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A HIPÓTESE E A EXPERIÊNCIA CIENTÍFICA EM

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIA: CONTRIBUTOS PARA


UMA REORIENTAÇÃO EPISTEMOLÓGICA
João Praia
1

António Cachapuz
2

Daniel Gil-Pérez
3

Resumo: O presente artigo desenvolve-se em torno do estatuto epistemológico da hipótese e da expe-


rimentação, numa perspectiva de transposição para o campo da Educação em Ciência. Não se trata de
olhar aquela vertente pela estrita óptica dos epistemólogos, mas centrar a nossa atenção na busca e apro-
priação crítica de elementos fundamentadores de uma teorização para a Educação em Ciência, por sua
vez também necessária para orientar práticas educacionais.
Unitermos: epistemologia, hipótese, experiência científica, educação em ciência.
Abstract: In this paper we study the epistemological status of hypotheses and experimentation, not for the sake
of epistemology but in order to better orient science teachers education and theirs teaching.
Keywords: epistemology, hypothesis, experimentation, science education.
Introdução
Este trabalho situa-se no quadro de um conjunto de três artigos articulados entre si,
a serem publicados na revista Educação & Ciência, e têm em vista discutir problemáticas liga-
das à epistemologia do trabalho científico. O primeiro "Por uma imagem não deformada do
trabalho científico", foi já editado e desenvolveu-se em torno de uma crítica fundamentada
às concepções, mais habituais, dos professores sobre tal trabalho, apresentando uma extensa
bibliografia capaz de ajudar a melhorar e organizar a sua formação. O segundo encontra-se no
prelo e refere-se à observação e à teoria científicas, bem como à sua complexa relação, sendo
aí focadas incidências para uma adequada atuação do professor em nível das estratégias de
ensino. O presente artigo, o terceiro, é uma tentativa de resposta às questões e às dificuldades
encontradas nas práticas letivas, devido a posições epistemológica marcadamente positivistas,
no que diz respeito ao estatuto da hipótese e da experimentação.
Na unidade enunciada nos três artigos, o que se procura é contribuir para uma vira-
gem na Educação em Ciência mais congruente com posições epistemológicas contemporâneas.
A hipótese em ciência
Numa perspectiva de pendor empirista a hipótese tem um papel apagado e insere-
se num processo de verificação em que o exame exaustivo dos fatos é determinante para a sua
elaboração. No entanto, na perspectiva racionalista contemporânea, que aqui interessa salien-
tar, a hipótese intervem ativamente, desempenhando um importante papel na construção do
conhecimento científico.
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Ciência & Educação, v. 8, n. 2, p. 253-262, 2002
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Professor Associado, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, Portugal (e-mail: jfpraia@fc.up.pt)


2

Professor Catedrático, Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Portugal (e-mail:
cachapuz@dte.ua.pt)
3

Professor Catedrático, Departamento de Didáctica de lãs Ciências Experimenales, Universidade de Valencia, Espanha.
(e-mail: Daniel.gil@uv.es)
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Ainda que nos interesse aqui discutir mais o contexto da prova e menos o da desco-
berta, ou o modo como são geradas, o que se pode aventar é que se trata de um processo com-
plexo que pode ter origem na imaginação fértil, inspiradora, porventura em idéias especulati-
vas, às qual subjaz um fundo reflexivo.
A Enciclopédia Einaudi (1992) diz-nos que "aquilo que hoje em dia, no discurso
científico classificamos de hipótese, apenas pode ser considerado como uma paragem provisó-
ria do pensamento, seja por conjecturar um facto descrito de modo a ser susceptível de ser esta-
belecido ou refutado no quadro dos termos que o definem, seja por propor um conceito que
justifique provisoriamente a sua coerência e eficácia no raciocínio explicativo dos fenômenos
observados ou provocados".
Entretanto, para nós, o que está em causa é, neste momento, a questão da prática
científica e de que forma é que ela nos ajuda e dá ensinamentos para o ensino das ciências.
Assim, a prática científica pode ser vista como um processo composto de três fases: a criação,
validação e incorporação de conhecimentos, que correspondem à geração de hipóteses, aos tes-
tes a que a hipótese(s) é sujeita e ao processo social de aceitação e registro do conhecimento
científico (Hodson 1988). Contudo, parece importante fazer a distinção clara entre estas fases
no trabalho científico em educação em ciência, pois pode ajudar os alunos a clarificar o pro-
pósito e o sentido da própria atividade reflexiva que estão a levar a cabo. Torna-se desejável
que haja clarificação entre as duas situações – a criação da hipótese científica e a sua validação
– para que possam compreender a complexidade daquela atividade, saber os caminhos que ela
envolve e, neste caso, compreender a questão da validade dos testes de confirmação negativa
ou de confirmação positiva a que a(s) hipótese(s) está (estão) sujeita(s).
A hipótese tem um papel de articulação e de diálogo entre as teorias, as observa-
ções e as experimentações, servindo de guia à própria investigação. Condiciona fortemen-
te os dados a obter num percurso descontínuo, ainda que balizado por um fundo teórico
que lhe dá plausibilidade, intervindo ativamente nas explicações posteriores dos resulta-
dos.
Uma vez formulada a hipótese torna-se necessário, em seguida, a sua confirmação.
Duas vias são possíveis. A confirmação positiva e a negativa. No entanto, há que ter presente
que o processo de confirmação positiva nada nos diz sobre a verdade da hipótese, já que esta
pode ser falsa mas confirmada. Porém, uma sistemática e persistente confirmação positiva
pode ajudar a tornar o trabalho científico mais apoiado e fazer progredir o programa de inves-
tigação a ele associado.
Numa perspectiva do tipo popperiana, como nos refere Maskill & Wallis (1982)
tenta-se, através do método hipotético-dedutivo, "aproximar" a ciência dos cientistas da ciên-
cia praticada na sala de aula. Assim:
a) o problema é percebido e compreendido como uma descontinuidade em rela-
ção a uma teoria explicativa;
b) propõe-se, então, uma outra possível solução que é uma hipótese;
c) e deduzem-se proposições testáveis a partir da hipótese enunciada;
d) que, através de experiências e observações, cuidadosamente seguidas, condu-
zem a tentativas de falsificação;
e) cuja escolha criteriosa se faz a partir da sua relação, em diálogo, com as teo-
rias.
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Trata-se de uma perspectiva que exige dos alunos grande capacidade criativa, assim
como um bom fundo teórico e espírito crítico. Se é certo que o professor tem que providen-
ciar essa excelente formação teórica, incitar a diferença e o pensamento divergente, para levar
a descobrir o que não é esperado, não é menos certo que a exigência conceptual a par de pro-
cessos científicos de elevada complexidade tornam as situações de aula algo difícil. Para se
mobilizar tais competências, capacidades e atitudes com eficiência, torna-se necessário conhe-
cer bem o contexto em que se opera e, neste sentido, o domínio dos conteúdos científicos é
um requisito fulcral para que tal possa acontecer. As pessoas pensam e lidam de forma mais
eficiente nos e com os problemas cujo contexto e conteúdo conhecem melhor, lhes são par-
ticularmente familiares.
O conhecimento científico é um constante jogo de hipóteses e expectativas lógicas,
um constante vaivém entre o que pode ser e o que "é", uma permanente discussão e argu-
mentação/contrargumentação entre a teoria e as observações e as experimentações realizadas.
No âmbito desta perspectiva Bady (1979) realizou um estudo sobre a compreensão dos alu-
nos acerca da "lógica da testagem de hipóteses", em diversas escolas com alunos de diferen-
tes anos de escolaridade. O autor verificou que poucos alunos pareceram entender a lógica
dos testes da hipótese e que menos da metade dos alunos de escolas superiores conseguiram
entender que as hipóteses podem ser testadas por tentativas de falsificação. Uma conclusão
do estudo, talvez a mais importante, aponta para que "os alunos que acreditam que as hipó-
teses podem ser testadas e provadas por verificação, parecem ter uma visão simplista e inge-
nuamente absoluta da natureza das hipóteses científicas e da teoria. De fato, uma pessoa que
não perceba que as hipóteses científicas não podem ser logicamente provadas, mas apenas
desaprovadas, não percebe verdadeiramente a natureza da ciência". A irrefutabilidade deixa
de ser um sinal, como tantas vezes é percebido pelos professores, de superioridade e, segun-
do esta perspectiva, reside aqui o carácter dinâmico, a possibilidade do conhecimento cien-
tífico se desenvolver.
Um outro elemento que será necessário introduzir na discussão será o da luta "con-
tra a desconfiança progressiva na capacidade intelectual do aluno. A assumção de que a edu-
cabilidade da inteligência é possível abre amplas perspectivas à elaboração, intencional e siste-
mática, de estratégias metodológicas dirigidas ao desenvolvimento de competências do pen-
sar" (Santos & Praia 1992). Outra idéia que importa refere-se à necessidade de reagir contra
a tendência para considerar o erro como evidente. Contudo, é necessário, neste contexto, con-
siderá-lo como inevitável, discuti-lo, questionar as suas razões para que nós possamos aproxi-
mar da verdade possível, de momento. Este processo tem de ser partilhado pelos pares, não
ignorando o papel do trabalho cooperativo e da "comunidade científica de alunos" que, em
conjunto, procuram soluções para os problemas colocados e, mesmo, por eles equacionados.
Está em causa, pois, uma mudança no papel do aluno; este passa de receptor sobre-
tudo de conteúdos científicos, a sujeito ativo na construção do seu próprio saber – de conhe-
cimento, quer conteudal quer processual. Isto exige-lhe um esforço do ponto de vista concep-
tual, metodológico e atitudinal (Gil Perez 1993) mais consentâneo com a preconizada meto-
dologia científica atual, que só é superável num ambiente escolar em que o professor caminha,
intencionalmente, a par das dificuldades do aluno. Porém, não tem de seguir uma estratégia
idêntica relativa ao pensar sobre as respostas a dar aos problemas. Ele deve procurar, sim,
incentivar os alunos a consciencializarem as suas dificuldades, a pensar sobre o porquê delas,
estando atento aos obstáculos que se colocam à aprendizagem, ou seja, deve ajudá-los e dar-
lhes confiança para que se possam exprimir num clima de liberdade, sem perda do rigor inte-
lectual.
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A experiência científica
Na prática científica moderna, é freqüentemente suposto que os fenômenos natu-
rais são regidos por leis universais. Porém, no mundo natural esses fenômenos justapõem-se
de maneira complexa. Ora, isto é incompatível com a elucidação das leis como regularidades
empíricas e, também, indica porque é que as descrições dos dados observáveis são, em geral,
bastante inapropriadas para construir conhecimentos básicos, a partir dos quais se elabora o
conhecimento científico. Assim, a ciência requer a obtenção de dados com significado, sendo
a intervenção experimental necessária como meio capaz de fazer ressaltar e trazer ao de cima,
a informação epistemológica relevante e necessária ( Chalmers 1989).
De uma forma geral, os empiristas e os indutivistas, para quem todo o conhecimen-
to vem da experiência, tentam reduzir a experimentação a uma manipulação de variáveis. O
investigador faz, antes de tudo, um inventário empírico de parâmetros susceptíveis de ter
influência no fenômeno estudado para, em seguida, os fazer variar e, eventualmente, depois
dos resultados obtidos, estabelecer uma lei que lhes dê sentido e coerência.
Porém, se o investigador supõe, para alguns parâmetros, uma importância particu-
lar, é porque possui uma hipótese articulada com o fenômeno em estudo. O investigador
nunca experimenta ao acaso, mas sempre guiado por uma hipótese "lógica" que submete à
experimentação.
"A experimentação, como prova física, tende a ser conduzida para o mundo real ou
para "mundos possíveis", consoante a perspectiva é empirista ou racionalista .... Bachelard
acentua, ironicamente, que enquanto o empirismo deduz leis de experiências, o racionalismo
deduz experiências de leis" (Santos & Praia 1992).
Para Popper, a experimentação científica não deve funcionar no sentido da confirma-
ção positiva das hipóteses, mas no sentido da retificação dos erros contidos nessas hipóteses. Em
todo o caso, nesta perspectiva, a experimentação exige uma grande e cuidada preparação teóri-
ca e técnica, precedida e integrada num projeto que a orienta. Da reflexão dos resultados a que
ela conduz pode, por sua vez, advir um outro saber a problematizar. "Já está ultrapassada a idéia
da experiência como serva da teoria, sendo o seu propósito testar hipóteses... A experiência não
é uma atividade monolítica, mas uma atividade que envolve muitas idéias, muitos tipos de
compreensão, bem como muitas capacidades, tem vida própria" (Haching 1992).
Passamos a rever, com algum pormenor, as posições epistemológicas empirista e
racionalista, para em seguida olhar melhor as suas implicações no trabalho escolar.
Numa perspectiva empirista, a experiência científica surge-nos, quase sempre, como
simples manipulação de variáveis, deduzindo leis (teorias) a partir dela própria ou da sua sis-
temática reprodução. Ela é determinante na obtenção de um conjunto de dados, que depois
de interpretados levam a generalização (indução), também a evidência factual, produzida pela
experiência, é o primeiro meio de estabelecer a credibilidade de uma teoria. A experiência
científica fundamenta, pois, todo o conhecimento e só no final da(s) experiência(s) se faz ques-
tão, se toma em conta a(s) teoria(s). Ela como que está separada da própria teoria, para para-
doxalmente a confirmar. A experiência científica valoriza, quase só a confirmação positiva do
já previsto e obtido a partir dos dados observacionais, dados estes dotados de exterioridade.
Os resultados da experiência surgem como esperados e mesmo óbvios.
É a experiência que põe à prova a teoria e não o inverso. Muitas vezes a constatação
dos resultados experimentais levam a ignorar-se a hipótese que funciona como suposição tran-
sitória de valor epistemológico duvidoso, ou seja, a experiência é tida como algo separado da
hipótese e não influencia os resultados daquela.
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O que mais importa numa perspectiva empirista, olhada pelo lado didático, são os
resultados finais independentemente dos processos da sua obtenção, ou seja, a experiência
surge-nos não problemática, não relevando os aspectos mais complexos e difíceis da pesquisa,
nem as condições teóricas e técnicas da sua produção. Também, muitas vezes, não se analisa e
reflete no significado da experiência e tão só no que é previsível que aconteça.
Numa perspectiva racionalista, enquanto programa de investigação progressivo, a
experiência científica deve ser guiada por uma hipótese, que procura funcionar, sobretudo,
como tentativa da sua retificação e questionamento – ela interroga, problematiza – , condu-
zindo, muitas vezes, a outras hipóteses. Trata-se de um diálogo entre hipóteses/teorias e a pró-
pria experimentação, diálogo nem sempre simples, já que, também aqui, o confronto entre o
teórico (o idealizado) e a prática (o realizado) se interligam. Reside aqui, pensamos, uma das
riquezas heurísticas da experimentação. Se a hipótese intervém ativamente nas explicações que
os resultados da experiência sugerem, a teoria tem um papel primordial na avaliação dos resul-
tados obtidos.
A experiência científica é orientada e mesmo valorizada pelo enquadramento teóri-
co do sujeito, que em diálogo com ela, a questiona, a submete a um interrogatório, de respos-
tas não definitivas. A experiência enquadra-se num método pouco estruturado, que compor-
ta uma diversidade de caminhos, ajustando-se ao contexto e à própria situação investigativa.
Os seus resultados são lidos como elementos (possíveis) de construção de modelos interpreta-
tivos do mundo e não cópias (e muito menos fiéis) do real.
Como poderíamos afirmar que a experimentação científica encerra múltiplos fato-
res não apenas tecnológicos, mas histórico-culturais, ético-morais, políticos, religiosos ... que
condicionam e, em muitos casos na atualidade, (re)orientam e (re)centram a atividade de pes-
quisa, como construção e produção social do conhecimento científico, como empreendimen-
to humano que toma opções e tomadas de posição não neutrais, mas carregadas de valores.. A
comunidade científica tem, também, um papel primordial que importa não esquecer. A expe-
riência enquadra-se num processo não de saber-fazer, mas de reflexão sistemático, de criativi-
dade e mesmo de invenção.
A transposição didática, realizada com cautela para não cairmos em simplismos
fáceis, deve traduzir-se em sugestões de propostas de atividades de ensino-aprendizagem, que
valorizem o papel do aluno no sentido primeiro de o confrontar com as suas situações de erro
para posteriormente as vir a retificar. Do ponto de vista didático, ao sujeitarmos a experiência
científica a uma tentativa de questionamento estamos convidando os alunos a desenvolverem-
se cognitivamente, num confronto de idéias com os seus pares, em que o resultado não só não
está de antemão conseguido, como tem que ser sempre olhado à luz dos seus quadros inter-
pretativos
4

