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(orgs.) Formas de tratamento em Português e Espanhol: variação, mudança e funções conversacionais. Rio de Janeiro (no
prelo)
Introdução
Para tentar entender a natureza e extensão do uso dos pronomes tu e você em Santa
Catarina, é necessário conhecer um pouco da história da colonização desse estado. Com esse
intuito, apresentamos, a seguir, algumas informações a partir de registros históricos e
dialetológicos.
À época do “descobrimento” do Brasil, Santa Catarina, como o restante do país,
também era habitada por indígenas1. Ao longo do século XVI, várias expedições portuguesas
e espanholas passaram pelo litoral catarinense – pelos portos de São Francisco, Ilha de Santa
Catarina e Laguna (regiões cujo domínio era disputado por Portugal e pela Espanha) –, mas as
tentativas de povoamento nessas localidades não se firmaram nesse período. No século XVII,
Portugal, a partir de 1640, passou a se interessar pela conquista do Sul do Brasil com vistas ao
acesso ao rio da Prata; e as povoações localizadas em São Francisco, Ilha de Santa Catarina e
Laguna (SC) – juntamente com o forte Jesus, Maria, José, hoje a cidade de Rio Grande (RS) –
formaram as bases para os projetos de fixação portuguesa na bacia do Prata. A Ilha de Santa
Catarina tornou-se local politicamente estratégico e, objetivando a fortificação da região,
Portugal determinou que Silva Paes para cá viesse, em 1739, como comandante militar e
1
O litoral era habitado por índios Carijó, com quem os europeus entraram em contato em meados de 1500; o
planalto, por Kaingang; e as florestas entre o litoral e o planalto, por Xokleng – os primeiros pertencentes ao
tronco Tupi-Guarani e os dois últimos ao tronco Jê. Os três grupos ainda hoje vivem no estado catarinense.
(SANTOS, 2004, p. 22)
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
(orgs.) Formas de tratamento em Português e Espanhol: variação, mudança e funções conversacionais. Rio de Janeiro (no
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A chegada dos açorianos a Santa Catarina, fixando-se nas regiões litorâneas desde São
Francisco até o sul de Laguna passando pela Ilha de Santa Catarina, provocou um aumento
populacional de mais de 100% e caracterizou definitivamente a região. Na Ilha, logo no
início, fundaram-se freguesias como Rio Vermelho, Rio Tavares e Ratones que aos poucos
foram progredindo. No entanto, os limites impostos pelo contexto político que ocasionou a
emigração e pelas características da terra, pouco propícia à agricultura, fizeram com que as
atividades econômicas ficassem voltadas apenas para o mercado interno9. Os açorianos
imprimiram traços socioculturais particulares na região que perduram até hoje.
No século XIX, com o interesse dos governos das províncias do sul do Brasil pelo
desbravamento de grandes faixas de floresta para ocupação da terra, se afirmou a colonização
européia. Em 1829 chegou a Santa Catarina a primeira leva de imigrantes alemães10; mais
tarde vieram os italianos11 e também, em contingentes menores, outros povos como
poloneses, russos e austríacos.
Do ponto de vista lingüístico, Santa Catarina sofreu forte influência de paulistas e
gaúchos, principalmente na região do planalto serrano, e de açorianos nas regiões litorâneas12.
Posteriormente, se desenvolveram, no interior do estado, algumas zonas de bilingüismo e
línguas em contato, notadamente do alemão e do italiano com o português.
Furlan (1989, p. 36) comenta que os açorianos que povoaram Santa Catarina
possivelmente eram analfabetos e trouxeram uma cultura vinculada a práticas e valores dos
séculos XV e XVI. Entende-se que, junto dos valores culturais conservadores, trouxeram
também formas lingüísticas como o /s/ palatalizado e os pronomes tu (para tratamento íntimo)
e vós e Vossa Mercê (para tratamento respeitoso). Vale ressaltar que dados sobre os falares
açorianos só são possíveis de levantar indiretamente, já que os estudos desses falares só
começaram no final do século XIX e, os do falar açoriano-catarinense, apenas em meados do
século XX (p. 55).
