You are on page 1of 52

1

ANO I

Rio de Janeiro
Jan | Jun 2010

ISSN 2177-7314

Relações Internacionais na UERJ: um tributo à memória

O
lançamento da revista Mural Internacional con- se um desafio maior quando quem o faz protagonizou
solida o lugar assumido pelo Programa de Pós- muitos dos processos descritos: do oferecimento da dis-
graduação em Relações Internacionais da UERJ ciplina “Relações Internacionais” para turmas de
no cenário acadêmico. Mais do que isso, reafirma a História e Ciências Sociais, nos hoje já longínquos anos
vocação da instituição para o debate sobre as questões 1970, à direção de unidade voltada para o debate de
internacionais, em uma conjuntura na qual a ordem questões brasileiras e internacionais.
internacional mostra-se impactada por uma história que
se torna cada vez mais veloz. Considerando-se as conjunturas principais nas quais se
deu a emergência das relações internacionais no univer-
A UERJ, nesse contexto, vive tempos de proposições e so acadêmico brasileiro: os anos 1970 (no contexto da
resgates. As proposições tornaram-se vitoriosas com a Guerra Fria, de sua irradiação na América Latina e da
criação do Mestrado em RI e da revista Mural consolidação da idéia de uma Europa integrada) e a
Internacional, graças ao empenho de professores como década final do século XX (quando a Globalização e o
Miriam Saraiva, Mônica Lessa e Williams Gonçalves. “choque de civilizações” intensificaram os debates aca-
dêmicos sobre o cenário internacional), podemos dizer
Os resgates falam de uma história que remonta há, pelo que a UERJ nunca se furtou à ação propositiva e aos
menos, três décadas e que ficaria esquecida no passado esforços destinados a garantir visibilidade das relações
não fosse a sensibilidade dos editores da revista que agora internacionais no cenário acadêmico.
chega aos leitores.
Nos anos 1970, o esforço concentrou-se no oferecimen-
Visto sob a ótica de um movimento de maior duração, a to de disciplinas de RI em currículos dos cursos ofere-
criação do PPGRI representa o ponto de chegada de um cidos na área das ciências humanas. Em 1986, por
longo e árduo caminho, marcado por impulsos e retra- impulso partido da própria reitoria, foi criado o Instituto
ções, encontros e desencontros e, mais do que tudo, por Superior de Estudos Brasileiros e Relações Internacio-
equívocos políticos, ideológicos e administrativos. nais (ISEBI), após profundas discussões e disputas tra-
Traçar a trajetória descrita por este movimento mostra- vadas no âmbito do Conselho Universitário, que

SUMÁRIO

4| BRICs - Cooperação em comér- 20 | La cooperación Sur-Sur de 40 | La cooperación Sur-Sur.


cio e indústria. Um ponto de Brasil: ¿Instrumento de política Argentina y Brasil:
vista do lado brasileiro Exterior y/o Manifestación de dos interpretaciones diferentes
José Botafogo Gonçalves Solidaridad Internacional? María Gisela Pereyra Doval
Bruno Ayllon Pino e
7| Who still cares about the English Iara Costa Leite
School, and why?
Gian Luca Gardini
45 | A diplomacia brasileira e as
33 | A Globalização cultural e os visões sobre a inserção externa
12 | Sobre a Neutralidade Irlandesa e desafios para uma governança do Brasil: institucionalistas prag-
o Tratado de Lisboa global democrática máticos x autonomistas
Laura C. Ferreira-Pereira Rafael R. Ioris Miriam Gomes Saraiva
demonstraram, desde o início, as relações contur- Política e Relações Internacionais criou-se a massa
badas que afetariam a nova unidade e o quadro de crítica necessária para que pudesse ser criado um
contestação permanente que levaria à sua extinção, novo programa em nível de mestrado: o Programa
cerca de um ano apenas após sua criação. de Pós-Graduação em Relações Internacionais
(PPGRI), que tornou as frustrações do passado
Malgrados os problemas existentes, porém, o
sentimentos esquecidos.
ISEBI conseguiu reunir uma equipe interdisciplinar
de altíssimo gabarito e grande capacidade de reali- Neste ano de 2010, quando o PPGRI incorpora a
zação. Esta equipe incluía professores como segunda turma de mestrandos e lança sua revista,
Antonio Carlos Peixoto, Emir Sader, Isabel cabe dizer, a partir de imagem criada por
Picalunga (já falecida), Moniz Bandeira (que, pos- Guimarães Rosa, que o real, se dispôs para nós na
teriormente, prestou concurso para a UNB), Maria caminhada; razão mais do que suficiente para que
Helena Moreira Alves (hoje no Chile), Marcos a UERJ reivindique um espaço de reconhecimento
Arruda, Renée Dreyfuss (já falecido), Williams no campo das relações internacionais. A proposta
Gonçalves e outros. está lançada e o desafio há muito já foi aceito.
Como realizações do grupo, contaram-se ciclos
memoráveis de palestras abertas à comunidade, vol- Lená Medeiros de Menezes
tadas para o debate de temas cruciais da política
Professora do Departamento de História e do Programa de
internacional de época, e a criação de dois cursos de Pós-Graduação em Relações Internacionais, Sub-Reitora
especialização: um em Relações Internacionais (sob de Graduação da UERJ.
a coordenação do prof. Antonio Carlos Peixoto) e
outro em Estudos Comparados da América Latina
(coordenado pela Prof. Maria Helena Moreira
Alves).
O processo de seleção para os cursos do ISEBI foi
aberto ainda no ano de 1987, com início previsto
para 1988, e a procura por eles demonstrou que a
UERJ trilhava um caminho profícuo. No entanto,
a extinção da Unidade impediu a continuidade na
oferta de vagas para os cursos referidos, que fica-
ram sob a responsabilidade direta da direção do
Centro de Ciências Sociais, até a certificação dos
alunos. Muitos professores migraram para outras
instituições, levando com eles reflexões acumula-
das e a experiência de um trabalho desenvolvido
em um rico ambiente de trocas.
No caso específico do Curso de Especialização em
Relações Internacionais, graças à sensibilização do
departamento de História, ele pode renascer, em
1990, como Curso de Especialização em História
das Relações Internacionais.
Em vinte anos de existência, o curso não só formou
centenas de alunos como garantiu um lugar de
referência na área, apesar de sua circunscrição à
área da História. Por outro lado, transformou-se
em base sólida para a criação do Programa de Pós-
Graduação em História Política, que contemplou,
como uma de suas linhas de pesquisa, as Relações
Internacionais.
A partir dos diálogos travados entre História
Ano I, nº 1. Janeiro-junho de 2010

Mural Internacional é a revista eletrônica semestral do Programa de Pós-


Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Seu objetivo é debater temas relevantes das Relações Internacionais em
sua totalidade como a política internacional, políticas externas, economia políti-
ca internacional, processos de integração regional, instituições internacionais,
processos migratórios internacionais, relações culturais internacionais, dis-
cussões teóricas e/ou metodológicas e temas da atualidade de terminados países
ou regiões.

As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade de seus respectivos


autores.

Seu download é gratuito, a partir do site www.ppgri.uerj.br.


© 2010 • Todos os direitos são reservados ao PPGRI/UERJ.

Visite o site www.ppgri.uerj.br, em Publicações, aonde há mais informações


sobre a revista e sobre suas normas para publicação.

Editora - Mônica Leite Lessa


Editora Adjunto - Miriam Gomes Saraiva

Comitê Científico:
Alexis Toríbio Dantas
Antonio Carlos Peixoto
Cláudio de Carvalho Silveira
Erica Simone Almeida Resende
Hugo Rogelio Suppo
Lená Medeiros de Menezes
Williams da Silva Gonçalves

Projeto Gráfico e Webdesign:


Alessandra Herrero | Conecte Design.

Correspondência:
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua São Francisco Xavier, 524, 9no.Andar, bloco F, sala 9037.
Rio de Janeiro RJ Cep.22071-030 Brasil
Tel. 55 21 23340678 / 55 21 96065754
E.mail: ppgri.secretaria@gmail.com
||
Mural Internacional
Mural Internacional
44 Ano I, nº 1
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010
Jan | Jun 2010

BRICs
Cooperação em comércio e indústria.
Um ponto de vista do lado brasileiro
José Botafogo Gonçalves
Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais

D
esde o início dos anos 60, quando o proces- Navegadores franceses, holandeses, ingleses, fren-
so de industrialização acelerada foi entusias-quentavam nosso litoral apenas como traficantes ou
ticamente adotado pela sociedade brasileira, corsários. Todos os vizinhos brasileiros na América
o país tentou definir a si próprio como um global tra- do Sul eram considerados inimigos potenciais, na
der e também como um global player. medida em que seus territórios eram controlados por
Espanha, França, Holanda; todos inimigos de
Cinquenta anos mais tarde, o Brasil está começando Portugal, a Espanha, em particular.
a ser considerado uma potência emergente pela
Esse quadro de isolamento foi fundamental para
comunidade internacional e pelas suas próprias auto-
modelar, dentro da colônia portuguesa, um sentimen-
ridades diplomáticas. Paradoxalmente, o caminho
to de nação, que fala o mesmo idioma, lida com um
que o Brasil percorreu rumo à indústria e ao comér- dominador estrangeiro (Portugal) e mantém a popu-
cio internacional deu-se no contexto de uma trajetó- lação afastada dos inimigos hispânicos.
ria isolacionista surpreendente, na qual regras inter-
nacionais obrigatórias ou cooperação internacional “Vizinhos” é dificilmente uma palavra apropriada,
voluntária sofreram objeções ou foram relutante- uma vez que o Brasil encontra-se separado dessas
mente implementadas. regiões por uma densa floresta tropical, por rios
gigantescos ou pela Cordilheira dos Andes.
Para entender essa contradição, algumas considera-
Em 1808, quando toda a monarquia portuguesa
ções históricas e geográficas são necessárias.
desembarcou no Rio, escapando da invasão do exér-
A história do Brasil começa em 1500, quando os cito napoleônico, o Brasil, literalmente do dia para a
navegadores portugueses desembarcaram nas costas noite, modificou seu status político de colônia à
do sul do Oceano Atlântico. Até 1808, o Brasil foi metrópole do império português. Nesse momento o
uma colônia portuguesa, no mais absoluto sentido país ainda não era um Estado, mas se sentia quase
como uma nação.
da palavra. Comércio e indústria - esta somente
quando permitida por Portugal - foram desenvolvi- Embora o destino formal das exportações brasileiras
dos exclusivamente com Lisboa. Os portos brasilei- fosse Portugal, de fato os bens brasileiros eram re-
ros eram fechados a todas as demais nações. exportados para países europeus e, mais tarde, para
5 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

os Estados Unidos da América. A esta altura, podemos especular diplomacia indiana vem sendo
sobre possíveis áreas de coopera- contínua e proveitosa.
De que tipo de bens se tratava? ção entre os países que compõem
“Commodities” agrícolas, e ouro e Este não foi o caso em relação à
os Bric’s em um futuro próximo,
diamantes no século XVIII. Rússia (União Soviética) ou à
tanto no campo do comércio
China, uma vez que ambos excluí-
Algumas conclusões podem ser quanto no da indústria.
traçadas a partir desse breve pano ram a si próprios da lista de países
de fundo histórico e geográfico: Levando em conta a história bra- capitalistas. Por razões políticas, a
sileira, as ambições culturais cooperação entre Brasil e Rússia
a) O Brasil, desde 1500, tem sido nacionalistas, o comércio global e (União Soviética) ou entre Brasil
um exportador sucedido e compe- a performance global do país, e China foi inexistente ou operou
titivo de commodities agrícolas, e podemos esperar, no contexto de sob severo escrutínio das autori-
continuará nessa posição nos pró- um possível diálogo entre os qua- dades dos países envolvidos.
ximos anos; tro países participantes do grupo,
Nas últimas duas décadas, os
b) O Brasil está se tornando um uma mistura variável e complexa Brics experimentaram grandes
exportador bem sucedido de bens de cooperação, competição, con- mudanças. O Brasil, desde 1990,
industriais (manufaturados e frontação e negociação no campo vem abrindo rapidamente sua eco-
semimanufaturados), e seu cres- da agricultura, barreiras não-tari- nomia para países estrangeiros e,
cente mercado interno proporcio- fárias de comércio, políticas de pela primeira vez na história, está
na uma razoável produção em investimentos, direitos de proprie- liderando na América do Sul um
escala; ainda o crescimento dos dade intelectual e serviços trans- ambicioso projeto de integração
investimentos logísticos melhora nacionais.
regional através das instituições
a competitividade dos bens brasi-
Como foi mencionado anterior- do Mercosul, da união aduaneira e
leiros e sua distância em relação
mente, o Brasil desenvolveu seu do livre comércio. Rússia, Índia e
aos mercados dos países do
Atlântico Norte e de potências próprio pacote de políticas em um China, com diferentes propósitos
asiáticas (Japão, China, Índia); quase completo isolamento em e ênfases, estão interconectando
relação a seus parceiros naturais. suas economias àquelas de parcei-
c) A expansão do comércio indus- Embora o Brasil seja um membro ros próximos e distantes, e tam-
trial internacional é um fenômeno fundador das instituições de bém ao grupo dos Brics, conforme
muito recente (tem em torno de 10 Bretton Woods, o Ministério de podemos ver nas estatísticas do
anos) e requer esforços gigantes- Relações Exteriores (Itamaraty) comércio internacional.
cos do governo e do setor privado, sempre usou o fórum de Bretton
com vistas a manter ou a aumen- Woods para apresentar justificati- Em suma, a história de cooperação
tar a atual taxa de crescimento vas visando ao não-cumprimento entre os quatro países que formam
desse tipo de exportação; das decisões liberais adotadas o BRIC é pobre e pouco signifi-
particularmente nos caso de polí- cante para prover linhas mestras
d) Atualmente, ninguém pode para o futuro.
afirmar em qual direção o Brasil ticas comerciais. Os argumentos
concentrará seus esforços na pro- foram normalmente baseados em A boa notícia é que esses países
moção da cooperação internacio- considerações de balanço de estão mostrando habilidade para
nal no comércio e na indústria, pagamentos ou nas necessidades quebrar restrições seculares de seu
embora haja evidências empíricas de se projetar uma “indústria nas- próprio subdesenvolvimento e
mostrando que o mercado da cente” ou de se prover “tratamen- estão se apresentando no cenário
América do Sul crescerá em to diferenciado” para os países internacional como emergentes por
importância relativa ou absoluta menos desenvolvidos. Nesta área serem grandes e novos, e não por
na esfera do comércio exterior. específica, a cooperação com a serem grandes e velhos.
6 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

A melhor indicação da nova situa- ção e de negociação antes de atin- mundo desenvolvido. Os Brics
ção do Brasil vem ironicamente girmos o estágio de cooperação. têm surpreendido o mundo com o
da mais antiga atividade econômi- Na medida em que o comércio crescente papel de suas próprias
ca desde o tempo colonial, que é a internacional é hoje medido mais companhias transnacionais, que já
agricultura. O Brasil, junto com por valor agregado do que por ape- influenciam políticas públicas
os parceiros e associados do nas volume, os exportadores e com vistas a promover seus objeti-
Mercosul, possui o maior reserva- importadores de commodities vão vos econômicos.
tório de água, de fontes de energia lutar para aumentar a porção de
renováveis e não-renováveis, de valor agregado incorporado nos Como conclusão, os Brics são qua-
terra arável e de exposição ao sol. bens agrícolas dentro de suas fron- tro grandes animais diferentes que
Ao contrário de práticas antigas, teiras políticas ou econômicas. estão entrando juntos no cenário do
hoje os produtores agrícolas brasi- século XXI, não apenas por serem
leiros têm a sua disposição a mais Por outro lado, no campo dos bio- grandes, mas sim porque estão
moderna tecnologia existente para combustíveis e de outras fontes de mostrando a habilidade de usar
lavouras tropicais, práticas ecoló- energia renováveis, a cooperação seus tamanhos para modificar e
gicas e sustentáveis no longo entre os Brics é possível e de inte- modernizar a si mesmos. Inovação
prazo. O Brasil está se tornando o resse mútuo. é o conceito que pode consolidar
maior fornecedor mundial de pro- os BRICs no futuro.
No caso de questões relacionadas
teína vegetal e animal. China e a investimentos e a comércio, a Enquanto isso, testemunharemos
Índia estão se tornando grandes cooperação entre companhias pri- episódios de confrontação, de
consumidores deste tipo de ali- vadas será uma força dinâmica negociação e de cooperação em
mentos. É possível uma coopera- que se moverá mais rapidamente proporções que somente post facto
ção entre os Brics nessa área? A do que políticas governamentais. seremos capazes de determinar.
resposta é simples. Sim, a coope-
ração é possível, mas, probabilisti- As companhias transnacionais ou
camente falando, atravessaremos multinacionais não são mais um
inicialmente campos de confronta- privilégio do quadro industrial do
7 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Who still cares about the


English School, and why?
Gian Luca Gardini
Professor de Relações Internacionais e
Vice-Diretor do European Research Institute da University of Bath

I
f it is true that definitional problems are indication of why the School deserves attention: it
always present in International Relations has something to say about almost all the fundamen-
Theory, the English School is an evident tal issues and debates in IR. Therefore, rationalism
example. Its boundaries are contested, its core (another definition of the English School) should
arguments defined as heterogeneous by its propo- raise the interest, among others, of:
nents and inconsistent by its critics. Yet, the
English School has its own identity. This is often • those who are in favour of methodological pluralism;
reflected in the organisation and conceptualiza- • those looking for a plausible alternative to the
tion of many IR textbooks that devote specific divide idealism/realism;
chapters to the School.1 In spite of being consid-
ered a defeated approach by the IR mainstream, • those who pursue normative approaches to IR;
the English School still plays an important role in
• those who place the human being and cultural
IR Theory, precisely because of its eclectic and
issues at the core of the IR research agenda;
multi-faceted contribution to the discipline.
This paper is structured in four sections according to
A useful first step to discover who may be interest-
these areas of interest.
ed in the English School is to have a look at the web-
site of the English School set up by Barry Buzan and Methodological pluralism
currently hosted by the University of Leeds.2 The
list of contributors to the discussions held within the On the question of method, two questions have char-
School is so long and varied that it provides a good acterised the rationalist approach. The first concerns
its wide pluralism. The second was essentially
defined by the polemic engagement of Hedley Bull,
1. See for instance: Jackson and Sorensen (2007); Sterling-Folker probably the most prominent among the English
(2006);Dunne, Kurki and Smith (2007); Burchill, Devetak, School scholars, in the debate between traditionalists
Linklater, Paterson, Reus-Smit and True (2001). and behaviouralists. Regarding pluralism, critics
2.http://www.polis.leeds.ac.uk/research/international-relations have often dismissed the approach of the English
security/english-school/ • (last accessed 20/2/2010). School as non-scientific and they have charged it
8 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

with inconclusiveness and vague- exercise in statistics and quantita- Beyond the divide between real-
ness. Instead, Buzan argues that tive methods but rather a deep his- ism and idealism: the concept of
the English School offers a torical knowledge coupled with international society
method for studying international thorough conceptualisation of
politics that deserves more atten- international politics. Bull The English School largely drew
tion than it has usually received. observed that history may not be from, and shared elements of both
Its proponents assert the validity sufficient to understand interna- idealism and realism, trying to
and the under-utilization of this tional relations but cannot be combine them in an original syn-
“historicist, constructivist, and overlooked for at least four rea- thesis. The key contribution to
methodologically pluralist” sons (Bull 1972; 1995). First, cer- this purpose remains the concept
(Buzan 2001, 472) approach to tain political situations are not of international society and the
International Relations Theory. merely illustrations of general role of both interests and values to
Buzan is right in calling for more patterns but genuinely singular explain international cooperation.
attention to a comprehensive events. Second, any international Rationalism, along with realism,
approach to IR. He advocates a situation is located in time and to recognizes the great importance
method that may be useful to tack- understand it the scholar must of power and the pre-eminence of
le several, if not all, the most place it within a sequence of states in the international arena.
important theoretical and substan- events. Third, the quality, tech- Nonetheless, it denies the view of
tial challenges of international niques and canons of judgment of international politics as a state of
politics and the validity of which diplomatic history as a discipline nature without norms. Drawing
is not just limited to a few theoret- are often less obscure and contro- largely from Grotius, the English
ical debates. To attain this goal, versial than those of theoretical School argues that power and law
the English School makes use of a studies. Fourth, history itself is are both present in the internation-
multi-level (of analysis) approach, the primary material for the social al context. The principal differ-
and the historicist focus reflects as sciences, which have themselves a ences of the School from idealism
much a legacy of the origins of the history and emerge within a and realism are reflected in the
School as its own enduring identi- defined historical context. conceptualisation of international
ty. IR is considered a humanistic Furthermore, Bull defended the society. This is a fundamental def-
discipline. It is therefore an composite approach of the inition to understand both the
appropriate field for historical English School asserting that IR is rationalist peculiarity as com-
and normative analysis. As not a single discipline but draws pared to other stances in IR and
Hollis and Smith would express from other disciplines, such as the originality of its positions in
the point, International Relations history, political theory and inter- current debates within the disci-
is a question of understanding national law. The critics of the pline. International society is a
rather than explaining (Hollis English School have never been norm-governed form of associa-
and Smith 1991). The pluralist entirely convinced by these argu- tion, where norms emerge only as
aspect is witness to the openness ments and maintained the idea a requirement for cooperation.
of the School to approaches other that rationalism founded its pre- Unlike idealism, here internation-
than its own, thus enlarging the suppositions on a poor and impre- al norms do not involve common
scope of its agenda. cise methodology. Overall, in projects or identities. This means
spite of the value of methodologi- that accepted norms do not go
On the quarrel between tradition- cal pluralism, indeterminacy in
alists and behaviouralist, Bull beyond what is required for social
method has always been one of coexistence. The international
substantially reproduced and the weaknesses of the English
developed the historicist argu- society then performs the impor-
School approach to IR. tant role of providing the anarchi-
ment, stressing that IR is not an
9 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

cal international system with bination of both common interests three fruitful developments. First,
order. Rationalism recognizes the and values (bull 1977), an antici- the attention to the determinants
essential anarchical nature of the pation of a constructivist of foreign policy completed the
international context, but suggests approach to international rela- detachment from the realist/neo-
that institutions and practices, such tions. Such a conceptualisation of realist paradigm. While neoreal-
as diplomacy and international the international society poses a ism conceived of the system
law, contribute to the maintenance good number of challenges to IR structure as dominant over the
of the international order, under- theorizing, the implications of units, the English School attrib-
stood as pattern of international which will be dealt with in the utes a significant role to units
activities that sustain basic goals. next two sections. (especially to the most powerful
ones) in shaping the international
How does the English School A normative approach to the society. As Buzan suggested, this
move forward and explain the for- study of international relations makes the English School think-
mation of international institu- and International Relations ing close to Wendt’s construc-
tions? It is at this stage that values Theory tivism in that ‘anarchy is what
come into play. International states make of it’ (Wendt) 1992).
organisations are the result of both A broadly normative approach to
International Theory is one of the This is not the only point of con-
common interests and values. If tact between Wendt and the
international co-existence facili- most interesting aspects of the
English School. Normative con- English School. In fact the latter
tates, and is underpinned by, rules seems also to anticipate that the
governing cooperation, interna- cerns as applied to the definition
of the international society repre- units’ perception of one another is
tional organisations are based on a major determinant in their inter-
interests, consent and a rudimen- sent both one of the most chal-
actions. This is what Lars
tal form of justice understood as lenging suggestions of rationalism
Cederman defined as ‘strategic
an expression of the prevailing and one of its typically tortuous
tag’, which perfectly applies to
values in the international society. and some times inconclusive
understand for instance the evolu-
Common interests are the basis paths. The purpose of the English
tion of Argentine-Brazilian rela-
for any international joint effort. School was ‘not to study diplo-
tions since the late 1970s
Consent is expressed by states to matic history in the usual sense, Cederman 2001).4
develop institutions promoting nor to discuss current problems,
those norms that help maintain but to identify the basic assump- Secondly, the attention devoted to
cooperation and co-existence. tions that lie behind diplomatic the units invariably calls for the
Justice in this case means that the activity, the reasons why a coun- consideration of cultural factors
same rules apply to everybody, it try conducts a certain foreign pol- as determinants for international
is a basic commutative (based on icy, the ethical premises of inter- relations. Rationalist scholars
rules) form of justice. The innova- national conflict…’.3 This early maintain that states become so
tive character of the English statement by Butterfield expresses involved in the international sys-
School is to be found in the com- the explicitly normative commit- tem that they transform it into a
ment of the English School schol- society. This transformation takes
3. Herbert Butterfield, letter to Martin Wight ars. The departure from realism is place on the basis of accepted
in 1958, quoted in Adam Watson, The
British Committee for the Theory of Interna-
evident in that realism conceived norms and institutions. Now, the
tional Politics: www.polis.leeds.ac.uk/assets of morality and international poli- problem is: on what grounds are
/files/research/english-school/watson98.pdf tics as absolutely distinct spheres. these norms internationally
(last accessed 20/2/2010). accepted? Do states share a com-
The application of a normative mon culture that makes them
4. For the application of the concept to
Argentine-Brazilian relations see Gardini perspective to the concept of inclined to accept the same
(2010, 178-179). international society resulted in norms? The answer to this ques-
10 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

tion is relevant to another impor- The centrality of the human fac- point on cultural relativism broa-
tant IR divide: the one between tor and cultural issues dly understood, they differ in their
cosmopolitans and communitari- analysis of consequences and
ans. In fact, if the values underly- Bull’s work on the interplay of implications. On the one hand,
ing international norms were pre- cultural factors and political rationalism has developed this
existing state interaction, the behaviour, both defined in norma- argument towards a prospective
English School position would tive terms, opened the way to clash of civilisations, further dis-
shift towards cosmopolitanism. If fruitful contemporary studies. cussed and elaborated by
the values were the result of the This added to the already rich and Huntington (1993); on the other,
interaction, the perspective would varied range of research that Critical Theory has followed the
be rather a communitarian one. rationalism has directly or indi- way leading to the equation of
rectly originated. The traditional morality and politics, thus consti-
Thirdly, concerns with ethics interest of the English School for tuting a radical challenge to the
directly relate to the tension ethic and humanistic studies, epistemic foundation of the tradi-
between order and justice. Hedley including international law, is tional paradigms. In any case the
Bull recognised that conflicting now part of the current IR main- centrality to international politics
goals can co-exist within the stream. Issues such as human of the human being, its ideas, val-
international society obliging rights, humanitarian intervention, ues and beliefs as well as of its
states to make a choice between regional integration, world gover- community and time is an endur-
the two competing principles. He nance, identity and religious ing legacy of the English School.
also moved a step forward noting revival are firmly on the agenda of It should be the task of the foreign
that the concept of justice itself international politics. In recent policy analyst to understand not
may be subject to different inter- years interesting contributions the world as it is or was, but as
pretations. However, justice may have appeared on the unresolved seen and perceived by the key
also be understood in a minimal- question about the relations actors given their temporal, social
ist way as the principle that the between the international society and political circumstances.
same rules apply to everybody and the different cultures co-exist-
ing within it. Chris Brown’s Conclusion
(commutative, or rule-based jus-
research to test whether the con-
tice as opposed to distributive or
cept of international society Last but not least, a final reason,
goods-related justice). Yet this
proves satisfactory in a world and perhaps not a negligible one,
would only move the crucial
where the majority of states are to look with sympathy at the
point a bit further: who decides
non-European has not been fully English School is that it repre-
about the ‘common’ rules and conclusive. In fact, both the pro- sents a genuinely non-American
their desirable acceptance? This posed explanations (the “univer- current of thought in International
seems to lead to a cultural rela- sal appeal” and the “Europe of Relations Theory. This pluralism
tivism very close to communitar- mind”) are far from unproblematic of views can only be beneficial to
ianism. None the less, Bull (Brown 1995). Looking at topical a discipline too often character-
regains immediately a media via, events in world politics, the pur- ized by parochialism and almost
typical of the English School, by ported split of the world into a dogmatic crusades. This is even
referring to the international soci- “zone of peace” and “zones of tur- more important in an increasingly
ety order as a prerequisite for a moil” appears far more convincing open, fluid, and multi-polar world
desirable humanity order, thus (Singer and Wildavsky 1993). characterised by the growing rele-
implying the generalised accept- Another interesting link exists vance of non-Western powers,
ance of order as an indispensable between the English School and issues and perspectives. Furthe-
value to attain basic goals such as critical theorists. While the two rmore, despite its name and its
survival and co-existence. approaches share a basic starting essentially British roots, the
11 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