.
No sentido de assinalarmos incidências da reflexão epistemológica da ciência no tra-
balho experimental escolar, Cachapuz (1992) diz-nos que "uma sala de aula não é um labora-
tório de investigação, pelo que as estratégias a adotar têm que ter legitimidade quer filosófica
quer pedagógica. Há pois que harmonizar estas duas dimensões".
Por outro lado, Hodson (1990) considera que o trabalho experimental tal como é
conduzido em muitas escolas é de concepção pobre, confuso e não produtivo. Para ele, mui-
tos professores acreditam que o trabalho experimental ensina os estudantes sobre o que é a
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Apesar da perspectiva epistemológica subjacente à questão da experimentação ser algo marcado por uma visão popperi-
ana, entendemos que numa situação de testagem, em ambiente escolar, ela afigura-se-nos como uma alternativa útil aos
professores. Tal não significa que os autores do artigo partilhem, de todo, a perspectiva popperiana – ver, nomeadamente,
Gil Pérez et al., 2001.
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ciência e a sua metodologia. Têm sido uns entusiastas ao acreditar que o caminho para apren-
der ciência, os seus métodos e processos é "descobrir aprendendo" ou "aprender fazendo".
Para aquele investigador em Educação em Ciência os professores usam o trabalho experimen-
tal sem uma adequada reflexão, ou seja, mantêm o mito de que ele é a solução para os proble-
mas de aprendizagem em ambiente laboratorial. Esta visão distorcida baseia-se em pressupos-
tos epistemológicos, psicológicos e didácticos que têm vindo a ser, progressivamente, postos
em causa, ou seja, é uma visão que corresponde a um programa em regressão epistemológica.
Muitos dos objetivos que se estabelecem para o trabalho experimental escolar e que
os professores quase sempre enunciam referem-se, entre outros, ao seu forte sentido motiva-
dor, bem como ao desenvolvimento de atitudes científicas tais como a objetividade, a ausên-
cia de juízos de valor, a abertura de espírito. O trabalho experimental é, pois, orientado para
fomentar a aprendizagem de conceitos e métodos da ciência, que Hodson (1990) não só ques-
tiona, como volta a perguntar qual o significado do trabalho experimental, sobretudo no que
diz respeito ao aprender ciências na sala de aula de acordo com as perspectivas epistemológi-
cas atuais. O autor vai ao ponto de referir que "muito do que se faz está mal concebido e não
apresenta qualquer valor educacional, urge redefinir e reorientar a noção que os professores
têm sobre o trabalho prático.
Numa perspectiva inadequada da experiência científica realizada na sala de aula, não
se analisa e reflete nos resultados, à luz do quadro teórico e das hipóteses enunciadas, mas ape-
nas se constata o que era mais do que previsível que acontecesse – a experiência realizou-se
para dar determinado resultado já esperado e conhecido de antemão. Na perspectiva que
vimos falando, de forte pendor empirista, a experiência surge, quase sempre, como algo epi-
sódico, ligada a uma visão heróica do cientista; ignora, pois, os contextos sociais, tecnológicos
e culturais da construção e produção científica, que o professor tem de conhecer e não se pode
alhear, deixando à margem das suas aulas. Caso contrário, a experiência científica escolar
toma o sentido do fazer, sem saber por que e para quê. Estamos, neste caso, a considerar a
ciência numa lógica que está fora da própria história do pensamento as idéias, desvalorizan-
do o sentido da própria luta por idéias mais verdadeiras, isto é, mais explicativas para os fenô-
menos naturais.
Entretanto, Tamir (1977) distingue dois tipos de trabalho experimental: os de veri-
ficação e os de investigação. No primeiro caso é o professor que identifica o problema, que
relaciona o trabalho com outros anteriores, que conduz as demonstrações (fora de um contex-
to de problematização) e dá instruções diretas – tipo receita.
Quanto ao segundo tipo de trabalho experimental, tipo investigativo, deixam-se
algumas notas sobre o sentido com que a experimentação deve ser encarada na sala de aula:
i) deve ser um meio para explorar as idéias dos alunos e desenvolver a sua com-
preensão conceptual;
ii) deve ser sustentado por uma base teórica prévia informadora e orientadora da
análise dos resultados;
iii) deve ser delineada pelos alunos para possibilitar um maior controle sobre a
sua própria aprendizagem, sobre as suas dificuldades e de refletir sobre o porquê
delas, para as ultrapassar.
No seguimento desta orientação o trabalho experimental deve ser redefinido, tendo
em atenção novos objetivos do ensino das ciências. Neste sentido, Hodson (1992, 1993,1994)
descreveu como objetivos centrais:
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1. Aprendizagem das ciências: como a aquisição e o desenvolvimento de conheci-
mentos teóricos (conteúdos das ciências).
2. Aprendizagem sobre a natureza das ciências: o desenvolvimento da natureza e
dos métodos da ciência, tomando consciência das interações complexas entre
ciência e sociedade.
3. A prática da ciência: desenvolvimento dos conhecimentos técnicos, éticos,
entre outros, sobre a investigação científica e a resolução de problemas.
Numa outra linha de pensamento, interessa sublinhar que em muitas situações de
ensino o estudo de casos históricos, incluindo a eventual exploração de "experiências cruciais",
quando está em jogo o conceito de testagem, pode ser útil didaticamente. A experimentação,
neste sentido, de forte pendor racionalista crítico de raiz popperiana, pode ser usada para uma
possível escolha de teorias em competição. O desenvolvimento intergrupal e intragrupal,
pode, no quadro de uma sempre prudente analogia com a comunidade científica, ajudar a
simular aspectos sociológicos, particularmente interessantes. A crítica, a argumentação e o
consenso dos pares constituem elementos de racionalidade científica que importa desenvolver
conjuntamente – alunos e professores – partilhando e vivendo dificuldades inerentes à própria
prática científica. Desta maneira, tal exercício escolar permite uma aprendizagem efetiva, sig-
nificativa e com sentido de cidadania.
Importa sublinhar que uma ou duas experiências não dão resposta definitiva ao
problema, nem abalam uma teoria que está a ser discutida. O confronto é mais vasto, tem
incidências não só em nível lógico como também em nível sociológico. O que pode estar
em causa é, sobretudo, a questão da hipótese que a experiência põe à prova: a confirmação
positiva ou negativa. Em síntese: a relação entre a experimentação e a teoria é bem mais
complexa do que muitos professores pensam e é, de certo, também por isso, que raramen-
te ela é equacionada e pensada, desta forma, na sala de aula. Há que considerar outras pos-
síveis alternativas mais enriquecedoras como sejam contra-exemplos, experiências intencio-
nalmente orientadas para levar a resultados não esperados e referência a resultados que vêm
da literatura.
Por outro lado, o problema da indução está presente em muitas das abordagens que
os professores fazem, levando a generalizações fáceis e demasiado simplistas. No V epistemo-
lógico de Gowin, instrumento didático de grande utilidade, é quase sempre considerado ape-
nas o lado esquerdo (conceptual), não estando presentes as suas relações com o lado direito
(metodológico). Entretanto, fazem-se apressadas generalizações a partir de uma ou duas expe-
riências, das comumente chamadas "experiências para ver". Por outro lado, a repetibilidade
não é, como muitos professores pensam, uma propriedade do conhecimento científico. Esta
abordagem já não é hoje aceita, mesmo à luz de pressupostos epistemológicos de natureza e de
sentido inequivocamente positivista.
O que nos parece de sublinhar é, pois, a necessária mudança de atitude dos profes-
sores, no sentido de ultrapassarem a aceitação fácil de um empirismo clássico e ingênuo, con-
cebendo a ciência como uma simples descoberta, quer pela observação neutral, quer pela con-
firmação experimental escolar positiva. Importa que os professores compreendam e se cons-
ciencializem da importância do elemento cognitivo, da discussão argumentativa, que atribuam
ao estudo e à reflexão um espaço indispensável para compreender as dificuldades e a comple-
xidade que se reveste um tal processo de construção da ciência. Não se pode, entretanto, igno-
rar o papel do sujeito na construção do conhecimento, nomeadamente através do confronto
com os conceitos e teorias aceitas em ciência.
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Conforme referem Gil Pérez (1993) e Beviá (1994), torna-se necessário planificar a
aprendizagem a partir do tratamento de situações problemáticas abertas, susceptíveis de inte-
ressar os alunos a desenvolver um plano experimental coerente, que não seja indicado pelo
professor, mas proposto por um grupo de alunos. Essas atividades, como refere Beviá (1994),
podem ser guiadas pelo docente, possibilitando aos alunos a percepção da variedade de pro-
cessos implicados na atividade científica. Deste modo estará criado nos grupos de trabalho um
clima propício para fazer emergir, entre outras, as interrogações, as dúvidas, as incoerências, as
deficiências, a consciência das limitações teóricas,.... gerando as vivências que permitem aos
alunos refletir, conjuntamente, sobre as características do trabalho científico.
Maria de Sousa (1992), investigadora em ciência, ao falar-nos das características do
trabalho científico, em particular da experiência científica refere que ele se situa em "uma
esfera muito alargada e dinâmica, mantida em movimento pela interação contínua entre con-
jectura e refutação". No seu artigo intitulado Procedimentos experimentais: sobre cozinheiros-
chefes e cientistas, distingue três elementos principais: o consenso dos pares, o desafio dos dog-
mas e a combinação única entre a arrogância e a humildade. Trata-se, assim, também de valo-
res e atitudes inerentes ao processo científico escolar, a uma aprendizagem capaz de mudar as
próprias representações de ciência.
A concluir
Muito do que acabamos de referir traduz-se em dificuldades e fatores, susceptíveis
de determinar uma atuação cuidadosa do professor, exigindo-lhe uma aprofundada formação
científica que não passa unicamente, longe disso, por possuir uns tantos conhecimentos
adquiridos na formação inicial. A transposição didática, feita de reflexão e consubstanciada na
própia ação didática, exige uma formação contínua que segue um percurso de desenvolvimen-
to pessoal e profissional exigentes.
Uma chamada de atenção para tornar claro que o professor tem de ter cuidados
muito particulares com o processo de aprendizagem e, em particular, com as atividades que
promove. Estas devem desenvolver-se na "zona de desenvolvimento próximo", o mesmo é
dizer que tais tarefas devem ser um desafio, porém, com um grau de dificuldade susceptível
de se constituirem em incentivo e não de fonte de desânimo, desmotivação e de impossibili-
dade de resolução.
Referir ainda que a simplicidade com que os problemas e os fenômenos são apre-
sentados (atente-se ao nível etário) obrigam o professor a retomá-los mais adiante e, sempre
que possível, a ligá-los a outros para os articular de forma a que o currículo em espiral seja pos-
sível. A conceptualização, a que não é alheio o ritmo e o tempo de aprendizagem, é mais bem
conseguida e a compreensão das idéias estruturantes torna-se o fio condutor das propostas de
ação didática do professor. As experiências de aprendizagem que o professor promove são
meios que devem ser considerados como instrumentos para melhorar a explicação que se dá
para os fenômenos e não podem ser consideradas como fins em si mesmas. Servem pelas inter-
rogações que suscitam e pela busca de explicações mais verdadeiras, porque argumentativa-
mente mais apoiadas.
Por fim, chama-se a atenção para a tentação de uma excessiva motivação para experi-
mentar e que o professor, bem intencionadamente, introduz na aula de laboratório. A especta-
cularidade dos fenômenos, aliada à sua apresentação, nomeadamente, quer através de registros,
vídeo, quer outros, ainda que sejam fatores positivos, podem não ajudar a potenciar a aprendi-
zagem desejada. Pode mesmo invertê-la e torná-la sociologicamente perversa, ou seja, pode des-
valorizar razões epistemológicas e didáticas que deviam ser orientadoras e determinantes da ação,
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em favor de razões de pedagogia geral, em particular motivacionais que fazem perder o sentido
das primeiras.
Está, em causa, uma formação de professores que se quer "completa", isto é, que
articule epistemologia e didática e que releve conjuntamente teoria e prática, como uma uni-
dade intrínseca. Só assim seremos capazes de gerar, tentativamente, materiais didáticos,
enquanto recursos fundamentais para o exercício de práticas de sala de aula mais consentâneas
com o que se preconiza numa perspectiva de ensino por pesquisa (Cachapuz, Praia & Jorge,
2001).
Trata-se, coerentemente, de usar a formação como um processo de pesquisa efetuan-
do investigação com os professores, com vista a que tal produção de saberes seja reinvestida na
inovação para que esta, persistentemente, se venha a transformar em mudança.
Referências bibliográficas
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Artigo recebido em março de 2002 e
selecionado para publicação em novembro de 2002.

