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Rio de Janeiro
Fevereiro 2008
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Rio de Janeiro
Fevereiro 2008
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SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................... 4
Conclusão ........................................................................................................ 38
Referências
4
Introdução
1
Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 - criou rol dos crimes hediondos. Convém lembrar que o crime de extorsão mediante
seqüestro já existia no Código Penal. Esta lei apenas majorou sua pena e o incluiu como delito sórdido.
5
obsoleto.
A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) é o órgão responsável pela
preservação da ordem pública e seu contingente, em regra, trabalha uniformizado, isto é,
facilitar a identificação a agente público perante a população. A ostencividade denota atuação
policial na forma preventiva, contudo o emprego do policial militar, na prática, acaba sendo
mais na repressão de delitos, incursões esporádicas em comunidades carentes.
Ao longo dos anos no Município do Rio de Janeiro, os traficantes começaram, de
forma violenta, a dominar e se organizar em facções dentro de comunidades, o que leva
muitos estudiosos e profissionais da imprensa a afirmarem que existe um “poder paralelo” ao
oficial, cujas regras são ditadas e executadas por marginais.
Em diversas comunidades do Município do Rio de Janeiro, os moradores, principais
vítimas destes traficantes, devem seguir regras de conduta como piscar o farol do carro ao
entrar em uma comunidade; não olhar de frente (encarar) o traficante; não dever dinheiro na
“boca de fumo”; não importunar de qualquer forma a família e a(s) mulher(es) do bandido; e
não delatar a atividade ou o marginal nela envolvido. Apesar de no Brasil só se admitir a pena
de morte em casos de guerra declarada a outro país2, muitas vezes a violação de uma destas
condutas acarreta a imposição desta pena ilegalmente. Conforme registra Zaluar (2002, p. 67)
“os pobres de comunidades carentes são as maiores vítimas de roubos e assassinatos em locais
dominados pelos traficantes e com ausência de policiamento”.
As comunidades carentes, denominadas por favelas, são constituídas por pessoas em
sua maioria pobres com renda familiar inferior a cem dólares. A migração da população rural
em busca de trabalho na cidade é uma das explicações para o crescimento destas comunidades
nas regiões metropolitanas. Outros aspectos também devem ser considerados: as dificuldades
dos governos ao longo dos anos de criarem políticas habitacionais adequadas ao crescimento
da população e das cidades, e o descaso em conter novas invasões ilegais.
Anos de descaso governamental e a falta de instrução educacional dos moradores –
pois eles não sabem como nem porque reivindicar direitos -, gerou nestes locais um perfil de
marginalização em diversos aspectos como serviços públicos, principalmente, os de
policiamento.
Quanto à questão do sistema de policiamento a ser aplicado nas comunidades com
moradores de menor poder aquisitivo, o primeiro pressuposto que deve ser observado é o
respeito aos Direitos Humanos (DH).
2
Artigo 5°, inciso XLVII, alínea “a” da Constituição da República Federativa do Brasil.
6
3
Dados disponíveis em http://www.redecontraviolencia.org/Artigos/244.html.
4
Polícia do Rio matou 694 pessoas no 1° semestre de ano. Disponível em http://noticias.br.msm.com/brasil/artigo.aspx?cp-
documentid=5600409. Acesso em 19/10/2007.
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Os locais pobres da cidade, que pelo princípio da igualdade deveriam ter o mesmo
policiamento e respeito dado aos moradores de bairros abastados, são constantemente
invadidos por operações policiais. Estas produzem sempre o mesmo resultado: morte de
marginais, policiais e inocentes vítimas de balas perdidas.
Diante deste quadro, é preciso mudar o procedimento e a forma de atuação da polícia.
Devemos pensar em mudar as atitudes relativas à segurança em áreas conflagradas, porque
5
É comum no sistema de policiamento comunitário o uso do policial na solução de problemas não policiais, como por
exemplo, a condução do de uma criança doente até o hospital público ou fazer contato com empresas públicas no caso de
falta de água ou luz.
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matar e prender não resolve, pois se fosse assim já teríamos resolvido o problema. O pior é
quando a vítima é um morador totalmente isento.
As áreas carentes devem receber as instituições responsáveis pela segurança pública.