English School tries to spread to, and gather contribu- Bull, Hedley (1977), The Anarchical Society, New
tions from all over the world. Continental European York, Columbia University Press.
scholars are more and more active within the School
and its echo has gained disciples as far as China. Burchill, Scott; Devetak, Richard; Linklater,
Andrew; Paterson, Matthew; Reus-Smit, Christian;
Despite some areas of uncertainty and some theoret-
True, Jaqui (2001), Theories of International
ical vagueness, the English School has proven to be
Relations, New York, Palgrave.
the most credible challenger to overcome the divide
realism vs. idealism and to temper the claims to nov-
elty of social constructivism. The English School Buzan, Barry (2001) ‘The English School: An
defends a pluralist and comprehensive approach to underexploited resource in IR’, Review of
International Relations. The concept of international International Studies, 27, p.471–488.
society still generates academic interest and explains
a good number of things in the contemporary inter- Cederman, Lars E. (2001) ‘Modeling the
national order. The English School normative Democratic Peace as a Kantian Selection Process’,
approach has raised interesting points and brought Journal of Conflict Resolution 45:4, p.470-502.
about significant questions on culture and identity
and their relation with politics and morality. Not Dunne, Tim; Kurki, Milja; Smith, Steve (2007),
despite of, but precisely because of its eclecticism, International Relations Theories. Discipline and
the English School has at least partially addressed Diversity. New York, Oxford University Press.
most of the topical issues on the agenda of contem-
porary IR Theory. Rationalism appears far from Gardini, Gian Luca (2010) The Origins of
being defeated. On the contrary, favourable condi- Mercosur, New York, Palgrave.
tions in the international political and academic
environment present it with a unique opportunity to Hollis, Martin & Smith, Steve (1991) Explaining
raise its profile and gain credibility not only on both and Understanding International Relations, New
sides of the Atlantic but far more broadly. For all these York, Oxford University Press.
reasons, the English School deserves attention and
interest. Furthermore, as a Cambridge-educated
Samuel P. Huntington (1993) ‘The Clash of
scholar I do believe that it would be desirable that also
Civilizations?’, Foreign Affairs 72:3 (summer), p.22-49.
IR scholarship in Cambridge concede more room to
rationalism. The British Committee for the Theory of
International Politics, which generated the English Jackson, Robert & Sorensen, Georg (2007)
School, was born and flourished in Cambridge, that Introduction to International Relations. Theories and
academic establishment should make a flag of it. Approaches, New York, Oxford University Press.

References Max Singer and Aaron Wildavsky (1993) The Real


Brown, Chris (1995) ‘International Theory and World Order. Zones of peace/zones of turmoil,
International Society: The viability of the middle way’, London, Chatham House Publishers.
Review of International Studies 21:2 (April), p.183-196.
Sterling-Folker, Jennifer (Ed.) (2006) Making Sense
Bull, Hedley (1972) ‘The Theory of International of International Relations Theory, Boulder and
Politics, 1919-1969’, in B.Porter (Ed.), The London, Lynne Rienner.
Aberysthwyth Papers: International Politics, 1919-
1969, London, Oxford University Press, p. 30-50. Wendt, Alexander (1992) ‘Anarchy is What States
Reprinted in 1995 in James Der Derian (Ed.), Make of it: The social construction of power politics’,
International Theory. Critical Investigations, International Organization 46 (spring), p.391-425.
Basingstoke and London, McMillan, p.181-211.
12 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Sobre a Neutralidade Irlandesa


e o Tratado de Lisboa
Laura C. Ferreira-Pereira
Professora da Universidade do Minho,
Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública.

A
Irlanda aderiu à então cidade da política externa e de num contexto de crescente
Comunidade Europeia segurança nacional para obter desenvolvimento da componente
(CE) em 1973, no quadro uma garantia legal que salva- de segurança e defesa da UE.
do primeiro alargamento da his- guardou o estatuto militarmente
tória desta organização interna- neutral do país. Essa garantia Remontando às origens da neu-
cional sui generis. Nessa altura, ficaria plasmada nos sucessivos tralidade da Irlanda, este artigo
a política externa e de segurança Tratados da União Europeia procura dilucidar o nexo entre o
do país já estava impregnada por (UE) - no Tratado de Maastricht, ‘Não’ irlandês e o Tratado de
uma tradição e experiência de no Tratado de Amsterdã e no Lisboa, no âmbito do referendo
neutralidade militar alimentada, Tratado de Nice. Ainda assim, nacional realizado em junho de
desde a sua origem, por um sen- no caso deste último, a garantia 2008, e a tradição de neutralida-
timento anti-britânico e intrinse- existente foi considerada insufi- de militar que tem pautado a
camente ligada à luta pela con- ciente por uma opinião pública política externa e de segurança
quista e manutenção da indepen- desconfiada dos planos euro- desse Estado, constituindo tam-
dência face ao Reino Unido. peus, que rejeitou o Tratado de bém um elemento intrínseco da
Nice num referendo que teve identidade nacional irlandesa.
A entrada para o Concerto lugar em 2001. Os líderes políti-
Comunitário foi acompanhada A Neutralidade Militar Irlandesa:
cos irlandeses só conseguiram Gênese e Evolução
de abertura política relativamen- reverter esse resultado mediante
te a um futuro projeto no domí- o reforço de garantias de salva- À semelhança do que sucedeu
nio da segurança e defesa. No guarda da neutralidade militar. com outros Estados, tais como a
entanto, quando o Tratado de A história repetir-se-ia, por Áustria, a Suécia e a Finlândia,1 a
Maastricht, assinado em 1992, razões similares, em 2009, quan- emergência da neutralidade irlan-
consagrou a existência de uma do o Tratado de Lisboa só foi desa resultou de uma combinação
Política Externa e de Segurança aprovado num segundo referen- de condicionantes geográficas e
Comum (Pesc) as autoridades do, depois das autoridades de históricas. No caso em apreço, a
irlandesas invocaram a especifi- Dublin terem recebido, da parte adoção de uma postura neutral foi
dos líderes europeus, garantias determinada pela proximidade
1. Para um estudo mais detalhado sobre a legais que iam ao encontro da geográfica relativamente ao Reino
neutralidade austríaca, finlandesa e sueca,
preocupação dos irlandeses com Unido e, sobretudo, pela história
ver Ferreira-Pereira (2007, p.69-98).
o futuro da neutralidade militar, de dominação britânica do país.
13 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Assim, a neutralidade não pode ties irlandeses. No entanto, a pro- A primeira grande consecução
ser divorciada da luta anti-colo- posta de um estatuto de neutrali- alcançada pelo governo de Eamon
nial da Irlanda (Sharp 1990, 13), dade para a Irlanda foi rejeitada de Valera prendeu-se com a pro-
da sua aspiração à independência pelos negociadores britânicos clamação da Constituição de 1937
concebida em termos de formula- (Fanning 1996, 138). No entendi- que redesenhou o relacionamento
ção e implementação de uma polí- mento dos irlandeses, a recusa do entre a Irlanda e o Reino Unido, e
Reino Unido em aceitar a inde-
tica externa autônoma. converteu o Estado Irlandês Livre
pendência dos remanescentes 6
counties que se situavam no nor- na República (independente) da
Logo no início da Primeira Guerra Irlanda. Um ano depois, nas vés-
Mundial, os revolucionários irlan- deste do país e formavam a
Irlanda do Norte, bem como em peras da eclosão da Segunda
deses que pleiteavam pela inde- Guerra Mundial, o último obstá-
pendência nacional começaram a reconhecer à Irlanda o direito de
se declarar neutral (no caso de culo à neutralidade irlandesa foi
perceber a neutralidade como um removido quando Londres devol-
uma guerra iniciada pelo Reino
instrumento para pôr término ao Unido) representava uma signifi- veu os portos de Berehaven, Cobh
domínio colonial britânico. Num cativa limitação à prossecução de e Lough Swilly ao governo irlan-
plano mais imediatista e pragmáti- uma política externa independen- dês, no quadro de um importante
co, quando o conflito mundial te. Ademais, a existência de fato acordo de defesa bilateral. Tal
irrompeu, o estatuto de neutralida- de um Estado Irlandês Livre era como afirmou Patrick Keatinge
de foi advogado para evitar o negada pelos próprios termos dos (1984, 17), o Acordo de 1938
envolvimento da Irlanda nas hosti- Acordos de 1921, na exata medida
marcou o momento, a partir do
lidades ao lado do Reino Unido. em que eles estatuíam a manuten-
ção de um vínculo de união entre qual a neutralidade tornar-se-ia
Foi nesse contexto que nasceu a uma política oficial do Estado
Liga da Neutralidade Irlandesa, a a Irlanda e a Commonwealth, ao
mesmo tempo que atribuíam ao irlandês e um valor político.
qual veio militar por uma posição
neutral do país na guerra entre o governo britânico o direito de uti- Nesse contexto fundamentalmen-
lizar três portos no país:
Reino Unido e a Alemanha. De te novo, Eamon de Valera, reite-
Berehaven e Queenstown/Cobh
fato, o processo político conducen- situados no sudoeste, e Lough rando as ideias defendidas no iní-
te à independência foi acompanha- Swilly no noroeste. Face a tais cio da década de 20, advogou na
do pela expectativa relativamente à constrangimentos políticos, terri- sua retórica política o apego da
adoção de um estatuto de neutrali- toriais, militares e estratégicos, a Irlanda a uma política de neutrali-
dade militar. Não surpreende, por- neutralidade permaneceu um desi- dade caracterizada pela não parti-
tanto, a existência de uma íntima derato na mente e nos corações cipação direta ou indireta numa
ligação entre o nacionalismo irlan- dos nacionalistas irlandeses. guerra em que o Reino Unido esti-
dês e a neutralidade, algo que tor- vesse envolvido, dado que neste
Os anos de 1922 e 1923 foram
nou consensual a atribuição da cenário o território irlandês pode-
marcados por uma guerra civil
‘paternidade’ da neutralidade da ria vir a ser utilizado para atacar o
entre a facção pró-Tratado e um
Irlanda a Eamon de Valera – o líder seu vizinho. Por conseguinte,
grupo de revolucionários liderados
da revolução irlandesa. desde a sua origem, a neutralidade
por Eamon de Valera que era total-
nunca foi interpretada como um
Em 1921, no rescaldo do primeiro mente contrário ao Acordo de
fim em si mesmo, mas como um
conflito mundial, o Reino Unido 1921. A facção que se posicionou a
encetou negociações com repre- meio de garantir a independência
favor deste último venceu a guerra,
sentantes irlandeses que conduzi- nacional, traduzida no não envol-
mantendo-se à frente do governo
riam à assinatura do Tratado vimento em guerras disputadas
até 1932, altura em que o partido
Anglo-Irlandês, em dezembro pelo Reino Unido. Essa postura
Fianna Fail, liderado por Eamon de
desse ano. Ao abrigo desse acor- consubstanciava, igualmente, uma
Valera, conquistou o poder na
do, Londres anuiu conceder a resposta à recusa do governo britâ-
independência a 26 dos 32 coun- sequência de eleições gerais.
14 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

nico em fazer concessões com res- Estados Unidos e ao Reino Por outro lado, na perspectiva dos
peito à Irlanda do Norte. Unido. A adoção de uma neutra- líderes irlandeses, a identificação
Finalmente, a neutralidade foi con- lidade de tipo colaborante foi, na do país com os valores partilhados
siderada instrumental para susten- verdade, percebida como indis- pelas democracias ocidentais, bem
tar uma política de boa vizinhança pensável à proteção do território como com o ‘mundo industrializa-
com o Reino Unido porquanto a irlandês contra um eventual ata- do ocidental’ era inequívoca.
primeira incorporava a garantia de que alemão.2 Consequentemente, no plano do
que nenhum governo irlandês per- discurso oficial, a neutralidade
mitiria que o território nacional Na Primavera de 1949, após a nunca foi considerada incompatí-
fosse utilizado como base militar saída da Commonwealth, a Irlanda vel com a adesão à CE que não
para perpetrar um ataque contra o foi convidada a integrar a era uma aliança militar, nem
seu vizinho (idem, 8 e 202). Organização do Tratado do desempenhava qualquer papel na
Atlântico Norte (Otan). A respos- esfera militar.
A posição neutral adotada pela ta foi negativa, sendo que a justi-
Irlanda durante a Segunda Guerra ficação para isso não residiu, Entre o ano de 1964 e o ano de
Mundial foi um reflexo da sobe- exclusivamente, na tradição de 1973 (em que a Irlanda aderiu à
rania alcançada com o fim da neutralidade ou, por outras pala- CE), foram numerosas as decla-
presença militar britânica. vras, no fato de a organização em rações produzidas pelos líderes
Apesar de se encontrar protegido causa ser uma aliança político- políticos sublinhando a ideia de
pela sua localização geográfica, militar e sob a lei internacional a que a neutralidade militar não era
que o manteve afastado dos prin- Irlanda estar inibida de ingressar contrária à vocação comunitária
cipais teatros de guerra que se nas suas fileiras. Uma importante do país, mesmo se o projeto euro-
multiplicaram na Europa conti- parte da justificação política con- peu, futuramente, viesse a inte-
nental, o país esteve, por várias tra a participação do país na Otan grar uma componente de segu-
vezes, sob a ameaça de ser inva- prendeu-se com a circunstância de rança e defesa (Sharp, 1990,
dido pelos exércitos alemães o Reino Unido ser um Estado- 143). A assunção de que a parti-
como parte da estratégia de membro dessa organização e uma cipação no Concerto Comuni-
Berlim para atacar o Reino eventual adesão poder ser inter- tário era conciliável com a pros-
Unido. Surgiu, igualmente, a pretada como a aceitação da divi- secução de uma política de neu-
possibilidade de a Irlanda recu- são do país (imposta por Londres) tralidade ativa, em tempo de paz,
perar os 6 counties sob a domina- e o subsequente abandono da não foi exclusiva do governo de
ção britânica, caso o país aceitas- ambição relativamente à concreti- Sean Lemass (desde 1959, suces-
se entrar no conflito como aliado zação de uma ‘Irlanda Unida’ sor de Eamon de Valera no cargo
do Reino Unido. O Estado irlan- (Sharp 1990, 8).3 de Taoiseach ou Primeiro-
dês não abdicou da sua postura Ministro). Antes, tal entendimen-
neutral, apesar de o Governo ter As autoridades irlandesas preconi- to veio a ser partilhado por outras
desconsiderado algumas das zaram, de modo consistente, uma forças políticas, com a exceção
regras de neutralidade vigentes interpretação minimalista da neu- do Partido Trabalhista. A cir-
em tempo de guerra, designada- tralidade, no sentido de que esta cunstância de o consenso em
mente, por conceder assistência foi sempre circunscrita à sua quin- torno daquele entendimento per-
militar e informação secreta aos tessência militar, nunca tendo fica- mear o espectro partidário contri-
do associada a qualquer dimensão buiu para o retumbante ‘Sim’
2. Para mais detalhes sobre a evolução histó-
político-ideológica ou econômica. (83%) à adesão da Irlanda à CE,
rica da neutralidade irlandesa, ver Keatinge O entendimento da neutralidade por ocasião do referendo realiza-
(1984, 10-32). em termos estritamente militares do em 1972.
redundava tão-só na recusa de par-
3. Para mais detalhes, ver Fanning (1996,
140-141; 203). ticipação em alianças militares. A entrada da Irlanda na CE e,
15 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

posteriormente, a decisão tomada objeção de princípio à codifica- Durante as décadas de 70 e 80, a


pelas autoridades irlandesas de ção, no articulado do Ato Único experiência da Irlanda, na sua
integrar o Grupo dos Nove,4 em Europeu, da Cooperação Política condição de membro da CE e par-
detrimento do Grupo dos (países) Europeia (CPE)6 que foi consi- ticipante da CPE, demonstrou que
Neutrais e Não-Alinhados (conhe- derada uma consequência natural o processo de integração não
cido por N+N)5 no seio da da evolução do processo de cons- excluía, automaticamente, a neu-
Conferência sobre a Segurança e trução europeia. É interessante tralidade militar. Antes, tornou
Cooperação na Europa (CSCE) notar que, nesse período, e patente de que forma o não envol-
suscitou, em alguns círculos inter- durante a guerra das Malvinas, o vimento em estruturas de defesa
nacionais, uma forte impressão de recuo de Dublin relativamente ao coletiva podia ser conciliado com
ambiguidade relativamente à seu apoio inicial à imposição de a participação no aprofundamento
genuinidade do estatuto neutral sanções econômicas contra a da Europa Comunitária, apesar
daquele Estado. Porém, tal estatuto Argentina, no contexto da CPE, e desta última ser constituída, majo-
podia ser sempre atestado pelas a sua recusa em apoiar a incursão ritariamente, por Estados-mem-
autoridade de Dublin com base no militar britânica nas Malvinas bros da OTAN. A ‘Euroforia’ que
fato indesmentível de o país não constituiu uma sintomática mani- caracterizou o início dos anos 90 e
pertencer a qualquer aliança militar. festação de vitalidade da tradição estimulou a assinatura do Tratado
de neutralidade militar.7 de Maastricht e o subsequente
Nos anos 80, a elite política irlan- nascimento da UE, não afectou a
desa não apresentou qualquer A posição neutral da Irlanda posição da Irlanda. No âmbito da
nunca se revestiu de um cariz Pesc, formalmente estabelecida
4. Este ‘Grupo dos Nove’ era composto constitucional, 8 tendo a sua por esse novo acordo, ficou con-
pelos Estados-membros da então CE: emergência derivado de uma sagrada a chamada ‘cláusula
França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, opção política unilateral e prag- irlandesa’, segundo a qual o
Luxemburgo, Reino Unido, Irlanda e
Dinamarca.
mática, como parte de uma estra- desenvolvimento de uma política
tégia dirigida a pôr o fim ao dik- externa e de segurança comum,
5. Este grupo era formado pelos seguintes tat britânico (Fanning 1996, não “afetará o caráter específico
países: Áustria, Chipre, Finlândia, 137). Com efeito, tal como afir-
Liechtenstein, Malta, São Marino, Suécia, da política de segurança e de defe-
Suíça e Jugoslávia. mou Ronan Fanning, a neutrali- sa de determinados Estados-mem-
dade converteu-se no “timbre da bros” (Artigo J.4.4 do Título
6. A CPE foi estabelecida no início da déca- independência, no sinal da honra
da de 70, apresentando-se essencialmente V).10 Ora, a introdução dessa pro-
como um fórum de discussão sobre matérias
patriótica intimamente ligado à visão legal, em particular, e o cariz
de política externa à margem da então CE. percepção coletiva da identidade intergovernamental da Pesc, em
nacional irlandesa” (idem, 10). geral, vieram acautelar o tradicio-
7. Para mais detalhes sobre as mudanças de
posição da Irlanda, no seio da CPE, durante
Ademais, com a passagem do nal modus vivendi irlandês.
a guerra das Malvinas, ver Sharp (1990, 218- tempo e a experiência acumula-
232). da, essa postura gerou no seio da Esse modus vivendi que designa-
opinião pública irlandesa uma mos por ‘neutralidade integrada’,
8. A neutralidade militar não constava do
articulado da Constituição de 1937. consistente aversão ao envolvi- ao permitir a concatenação entre
mento do país num qualquer uma participação construtiva no
9. Esta seção resultou de uma revisão, atual- esquema de caráter militar, algo processo de integração europeia e
ização e extensão das considerações que
tivemos o ensejo de articular, originalmente,
que contribuiu para a consolida- a recusa de assunção de obriga-
na obra já citada de Ferreira-Pereira (2007, ção de um ethos pacifista. ções de assistência mútua, estava
478-482). em harmonia com a política de
A ‘Neutralidade Integrada’ da neutralidade irlandesa. Em 1995,
10. Ver Tratado da União Europeia, Irlanda: De Modus Vivendi a sem prejuízo dessa política, o país
Luxemburgo, Serviço das Publicações
Oficiais das Comunidades Europeias, 1992.
Precedente Comunitário9 aceitou tornar-se observador da
16 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