1.Introdução
2.Entendendo o mundo como
uma partida de futebol
3.O peru indutivista
4.Hipóteses, teorias e leis
5.O método científico e a
Ladeira do Amendoim
6.O método científico e as
pseudociências ou "O dragão
na minha garagem"
7.Falhas no método
científico?
8.Conclusão

Introdução

Se eu lhe dissesse que o tempo passa mais devagar no primeiro andar de um prédio do que no último, você:

a) acreditaria na minha palavra, afinal eu devo saber o que digo para estar escrevendo um artigo;
b) não acreditaria; é muito absurdo pra ser verdade;
c) acreditaria; um amigo seu já teve essa sensação antes;
d) não acreditaria; não há nada na Bíblia sobre isso;
e) acreditaria, pois você conhece a Teoria da Relatividade de Einstein que diz que o tempo passa mais devagar
próximo a campos gravitacionais, mas sabe que a diferença em questão é tão pequena que só pode ser sentida por
relógios de altíssima precisão.

Mais importante do que a sua resposta à pergunta é a questão que se origina dela: quais os critérios que você usa
para decidir no que acredita ou não? Você sempre aceita a palavra das autoridades no assunto? (mesmo daqueles
que se auto-intitularam autoridades?) Baseia suas crenças no "bom senso comum"? (e acredita que o seu senso é
bom e comum?) Acredita no que a maioria das pessoas acredita (afinal alguns milhões de pessoas não podem estar
erradas)? Confia suas crenças a respeito da natureza a livros sagrados de alguma religião? Não acredita em nada mas
também não é muito rápido em duvidar, pois segundo Shakeaspeare "há mais no céu e na Terra do que sonha nossa
vã filosofia"? (ou seja, permanece num estado de stand by crédulo?).

A Ciência é a esfera da atividade humana responsável por investigar o mundo ao nosso redor. Neste papel, assim
como você, ela se depara o tempo todo com alegações sobre as quais deve decidir se "acredita" ou não. Mas é claro
que a responsabilidade da ciência é muito maior do que a sua, pois o conhecimento obtido por ela será usado para
medicar pessoas, construir reatores nucleares, manipular geneticamente alimentos e seres humanos, tentar contactar
vida extraterrestre e muitas outras atividades que têm profundo impacto na raça humana.