Segundo os historiadores, até por volta de 1500, as duas únicas maneiras de se dirigir
ao interlocutor no português arcaico eram o tuteamento familiar (tu) e o voseamento
respeitoso (vós). Só por volta do final do século XVI é que as formas de Vossa Mercê
começam a aparecer nos registros e já se encontram as variantes vocemecê, vancussê, vancê.
Segundo Teyssier (1997, p. 89), “vossa mercê, ao mesmo tempo que passava a você por
erosão fonética (vossa mercê> voacê> você), perdia, por erosão semântica, o seu valor de
tratamento respeitoso, para assumir o de tratamento familiar. O você familiar aparece desde o
século XVII”. Pelo que tudo indica, parece que essa mudança de tratamento não tinha afetado
os açorianos quando vieram para o Brasil.
Por outro lado, paulistas que percorreram o caminho das tropas também deixaram suas
marcas lingüísticas no falar do catarinense, pela transmissão de traços como, por exemplo, o
9
A ausência de uma economia de exportação justifica, segundo Santos (2004, p. 55), o não surgimento de
nenhum grande mercado de escravos em Santa Catarina. A maioria dos escravos negros que vieram para essa
região já era nascida no Brasil.
10
Os alemães foram localizados em São Pedro de Alcântara e, posteriormente, ao longo do Vale de Itajaí,
formando as cidades de Blumenau e Joinville, entre outras.
11
Os italianos foram localizados na região centro-leste do estado, nos vales dos rios Tijucas e Tubarão, onde
desenvolveram diversas colônias. Já a maior parte da população italiana que vive no oeste do estado, incluindo
Chapecó, é descendente de imigrantes que passaram antes pelo Rio Grande do Sul (SPESSATTO, 2003).
12
No que se refere à comunidade açoriano-catarinense, convém salientar que até 1950 a comunicação com
outros estados era basicamente por via marítima, e que a barreira da Serra do Mar só foi superada a partir da
década de 1970, com a construção de vias asfaltadas ligando o interior do estado ao litoral. Isso mostra o relativo
isolamento em que essa comunidade viveu durante bastante tempo. (FURLAN, 1989, p. 40)
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
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Nesta seção, discutimos alguns resultados de estudos variacionistas levados a cabo por
Ramos (1989), Loregian-Penkal (2004) e Arduin (2005). O primeiro trabalho apresenta
resultados referentes a uma coleta de fala, realizada pela própria autora na década de 1980,
com falantes nascidos em Florianópolis. Os outros dois trabalhos trazem resultados de fala
coletada na década de 1990, que se encontra armazenada no banco de dados do projeto
VARSUL. Retomamos desses dois últimos trabalhos preferencialmente resultados de
informantes nascidos em Florianópolis e em Lages. Para efeitos da discussão pretendida,
comentaremos por último os resultados de Ramos.
Para falar da variação no uso dos pronomes tu e você apresentamos, inicialmente, um
mapeamento feito por Loregian-Penkal (2004) com base no banco de dados do VARSUL a
respeito do número de informantes que têm em seu vernáculo somente o sistema pronominal
tu, outros que têm apenas o sistema você e ainda aqueles que se utilizam de dois sistemas
pronominais (tu e você) para se referir a seu interlocutor. A autora constata que a variação
entre os pronomes está inserida no sistema (ou nos sistemas) das localidades estudadas.
Vejamos agora alguns resultados dessa pesquisa.
13
Variação Urbana na Região Sul do Brasil.