União da Europa Ocidental falando da Áustria, da Finlândia e quistado a concordância dos líde-
(UEO). Esse estatuto foi original- da Suécia que tencionavam parti- res europeus com o teor de dois
mente inventado para acomodar, cipar na construção de uma União documentos-chave, ambos garan-
por um lado, a ‘neutralidade inte- Econômica e Política sem alterar, tindo a continuidade da neutrali-
grada’ da Irlanda e, por outro estruturalmente, os fundamentos dade militar, que ficaram associa-
lado, a posição excepcional da das suas políticas de segurança e dos ao ato de ratificação do
Dinamarca, na sua (tripla) quali- defesa, também elas enraizadas Tratado de Nice pela Irlanda.
dade de membro da Otan, de numa tradição mais ou menos
longa de neutralidade militar. O primeiro desses documentos
país não-signatário do Tratado
Portanto, para as autoridades de foi a Declaração Nacional sobre
de Bruxelas Modificado de
Viena, Helsinque e Estocolmo o a Neutralidade Militar, emitida
195411 e de um Estado que usu-
precedente irlandês afigurou-se por Dublin em 21 de Junho de
fruía de ‘opt out’ em todas as
como uma garantia de que exis- 2002, que reiterou que a partici-
decisões com implicações no
tiam condições para salvaguardar pação do país na PESC “não pre-
domínio da defesa.12
as idiossincrasias inerentes às judica a sua política de neutrali-
Apesar de ter sido forjada para políticas de segurança nacionais e dade militar tradicional”, em
acautelar a especificidade da polí- defender, de forma criativa, a nome da qual a Irlanda “não está
tica externa irlandesa, a ‘neutrali- conjugação entre a neutralidade vinculada a qualquer compromis-
dade integrada’ mostrou ser apli- militar e uma participação ativa so de defesa mútua”, nem “faz
cável às circunstâncias dos na dinâmica integrativa. parte integrante de quaisquer pla-
Estados militarmente neutrais nos para desenvolver um exército
que, no início da década de 90, É digno de nota neste ponto da europeu”. O articulado estatuiu
apresentaram os respectivos pedi- discussão que a progressiva con- ainda que “a participação dos
dos de adesão à UE. Estamos solidação da PESC, alcançada sob
contingentes das Forças Armadas
o impulso dos diferentes exercí-
Irlandesas em operações interna-
cios político-jurídicos que condu-
11 O Tratado de Bruxelas Modificado de cionais, incluindo aquelas leva-
ziram à assinatura do Tratado de
1954 fundou a UEO. das a cabo sob a política europeia
Amsterdã e do Tratado de Nice,
em 1997 e 2001, respectivamente, de segurança e defesa requer a) a
12. O ‘opt out’ dinamarquês representou
umas das respostas de Bruxelas ao resultado nunca veio a alterar a essência da autorização da operação pelo
negativo do referendo sobre a ratificação do ‘cláusula irlandesa’.13 Esta últi- Conselho de Segurança ou pela
Tratado de Maastricht, realizado naquele país
ma, porém, provou ser insuficien- Assembléia Geral das Nações
em Junho de 1992. Esse expediente (conheci-
do por ‘compromisso de Edimburgo’) ficou te para apaziguar os receios da Unidas, b) o acordo do governo
formalmente estabelecido no âmbito do opinião pública irlandesa sobre irlandês e c) a aprovação do Dáil
Conselho Europeu de Edimburgo realizado, uma eventual militarização da Éireann, de acordo com a lei
sob a presidência britânica da UE, em 11 e 12
UE, suscitados pela introdução de irlandesa”.14 O segundo docu-
de Dezembro de 1992.
uma dimensão de segurança e mento-chave foi a Declaração do
13. Esta cláusula ficou plasmada no parágra- defesa sob a égide da Política Conselho Europeu de Sevilha de
fo 1, do artigo J.7 do Tratado de Amsterdã e Junho de 2002 sobre a política de
no artigo17º, parágrafo 1, do Tratado de
Europeia de Segurança e Defesa
Nice. Cf. Tratado de Amesterdão, Luxem- (Pesd). Isso ficou manifesto quan- neutralidade irlandesa, no qual
burgo, Serviço das Publicações Oficiais das do o Tratado de Nice foi rejeitado ficou reconhecido que o Tratado
Comunidades Europeias, 1997; e Tratado de pelos irlandeses no referendo rea- de Nice “não impõe quaisquer
Nice, Luxemburgo, Serviço das Publicações
Oficiais das Comunidades Europeias, 2001.
lizado em Junho de 2001, sendo compromissos de defesa mútua
que este resultado só seria ultra- de caráter vinculativo. Nem o
14. Ver. National Declaration by Ireland, 21 passado no ano seguinte, no con- desenvolvimento da capacidade
June 2002, disponível em http://www.foreig- texto de um segundo acto referen- da União para levar a cabo tare-
naffairs.irlgov.ie/home/index.aspx?id=26264.
Consultada em 9 de Novembro de 2009.
dário. Isto aconteceu depois das fas humanitárias e de gestão de
Tradução da Autora. autoridades irlandesas terem con- crises envolve o estabelecimento
17 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

de um exército europeu.”15 conheceu uma pausa com a assi- caminho à criação de um exército
natura do Tratado de Lisboa, em europeu que, para além de convo-
Em 2004, cerca de dez anos dezembro de 2007, sob a car a participação obrigatória dos
depois de ter salvaguardado a Presidência portuguesa da UE. jovens irlandeses, poria termo à
posição da Áustria, da Suécia e da tão estimada tradição de neutrali-
Finlândia, a ‘cláusula irlandesa’ Dizemos pausa e não término por- dade militar.
permitiu aos mini-Estados medi- que ainda se sentiam os ecos dos
terrânicos, Malta e Chipre,16 festejos da vitória diplomática É verdade que, em junho de 2008,
encontrarem um espaço para con- consubstanciada na assinatura do o número de missões já levadas a
vocar a sua experiência nacional Tratado de Lisboa quando, no dia cabo pela UE em distintos quadran-
de neutralidade militar, em caso 12 de junho de 2008, 53,4% dos tes geográficos (i.e. nos Bálcãs, na
de necessidade. irlandeses se pronunciou contra África e na Ásia), o estabelecimen-
aquele texto legal numa expressi- to de uma Agência Europeia de
O Referendo Negativo Irlandês va participação de 51,13%.17 Defesa e a apresentação do reforço
ao Tratado de Lisboa e a Nessa altura, foi transversal a con- da Pesd como uma das prioridades
Neutralidade Militar: Que Nexo? clusão de que se estava assistindo da presidência francesa do
Depois de os referendos negativos uma réplica do que tinha sucedido Conselho da UE podiam ser apre-
francês e holandês, realizados em 2001, quando a consulta popu- sentados por alguns observadores
durante a Primavera de 2005, lar na Irlanda recaiu sobre o como sinais de uma gradual milita-
terem ditado o fim do processo de Tratado de Nice. Além disso, rização da UE. Todavia, também é
ratificação do Tratado Constitu- depois do trauma político causado verdade que essa ideia não tinha
cional da UE (aprovado no ano pelo fracasso do Tratado qualquer correspondência real com
anterior), a UE entrou num força- Constitucional, o ‘Não’ irlandês aquilo que tinha ficado codificado
do ‘período de reflexão’ - para fez pairar a ameaça de uma União no Tratado de Lisboa. Isto porque o
muitos um eufemismo para retra- novamente órfã de um texto fun- articulado deste acordo não modifi-
tar a crise de identidade que se damental condizente com a nova e cou, no essencial, o que tinha fica-
abateu sobre o projeto europeu. inescapável realidade: uma do consagrado no Tratado de Nice,
Essa fase, que redundou num Europa Comunitária formada por estipulando que a evolução da
impasse institucional com uma 27 Estados-membros, sob a inten- agora denominada Política Comum
União ‘a 25’ a ser pautada por sa pressão da globalização e dos de Segurança e Defesa (PCSD),
regras concebidas para um quadro intrincados desafios securitários como parte integral da PESC, deve-
político-institucional ‘a 15’, suscitados pelo fim da Guerra Fria ria respeitar o caráter específico das
e pelo contexto pós-11 de setem- políticas de segurança e defesa de
15. Ver. Declaration of the European Council,
bro de 2001. certos Estados-membros (Artigo
21 June 2002, disponível em, http://www.eu 42º, parágrafos 2 e 7).18
2004.ie/home/index.aspx?id=26265. Consultada A complexidade causal inerente
a 9 de Novembro de 2009. Tradução da Autora. ao referendo negativo irlandês ao O medo que o Tratado de Lisboa
Tratado de Lisboa não permite acabaria por, sub-repticiamente,
16. Estes Estados integraram o ‘quinto alarga-
mento’ da UE, oficializado a 1 de maio de
falar de uma causa prima originá- dotar a UE de um exército euro-
2004, que resultou na entrada de dez novos ria dos 53,4% contra o novo acor- peu, que se desenvolveu sobretu-
membros: Chipre, Estônia, Eslováquia, do europeu. No entanto, existe do junto da faixa feminina da opi-
Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, evidência empírica sobre uma das nião pública irlandesa, não pas-
Polônia e República Tcheca.
razões para o episódio que mergu- sou disso mesmo, de um medo ou
17. Le Figaro, 14 de Junho de 2008. lhou a UE num novo período de f.e.a.r. no sentido de encerrar uma
incerteza: a ideia, geradora de ‘falsa expectativa aparentemente
18. Ver Tratado de Lisboa, Jornal Oficial da
União Europeia, 115 C, 9 de maio de 2008
medo, de que a entrada em vigor real’, enraizada num déficit de
(edição em língua portuguesa). do Tratado de Lisboa abriria informação que os governantes e
18 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

líderes partidários irlandeses garantias legais que as autoridades de que a neutralidade militar era
favoráveis ao Tratado de Lisboa nacionais conseguiram obter junto conciliável com uma participação
não conseguiram colmatar. Em dos seus homólogos europeus, construtiva no processo de integra-
rigor, essa expectativa não tinha tendo em vista a proteção da sobe- ção europeia. Isto verificou-se, espe-
qualquer respaldo naquilo que a rania nacional em matérias tão cru- cialmente, no seguimento da adesão
letra do Tratado de Lisboa viria a ciais como a neutralidade militar, o da Áustria, de Finlândia e da Suécia
plasmar no âmbito da PCSD. Tal aborto e as leis fiscais20. Sobre a à UE, em 1995.
como os resultados da consulta política de neutralidade militar,
popular vieram confirmar, o des- Dublin produziu uma nova decla- Após 1992 e, particularmente, sob
conhecimento da realidade dos ração unilateral que deveria ficar o impacto do referendo negativo
fatos tornou-se um terreno fértil associada aos instrumentos de do Tratado de Nice, a neutralidade
para o adensamento da descon- ratificação do Tratado de Lisboa. militar tornou-se uma questão
fiança dos irlandeses sobre ao pla- Tal declaração foi fruto de uma incontornável na estratégia euro-
nos europeus (em curso) no domí- revisão e atualização do conteúdo peia da Irlanda perante a evidência
nio da segurança e defesa, e as da Declaração Nacional sobre a empírica indiciando um forte
suas repercussões negativas sobre Neutralidade Militar de 21 de apego e identificação emocional da
a neutralidade militar do país. Junho de 2002 (já aludida), à luz população a essa postura tradicio-
do novo quadro de segurança e nal. Na realidade, a população
No dia 2 de outubro de 2009, o defesa criado pela PCSD.21 irlandesa nunca deixou amortecer
Tratado de Lisboa foi objeto de a necessidade de salvaguardar esse
um segundo referendo na Irlanda Conclusões aspecto imbuído de valor político-
que, desta vez, foi coroado com identitário e securitário, sobretudo
um resultado claramente positivo: Conhecida pela sua umbilical liga- sempre que percebeu que o mesmo
67,1% a favor e 32,9% contra o ção histórica à luta pela independên- não tinha sido devidamente acaute-
novo pacto europeu.19 Sob o pano cia, assim como pelo seu recorte lado no quadro das negociações
de fundo de uma severa recessão ambíguo, a neutralidade irlandesa diplomáticas realizadas em sede
econômica, o Governo prometeu ganhou tradução numa objetiva das instituições comunitárias. Foi
emprego e recuperação econômi- determinação de não participação assim em 2001 e em 2008 quando
ca e os irlandeses acreditaram. em alianças militares, a qual condi- os irlandeses disseram ‘Não’ ao
Estes confiaram, igualmente, nas cionou a estratégia dos decisores Tratado de Nice e ao Tratado de
políticos irlandeses em matéria de Lisboa, respectivamente, forçando
política externa. Essa postura mili- os seus altos representantes a obte-
19. Ver. Financial Times, 5 de outubro 2009. tarmente neutral teve também impli- rem garantias legais em ordem à
cações no seio da Europa manutenção da neutralidade mili-
20. Estas garantias ficaram plasmadas no Comunitária desde a criação da
Anexo 1 das Conclusões da Presidência do tar. Aos olhos dos irlandeses, essas
Conselho Europeu de Bruxelas, realizado em Pesc, no âmbito do Tratado de garantias tornaram-se cada vez
18 e 19 de Junho de 2009, sob o título ‘Decisão Maastricht, até a recente codificação mais prementes ao passo que se
dos Chefes de Estado e de Governo dos 27 Ver da PCSD, no articulado do Tratado
Estados da UE, reunidos em Conselho intensificava a percepção de um
Europeu, sobre as preocupações do povo irlan-
de Lisboa. Isso ficou bem patente crescendo de atividade(s) no domí-
dês sobre o Tratado de Lisboa.’ Disponível em, não só na introdução da ‘cláusula nio da segurança e defesa, confor-
http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_ irlandesa’, na moldura legal da Pesc,
Data/docs/pressdata/en/ec/108622.pdf, consul- em 1992, mas também na inclusão me atestado pelo número missões
tado em 9 de novembro de 2009. (militares e civis) da UE no
da mesma em todos os Tratados da Mundo, bem como pela criação da
21. Esta declaração unilateral intitulada UE revistos e aprovados até ao
‘Declaração Nacional da Irlanda’ (‘National momento atual. Essa disposição
Agência Europeia de Defesa, de
Declaration by Ireland’) ficou inscrita no Anexo entre outros desenvolvimentos no
3 das Conclusões da Presidência do Conselho
criou um ‘modus vivendi’, sob a quadro da PCSD.
Europeu de Bruxelas de junho de 2009. égide do qual floresceu a percepção
19 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Para o ‘Sim’ irlandês ao Tratado de Lisboa no referen- da Presidência do Conselho Europeu de Bruxelas,
do nacional realizado no dia 2 de outubro de 2009, 18 e 19/jun.
concorreram os votos daqueles que confiaram que a
neutralidade militar da irlandesa não seria afetada Declaration of the European Council, 21 June 2002,
com a entrada em vigor do novo tratado. Essa con- h t t p : / / w w w. e u 2 0 0 4 . i e / h o m e / i n d e x . a s p x ? i d
fiança conquistada pelo governo de Dublin através do =26265.Consultadaa 9/nov./2009.
recurso a mais uma declaração unilateral, re-validan-
do o comprometimento do país com uma postura mili- Fanning, Ronan ‘Neutrality, Identity and Security:
tarmente neutral, patenteia o continuado peso das espe- The Example of Ireland’, in W.Bauwens et al (Eds.),
cificidades nacionais na definição do enquadramento Small States and the Security Challenge in the New
legal da PCSD - algo que, por sua vez, evidencia o Europe, Londres, Brassey’s, p. 137-149.
caráter intergovernamental dessa política e contém o
Ferreira-Pereira Laura C. (2007) Os Estados
potencial de vir confrontar a UE com renovadas difi-
Militarmente Não-Aliados na Nova Arquitectura de
culdades em futuros momentos referendários.
Segurança Europeia, Lisboa, Fundação Calouste
Referências Gulbenkian, março. (Série Textos Universi-tários de
Ciências Sociais e Humanas FCG/FCT).
Conselho das Comunidades Europeias (2001)
Tratado de Nice, Luxemburgo, Serviço das Keatinge, Patrick (1984) Irish Neutrality in the
Publicações Oficiais das Comuni-dades Europeias. 1980s, Dublin, Institute of Public Administration.

Conselho das Comunidades Europeias (1997) National Declaration by Ireland (21 June 2002), dis-
Tratado de Amesterdão, Luxemburgo, Servi-ço das ponível em http://www.foreignaffairs.irlgov.ie
Publicações Oficiais das Comunidades Europeias. /home/index.aspx?id=26264
Consultada a 9 de novembro de 2009.
Conselho das Comunidades Europeias (1992)
Tratado da União Europeia, Luxemburgo, Serviço Sharp, Paul (1990) Irish Foreign Policy and the European
das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias. Community, Dartmouth, Aldershot.
Tratado de Lisboa (2008) Jornal Oficial da União Europeia,
Conselho Europeu de Bruxelas (2009) Conclusões 115 C, 9 de maio (edição em língua portuguesa).
20 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

La cooperación Sur-Sur de Brasil:


¿Instrumento de política exterior y/o
manifestación de solidaridad internacional?
Bruno Ayllón Pino
Pesquisador associado do Instituto Universitario de Desarrollo
y Cooperación. Universidad Complutense de Madrid

Iara Costa Leite


Doutoranda em Ciência Política no Instituto
Universitario de Pesquisas de Río de Janeiro (Iuperj)

T
reinta años después de la adopción del Plan de El objetivo de este artículo es trazar un perfil histó-
Acción de Buenos Aires (Paba) rico y actual sobre la CSS brasileña, señalando sus
inta años después de la adopción del yPlan
de ladeelabora-
Acción
ción del concepto de Cooperación Técnica contribuciones y desafíos.
de Buenos Aires (Paba) y de la elaboración del con-
entre Países
cepto en Desarrollo Técnica
de Cooperación (CTPD), Brasil
entre se ha con-
Países en El eje sur-sur en la política exterior del gobierno
vertido en uno de los agentes más activos
Desarrollo (CTPD), Brasil se ha convertido en uno de la llama- Lula: consideraciones generales
da Cooperación
de los agentes Sur-Sur
más(CSS). El discurso
activos de laoficial,
llamadaasí
como la doctrina producida por especialistas y por los En su búsqueda de mayores niveles de autonomía en
Cooperación Sur–Sur (CSS). El discurso oficial, así la esfera internacional y por su activismo en favor
informes
como de organizaciones
la doctrina producidainternacionales,
por especialistas destacan
y por
que el país ni es ni tiene pretensión de convertirse en del desarrollo, el gobierno Lula ha dado prioridad a
los informes de organizaciones internacionales, des- las relaciones de Brasil con otros países del Sur. La
un gran
tacan que donante
el paísdenirecursos financieros
es ni tiene pretensión en la
demateria.
conver- formación del G-20 y del Ibas, la aproximación con
tirse en un gran donante de recursos financieros enlala
La gran contribución brasileña, según ellos, sería
países africanos y árabes y el empeño a favor de la
transferencia
materia. de soluciones
La gran contribución innovadoras
brasileña,para el desa-
según ellos, revitalización del Mercado Común del Sur
rrollo en una amplia gama de sectores y
sería la transferencia de soluciones innovadoras para el compromi- (Mercosur) y de la integración suramericana están
so desarrollo
el con nuevas en modalidades
una amplia de gama
cooperación que invo-
de sectores y el entre los desdoblamientos prácticos de la política
lucran a donantes tradicionales -
compromiso con nuevas modalidades de coopera- países del Norte y exterior ejecutada a partir de 2003, apuntando un
organizaciones
ción que involucran internacionales - u otros países
a donantes tradicionales en
– países énfasis renovado en la CSS (Lima y Hirst, 2006;
desarrollo a favor de terceros, como es
del Norte y organizaciones internacionales – u otros el caso de las Oliveira, 2005).
iniciativas
países surgidas ena elfavor
en desarrollo ámbitode del Foro de
terceros, Diálogo
como es el
India-Brasil-Sudáfrica (Ibas). La aproximación a los países en desarrollo puede ser
caso de las iniciativas surgidas en el ámbito del Foro también comprobada, por ejemplo, en los números
de las exportaciones brasileñas y en los destinos de
1. Ver: http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/ El aumento
los viajes internacionales realizados por el presiden-
de la participación de países en desarrollo en las exportacio- te Lula. En 2005, por primera vez en la historia, el
nes brasileñas no tiene como causa única la voluntad política conjunto de países de América del Sur, Asia y Áfri-
del actual gobierno, siendo también explicada, por ejemplo, ca superó a la Unión Europea y Estados Unidos en lo
por la expansión china, por el proteccionismo de los países que se refiere al destino de las exportaciones brasile-
desarrollados y por deficiencias de Brasil en relación a mer- ñas (Sennes et al, 2006). El total de los países en
cados más competitivos (Sennes et al., 2006). desarrollo1 recibió casi el 52 por ciento de las expor-
21 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

taciones brasileñas en 2008, fren- Algunos estudiosos de la política La CSS, sin embargo, tuvo que
te aproximadamente el 41,4 por exterior brasileña señalan todavía ser reinterpretada frente a nuevos
ciento en 2003. En lo que se refie- una conexión entre el estrecha- escenarios. El fin de la guerra fría
re a los viajes internacionales del miento de lazos con los países en y la aceleración del proceso de
presidente Lula, más del 70 por desarrollo y la búsqueda de apo- globalización, por un lado, impo-
ciento tuvieron como destino a
yos para la candidatura brasileña a sibilitaron que la reanudación de
países en desarrollo.2
un puesto permanente en el la fractura Norte-Sur tuviera
La elección del eje sur-sur como Consejo de Seguridad de las cómo reflejo un eventual aleja-
ámbito prioritario de la política Naciones Unidas (Lima y Hirst, miento de los países ricos, parti-
exterior del gobierno Lula presen- 2006; Vigevani y Cepaluni, cularmente de los Estados Unidos
ta la solidaridad como la principal 2007). Otras cuestiones estratégi- (EEUU). Por otro lado, la aproxi-
motivación de las iniciativas lleva- cas, como los esfuerzos para dise- mación a otros países en desarro-
das a cabo. No obstante, represen- minar la producción mundial de llo ganó fuertes dosis de pragma-
tantes y agencias del gobierno bra- biocombustibles y la tecnología tismo después de los atentados
sileño exponen otros propósitos brasileña en el área, además de la del 11 de septiembre, del unilate-
además de la promoción del desa- venta de insumos, máquinas y
rrollo económico y de la justicia ralismo norteamericano y de la
equipamientos producidos por
social en los países más pobres, “securitización” de la agenda
empresas nacionales, también
relativos a cuestiones políticas (la internacional. Esas nuevas res-
parecen constituir explicaciones
CSS como medio para promover tricciones estructurales no habían
importantes para la CSS ejecutada
la multipolaridad, la democracia y pasado desapercibidas durante el
por el gobierno Lula. Así, las ini-
la paz, la potenciación de la capa- gobierno de Fernando Henrique
ciativas de ayuda exterior no pare-
cidad de negociación de Brasil, de cen restringirse a su ámbito pro- Cardoso, que al final de su segun-
América del Sur y de las demás pio, sino que configuran un instru- do mandato (1999-2002) inició
regiones en desarrollo en la arena mento de política exterior en la una “corrección de rutas”, esta-
multilateral) y económicas (la medida que se incluyen objetivos bleciendo coaliciones con otros
CSS como medio para expandir el estratégicos para una mayor inser- países en desarrollo, como India y
comercio y la presencia brasileña ción internacional, política y eco- Sudáfrica (Oliveira, 2005).
en el mercado internacional) nómica de Brasil.
(Amorim, 2003, 2004 y 2005; Al mismo tiempo que responde a
Guimarães, 2003; Lula da Silva, Algunos autores críticos ven en la dinámicas coyunturales, en el
2003 y 2007a; MRE, 2007a). actual aproximación brasileña a ámbito nacional e internacional, el
otros países en desarrollo un refle- compromiso brasileño en la CSS
jo de motivaciones solidarias con no es un fenómeno reciente. Ya en
2. Estadísticas elaboradas con base en la década de los años setenta,
fines antiimperialistas conectadas
MRE (2007b).
al Partido de los Trabajadores Brasil comenzaba a diferenciarse
3. Ver Barbosa (2006) y Lisboa (2006). (PT), calificando la política exte- de otros países del Sur en térmi-
Para algunos, tal aproximación sería irre- rior de Lula de ideológica, sesga- nos de desarrollo económico,
alista, dado el bajo potencial consumidor da y anacrónica.3 De hecho, no pasando de receptor a prestador
de los países más pobres y la competición hay como negar que el estrecha- de CTI en un contexto de movili-
por mercados entre países en desarrollo
(Caetano, 2005; Sardenberg, 2005;
miento de lazos con otros países zación intensa de los países del
Ayllón y Viola, 2006). Para otros, lo criti- en desarrollo busque la constitu- Tercer Mundo a favor de iniciati-
cable es el alegado carácter inédito de las ción de una plataforma de política vas de cooperación de corte no
iniciativas diplomáticas del actual gobier- exterior querida por el PT desde asistencialista y eficaces en la
no (Ricupero, 2005; Magnoli, 2003). su fundación. promoción de su desarrollo.
22 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Principios, directrices y propó- das por intereses egoístas. El prin- tantos viajes a África? ’ ‘¿El qué pue-
sitos de la CSS brasileña cipio de corresponsabilidad señala den comercializar los africanos?’
el carácter no asistencialista y no ‘¿Por qué el Presidente Lula no va a
parternalista de las acciones con- Europa, no va a Japón, no va a
“La cooperación internacional brasi-
ducidas. Incorpora la idea de auto- China? ’ Porqué durante el siglo
leña [...] se basa en los principios de
nomía por la vía del fortaleci- pasado se construyó la mentalidad de
solidaridad y corresponsabilidad, no
miento institucional, de la apro- que debíamos tener una relación de
teniendo fines comerciales o lucrati-
piación o dominio (ownership) y subordinación con las economías
vos. Es desligada y procura siempre
de la responsabilidad (accounta- ricas, y no una relación política, cul-
actuar de acuerdo con las prioridades
bility) de los beneficiarios sobre tural, comercial, industrial con los
de los países socios, mediante trans-
los programas implementados.4 países pobres, para que Brasil les
ferencia del conocimiento sin cual- pudiese pasar aquello que fue el
quier imposición” (Moreira 2005, 2). Se nota, por lo tanto, que los prin- aprendizaje acumulado en nuestros
cipios que rigen la CSS brasileña 500 años de historia”. […] ¿Y que
“Al ofrecer oportunidades de coope-
se refieren a los mismos aspectos país del mundo, entonces, podría
ración, Brasil no busca el lucro o la
normativos que guían la CTI reci- tener esa vocación de aproximarse de
ganancia comercial. Tampoco hay
bida. La única novedad, de ningún África más que Brasil? Ninguno.
‘condicionalidades’ involucradas.
modo trivial, está en el aspecto de Inclusive porque Brasil no tiene
Buscamos hacer realidad una visión
la identidad, que se refiere a com- vocación imperialista. Brasil no quie-
nueva de las relaciones entre los paí-
partir una serie de características re tener vocación hegemónica. Brasil
ses en desarrollo inspirada en la
y desafíos entre los países del Sur, quiere tener vocación de asociación,
comunión de intereses y en la ayuda
lo que aumenta las oportunidades construir juntos aquello que debe ser
mutua.” (Amorim, 2006).
de éxito en la transferencia de construído” (Lula da Silva, 2007b).
Según el discurso oficial, la coo- soluciones para el desarrollo, y la
peración de Brasil con otros paí- idea de que Brasil, por compartir Analizando el discurso sobre la
ses en desarrollo, inspirada en la con sus socios un pasado colonial CSS brasileña, se observa que el
filosofía de la “asociación para el y periférico y por haber sufrido corolario central de la “asociación
desarrollo”, se sustenta en dos injerencias de todo tipo a lo largo para el desarrollo” se refiere al
principios: solidaridad y corres- de su historia, no cometerá los postulado de que el objetivo pri-
ponsabilidad. El principio de soli- mismos errores de los países del mordial de la la cooperación pres-
daridad presenta tres facetas: las Norte en sus relaciones con los tada sería promover el desarrollo
bases no comerciales y no lucrati- países del Sur, es decir, no actuará socio-económico de los beneficia-
vas de las acciones conducidas; la según intereses egoístas de corto rios. Aunque parezca un objetivo
ausencia de condicionalidades; y plazo, ni dejará de respetar la solidario y desinteresado, contie-
la identidad entre las partes, que soberanía de los socios. El ne un aspecto político fundamen-
serviría de base para acciones siguiente discurso del presidente tal, que se refiere al modelo de
pautadas por el interés común, en Lula, dirigido a embajadores afri- sociedad que Brasil desea promo-
detrimento de iniciativas orienta- canos por ocasión del Día de Áfri- ver.
ca, ilustra bien esa lógica:
Un segundo aspecto político está
4. Se trata de la llamada “Ejecución “Puedo deciros que Brasil puede vinculado a los intereses de la
Nacional de Proyectos”, instrumento hacer mucho más de lo que ha hecho. parte prestadora de la coopera-
aprobado por la Asamblea General de la
Creo que la primera fase difícil, que ción, que no se resumen, de nin-
ONU, en 1989, para regir los programas
de cooperación técnica implementados en fue la fase del prejuicio, ya la hemos guna forma, a objetivos instru-
asociación con organismos de la ONU superado. ‘¿El qué va a hacer en Áfri- mentales establecidos por un
(ABC, 2005b). ca el Presidente Lula? ’ ‘¿Por qué Estado supuestamente racional y
23 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