Na tarefa de descobrir a verdade, dentro de sua esfera de atuação, a ciência precisa de critérios claros, métodos de
investigação precisos que descartem as ilusões dos sentidos, os preconceitos, as crenças pessoais (religiosas ou não),
as superstições de todo o tipo. A ciência precisa de um método científico.

Entendendo o mundo como uma partida de futebol

Vamos nos permitir alguma liberdade criativa e imaginar que um alienígena recém chegado à Terra, interessado em
conhecer nossos costumes, decide ir ao Maracanã assistir a uma partida de futebol. Certamente no início da partida o
ET ficaria bastante confuso, vendo todas aquelas pessoas correndo atrás de uma bola, e muito intrigado ao ver como
alguns jogadores ficam tão sensíveis quando ela se aproxima demais daquelas redes localizadas nas extremidades do
campo. Mas ao longo da partida, percebendo que alguns lances se repetem e têm sempre o mesmo desfecho (por
exemplo, a partida é sempre interrompida quando a bola sai dos limites traçados no campo), ele provavelmente
formularia algumas hipóteses sobre o jogo: "será que o objetivo é enviar a bola o mais distante possível?", ele talvez
pensasse após assistir um infeliz chute de fora da área; "ou talvez o objetivo seja matar o humanóide que carrega a
bola", pensaria ao ver um zagueiro aplicando uma tesoura na altura do pescoço de um outro jogador. É quase certo
que após algum tempo observando a partida e depois de vários palpites errados, o visitante extraterrestre fosse
capaz de compreender a maior parte das regras do nosso futebol.

Pois nós somos como este alienígena. Estamos imersos no grande "jogo" da natureza tentando entender suas
"regras": será que tudo o que sobe desce? Porque as coisas têm cor? Será que a posição que os corpos celestes
ocupavam no instante de nosso nascimento podem afetar nossa personalidade? Em outras palavras, ou melhor, nas
palavras do físico Richard Feynmann, "Entender a natureza é como aprender a jogar xadrez somente assistindo a
partida".

Porém ainda que nossa metáfora seja didática, ela não é completa. Pois nela o ET assiste passivamente ao desenrolar
dos lances na partida e propõe hipóteses que somente tem como verificar esperando que se repitam. Nós, por outro
lado, não somos meros expectadores da natureza mas participamos dela; podemos interagir com ela
realizando experimentos.

Claro que isto pode parecer um tanto óbvio. Afinal quando seu carro não pega pela manhã e você desconfia que a
bateria está descarregada, provavelmente testa sua hipótese tentando acender os faróis ou medindo o potencial da
bateria com um multímetro. Porque seria diferente com a ciência?

Pois por incrível que pareça, a idéia de realizar um experimento para testar uma hipótese é bastante nova; não tem
mais do que 500 anos. Os filósofos gregos, que há mais de 2500 anos foram os primeiros a investigar o mundo de
maneira racional e sistemática, achavam que a natureza só poderia ser compreendida pelo uso da razão e do
intelecto e por isso desdenhavam a experiência. O filósofo Parmênides (510 a.C.) é um exemplo de como os gregos
estavam dispostos a levar a lógica e a razão até as últimas consequências: ao negar a existência do tempo e do vazio
e portanto do movimento, Parmênides concluiu que se tinhamos a impressão de que as coisas se moviam e o tempo
passava era somente porque vivíamos num mundo ilusório (uma versão antediluviana do filme Matrix).

O peru indutivista

1.Introdução
2.Entendendo o mundo como
uma partida de futebol
3.O peru indutivista
4.Hipóteses, teorias e leis
5.O método científico e a
Ladeira do Amendoim
6.O método científico e as
pseudociências ou "O dragão
na minha garagem"
7.Falhas no método
científico?
8.Conclusão

Antes de mais nada, para tentar compreender o jogo da natureza é preciso acreditar que há regras para serem
compreendidas. Assim como nosso alienígena visitante não podia ter certeza de que os jogadores no Maracanã não
estavam simplemente correndo ao acaso atrás da bola, ou que as regras não mudariam do primeiro para o segundo
tempo, nós também não podemos ter certeza de que a natureza possua uma ordem e que esta ordem seja imutável.
Temos apenas fortes evidências disto: por exemplo, toda vez que encostamos algo quente em algo frio, o frio
esquenta e o quente esfria; tem sido assim desde que o homem é capaz de se lembrar e tem sido assim em todos os
lugares do universo aonde o homem já foi capaz de estender sua visão. Mas nada garante à ciência que vá continuar
sendo assim amanhã ou que seja assim em algum confim desconhecido do universo.

Assim, para existir, o método científico parte do princípio da imutabilidade dos processos da natureza ou "o princípio
da uniformidade da natureza", como denominava o filósofo Karl Popper. Ou nas palavras de Einstein (usadas num
contexto ligeiramente diferente): "Deus é sutil mas não maldoso". Admitindo a existência de uma ordem universal e
imutável torna-se possível prever o comportamento da natureza e este é o mais importante passo do método
científico no que concerne à experiência física.

Ao observar que todo homem e toda mulher cedo ou tarde morrem, pode-se estabelecer uma regra geral: "todo ser
humano é mortal". Esta forma de raciocínio lógico que extrai uma verdade geral a partir da observação de um grupo
particular é chamada de indução. A partir desta regra geral, ou desta lei natural, estabelecida pela observação do
mesmo resultado repetidas vezes, pode-se então deduzir (dedução é a forma de raciocínio que extrai uma verdade
particular de uma verdade geral) que se Fulano é um ser humano - e já que todos os seres humanos são mortais -
então Fulano é mortal.

Note entretanto que a indução é totalmente apoiada na repetição da experiência e na crença na imutabilidade dos
processos naturais. Sobre isso Bertrand Russel nos traz o seguinte exemplo: imagine um peru que recebe sua ração
todos os dias do ano, exatamente às 9:00h da manhã. No início o peru é cauteloso, mas depois de perceber que esta
experiência se repete por um considerável período de tempo, todos os dias da semana inclusive sábados domingos e
feriados, faça chuva ou faça sol, este peru finalmente conclui por indução a regra geral: "sou sempre alimentado às
9:00 da manhã!". Infelizmente, para o peru indutivista, no dia de Natal a regra não se revela verdadeira...

O método indutivo apresenta, portanto, uma limitação. Se estabelecemos uma regra geral a partir de um determinado
número de observações, surge a pergunta: quantas observações são suficientes para justificar a regra? Cem, mil,
milhões? Como saberemos se temos um número suficiente de observações e - muito importante - em condições
suficientemente variadas para alegar que aquela regra é realmente universal?

Este problema foi contornado por Karl Popper, que apresentou o conceito de falsificabilidade, segundo o qual uma
hipótese só é considerada científica se for falsicávelou seja, se por meio de algum experimento real ou imaginário for
possível provar sua falsidade. A hipótese "Deus existe" não é uma hipótese que possa ser julgada pela ciência pois
não existe nenhuma experiência imaginável que possa provar que "Deus NÃO existe". Por outro lado as hipóteses "O
tempo passa mais rapidamente nos lugares altos" e "O futuro pode ser previsto pela posição dos astros nos céu" são
falsicáveis e portanto estão dentro do escopo da ciência.

Qual a vantagem disto? Isto leva uma mudança de atitude. Em vez da ciência se basear nas observações que
reforçam uma teoria, ela passa a buscar observações que a falsifiquem. Quanto mais uma teoria sobrevive a esta
busca, maior a nossa confiança em sua veracidade, mas não existem teorias comprovadas, apenas teorias que ainda
não foram derrubadas. E quando é provado que uma determinada teoria está errada, isto é a melhor coisa que pode
acontecer, porque é nessas situações que a ciência progride.

Assim, ao contrário do que muitos pensam, o objetivo dos cientistas não é defender ostatus quo ou proteger as leis
científicas contra contestações. Seu objetivo é justamente tentar contestar estas leis! Um cientista que tenha
realizado cinqüenta milhões de experiências comprovando a teoria de Newton não foi muito útil. Mas alguém que
prove que Newton estava errado.... você já ouviu falar de Einstein, não?

ipóteses, teorias e leis

1.Introdução
2.Entendendo o mundo como
uma partida de futebol
3.O peru indutivista
4.Hipóteses, teorias e leis
5.O método científico e a
Ladeira do Amendoim
6.O método científico e as
pseudociências ou "O dragão
na minha garagem"
7.Falhas no método
científico?
8.Conclusão

Vimos que o método científico começa com a observação da natureza. Com base na observação e apoiado pelo
pensamento indutivo formula-se uma hipótese que, conforme você já deve ter percebido, nada mais é do que uma
crença que se desconfia que seja verdadeira.

A partir daí deve-se testar a hipótese, ou seja, utilizar a hipótese para verificar o fenômeno que ela explica e, mais
importante, utilizar a hipótese para prever novos fenômenos. Para testar a hipótese será quase sempre necessário
umexperimento, que num ambiente controlado possa quantificar o fenômeno. Independentemente do resultado, este
experimento só será considerado válido se puder ser reproduzido por outras pessoas mantendo-se as mesmas
condições. Se a hipótese se confirma uma vez ela pode estar correta. Se a hipótese se confirma um grande número
de vezes ela deve estar correta. Se a hipótese não se confirma ela deve ser reformulada e novamente testada.

Quando uma hipótese já reúne um número considerável de evidências, obtidas por um grande número de
pesquisadores independentes ela pode ser promovida à lei ou ajudar a compor uma teoria.

Uma lei, para a ciência, é um estatuto que explica de forma simples e concisa (por isso geralmente é enunciada de
maneira matemática) um fato bem estabelecido pela ciência, com hipóteses amplamente testadas e validadas.
Algumas das leis da física são a Lei da Gravidade ou as três Leis de Newton que você já aprendeu na escola. Já uma
teoria é um conjunto de explicações sobre um certo tipo de fenômeno, ou um grupo de fenômenos semelhantes. Por
exemplo a Lei da Gravidade é bem curtinha e simples: ela diz que os corpos se atraem com uma força proporcional às
massas de cada um e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. Já a Teoria da Gravitação é
muito mais ampla e complexa e faz uso da Lei da Gravidade para explicar os fenômenos relacionados à atração
gravitacional.

É curioso que por que as palavras "teoria" e "lei" tem significados tão diferentes no cotidiano as pessoas leigas
tendem a achar que as teorias são menos formais ou menos válidas do que as leis. Os defensores
do criacionismo (aquele movimento que defende que a Terra foi criada por Deus em 6 dias literais) dizem que a Teoria
da Evolução é "apenas uma teoria" e como tal não poderia ser ensinada nas escolas. Não caia nesse truque retórico.
Uma teoria é tão consistente quanto uma lei. O que muda é só o escopo e abrangência de cada uma, não sua
validade.