Entretanto, o importante é a permanência direta e efetiva do policial no local e,
subseqüentemente, a entrada de serviços públicos pertinentes a todas as esferas de governo
(Federal, Estadual e Municipal). Estes serviços poderiam vincular educação, saúde, esportes e
intercâmbio de oportunidades de emprego. Aliado a isto, com uma polícia comunitária boa e
honesta, ganharíamos a confiança e o apoio da comunidade.
Soares (2007) defende que os governos federais, estaduais e municipais devem firmar
parceria entre si e viabilizar apoios e convênios com a sociedade civil6. Assim todos poderão
dar suas contribuições com projetos educacionais, saúde pública, lazer, esporte, emprego,
cursos profissionalizantes e, logicamente, segurança. Vale ressaltar que, de forma ordenada,
cada um deve saber o seu papel e que realmente estejam atrelados às respectivas áreas de
atuação. Exemplo diagnosticado pela PMERJ (órgão estadual) é que se um local precisa de
iluminação, caberá a Rioluz (órgão municipal) realizar de pronto o serviço.
Um exemplo de integração que merece ser destacado é o projeto Fica Vivo
implementado no Morro das Pedras, em Belo Horizonte, Minas Gerais, no período de agosto a
dezembro de 2002 com o objetivo de reduzir o número de homicídios naquela localidade. Tal
projeto apresentou redução de 17 homicídios para 9 em comparação aos quatro meses
anteriores, ou seja, 47.1% de redução.
Para que este resultado ocorresse, foi criado um grupo de trabalho (Câmara de Gestão
do Problema) que evoluiu para duas formas de intervenção denominadas Grupo de
Mobilização Comunitária e Grupo de Ação Estratégica de Intervenção.
A Prefeitura de Belo Horizonte, setores do comércio, da indústria, Universidade
Federal de Minas Gerais, associações comunitárias, clubes de serviços, Igrejas e entidades não
governamentais formaram o Grupo de Mobilização Comunitária que buscou apoio da
comunidade. Foram usadas campanhas nos meios de comunicação para conscientizar os
jovens sobre o perigo do envolvimento com o tráfico de drogas ilícitas, enfatizando a morte
ou prisão de muitos indivíduos (lideres ou integrantes).
Já o Grupo de Ação Estratégica de Intervenção atuava ocupando a localidade em casos
de ocorrência de homicídio. Assim soava para os traficantes, implicitamente, que matar
alguém dentro da favela representava ocupação e, conseqüentemente, redução considerável da
6
Empresários, organizações não governamentais (ONGs) que podem ministrar curso profissionalizante ou fornecer ou
intermediar empregos para a comunidade.
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venda de entorpecentes. Foram recrutados para estas ações as Polícias (Civil e Militar,
federal), o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Ainda com relação ao grupo de intervenção, este trabalhou na coleta de dados
(identificação de adultos e adolescentes envolvidos); reuniões (juízes e promotores),
objetivando acelerar o exercício de suas atribuições; reuniões de emergência, quando na
ocorrência de homicídios; reuniões quinzenais periódicas; repasse das informações das
polícias para os promotores encarregados de propor as respectivas ações penais; operações
conjuntas entre as polícias para cumprir mandados de prisão; e abrir o leque para a atuação
contra outras atividades criminosas (delitos).
O grande destaque deste projeto mineiro foi à integração dos diversos órgãos
envolvidos. Tal envolvimento é uma das buscas de um programa de policiamento
comunitário, principalmente, no que tangue a afinidade entre a polícia e a comunidade, pois
aquela precisa desta como meio de obter informação sobre criminosos e crimes; já a
comunidade precisa de proteção.
No Rio de Janeiro, um exemplo que esta integração pode ser viável é a Organização
Não Governamental (ONG) denominada Disque Denúncia. No ano de 2006 foram 103.892
denúncias registradas, sendo que 28.757 geraram ações imediatas do poder público. O crime
de tráfico de drogas obteve 33% do total de chamadas, o que indica uma indignação e
predisposição da população em denunciar este ato ilícito7.
Com efeito, surge a pergunta: Por que a população procura o Disque Denuncia ao
invés de procurar diretamente as instituições policiais? Tal vez pela falta de confiança, não
existe, em regra, consolidada uma boa imagem das instituições policiais e de que a denúncia
será realmente apurada.
Também chamado do policiamento cidadão e polícia integrada, o policiamento
comunitário, quando bem aplicado, apresenta este princípio de auto-ajuda, confiança mútua,
abertura e valores compartilhados.