monolítico. La aproximación la ABC son regidas por directrices co de seguridad nacional. Ningún
con los países africanos responde y prioridades establecidas por el país puede sentirse seguro al lado
a demandas de los más variados actual gobierno. La primera de las de vecinos descontentos. Por esta
sectores nacionales brasileños, directrices establecidas en 2004, razón debemos estimular medidas
por ejemplo, dirigentes del es “dar prioridad a programas de destinadas a la integración de
Partido de los Trabajadores (PT) cooperación técnica que favorez- Suramérica y desanimar iniciati-
que predican, desde la fundación can la intensificación de las rela- vas, nuestras y de nuestros socios,
del partido, la necesidad de una ciones de Brasil con sus socios en que puedan constituir amenazas a
“diplomacia solidaria”, el interés desarrollo, principalmente con los este anhelado objetivo” (Pereira
de los empresarios o de sectores países de interés prioritario para la da Fonseca, 2008: 67).
nacionales vinculados a la pro- política exterior brasileña”.6 En
moción de la igualdad racial, etc. cuanto a las prioridades de la En efecto, la mayor parte de los
recursos de la CSS brasileña que
CTPD en el actual gobierno han
En lo que se refiere a los “intere- tiene a los vecinos suramericanos
sido definidas como respuesta a
ses de Estado”, los documentos y como destino está concentrada en
los compromisos asumidos en
discursos oficiales subrayan que Paraguay (28,30 por ciento) y en
viajes del Presidente de la
la CSS constituye un importante Bolivia (17,14 por ciento) (MRE,
República y del Canciller, debien- 2007a) países que, al mismo tiem-
instrumento de política exterior do orientarse geográficamente a
para: “proyectar una imagen po en que necesitan de más recur-
los países de América del Sur, sos exteriores por presentar menor
moderna del país”, “consolidar un Haití, países de África, en espe-
papel de destaque en el ámbito grado de desarrollo relativo, abri-
cial los de lengua portuguesa, y gan a una amplia comunidad de
regional e internacional” (ABC Timor Oriental, los demás países
2005b, 1) y “asegurar la presencia brasileños y poseen acuerdos de
de América Latina y Caribe y el suministro de energía con Brasil.
positiva y creciente en países y apoyo a la Comunidad de Países
regiones de interés primordial”.5 Los gobiernos de estos países han
de Lengua Portuguesa (CPLP). Se amenazado con perjudicar los
Específicamente, las acciones de afirma también el necesario incre- intereses brasileños en el caso de
CTPD conducidas en el ámbito de mento de las iniciativas de coope- que no haya una mayor equidad
ración triangular con países desa- en la distribución de los benefi-
rrollados (a través de sus respecti- cios de las relaciones bilaterales.
5. Ver: http://www.abc.gov.br/abc/ vas agencias) y organismos inter- Siendo así, la cooperación brasile-
coordenacoesCGPDIntroducao.asp nacionales.7 ña con Bolivia y Paraguay desem-
peña la función de evitar una rup-
6. Las demás directrices son: “apoyar pro- En su discurso de toma de pose- tura que lleve a la expulsión de los
yectos vinculados, sobretodo a programas sión en 2003, Lula afirmó que “la emigrantes brasileños, por un lado
y prioridades nacionales de desarrollo de gran prioridad de la política exte- y a la privación de importantes
los países receptores; canalizar los esfuer- rior durante el Gobierno sería la
zos de la CTPD a los proyectos de mayor
fuentes energéticas, por otro.
construcción de una América del
repercusión y ámbito de influencia, con Hay que señalar que, si bien el
efecto multiplicador pero intenso; privile-
Sur políticamente estable, próspe-
giar proyectos con mayor alcance de ra y unida, con base en ideales discurso oficial destaca la priori-
resultados; apoyar, siempre que sea posi- democráticos y de justicia social” dad de América del Sur en la polí-
ble, proyectos con contrapartida nacional (Lula da Silva, 2003). Ese discur- tica exterior brasileña, eso no se
y/o con participación efectiva de institu- so es reproducido por los docu- refleja en el perfil de la coopera-
ciones socias; establecer asociaciones mentos y voces oficiales de la ción prestada por el país. África
preferentemente con instituciones genui- concentra la mayor parte de los
namente nacionales”.
CSS brasileña. Según el ex-direc-
tor de la ABC, Luiz Henrique recursos de la cooperación brasi-
Pereira da Fonseca, tal prioriza- leña (más del 52 por ciento inver-
7. Ver: http://www.abc.gov.br/abc/
coordenacoesCGPDIntroducao.asp ción refleja “un objetivo estratégi- tidos en 125 proyectos), mientras
24 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

que América del Sur aparece en catar “deudas históricas por su minería (Vale do Rio Doce), entre
segundo lugar (119 proyectos y el valiosa contribución a lo que es otras, han pasado a invertir cada
18,36 por ciento de los recursos). hoy día la multiétnica nación bra- vez más en el continente y en otras
El país que recibe el mayor volu- sileña” (Pereira da Fonseca 2008, regiones en desarrollo. El protago-
men de recursos es Haití. 67).8 También guarda relación nismo de la cooperación brasileña
con intereses económicos de en la cualificación profesional en
Podemos formular varias hipóte- Brasil, como los vinculados a la otros países en desarrollo puede
sis sobre los propósitos actuales expansión de la producción mun-
de la CSS brasileña en base al cru- contribuir aún más a la ampliación
dial de biocombustibles.9 Al de esas inversiones en el futuro,
zamiento de los números referen- mismo tiempo en que la asocia-
tes a proyectos y acciones y de con la formación de recursos
ción en esta área tiene gran poten- humanos locales.
aspectos más amplios de la políti- cial de contribuir a una mayor
ca exterior durante el gobierno inserción económica internacional Finalmente, la cooperación con los
Lula. La concentración en países de los países africanos10 también países africanos y con otros países
africanos, por ejemplo, desempe- puede generar una serie de ganan- del Sur guarda relación con la bús-
ña no sólo la función moral de res- cias importantes para el desarrollo queda de apoyos para que Brasil
de Brasil, que no transferiría sólo ocupe eventualmente un puesto
8. Ese objetivo también integraría el con- tecnología, sino que vendería las permanente en el Consejo de
junto de los propósitos brasileños en la máquinas, insumos, equipamien- Seguridad de la ONU. Es también
cooperación prestada a países de América tos y unidades vinculadas a la pro- esa búsqueda la que pauta la prio-
Central, donde más del 13 por ciento de ducción de biodiesel y etanol. rización, en la práctica, de Haití
los recursos invertidos por Brasil son des-
Algunos analistas señalan tam- como destino de la mayor suma de
tinados al sector de la energía (MRE,
2007a). bién que la cooperación de Brasil los recursos de la cooperación bra-
con África sucede en un contexto sileña. La idea no es sólo recolec-
9. Ese objetivo también integraría el con-
de competición, con China e tar el apoyo de los beneficiarios,
junto de los propósitos brasileños en la sino particularmente el de los paí-
cooperación prestada a países de América India, por mercados y recursos
naturales del continente, destaca- ses del Norte, de los cuáles Brasil
Central, donde más del 13 por ciento de
damente sus fuentes energéti- espera un reconocimiento por sus
los recursos invertidos por Brasil son des-
tinados al sector de la energía (MRE, cas.11 El principal indicador de la contribuciones al mantenimiento
2007a). relevancia económica de los paí- de la paz por la vía del estímulo al
ses africanos para los negocios desarrollo de los países afectados
10. En palabras del presidente Lula: “Veo
brasileños sería el aumento espec- por conflictos civiles, y no por la
en el programa de biocombustibles la gran
tacular de la corriente comercial vía de operaciones restringidas al
posibilidad de atender al mundo desarrolla- ámbito militar.
do con energía renovable, energía limpia, entre Brasil y África, que prácti-
energía generadora de millones de emple- camente se quintuplicó entre 2003 En el discurso oficial, la promo-
os. Servir y atender al mundo desarrollado y 2008 (pasando de poco más de ción del país a la condición de
que, obligatoriamente, tendrá que contri- 6.000 millones de dólares a casi
buir a la descontaminación del planeta”
global player es tratada como
30.000 millones).12 parte de iniciativas más generales
(Lula da Silva, 2007b).
Aunque no hayan sido divulgados a favor de la democratización de
11. Ver, por ejemplo, Visentini y Pereira las relaciones internacionales, de
datos oficiales sobre las inversio-
(s/d) y Schläger (2007). forma que el Sur tenga mayor
nes brasileñas en África, el hecho
es que, con el apoyo del actual poder de decisión en las instancias
12. Informaciones disponibles en la web
del Ministerio de Desarrollo, Industria y gobierno, las empresas brasileñas
decisorias globales y consiga reu-
Comercio Exterior. Ver: http://www.de del sector de la energía (Petrobrás), nir los esfuerzos necesarios para
senvolvimento.gov.br/sitio/interna/inter- construcción (Odebrecht, Andrade avanzar en su desarrollo. Sin
na.php?area=5&menu=1817&refr=576 Gutierrez, Camargo Corrêa) y embargo, no hay como negar que,
25 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

además de buscar la realización ción brasileña, como instrumento por ciento) (MRE, 2007a).13
de los intereses comunes de desa- de la política exterior, desempeña
rrollo, Brasil intenta promover tres funciones adicionales: la pre- En el sector de la calificación profe-
una imagen de prestigio al ofrecer servación de los intereses del país, sional, el gobierno brasileño actúa
asistencia a países de menor desa- la competición por mercados y la en asociación con un conjunto de
rrollo relativo. obtención de prestigio. instituciones nacionales, con un
papel destacado para el Servicio
Por lo tanto, a pesar de que la CSS Contribuciones de la CSS Nacional de Aprendizaje Industrial
brasileña se funda en la filosofía brasileña (Senai), que participa en la imple-
de la asociación para el desarrollo
El hecho de que Brasil, así como mentación de proyectos de reestruc-
y en los principios de solidaridad
los donantes tradicionales y otros turación de sistemas de educación
y corresponsabilidad, los propósi-
donantes emergentes, busque rea- profesional y de centros de forma-
tos vinculados a ella no se resu-
lizar intereses nacionales al pres- ción profesional en Angola, Cabo
men, de manera exclusiva, al
tar asistencia técnica, no debe Verde, Colombia, Guinea-Bissau,
objetivo de contribuir al desarro-
hacernos olvidar las contribucio- Paraguay y Timor Oriental.14
llo de los países beneficiados. En
nes del país a la práctica de la CSS
resumen, como vimos, la coopera- En el área de la salud pública, las
en general. Destacamos tres de
iniciativas de cooperación condu-
ellas: la transferencia de buenas
13. Los siguientes sectores son: legislativo
cidas por la ABC en asociación
prácticas en varios sectores; la
(6,41 por ciento); medio ambiente (4,29 por con el Ministerio de Salud englo-
participación de múltiples actores,
ciento); energía (3,72 por ciento); adminis- ban acciones que van desde el
tanto en el ámbito nacional como
tración (1,36 por ciento); deportes (2,11 por combate a enfermedades (como el
ciento); planificación urbana (1,97 por cien- en el internacional; y el compro-
Sida y la malaria) a la asistencia
to); cultura (0,97 por ciento); defensa civil miso en acciones regionales, inte-
técnica en materia de gestión de
(0,91 por ciento); otros (5,25 por ciento) rregionales y multilaterales a
(MRE, 2007a).
hospitales e implantación de sis-
favor del desarrollo.
temas únicos de salud.15 El ejem-
14. Ver: http://www.senai.br/br/institucio- Buenas prácticas plo más citado es el programa de
nal/snai_coo.aspx. combate y prevención al Sida,
Según el discurso oficial, la CSS que obtuvo gran éxito en países
15. La institución más activa en la coopera- brasileña no se basa en amplias africanos y latinoamericanos,
ción brasileña en salud es la Fundación
Osvaldo Cruz (Fiocruz), creada en 1900
donaciones de recursos moneta- donde Brasil financia proyectos
para combatir los grandes problemas de rios, sino en la transferencia de un piloto para la capacitación de
salud pública en Brasil. A lo largo de su his- conjunto de conocimientos técni- recursos humanos en el manejo
toria, la Fiocruz, hoy vinculada al Ministerio cos y de soluciones que tuvieron clínico y en la logística de distri-
de Salud, se volvió un centro de conoci- impacto positivo sobre el desarro- bución de medicamentos retrovi-
miento de la realidad brasileña y de valori-
zación de la medicina experimental. llo brasileño y que pueden ser rales, además de proporcionar
Actualmente, abriga actividades que inclu- replicadas en países con desafíos asistencia técnica y donar medici-
yen el desarrollo de investigaciones, la pres- semejantes. Datos del año 2007 nas (ABC, 2005b).
tación de servicios hospitalarios y ambulato- indican que las áreas que reciben Las acciones en materia agrope-
rios de referencia en salud; fabricación de
vacunas, medicamentos, reactivos y kits de
la mayor parte de los recursos bra- cuaria abarcan desde la transfe-
diagnóstico; la enseñanza y la formación de sileños destinados a la CTPD son: rencia de tecnologías para la pro-
recursos humanos; la información y la cualificación profesional (22,40 ducción de biocombustibles y ali-
comunicación en salud, ciencia y tecnolo- por ciento); salud pública (18,79 mentos en zonas tropicales a la
gía; el control de la calidad de productos y
por ciento); agropecuaria (14,86 organización de las cadenas pro-
servicios; y la implementación de progra-
mas sociales. Ver: http://www.fiocruz.br/ por ciento); educación (10,23 por ductivas agrícolas nacionales. El
cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home ciento); y desarrollo social (6,70 agente central de la CSS brasileña
26 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

en este sector es la Empresa Brasi- los proyectos de la ABC en el área gramas similares en otros países.
leña de Investigación Agrope- de agricultura tropical (Embrapa,
cuaria (Embrapa), que posee 2009).16 En virtud del aumento Participación de múltiples actores
acuerdos bilaterales de coopera- de las demandas por sus servicios, Además de actuar en varios secto-
ción técnica con casi 50 países en la empresa instaló oficinas en res, la CSS prestada por Brasil
cuatro continentes (Exmann, Ghana en 2006 (Embrapa-África) moviliza una diversidad de socios
2008) y ejecuta el 65 por ciento de y en Venezuela, en 2008, como nacionales e internacionales. Se
embrión de la futura Embrapa- estima que más de 120 institucio-
América Latina.17 nes nacionales, entre ministerios,
16. La Embrapa desarrolló um trabajo pio-
nero en el “cerrado”, un ecosistema de En educación, cabe destacar las secretarías, fundaciones, universi-
Brasil, al elaborar una mezcla de fósforo y acciones conjuntas reflejadas en dades, centros de investigación,
cal que transformó una región considerada los programas brasileños “Alfabe- empresas y organizaciones no
inutilizable durante siglos en el cinturón tización Solidaria” y “Bolsa gubernamentales estén involucra-
verde brasileño. La emergencia del “cerra-
Escuela” en los países de lengua das actualmente en las iniciativas
do” fue considerada “una de las mayores oficiales brasileñas de CTPD. Los
conquistas de la ciencia de la agricultura portuguesa. Con proyectos como el
“Alfabetización Solidaria” en Cabo principales socios nacionales son,
del siglo XX”. En 2006, dos científicos
brasileños vinculados a la Embrapa reci- Verde y Santo Tomé y Príncipe y en este momento, el Senai, la
bieron el World Food Prize (Rohter, “Alfabetización Comunitaria” en Embrapa y la Fundación Oswaldo
2007). Creada en 1973 como empresa Timor Oriental, además del Cruz (Fiocruz). La inclusión de
pública de derecho privado, la Embrapa
“Programa de Alfabetización de sectores vinculados a la sociedad
fue concebida para desarrollar tecnologías civil en la formulación y conduc-
y elevar la producción agrícola en Brasil. Jóvenes y Adultos” en Mozam-
bique, Brasil contribuye a la insta- ción de proyectos de cooperación
En tres décadas, la institución, con el
lación de clases y grupos de alfabe- internacional es particularmente
apoyo de la cooperación recibida, se hizo
líder mundial en investigaciones sobre tización, la capacitación de profe- importante al señalar una tenden-
agricultura tropical, contribuyendo a la sores y coordinadores locales y la cia de descentralización en la polí-
transformación de Brasil en una potencia elaboración y modernización de tica exterior brasileña, tradicional-
agrícola. La empresa desarrolló, por ejem-
materiales didácticos. mente criticada por la falta de par-
plo, 40 variedades tropicales de soja, un ticipación social.
cultivo de regiones templadas y cuyo ran- En el ámbito del desarrollo social,
king mundial de exportación es actual-
el empeño del actual gobierno bra- La sociedad civil brasileña es con-
mente liderado por Brasil. La Embrapa vocada no sólo para participar en
también está enfocando sus actividades de sileño en rescatar el papel del
Estado en la materia, asociándola proyectos elaborados en la esfera
investigación en el área de la bioenergía,
habiendo identificado 30 tipos de plantas al desarrollo económico, resultó en estrictamente gubernamental.
de las cuáles puede derivar combustibles. acciones nacionales en diversos Muchas veces las buenas prácticas
Ver: http://www.embrapa.br/ temas (Seguridad alimentaria y surgen en el ámbito de iniciativas
nutricional, Derecho a la Alimen- sociales que, una vez alcanzan el
17. La apertura de la oficina de la
tación, Agricultura Familiar, éxito, pueden pasar a ser replica-
Embrapa en África y de la oficina en das en otros países por la vía de la
Venezuela representó el inicio de un Reforma Agraria, Pesca Artesanal
y diálogo con la Sociedad Civil), asociación entre gobiernos y la
modelo diferente de actuación internacio-
nal de la empresa, cuyo objetivo central que pasaron a integrar el conjunto entidad responsable de las iniciati-
dejó de ser el cambio tecnológico, dada la de las iniciativas de cooperación de vas. Es el caso, por ejemplo, de la
hegemonía brasileña en el área, cediendo Brasil con otros países en desarro- organización no gubernamental
espacio a la cooperación de cuño “huma-
llo (ABC, 2007a). Programas Alfabetización Solidaria, que par-
nitario” y conectada al agronegocio ticipa en proyectos mencionados
(Agencia Estado, 2008; Izique, 2008). como “Hambre Cero” y “Bolsa
Familia” ganaron reconocimiento en la sección anterior y Viva Río,
internacional y se convirtieron en que realiza actualmente una serie
18. Informaciones detalladas en la web
de la ONG: http://www.vivario.org.br/ referencia en la elaboración de pro- de acciones en Haití.18
27 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Una novedad llamativa en este brasileño que interpreta la actua- Fondo de Población de las
panorama es la creciente partici- ción universitaria “como un gran Naciones Unidas (FNUAP), en el
pación de las universidades brasi- apoyo al desarrollo de la coopera- combate a la violencia contra las
leñas y de las instituciones que ción internacional” y como un mujeres, el Banco Mundial (pro-
configuran su sistema nacional de instrumento para “ampliar la visi- gramas de merienda escolar y
investigación científica en dife- bilidad brasileña en el exterior y manejo de residuos sólidos) y la
rentes proyectos de cooperación diseminar los conocimientos e Organización Internacional del
internacional.19 Este papel ha innovaciones desarrollados en el Trabajo (OIT) para el combate al
sido reconocido por el gobierno país” en actividades como la edu- trabajo infantil (ABC, 2006;
cación de adultos, la implantación Pereira da Fonseca, 2008).21
de universidades públicas, la defi-
19. Ejemplos de esta nueva realidad son los Haití, antes del devastador terre-
nición de los sistemas de educa-
proyectos con participación de las agencias moto de enero de 2010, fue el
Capes (Coordinadora de Perfeccionamiento ción superior, la formación y la
escenario para el desarrollo de la
del Personal de Educación Superior) y del capacitación técnica o la transfe-
más reciente de las modalidades
CNPq (Consejo Nacional de Investigación) o rencia de ciencia y tecnología
el envio de profesores, investigadores y técni- de cooperación, la que involucra a
(Pereira da Fonseca, 2007).20
cos de las Universidades de San Carlos, dos o más países en desarrollo en
Federal de Viçosa, Brasilia, Sudeste de Bahía, La CSS brasileña también está beneficio de un tercero. Es el
Federal Rural de Río de Janeiro, Federal de
involucrando, cada vez más, a caso, por ejemplo, de la asocia-
Santa María y Gama Filho, entre otras, a pro-
yectos ejecutados en Guinea – Bissau, organizaciones internacionales y ción entre Brasil y Argentina en el
Mozambique, Haití, Bolivia, Timor Oriental, agencias de cooperación de países proyecto de construcción de cis-
Honduras o Namibia. (MRE, 2007a) industrializados, lo que hace de ternas para la producción de horta-
Brasil uno de los grandes protago- lizas y otros cultivos; y del proyec-
20. Palabras del ex-director de la ABC,
embajador Pereira da Fonseca, en el sim- nistas de la llamada cooperación to “Colecta de Residuos Sólidos:
posio “El papel de las Universidades bra- triangular. La asociación con una herramienta para reducir la vio-
sileñas en la política exterior en el ámbi- donantes tradicionales fue una lencia y los conflictos en Carrefour-
to de la cooperación técnica”, Brasilia, forma que el país encontró de sor- Feuilles”, cuya primera fase fue
Asesoria de Comunicación de la UNB, 15
de junio de 2007. tear la escasez de recursos nacio- financiada por el Fondo IBAS para
nales y de acompañar el aumento el Alivio del Hambre y de la
21. En breve, se establecerán asociacio- de las demandas hacia la coopera- Pobreza y recibió el premio de
nes con: los EEUU, para la lucha contra ción brasileña (ABC, 2005b), al Naciones Unidas como mejor ini-
la malaria en Santo Tomé y Príncipe y
para la modernización del sistema legisla-
mismo tiempo que representa “el ciativa de CSS en 2006.
tivo de Guinea-Bissau; Francia, para la reconocimiento explícito de la
El Fondo Ibas, creado en 2004, ya
cooperación agrícola en África, especial- excelencia y de la efectividad
mente en Mozambique y en Camerún; financió otras dos acciones: la fase
operacional de la cooperación téc-
con Italia, país con el cual ya fue firmado I del proyecto “Desarrollo de la
nica prestada por la ABC”
un Memorando de Entendimento para la Agricultura y de la Pecuaria en
realización de actividades en terceros paí- (Pereira da Fonseca, 2008:73).
Guinea-Bissau (3/2005-6/2007)”,
ses; con Noruega, en beneficio de Angola
y Guinea - Bissau (Pereira da Fonseca, La modalidad triangular de coo- que, según el PNUD, ayudó a
2008); y con Alemania, cuyo ministerio peración está adquiriendo rele- mejorar la dieta de la población
para la Cooperación Económica y el vancia en Haití, donde Brasil se local al introducir semillas adapta-
Desarrollo (BMZ) clasificó a Brasil como ha asociado con Canadá (inmuni- das a la estación lluviosa; y el pro-
país-ancla, demostrando interés en apro-
vechar la importancia regional del país
zación), España (recuperación yecto de Rehabilitación del Puesto
como catalizador de nuevas iniciativas de ambiental y promoción del desa- Sanitario de Covoada (isla de San
cooperación. (Schläger, 2007). rrollo agroforestal sostenible), el Nicolás, Cabo Verde), que reformó
28 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