Voltemos às hipóteses: mas e quando diversas hipóteses servem para explicar o mesmo fenômeno? Ou seja, e se for
possível explicar o mesmo fenômeno e prever os mesmosresultados utilizando hipóteses diferentes? Neste caso a
ciência prefere adotar a hipótese mais simples, onde por mais simples se entende aquela que usa o menor número de
suposições ou que introduzam o menor número de entidades novas na ciência. Afinal quando se faz o menor número
de suposições possíveis é menos provável que se descubra mais tarde que uma delas estava errada. Este método é
chamado de Navalha de Ockham.

Uma Lei da Natureza é o mais longe que podemos chegar com o método científico mas ela não constitui uma verdade
definitiva, como veremos a seguir.
O método científico e a Ladeira do Amendoim

O que chamamos de leis da natureza não são leis no sentido usual da palavra. Veja a Lei da Gravidade por exemplo.
Alguém se equilibra sobre uma corda estendida entre dois arranha-céus e logo se diz que ele está "desafiando a lei da
gravidade" (quando na verdade não poderia fazer o que faz se não fosse por ela). As leis da física não podem ser
"desafiadas", como as leis legisladas em nosso mundo. Uma lei física é um estatuto do qual temos uma forte sensação
que seja verdadeiro e que até o momento não foi contradita por nenhuma experiência humana.

Se por um lado este estado das coisas assegura aos cientistas que nenhuma verdade estará livre de contestação, por
outro nos impede de assumir qualquer conhecimento como final e definitivo. Uma lei física, ou uma verdade científica,
nada mais é portanto que um estado de repouso do conhecimento (o que não deixa de ser um pensamento um tanto
pessimista). De qualquer maneira esta postura do método científico, enraizada em sua própria definição, é que
garante a investigação constante e vigilante do conhecimento humano.

Vejamos um exemplo: você está na cidade de Belo Horizonte e ao passar pela ladeira conhecida por Ladeira do
Amendoim percebe um fenômeno interessante: quando seu carro é deixado em repouso nesta ladeira, ao invés de
descer sob a ação de seu peso ele anda para cima! Estarão os carros na Ladeira do Amendoim desafiando a lei da
gravidade?

Se você se propõe a investigar o fenômeno provavelmente pensará em pelo menos quatro hipóteses para explicar o
fenômeno: (1) existe algum tipo de força sobrenatural, ou seja, não conhecida pela ciência: mágica, espectral, astral,
telepática, telúrica, etc - puxando o carro para cima; (2) existe alguma força conhecida pela ciência, mas não evidente
no momento, atuando sobre o carro (uma força magnética vinda de algum depósito de minerais, por exemplo); (3) a
lei da gravidade está errada ou não se aplica a este local do planeta e deve portanto ser revista; (4) a observação de
que o carro sobe não é verdadeira, ou seja, houve um erro na interpretação dos dados, por parte de quem realizou a
experiência.

Qualquer uma das quatro hipóteses (ou outra que se possa imaginar) poderá ser considerada e deverá ser testada; o
que um investigador munido do método científico não poderá fazer é desconsiderar o fato observado com o
argumento de que "a lei da gravidade é uma lei da natureza bem estabelecida e acima de qualquer dúvida".

Bem, se você examinar o fenômeno até o fim chegará a conclusão que a hipótese (4) é a verdadeira; a disposição das
ladeiras próximas a Ladeira do Amendoim e a dela própria criam a ilusão de que o carro está subindo quando na
verdade ele desce normalmente, como em qualquer outra ladeira do mundo. A Lei da gravidade está a salvo (por
enquanto).

O método científico e as pseudociências ou "O dragão na minha garagem"

Um amigo lhe diz que descobriu um dragão na garagem da casa dele.

"Uau, isso é incrível! Vamos lá vê-lo!" você diz entusiasmado, já pensando nas manchetes dos jornais.
"Bem... isso não vai ser possível porque ele é invisível."
"Você fala sério?!", mas seu momentâneo desapontamento é logo substítuido por uma excitação ainda maior, afinal
você sabe que um dragão invisível é ainda mais incrível que um dragão qualquer."A gente joga tinta nele então. E
depois tiramos umas fotos."
"Ahhh? Tinta? Bom... isso também não vai dar, pois este dragão é incorpóreo."
"Incorpóreo?!!"
"Sim, incorpóreo, tipo um fantasma ou um ectoplasma."
"Mas este dragão solta fogo? Pelo menos isso?"
"Sim, soltar fogo ele solta! Se bem que o fogo é invisível também."
"Tá, não tem problema, a gente usa um visor de infravermelho pra ver este fogo invisível."
"Mas o fogo deste dragão é um fogo frio, que está à temperatura ambiente, não vai dar pra sentir..."
"!!"

Você propõe mais uma dúzia de maneiras de detectar o dragão e seu amigo refuta todas elas dizendo que com este
dragão não vai funcionar. Você começa a perder a paciência e, além de um pouco preocupado com a sanidade do seu
amigo, fica imaginando qual a diferença entre um dragão que não pode ser detectado de nenhuma maneira e dragão
nenhum:"Então como você sabe que há realmente um dragão lá?!"

Seu amigo responde a esta pergunta com explicações confusas que misturam capacidade de se comunicar
telepaticamente com o dragão, técnicas ancestrais milenares de detecção de dragões (provavelmente orientais),
instrumentos exóticos capazes de medir a "energia" de dragões, uso da intuição, revelação em sonhos, etc, e encara
o seu ceticismo como má-vontade em crer neste maravilhoso dragão-invisível-incorpóreo-que-cospe-fogo-frio.

Esta história é uma adaptação livre de um trecho do livro "O Mundo Assombrado pelos Demônios" de Carl Sagan e
ilustra o típico pensamento pseudocientífico. De fato você não precisa ir muito mais longe para, usando a mesma
analogia, imaginar pessoas que preveêm o futuro inspirados por dragões indetectáveis, ou que dizem curar usando a
energia destes seres. Estas pessoas provavelmente acusarão os cientistas que não querem crer na existência de seus
dragões de estreiteza de pensamento ou dirão que eles se negam a encarar as evidências porque temem que elas
abalem sua forma ortodoxa de pensar. Muitos torcerão um pouquinho a história e se compararão a Galileo e a
Colombo que foram perseguidos por desafiarem o pensamento científico estabelecido: "Riram de Galileo e de
Colombo e riem de nós", dirão (ao que Carl Sagan acrescentaria: "riram do Bozo também, e daí?").

Claro, alguns cientistas tentam assim mesmo detectar este dragão, afinal descobrir que dragões podem estar
escondidos em garagens pelo mundo e que podem ser usados para curar e prever o futuro é uma descoberta
extraordinária demais para ser ignorada. Mas mais importante do que isso: não é só porque a ciência não é capaz de
detectar o dragão que ele não existe. Germes, partículas atômicas e subatômicas, quasares, variações no espaço-
tempo - pode-se citar inúmeros exemplos de fenômenos que num determinado momento da história não foram ou não
poderiam ser detectados pelas técnicas e instrumentos disponíveis mas que não deixaram de existir por isso.
Investigar portanto é preciso.

Mas este dragão tem um problema de timidez. Ele só aparece para algumas pessoas "escolhidas" e nunca diante de
câmeras. Todas as evidências de sua existência ou são contestáveis ou não vêm de fontes confiáveis ou podem ser
explicadas por fatos já bem conhecidos pela ciência; mágicos conseguem reproduzir tudo o que as pessoas dizem
fazer usando a energia dos dragões. Por fim as previsões feitas por pessoas "guiadas" pelos dragões são menos
acertadas na média do que as previsões feitas por profissionais e o número de curas feitas pela tal energia do dragão
é equivalente ao das curas espontâneas ou por placebo.

A conclusão é que por mais que a ciência investigue o fenômeno não há evidências, ordinárias nem extraordinárias,
obtidas através de um rigoroso método científico que suportem a existência do Dragão Invisível. Por isso, para a
ciência pelo menos, ele é finalmente esquecido.

Não pense que dragões indetectáveis são exclusividade dos pseudocientistas. A ciência já teve que lidar com seus
"dragões". Até o final do século XIX os físicos acreditavam na existência de uma substância chamada éter que
preencheria o vácuo e que seria o meio no qual se propagariam a luz e as ondas gravitacionais, muito embora
ninguém ainda o tivesse detectado. Este éter deveria ser de tal natureza que não interferisse no movimento da Terra
através dele e que permanecesse inalterado e imóvel ao ser atravessado pela luz. Isso o tornava por definição
extremamente dificil de ser detectado. Em 1881 Michelson e Morley idealizaram uma cuidadosa, e hoje famosa,
experiência para tentar "capturar" o éter, porém nada foi observado. Alguns imaginaram falhas na experiência, mas
outros começaram a desconfiar que não haveria éter nenhum para ser detectado. O éter continuou a ser perseguido
utilizando-se técnicas mais avançadas e instrumentos mais precisos, sempre com os mesmos resultados, até o ano de
1960, quando foi definitivamente descartado.

Falhas no método científico?

Assim como já houve diversos cientistas que pensaram ter feito uma nova e revolucionária descoberta e mais tarde
verificaram que seus dados não eram corretos, também houve vários casos de pesquisadores que fizeram de fato
descobertas revolucionárias mas não souberam reconhecê-las, preferindo interpretar suas conclusões de uma
maneira "convencional".

Tycho Brahe ficou famoso por coletar os mais precisos dados astronômicos que já haviam sido colhidos até a sua
época. Porém Tycho não acreditava no modelo heliocêntrico proposto por Copérnico e utilizou suas observações para
formular um novo modelo geocêntrico do universo (que se tornou muito popular). Foi preciso que seu discípulo e
assistente, Johannes Kepler, alguns anos mais tarde utilizasse os mesmos dados mas orientado por uma crença
diferente, para não só comprovar o modelo heliocêntrico como ainda estabelecer as Três Leis de Kepler do movimento
planetário.