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colonizações dessas regiões. Observa-se que, enquanto em Curitiba (de colonização paulista)
os 24 informantes apresentam categoricamente a forma você, em Porto Alegre 14 informantes
só usam a forma tu e 09 alternam tu/você. Esse último padrão também se apresenta em
Florianópolis, com 13 informantes só usando tu e 10 alternando tu/você para representar a
segunda pessoa do singular. Confrontando esse último padrão com aquele encontrado na
região de Lages (tabela 2), já podemos observar uma grande diferença: enquanto em
Florianópolis há apenas um entrevistado que usa somente você para se referir à segunda
pessoa do discurso, em Lages há apenas um entrevistado que usa somente tu. Por outro lado,
enquanto 13 informantes de Florianópolis usam apenas tu, 06 informantes de Lages fazem uso
exclusivo de você, de acordo com os resultados apresentados na tabela 2.
Tomando as formas tu e você como variantes de uma mesma variável (segunda pessoa
do discurso), Loregian-Penkal constatou que em Lages, além de 06 informantes usarem
exclusivamente você, o número de ocorrências de você é significativamente maior do que de
tu (85% contra 15%), enquanto em Florianópolis, 13 informantes usam exclusivamente tu e o
número de ocorrências desse pronome supera em muito o você (76%, contra 34%), como
podemos observar na tabela 3.
14
Em Ribeirão da Ilha, bairro localizado ao sul da Ilha de Santa Catarina e uma das mais antigas
freguesias/comunidades de Florianópolis, marcadamente identificada pela cultura açoriana (a primeira ser
habitada ainda no século XVI pelos índios Carijós), o percentual de uso de tu em oposição a você chega a 96%
(LOREGIAN-PENKAL, 2004, p. 133).
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da Eletrosul.15 Em Lages, houve também a presença forte dos gaúchos, no ir-e-vir dos
tropeiros16, o que nos leva a acreditar que não só os tropeiros vicentinos, mas também os
gaúchos, deixaram suas marcas lingüísticas nessa região, embora a influência paulista tenha
sido predominante. A tabela 1 ilustra a presença marcante de tu na fala de Porto Alegre (14
informantes com somente tu e 09 com tu e você). Já a tabela 2 mostra que em Florianópolis 13
informantes usam somente tu e 10 tu e você; ao passo que em Lages, 06 informantes usam só
você e 17 você e tu. Esse resultado pode ser interpretado como indício do fluxo e do contra-
fluxo que caracterizou a colonização de Florianópolis e de Lages.
(1) Que eu não agüentava ver mais nada quebrado dentro de casa. Não dava. Aí eu peguei e disse pra
ele: “Oh, essa foi a última vez que tu me deu esse pontapé.” Aí começamos a discutir, e eu disse:
“pega tudo o que é teu e tu vai sair daqui agora”. Porque se tu não sair por bem tu vai sair por mal.
(FLP03)
(2) Porque eu era uma guria que não saía de casa nem nada, o que é que tinha acontecido, né? Daí eu
falei pra ela (mãe) assim: "Não, é porque a tia Ana falou que eu não sou sua filha." Ela ficou bem
louca, ficou bem atentada, sabe? com a minha tia assim, sabe? Queria ir lá brigar com a minha tia
e coisa e tal. Daí ela me contou a história. Daí ela me contou, ela disse assim: "Olha, então já que
você sabe, então vou te contar. Você não é minha filha mesmo, mas eu te quero muito mais bem
do que o meu próprio filho. [Você] eu te peguei pequenininha e vocês são em cinco irmãos. [E a]
[e a tua mãe] o teu pai ficou doente, foi para o hospital em Curitibanos, né? E daí que ele morreu
lá." (LAGES01)
Em regiões em que o tu era o pronome adquirido em casa para ser referir à segunda
pessoa do discurso, o você entrou posteriormente, começando a concorrer com o tu; em
contrapartida, em regiões em que você era o pronome adquirido em casa, o tu deve ter entrado
posteriormente. Nesse caso, o uso dos dois pronomes começa a ser marcado estilisticamente.
