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OUTRA UFAL É POSSÍVEL

Carta à Comunidade Universitária da UFAL: estudantes, técnicos e


professores

Nós, professores, estudantes e técnicos, contrários aos rumos atuais da política para a
educação e para o ensino superior que estão sendo impostos a nossa comunidade
universitária, posicionamo-nos coletivamente e convidamos todos os interessados a
participarem da construção de um projeto alternativo para a nossa universidade:

Por uma UFAL pública, estatal, democrática, com gestão transparente


no uso dos recursos públicos e comprometida socialmente com as
necessidades da maioria da população alagoana.

Entendemos que o processo eleitoral para a reitoria deve nos encorajar à organização
coletiva e ampliada e deve ser o ponto de partida para a construção de um programa
para o enfrentamento – a curto, médio e longo prazo – dos inúmeros problemas
vivenciados por nossa universidade. Por isso, entendemos que todos os docentes,
técnicos e estudantes que vêm lutando nos diferentes campi pela universidade que
queremos, devemos formular princípios básicos e comuns, orientados pela síntese do
projeto alternativo apresentada acima. O desafio é atualizar as bandeiras históricas do
movimento universitário, considerando as demandas colocadas pelo presente.

Nesse sentido, apresentamos, inicialmente, os três principais eixos que devem nortear
uma proposta de gestão que acolha e que responda às demandas postas pela
comunidade universitária e pela sociedade alagoana. A seguir, listamos algumas
propostas concretas que devem dar início à construção de um projeto coletivo que se
constitua numa alternativa viável em torno da UFAL que precisa ser construída.

DEFESA DA UNIVERSIDADE PÚBLICA, ESTATAL E DE QUALIDADE SOCIALMENTE


REFERENCIADA, COMPROMETIDA COM O FORTALECIMENTO DAS ATIVIDADES
DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

Para que a dimensão pública da universidade se efetive, ela deve ser capaz de ser
representativa socialmente, culturalmente, intelectualmente e cientificamente. Por
isso, queremos desenvolver na UFAL

“[...] a capacidade de assegurar uma produção de conhecimento inovador


e crítico que respeite a diversidade e o pluralismo e não simplesmente
preencha uma função de reprodução de estruturas, relações e valores,
antes acolha os mais diversos elementos que possam constituir
questionamentos críticos que configurem a universidade como

1
protagonista da evolução histórica da sociedade”1.

Ao contrário disso, os rumos impostos à UFAL nos últimos anos vêm abrindo brechas
para a consolidação de interesses privados em seu interior. Este processo integra uma
tendência mais ampla de invasão do setor público pelo setor privado em que, cada vez
mais, a produção e a socialização do conhecimento vêm sendo submetidas à lógica do
lucro, conforme orientam as diretrizes neoliberais para a educação. Isto representa
uma forte ameaça à universidade como bem público.

A universidade deve estar voltada para a produção de conhecimento filosófico,


científico e tecnológico que impacte positivamente na melhoria da vida de todas as
pessoas e não apenas de quem detém o poder econômico. A formação promovida pela
universidade deve estar direcionada para as necessidades da humanidade,
considerando preferencialmente as demandas daqueles socialmente desprovidos de
condições sociais dignas de vida. É nesse sentido que a UFAL deve orientar suas ações,
reafirmando seu caráter de instituição pública, socialmente influente, capaz de
contribuir com a transformação do caótico quadro social do estado de Alagoas.

A política econômica alagoana mantém os alagoanos sob um enorme apartheid social,


com um dos maiores níveis de concentração de renda e de desigualdade social do país.
Os dados do IPEA (2008) sobre Alagoas são reveladores desta situação:

• 5% dos alagoanos controlam 62% das nossas terras, enquanto os pequenos


proprietários, 82%, detêm apenas 11% do território do estado;

• o rendimento médio dos 10% mais ricos é 54,4 vezes maior que a renda dos 10%
mais pobres no estado;

• 22% da população economicamente ativa não possuem nenhuma renda; 48%


recebem até 1 salário mínimo e apenas 4% recebem mais de 5 salários mínimos;

• apenas 1% da população detém 22,34% da riqueza do estado, em contraste com


os 50% mais pobres, que abarcam apenas 14,78% da riqueza total.