Mas se Tycho Brahe viu pouco em seus próprios dados o cientista francês Rene Blondlot enxergou demais
(literalmente). Nos primeiros anos do século XX, Blondlot, estudando os recentemente descobertos raios X, pensou ter
descoberto uma nova forma de radiação que chamou de raios N. Até 1903 Blondlot já havia publicado mais de 10
trabalhos sobre sua descoberta, mas nenhum outro cientista ainda tinha conseguido reproduzir suas experiências
nem vislumbrar o menor sinal dos raios N. Por isso em 1904 o cientista americano Robert Wood foi enviado ao
laboratório de Blondlot para tentar desvendar o mistério. Os raios N produzidos por um filamento aquecido de platina
deveriam atingir um prisma e difratarem-se de encontro a uma tela produzindo bandas luminosas, porém quando
Wood observou a tela não foi capaz de ver nenhuma das bandas luminosas que Blondlot alegava ver. Blondlot repetiu
a experiência, mas desta vez Wood secretamente retirou o prisma da montagem. Para seu espanto, Blondlot
continuou enxergando as bandas luminosas originadas pelos raios N! Não é preciso dizer que logo depois disso toda a
história dos raios N foi desacreditada e esquecida.

A moral da história aqui é que os fatos não falam por si mesmos. Um cientista não espalha os fatos sobre a mesa e
espera que a verdade emane deles espontaneamente. Como disse o cientista Henri Poincaré "Um punhado de fatos
não é mais ciência do um punhado de tijolos é uma casa". Fatos e medidas precisam ser interpretados pelas pessoas
que conduzem os experimentos, e pessoas como se sabe, são naturalmente susceptíveis a julgamentos pessoais, pré-
conceitos, análises tendenciosas e - por que não? - ânsia em comprovar o que consideram ser a verdade. Será que o
fato do cientista ser falível torna a ciência falível?

Sim e não. Ciente tanto de sua responsabilidade quanto da falibilidade dos cientistas, a ciência não se fia na
autoridade de nenhum pesquisador e nem em pesquisas isoladas. Um fato só é aceito pela ciência depois de
exaustivamente reproduzido por cientistas em todo o mundo (a história dos raios N também serve para ilustrar este
ponto). É esta pois a beleza da ciência. O próprio método científico se encarrega de eliminar os julgamentos pessoais
e impede que a longo prazo dogmas sejam formados. Ou nas palavras de Einstein: "Minhas idéias levaram as pessoas
a reexaminar a física de Newton. Naturalmente alguém um dia irá reexaminar minhas próprias idéias. Se isto não
acontecer haverá uma falha grosseira em algum lugar."

Conclusão

Em um momento em que há um projeto de lei propondo a regulamentação de uma arte divinatória de 5000 anos
atrás, a discussão sobre o alcance e validade da ciência é mais atual e necessária do que nunca. Compreender o
método que a ciência usa para construir o conhecimento humano, e entender o rigor com que examina alegações
extraordinárias é apenas uma parte desta discussão, mas uma base que todo ser humano precisa ter para exercer
sua cidadania.

Praticamente todas as línguas européias (incluindo, obviamente, o nosso português e também o grego) são descendentes
de um dialeto falado por uma tribo que vivia onde atualmente fica a Ucrânia, por volta de 6.000 atrás. Nesse meio tempo,
este dialeto foi gradualmente se espalhando e se modificando, dando origem a uma família de mais de 140 línguas,
conhecida como Indo-Européia.

E daí? O histórico da evolução de uma família de línguas nos dá pistas para descobrir em que épocas certos
desenvolvimentos culturais e tecnológicos ocorreram. Veja por exemplo, a palavra ovelha. Ou "avis" em lituano e sânscrito,
"ovis" em latim, "oveja" em espanhol, "ovtsa" em russo, "owis" em grego e "oi" em irlandês. Todas estas palavras têm
obviamente uma origem comum que pode ser rastreada até o dialeto original da família Indo-Européia. Isto sugere que
aquela tribo já conhecia e domesticava ovelhas e isto é confirmado por evidências arqueológicas. Por outro lado, o mesmo
não pode ser feito para arma de fogo, ou "gun" em inglês, "fusil" em francês, "ruzhyo" em russo e assim por diante.
Obviamente , armas de fogo surgiram bem depois da diferenciação destas línguas e cada uma teve que inventar uma
palavra própria.

A distribuição geográfica de grupos linguísticos também nos fornece dicas a respeito de movimentos populacionais. O inglês,
por exemplo, espalhou-se pela América do Norte, Austrália e outros países e, se não conhecessemos sua origem,
poderíamos achar que ele havia nascido nos Estados Unidos, onde se encontra atualmente o maior número de falantes
dessa língua. Mas a língua inglesa tem vários "parentes" próximos – o alemão, o holandês, as línguas escandinavas e outros
– todos amontoados no noroeste da Europa e o mais próximo deles é um dialeto falado em uma pequena parte da costa
holandesa e alemã. A partir daí podemos deduzir que o inglês nasceu nesta região. De fato, sabemos por registros
históricos que o "avô" do inglês britânico moderno foi levado dali para a Inglaterra por anglo-saxões que a invadiram nos
séculos V e VI, de onde se espalhou pelo resto do mundo.

A Teoria da Evolução de Darwin é uma das teorias mais belas e simples da ciência. Basicamente ela diz que a vida nem
sempre foi como é hoje: animais, plantas, bactérias, tudo o que é vivo muda com a marcha do tempo. Estas mudanças
acontecem por acaso, na forma de pequenas mutações acidentais no código genético, tal qual uma letra ou uma palavra
trocada acidentalmente em um enorme livro. A grande maioria das mutações é nociva, gerando seres defeituosos
(infelizmente poucos nascem podendo portar garras de adamantium), mas umas poucas delas podem gerar seres mais bem
adaptados ao meio em que vivem, com mais facilidade para encontrar comida, se defender de predadores, etc... Quanto
mais adaptado mais chances de sobreviver, acasalar e passar seus genes beneficamente modificados para sua prole.

O problema é que a evolução demora demais para acontecer, por isso é muito difícil de ser observada e testada. Para
acelerar um pouco as coisas, os pesquisadores Christoph Adami e Charles Ofria do Instituto Tecnológico da Califórnia
criaram o projeto Avida (A de "artificial" em inglês, vida de vida em bom português mesmo), um programa de computador
"habitado" por organismos virtuais que evoluem. Estes organismos virtuais são pequenos programas, trechos de código, que
se reproduzem (como aqueles vírus que vivem atacando o Windows), comem - números binários são sua comida predileta -
e realizam tarefas na forma de pequenos algoritmos. Ao se reproduzir, um organismo pode gerar um descendente mutante,
com um pedaço de código a mais ou fora de lugar. A maior parte destas mutações dá origem a bugs - programas
defeituosos - mas em raras ocasiões uma mutação pode melhorar o pequeno programa tornando-o mais rápido, mais curto
ou mais elaborado e portanto mais capaz de se alimentar e se reproduzir. Várias gerações depois (um instante apenas no
tempo da CPU), uma espécie mutante pode diferir completamente da espécie original tornando-se mais comum e mais bem
sucedida que as outras, exatamente como acontece na natureza. Se você quiser conferir e cultivar sua própria colônia de
organismos digitais pode acessar o site do Digital Life Laboratory e baixar gratuitamente a última versão do Avida, incluindo o
código fonte do programa, em linguagem C++.

Softwares que evoluem fazem parte de um ramo emergente da computação chamada Computação Genética (Genetic
Programming ou GP em inglês) e não servem apenas para que os pesquisadores entendam melhor os mecanismos do
darwinismo. A medida que evoluem, os programas que habitam Avida se tornam mais complexos e mais capazes de resolver
os problemas propostos. Pode-se imaginar o dia em que programas de computador vão estar escrevendo outros programas
de computador; um programador apenas determinará as tarefas a serem executadas e o programa evoluirá até se tornar
capaz de executá-las. O dia em que isto acontecer a Microsoft quer estar lá; não à toa ela é uma das patrocinadoras do
projeto.

Computação genética serve ao cinema mais do que apenas como inspiração para seus
roteiros. Hoje, para fazer um personagem virtual como Hulk ou o Gollum de "O Senhor dos Anéis" andar, correr ou saltar,
um programador visual precisa desenhar seu movimento passo a passo ou mapear a coreografia de uma pessoa real
equipada com sensores. Além de envolver uma formidável quantidade de trabalho o método não é nada versátil; se o roteiro
for modificado todo o procedimento precisa ser refeito. Por que não colocar a evolução para trabalhar e deixar o personagem
aprender a andar sozinho? Foi isso o que fez o pesquisador Torsten Reil, da Universidade de Oxford. Ele criou centenas de
pequenos seres digitais com a mesma liberdade de movimentos que os humanos e estabeleceu a meta que eles deveriam
atingir a cada geração: a maior distância percorrida sem cair. Os seres da primeira geração mal saíam do lugar, logo
desabavam desajeitadamente, mas os melhores dentre eles davam origem a descendentes com ligeiras modificações
aleatórias. Como na natureza, a maior parte destas modificações produzia seres ainda mais inaptos, mas uns poucos deles
melhoravam as metas da geração anterior e eram selecionados para continuar se reproduzindo. Vinte ciclos depois, não mais
que alguns minutos de processamento, os personagens virtuais haviam aprendido a andar com desenvoltura. Você pode
assistir o vídeo de um ser digital aprendendo a andar no site da Natural Motion, a companhia fundada por Reil.

Até aqui os programadores estiveram criando vida artificial virtual, dentro de seus computadores. E
por que não começar a criar vida artificial "real"? Em 2000 dois engenheiros, Hod Lipson e Jordan Pollack do MIT,
anunciaram um programa de computador destinado a projetar evolutivamente robôs que caminham. Como sempre os robôs
mais aptos evoluíam introduzindo pequenas modificações no código de seus descendentes, enquanto os menos aptos
acabavam extintos, como mamutes e dinossauros. Cerca de 600 gerações depois os robôs mais bem sucedidos foram
construídos em plástico moldado em uma máquina de prototipagem (uma impressora em 3D). No processo, os engenheiros
intervieram apenas para montar os motores nas peças de plástico expelidas pela máquina.

É interessante notar que sem a natureza para imitar, o computador produziu


robôs que não se parecem com nada que anda na Terra, algo mais parecido com formas primitivas de vida alienígena. O
próximo passo seria inventar máquinas com sensores que pudessem fazer tudo sozinhas, desde o projeto até a fabricação.
Teríamos então o perfeito cenário de um filme de ficção científica: robôs evoluindo e se reproduzindo sem nenhuma
intervenção humana, tornando-se mais adaptados a cada geração e fazendo os modelos anteriores ficarem obsoletos. Por
acaso você pensou num velho robô exterminador T-800 sendo ultrapassado por um moderníssimo T-X em um mundo
dominado pelas máquinas? Bem, os cientistas também. Para manter sempre acesa a lembrança da responsabilidade que
têm, Lipson e Pollack denominam seu projeto de GOLEM, uma sigla para Genetically Organized Lifelike Electro Mechanics,
mas que é também o nome de uma criatura mágica, que na lenda judaica subjuga o rabino que lhe deu vida.