No policiamento comunitário o policial militar é o profissional essencial. Sua
presença, fardado, inibe o cometimento de delitos, indica ao cidadão aonde ela pedirá ajuda e
também funciona como uma espécie de “assistente social”, pois procura estender sua atuação
a questões assistenciais.
7
Ver http://www.disquedenuncia.org.br/imprimir.asp?id=23&cc=4. Acesso em 22/10/2007.
10
Capítulo 1
Há quase dois séculos foi assinado pelo próprio Don João VI o documento que
inauguraria a história da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), conforme
Decreto transcrito na apostila do Curso de Formação de Soldado (CFSD) de 1999:
entre os postos das instituições, ou seja, um sargento do exército deveria ganhar mais que o da
Policia Militar Estadual.
Até o final do ano de 1969 o trabalho de policiamento ostensivo da PM era
praticamente inexistente, só ocorria por solicitação de autoridades ou em alguns eventos de
grande porte. A tropa policial era empregada na vigilância de pontos considerados sensíveis
(estações, torres de transmissão de energia, instalações de tratamento de água etc) e no
controle de distúrbios políticos.
O nome atual Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) surgiu em 15 de
março de 1975 com a fusão do Estado do Rio de Janeiro com o Estado da Guanabara. Com o
citado acontecimento, as duas instituições policiais (PERJ e PMEG) se uniram. A recém
criada PMERJ passou a contar com um efetivo de 29.678 homens.
O primeiro a introduzir na polícia a idéia de servir tanto na solução de problemas
quanto na melhoria da qualidade de vida da população foi o Coronel da PMERJ Carlos
Mazareth Cerqueira em 1980 (OLIVEIRA, 2002). Seus conhecimentos relativos à polícia
comunitária encontravam muitas resistências internas, pois o próprio país ainda se encontrava
em processo de mudança: ditadura para democracia.
No ano de 1983, os comandos da Polícia Militar e Polícia Civil que haviam sido
unificados em 1962 foram separados, conforme o Decreto n° 689/83, fundando assim a
Secretarias de Estado da PM e da Polícia Civil. Tal ato deu maior autonomia às instituições.
Em 1988, a Constituição Federal tratou pela primeira vez do tema segurança pública
em um capítulo à parte, o que marcou sua separação de outros temas como Defesa Interna e
Forças Armadas. O artigo 144, assim dispõe:
POSTOS/GRADUAÇÕES FUNÇÕES
CÍRCULO DE OFICIAIS
CORONEL PM COMANDO, LIDERANÇA,
SUPERIORES TENENTE-CORONEL PM DIREÇÃO E
MAJOR PM PLANEJAMENTO
INTERMEDIÁRIOS CAPITÃO PM GERÊNCIA E
PRIMEIRO-TENENTE PM ADMINISTRAÇÃO; ELOS
SUBALTERNOS DE COMUNICAÇÃO ENTRE
SEGUNDO-TENENTE PM O COMANDO E AS PRAÇAS
ESTÁGIO PROBATÓRIO
ASPIRANTE A OFICIAL PM SUPERVISIONADO
PRAÇAS ESPECIAIS
FORMAÇÃO PARA A
ALUNO-OFICIAL PM CARREIRA
CIRCULO DE PRAÇAS
SUBTENENTE PM EXECUÇÃO DAS
DIRETRIZES
PRIMEIRO-SARGENTO PM ADMINISTRATIVAS E
SEGUNDO-SARGENTO PM OPERACIONAIS.
INSTRUÇÃO,
ADESTRAMENTO E
SUBTENENTES E SARGENTOS
CONTROLE DAS PRAÇAS.