la unidad básica de salud de la Además, el gobierno brasileño practicada por los gobiernos bra-
comunidad.22 destina recursos financieros para sileños, destacadamente a partir
instituciones regionales y multila- del año 2000 y sensiblemente
Compromiso en iniciativas terales de cooperación, que se intensificada desde 2003. Es fruto
regionales, interregionales y invierten en una amplia gama de también de la ampliación de las
multilaterales esfuerzos de desarrollo. Es el agendas promovida por medio de
caso, por ejemplo, del ya mencio- las comisiones bilaterales, a partir
Aunque en escala reducida, la
nado Fondo IBAS para el cual de la inducción de la diplomacia
CTPD brasileña también viene
India, Brasil y Sudáfrica se com- presidencial y ministerial” (Vaz,
destinando recursos y asistencia
prometieron a destinar, indivi- 2008: 26).
técnica para el fortalecimiento de
dualmente, un millón de dólares
instituciones regionales y multila- Según el autor, “ese mismo proce-
por año,24 y del Fondo de
terales integradas por países en so de oferta de cooperación aso-
Convergencia Estructural del
desarrollo. En el ámbito del ciada particularmente a los
Mercosur (Focem), creado en
Mercosur, la ABC coordina y encuentros presidenciales sucede
2006 para disminuir las asimetrías
financia, por ejemplo, un proyec- también en relación a otros países
entre los Estados miembros. El
to, ejecutado en asociación entre en desarrollo” (Vaz, 2008:26). Es
gobierno brasileño aportó el 70
el MRE y la Secretaría General decir, aunque Brasil sea reconoci-
por ciento de los 250 millones de
del bloque de integración, que do internacionalmente como uno
dólares del fondo, el cual benefi-
tiene por objetivo elaborar diag- de los grandes protagonistas de la
cia, prioritariamente, la ejecución
nósticos sobre el proceso de inte- CSS en la actualidad, por los
de proyectos en Paraguay y
gración productiva del Mercosur motivos ya expuestos, se puede
Uruguay (Vaz, 2008).
(MRE, 2007a).23 La CSS brasile- decir que, 40 años después del
ña también está participando en el El compromiso en iniciativas surgimiento de las primeras ini-
proyecto de “Fortalecimiento del que sobrepasen el ámbito estric- ciativas de prestación de asisten-
Secretariado Ejecutivo de la tamente bilateral, tales como la cia técnica, el país aún no posee
CPLP”, que concentra esfuerzos cooperación triangular trilateral, una política consolidada de coo-
en la reestructuración del sistema regional, interregional y multila- peración con otros países del Sur.
de informática, en la complemen- teral, es señalado en la literatura
tación de los servicios de comuni- sobre la ayuda exterior como Consideraciones Finales
cación social y en la organización fundamental para minimizar los El empeño de Brasil en transferir
del sistema de archivos del órgano intereses cortoplacistas de los técnicas accesibles y eficaces en
de la comunidad (ABC, 2005c). donantes, para priorizar el desa- la promoción del desarrollo a
rrollo de los beneficiarios y otros países del Sur, sin tener por
22. Ver: http://www.mre.gov.br/index. garantizar la sostenibilidad de la finalidad el lucro o el estableci-
php?option=com_content&task=view&i cooperación.25 miento de condiciones, constitu-
d=2003&Itemid=1564.
En el caso de Brasil, este último ye, según voces oficiales y de
23. Un panorama y evaluación de la coo- aspecto adquiere una relevancia muchos analistas, una importante
peración técnica y económica brasileña particular. Según destaca Vaz, las contribución del país a la CSS en
en el ámbito de la integración mercosure-
acciones brasileñas de coopera- general. De forma diferente a los
ña y sudamericana en Vaz (2008).
ción técnica con los vecinos suda- principales donantes emergentes,
mericanos, por ejemplo, “reflejan como China e India, Brasil no
24. Ver: http://www.mre.gov.br/index.
en gran medida, impulsos y estaría guiado por intereses políti-
php?option=com_content&task=view&i
d=2003&Itemid=1564. demandas provenientes de una cos y económicos de corto plazo,
activa diplomacia presidencial y y si por la realización de intereses
25. Ver, por exemplo, Kaul et al (1999).
ministerial en la región que es comunes a favor del desarrollo,
29 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

sin que eso implique la reproduc- tercermundista en relación a la Nuevamente, eso no significa que
ción de la brecha Norte-Sur y del cooperación orientada a la forma- el país no actúe activamente en esas
tercermundismo característico de ción de infraestructuras y al estí- materias. Por ejemplo, Brasil per-
la guerra fría. En efecto, el com- mulo de intercambios comercia- donó, íntegramente o en parte, las
promiso creciente de donantes tra- les, la cuál quedó asociada, en las deudas de varios países africanos y
dicionales en la CTPD brasileña décadas de 60 y 70, al asistencia- latinoamericanos, como Bolivia,
señala una búsqueda de solucio- lismo de los países del Norte. Cabo Verde, Cuba, Gabón, Guinea-
nes pragmáticas para el desarrollo Bissau, Mauritania, Mozambique,
socioeconómico de los países de Sin embargo, eso no significa que Nicaragua, Nigeria o Tanzania.
renta baja, al mismo tiempo que el gobierno brasileño no esté com- Hasta el año 2006, el total de des-
constituye un indicador del com- prometido en iniciativas de coo- cuentos concedidos por Brasil a
promiso más amplio con el multi- peración financiera en materia de países pobres altamente endeuda-
lateralismo. infraestructura y comercio. El dos y a otros países en desarrollo
Banco Nacional de Desarrollo sumaron la cifra de más de 1.250
No obstante, como Estado de tra- Económico y Social (BNDES),26 millones de dólares (Presidencia de
dición periférica en el sistema por ejemplo, posee una cartera de la República, 2007).
internacional, Brasil aún parece inversiones en América del Sur
esconder, de propósito o no, visio- que suma 15.600 millones de En tercer lugar, desde el ámbito
nes anacrónicas en relación a dólares según los datos más académico algunos autores recla-
aspectos prácticos y normativos recientes divulgados por la prensa man la necesidad de que, en la
más amplios de la llamada coope- (Leo, 2009). La gran cuestión es medida en la que se convierta
ración para el desarrollo. Eso que, al contrario de la CTPD bra- cada vez más en país fuente de
queda claro, en primer lugar, sileña, la cooperación conducida ayuda para el desarrollo, Brasil
cuando observamos que su diplo- por el BNDES, así como otras ini- participe en los foros de coordina-
macia insiste en tratar a la CSS ciativas, como el Programa de ción en el seno del CAD donde
como sinónimo de CTPD, repro- Crédito a la Exportación tiene estatus de observador
duciendo una especie de trauma (Proex),27 es de corte reembolsa- (Landau 2008, 113). Sin embargo,
ble y demanda la adhesión de los existen algunas dudas sobre la
26. Órgano del gobierno federal brasileño beneficiarios a varias condiciona- aceptación del papel coordinador
es uno de los mayores bancos de fomen- lidades, siendo la primera de ellas del CAD/OCDE por parte del
to del mundo. El BNDES fue fundado en la obligatoriedad de que los recur- actual gobierno brasileño. En
1952 y, actualmente, es “el principal ins- sos sean utilizados para comprar efecto, el seguimiento realizado
trumento de financiación de largo plazo bienes y contratar servicios de de la participación de Brasil en el
para la realización de inversiones en
todos los segmentos de la economía bra-
empresas brasileñas. Foro de Alto Nivel sobre la
sileña”. Una de sus áreas de actuación es Eficacia de la Ayuda, en septiem-
En segundo lugar, Brasil, al con- bre de 2008, en Accra, mostró una
la “Exportación e Inserción Internaci-
onal”. El BNDES ha financiado, entre trario de donantes tradicionales y postura agresiva y crítica de la
otras, la expansión de la capacidad de de otros grandes donantes emer- diplomacia brasileña frente al pro-
transporte de gaseoductos en Argentina, gentes, rechaza contabilizar en sus ceso y, más aún, frente a la
las centrales hidroeléctricas de San informes sobre CSS iniciativas Declaración de París (John de
Francisco, en Ecuador, y de la Vueltosa, humanitarias y de perdón o alivio
en Venezuela, así como la ampliación de Sousa, 2008). La postura oficial
(por la vía de la disminución de en relación a la agenda de eficacia
los metros de Santiago y Caracas; Ver:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bn los tipos de interés) de las deudas es que la CTPD practicada por
des/bndes_pt. de países de renta baja, que serían Brasil constituye un “acto sobera-
formas de ayuda asistenciales y no de solidaridad, [...] no debe
27. Ver: http://www.fazenda.gov.br/sain/ no promoverían, de hecho, el someterse a reglas que se destinan
temas/proex.asp. desarrollo de los beneficiarios. a países donantes, en el ámbito de
30 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

la asistencia Norte-Sur, como las constantes en la ses que, como Brasil, ofrecen cooperación interna-
Declaración de París”, tal y como afirmó el ex-direc- cional: la demostración práctica de que un país
tor de la ABC. Sin embargo, el diplomático reconoce democrático y en desarrollo puede ayudar a promo-
que Brasil estimula la aplicación de esos principios ver la mejoría sostenible de las condiciones socioe-
(apropiación, responsabilidad, etc.) que no son exclu- conómicas de los países más pobres. La restricción
sivos de los países del CAD/OCDE y que han sido de la CSS, sea a la mera cuestión de la solidaridad
defendidos en documentos de la ONU (Pereira da entre países del Sur, sea a los aprendizajes mutuos en
Fonseca 2008, 76). el ámbito estrictamente técnico, obstaculiza el com-
plejo proceso de intercambios que también atiende a
Creemos, no obstante, que antes de estar referida a intereses nacionales de los países en desarrollo ofe-
una cuestión de soberanía, la resistencia de Brasil en rentes de cooperación, sin que eso implique necesa-
no aceptar las directrices del CAD se explica por la riamente asistencialismo o distribución desigual de
dispersión institucional de las iniciativas de coopera- las ganancias de la cooperación.
ción actualmente ejecutadas por el país y por la
ausencia de un sistema unificado de contabilidad de La realización de esos intercambios es importante
los recursos financieros dedicados a la CSS. Los porque resulta decisiva para la continuidad de las
propios gestores de la cooperación brasileña tienen prácticas de la CSS y, en el largo plazo, puede contri-
dificultades en cuantificar el monto de los recursos buir a que iniciativas hoy difusas y puntuales puedan
movilizados por las iniciativas de cooperación técni- eventualmente evolucionar hacia la formación de
ca y científica. Según Vaz: “Eso se asocia a una estructuras más duraderas de cooperación que tengan
característica estructural del aparato gubernamental como objetivo central promover el desarrollo.
brasileño que es un grado de autonomía relativamen-
te alto por parte de las instancias ministeriales, con- Referencias
jugado a espacios y mecanismos limitados y muchas ABC, Agência Brasileira de Cooperação (2005a)
veces informales de coordinación, lo que resulta en Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação
dificultades de acompañamiento y dirección de Técnica Internacional Multilateral e Bilateral, fev.
esfuerzos” (Vaz 2008, 29). Disponible en:http://www.abc.gov.br/noticias/
En este punto debe señalarse que el desconocimien- banco_noticias.asp?id_Localizacao=3
to del montante de recursos dedicados a la CSS ___ (2005b) ‘O que é a ABC?`, Via ABC, jul.
representa un factor limitador para el gobierno brasi- Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco
leño, obstaculizando el reconocimiento de la contri- _noticias.asp?id_Localizacao=3
bución de Brasil al desarrollo internacional y dismi- ___ (2005c) ‘A cooperação com os países de língua
nuyendo los niveles de transparencia y de rendición portuguesa`, Via ABC, out. Disponible en:
de cuentas, muy bajos en este momento. Definir con http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id
claridad el volumen de los recursos que los países _Localizacao=3
del Sur dedican a CSS es imprescindible para el esta- ___ (2005d) ‘Cooperação Técnica Brasileira no Haiti`,
blecimiento de comparaciones internacionales de Via ABC, dez. Disponible em: http://www.abc
esfuerzos solidarios que, posiblemente, sonrojen a .gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3
muchos países del Norte. ___ (2005e) ‘Timor-Leste: Cooperação para o desenvol-
Si el país consigue tener éxito en la elaboración de vimento`, Via ABC, nov. Disponible en: http://www.
una política de Estado en materia de CSS, que no se abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3
limite a la visión del ministerio de Exteriores sino ___ (2006) ‘Cooperação Técnica com Países
que incluya otras burocracias ministeriales, regiona- Desenvolvidos. Instrumento de desenvolvimento
les y locales, y que cuente con el apoyo de la socie- nacional e de impulso à Cooperação Sul-Sul`, Via
dad civil, habrá hecho entonces una contribución ABC, mar. Disponible en: http://www.abc.gov.br/
aún mayor, que servirá de ejemplo a los demás paí- noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3
31 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

___ (2007a) ‘Desenvolvimento social: um tema da 2a-semana/atuacao-da-embrapa-no-exterior-e-conde-


cooperação técnica brasileira`, Via ABC, jul. corada-pelo-itamaraty/?searchterm=65%
Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/ Exmann, Fernando (2008) Especial: Atuação da
banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 EMBRAPA vira instrumento de política externa’`,
Agência Estado (2008) ‘PAC da EMBRAPA vai elevar Reuters, 10/jul. Disponible en: http://www.estadao.
investimento em pesquisa`, Entrevista com o presi- com.br/nacional/not_nac203862,0.htm
dente da EMBRAPA, Sílvio Crestana. 18 feb. Guimarães, Samuel Pinheiro (2003) Discurso proferi-
Disponible en: http://www.peabirus.com.br/redes/ do por ocasião da transmissão do cargo de secretá-
form/post?pub_id=11051 rio-geral das Relações Exteriores. Brasília, 9/ene.
Amoriam, Celso (2006) ‘A cooperação como instru- Disponible en: http://www.mre.gov.br/index.php?
mento da política externa brasileira`, Via ABC. jun. Itemid=64&id=19&option=com_ content&task=view
Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco HLC, High-Level Committee on the Review of
_noticias.asp?id_Localizacao=3 Technical Cooperation among Developing Countries
________ (2005) Política Externa do Governo Lula: (2005) ‘Brazil`. Diponible en: http://tcdc.undp.org/
os dois primeiros anos. Análise de Conjuntura OPSA, HLCdocs/HLC14_brazil.pdf
n.4, mar. Disponible en: http://observatorio.iuperj.br/ Izique, Claudia (2008) ‘O PAC da EMBRAPA`,
artigos_resenhas/Artigo%20Celso%20Amorim.pdf Revista Fapesp, 1/feb. Disponible en: http://www.embrapa.
________ (2004) ‘Conceitos e estratégias da diploma- br/destaques_imagem/Revista_Fapesp-Fev2008.pdf
cia do Governo Lula`, Revista DEP, n.1, v.1, oct/dic. John de Sousa, (2008) ‘Brasil en Accra: una apuesta
________ (2003) Discurso proferido por ocasião da firme por la cooperación Sur – Sur’`, Fride/Foro
Transmissão do Cargo de Ministro de Estado das AOD. Disponible en: http://www.foroaod.org
Relações Exteriores. Brasília, 1 ene. Disponible en: Kaul, Inge; Grnberg, Isabelle; Stern, Marc A. (1999)
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/dis Global Public Goods: International cooperation in
cursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=2032 the 21st century. New York, Oxford: Oxford
AyllAyllon, Bruno & Viola, Eduardo (2006) Lula y el University Press.
déficit de realismo estratégico en política exterior’`, Landau, G. (2008) O Brasil e a cooperação internacio-
Política Exterior n.133, sep./oct. p.123-134. nal para o desenvolvimento’`, Revista de Economia e
Barbosa, Rubens Antonio (2006) ‘Diplomacia em Relaçoes Internacionais nº 12 vol.6, São Paulo,
tempos de mudanza’`, 11/abr. Disponible en: p.103-116.
http://www.rbarbosaconsult.com.br/artigo_diploma- Leo, Sergio (2009) ‘Carteira do BNDES na América do
cia _em_tempos_de_mudanca.asp Sul soma US$ 15,6 bilhões`, Valor Econômico, 27/ago.
Caetano, José R. (2005) ‘Um país cada vez mais iso- Lima, Maria Regina Soares de & HIRST, Mônica
lado`, Exame, 4/oct. Disponible en: http://portalexa- (2006) ‘Brazil as an intermediate state and regional
me.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0853/econo- power: action, choice and responsibilities`,International
mia/m0078172.html Affairs v.82 n.1, p. 21-40.
Cervo, Amado L. (1994) ‘Socializando o desenvolvi- Lisboa, José da Silva (2006) ‘Populismo diplomático`,
mento; uma história da cooperação técnica internacio- Instituto Millenium. Disponible en: http://silvalisboa.blogs-
nal do Brasil`, Revista Brasileira de Política pot.com/2006/04/02-populismo-diplomtico.html
Internacional v.37 n.1, p. 37-63. Lula da Silva, Luiz Inácio (2007a) ‘Discurso de posse na
DCI (2007). ‘Brasil implantará agrovila na Nigéria Cerimônia de Compromisso Constitucional perante o
para etanol e biodiesel`. DCI, 24/ mai. Disponible en: Congresso Nacional`. Brasília, 1/ene. Disponible
http://brasilbio.blogspot.com/2007/05/brasil-implan- en:http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/
tar-agrovila-na-nigria.html discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=3010
Embrapa (2009) Atuação da Embrapa no exterior é ___ (2007b) ‘Discurso por ocasião de audiência com
condecorada pelo Itamaraty` . 13/ mai. Disponible en: embaixadores africanos.` Dia da África. Brasília,
http://www.embrapa.br/imprensa/noticias/2009/maio/ 25/.mai. Disponible en: http://www.mre.gov.br/portu-
32 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

gues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.as nalODM.pdf
p?ID_DISCURSO=3127 Ricupero, Rubens (2005) ‘Fim do Consenso?`, Folha
___ (2003) ‘Discurso na Sessão de Posse no de S. Paulo, 12/jun.
Congresso Nacional`, Brasília, 1/ene. Disponible en: Rother, Larry (2007) Scientists are making Brazil’s
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/dis savannah bloom’`, The New York Times, oct./2.
cursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=2029 Disponible en: http://www.nytimes.com/2007/10/02
Magnoli, Demétrio (2003) Política externa de Lula segue /science/02tropic.html
a cartilha de Rio Branco’`, Folha de S. Paulo, 19/ene. Sardenberg, Carlos Alberto (2005) ‘As más alianças
Moreira, Lauro Barbosa da Silva (2005) ‘A ABC e a de Lula`, Exame 19/may. Disponible en: http://porta-
Cooperação Internacional. Palavra do Diretor. O que lexame.abril.com.br/degustacao/secure/degustacao.d
é a ABC`, Via ABC, jul. o? COD_RECURSO=211&URL_RETORNO=
MRE, Ministerio de Relaciones Exteriores de Brasil http://portalexame.abril.uol.com.br/economia/m0044
(2007a) South-south cooperation activities carried 101.html
out by Brazil. Under Secretariat General for Schläger, Catrina (2007) ‘New powers for global
Cooperation and Trade Promotion. jul. Disponible en: change? Challenges for international development
http://www.funag.gov.br/biblioteca-digital/ultimos- cooperation: the case of Brazil`, Dialogue on
lancamentos Globalization. Briefing Papers, FES, Berlim.
___ (2007b) Cronologia da política externa do gover- Sennes, Ricardo; BARBOSA, Alexandre de Freitas;
no Lula (2002-2006), Brasília, Funag. Disponible en: GUIMARÃES, Débora Miura (2006) ‘Padrões de
http://www.funag.gov.br/biblioteca-digital/temas- inserção externa da economia brasileira e o papel da
internacionais integração sul-americana`, Análise de Conjuntura n.3,
OECD (2009) Development Co-operation report OPSA mar. Disponible en: http://observatorio.iuperj.br/
2009, Paris, OCDE. artigos_resenhas/padroes_de_insercao_externa .pdf
Oliveira, Marcelo Fernandes de (2005) ‘Alianças e Valler Filho, Wladimir (2007) O Brasil e a crise hai-
coalizões internacionais do governo Lula: o Ibas e o tiana: a cooperação técnica como instrumento de
G-20`, Revista Brasileira de Política Internacional solidariedade e de ação diplomática, Brasília, Funag.
n.8 v.2, p. 55-69. Disponible en: http://www.scielo.br/ Vaz, Alcides Costa (2008) ‘A cooperação brasileira
pdf/rbpi/v48n2/a03v48n2.pdf na América do Sul: evolução, características e condi-
Pereira da Fonseca, Luiz H. (2008) ‘La visión de cionantes`, Breves Cindes n.8, mai.
Brasil sobre la cooperación internacional`, Revista Vigevani, Tullo & Cepaluni, Gabriel (2007) ‘A
Española de Desarrollo y Cooperación n.22, p 63-77. Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da
___ (2007) Palabras en el simposio “El papel de las Autonomia pela Diversificação`, Contexto
Universidades brasileñas en la política exterior en el Internacional v.29 n.2, jul/dic, p. 273-375.
ámbito de la cooperación técnica”, Brasilia, Asesoria Disponible en: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v48n2/
de Comunicación de la UNB, 15/jun. a03v48n2.pdf
Presidência da República (2007) ‘Objetivos de Visentini, Paulo G. Fernandes & PEREIRA, Analúcia
Desenvolvimento do Milênio. Relatório Nacional de Danilevicz (s/d). ‘A política africana do governo
Acompanhamento`, Set. Disponible en: http://www.ipea. Lula`, NERINT. Disponible en: http://www6.ufrgs.br/
gov.br/sites/000/2/download/TerceiroRelatorioNacio nerint/php/artigos.php?idp=1&lang=br
33 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

A globalização cultural e os
desafios para uma governança
global democrática
Rafael R. Ioris
Professor Assistente da Universidade de Denver