Robôs autoreplicantes seriam ideais para utilização em ambientes inóspitos ao homem, especialmente outros planetas, tanto
que a NASA vem há tempos estudando a possibilidade de semear a superfície da Lua e de Marte com robôs deste tipo. Na
verdade, a idéia de robôs autoreplicantes explorando o universo por nós é tão boa, mas tão boa, que o simples fato de
nunca termos encontrado robôs de civilizações alienígenas tem sido usado como argumento de que ou elas não existem, ou
não atingiram um estágio tecnológico comparável ao nosso. Afinal, se existe vida inteligente lá fora e ela é tão abundante
como crêem alguns cientistas, por quê o universo não está infestado de robôs se reproduzindo exponencialmente em cada
sistema solar que chegam? Por que ainda não encontramos um grande monolito negro como o de "2001 Uma Odisséia no
Espaço"? Em outras palavras, por que, por mais que vasculhem o céu, os cientistas não ouvem nada além do "Grande
Silêncio"? Esta é uma variante do Paradoxo de Fermi, uma questão inicialmente elaborada pelo físico Enrico Fermi (que não
chegou a pensar em robôs autoreplicantes).

Fermi acreditava firmemente na existência de vida inteligente extraterrestre mas andava um tanto frustrado por ninguém ter
encontrado ainda uma pista sólida deles. Um dia, chegando ao refeitório do lendário laboratório de Los Alamos bradou a
frase que se tornaria famosa: "Onde eles estão?". Seu colega, o físico húngaro Leo Szilard, dono de um poderoso senso de
humor, respondeu: "eles estão entre nós, mas chamam a si mesmos de húngaros!". A brincadeira corrente em Los Alamos
de que os húngaros são na verdade marcianos disfarçados dizia respeito não apenas à estranhíssima língua húngara,
diferente de todas as línguas européias, mas também ao grande número de geniais cientistas daquele país; muitos dos mais
brilhantes físicos do século XX nasceram na Hungria, entre eles John von Neumann, considerado o pai do computador digital
e o primeiro a propor máquinas autoreplicantes. Hmm... faz sentido...

Se vamos encontrar robôs autoreplicantes um dia só o tempo vai dizer. Neste caso vamos torcer para que pertençam a
civilizações alienígenas sociáveis, não que venham de um futuro não muito distante em que as máquinas dominaram o
mundo e costumam enviar, de tempos em tempos, andróides exterminadores ao passado para matar o líder da resistência
humana...

A construção e utilização de ferramentas é a principal habilidade humana responsável por nosso desenvolvimento
tecnológico. Elas nos permitem realizar tarefas que seriam impossíveis se contássemos somente com a capacidade natural
de nosso corpo e sua utilidade está intimamente ligada ao material do qual é feita. No início, só podíamos contar com
diversos tipos de rochas e ossos. Alguns metais também eram usados, só que mais como ornamentos do que em
ferramentas, já que a tecnologia da época só permitia processar metais macios e encontrados na natureza em sua forma
pura, como ouro, prata e, em menor grau, o cobre.

Mas a maior parte do cobre existente na crosta terrestre, assim como a maioria dos metais, encontra-se combinado com
oxigênio, em compostos que chamamos genericamente de minérios. Para transformar o minério do metal em metal puro, é
preciso, antes de mais nada, aquecê-lo a uma temperatura alta o suficiente para derretê-lo (é preciso também uma fonte de
carbono – como madeira ou carvão – para remover o oxigênio). Uma fogueira aberta não é capaz disso, mas por volta de
3.500 a.C. nossos antepassados conseguiram atingir por volta de 1.150oC (Celsius), acima da temperatura de fusão do
cobre, em fornos fechados. Logo que aprendemos a refinar o cobre, descobrimos que derretendo o cobre junto com outros
metais é possível produzir combinações interessantes, chamadas de ligas. Por exemplo, cobre e estanho, outro metal de
baixo ponto de fusão, formavam uma liga que se revelou de grande utilidade – o bronze (que também podia ser feito com
antimônio, arsênico ou chumbo).

Ainda que sua descoberta tenha sido um grande avanço, o bronze apresentava limitações. Além de caro, era pouco
resistente. Precisávamos de um metal melhor... e conseguimos – o ferro. Mas a temperatura de fusão do ferro é por volta de
1.500oC, além da capacidade dos fornos antigos. Havia então duas formas de contornar esta limitação. Quando misturado
com aproximadamente 3,5% de carbono o ferro se liquefaz a uma temperatura mais baixa. Outra opção era retirar as
impurezas do minério sólido, sem a adição de carbono aquecendo-o a uma temperatura abaixo do ponto de fusão do ferro,
através de impactos repetidos. Daí a visão clássica do ferreiro antigo batendo repetidamente em uma peça de ferro sobre
uma bigorna, ou de orcs forjando suas espadas.

Esse processo de impactos repetidos alternados com aquecimento também podia ser aplicado ao ferro ao qual carbono havia
sido adicionado de forma a reduzir a quantidade de carbono presente a níveis abaixo de 2% – o aço, ainda que em uma
versão primitiva. Mas para produzir aço de melhor qualidade, é necessário romper a barreira dos 1.500oC e modernamente
isto é feito em fornos especiais que permitem controlar cuidadosamente a quantidade de carbono e outros elementos
presentes. Assim pode-se produzir tipos diferentes de aço, como por exemplo o aço inoxidável (que tem menos de 0,1% de
carbono e quantidades variáveis de níquel, cromo e outros metais).

Outros metais utilizados modernamente tem pontos de fusão ainda maiores, como o titânio. Vastamente empregado na
indústria aeroespacial, o titânio funde próximo a 1.700oC. Mas, surpreendentemente, temperaturas muito maiores que essas
são necessárias para a produção de um material que não é metálico – a grafite. A grafite que você usa na sua lapiseira é
encontrada diretamente na natureza, mas uma grafite de melhor qualidade é usada em inúmeras outras aplicações (desde
motores elétricos a reatores nucleares) e para produzí-la é necessário atingir 3.000oC. Compare isso com a temperatura da
superfície do Sol: 6.000oC.
Mas se você acha que estas temperaturas são altas, saiba que cientistas em todo mundo estão buscando atingir
temperaturas literalmente milhares de vezes maiores. Elas são necessárias para manter uma reação de fusão nuclear – a
mesma fonte de energia que mantém as estrelas brilhando e que pode solucionar os problemas energéticos mundiais. Ao
contrário da fissão nuclear, utilizada nos reatores nucleares atuais, a fusão nuclear não gera lixo radioativo e utiliza
combustíveis facimente encontrados. A grande dificuldade é que a reação só acontece acima de 100.000.000oC. Não, não
erramos no número de zeros, é cem milhões de graus Celsius mesmo.

Para começar, nenhum material conhecido consegue suportar estas temperaturas. Então, como seria construído um reator
desse tipo? Bem, nessa temperatura, qualquer material encontra-se sob uma forma conhecida como plasma. Em condições
normais, os átomos de qualquer material são constituídos de um núcleo (com carga elétrica positiva) e um conjunto de
elétrons (com carga elétrica negativa). No plasma, estes dois componentes são separados, formando uma grande mistura de
partículas carregadas. Essas partículas podem, portanto, ser controladas por um campo magnético, no que é chamado de
confinamento. Em um reator, o plasma seria confinado por um forte campo magnético, de forma a não entrar em contato
direto com as paredes do reator e diminuindo a temperatura a que o material das paredes seria exposto. Aliás, vários
exemplos de plasma podem ser encontrados em nosso cotidiano (obviamente a temperaturas muito mais baixas), como por
exemplo o interior das lâmpadas fluorescentes ou nas telas dos modelos mais modernos (e caros) de televisões.

O grande desafio para os cientistas nucleares será atingir e manter as altas temperaturas necessárias à reação de fusão
nuclear. Assim como para Frodo e seus amigos, o sucesso nessa busca pode mudar radicalmente o futuro de nossa
sociedade.

Mas como satélites monitoram animais a centenas de quilômetros acima da Terra? Primeiramente os cientistas prendem aos
animais pequenos transmissores. Estes transmissores enviam ondas de rádio que são captadas por dois satélites do NOAA
especialmente equipados com um sistema especial conhecido por ARGOS. O sistema ARGOS é um empreendimento conjunto
do NOAA, da NASA e da agência espacial francesa, a CNES, destinado exclusivamente à pesquisa ambiental.

Para determinar a posição do transmissor, os satélites do NOAA usam o efeito Doppler. Para entender o efeito Doppler
imagine que você está em um carro em movimento e passa por um outro carro que está buzinando, imóvel num
engarrafamento na contra-mão. À medida que seu carro se aproxima o som da buzina parece mais agudo, enquanto que à
medida que se afasta ele parece mais grave. Isto acontece porque as ondas sonoras emitidas pela buzina são como ondas
no mar atingindo seu ouvido; quanto mais ondas chegam em um determinado período de tempo maior a frequência do som
que você ouve, e quanto maior a frequência do som mais agudo ele é. Quando você está se movimentando em direção às
ondas sonoras acaba atravessando um número de ondas maior do que o que passaria por você se estivesse parado (assim
como uma lancha atravessa mais ondas se navega em direção a elas). O contrário acontece quando você se afasta da
buzina: com menos ondas chegando ao seu ouvido num mesmo intervalo de tempo, a frequência do som é menor e ele é
mais grave. No ponto em que a buzina se encontra à menor distância possível do seu ouvido a frequência que você ouve é a
mesma da buzina (a mesma que ouve todo o tempo o motorista do carro parado). Este é o mesmo princípio dos satéites do
NOAA, só que em vez de ondas sonoras, o satélite viajando pelo espaço "escuta" as ondas eletromagnéticas enviadas pelo
transmissor, lá embaixo na Terra. Quando o satélite "ouve" uma frequência igual a que o transmissor está emitindo (que ele
conhece), é sinal de que está o mais próximo possível dele. Conhecendo-se a órbita e velocidade do satélite assim como a
velocidade das ondas de rádio (igual a velocidade da luz) é possível calcular a posição do transmissor com uma precisão que
varia de 150 a 1000 m.