Além dessa distribuição da freqüência de uso dos pronomes, Loregian-Penkal (2004)
mostra alguns condicionadores internos do uso das formas de tu e você, como ‘variação na
concordância verbal’ e ‘retenção do sujeito’, que apresentamos nas tabelas 4 e 5, abaixo.
15
É possível que já tenha ficado algum vestígio de você na Ilha por conta da fixação de paulistas nas três regiões
litorâneas (séc. VXII) e da passagem dos tropeiros pelo caminho litorâneo (século XVIII).
16
O percentual de uso de tu no RS é bem alto (Porto Alegre = 93%; São Borja = 94%; Flores da Cunha = 83%;
Panambi = 84%), mais do que em Florianópolis = 76%. (LOREGIAN-PENKAL, 2004, p. 210).
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
(orgs.) Formas de tratamento em Português e Espanhol: variação, mudança e funções conversacionais. Rio de Janeiro (no
prelo)
(3) a. (...) é uma carta que (tu) puxas do monte,tu bate∅, aí tu fica∅ com dez pontos (FLP10)
b. Tem uns barzinho pra tu fica∅ se (tu) não queres vê o show, depois tu vai∅ pra ali e (tu) ficas
tomando cervejinha (FLP33)
Vimos, até aqui, o encaixamento das formas pronominais tu e você com a
concordância verbal e com a retenção do sujeito. Passamos, agora, a examinar os resultados
de Arduin (2005) concernentes à correlação entre essas formas e o uso dos possessivos de
segunda pessoa. A autora encontrou um total de 86% de uso de teu, contra apenas 14% de seu
nas regiões em que se constata variação entre os pronomes tu e você. Esses resultados se
distribuem da seguinte forma nas diferentes localidades de Santa Catarina que estão sendo
discutidas neste trabalho:
17
Merece destaque o fato de que, em Ribeirão da Ilha (ver nota 14), há um uso ainda mais acentuado de marca
de flexão de segunda pessoa (60%) do que em Florianópolis (43%), que é região urbana central; e também
predominância de sujeito nulo. Esse resultado leva Loregian-Penkal (2004, p. 151) a considerar que a marca
identitária do falante dessa comunidade não é a presença do tu, mas a marca de flexão verbal de segunda pessoa;
enquanto a marca de identidade do gaúcho seria principalmente o uso do pronome tu.
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prelo)
18
No trabalho de Arduin (2005) só foram controladas as ocorrências dos pronomes tu e você nas entrevistas em
que houve ocorrências dos pronomes possessivos.
19
Solidariedade é o nome que se dá a uma relação geral simétrica, pois é utilizada entre colegas, pessoas com
idades próximas, de mesma profissão etc.
20
Para discutir essas relações de poder e de solidariedade, Arduin retoma a discussão de Brown e Gilman (2003),
segundo a qual sempre que em uma situação de diálogo houver uma pessoa que detém maior prestígio ou poder, isto
é, quando existir relação assimétrica, haverá tratamento não-recíproco, o superior se dirigirá ao inferior por T e será
tratado por V. Existem muitas bases de poder: maior força física, maior poder econômico, idade mais avançada, sexo
diferente, papel institucionalizado da igreja, do estado, do exército ou da família (BROWN; GILMAN, 2003, p. 158).
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
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Na ocorrência (4), pode-se notar que quando a informante se reporta à sua fala se
dirigindo à mãe (inferior para superior), utiliza a variante seu; depois, ao se reportar à fala de
sua mãe dirigindo-se a ela (superior para inferior), utiliza a variante teu.