Conhecer os aspectos sociais, políticos e econômicos dessa realidade local ajuda a


compreender, sobretudo, a dinâmica que rege a relação entre o público e o privado em
Alagoas em todas as suas áreas, incluindo a UFAL.

Muitos desafios precisam ser enfrentados nos 102 municípios alagoanos,


principalmente no contexto em que o que é público é tratado com sigilo e apropriado
privadamente pelos gestores, resguardados pela impunidade reinante; a elite política e
econômica se alterna no poder, com fortes traços clientelistas, fisiologistas e
nepotistas; predomina uma cultura de subalternidade no povo alagoano, muitas vezes,
imposta pelas ameaças veladas e explícitas dos “velhos” e “novos” coronéis políticos
que mantêm seus “currais eleitorais” a todo custo.

O ranço do coronelismo configura-se nas práticas reproduzidas pelos senhores das


grandes propriedades agrária, pecuária e agroindustrial, destacando-se como um dos
maiores responsáveis pelo atraso em Alagoas. Afinal, são estes que determinam e
legitimam o poder político, cultural e econômico no estado, cuja hegemonia se dá
muito mais pela coerção do que pelo consenso, uma vez que os direitos políticos,
sociais e trabalhistas frequentemente são negados classes subalternas.

1
Extraídos do Caderno ANDES n. 2. Proposta do ANDES-SN para a universidade brasileira. 3ª
edição atualizada e revisada. Brasília, ANDES, 2003, p. 8.

2
A universidade não está imune a esta realidade. Tais práticas se reproduzem na UFAL,
desvirtuando-a da função social transformadora que ela deveria cumprir, na medida em
que as últimas gestões têm executado os projetos impostos pelas elites políticas e
econômicas de Alagoas.

Mas, é preciso lembrar que vivemos em terras alagoanas de bravos guerreiros que são
símbolo de resistência a ser seguido: Zumbi e o Quilombo dos Palmares, os Cabanos,
Graciliano Ramos, Nise da Silveira, Jaime Miranda, Gastone Beltrão, Manoel Lisboa,
Selma Bandeira, Jarede Viana e tantos outros.

No ano em que completa 50 anos de existência, a UFAL é especialmente desafiada a


contribuir para fortalecer esta trilha positiva da imagem de Alagoas no Brasil. Os c ampi
podem e devem atuar para reverter os graves problemas vividos pela maioria dos
alagoanos, concretizando, de fato, uma universidade socialmente comprometida.

Para tanto, é preciso enfrentar e desmontar estruturas privatizantes constituídas na


UFAL e que têm criado “[...] um clima favorável à desagregação do ambiente
acadêmico, favorecendo o individualismo, o empresariamento de docentes e
pesquisadores, transformando-os prioritariamente em gerentes do ensino, da pesquisa
e da extensão”2. É preciso também considerar as condições econômicas da população
alagoana e ampliar seu acesso ao conhecimento produzido e socializado na UFAL. Para
tanto o caráter público da universidade deve ser preservado com a manutenção das
atividades de ensino, de pesquisa e de extensão oferecidos e a extinção de quaisquer
formas de cobrança relativas às mesmas.

DEFESA DA EXPANSÃO DA UFAL COM QUALIDADE E INFRAESTRUTURA


NECESSÁRIAS

A expansão da UFAL promoveu o aumento do número de cursos e a entrada crescente


de alunos. Entretanto isto tem ocorrido em condições aviltantes para seus membros,
vez que o crescimento quantitativo não foi acompanhado pelo desenvolvimento da
qualidade e, não raro, os sonhos da comunidade universitária têm se transformado em
frustração e pesadelo.

