16.
Como vemos, além de atuar na “repressão” e na captura dos criminosos,
“uma polícia bem disciplinada” tem também a função de dar prestígio às autoridades
constituídas, o que nos faz pensar na dimensão simbólica desta força. Nos discursos
amplamente propagados por todo o século XX encontramos com facilidade argumentos
que dizem que a própria existência de um imponente e bem estruturado aparato policial
e jurídico por si só já seria de grande serventia na “prevenção” da criminalidade.
Acreditava-se que na medida em que todo indivíduo tivesse a certeza de que
a todo ato criminoso corresponderia uma inevitável pena a criminalidade diminuiria
naturalmente. Neste sentido as estratégias de controle policial passam da esfera da
“repressão” para a esfera da “prevenção”, ou seja, não mais é suficiente atuar na
repressão dos delitos cometidos, é preciso também, e talvez com mais eficácia, atuar
sobre a vontade dos indivíduos, sobre o delito ainda não cometido mas que pode vir a
ser, ou seja, sobre as “virtualidades” dos sujeitos.
Sobre a necessidade de atuar na “prevenção” de crimes, encontramos ainda
no ano de 1899 a Lei n.° 211 que estabelecia o serviço de segurança pública do Estado.
Pelo seu texto o governador Arthur de Vascocellos definia que este serviço deveria
compreender dois tipos de polícia: a judiciária - que atuaria na repressão dos crimes já
cometidos -; e a polícia administrativa que por sua vez dizia respeito aquilo que
pertencesse “à prevenção dos crimes e contravenções e manutenção da segurança e
tranquilidade publica”4.
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Lei n.° 211 (Publicada a 1.° de julho de 1899): Estabelece o serviço de segurança publica do Estado,
p.175.
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Regulamento do Asylo de Alienados Areolino de Abreu a que se refere o decreto n.° 327 de 15 de
janeiro de 1907, Artigo 13°, p. 5.
A periculosidade social deve ser encarada num sentido amplo: 1) Capacidade
agressiva de um indivíduo, tendo a possibilidade de atacar outros [...] ameaça
ao corpo dos outros; 2) Capacidade auto-agressiva, [...] possibilidade se
suicídio. [...] o corpo do alienado estava em perigo; 3) Capacidade do
alienado malbaratar a fortuna da sua família. [...] ameaça ao corpo social da
família; 4) Capacidade de pôr em perigo a sua fortuna. Aqui era o seu corpo
social, fundido com o de sua família que estava em risco; 5) Finalmente, a
sua capacidade de manter a vinculação com o corpo social da família [e
através de seus atos envergonhá-la e manchar sua tradição] (BIRMAN, 1978,
p.266).
Entretanto, parece que esta determinação não parece ter saído do papel.
Segundo nos relata Oliveira (1995) esta parte burocrática dos procedimentos de
internação costumava ser burlada, cabendo aos próprios requerentes o papel de
diagnosticarem a doença. Esta prática se tornava ainda mais comum no que dizia
respeito aos “loucos indigentes”.
A respeito dos indigentes é importante frisarmos ainda algumas questões.
Como vimos demostrando ao longo desta pesquisa a massa dos alienados mentais
estava profundamente imbrincada com o conjunto dos desviantes sociais. Ambos os
grupos se caracterizariam por possuir uma mesma moralidade anômala, a mesma
divergência diante do mundo das normas. Indo mais adiante, poderíamos mesmo
afirmar que a marginalidade, que na maioria das vezes era tida como sinônimo de
indigência seria a própria matéria-prima da alienação mental. Pois devido à fragilidade
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Regulamento do Asylo de Alienados Areolino de Abreu a que se refere o decreto n.° 327 de 15 de
janeiro de 1907, Artigo 13°, p. 5.
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Regulamento do Asylo de Alienados Areolino de Abreu a que se refere o decreto n.° 327 de 15 de
janeiro de 1907, Artigo 13°, p. 5.
da constituição moral destes indivíduos eles estariam mais predispostos à apresentarem
esta enfermidade. Dessa forma, seria deste “mundo da indigência” que se originaria a
maior parte da “matéria-prima da patologia social” que poderiam produzir tanto a
delinquência quanto a alienação (BIRMAN, 1978, p. 316).