Q
Qualquer avaliação
ualquer suficientemente
avaliação atenta sobre
suficientemente atentao forma, procura-se também compreender melhor
mundo sobre
de hoje teria que
o mundo de levar
hoje em
teriaconta o fatoemde
que levar como seria possível promover padrões mais harmô-
que vivemos
conta em umdecontexto
o fato global
que vivemos emcrescentemen-
um contexto nicos de convivência multicultural dado que os mais
te interconectado
global crescentementeno qual distintos grupos
interconectado no qualsociocul-
distin- variados grupos humanos se encontram nos dias de
turais
tos são socioculturais
grupos colocados emsão contato de maneira
colocados intensa
em contato de hoje, cada vez mais, em uma nova, acelerada e
e acelerada.
maneira Efetivamente,
intensa e acelerada.com base em processo
Efetivamente, com basede potencialmente conflitiva dinâmica de interações em
integração
em processoeconômica
de integraçãoqueeconômica
se intensificou
que sea partir
intensi-do uma escala nunca antes vista.
pós-Segunda
ficou a partir doGuerra, o processo
pós-Segunda Guerra,deo Globalização
processo de A Globalização, as Relações Internacionais e a
atualmente em
Globalização curso vem
atualmente em suscitando a integração
curso vem suscitando a Reflexão sobre o Contato Intercultural
crescente das
integração realidades
crescente das locais, criando
realidades locais,uma situa-
criando
ção de
uma interdependência
situação em escala
de interdependência mundial.
em escala Essa
mundial.
É necessário que iniciemos reiterando a noção de
tendência,
Essa contudo,
tendência, ocorreocorre
contudo, por meio de uma
por meio de lógica
uma
que tomamos o fenômeno da Globalização com
complexa
lógica em queem
complexa dinâmicas contraditórias
que dinâmicas atuam.
contraditórias
fenômeno que possui uma natureza multidimensio-
Há, porHá,
atuam. umporlado,
um olado,
reconhecimento
o reconhecimento da unidade
da unida-do
nal e complexa. Embora suas origens possam ser
todo,
de numanuma
do todo, espécie de “compreensão/compressão”
espécie de “compreensão/compres-
localizadas na formação de uma visão de mundo
do mundo;
são” do mundo;e, por outro,
e, por passam
outro, passam a existir
a existirprocessos
proces-
integrada que passa a existir no início do século
de
sosdiferenciação
de diferenciação de identidade culturais,
de identidade civis,civis,
culturais, polí-
XVI, é a partir da segunda metade do século XX que
ticas, nosnos
políticas, quais
quaisnovos
novoseixos
eixosdede orientação paraa a
orientação para
dinâmicas globais – tais como o controle nuclear, a
ação política
políticaseseconstituem.
constituem. problemática ambiental, e o movimento de descolo-
Nesse novo cenário, uma reflexão sobre os impactos nização – passam a ser consideradas como um eixo
principais do fenômeno da Globalização na dinâmi- central para os direcionamentos políticos, em um
ca de interação entre as múltiplas realidades cultu- processo que poderia ser definido como uma “toma-
rais atualmente existentes coloca-se como um esfor- da de consciência da realidade global” (Robertson
ço heurístico necessário. O presente texto visa apre- 1992, 8). Instaurado por uma materialidade econômi-
sentar apontamentos preliminares sobre como a ca e tecnológica que redefinem as estruturas da produ-
questão do contato intercultural tem evoluído na tra- ção e do consumo, e que teve como principais atores
dição teórica de Relações Internacionais. Da mesma as corporações transnacionais, é a partir dos anos 1970
34 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

que, de um modo ainda mais con- parte, aos poderes regulatórios Anos (1618-1648), percebida por
creto, passa a existir uma nova lógi- nacionais e internacionais impos- seus contemporâneos como a
ca econômica em escala global. tos por órgãos interestatais cria- mais devastadora das guerras reli-
dos para esse fim – tais como o giosas até então, a Paz de
O processo produtivo já não mais Gatt e o Fundo Monetário Westphalia é considerada, segun-
se organizaria então dentro das Internacional. da a tradição teórica das Relações
fronteiras nacionais e a acumula-
Internacionais, como fundadora
ção econômica se dá cada vez Tantas e tão profundas transfor-
do Moderno Sistema de Estados.
mais com base nos avanços tecno- maçõe acabariam por se refletir
Esse sistema possibilitou a exis-
lógicos e em reestruturações pelas mais diversas sociedades
tência de um novo fundamento
gerenciais. Aumenta o grau de atualmente existentes no globo,
substantivo para as interações
volatilidade do capital financeiro em um processo que tem conduzi-
políticas intersocietárias por meio
e há um aumento significativo e do a alterações nas percepções e
de uma lógica descentralizadora.
uma ampliação do comércio mun- concepções usadas para interpre-
dial. Da mesma forma, como tar o mundo (Rosenau 1990). De Em termos analíticos, a Ordem
resultado da combinação de revo- fato, impulsionada pela transna- Westphaliana fez da ausência de
luções tecnológicas (microeletrô- cionalização da produção e do uma autoridade central mundial a
nica, robótica, biotecnologia) e consumo, pela volatilização das noção de base de um novo sistema
administrativas (qualidade total e finanças, pela atribuição de um de ordenação política que operaria
reengenharia), as corporações, o papel maior para os atores trans- por meio dos Estados territoriais,
capital e a tecnologia desconec- nacionais, pela aceleração das definidos como entidades autôno-
tam-se crescentemente de suas inovações tecnológicas, a mas, formalmente iguais, possui-
origens nacionais. Ocorre ainda Globalização acabaria por apro- doras de prerrogativas e direitos.
um progressivo aumento nos flu- fundar a lógica de integração das A ordem interestatal se funda-
xos de Investimentos Estrangeiros realidades sociais locais, o que, mentaria, por sua vez, no raciocí-
Diretos, e, pelo menos em termos por sua vez, conduz a desterrito- nio de que entidades portadoras
tendenciais, um processo de rializações das referências cultu- de uma igualdade formal apresen-
homogeneização dos padrões de rais tradicionais e à construção de tariam comportamentos definidos
consumo globais. uma concepção da integração cul- pelo respeito mútuo, e que, por-
tural do mundo, ou Mundiali- tanto, não se envolveriam em inte-
É nessa linha de reflexão que zação (Ortiz 1994). rações conflituosas, mas, alternati-
podemos perceber um interessan- vamente, iriam se dedicar a assun-
te contraste na da evolução do Contudo, apesar de todas as trans- tos concernentes prioritariamente
capitalismo internacional. Até formações advindas da intensifi- à realização de seus valores cultu-
meados do século XX, as intera- cação de um verdadeiro processo rais específicos dentro da esfera
ções socioeconômicas poderiam de ‘encolhimento’ do mundo territorial de cada sociedade esta-
ser entendidas como ocorrendo, (possibilitado por inovações nos tal. Da mesma forma que o pró-
em linhas gerais, por meio de flu- meios de comunicação e transpor- prio Sistema de Estados, a refle-
xos de comércio, produção, con- te), é importante apontar que a xão teórica em Relações
sumo e investimento colocados tendência à universalização de Internacionais também é fruto da
sob a regulação dos Estados. Por valores e padrões de existência modernidade, fundada, mais
sua vez, no contexto de uma reali- tem sido uma meta do projeto especificamente, em dois projetos
dade definida como globalizada, a Ocidental desde o início da Era de mundo originalmente formula-
lógica produtiva passa a ser orga- Moderna. Efetivamente, estabele- dos nos século XVII e XVIII.
nizada em uma cadeia transfron- cida com o propósito de pôr um De um lado estaria o Projeto Realis-
teiriça, que escapa, em grande fim definitivo à Guerra dos Trinta ta ou de ‘Balança de Poder’, traduzi-
35 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

do na Ordem Westphaliana de 1648, mesma forma, o raciocínio funda- humanidade, do meio ambiente,
que postula a existência de um cional da disciplina de Relações do desenvolvimento sustentável,
equilíbrio autoregulável no siste- Internacionais manifestou histori- da liberdade de expressão, da
ma de relações interestatais que camente pretensões universalistas democracia, da autodeterminação
influenciaria o comportamento de e teve dificuldade em tratar da dos grupos culturais, etc. Esses
todos os Estados participantes. questão da diferença ou especifi- temas, dada sua própria natureza
De outro lado, o Projeto Idealista cidade cultural (Brown 1995). de universalidade e alta dispersão
ou Institucionalista, de origens global nos mais variados contex-
localizadas, de maneira central, Ironicamente, ao longo do seu tos locais, constituem a base da
nos textos de Abbé de San-Pierre próprio processo histórico, para edificação do que poderia, talvez
e Immanuel Kant, que postula a além da questão de poder formal no futuro, ser chamado de uma
necessidade e possibilidade de dos Estados (sua soberania), o ‘Cultura Global Comum’
construção da paz internacional Svistema Westphaliano incorpo- (Featherstone 1995). Por outro
por meio de acordos e instituições rou a categoria de Nação como lado, devido a desafios, medos e
firmadas, de maneira preferencial, foco de identificação das lealdades reações por parte de grupos cultu-
entre Repúblicas - ou democracias, dos indivíduos circunscritos em rais específicos quanto à questão
na terminologia atual (Ruggie cada Estado específico. Para além da disseminação de padrões e
1993). De modo similar, e apesar da formalidade do caráter sobera- modelos globais de existência,
de suas divergências, tanto os no de cada Estado, a lógica wes- ocorre um processo de autoafirma-
autores Realistas quanto Liberais tphaliana passa, a partir do século ção dos modos locais de vida, o
– sejam eles clássicos ou seus XIX a operar por meio de uma qual, na maioria das vezes, tem
defensores mais recentes, como os matriz de base nacional, que opera conduzido a conflitos ou a isola-
Pluralistas, e assim como verten- de tal modo que as relações de mentos intercivilizacionais.1
tes mais estruturais como os poder de base territorial passam a
Marxistas têm, todos, defendido estar ancoradas em referenciais Sabemos que o contato cultural
o expansionismo de determinadas particulares, tais como identidade sempre esteve presente na formula-
posições de mundo, ditas univer- étnica, língua, tradição e outros ção que, historicamente, cada cul-
sais, frente a entendimentos local- supostos atributos de uma mesma tura definiu de si mesma em oposi-
mente constituídos. nacionalidade. ção a outras culturas. Afinal, a
É importante ressaltar que, intrín- noção de identidade só faz sentido
A importância crescente de ele- e opera sempre de modo relacional.
seca à lógica operacional fundan- mentos de natureza ideacional é,
te do projeto da Modernidade A realidade da Globalização, con-
contudo, o aspecto que define de tudo, envolve uma dinâmica de
Ocidental, está uma suposição de modo mais central o fenômeno da
verdade –que se tem demonstrado universalização de particularis-
Globalização no que se refere à mos, valorizando realidades iden-
questionável em termos teóricos e sua dimensão cultural. Percebe-se
práticos– que assume que a evo- titárias específicas, e, ao mesmo
nesse processo a constituição de tempo, a intensificação da noção
lução histórica européia represen- duas tendências dialeticamente
taria um caminho necessário que de que o mundo é um lugar comum
opostas. Por um lado, existem pro- (Ouer Global Neighborhood, 1995).
todas as sociedades humanas cessos rápidos e crescentes de for-
deveriam percorrer rumo a um Esse processo se caracteriza ainda
mação de uma ‘agenda comum pelo desenraizamento de aspectos
progresso linearmente entendido global’ de assuntos ou interesses
como positivo e necessário. Da culturais de origem particular e
amplamente aceitos em todo o seu novo enraizamento numa
globo. Tais temas de interesse outra realidade cultural, em que
1. Ver Barber (1995), Juergensmeyer (1993), amplo atualmente se referem às atributos novos seriam (re)combi-
e Gurr e Harff (1994). questões do patrimônio comum da nados em uma escala ampliada.
36 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

A possibilidade de recombinação como um todo integrado uma vez meio de crescentes fluxos de sig-
de aspectos culturais específicos que a tradição da teoria social nificados, pessoas e mercadorias.
que passam a constituir uma nova tomou como seu foco principal a Esses fluxos produziriam tanto
realidade cultural tem sido consi- sociedade nacional ou um grupo homogeneidade quanto desordem
derada de perto por diversos auto- sociocultural específico – tradição cultural, fortalecimento de identi-
res que a definem como um fenô- essa que, nos dias de hoje, se tor- dades locais e intensificação de
meno de hibridização cultural naria um empecilho epistemológi- culturas transnacionais (third cul-
(Appadural 1994 e Pietrese 1995). co uma vez que já não é mais pos- tures). Efetivamente, a pluralida-
Ocorre, portanto, a articulação sível estabelecermos claramente a de de respostas fornecidas por
constante entre a criação da univer- distinção entre global e local, diferentes sociedades ao projeto
salidade e da particularidade, como doméstico e global. social moderno implica que con-
expressaria bem o conceito de ‘glo- cebamos a existência de múltiplas
calization’ – que expressa a idéia da Felizmente, diversas análises a modernidades – sempre no plural
localização das dinâmicas globais respeito de tais tendências têm – cujas dinâmicas de interação
ao mesmo tempo em que se globa- sido propostas. Santos (1997), por dentro do contexto de um mundo
lizam especificidades locais. O caso exemplo, aponta para a necessida- globalizado não parecem capazes
do micromarketing seria paradig- de de estudos e definições do de, até o presente momento, eli-
mático desse aspecto da Globali- fenômeno da Globalização a par- minar tal pluralidade (Hannerz
zação pois dentro de suas linhas de tir de um ponto de vista mais sen- 1994).
atuação, consumidores de localida- sível às dimensões socioculturais
des específicas são ‘criados’ por distintas dos diversos grupos De modo similar, a possibilidade
anúncios de origem globalizada que sociais envolvidos. Criticando o de efetivação de uma cultura
são reorientados para o mercado fato da supremacia das definições comumente partilhada, como meio
local - como exemplo poderíamos do fenômeno de Gobalização que de eliminação dos conflitos inter-
ter a criação do Big Mac vegetaria- assumem uma inspiração econo- culturais, tampouco parece ser
no pela rede de lanchonetes micista, o autor aponta para a algo provável. A realidade simbó-
MacDonald’s na Índia. necessidade de que se concebam lica atualmente existente que tem
‘globalizações’ no plural, como recebido a atribuição de ‘cultural
Dados novos desafios apresenta- processos por meio dos quais global’ – fruto da suposta univer-
dos pela dinâmica histórica da “determinada condição ou entida- salização de alguns padrões de
Globalização, surge a necessidade de local consegue estender sua consumo de base norte-americana
de meios institucionais de comu- influência a todo o globo e, ao – não seria, de fato, nada mais do
nicação e convívio intercultural. fazê-lo, desenvolve a capacidade que uma miscelânea de motivos
Nessa tomada de consciência de de designar como local uma outra folclóricos desterritorializados por
que o mundo é um lugar comum e condição social” (idem, 107). razões mercadológicas específi-
de que o aumento dos contatos cas, e, portanto, incapazes de criar
torna-se inevitável, temos que O fenômeno da Globalização não verdadeiros vínculos culturais de
estabelecer maiores níveis entre deve, pois, ser tomado como pro- sociabilidade (Smith 1994).
os diferentes eixos de atuação motor de uma espécie de homoge-
política que, progressivamente, neização cultural ou da eventual Globalização Cultural e os
perpassam a realidade jurídica do constituição de uma cultura única. Desafios para a Governança
Estado Nacional moderno. Se há alguma cultura global atual- Global
Necessitamos também reformular mente em formação, esta estaria
nossas práticas de investigação de se efetivando no entrelaçamento Impulsionada pela transnacionali-
um modo interdisciplinar a fim de complexo e multidimensional zação da produção e do consumo,
que possamos tomar o mundo entre múltiplas culturas locais por pela volatilidade crescente dos
37 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

fluxos financeiros, pela atribuição constitui como resultado, indese- mais duradouros quando tomam
de um papel maior para os atores jável para muitos, de novas for- em consideração as múltiplas
transnacionais, pela aceleração das mas, dinâmicas, níveis e intensi- agendas das várias partes envolvi-
inovações tecnológicas e por uma dade de inter-relacionamentos das. Em outras palavras, a perma-
espécie de encolhimento do globo sociais entre múltiplos agrupa- nência dos arranjos e acordos de
(dadas às inovações nos meios de mentos humanos. Por um lado, cooperação multilaterais depende-
comunicação e transporte), o pro- percebemos que uma das mais for- rá de que esses provenham de uma
cesso de Globalização aprofunda a tes características da contempora- negociação equilibrada entre todas
lógica de integração das realidades neidade é a disseminação de um as partes envolvidas.
sociais locais, o que, por sua vez, repertório de símbolos e objetos
vem conduzindo a desterritoriali- esvaziados de seus conteúdos par- No contexto de uma realidade
zações das referências culturais ticulares, mas compartilhados em definida por crescentes níveis de
tradicionais e à construção de uma escala global, no qual o universo interação em escala global entre
percepção da integração cultural do consumo passa a assumir uma os mais variados grupos sociais
do mundo. Ao mesmo tempo, con- função de integração social como humanos, a democracia somente
tudo, vem crescendo também a lugar privilegiado de uma dimi- poderá se efetivar como resultado
necessidade de manifestação nuída noção de cidadania. Por da complexa interação entre insti-
daquilo que é específico a cada outro lado, devido aos desafios, tuições sociais, econômicas e
um, seja esse um indivíduo, seja medos e reações por parte de gru- políticas nos mais variados de
um grupo cultural específico. pos culturais específicos quanto à poder. O Estado é ainda um perso-
questão da disseminação de nagem central dessas estruturas e
No que se refere aos seus aspectos padrões e modelos globais de exis- interações, mas não mais o único.
culturais, a Globalização apresen- tência, ocorre um processo de A presente multiplicação de ato-
ta, concomitantemente, dinâmicas autoafirmação dos modos locais res políticos (seja em escala local,
de integração como de fragmenta- de vida, que, na maioria das vezes, nacional, seja transnacional), alia-
ção, de inclusão como de exclu- tem conduzido a conflitos ou a da à crescente percepção dos limi-
são, de universalização de isolamentos intercivilizacionais. tes institucionais das estruturas
padrões de comportamentos como formais da democracia liberal,
Uma nova realidade sociopolítica
de diferenciação de referenciais e
que em nível global pudesse ser exige, pois, a formulação de
valores de vida. Conforme vimos, novos arranjos político-institucio-
constituída como minimamente
o resultado político mais visível
ordenada, estável e justa –e não nais que atendam às diferentes
que a Globalização cultural viria demandas e interesses, por parte
trazer, com as tendências atual-em um choque de civilizações
(Huntington, 1996)– envolveria a de distintos grupos socioculturais,
mente em curso, seria o aumento
partilha de uma série de normas e dentro das múltiplas esferas de
do nível de conflitos entre grupos
interação política de um mundo
códigos de conduta para a intera-
de origens culturais distintas pos-
cada vez mais interconectado.
tos em um contato aproximado e ção mútua nos processos delibera-
acelerado num mundo comprimi- tivos das políticas públicas globais De modo efetivo, a promoção de
do sob si mesmo. Acirramento de por parte de todos os atores políti- interações intersocietárias que
choques interculturais, este, sim,
cos relevantes. Da mesma, forma, possam ser definidas como har-
parece ser o cenário mais prová-arranjos institucionais capazes de mônicas dentro do atual contexto
vel da dinâmica de interação ace-
estabelecer maiores níveis de coo- da Globalização passa cada vez
lerada dada pela nova realidade peração no sistema global reque- mais pela reformulação das estru-
globalizada por meio de uma lógi-
rem também a existência de nor- turas de coordenação das dinâmi-
ca essencialmente mercadológica.mas e princípios definidores dos cas sociopolíticas globais, de
Mais do que fruto do destino, o comportamentos aceitáveis por modo a serem capazes de
fenômeno da Globalização se todos. Tais arranjos tendem a ser demonstrar aos múltiplos agentes
38 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

envolvidos nos processos de tomada de decisão que cista (competitiva e de mercado), a formulação de um
seus interesses, valores e demandas sociais são tidos projeto comum parece inviável.
como relevantes e serão, possivelmente, atendidos.
Uma estrutura de governabilidade global que seja No entanto, um mundo que se integra e apresenta
viável – devendo, portanto, ser de matriz democráti- dúvidas e ameaças é a mesma realidade que oferece,
ca – teria que se centrar na negociação política como provavelmente pela primeira vez na história huma-
alternativa à guerra, portanto, em formas alternativas na, a possibilidade de estabelecimento de contato e
de prevenção de conflito, na tolerância e na não dis- comunicação entre virtualmente todos os membros
criminação de grupos sociais por razões de alteridade. da espécie humana. A tecnologia de comunicação
Tais arranjos e lógica teriam, também, que ser capazes global se encontra já disponível. Caberia, ainda, con-
de garantir a manutenção da diversidade cultural dos tudo, que cada grupo cultural, assim como cada indi-
diferentes grupos humanos, operando por meio de víduo, assumisse seu futuro como parte de um desti-
agências de coordenação política em múltiplos níveis: no comum que apresenta (assim como os riscos e
subnacional, nacional, regional, supranacional ou custos da não execução de tal cenário) as potenciali-
transnacional. Somente uma lógica de governança dades da construção de um destino mais pacífico e
global percebida como resultando de contínuos pro- recompensador do que jamais antes visto.
cessos de acomodação de interesses sociais distintos, Referências
e envolvendo instituições formais e informais (cons-
trução de valores comuns via promoção do diálogo Appadural, Arjun (1994) ´Disjun-ção e diferença na
intercultural) de atuação poderá vir a ser viável, efeti- economia cultural global`, in M.Featherstone (ed.),
va e duradoura. Cultura Global: Nacionalismo, Globalização e
Modernidade. Pe-tropólis, Vozes.
Melhores níveis de entendimento das motivações de
cada parte envolvida em projetos de natureza global Barber, Benjamin (1995) Jihad vs. McWorld,, New
poderiam reduzir o temor que diversos grupos sociais York, Balentine Books.
manifestam com respeito a várias dinâmicas constitu-
Brown, Chris (1995). ´The International Realtions
tivas do fenômeno da Globalização. E são exatamen-
Theory and the Idea of World Community`, in Booth &
te maiores níveis de entendimento mútuo das motiva-
Smith, International Relations Theory Today. University
ções de cada grupo cultural que poderiam ser vislum-
Park, Pennsylvania State University, p.90-109.
bradas, pelo menos em tese, como resultado da
ampliação das esferas de coordenação e deliberação Featherstone, M; Lash, S.; Robertson, R. (ed.)
política em escala global, assim como do fortaleci- (1995) Global Modernities. London,SAGE.
mento dos canais de comunicação intercultural por
meio dos quais diversos atores sociais manifestam Gurr, Ted R. & Harff, Barbara (1994) Ethnic
seus projetos e valores de vida. A existência de inte- Conflict in World Politics. Boulder, Westview Press.
rações pacíficas entre grupos culturais distintos numa Hannerz, Ulf (1994) ´Cosmopolitas e Locais na Cultura
escala ampla é, pois, possível e desejável como proje- Global`, in M.Featherstone (ed.), Cultura Global:
to político que, no entanto, deve ser visto como parte Nacionalismo, Globaliza-ção e Modernidade.
de uma ampla série de esforços que buscam o estabe- Petropólis: Vozes.
lecimento de, não somente padrões de coexistência
entre grupos sociais de origem cultural distinta, mas Huntington, Samuel P. (1996) The Clash of
também de mecanismos capazes de fazer com que Civilizations and the Remaking of the World Order,
cada grupo se identifique como parte integrante de um New York, Simon &Schuster.
todo que partilha um destino comum. Dentro do
Juergensmeyer, Mark (1993) The New Cold War?
ambiente criado por um mundo cada vez mais integra-
Religious Nationa-lism Confronts the Secular State,
do, mas que até o momento manifesta uma lógica
Berkeley, University of California Press.
motivadora da ação política de inspiração economi-
39 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Ortiz, Renato (1994) Mundialização e Cultura. São Politics: a Theory of Change and Continuity.
Paulo, Brasiliense. Princeton, University Press.
Our Global Neighborhood the Report of the Ruggie, John (1993) ´Territoriality and Beyond:
Commission on Global Governance (1995). Oxford, Problematizing Modernity in International
Oxford University Press. Relations`, International Organization vol. 47, n. 1.
Pieterse, Jan N (1995) ´Globalization as Hybridization`, Santos, Boaventura de S (1997) ´Uma Concepção
in M.Featherstone;, S.Lash; R. Robertson, R. (ed), Multicultural de Direitos Humanos`, Lua Nova, n. 39.
Global Modernities. London, SAGE..
Smith, Anthony (1994. `Para uma Cultura Global`,
Robertson, Roland (1992) Globalization: Social in M.Featherstone (ed.), Cultura Global:
Theory and Global Culture. London, SAGE. Nacionalismo, Globalização e Modernidade,
Petrópolis, Vozes.
Rosenau, James (1990) Turbulence in World
40 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

La cooperación Sur-Sur.
Argentina y Brasil:
dos interpretaciones diferentes
María Gisela Pereyra Doval
Doutoranda do Consejo Nacional de Investigaciones
Científicas y Técnicas/Argentina. Professora da Facultad de Ciencia
Política y Relaciones Internacionales/Unviersidad Nacional de Rosario.