Defendemos a garantia da manutenção e ampliação da oferta de educação superior


pública e gratuita na UFAL, mas com a qualidade e com o respeito que essas
populações merecem, garantindo a plena realização da missão da universidade nas
dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão.

Embora tenha havido uma ampliação significativa na contratação de docentes


(particularmente se levarmos em consideração o período de FHC), grande parte destes
profissionais chega em condições de trabalho e com níveis de cobranças (número de
turmas e alunos, atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão) degradantes,
prolongando as jornadas de trabalho pelas madrugadas e pelos finais de semana. Além
disso, a diversidade de formas de contratação, incluindo contratos que não garantem a
dedicação exclusiva, resulta numa brutal situação de desvalorização salarial e de
quebra de isonomia.

A situação dos técnicos não é diferente. Prevalece uma lógica de distribuição


administrativa desigual, sobrecarregando e descaracterizando funções administrativas,
incluindo, ainda, a precariedade de equipamentos e materiais e a falta de clareza nas
2
Caderno ANDES n. 2. Op. cit., p. 10.

3
rotinas administrativas. Em termos salariais, a desvalorização dos técnicos também é
evidente, com claro desrespeito das instâncias de gestão de decisões federais que
poderiam amenizar esta situação. Ao invés de implementar medidas que revertam a
situação dos técnicos, as últimas gestões da UFAL têm optado pelo barateamento das
atividades administrativas, não ampliando proporcionalmente as contratações por meio
de concursos públicos e transformando espaços de aprendizagem dos alunos –
potencial das bolsas-trabalho – em aprofundamento da precarização das funções
técnicas e administrativas.

As condições de acesso e permanência dos estudantes da UFAL é outra importante


frente que deve orientar a gestão da universidade, incluindo uma política de
assistência estudantil que garanta reais condições de estudo, por meio de sistemas e
mecanismos que permitam ao aluno condições de alimentação, transporte, moradia e
disponibilidade de material de estudo. Além disso, deve-se denunciar a exploração da
mão de obra subempregada através de recursos como as bolsas-trabalho destinadas a
realização de atividades-meio próprias ao trabalho do corpo técnico-administrativo e
não vinculadas às atividades-fim da universidade relacionadas aos processos de
pesquisa e extensão. Essa exploração vem produzindo uma crescente proletarização
discente, transformando programas de assistência estudantil destinados a alunos
oriundos de famílias de baixa renda em uma etapa do processo de precarização dos
serviços ofertados pela universidade, ao contrário de constituírem-se em projetos de
formação e qualificação estudantil.

Em síntese, a ampliação da UFAL, no sentido que a ela vem sendo dado, tem resultado
no comprometimento da qualidade das condições de aprendizagem dos alunos e das
condições de trabalho de docentes e de técnicos.

A criação de novos campi no Agreste (Campus de Arapiraca, com unidades em Palmeira


dos Índios, Penedo e Viçosa) e no Sertão (campus de Delmiro Gouveia, com uma
unidade em Santana do Ipanema), aspiração antiga de muitas regiões, muitas vezes
tem representado a ampliação de condições precárias de trabalho e de ensino, comuns
em diversas unidades de ensino no Campus A. C. Simões. O sucateamento da
infraestrutura, a renovação do clientelismo e a redução da formação universitária a
simples geração de mão de obra traduzem-se numa expansão inconsistente e numa
interiorização do ensino superior público distante das reais necessidades e direitos das
populações do interior do estado, subordinando o interior à capital. O que vem
acontecendo na UFAL reproduz e aprofunda o movimento nacional de desqualificação
do ensino superior público, que vem destituindo a universidade de sua condição de
lócus de pesquisa e produção de saber, rebaixando a solidez da formação de quadros e
o nível de criatividade e criticidade de futuros profissionais. O propósito é garantir o
pleno funcionamento de algumas universidades denominadas de “Centros de
Excelência”, onde seria produzida a ciência, reservando às demais o papel de
transmissores de conhecimento.