Novamente percebemos que o que estava em questão era a prevenção e a
repressão da periculosidade social que determinados indivíduos ou grupos sociais
representavam. Em nome desse temor o Estatuto do Asylo definia:
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Regulamento do Asylo de Alienados Areolino de Abreu a que se refere o decreto n.° 327 de 15 de
janeiro de 1907, Artigo 13°, p. 6.
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Ver Lei n.° 451 (Publicada em 15 de julho de 1907): Consolidas as leis municipaes e dá outras
providencias. Capítulo IV: Do Conselho e suas funções; Artigo 77, parágrafo 14, p.91.
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Regulamento para o Corpo Militar de Polícia de Estado do Piauhi, ano de 1906. Capítulo I: Da
organização do corpo e seus fins. Secção 8.ª: Das rondas e patrulhas, p. 57-58.
Assim, percebemos que por volta da inauguração do Asylo de Alienados o
cerco se fecha com relação à loucura. Agora a força policial não deveria atuar somente
sobre aqueles loucos que efetivamente tivessem promovido algum tipo de perturbação,
mas sim sobre todos os indivíduos que apresentassem “soffrimento mental”. Ficando
esta identificação à cargo dos próprios soldados tendo em vista que o regulamento não
especifica quem e como seria feita este processo.
Podemos classificar em dois grandes grupos as reivindicações feitas no
tocante ao melhoramento do serviço policial: o primeiro grupo, sobre o qual falamos
nos parágrafos anteriores, dizia respeito basicamente aos aspectos quantitativos, ou seja,
a preocupação principal era com o aumento do corpo policial e dos instrumentos
necessários ao seu bom desempenho; o segundo grupo de reivindicações se referia a
aspectos qualitativos: a vigilância e a punição deveriam ser exercidas por um corpo
policial qualificado para que a população sobre a qual incidisse este poder não viesse a
reclamar do mesmo. Qualificar este poder era uma maneira de respaldá-lo perante a
sociedade.
É neste sentido que ouvimos, ainda no ano de 1911, a voz do então
governador Antonino Freire:
Como vemos, este poder disciplinador que deveria ser exercido pelo policial
também recaia sobre ele mesmo. É o que vemos no Regulamento para o Corpo Militar
de Polícia de Estado do Piauí ainda no ano de 1906:
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Mensagem apresentada à Camara do Deputados pelo Exm.° Sr. Dr. Antonino Freire da Silva
governador do Estado, no dia 1.° de junho de 1911. Seção Ordem e segurança públicas, p. 9.
2.° Prender e conduzir à presença da autoridade policial ou do commandante
do posto; [...]
d) As praças das mesmas corporações que encontrar promovendo desordens
ou embriagadas14.
14
Regulamento para o Corpo Militar de Polícia de Estado do Piauhi, ano de 1906. Capítulo I: Da
organização do corpo e seus fins. Secção 8.ª: Das rondas e patrulhas, p. 57-58.
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Mensagem apresentada à Camara Legislativa do Estado do Piauhy, a 1.° de Junho de 1925, pelo
Governador Dr. Mathias Olympio de Mello. Seção Casa de Detenção e Necessidade de sua Construcção,
p.13.
Este processo que nós chamamos de especialização do controle social
continuou seu curso e foi ganhando novos elementos ao longo da primeira metade do
século XX que se enquadravam dentro das estratégias de patologização dos
comportamentos sociais, e é sobre esses elementos que nós vamos falar agora.
No ano de 1924, em sua mensagem para a Camara dos Deputados, o então
governador Dr. João Luiz Ferreira assim se expressava com relação à construção de
uma nova Casa de Detenção na cidade de Teresina:
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Mensagem apresentada à Camara Legislativa pelo Exmo. Snr. Dr. João Luiz Ferreira Governador do
Estado no dia 1.° de junho de 1924. Seção Obras Públicas, sub-seção Penitenciaria de Theresina, p. 21-
22.
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Mensagem apresentada à Camara Legislativa pelo Exmo. Snr. Dr. João Luiz Ferreira Governador do
Estado no dia 1.° de junho de 1924. Seção Obras Públicas, sub-seção Penitenciaria de Theresina, p. 21-
22.