A
Actualmente, la cooperación
ctualmente, la cooperaciónSur-Sur se torna
Sur-Sur se tornaun tea Yiping Zhou (2002), la cooperación Sur-Sur ya no
tema central en la
un tema agenda
central ende
la los países
agenda de en
losdesarrollo.
países en es simplemente una opción, ahora es un imperativo,
A travésdesarrollo.
de ella seAbusca
travésladeinteracción entre
ella se busca la nues-
inte- si de verdad se pretende que el Sur sobreviva a las
tros países con vistas a subsanar, con recursos
racción entre nuestros países con vistas a subsanar, pro- turbulencias de la globalización.
pios, muchos problemas comunes, en contraposición
con recursos propios, muchos problemas comunes,
a lacontraposición
en cooperación clásica (Norte-Sur) clásica
a la cooperación que nos(Norte-
ha traí- Por esto, debido a la importancia que este tema
Sur) que nos ha traído más dolores de cabezas bien
do más dolores de cabezas que soluciones. Si que reviste no sólo para los gobiernos, sino también para
los ejemplosSi
soluciones. de bien
cooperación Sur-Surdea nivel
los ejemplos interna-
cooperación las sociedades nuestros países, en este trabajo nos
cional noa nivel
Sur-Sur siempre han arrojado
internacional los mejores
no siempre han resulta-
arroja- proponemos echar un poco de luz sobre la temática.
dos, como veremos en éste artículo,
do los mejores resultados, como veremos en cuando fueéste
ins- De esta forma, veremos qué es el Sur, las distintas
trumentalizada de manera sistemática
artículo, cuando fue instrumentalizada de maneray continua, interpretaciones o modos/modelos de cooperación
este tipo de cooperación
sistemática ha demostrado
y continua, este ser un meca-
tipo de cooperación ha Sur-Sur, y finalmente, las características que adopta
nismo útil para reducir la vulnerabilidad de nuestros en Argentina y Brasil.
demostrado ser un mecanismo útil para reducir la
países frente a los factores internacionales adversos.
vulnerabilidad de nuestros países frente a los facto- El imaginario social del Sur
res internacionales adversos.
Tanto económica como geográficamente, el hemis-
A fin de evitar que la historia se repita, los países en ferio Norte en realidad incluye a muchos países sub-
desarrollo están viendo la necesidad de construir desarrollados, y en el hemisferio Sur, forzosamente,
alianzas más poderosas y compartir las habilidades hay que contar a algunos países desarrollados. Por
necesarias para participar y negociar de manera más lo tanto, la línea del ecuador que separa territorial-
efectiva en los procesos multilaterales para que sus mente el Norte del Sur no es el límite real entre los
propios intereses no sigan relegándose. Como plan- dos hemisferios (Borja 2002).

1. La primera agrupaba a los países capitalistas (Primer Mundo),


A pesar de sus imprecisiones, la clasificación que
los países socialistas (Segundo), y los países en desarrollo (Tercer separa al Norte del Sur ha tomado fuerza por el
Mundo), la segunda teoría plantea que Estados Unidos y la Unión eclipse de otras: la que agrupaba a los países del
Soviética son el Primer Mundo, los países industrializados de Primero, Segundo y Tercer Mundo (agrupada en
Europa Occidental, Japón, Australia y Canadá son el Segundo cuanto al eje Este-Oeste) y también de la teoría de
Mundo, y los países en desarrollo el Tercer Mundo. Como se los tres mundos,1 ambas planteadas en función de
observa en las dos el Tercer Mundo es el mismo. su desarrollo económico. Sin embargo, la distinción
41 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

entre las dos esferas no es sólo sí en dimensión territorial, pobla- Por todo esto, y a pesar de la hete-
económica. La expansión a escala ción, recursos naturales, grados de rogeneidad mencionada anterior-
planetaria de una sola civilización desarrollo económico, cultura y mente, también existen patrones
en la que se conjugaban la misión regímenes políticos, aunque todos históricos y actuales comunes
cristiana y la búsqueda capitalista comparten la marginación de los entre los países del Sur, lo que per-
de mercados y de materias primas, beneficios de la prosperidad y del mite hablar de un imaginario social
conjuntamente con la hegemoni-
progreso (Borja, 2002). del Sur. En primer lugar, la situa-
zación de un único tipo de conoci-
miento,2 son procesos que se pro- ción del Sur no es una de retraso
A pesar de esta heterogeneidad, en términos de algún parámetro
dujeron en todos los países del lla- puede hablarse de un imaginario
mado Sur. La misión religiosa y el objetivo o con respecto al nivel de
social del Sur. Según Taylor la situación del Norte, sino que el
desprecio por todo lo que, desde (2004), un imaginario social no es
una concepción eurocéntrica del carácter socio-cultural del Sur res-
un conjunto de ideas; es más bien ponde en un alto grado a la presión
progreso, sólo se puede conside-
rar inferior y destinado a desapa- lo que hace posible las prácticas ejercida por el Norte. Sumado a
recer, se ha conjugado para dismi- de una sociedad, al darles un sen- esto, el estado de cosas logrado por
nuir e incluso borrar la heteroge- tido. Es el modo en que un grupo el Norte se debe en buena medida
neidad cultural de los países del de personas imaginan su existen- a su explotación del Sur.
Sur a favor de una creciente cia social, el tipo de relaciones
homogeneidad universal. que mantienen unas con otras, el Con el fin de la Guerra Fría ha
tipo de cosas que ocurren entre quedado en evidencia la confron-
No estamos ante una desigualdad ellas, las expectativas que se cum- tación entre un pequeño grupo de
pasajera de carácter técnico-eco- plen habitualmente y las imágenes países desarrollados, prósperos y
nómico, sino que se trata de una e ideas normativas más profundas dominantes, y el amplio sector peri-
división mucho más profunda que subyacen a estas expectativas. férico del planeta compuesto por los
cuyo análisis debe incluir las esfe- A su vez, en esta concepción países atrasados y dependientes de
ras de lo político, lo militar, el colectiva que hace posibles las África, Asia y América Latina, en
conocimiento, etc. Es la división prácticas comunes subyace un los que viven el 75% de la pobla-
que durante el siglo XIX, y poste- sentimiento ampliamente compar- ción mundial. Sin embargo, y pues-
riormente, se nombraba en los tér- tido de legitimidad. to que detrás de un imaginario
minos de la dualidad civiliza- social existe la idea de un orden
ción/barbarie, desarrollo/subdesa- Taylor (2004) plantea que nuestra moral -a través de la cual se conci-
rrollo, dominación/dependencia, idea de lo que estamos haciendo be la vida, y que puede, o no, estar
metrópolis/periferia, entre otros. (sin la cual no estaríamos reali- ligada al statu quo-, tenemos que
zando este acto) cobra sentido en retrotraernos a los años de la Guerra
Los países del Norte, que tienen el marco de una comprensión más
como eje a los siete de mayor desa- amplia de la situación: cuál es la Fría para encontrar la primera
rrollo industrial –congregados en relación que mantenemos entre expresión internacional por parte de
el G-7-, se resisten a todo cambio nosotros –en este caso los países los países del Sur de su imaginario.
que pueda poner en riesgo su hege- del Sur-, así como con el poder. Básicamente, nos referimos a la
monía; actúan en un frente común Esto abre, a su vez, perspectivas Conferencia de Bandung de 1955,
a pesar de sus discrepancias inter- más amplias respecto al lugar que y la posterior conformación del
nas. Los del Sur tienen mucha ocupamos en el espacio y en el Movimiento de Países No
menos homogeneidad, y su unidad tiempo: nuestra relación con otros Alineados (Noal) en 1961, en
se ve resquebrajada con frecuen- pueblos y naciones, y también donde los países del Sur, a pesar
cia; son países muy disímiles entre nuestra relación con la historia, el de su heterogeneidad, supieron
relato de cómo hemos llegado a alinearse en una tercera posición
2. Al respecto véase Lechini (2009). ser lo que somos, etc. conjugando sus elementos en
42 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

común para intentar modificar el situación poco ha cambiado, y la no violencia contra la mujer, la no
orden moral preexistente. Basado brecha entre países ricos y pobres discriminación de las minorías
en los Principios de Coexistencia se amplía aún más. raciales, el derecho a los recursos
Pacífica de Bandung -preservar naturales y a las condiciones
las independencias nacionales Cabe agregar que no sólo en el mínimas de salubridad, el derecho
frente a las dos superpotencias, no NOAL pueden observarse deman- a trabajar y al trabajo en condicio-
pertenecer a ningún bloque mili- das e ideas del imaginario social nes de justicia, el derecho a la tie-
tar, rechazar el establecimiento de del Sur. Existen otros grupos de rra, la lucha por la erradicación de
bases militares extranjeras, defen- países que también lo representan, la pobreza y de enfermedades
der el derecho de los pueblos a la como la Cepal, el G-77, distintos como el VIH Sida, la lucha en
autodeterminación y la indepen- organismos y grupos de presión contra de la militarización y la
dencia y luchar por un desarme tanto gubernamentales como no guerra, entre miles de otras proble-
completo y general, entre otros-, gubernamentales –G-20, Nama- máticas que representan las condi-
los objetivos políticos del Noal en 11, los movimientos antiglobali- ciones de vida de los pueblos de
la década del sesenta fueron cum- zación, entre otros-. múltiples países asiáticos, africa-
plidos, pudiendo, en esta instan- Asimismo, no se puede dejar de nos y latinoamericanos. A pesar de
cia, actuar en consecuencia de su mencionar aquellos movimientos la diversidad de las demandas,
imaginario social, al punto de sociales representantes de distin- podemos establecer, una serie de
poder modificar el orden moral tas porciones de la sociedad civil temas comunes a la mayoría de los
existente vigente desde el siglo o aquellos que los engloban como reclamos que se encuentran pre-
anterior; nos estamos refiriendo a los Foros Sociales. Este movi- sentes en los encuentros. Todos
la descolonización de un impor- miento promueve la construcción estos foros se manifiestan en con-
tante grupo de estados afroasiáti- y consolidación de un nuevo tra de la mundialización del neoli-
cos. El Noal ha contribuido de modelo de globalización como bearlismo y del libre comercio
forma innegable al triunfo de la mecanismo de resistencia a los manipulado por los centros de
lucha por la independencia nacio- impactos económicos, culturales y poder, a través de los organismos
nal y la descolonización, lo que le políticos que, en este tiempo, se internacionales financieros y
permitió mantener un importante han visto profundizados por dicho comerciales. Como podemos
prestigio diplomático. Sin embar- proceso. El movimiento social observar las demandas por parte
go, hay que reconocer que, según internacional, que empieza a de los países del Sur son amplias y
el imaginario del Sur, deja mucho tomar fuerza para finales de la variadas. Sin embargo, existe una
que desear en cuanto al tema de década del noventa, es la principal idea clara del imaginario social del
los derechos humanos y la demo- expresión de resistencia al modelo Sur basado en las mismas.
cracia, no en vano gran parte de dominante de gestión de desigual-
sus miembros han sido dictaduras Cooperación Sur-Sur. Distintas
dades (Adelantado, Noguera y formas de interpretación
que conculcaban esos principios. Rambla, 2000) resultante de la
El caso del objetivo económico confluencia de los procesos de Con respecto a la definición, o
(década del setenta) es distinto. A evolución del estado de bienestar alcances de la cooperación Sur-Sur
y de la globalización contemporá- existen básicamente dos grandes
pesar de la presión de éstos y del
nea. Hay también que tener en interpretaciones. La primera es más
G-77 en el seno de la Unctad, pro-
cuenta que son movimientos rei- abarcativa, o tiene un alcance más
ducto de las cuales surgió la
vindicatorios de diferentes general; la segunda es más acotada
Declaración sobre el Estableci- y se considera más técnica.
demandas que provienen de diver-
miento de un Nuevo Orden
sos orígenes y realidades naciona-
Económico Internacional, aproba- les. Grupos de todas partes del Lechini (2009) considera a la coo-
da por la Asamblea General de las planeta, que defienden la ecolo- peración Sur-Sur como una “coo-
Naciones Unidas en 1974, la gía, la identidad de los pueblos, la peración esencialmente política
43 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

que apunta a reforzar las relacio- interpretación. De hecho en fin de la Segunda Guerra
nes bilaterales y/o formar coali- Lechini (2009) específicamente se Mundial, sin que ninguna de estas
ciones en los foros multilaterales, mencionan la CTPD y la CEPD. causas sean excluyentes o exhaus-
para obtener mayor poder de Es decir, algunos autores encie- tivas con respecto a encontrar
negociación conjunto. Se basa en rran a la cooperación Sur-Sur razones. Por otra parte, la depen-
el supuesto que es posible crear netamente como de intercambios dencia irrestricta del centro de
una conciencia cooperativa que mutuos en lo referido a lo econó- referencia, en el caso argentino,
les permita a los países del Sur mico o tecnológico, mientras que contrasta notablemente con la
afrontar sus problemas comunes, otros la consideran un proceso opción norteamericana, en el caso
a través del reforzamiento de su mucho más amplio que tiene que brasileño. En el primero es nota-
capacidad de negociación con el ver con la sumatoria de fuerzas ble el alineamiento a-valorativo y
Norte y de la adquisición de para lograr resultados –quizás a poco instrumental –tanto con
mayores márgenes de maniobra plazos más largos- en todas las Gran Bretaña como con Estados
internacional” (ídem, 99-100). Es esferas estatales. Unidos-, lo que llevó a la
decir, se ve a la cooperación Sur- Argentina a una obediencia y fide-
Sur básicamente como a una res- Argentina y Brasil lidad sin cuestionamientos que no
puesta de la confrontación Norte- Brasil y Argentina son dos países pocas veces la perjudicó más que
Sur. Mediante la cooperación, los considerados del Sur. A pesar de ayudarla. En el segundo caso, el
países del Sur sumarían fuerzas y ser bastante homogéneos en cuan- alineamiento fue una opción entre
estarían más capacitados para res- to a diversos aspectos, algunas varias y la decisión de seguir al
ponder a las trabas impuestas por diferencias entre ellos de acuerdo centro fue tomada con arreglo
los países del Norte. con los avatares internacionales y más a intereses nacionales que a
sus respuestas ante los mismos valores poco beneficiosos para el
La segunda interpretación de la país. Estos pocos motivos podrían
cooperación Sur-Sur es mucho hacen que Brasil se destaque
internacionalmente de una forma explicar porqué mientras Brasil
más acotada, es de resultados buscó –y consiguió- alianzas con
inmediatos, y se basa en dos que Argentina sólo podría desear
hacerlo. Excede a este trabajo otros países del Sur, Argentina
dimensiones: la dimensión técnica quedó varios años estancada con
y la económica. Según el Informe analizar los motivos por los cuales
esto es así, sin embargo, valga arreglos más convenientes al cen-
Iberoamericano de Cooperación tro de referencia del país que a la
Sur-Sur (2008, 16), la coopera- resaltar la discontinuidad de la
política exterior argentina en con- propia Argentina.
ción técnica entre países en desa-
rrollo (CTPD) “se refiere a todo traste con la coherencia y conti- También podrían explicar el cam-
aquel proceso por el cual dos paí- nuidad de la brasileña. Este esce- bio en la percepción de paradig-
ses en desarrollo adquieren capa- nario no tiene una única justifica- mas en cuanto al multilateralismo
cidades individuales o colectivas ción, podría derivarse tanto de la y la cooperación Sur-Sur. Según
a través de intercambios coopera- diplomacia presidencialista de Biato (2007, 17), históricamente,
tivos en conocimiento, cualifica- Argentina versus la univocidad y
Argentina y Brasil, como el resto
ción, recursos y know how tecno- la autonomía decisoria de
de América Latina, entendió el
lógico”. Al mismo tiempo, la coo- Itamaraty, como de la continuidad
multilateralismo con otros países
peración económica entre países de la tradición política provenien-
del Sur en un sentido defensivo,
en desarrollo (CEPD) “se refiere te del Imperio versus la ruptura
como una forma de evitar la inje-
fundamentalmente a la coopera- absoluta con el orden político
rencia de los países desarrollados
ción que se establece en los ámbi- colonial, como así también de la
y conservar cierta autonomía. Sin
tos del comercio y las finanzas”. lectura más realista que realizó el
Barão do Rio Branco en cuanto al embargo, con el fin de la Guerra
Como podemos observar, la pri- giro norteamericano de Brasil y Fría –y, en algunos casos, ante-
mera interpretación de la coopera- que contrasta con la afiliación riormente- Brasil incluyó iniciati-
ción Sur-Sur abarca a la segunda Argentina a Gran Bretaña hasta el vas propias de inserción interna-
44 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

cional que podrían calificarse de ofensivas, en el Frente a esto, la cooperación Sur-Sur es una de las
sentido de actuar independientemente en lugar de pocas herramientas con las que cuentan los países
reaccionar ante las acciones de terceros países. De periféricos para alcanzar sus metas tanto económicas
esta forma, el nuevo paradigma conlleva iniciativas como políticas, las cuales redundarán a favor de sus
orientadas a mejorar la gobernabilidad global, desde objetivos sociales.
las coaliciones con países como Sudáfrica, China e
India, hasta los esfuerzos por reformar el Consejo de Brasil, mediante determinadas asociaciones estraté-
Seguridad de la ONU, o lograr que las naciones indus- gicas (Ibsa, Bric´s, G-4, etc.), no se ha quedado atrás
triales eliminen los subsidios agrícolas en la OMC. cuando se trata de sacar ventaja a nivel internacional
Lamentablemente, Argentina sigue actuando en con- y, de esta forma, poder cumplir y dotar de sentido a
secuencia de las acciones de terceros estados (inclui- su interés nacional. Argentina, desde una visión un
do Brasil), el país sigue hoy un derrotero en política poco pesimista, ni siquiera tiene un interés nacional
externa que la muestra sorprendida por los aconteci- definido y, definitivamente, entiende a la coopera-
mientos y reacciona lenta y a destiempo para la defen- ción Sur-Sur en sentido restringido.
sa de los intereses nacionales (Pereyra Mele, 2008). Referencias
Reflexiones Finales ADELANTADO, José; NOGUERA, José y RAM-
Los países subdesarrollados en general, y América BLA, Xavier (2000) ´El Marco de Análisis: Las
Latina, en particular, se han caracterizado tradicio- Relaciones Complejas entre Estructura Social y
nalmente por su marginalización en la escena inter- Políticas Sociales´, in Adelantado, J. (ed.) Cambios
nacional. Primero bajo la colonización y, desde las en el Estado de Bienestar. Políticas Sociales y
independencias, bajo la creciente dominación de los Desigualdades en España, Barcelona, Icaria-UAB.
países industrializados, los estados y las sociedades BORJA, Rodrigo (2002) ´La Cumbre del Sur`, pre-
latinoamericanas han buscado su manera de insertar- sentado en la XII Cumbre Iberoamericana de Jefes de
se en el mundo. Esta inserción se ha planteado desde Estado y de Gobiern, República Dominicana.
distintas vertientes, ya fuera a través de fuertes víncu- Disponible en http://www.cumbresiberoamericanas.
los con potencias europeas (por ejemplo, el caso com/principal.php?p=323.
argentino con Gran Bretaña), ya fuera convirtiéndose BIATO, Marcel Fortuna (2007) ´¿Qué está haciendo
en imperio con un monarca de origen europeo Brasil por la gobernabilidad global? Desafíos del mul-
(Brasil) o aspirando a una unión de la América tilateralismo afirmativo`, Nueva Sociedad 210, jul.-
Española fundamentada en las ideas bolivarianas. ago. Disponible en: www.nuso.org.
LECHINI, Gladys (2009) ´Argentina y Brasil en la
Independientemente del camino adoptado, el con-
junto de estados constató, a lo largo de la Guerra cooperación Sur-Sur`, en Lechini, G., Gonçalves, W.
Fría, su subordinación a la política exterior de las & Klagsbrunn, V. (comp.), Argentina y Brasil.
superpotencias y planteó la necesidad de formular y Venciendo preconceptos. Las variadas aristas de una
adoptar políticas propias de desarrollo en las que se relación estratégica. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2009.
enfatizaba el concepto de autonomía frente a la tra- PEREYRA MELE, Carlos (2008) ´Argentina: la polí-
dicional sensación de dependencia respecto a otros tica exterior, una deuda pendiente`. Disponible en
actores internacionales. Posteriormente, con el adve- http://www.redescristianas.net/2008/.
nimiento de la pos Guerra Fría, la justificación para STEINBERG, Federico (2008) ´El impacto de las
aplicar las políticas económicas emanadas del potencias emergentes en la economía mundial`, ARI
Consenso de Washington también fue la inserción de n.4, Real Instituto Elcano. Disponible en
nuestros países en la nueva arena internacional. http://www.realinstitutoelcano.org.
Dado que estas políticas no sólo no fueron exitosas, TAYLOR, Charles (2004) Modern Social Imaginary,
sino que profundizaron la situación de dependencia, Durham y Londres, Duke Univeristy Press.
la conmemoración de los bicentenarios de las inde- YIPING Zhou (2002), “Ampliando los puentes de la
pendencias latinoamericanas, nos obliga a repensar y cooperación Sur-Sur”, en Los nuevos paradigmas de
analizar las vías de inserción de estas sociedades. la Cooperación Internacional, Edición Nº 64, SELA.
45 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

A diplomacia brasileira e as
visões sobre a inserção externa do Brasil:
institucionalistas pragmáticos x autonomistas1
Miriam Gomes Saraiva
Professora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

A
política
A política externa
externa brasileira
brasileira é grossoé grosso modo mar-
modo marcada pela início do século XX que podem ser identificados
continuidade.
cada pela predominância
A continuidade. por muitos anos
A predominância por alusões em discursos ao destino de grandeza do
de ummuitos
paradigmaanos debaseado em umbaseado
um paradigma conjuntoem um de Brasil, por diferentes motivos. Acredita-se que o
crenças caracterizou
conjunto de crenças historicamente a tendência àa
caracterizou historicamente Brasil deve ocupar um lugar especial no cenário
convergência
tendência de pensamentos
à convergência o interior
de pensamentos do
o interior internacional em termos político-estratégicos. O
Ministério
do Ministériode de Relações
RelaçõesExteriores
Exteriores(Itamaraty).
(Itamaraty). Barão do Rio Branco apontava para as “similarida-
Segundo Vigevani
Segundo Tullo Vigevani et al (2008)
et al (2008) a posiçãoa posição do
do Brasil des” entre o Brasil e os Estados Unidos em termos de
Brasil afrente
frente a diferentes
diferentes temasserdeve
temas deve vistaserà vista
luz deà território, base étnica, diversidade cultural, e por
luz de constitutivos
fatores fatores constitutivos
da políticadaexterna,
políticaenraizados
externa, estarem em meio a países hispânicos. Em 1926 e em
enraizados
na sociedadena sociedade
e no e no estado
estado brasileiros: brasileiros:e ao
a autonomia 1945 a governo brasileiro pleiteou um assento per-
autonomia e o Neste
universalismo. universalismo. Neste caso, o univer-
caso, o universalismo corres- manente no Conselho de Segurança da Liga das
salismoàcorresponde
ponde ideia de estar à ideia de estar
aberto para aberto
manterpara man-
relações Nações/Nações Unidas. No início dos anos 70,
ter relações
com todos oscom todosindependentemente
países, os países, independentemente
de localiza- Araújo Castro (1972), ex-chanceler e embaixador
de localização
ção geográfica, geográfica,
tipo de regimetipo ou
de opção
regimeeconômica.
ou opção brasileiro na ONU, afirmava que “poucos países no
econômica.
Significa umaSignifica uma independência
independência de compor-
de comportamento em mundo detêm as possibilidades de irradiação diplo-
tamento
relação àem relaçãohegemônica
potência à potência hegemônica
e pode ser evinculado
pode ser mática do Brasil” e “nenhum país escapa a seu desti-
vinculado ao comportamento
ao comportamento de “global de “global
player”. A player”.
autonomia A no e, feliz ou infelizmente, o Brasil está condenado à
autonomia é definida
é definida como como de
a margem a margem
manobradeque manobra
o país grandeza”. Com a eleição de Lula da Silva, este tema
que
tem onas
país temrelações
suas nas suascomrelações
demaiscom demaise Estados
Estados em sua retorna à pauta de debates sobre política externa.
eatuação
em suanaatuação
políticanainternacional.
política internacional.
Estas crenças perpassam a sociedade brasileira em
Subjacente à idéia de universalismo e autonomia termos mais gerais, mas podem ser mais claramente
está uma crença histórica na sociedade brasileira e identificadas na corporação diplomática. A forte pre-
entre os formuladores da política externa: desde o sença histórica do Itamaraty no arranjo institucional
brasileiro vis a vis a política exterior, junto com seu
poder de burocracia especializada, contribuiu para a
1. Este artigo foi elaborado para a Fundación Real Instituto concentração da formulação da política externa e
Elcano/Espanha para um comportamento mais estável pautado por
46 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