(4) Porque eu era uma guria que não saía de casa nem nada, o que é que tinha acontecido, né? Daí eu
falei pra ela (mãe) assim: "Não, é porque a tia Ana falou que eu não sou sua filha." Ela ficou bem
louca, ficou bem atentada, sabe? com a minha tia assim, sabe? Queria ir lá brigar com a minha tia
e coisa e tal. Daí ela me contou a história. Daí ela me contou, ela disse assim: "Olha, então já que
você sabe, então vou te contar. Você não é minha filha mesmo, mas eu te quero muito mais bem
do que o meu próprio filho. [Você] eu te peguei pequenininha e vocês são em cinco irmãos. [E a]
[e a tua mãe] o teu pai ficou doente, foi para o hospital em Curitibanos, né? E daí que ele morreu
lá." (LAGES01)
Quando, porém, se reporta à fala de sua irmã (entre iguais), a informante utiliza a
variante teu, como o dado (5) ilustra:
(5) Eu e as duas irmãs minhas brincávamos. Aí eu chamava a minha mãe e ela dizia: "Essa
aqui não é a tua mãe. Tua mãe é minha mãe." (LAGES01L271)
Ocorrências como essas atestam que teu e seu apresentam diferenças estilísticas (pelo
menos em algumas regiões do Brasil). Os exemplos corroboram também a hipótese de Menon
(1996), segundo a qual o que está em jogo na variação dos pronomes pessoais e possessivos
de segunda pessoa são os aspectos de familiaridade, respeito e formalidade.
Essa distribuição estilística entre as formas de tuteamento e de voceamento já fora
tratada por Ramos (1989)21. A autora analisou as formas de tratamento para segunda pessoa
em Florianópolis – quanto ao uso das formas em variação e quanto à resistência da marca de
flexão no verbo de segunda pessoa. A autora fez diferentes coletas (entrevistas e testes de
atitude sobre as formas em variação) e chegou a resultados bastante significativos, que estão
mostrados na tabela 9.
21
Ramos (1989) analisou dados de 36 informantes florianopolitanos; dois textos literários de escritores
catarinenses, quais sejam, O fantástico na Ilha de Santa Catarina, de Franklin Cascaes, e Arca Açoriana, de
Almiro Caldeira; além de um questionário de atitudes. A coleta de dados foi feita mediante a apresentação de 10
fotografias de pessoas em seu local de trabalho e de pessoas surpreendidas na rua. A partir daí o informante
deveria fazer uma pergunta para um suposto interlocutor.
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
(orgs.) Formas de tratamento em Português e Espanhol: variação, mudança e funções conversacionais. Rio de Janeiro (no
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aparecem como uma maneira de o falante evitar qualquer uma das outras formas de
tratamento que possam comprometê-lo tanto com a semântica do poder quanto com a de
solidariedade. Seria a ausência total de qualquer forma de tratamento do informante ao se
dirigir ao interlocutor, como em: Ei, ei, moço! Que horas tem? (RAMOS, 1989, p. 54).
Para estudar se o uso dos diferentes pronomes era estilisticamente marcado em
Florianópolis, Ramos aplicou um questionário (teste de atitude) aos entrevistados. Seu
objetivo era de verificar se o uso das diferentes formas pronominais (tu e você) estaria
relacionado ao tipo de conversa ou ao tipo de interlocutor, se havia preferência de uso das
diferentes formas (ou não). Os resultados levaram a autora a reunir as seguintes características
gerais sobre as opiniões dos entrevistados:
Para verificar se a variação dos pronomes, encontrada na fala, também atingiu a escrita
catarinense, e qual a extensão e a natureza dessa variação, levantamos dados de sete peças de
teatro de autores nascidos em Santa Catarina, preferencialmente em regiões litorâneas, nos
séculos XIX e XX. A amostra diacrônica investigada foi a seguinte:
Após coletados os dados encontrados nas peças, foi feita a análise estatística com o
apoio do pacote VARBRUL. Os resultados confirmam o uso variável dos pronomes tu e você
na região de Santa Catarina e já apontam para um uso quase categórico do você no século XX,
reafirmando resultados encontrados no sudeste por Duarte (1995). Vejamos.