PARTICIPAÇÃO DIRETA
NAS ATIVIDADEs
ROTINEIRAS E ESPECIAIS
DE POLICIAMENTO
TERCEIRO-SARGENTO PM OSTENCIVO
EXECUÇÃO DIRETA DAS
CB PM
TAREFAS NORMAIS E
CABOS E SOLDADOS ESPECIAIS DE
POLICIAMENTO
SOLDADO PM OSTENSIVO
Fonte: MUSUMECE; MUNIZ, 20008
8
As Instituições de Segurança Pública do Rio de Janeiro retiram as informações para a confecção desta tabela no Estatuto
dos Policiais Militares – Lei Estadual n° 443 e 01/07/81, complementada pela L. Est. N° 1.008, de 18/06/1.986. Do quadro
original foi retirada a sub-classificação A, B, C do posto de soldado, pois ela foi extinguida. Assim hoje só existe uma classe
de soldados (MUSUMECE; MUNIZ, 2000, p. 11)
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Entendemos que deveria haver uma única entrada para carreira de policial militar. O
candidato entraria como soldado e periodicamente poderia fazer concurso para ascender aos
postos mais elevados. Neste caso, o profissional conheceria melhor todas as graduações até
chegar ao posto de coronel. Neste sistema, se bem aplicado, só os melhores comandariam a
PM e com a vantagem de saber as peculiaridades e dificuldades de cada graduação.
Sua estrutura administrativa é dividida em Organizações Policiais Militares (OPMs),
de acordo com o Quadro 2, apresentado em seqüência.
9
Este conselho poderia se reunir periodicamente (para avaliação do desempenho profissional o comandante) ou
extraordinariamente (nos casos de indícios ou provas improbidade ou ilegalidades). É evidente que neste processo seria
assegurado os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.
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acomodações para os policiais que ali trabalhavam. Mas, a idéia de ter um ponto fixo com
uma dupla de policiais 24 horas e com uma viatura era muito boa, pois a população tinha o
conhecimento que naquele local havia um policiamento pronto a atendê-la.
Passando para a questão das comunidades carentes, o Município carioca conta com
vários locais dominados por traficantes fortemente armados. Trata-se de locais em que a
polícia é recebida por um poderio bélico usado em guerras. Para combater estes meliantes não
basta apenas entrar no local desordenadamente e, muitas vezes, imprudentemente.
Para isso, faz necessário usar literalmente a inteligentes. O trabalho de inteligência
policial é fundamental para ações nestes redutos. O levantamento de informações e
investigações pode aumentar consideravelmente o índice de sucesso das operações e diminuir
o índice de mortes.
Na esteira destas possíveis ações pode também atuar membros do ministério público e
do judiciário expedindo mandatos de prisão e outros dispositivos jurídicos como autorização
para interceptações telefônicas. Pode-se usar dados da polícia civil para estudo e
mapeamentos da criminalidade.
A PMERJ basicamente permeia sua atuação no “modelo profissional” de
policiamento. Este modelo teve início na década de 20 nos Estados Unidos, sendo
posteriormente copiado em vários países do mundo. Carecendo de interação como as
sugeridas acima.
O “Modelo Profissional” tem suas idéias relacionadas à aplicação restrita das normas
penais, isto é, tocar a repressão dos delitos; os escalões inferiores são meros executores das
leis e ordens; o topo da cadeia hierárquica centraliza a tomada de decisões; usos de viaturas,
rádio, telefones e, recentemente no Brasil, computadores (GPS) para dar mobilidade,
comunicação e controle; rondas estão sendo substituídas por policiais em automóveis;
chamadas telefônicas (popular 190) como meio de comunicação direta com a população.
Este modelo, que há três décadas predominava em diversos países, vem sendo trocado.
Constatou-se que o investimento nos pontos básicos do “Modelo Profissional” (citados acima)
não surte o efeito desejado. Sendo assim, passou-se a buscar uma maior participação da
comunidade, ou seja, união para um bem comum (DIAS NETO, 2002).
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Capítulo 2
Policiamento comunitário
Uma reunião para práticas religiosas dentro de uma escola ou em um clube são, em
regra, entendidas como benéficas para seus praticantes. É evidente que no campo da
segurança pública o universo é totalmente diferente, porém a idéia de entrelaçamento
(reunião, união) para o bem individual e coletivo deve acontecer e permanecer.
A busca do diálogo com as comunidades fez com que desde 198910 o legislador
estadual estipulasse a criação dos Conselhos Comunitários de Segurança e, posteriormente, os
Cafés Comunitários. O escopo é reunir lideranças comunitárias e autoridades governamentais
de diversas áreas nos Batalhões da PM para discutir e tentar melhorar vários serviços
públicos, inclusive os relativos à segurança.
Sem dúvida deve existir a interação de diversos setores do governo e da sociedade. A
cidade precisa estar bem iluminada, bem sinalizada, o judiciário deve trabalhar de forma
rápida e correta. É necessário desenvolver políticas eficientes de habitação, transporte,
empregos, acolhimento e ressocialização da população carcerária. Sendo assim, não se pode
atribuir o problema da criminalidade apenas as instituições ligadas com segurança pública.