O principal uso do ARGOS é na pesquisa oceonográfica (que responde por mais da metade do uso do sistema) mas qualquer
coisa na qual se possa fixar um minúsculo transmissor de 15 gramas pode ser monitorado: aves, animais selvagens, barcos
(especialmente os pesqueiros, para saber se estão nas áreas delimitadas para pesca), aventureiros em terras inóspitas (os
exploradores de hoje não são como os de antigamente), caminhões com carga sensível e até mesmo o gelo das calotas
polares, para medir seu deslocamento. Desta maneira, além do que fazem os peixes no oceano, os oceanógrafos podem
saber o que faz o próprio oceano. Com transmissores ancorados ou à deriva em bóias, os pesquisadores são capazes de
determinar o movimento das marés, nível dos oceanos, velocidade e direção das correntes oceânicas. Hoje em dia há
milhares de transmissores espalhados pelos sete mares monitorando-os e enviando zilhões de bytes de informação para os
satélites do ARGOS. Mas é claro que nem sempre o estudo do oceano foi tão high-tech assim.

O princípe Albert I de Monaco foi um dos primeiros oceanógrafos de que se tem


notícia. No final do século XIX, naquele romântico tempo em que um homem podia se lançar ao estudo da ciência movido só
pela curiosidade e paixão e desvinculado de financiamentos do governo (claro que neste aspecto a generosa conta bancária
da família real ajudou bastante) este aristocrata lançou ao mar centenas de garrafas e esferas ocas de bronze com
mensagens que pediam a quem as encontrasse que as devolvessem ao remetente contando onde as haviam encontrado.
Com as respostas que recebeu, o princípe Albert pôde estabelecer e mapear pela primeira vez, sem a ajuda de satélites nem
transmissores, o sentido de rotação das correntes marinhas no Oceano Atlântico.

Albert I morreu em 1922 com 72 anos de idade. Antes disso construiu em Monaco um grande museu náutico que hoje é
visitado por mais de um milhão de pessoas por ano. O maior destaque do museu é o impressionante aquário contendo um
coral vivo no qual se pode ver, entre outras espécies, o peixe anêmona. Este peixe recebe seu nome por viver entre os
tentáculos de um venenoso animal parecido com uma planta aquática, chamado anêmona, mas graças às suas cores vivas e
listras brancas o peixe anêmona atende mesmo é pelo nome de peixe-palhaço. Sim, isso mesmo, o nome do pequeno Nemo
não veio apenas do famoso capitão do livro de Júlio Verne...

Homeopatia

por Ana Luiza Barbosa de Oliveira


em 05/07/02

Os princípios da homeopatia

1.Introdução
2.Os princípios da
homeopatia
3.O ponto de vista
bioquímico
4.Pesquisa científica
5.A aparente eficácia
6.Conclusões

O pai da homeopatia, o médico alemão Samuel Hahnemann (1755-1843), tinha bons


motivos para ir contra as práticas médicas comuns do século XVIII, que incluíam sangrias,
sanguessugas, purgas e outros métodos que realmente causam mais mal do que bem.

Durante seus estudos, Hahnemann percebeu que a administração de quinino (uma droga
empregada no tratamento da malária) a um paciente saudável causava alguns dos sintomas
associados à esta doença. Assim, seguindo esta linha de pesquisa, Hahnemann
eventualmente concluiu o seguinte princípio terapêutico: o caminho certo para tratar uma
doença é dando ao paciente uma determinada droga, a qual numa pessoa saudável causa
os mesmos sintomas apresentados pela pessoa doente. Por exemplo, os óxidos de enxofre
SO2 e SO3 causam crises de tosse semelhante a crises de asmas, então estas substâncias
são prescritas para pacientes asmáticos.

Hahnemann expôs sua teoria na frase em latim similia similibus curentur (semelhante cura
semelhante) ou melhor ainda, doenças semelhantes curam doenças semelhantes, pois ele
achava que determinadas substâncias causavam, quando ingeridas, uma doença artificial no
doente, que fazia o corpo curar a doença verdadeira. Este é o princípio da similitude ou a Lei
da Similitude, que foi apresentada ao mundo em 1796. A palavra homeopatia vem do
grego homoios (similar, igual) e pathos (doença, sofrimento).

Hahnemann e seus seguidores começaram a fazer experimentos com várias substâncias de


origem vegetal, animal e mineral, que foram compilados em livros chamados materia
medica, que são utilizados para associar os sintomas de um paciente com a droga
adequada.

Ele declarou ainda que as doenças eram perturbações na habilidade do corpo de se curar e
que portanto eram necessárias apenas quantidades ínfimas para iniciar o processo de cura.
Ele também declarou que as doenças crônicas eram uma manifestação de uma coceira
reprimida (psora), um tipo de miasma ou espírito maligno. Utilizando inicialmente doses
pequenas de medicamentos, Hahnemann posteriormente passou a empregar enormes
diluições, teorizando que quanto maior a diluição maior o efeito. Desta forma, os remédios
homeopáticos são "dinamizados", isto é, diluídos até o ponto em que não mais exista mais
uma única molécula do princípio ativo. Hahnemann justificou este procedimento com uma
teoria de que não são os átomos das substâncias que curam, mas sim uma espécie de efeito
indutivo causado pela presença destas moléculas durante a diluição. Este princípio é
conhecido como Lei dos Infinitesimais.

Estas idéias são a base da homeopatia moderna. Muitos homeopatas afirmam também que
algumas pessoas possuem uma afinidade especial com um remédio em particular (o
chamado "remédio constitucional") e que serve para curar várias doenças. Estes remédios
são prescritos de acordo com o tipo constitucional da pessoa. Alguns exemplos destes tipos
são:

Ignatia - pessoa nervosa e muitas vezes chorona e que não gosta de fumaça de cigarro

Pulstilla - é uma mulher jovem com cabelo louro ou castanho claro, olhos azuis, gentil,
temerosa, romântica, emotiva, amiga, porém tímida.

Nux Vomica - pessoa agressiva, belicosa, ambiciosa e hiperativa.

Sulfur - gosta de ser independente.

A aparente eficácia

1.Introdução
2.Os princípios da
homeopatia
3.O ponto de vista
bioquímico
4.Pesquisa científica
5.A aparente eficácia
6.Conclusões
Apesar da falta de comprovação científica, inúmeras pessoas atestarão a eficácia dos remédios homeopáticos a partir
de suas experiências pessoais. Por quê?

Dois efeitos contribuem para a aparente eficácia dos remédios homeopáticos. Em primeiro lugar, várias condições
médicas de menor gravidade (por exemplo, uma gripe) têm uma regressão natural, mesmo que nenhum
medicamento seja empregado. Ao observar esta regressão após tomar um medicamento ineficaz, a pessoa
frequëntemente associará a cura ao medicamento, mesmo que este não tenha tido nenhuma participação no
processo.

Outro efeito importante é conhecido como efeito placebo. Placebo significa em latim "eu vou agradar". O termo foi
introduzido no século XIX para denominar remédios que eram receitados somente para agradar o paciente. Um
placebo é definido como um tratamento que causa um efeito no paciente, apesar de não ter nenhuma ação específica
na doença. Em outras palavras, é um medicamento "falso", cuja função é apenas fazer o paciente acreditar que está
sendo tratado. O efeito placebo é bem documentado, sendo empregado nos testes de avaliação de novos
medicamentos. Nesses testes se adota um procedimento conhecido como duplo cego. Isto significa que parte dos
pacientes recebe o medicamento real e o restante recebe um placebo, sendo que nem os pacientes nem os médicos
que aplicam os medicamentos sabem quem está recebendo o quê. Desta forma, é eliminada qualquer influência de
fatores psicológicos na evolução da doença. Se o medicamento em teste apresentar resultados significativamente
melhores que o placebo, sabe-se então que isto é realmente conseqüência de sua ação química no organismo.
Dependendo da doença em questão a fração de pacientes que apresentam melhora após a administração do placebo
pode ser superior a 30%.

Pode-se argumentar que se o efeito de um medicamento baseia-se unicamente no efeito placebo, isto não constitui
um problema, já que a pessoa irá se curar de sua doenças sem sofrer efeitos colaterais resultantes da administração
de remédios tradicionais. Isto é realmente válido para doenças auto-limitadas, que não apresentam consequências
graves. Por outro lado, a administração de um placebo para doenças graves pode levar a sérias conseqüências
(inclusive, em alguns casos, a morte). Este é um risco assumido conscientemente por pacientes que se
oferecem voluntariamente para participar de pesquisas de novos medicamentos.

Outros fatores podem influenciar a percepção da eficácia de um medicamento. Um excelente texto sobre este assunto
pode ser encontrado aqui.

Conclusões

1.Introdução
2.Os princípios da
homeopatia
3.O ponto de vista
bioquímico
4.Pesquisa científica
5.A aparente eficácia
6.Conclusões

Os princípios que formam a base teórica da homeopatia não têm nenhuma comprovação científica; pelo contrário,
eles estão em flagrante desacordo com o nosso conhecimento atual de física, química e biologia;

A princípio, o fato de uma teoria ir de encontro ao conhecimento atual em qualquer área da ciência não significa
necessariamente que esta teoria esteja errada. Existem inúmeros casos na história da ciência onde novas teorias,
inicialmente descartadas, foram posteriormente comprovadas. O verdadeiro teste de uma nova teoria é a sua
coerência com resultados experimentais observados e sua capacidade de prever novos resultados anteriormente
inesperados. Entretanto, até o momento, as teorias da homeopatia não atingiram nenhum destes requisitos.

Mesmo que as teorias homeopáticas estejam erradas, é concebível que os remédios homeopáticos sejam eficazes,
agindo por algum outro mecanismo desconhecido. Mais uma vez, o verdadeiro teste é a obtenção de resultados
experimentais confiáveis. Infelizmente, apesar de serem empregados há mais de um século, ainda não foram obtidos
resultados convincentes de que os remédios homeopáticos são realmente eficazes contra qualquer tipo de doença.

O fato de que os remédios homeopáticos não são submetidos a testes tão rigorosos como os medicamentos
tradicionais e, principalmente, a oposição (de pelo menos parte) da comunidade homeopática a que isto seja feito,
contribui para a descrença em sua eficácia.

Um argumento clássico a favor das chamadas terapias alternativas, onde a homeopatia se enquadra, é de que os
resultados que comprovam sua eficácia são descartados pela comunidade científica em razão de preconceito ou da
ausência de uma atitude "aberta" a conhecimentos originados fora das linhas tradicionais de pesquisa. Apesar de isto
poder ser verdade para certos indivíduos, o método científico é, em sua concepção, imparcial. É difícil acreditar que a
comunidade médica em geral descartaria qualquer tipo de tratamento cujo efeito fosse realmente comprovado, por
simples preconceito. Isto é especialmente válido para o caso dos remédios homeopáticos, em virtude de seu
baixíssimo custo de preparação.

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