A necessária continuidade da expansão da UFAL, em respeito à população alagoana,


deve orientar-se por um projeto coletivo, amplo e democrático de reestruturação da
universidade, que “[...] defina modificações nas suas estruturas de organização e
poder, no desempenho de suas funções básicas como ensino, pesquisa e extensão, no
seu papel social, vale dizer, na sua interação com o conjunto da sociedade” 3.

Nesse sentido, propomos a expansão da UFAL com qualidade, planejamento,


infraestrutura e quantidade de pessoal para atender com condições dignas as novas
demandas de serviços da comunidade acadêmica (técnicos, alunos e professores),
elevando os novos campi e suas unidades à condição de espaços de produção do

3
Caderno ANDES n. 2. Op. cit., p. 12.

4
conhecimento, respondendo satisfatória e qualitativamente às demandas sociais
regionais.

COMPROMISSO COM UMA UNIVERSIDADE DEMOCRÁTICA E COM A


TRANSPARÊNCIA NAS DECISÕES E NO USO DOS RECURSOS PÚBLICOS

“A universidade, por ser uma instituição social de interesse público e de caráter


estratégico no atendimento às demandas da sociedade, exige que todas as decisões
estejam submetidas ao controle público, sob critérios democráticos e transparentes” 4.
Essa deve ser a orientação básica da gestão da UFAL que aqui propomos, respeitando
os preceitos constitucionais definidos para a administração pública (legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) e para a autonomia didático-
científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial da universidade,
obedecendo ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

A gestão democrática que defendemos pressupõe a garantia, a preservação, o


fortalecimento e a ampliação das diversas instâncias colegiadas da UFAL, responsáveis
pelas proposições, discussões e deliberações sobre os diferentes temas que afetam a
vida da universidade. Esses espaços devem garantir a autonomia e o funcionamento
plenamente democráticos da universidade, com base em colegiados e cargos de
direção eletivos que respondam diretamente às suas respectivas comunidades
acadêmicas. Entendemos que “É fundamental que o avanço do processo de
democratização interna das IES tenha por objetivo uma reorientação na política
institucional da universidade, levando em conta o seu compromisso social e as suas
funções principais: formar bem, produzir o saber e servir à comunidade em que está
inserida”5.

Isto passa, entre outros, pela efetiva democratização do CONSUNI, a partir de uma
mudança na estrutura e proporcionalidade de sua representação. O atual modelo, além
de não ser representativo da comunidade acadêmica, amplia as margens de
construção de uma falsa legitimidade em torno das demandas e interesses da Reitoria
(veja-se a última manobra promovida no adiantamento dos prazos para a sucessão
reitoral) e reduz os espaços de representatividade e de deliberação da comunidade
acadêmica e da comunidade alagoana. O CONSUNI é a instância máxima de
deliberação da UFAL e a ele cabe, em última instância, a promoção e a garantia do
cumprimento do papel social da universidade, por meio da sua interação com o
conjunto da sociedade, envolvendo a comunidade acadêmica e a comunidade alagoana
na transformação da universidade, a partir da perspectiva de construção de uma
sociedade justa, democrática e humana.

Outro importante aspecto que deve orientar a gestão da UFAL é a absoluta


transparência na definição e no uso dos recursos públicos, o que deve ser garantido por
um orçamento participativo, que inclua um amplo e constante acompanhamento da
aplicação dos recursos e das prestações de contas. Apenas desta forma é possível
conferir transparência, publicidade e probidade aos processos de contratação de
empresas e de serviços necessários ao funcionamento e à ampliação da UFAL,
especialmente no que se refere às obras nos campi da universidade, evitando e
combatendo vícios e favorecimentos que comprometem o patrimônio público e
prejudicam o bom desempenho de professores, técnicos e alunos.

4
Caderno ANDES n. 2. Op. cit., p. 13.
5
Caderno ANDES n. 2. Op. cit., p. 14.

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