No sistema bipartido em âmbito estadual, duas polícias, uma investigativa e outra
ostensiva, devem atuar harmoniosamente e com interação rápida também no que se refere ao
policiamento comunitário. Um bom exemplo é o mapeamento de ocorrências feito pela
polícia civil que pode ajudar a direcionar o trabalho da polícia militar.
Moekus e outros (2005, p. 5) definem, de forma mais ampla, que cultura cidadã são
“ações com o fim de conservar e fortalecer alguns comportamentos e mudar outra com duas
finalidades: conseguir por meio pedagógico o cumprimento da lei e/ou impulsionar ações
coletivas para conseguir bens públicos”. O objetivo principal é compartilhar regras mínimas,
baseadas também em costumes para gerar sentido de convivência e de respeito dos lugares
comuns (espaços públicos) e a ciência popular de direitos e deveres.
Esses autores consideram que a grande maioria das cidades latino-americanas “têm
problemas com quantidade e qualidade, a distribuição e o uso dos espaços públicos costumam
incluir-se entre os fatores que geram insegurança e propiciam a violência e delinqüência”
10
Constituição Estadual do Rio de Janeiro, artigo 182 § 2°.
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11
Oliveira (2002) indica os resultados positivos no Morro dos Quatro – Espírito Santo (1.997) e no Bairro do Perpétuo
Socorro, Macapá – Amapá (1.998). No primeiro os índices de homicídios caíram 64 %; assaltos, agressões e tentativa de
homicídio, 43%; frutos e roubos, 30%; crimes contra o patrimônio, 24%. Já no Morro do Perpétuo Socorro os registros de
homicídios, furtos, roubos e agressões passaram de 400 para 202 casos mensais.
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como propriedade, vida, liberdade. Assim, torna-se imprescindível a edição de regras claras
que indiquem limites à atuação dos policiais, controle dos resultados alcançados e efetivação
dos controles já existentes.
De acordo com esses autores, tais controles podem ser internos, externos e mistos. O
controle interno é aquele realizado pela própria instituição, como por exemplo, os serviços
realizados pelas Corregedorias, o Controle Hierárquico, Coordenação Operacional efetuado
pelos líderes ou comandantes e o Controle de Resultados.
Já o controle que é realizado por uma outra entidade de fora para dentro da polícia é
chamado externo. Figuram como controle externo aqueles realizados pelo Poder Judiciário,
Comissões de Direitos Humanos do Poder Legislativo, Imprensa (escrita e televisiva),
inspeção realizada pelo Exército Brasileiro no armamento utilizado pelas Polícias Militares,
Ouvidorias das Polícias e a própria população.
O controle externo realizado pela população é importante para a aplicação do
policiamento comunitário, pois, nesta modalidade busca-se uma maior participação da
comunidade, inclusive quanto à fiscalização dos serviços. Nada mais legítimo do que o
próprio destinatário do serviço ser o responsável pela mensuração de sua eficiência. Porém, a
ampliação deste controle representaria uma melhor interação entre a instituição responsável
(Polícia Militar) e a comunidade, pois a polícia precisa de informações tanto para punir os
maus policiais quanto para ter ciência de atividades ilícitas.
O controle misto é desempenhado tanto no interior como fora da instituição e
denominado o Controle Integrado. Nesta modalidade específica são realizadas reuniões em
que órgãos de defesa social, instituições responsáveis pela segurança pública e representante
dos moradores analisam os sucessos e insucessos quanto aos serviços prestados12.
A evolução de experiências recentes mostrou que o ápice desta transparência ocorre
quando há o perfeito envolvimento entre a comunidade e o policial, isto é, confiança mútua,
abertura, valores compartilhados, interação, discussão contínua e avaliação de desempenho.
Assumir esta postura muitas vezes representa ruptura com um modelo tradicional de
polícia (interventiva e reativa). A teoria do policiamento comunitário tem parâmetros mais
amplos, ou seja, procura atuar na prevenção e resolução dos problemas. Esta mudança,
quando colocada em prática, representa maior afinidade e cumplicidade da polícia com a
população.
12
O tema controle foi inspirado no trabalho de Souza e Reis (2005).