padrões normativos. Este concen- agenda internacional na socieda- e aplicação da política externa.
tração torna a política externa de. Estes dois processos desafia-
menos vulnerável a ingerências ram a formulação tradicional de Em termos econômicos, apesar
diretas da política doméstica. política externa e abriram espa- da exaustão do modelo de
ços para a consolidação de cor- industrialização baseado na
No entanto, quando se busca exa- substituição de importações,
minar com mais atenção o que se rentes de pensamento diferencia-
das – e identificadas com setores seu êxito para o crescimento
esconde por detrás do discurso de econômico brasileiro propor-
continuidade, pode-se encontrar políticos distintos- dentro do pró-
prio Itamaraty. cionou o desenvolvimento de
diferenças de prioridades e estra-
setores desenvolvimentistas
tégias de implementação da polí- A chegada de Collor de Mello à
tica externa. As crenças orientam fortes e estáveis. Gerou uma
presidência trouxe à arena do estrutura industrial complexa e
a formulação de comportamentos
processo decisório de política diversificada. Assim o pensa-
baseados em premissas realistas,
externa uma corrente liberal, mento plenamente liberal que
definidas a partir da estratégia de
desenvolvimento nacional e de minoritária no Itamaraty, mas inaugurou os anos 90 não teve
determinados cálculos dos for- seu impeachment reduziu suas êxito após o impeachment de
muladores de política externa influências até os dias atuais. Collor, e foi substituído por um
que variam de acordo com a Esta corrente propunha que a equilíbrio que se perpetua
visão política e percepção destes diplomacia brasileira abandonasse desde então: um pensamento
formuladores do que seriam inte- o discurso terceiro-mundista e pri- mais favorável à abertura
resses nacionais, conjuntura vilegiasse basicamente as relações econômica embora sem abrir
internacional e outras variáveis com países do “Primeiro Mundo” mão da política industrializante
mais específicas. E, mais recen- como caminho para vir a fazer adotada no período desenvolvi-
temente, atores da política em parte dele (deixando de lado um mentista, e um pensamento mais
termos gerais vêm demonstrando pouco os princípios normativos já tradicional, nacionalista e desen-
interesses e visões próprias sobre citados). No entanto, mesmo volvimentista que defende o
a inserção internacional do país. durante o governo de Collor, a tra- desenvolvimento baseado na
A partir dos anos 90, segundo dução destas idéias em ações ampliação de setores de
Lima (2000), na medida em que a externas foi limitada. A tradição infraestrutura e de uma projeção
agenda de política externa foi do Itamaraty teve um peso impor- industrial no exterior.
ganhando espaço nos marcos das tante no sentido da continuidade.
políticas públicas e tornando-se Independentemente do reforço do Os institucionalistas pragmáticos
objeto de interesse de diferentes grupo liberal, na gestão de Collor Os institucionalistas pragmáticos
setores da sociedade, o monopó- houve uma crise de paradigma de compõem uma corrente de pensa-
lio do Itamaraty na formulação política externa que pôs em mento e ação no Itamaraty que se
de políticas e do que seria apre- xeque os padrões de comporta- fortaleceu e consolidou durante o
sentado como “interesses nacio- mento então adotados, que governo de Fernando Henrique
nais” do país foi perdendo pro- levou à divisão no interior da Cardoso, na gestão do chanceler
gressivamente sua centralidade. Chancelaria em basicamente Luiz Felipe Lampreia. No campo
A abertura da economia contri- duas correntes de pensamento econômico, são favoráveis a um
buiu para a politização da políti- –aqui definidas como autono- processo de “liberalização condi-
ca externa em função da distri- mistas e institucionalistas prag- cionada” e em no espectro parti-
dário encontram identidade prin-
buição desigual de seus custos e máticos- com visões diferentes
cipalmente no PSDB mas tam-
ganhos, enquanto a consolidação sobretudo sobre as estratégias e bém DEM. Este grupo é chamado
democrática fomentou debates e prioridades de comportamento por alguns autores de forma
preferências sobre temas da e que influenciam a formulação imprecisa de “liberais”.
47 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Sem abrir mão das visões de tica, a inflexão mais relevante da entende por soberania nacional.
mundo da política externa brasilei- política externa foi a adoção do Ao contrário, buscou sempre evi-
ra de autonomia, universalismo e conceito de “soberania comparti- tar que um arranjo de integração
destino de grandeza, os institucio- lhada”, diferente do conceito clás- viesse a obstacularizar o compor-
nalistas pragmáticos priorizam o sico de soberania. Esta visão tamento brasileiro vis a vis outros
apoio do Brasil aos regimes inter- identificava um mundo marcado parceiros externos e sua projeção
nacionais em vigência, desde uma por um “concerto” de países com no cenário internacional. Na
estratégica pragmática. Esta postu- discurso homogêneo em defesa de esfera regional a idéia de autono-
ra, porém, não significa uma alian- valores universais, junto com a mia aparece com mais força.
ça a priori com países industriali- tendência à formação de regimes
zados mas sim a identificação da para garanti-los. Segundo o No segundo mandato de Cardoso
regulamentação das relações inter- Embaixador Gelson Fonseca os países da América do Sul
nacionais como um cenário favo- (1999), uma das condições da foram identificados mais clara-
rável ao desenvolvimento econô- manutenção deste “concerto” mente como parceiros importan-
mico brasileiro uma vez que as seria a importância da adaptabili- tes para o fortalecimento da atua-
regras do jogo devem ser seguidas dade da liderança norte-americana ção brasileira como global player
por todos os países incluindo os às demandas das potências e, em – a consolidação de um processo
mais ricos. O papel que o país segunda instância, dos países de integração regional fortalece-
pode assumir em cenários de geo- menores. Este cenário abriria ria a posição negociadora do
metria variável deve ser, ao espaços para o Brasil -numa busca Brasil em diferentes foros multi-
mesmo tempo, de apoio a regimes de mecanismos para ampliar sua laterais. A diplomacia iniciou
e valores internacionais, e de críti- capacidade de atuação internacio- uma modesta revisão do compor-
ca no que diz respeito às diversas nal- adotar uma posição que não tamento tradicional brasileiro
distorções que ocorrem na ordem significasse nem alinhamento aos frente à região pautado pela idéia
internacional levadas a cabo mui- Estados Unidos e nem postura de da não-intervenção. A partir de
tas vezes pelas próprias potências free rider. Isto significou também uma perspectiva de apoio aos
(Vigevani et al 2003) . Dentro desta uma modificação no conceito de regimes e valores internacionais,
perspectiva, a diplomacia buscou autonomia: a idéia da “autonomia o governo brasileiro buscou
um comportamento ativo nos pela integração” se firmou, em construir sua liderança na área a
foros multilaterais caracterizado detrimento da autonomia buscada partir do binômio segurança e
pela expressão “global player” e anteriormente visando à distância estabilidade democrática, estabe-
manteve, nos marcos das Nações ou a autossuficiência. lecendo vínculos fortes com os
Unidas, a candidatura brasileira a um países vizinhos e atuando como
assento permanente no Conselho de Como terceiro traço importante, mediador em situações de crise
Segurança. Optou pela adesão a regi- os institucionalistas pragmáticos quando chamado para tal.
mes internacionais já estabelecidos defendem a construção de uma Segundo Villa (2004) a aceitação
na área de segurança internacional. liderança brasileira na América da ideia da democracia como
do Sul, mas com moderação e valor universal contribuiu para
Esta corrente defende também a com base nas idéias de estabili- que a diplomacia brasileira esta-
ideia de uma inserção internacio- dade democrática e desenvolvi- belecesse um consenso em torno
nal do país a partir de uma nova mento de infraestrutura. Na da vinculação entre democracia,
visão dos conceitos de soberania e região, porém, a aplicação da integração regional e perspecti-
autonomia, aonde os valores glo- idéia de soberania compartilhada vas de desenvolvimento. Em
bais devem ser defendidos por não ocorreu; durante o governo 2000 foi dado início à construção
todos. No início do governo de de Cardoso, a diplomacia brasi- da Comunidade Sulamericana de
Cardoso, com o fortalecimento da leira não buscou superar dentro Nações com base nas duas idéias
corrente institucionalista pragmá- do continente os limites do que defendidas pelos institucionalis-
48 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

tas pragmáticos: preservação da ra à crise vivida pelo governo do mandato, os defensores de um


democracia, e incentivo à inte- paraguaio, em 1996, e na criação perfil mais autonomista de política
gração econômica e de infraes- posterior da Cláusula Democrá- externa criticaram a preferência
trutura da região (que se materia- tica. Mas, no que diz respeito às dos institucionalistas pragmáticos
lizou na formação da Iirsa). iniciativas brasileiras em relação a por ações mais moderadas dentro
terceiros Estados no campo políti- dos marcos do quadro institucio-
No que diz respeito ao Mercosul, co, é visto como importante a pre- nal internacional como melhor
os institucionalistas pragmáticos servação da autonomia brasileira alternativa para garantir o êxito de
identificavam-no com um instru- no campo de política externa. objetivos de longo prazo.
mento para aumentar os ganhos do
país em termos econômicos dando Por fim, um item não menos impor- Os autonomistas
prioridade para a integração tante em função de sua continuida-
comercial. Mas estabeleceu-se no de: a postura frente aos Estados A segunda corrente da diplomacia
interior do Itamaraty uma conver- Unidos. Durante o governo de é aqui chamada de autonomista
gência com os autonomistas em Itamar Franco a diplomacia brasi- (embora seja também conhecida
torno de sua evolução que defen- leira havia feito um movimento como nacionalista). Em termos
dia um modelo baseado em uma para “desdramatizar” as relações. econômicos, os autonomistas são
união aduaneira incompleta, no Na perspectiva dos institucionalis- mais ligados à perspectiva desen-
não-aprofundamento da integra- tas pragmáticos isto significou con- volvimentista e, em termos políti-
centrá-las em torno de divergências
ção política e no baixo perfil insti- cos, são ligados a grupos mais
tucional. Em seu ponto de vista, o tanto em temas da organização do nacionalistas que, embora não
bloco atuaria como um reforço comércio internacional e do prote- sejam originários do PT, estabele-
para a inserção internacional do cionismo dos países desenvolvidos ceram uma interação importante
Brasil, sem os condicionamentos quanto em temas relacionados ao com o governo do presidente
próprios de um mercado comum processo de integração do conti- Lula. Diferentemente dos institu-
ou de traços supranacionais. Com nente americano, mas sem enfren- cionalistas pragmáticos, dão
esta perspectiva, a integração tamentos e mantendo um baixo maior destaque para as crenças
comercial assumiu um papel perfil brasileiro. A perspectiva da sobre a autonomia, o universalis-
importante nos marcos do regiona- construção de uma liderança brasi- mo e, acima de tudo, o fortaleci-
lismo aberto e a institucionaliza- leira no continente sulamericano mento da presença brasileira na
ção do bloco não era vista como complexifica por si as relações com política internacional.
necessária limitando-se a quando a potência hegemônica da região
potencializasse a sua capacidade fazendo com que não haja alianças A corrente autonomista ascendeu
de produzir benefícios econômi- de médio ou longo prazo em temas aos cargos de destaque dentro da
cos. Esta visão oscilou entre, nos regionais. Neste cenário, a priorida- diplomacia brasileira e consoli-
piores momentos, a defesa de uma de brasileira em termos de integra- dou-se como grupo com o manda-
área de livre comércio e, em ção foi com o Mercosul e foram to de Lula nas figuras do chance-
outros, em uma aceitação de uma sendo colocados obstáculos ao ler Celso Amorim e do secretário-
união aduaneira incompleta. desenvolvimento das negociações geral Samuel Pinheiro Guimarães.
para formação da Área de Livre Seu primeiro traço - e mais mar-
Na dimensão política, o Mercosul Comércio das Américas (Alca).
foi visto como um instrumento de cante - é a defesa de uma projeção
reforço da capacidade negociado- Em termos gerais, para esta cor- mais autônoma e ativa do Brasil
ra brasileira, proporcionando-lhe rente e durante o período de na política internacional. A con-
um maior peso na arena interna- Cardoso, as crenças na autonomia, vicção demonstrada pelos regimes
cional e houve uma clara preocu- no universalismo e no destino de internacionais é menor, dando
pação com a defesa da democra- grandeza foram tratadas com destaque para um comportamento
cia em seus Estados membros que menos vigor, e maior relevância mais ativo com vistas a modificá-
se materializou na reação brasilei- foi dada ao pragmatismo. No final los em favor dos países do Sul ou
49 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

em benefício próprio. A diploma- nal”, “população”, “produto inter- diz respeito à configuração do
cia do governo Lula caracterizou- no bruto”, “recursos naturais”-e poder na América do Sul. Em ter-
se pelo esforço articulado visando com interesse no reordenamento mos gerais o governo brasileiro
tornar o país uma liderança regio- do sistema internacional. Docu- vem atuando, como no governo
nal e incrementar a sua ascensão mento do Itamaraty de 1994, da anterior, de forma autônoma no
para a posição de potência global. primeira gestão de Celso Amorim, que diz respeito aos problemas do
dizia que “países que não estão continente sulamericano. Não há
Dentro desta perspectiva, defen- coincidência de opiniões quanto à
integrados estruturalmente a áreas
dem uma reforma institucional forma de tratar estes temas e não
mais amplas, que vêem na globali-
das Nações Unidas que abra espa- se coloca a possibilidade de se
zação a possibilidade de realizar
ços para que o país ocupe um construir uma atuação articulada.
sua condição de potência e de não
assento permanente no Conselho Por outro lado, não há enfrenta-
serem levados a optar por um
de Segurança. Como credenciais mentos. A opção é por manter
esquema de associação periférica a
para a candidatura brasileira, baixo perfil em termos políticos
uma das três grandes áreas [...] são no que se refere a áreas de diver-
optaram por defender aspectos
os candidatos naturais a ter lugar gências. Seguem os desacordos
mais distributivos do comércio
de destaque na nova ordem mun- em relação às regras do comércio
internacional e problemas de
dial” (citado por Barros 1994). internacional e as negociações da
fome e pobreza que afetariam a
estabilidade internacional (o Com vistas a este objetivo, a diplo- Alca, se no governo anterior
combate ao terrorismo não foi macia brasileira liderada pelos auto- foram obstacularizadas, com o
assumido como prioridade). A nomistas atuou ativamente na defe- governo Lula foram encerradas
partir da crise econômica de 2008 sa da perspectiva brasileira nas como fracasso para o projeto nor-
negociações realizadas na OMC teamericano. Como diferença, a
e da consequente instabilidade da
através de ação conjunta com outros participação mais autônoma do
ordem internacional, o Itamaraty
países em desenvolvimento. O pri- Brasil na política internacional e
dos autonomistas vem buscando os impulsos reformistas da ordem
aproveitar todos os espaços aber- meiro G-20, formado por países
como Índia, China e África do Sul, internacional criam novas áreas
tos pela classificação do Brasil de atrito entre os dois países.
como um dos Brics e tem partici- tornou-se um fórum importante de
pado de forma proativa de foros atuação da diplomacia brasileira Em relação à América do Sul os
logrando condicionar os avanços autonomistas defendem um proje-
multilaterais como o G7 (como
das negociações da OMC. Além da to claramente estruturado com
convidado), o Grupo dos 22 e as
idéia de formar parcerias para modi-
vistas à construção da liderança
negociações relativas ao meio
ficar a ordem internacional, estado Brasil na região, e recebem
ambiente. O ativismo no sentido cooperação se baseia no intercâm-
de maior presença internacional influência de pensadores de cunho
bio tecnológico e na não-interven-
nacionalista que identificam o
cresceu de forma significativa. ção nos assuntos internos dos par-
Brasil como o país mais importan-
No marcos de um comportamento ceiros (a defesa do regime democrá-
te “ao sul do Equador” e capaz de
reformista da ordem internacio- tico mais presente durante o período
influenciar os demais por ter atri-
nal, os autonomistas têm preocu- de Cardoso nesta esfera não é rele-
butos especiais como população,
vante). Como iniciativa importante,
geografia e economia. Assim, o
pações mais de caráter político-
foi criado o Fórum de Diálogo Ibsa
processo de integração sob a lide-
estratégico em relação ao embate
(Índia, Brasil e África do Sul). rança brasileira é considerado
Norte/Sul e buscam uma aproxi-
mação com outros países conside- No que diz respeito aos Estados prioritário e paralelo à trajetória
rados emergentes que teriam Unidos, a percepção tem alguma de ascensão do país na política
características comuns com o semelhança com a dos institucio- internacional; é identificado como
Brasil: -“dimensões continentais”, nalistas pragmáticos, porém com o caminho para melhor inserção
“reconhecida importância regio- um viés mais competitivo no que internacional e que possibilitaria a
50 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

realização do potencial brasileiro obras de infraestrutura em outros conomia. A percepção formulada


e da formação de um bloco capaz países sulamericanos, embora pelos autonomistas prioriza uma
de exercer influência internacio- conduzidas por empresas brasilei- ampliação do bloco através da
nal. Com este objetivo, a diploma- ras. A cooperação ao desenvolvi- entrada de novos Estados ou da
cia de Lula buscou dar um novo mento em alguns setores começa formação da Unasul. O Mercosul
impulso à construção de uma lide- a ser implementada com países é visto como um instrumento
rança com padrões de soft power. vizinhos – neste caso, trata-se da capaz de proporcionar ao Brasil
Recuperou em parte os princípios cooperação como instrumento de um melhor posicionamento regio-
da não-intervenção e incluiu em política externa. nal, assim como atuar na esfera
sua agenda um projeto articulando comercial abrindo caminho para a
principalmente os processos de O papel de paymaster e este tipo formação de uma área de livre
cooperação e integração regional de cooperação com países vizi- comércio na região. Mas, atual-
às perspectivas de desenvolvi- nhos são temas que provocam mente, o caráter comercialista que
mento nacional. resistências internas. A dívida marcou o Tratado de Assunção é
social e os desequilíbrios regio- considerado já ultrapassado.
Para este grupo a Unasul vem nais do país são argumentos para
sendo o principal canal de ação os opositores. Mas, na prática, Em termos gerais, o reflexo desta
multilateral do Brasil na região. atualmente o debate já se tornou corrente na política externa resul-
Por um lado, tem um caráter estri- público e já existe uma associação tou no convívio entre autonomia,
tamente intergovernamental e de entre liderança brasileira e os cus- ampliação da presença internacio-
institucionalidade muito baixa, o tos de sua construção por parte de nal e busca de situações favoráveis
que garante a margem de autono- membros do executivo e políticos ao desenvolvimento nacional a par-
mia brasileira frente a seus parcei- de diferentes partidos. tir de um padrão proativo, que equi-
ros na organização e em suas rela- librou crenças com pragmatismo.
ções com países fora da região. O comando brasileiro das Forças
Por outro lado, é um mecanismo de Paz da ONU no Haiti atende a O Partido dos Trabalhadores e
importante através do qual a dois objetivos. Por um lado, é uma a percepção de política externa
diplomacia brasileira vem atuan- iniciativa para consolidar a lideran-
ça brasileira na região, aglutinando Por fim, e de forma lateral, desen-
do com vistas a construir posições volveu-se um grupo de caráter
comuns com os países vizinhos parceiros sulamericanos sobre sua
liderança, marcando presença na mais ideológico com poucos vín-
frente a situações de crise, e bus- culos históricos com a diploma-
cando sempre ocupar o papel região e exercendo o papel de pay-
master arcando com alguns custos. cia, mas que, durante o governo
principal em seu interior. Lula, estabeleceu um diálogo
Por outro lado, visa aumentar o
Os autonomistas, defensores do peso do país no cenário internacio- importante com o Itamaraty e
pensamento desenvolvimentista, nal. Neste caso, o Brasil lidera uma exerceu alguma influência em
identificam a integração como um força de imposição de paz, o que decisões de política externa
instrumento de acesso a mercados significa uma revisão dos preceitos (sobretudo em relação a temas
externos, e como elemento capaz tradicionais de uma política exter- sulamericanos). Sua origem está
de abrir novas perspectivas para a na não-intervencionista. em acadêmicos e lideranças polí-
projeção das indústrias brasileiras ticas que, durante o governo Lula,
no exterior. Progressivamente, Em relação ao Mercosul, a visão conseguiram espaços de atuação.
vêm também aceitando a perspec- autonomista coincide com algu- Diferentemente da tradição de
tiva do Brasil exercer o papel de mas idéias dos institucionalistas concentração na formulação de
paymaster na região, bancando pragmáticos: a defesa da baixa política externa, o presidente Lula
alguns dos custos de um processo institucionalidade e a manutenção convocou a Marco Aurélio
de integração. O BNDES come- da autonomia brasileira nos cam- Garcia, então secretário de
çou, neste governo, a financiar pos de política externa e macroe- Relações Internacionais do PT,
51 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

para prestar-lhe assessoria. Chegando já ao final do Conclusão


mandato, o partido apresentou uma proposta de
montar um “conselho” de política externa composto Embora não seja desenvolvido neste artigo, a ascen-
por ONGs e movimentos sociais em geral. Trata-se são do Brasil neste novo, multipolar e fragmentado
de uma visão mais difusa que perpassa diferentes cenário internacional que se organizou pós 11-
níveis do aparato governamental. setembro e após a crise de 2008, e a eleição de
governos antiliberais na América do Sul, foram ele-
Esta visão é em sua origem orientada basicamente mentos que influenciaram as percepções dos autono-
para o processo de integração com países da América mistas e que podem ainda trazer novidades nos mar-
do Sul e com o Mercosul. Propõe um aprofundamen- cos do pensamento institucionalista pragmático. O
to do processo de integração em termos políticos e peso próprio do Itamaraty e o fato de ser uma corpo-
sociais a partir da crença na existência de uma iden- ração forte contribuem para que haja um núcleo
tidade própria da região. Dentro desta perspectiva, comum entre as duas correntes, assim como colabo-
apóia as iniciativas de governos antiliberais e refun- ram para uma continuidade mesmo na mudança.
dadores da região e propõe algum tipo de solidarieda- Mas a consolidação do regime democrático, os efei-
de difusa com os países do continente. Defende um tos da globalização e a própria ascensão do Brasil no
compromisso brasileiro de arcar com os custos da cenário internacional tendem a trazer cada vez mais
integração regional. Segundo Garcia, “Não queremos os temas internacionais para a agenda doméstica dos
que o país seja uma ilha de prosperidade em meio a políticos, da imprensa e da sociedade civil em geral.
um mundo de miseráveis. Temos que ajudá-los sim. Esta propagação dos debates de política externa no
Essa é uma visão pragmática” (citado por Dieguez, país terá certamente um impacto sobre a formulação
2009). Esta posição teve influência sobre os autono- de comportamentos e as visões de política externa e
mistas do Itamaraty convergindo no sentido de um percepções da política internacional no interior da
comportamento brasileiro mais proativo na coopera- diplomacia brasileira abrindo espaço para visões
ção com os países vizinhos, e na aceitação das dife- mais diferenciadas e influenciadas mais fortemente
rentes opções políticas que se abrem na região. Esta pela política.
convergência ressalta a idéia de autonomia da políti-
ca externa do país e cria obstáculos para que o gover- Referências
no brasileiro atue como elemento ordenador da polí- Araújo Castro, J.A. de (1972) ‘O congelamento do
tica na região dentro de moldes liberais. Poder Mundial`, Revista Brasileira de Estudos
Políticos n.33, Belo Horizonte, UFMG, jan. p.7-30.
Em relação ao Mercosul são favoráveis à institucio-
nalização e ao aprofundamento do processo de inte- Barros, Sebastião do R. (1994) O Brasil e a Rússia,
gração em termos políticos e sociais: a entrada em in G.Fonseca Júnior & S.H. Nabuco de Castro (eds),
vigor do Protocolo de Olivos, a formação do Temas de Política Externa II – volume 2. Brasília,
Parlamento do Mercosul e a criação do Focem são FUNAG/Editora Paz e Terra.
resultantes desta perspectiva. Mas convergem com
os autonomistas ao identificarem o regionalismo Dieguez, Consuelo (2009) ‘O Formulador Emotivo`,
aberto que deu base para o Tratado de Assunção Piauí, n.30, março, p.20-24.
como superado. Fonseca Jr, G. (1999) ‘Anotações sobre as condições do
Este grupo não pertence aos quadros do Itamaraty e sistema internacional no limiar do século XIX: a dis-
pode ser passageiro, mas teve alguma influência tribuição dos pólos de poder e a inserção internacional do
durante o governo na composição da política exter- Brasil`, in G.Dupas e T.Vigevani (eds.), O Brasil e as
na brasileira do período. E pode significar um novas dimensões da segurança internacional, São Paulo,
primeiro movimento importante de reflexões sobre Alfa-Omega/Fapesp, p.17-42.
política externa que se situa no espectro da política Lima, Maria Regina S.de (2000) Instituições
fora da corporação diplomática.
52 | Mural Internacional
Ano I, nº 1
Jan | Jun 2010

Democráticas e Política Exterior. Contexto Internacional regional para o Brasil: universalismo, soberania e
vol.22 n.2. Rio de Janeiro, jul./dez, p.265-303. percepção das elites, Revista Brasileira de Política
Internacional Ano 51 n.1, p.5-27.
Vigevani, Tullo; Oliveira, Marcelo F.; Cintra, R.
(2003) A política externa do governo Cardoso: um Villa, Rafael D. (2004) ‘Brasil: política externa e a
exercício de autonomia pela integração. Tempo agenda democrática na América do Sul`, Trabalho
Social, n. 20, nov. p.31-61. apresentado no 4to. Encontro Nacional da ABCP,
Rio de Janeiro, PUC-Rio, 21-24/jul.
Vigevani, Tullo.; Favaron, G.de M.; Ramanzini Jr,
H.e Correia, R.A (2008) O papel da integração

‫ﱦﱥﱤ‬

You might also like