Como podemos observar, os autores nascidos no século XIX usam com bastante
freqüência a forma de tratamento tu e os nascidos no século XX usam quase com
exclusividade a forma você. Agrupando agora os autores por diferentes séculos, podemos
observar o sistema pronominal de segunda pessoa majoritariamente usado em cada um dos
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
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Para que pudéssemos fazer uma comparação com os dados de fala investigados, em
face dos resultados apresentados nas tabelas 10 e 11, controlamos outras variáveis como
possibilidades combinatórias dos pronomes tu e você, ‘relações simétricas e assimétricas’,
‘preenchimento do sujeito’ e ‘ordem do sujeito pronominal’, considerando sempre os
diferentes séculos. Vejamos o que dizem os resultados sobre a combinação entre os pronomes
e os possessivos e clíticos de segunda e terceira pessoas.
(6) Imbecil - ainda por cima é partidário desses ditados infames - sem criatividade, sua
bicha louca (pega um pedaço de madeira). Fica aí na tua. Se você der um passo na minha
direção eu te mato.
(7) E de mais a mais não pedi a tua opinião prá nada. Desde que te conheci sempre tive mais
iniciativa do que tu. Sou eu quem sempre dorme e acorda primeiro. Faço fogo, café, pesco,
me preocupo com um monte de coisas e você não tá nem aí.
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
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(8) Você já se arranjou outras vezes. Desculpe, Klaus, mas você não pode ficar aqui hoje.
Nostálgico! Que lembranças te vêm agora? (Valentina para Klaus)
Ele ainda te ama! (Klaus para Valentina)
(9) a. O’ sua serigaita, você demora-se tanto tempo para abrir uma porta! [Dutra, 1835]
b. O que você veio fazer, foi bisbilhotar, Sora Engrácia. [Carvalho, 1829]
(10) a. Por que você não foi ser ator de teatro quando jovem?
(você) Tem todas as ferramentas. (Tu) Interpretas bem,
(você) tem boa dicção… [Rosa, 1949]
b. Você é o meu presente, de natal, de ano novo, de aniversário... Eu tenho vinte anos no
meu coração! Ah, eu espero que você não demore. Eu fico tão angustiada com a espera!
você sempre diz isto também. Você vai gostar do meu vestido novo, eu o fiz igual ao da
moça do filme. [Cunha, 1962]
Esses resultados podem ser mais bem visualizados, segundo as diferenças entre os
séculos, na tabela abaixo:
Tabela 16: Percentual de pronomes tu e você, segundo o cruzamento entre as variáveis ´ordem do
sujeito pronominal de segunda pessoa´ e ´século´
(13) a. Grosseirão, grosseirão; ora, a quem o dizes tu! Com mil diabos, se tanto é a vontade,
amarra-te. [Carvalho, 1829]
b. Matei também o gato e o bucica! É preciso que morras tu também, pobre criança.
[Nunes, 1835]
(14) a. É o meu primeiro jantar à luz de velas. Só falta você. [Cunha, 1962]
b. Foda-se eu, você e o mundo. [Cunha, 1961].
O que podemos observar dos dados é que tu aparece posposto nas peças do século XIX tanto
em construções transitivas quanto inacusativas, enquanto você aparece posposto nas peças do
século XX, e apenas em contextos em que a ordem VS ainda resiste, ou seja, em construções
inacusativas. Esses resultados corroboram o trabalho de Coelho (2006) e de Coelho et al.
(2006).
Os resultados diacrônicos apontam para dois subsistemas distintos em competição (ou
normas distintas) na variedade do português escrito por autores nascidos em Santa Catarina:
(i) o de tuteamento (mais antigo), usado preferencialmente nas relações simétricas,
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
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Considerações finais
Referências
COELHO, I. L.; GÖRSKI, E. M. A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina. In: LOPES, C.; REBOLLO, L.
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