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Capítulo 3
Comunidades carentes
Não há como falar em comunidades carentes sem antes falar nos cortiços que no
século XIX eram considerados como o reduto de vagabundos, marginais e origem de doenças
pelas classes dominantes do Município do Rio de Janeiro.
Para tentar resolver o problema, o legislador da época tratou de proibir a construção de
novas moradias similares e determinar a destruição daquelas que existiam. Posteriormente, de
1902 a 1906, corroborando com esta tendência de livrar o Município de habitações anti-
sanitárias, o prefeito Pereira Passos começou a promover a derrubada dos cortiços.
O prefeito Barata Ribeiro, que continuou com o “bota abaixo”, tratou de derrubar o
mais conhecido dos cortiços: o “Cabeça de Porco”. Contudo, após a derrubada, o prefeito
permitiu a retirada de restos de madeiras dos escombros e como uma das proprietárias do
recém derrubado imóvel detinha lotes de terra no Morro da Providência, alojou alguns dos
seus antigos inquilinos em barracos construídos com as madeiras dos destroços. Assim,
começa a história da primeira favela carioca.
Com a chegada ao Morro da Providência dos soldados vindos da Guerra de Canudos,
o local passou a chamar Morro da Favella (1887), em referência a um arbusto comum do local
onde ocorreram os combates. Ao ver o local ou ao construir suas precárias moradias, os
soldados de alguma forma o associaram ao local da guerra.
Em 1907, o Morro da Favella foi parcialmente saneado na tentativa de dar maior
salubridade aos moradores. Viu-se uma preocupação das autoridades, liderados por Osvaldo
Cruz, de dar uma melhor perspectiva de vida aos moradores quanto ao asseio.
Com o passar dos anos, o combate aos pobres saiu dos cortiços e passou para o Morro
da Favela. Contudo, “a partir da década de 1920 é que a expansão das favelas tronar-se-ia
multidirecional e incontrolável” (ABREU, 1998, p. 38). Ou seja, o município passou a contar
com diversas comunidades carentes em morros do Centro, Zonas Norte e Sul.
O Plano Agache, de 1930, tinha o propósito de solucionar o problema das favelas
através do trabalho dos moradores nas indústrias. A idéia era construir cidades-satélites junto
às zonas industrializadas do Município do Rio de Janeiro, o que também resolveria o
problema da falta de mão de obra nas fábricas.
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Chega o período de ditadura militar em 1964 e os favelados passam a rever, agora com
maior intensidade, a ameaça de serem despejados de suas moradias pelos detentores de títulos
de propriedade de terra que reivindicam seus imóveis. Vários líderes de associações são
presos, torturados ou mortos. A luta agora é contra o iminente despejo e um governo ditador.
Os programas de remoção de favelas foram aplicados em três governos no Estado do
Rio de Janeiro13, atingindo 80 comunidades e que representa 139.218 moradores. Apesar
destes números, as favelas continuaram a crescer consideravelmente a ponto que no período
de 1968 a 1973 o Rio teve aumento de 74% no número de novas favelas e 36,5% de
majoração nos índices de favelados.
As políticas de remoção perderam força. Em 1974, as favelas começaram a ser
parcialmente urbanizadas. Este quadro foi prosseguindo nos anos 80, inclusive com
fornecimento de alguns serviços públicos, e ganhou força maior com o período de
democratização da política que se consolidou com a Constituição Federal de 1988.
O grande fator para a transformação das favelas em reduto da violência foi à instalação
do tráfico de drogas ilícitas. Este começou timidamente no início do século XX (LEITE;
OLIVEIRA, 2005) e no final dos anos 70, o Brasil já figurava como rota internacional dos
grandes cartéis internacionais, como por exemplo, o de Cali sediado na Colômbia. Estes
usavam o Brasil para o envio de cocaína para a América do Norte, Europa e África do Sul
onde o comércio era intenso e lucrativo.
No inicio dos anos 80 o comércio de drogas no interior das favelas ainda era pequeno
e tímido. O primeiro ato para que a atividade se tornasse lucrativa foi a associação dos
traficantes cariocas como os cartéis, pois o país não produz cocaína pura.
Posteriormente, em meados dos anos 80, houve reestruturação do mercado varejista.