Por esse discurso a dupla contaminação que se deu entre os domínios
médico e policial, ou entre o biológico/patológico e o moral, se vê formulada pela
primeira vez de forma direta. A criminalidade, entendida como uma patologia social,
deve ser tratada dentro da prisão como uma doença deve ser tratada, ou nos casos
crônicos melhorada, dentro de um hospital.
Neste sentido, não devemos nos surpreender com o fato de que se por um
lado, a medicina contamina o domínio policial promovendo uma medicalização das
prisões e uma patologização do criminoso, por outro, como conseqüência disso, a
própria medicina será contaminada pelo domínio policial provocando transformações no
espaço hospitalar fazendo com que este muitas vezes se assemelhe àquele.
Este processo fica ainda mais claro quando analisamos as instituições de
saúde que tratam especificamente de doenças que são mais diretamente recortadas a
partir do campo das anormalidades sociais, como é o caso da loucura.
Ao analisarmos este discurso também percebemos que o “aprisionamento”
deixa de ser uma mera forma de exclusão social, um tipo de punição, uma forma de
proteger a sociedade dos distúrbios provocados por esses marginais, e passa a ter
propriedades terapêuticas, ganha a capacidade de reabilitar o indivíduo para o convívio
social tratando-o das suas doenças sociais.
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Mensagem apresentada à Camara Legislativa pelo Exmo. Snr. Dr. João Luiz Ferreira Governador do
Estado no dia 1.° de junho de 1924. Seção Obras Públicas, sub-seção Penitenciaria de Theresina, p. 21-
22.
Ao lado do trabalho e do isolamento, é bem de ver concorram, fortemente
para a cura ou melhoria do delinqüente, a educação e a instrucção, factores
reconhecidos poderosos de regeneração. A escola, só, diz Brockway, é capaz
de despertar, no indivíduo, a voz adormecida da consciência. E Francisco
Herboso, nos seus “Estudos Penitenciarios”, assim se pronuncia a respeito:
Havendo manifestado que um dos principaes objectos da pena é corrigir e
moralizar o criminoso para o devolver, ao meio social, como membro útil e
são, é evidente que a instrucção e a educação deverão occupar o lugar
preferente no caminho da correcção do delelinquente.”... “Tudo que se faz na
prisão se relaciona com a educação e deve-se aperfeiçoal-a. Sendo, pois, um
dos principaes objectos da pena educar o sentenciado, é evidente que deve
principiar-se pelo instruir.”19
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Mensagem apresentada à Camara Legislativa pelo Exmo. Snr. Dr. João Luiz Ferreira Governador do
Estado no dia 1.° de junho de 1924. Seção Obras Públicas, sub-seção Penitenciaria de Theresina, p. 21-
22.
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Mensagem apresentada à Camara Legislativa pelo Exmo. Snr. Dr. João Luiz Ferreira Governador do
Estado no dia 1.° de junho de 1924. Seção Obras Públicas, sub-seção Penitenciaria de Theresina, p. 21-
22.
mesmo o organismo do criminoso para dessa forma entender como se constituíam estes
indivíduos e o que os levava a serem como eram.
Na construção deste saber o conhecimento estatístico servia como um
embasamento empírico. Era necessário conhecer o conjunto dos criminosos de uma
região, para poder definir as séries, estabelecer padrões, identificar o perfil destes
sujeitos. Através desse entendimento esperava-se obter a capacidade de intervir de
maneira mais adequada e precisa no sentido de “prevenir” estes desvios.
Sobre esta questão, o desembargador Francisco Pires de Castro, presidente
do Conselho Penitenciário, após relatar dados e fatos relativos ao trabalho do Conselho
no ano de 1930, afirmava:
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Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piahuí em 1° de junho de 1930 pelo
governador João de Deus Pires Leal. Seção Sub Procuradoria Geral do Estado, sub-seção Conselho
Penitenciario, p. 43-44.
necessidade de repressão, prevenção e recuperação dos indivíduos e da sociedade
afetada por estas.
REFERÊNCIAS
_____. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987.