Este novo modelo se diferenciou pela concentração da venda no interior das favelas, preparo
da droga pura (mistura para render mais) em escala, uso da violência para intimidar
moradores e manter a hierarquia e disciplina dentro do grupo (DOWDNEY, 2002). O
resultado de tudo isso foi um aumento de 140% do número de homicídios relacionados a
drogas e disputas de pontos de venda entre 1979 e 2000.
Há nestes territórios pobres segregação sócio-espacial, pois o acesso a serviços
públicos de qualidade são deficientes e direitos que são respeitados nas cidades muitas vezes
são desrespeitados, como por exemplo, a inviolabilidade de domicílio.
Ações de terror dos traficantes que ali atuam criam um código de silêncio que nenhum
13
Lacerda (1962 – 1964); Negrão de Lima (1966 – 1970); Chagas Freitas (1971 – 1974).
31
morador se atreve a quebrar, ou seja, acabam reforçando a submissão da grande maioria dos
moradores que moram nestas comunidades.
O grande negócio das diversas quadrilhas instaladas nas favelas cariocas está na
tomada de territórios dominados por quadrilhas rivais. Estas investidas criam um clima de
terror entre os moradores e instituições ligadas diretamente à segurança pública. Para conter
as investidas da polícia e dos grupos rivais, o sistema de vigilância dos pontos de venda de
drogas ilícitas envolve o emprego de diversos marginais fortemente armados.
O difícil acesso – pois, a grande maioria das favelas são tomadas por labirintos ou/e
morros com pontos de observação dos acessos que são usados pelos marginais para monitorar
- acaba por ajudar a consolidar estes territórios como áreas de risco para a polícia e para os
pretensos adversários que desejarem a tomada do local.
Diante de todos estes fatores, estes locais acabam sendo excluídos do todo social, a
ponto da presença do poder público só ocorrer quando há incursões policiais. Na prática, as
comunidades carentes do Rio de Janeiro são restringidas no que diz respeito à cidadania.
Figurar como perigo (violência) no consciente ou/e inconsciente da população, acaba
gerando preconceito contra os moradores das favelas, principalmente daquelas que foram
palco de chacinas de repercução mundial, como por exemplo, Vigário Geral.
Todo este quadro vem incentivando moradores a ter simpatia pelos bandidos e, por
conseguinte, as leis formais do país são cada vez menos aplicadas. O poder judiciário não é
visto como o caminho viável para resolver problemas, ou seja, um pilar fundamental da
democracia não é usado pelo morador de baixa renda.
O governo legitima a atual política de segurança pública, qual sejam as guerras que
são realizadas no interior das favelas, com desprezo aos que não são bandidos. Parece que o
estigma dos pretensos bandidos é uma regra nas ações policiais.
Porém, não seria melhor o trabalho com informação – levantamento investigativo,
inclusive com ajuda de outros órgãos públicos, como por exemplo, o judiciário e ministério
público – o que acarretaria estratégias claras quanto ao emprego dos recursos e ações a serem
tomadas?
Os combates acabam gerando casos de corrupção e abusos policiais, extermínios de
bandidos e suspeitos, desrespeito a direitos civis e vários casos de balas perdidas.
Os episódios criminais, principalmente homicídios, ocorridos no interior das favelas
recebem tratamento diferente dos ocorridos no restante da cidade, principalmente se o fato
ocorrer na zona sul carioca e a(s) família(s) da(s) vítima(s) forem influentes. Leite e Oliveira
(2005, p. 19) consideram que
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Capítulo 4
14
Uma exceção a regra é o GPAE – Rio da Pedras/Gardênia Azul.
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marginais em que foi implantado o GPAE a integração com o morador não ocorre, posto que,
apesar do programa contar com policiamento 24 horas, os moradores ainda sentem medo de
se aproximar e sofrer algum tipo de represália. Em contrapartida, os moradores generalizam a
classe policial de maneira pejorativa e, muitas vezes, tem mais confiança no poder de
proteção do traficante dentro da comunidade.
Hoje no Estado do Rio de Janeiro o programa GPAE encontra-se em andamento no
Morro Pavão/Pavãozinho (área do 2° BPM - Botafogo); Morro do Borel (6° BPM – Tijuca);
Morro da Providência (5° BPM – Centro) Morro do Cavalão (12° BPM – Niterói); Vila
Cruzeiro (16° BPM - Olaria); e Rio das Pedras/Gardênia Azul (18º BPM - Jacarepaguá).
Em Botafogo, na comunidade do Morro de Pavão e Pavãozinho, o GPAE conta com
apoio do Projeto Criança Esperança, que fornece cursos e atividades esportivas para as
crianças e adolescentes da comunidade.
O GPAE – Rio das Pedras/Gardênia Azul foi criado pela Secretaria de Segurança de
Rio de Janeiro (SESEG) pela Resolução n° 38 de 11 de maio de 2007. No território
fluminense, a SESEG é comanda por um secretário que recebe o auxilio do comandante de
PMERJ e da Polícia Civil. Primeiramente, na época em que o programa de polícia cidadã foi
implantado a área encontrava-se pacificada, ou seja, sem o domínio de traficantes. Este fato
facilitou a presença do policial fardado no interior da comunidade sem que sofresse qualquer
tipo de represália mais violenta.
A comunidade do Rio das Pedras e Gardênia Azul conta com aproximadamente 110
mil habitantes que, antes do projeto, eram atendidos por uma única rádio patrulha. Com a
chegada do Policiamento Comunitário este número passou para dois trailers e dez viaturas, ou
seja, um aumento significativo. No início, este aumento repentino causou certo espanto aos
moradores. Porém, com o passar do tempo os policiais passaram a combater os pequenos e
grandes delitos, como por exemplo, roubos e furtos, conforme revela em entrevista informal,
o Comandante do Policiamento Major da Polícia Militar, Rubens Castro Peixoto. Este
comandante informa que o policiamento atende basicamente aos serviços não policiais, como
por exemplo, auxiliando os moradores no caso de falta de água, luz e socorro a moradores
quando enfermos. Este serviço é efetuado por dois trailers que funcionam 24 horas.
Existem postos fixos de policiamento espalhados em pontos estratégicos da
comunidade com a finalidade de evitar possíveis delitos. Estes pontos acabam também
servindo de referência para os moradores da presença policial15.
15
Trecho parafraseado da entrevista concedida pelo Maj Rubens Peixoto Junior, comandante do GPAE – Rio das Pedras, dia
09 de novembro de 2007.
35
COMANDANTE
SUBCOMANDANTE
SEÇÃO DE OPERAÇÕES
COMUNITÁRIAS SEÇÃO DE APOIO ADMINISTRATIVO
SUBSEÇÃO DE PLANEJAMENTO
E INSTRUÇÃO
EQUIPE DE OPERAÇÕES
COMUNITÁRIAS
atividade fim, ou seja, é o policial que atua nos dois trailers e nas viaturas que ficam baseadas
na comunidade em pontos estratégicos.
O comandante do GPAE – Rio das Pedras/Gardênia Azul, Major Peixoto também
declara que com a implantação deste grupamento, o policiamento passou a ficar mais visível,
o que provocou o recebimento de vários e-mail elogiando a segurança pública no local.
Merece destaque o tempo mínimo de 1 ano para que o projeto fique definitivamente
implantado. Conforme as palavras do próprio Peixoto (2007):
Tais fatos comprovam a necessidade das iniciativas das patentes mais superiores17 – e
neste caso tinha também o respaldo político – para viabilizar a execução do projeto.
Outro fato importante que deve ser destacado é a necessidade da disponibilidade
financeira.
O projeto GPAE – Rio das Pedras/Gardênia Azul conta com um efetivo de 143
policiais, todos voluntários e com algum tipo de curso18 relativo à polícia comunitária. Tais
fatos facilitam a difusão da doutrina.
16
Entrevista concedida pelo Major Rubens Peixoto Junior, comandante do GPAE – Rio das Pedras, dia 09 de novembro de
2007.
17
Na data da entrevista (09/11/2007) o Comandante da Polícia Militar era o Coronel Ubiratan Ângelo.
18
O Major Peixoto citou o Estágio de Adaptação Prático Pedagógico em Áreas Especiais (art. 7 da Resolução da SSP n° 698
de 06 de julho de 2004); Curso de Aprimoramento de Prática Policial Cidadã (ministrado em parceria com a ONG Viva
Rio); Curso de Promotor de Polícia Comunitária; Curso de Multiplicador de Polícia Comunitária (somente o comandante
detém este curso).
37
Conclusão
Referências
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Polícia Militar. In São Paulo em perspectiva. São Paulo, 2004.
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